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Aula 2: Os gêneros e os modos de organização do discurso.

Prof. Gerson Rodrigues (UFRRJ)

Meta
Propor diferentes definições de gênero discursivo; Apresentar a importância
dos gêneros no processo de comunicação.

Objetivos

Ao final desta aula você deverá ser capaz de:

1) reconhecer a importância do estudo dos gêneros para o entendimento


de língua;
2) identificar diferentes tipos de gênero e suportes;
3) reconhecer os diferentes modos de organização do discurso;
4) diferenciar gêneros de modos de organização.

Introdução

Você já deve ter percebido que para cada situação em que estamos
envolvidos, buscamos um jeito novo de manifestar aquilo que queremos. Por
isso, nem sempre usamos a mesma maneira de organizar nossas
informações para alcançar um determinado objetivo. São várias e
incontáveis as formas que temos de organizar aquilo que queremos falar,
sendo exigida, para cada contexto, um grau maior ou menor de formalidade.
Independentemente de qual a situação, sabemos a forma que deveremos dar
ao texto e, quando isso não ocorre, buscamos meios para enquadrar as
informações. Assim que ganham corpo, fazendo sentido para nosso
interlocutor, dizemos que ali há um gênero textual, ou gênero discursivo.
Os estudos sobre texto na atualidade parecem entender como
pacificado o entendimento de texto como conjunto de enunciados com
determinada função comunicativa que, dependendo do contexto social em
que é produzido será definido como um gênero textual específico. O que
não se estabeleceu de maneira mais cristalizada, ainda, são os limites que
1
separam textos de natureza similar, que pertençam a um mesmo domínio
discursivo, como acontece com gêneros literários como crônica e conto;
novela e romance. O que realmente delimita o espaço de cada um? Quais
seriam os traços caracterizadores desses gêneros?
Para iniciar nossa viagem sobre os diferentes gêneros discursivos, é
importante retomar o que já se definiu previamente. Assim, a primeira
observação a se fazer é que os gêneros discursivos são, conforme Bakhtin,
enunciados (transmissão de pensamentos em palavras) proferidos por
diferentes integrantes de diferentes campos da atividade humana. Esses
enunciados se caracterizariam pelo conteúdo temático, estilo e construção
composicional, mas poderiam ser determinados pela especificidade de um
determinado campo da comunicação.
Em seu texto, Bakhtin salienta haver uma extrema heterogeneidade
dos gêneros dos discursos, que podem ser orais ou escritos, indo desde
comandos militares a documentos oficiais mais formais. Sendo assim,
entrariam dentro da categoria de gênero um bilhete que se poderia colocar na
porta de uma geladeira até um elaborado discurso em congresso em uma
assembleia ou o mais rebuscado texto literário.

VERBETE

Mikhail Bakhtin (1895/1975) é um dos maiores pensadores do século XX,


tendo publicado, na área da linguagem, trabalhos relacionados à questão do
estilo. O autor se destacou por seu trabalho na análise de romances, mas
tem especial destaque na área de estudos da linguagem, por conta de suas
definições de gêneros discursivos, que são utilizadas ainda hoje.

1. POR QUE ESTUDAR GÊNEROS?

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Antes de responder à pergunta proposta pelo título do tópico, é
necessário falar um pouco sobre qual a ideia de língua com que nos
propomos a trabalhar aqui. Aqui o entendimento é de que a língua é uma
atividade sociodiscursiva historicamente situada; é, acima de tudo, um
conjunto de práticas cognitivas e sociais. Segunda essa perspectiva, o sujeito
é uma entidade psicossocial com papel ativo na produção de sentidos na
língua.
Isso considerado, percebemos que a produção de qualquer texto é
algo essencial ao processo de comunicação entre os humanos, que, na
medida de sua necessidade, criarão diferentes gêneros discursivos.
A produção desses gêneros é tratada por William Hanks e, em uma
das definições propostas sobre texto,identifica-o“não na língua enquanto um
código funcional, mas nos artefatos enquanto produtos individualizados
elaborados quando o código é colocado em uso.” Assim, poderíamos dizer
quequalquer texto narrativo, poemas, conversas do dia a dia ou qualquer
outra troca discursivaapresentam em sua composição começo, meio e fim.
Algumas compartilhariam elementos que as tornariam produtos típicos de um
determinado discurso. É o germe do que entendemos por gênero.
Entendemos, assim, que estudar os gêneros é estudar o
funcionamento da própria língua, já que o processo de construção de um
texto evoca a participação de atores no processo de interação discursiva
(falante/ouvinte; escritor/leitor etc.), que estão envolvidos num ato de fala.

Atividade 1 (atende ao objetivo 1)

Observe os textosa seguire faça o que se pede.

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Ilustração: favor refazer a figura.

1) O que temos aqui é um exemplo de texto bastante simples, mas ainda


bastante importante para o ato de comunicar: um bilhete. Durante
muito tempo, este gênero serviu para passar mensagens curtas de
pais para filhos, esposas para maridos, chefes para subordinados
etc. Hoje em dia, com o advento de outras formas de comunicação
tão eficazes como o bilhete, talvez não vejamos tantos exemplos
desse gênero. Sendo assim, qual a importância que um
determinado gênero apresenta socialmente?

6 linhas para resposta.

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2) Você acha que os gêneros discursivos que se reconhecem hoje
podem sofrer alguma alteração em algum momento da história?
Cite alguns exemplos.

6 linhas para resposta.

Respostas comentadas:

1. Os gêneros ajudam a identificar em que estágio de desenvolvimento


está a comunicação na história. Assim, a mudança nas práticas sociais
afetará, certamente, as produções textuais. Exemplo disso é o uso de
mensagens de texto em celulares, que ajudaram a substituir as
mensagens curtas dos bilhetes.

2. Você deverá citar que os gêneros são criados a partir de necessidades


sociais para a comunicação. Gêneros como o e-mail, por exemplo,
podem sofrer transformações com o tempo, como aconteceu com as
cartas, que se transmutaram em e-mails. A dinamicidade na produção
dos gêneros deverá ser ressaltada pelos alunos.

2. Gêneros e demandas sociais

Para entendermos o papel dos gêneros discursivos, precisamos,


primeiramente, identificar os mecanismos por meio dos quais eles tomam a
forma que apresentam. Sabemos que não existem fórmulas específicas para
a produção desses textos, não há o entendimento de que uma gramática do
texto auxilie na produção de gêneros diversos, entretanto alguns
procedimentos se repetem e procedimentos linguísticos regulares atuam na
forma como o autor constrói as informações.
É necessário que se entenda que um gênero é, normalmente, um tipo
estável de enunciado, que apresenta um papel social e cultural, que ajudará
a determinar a sua forma. Nunca podemos dissociar um gênero de sua
5
função social. Além de um contexto específico, nós veremos mais à frente
que os gêneros são compostos por meio de esquemas linguísticos básicos,
por meio do que chamamos sequências tipológicas.
Para Ingedore Koch (2003:55), o domínio dos gêneros como o próprio
domínio da situação comunicativa, já que o sujeito os adaptará às
necessidades do processo de comunicação no contexto interacional. Dessa
forma,O sujeito enunciador construirá seus textos,agindo discursivamente ao
considerar esse contexto e as relações meio/fim.

BOX DE EXPLICAÇÃO

Ilustração: favor refazer a figura

Você já parou para pensar a partir de que momento começou a utilizar os


serviços de SMS? Algo que hoje faz parte da vida de quase todas as
pessoas no planeta não existia há bem pouco tempo. Não conseguimos nos
imaginar sem esse serviço, que passou a nomear um gênero. Sim, podemos
tratá-lo como gênero, pois, nos termos de Bakhtin:

1. É um tipo estável de enunciado.


2. Pode ser identificado pelo conteúdo e estilo.

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3. Tem função requerida, tendo em vista a necessidade temática, com um
grupo específico de participantes.
Fim do boxe

Vemos que, em uma situação definida, o sujeito utiliza-se de um meio


de transmissão de informação, criando uma série de padrões definidos
socialmente. Por exemplo, quando se envia um texto de tal natureza,
sabemos que não se escreve algo muito extenso. É certo que determinadas
informações não podem ser enviadas e, em alguns contextos, ele não pode
ser produzido. Ou seja, existem parâmetros pré-estabelecidos para a sua
produção, que, por serem regulares, justificam a existência do gênero.
Anteriormente, já havíamos falado do bilhete, um gênero muito mais
antigo que o SMS. Todavia, podemos observar que o segundo tem
substituído o primeiro em diversas situações, pois funciona
instantaneamente, ao passo que o primeiro implica o deslocamento dos
sujeitos para um mesmo ponto: o local exato do bilhete. Não se fala da
extinção dos bilhetes, porque seu uso ainda é muito comum nas relações
familiares. O hábito de deixar mensagens entre pais e filhos dá sobrevida ao
gênero.
O exemplo do SMS – assim como outros gêneros típicos da internet,
como e-mails, mensagens instantâneas de suportes como Facebook, Twitter
e Skype, dentre outros – mostra como as demandas sociais são
responsáveis pela geração dos diferentes gêneros. Assim acontece em
ambientes mais formais, ou não. São vários os contextos em que se
produzem textos e os diferentes sujeitos (enunciadores) sabem exatamente
como se comportar na produção de cada um. Quando não dominam o
contexto de produção, buscam o treinamento necessário, principalmente
quando se trata de textos mais formais.

VERBETE
SMS, do inglês short messageservisse, é hoje algo bastante comum, mas
relativamente novo. O primeiro SMS – que já foi chamado de torpedo,
durante um bom tempo – foi enviado no ano de 1992, mas era restrito a
7
pequenos grupos. Hoje é um dos meios mais rápidos de comunicação que
existem. Fim do verbete.

ATIVIDADE 2(ATENDE AO OBJETIVO 2)

Observe a imagem a seguir:

Ilustração, favor refazer a figura.

Febre no final dos anos 90, o pager, por um período curto de tempo, fazia o
papel dos celulares de hoje, pelo menos no quesito mensagem. Na verdade,
o aparelho funcionava como suporte para o recebimento de mensagens de
texto, mas não permitia a digitação e resposta. Caso alguém quisesse enviar
uma informação qualquer, telefonava para uma central de atendimento,
ditava o texto, que, posteriormente, era enviado ao destinatário, dono do
aparelho. Parece inimaginável algo assim nos dias de hoje, não é?
Partindo do exemplo dos pagers, responda:

1. Os gêneros textuais têm existência contínua ou podem sofrer alterações?


3 linhas ´para resposta

2. Em que momento entendemos que um gênero não deve mais existir?

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3 linhas para resposta

3. Você consegue lembrar-se de algum gênero que já foi bastante comum,


mas hoje está em desuso? Dê exemplos.

3 linhas para resposta

Respostas comentadas:

1. Os gêneros textuais podem, através dos tempos, sofrer alterações em


sua forma. O que caracterizará os textos será, essencialmente, o seu
objetivo.

2. O gênero deixará de existir a partir do momento em que não houver


mais demanda por sua produção.

3. Carta pessoal, bilhetes etc são exemplos de gêneros que estão caindo
em desuso por conta da tecnologia.

3.GÊNEROS ORAIS, ESCRITOS E DE INTERNET

No processo de comunicação, a quantidade de gêneros existentes é


incalculável. São diversos os suportes, os domínios discursivosalém da
possibilidade de esses textos serem exclusivamente orais ou escritos. Existe
também a possibilidade de alguns gêneros apresentarem características da
oralidade e da escrita, como acontece com alguns textos de internet, que não
são escritos, mas cuja informalidade beira o oral. Importante falar que
Bakhtin já reiterava que “Todas as esferas da atividade humana [...] estão
relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter
e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da
atividade humana.” (1992:179).
9
Verbete
Suportes são os canais em que os gêneros se apresentam.
Fim do verbete

Verbete

“A noção de domínios discursivos é apresentada de forma clara por


Marcuschi que afirma: “Usamos a expressão domínio discursivo para
designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade
humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o
surgimento de discursos bastante específicos. Do ponto de vista dos
domínios, falamos em discurso jurídico, discurso jornalístico, discurso
religioso etc., já que as atividades jurídica, jornalística ou religiosa não
abrangem um gênero em particular, mas dão origem a vários deles.”

Fim do verbete

Um exemplo de gênero tipicamente oral é a conversa espontânea.


Observem que este talvez seja um dos gêneros mais comuns no dia a dia,
entretanto não se registra na escrita. Podemos não perceber como ocorre,
mas existem determinadas regras de composição, turnos1 que precisam ser
respeitados. Produzimos esses atos de fala sem que nos expliquem seu
formato. Entendemos que, em um contexto em que aparentemente não
existem regras, obedecemos a alguns critérios para estabelecer contato com
ou outro. Na conversa espontânea, quando um fala o outro ouve. Quando
isso não acontece, há um truncamento no processo e a possibilidade de a
comunicação não se estabelecer é grande.

Verbete
Dizemos em análise da conversação que turno é a vez de um falante entrar

com sua contribuição a uma conversa.

1 Dizemos em análise da conversação que turno é a vez de um falante entrar com sua

contribuição a uma conversa.

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Fim do verbete

Ilustração: favor refazer a figura

Assim como há gêneros tipicamente orais, existem outros tipicamente


escritos, como por exemplo um memorando. A comunicação em uma
empresa ou em uma repartição pública precisa ser estabelecida por vias mais
formais, uma vez que existe a necessidade de se documentar determinados
atos O memorando serve para isso. É um texto tão formal que apresenta uma
estrutura que não muda nos diferentes lugares em que é construído, tendo
numeração, remetente e destinatário definidos. Você verá em alguns lugares
que esse texto receberá também o nome de circular – os nomes que
atribuem ao texto não importam, mas sim sua finalidade –, mas trata-se
basicamente do mesmo gênero.
Veja o exemplo a seguir.

UNIVERSIDADE XXXXXXXXXXXXXXXX
INSTITUTO DE XXXXXXXXXXXXXXX
COORDENAÇÃO RAS

Memorando 10/2013
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De: Coordenação local
À Coordenação de Informática
Assunto: Criação da página do curso

Rio de Janeiro, 31 de julho de 2013

Prezados,

Em fevereiro do corrente ano, o Conselho de Ensino Pesquisa e


Extensão aprovou a criação do Mestrado Profissional em Letras (doravante
PROFLETRAS), gerando algumas demandas para o bom funcionamento do
curso.
Dentre as demandas mencionadas, está a criação da página
com informações que possam ser acessadas pelos alunos.

Atenciosamente,

Fulano de Tal
Coordenador do curso

Além dos gêneros orais e escritos, existem outros que são


exclusivos da internet e que adotam características de gêneros escritos e
orais. Isso ocorre, pois, ao mesmo tempo em que as informações são
digitadas na tela de um computador, a rapidez exigida do processo não
permite que os textos apresentem a elaboração de um texto escrito em
aspectos diversos, como formatação e uso da linguagem mais formal. Assim,
ficamos em um meio termo entre a fala e a escrita. Exemplo disso são as
mensagens instantâneas, produzidas em diferentes suportes como Facebook
. Ali, obedece-se ao mesmo tempo a regras da fala e da escrita. Em alguns
casos, o uso da pontuação é essencial para não haver ambiguidades, como
na escrita; entretanto, obedece-se, também, aos turnos de conversação,
como na oralidade. Mesmo assim, ainda percebemos a existência de
truncamentos, pois o canal – no caso, a internet – pode falhar. Assim, vemos
que o processo assemelha-se ao da fala, mas não apresenta exatamente as
mesmas características.
Até agora vimos alguns gêneros que foram comuns em nosso dia a
dia, mas que não apresentam mais a mesma utilidade no processo de
comunicação. A pergunta que fica é: por que esse fenômeno acontece?

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Luiz Antônio Marcuschi afirma que os gêneros são fenômenos
históricos ligados à prática cultural e social. Ora, à medida que a sociedade
vai-se modificando, isso também ocorre com a forma com que nos
comunicamos e com os gêneros que usamos nesse processo. A utilização de
novas tecnologias hoje faz com que o advento de novos gêneros seja algo
muito comum. Aliás, isso já vem acontecendo há um tempo, uma vez que
suportes como a televisão já ajudaram a mudar a forma com que os homens
se comunicam. Vejam por exemplo o que são hoje as videoconferências. Fica
clara ali a influência do suporte tv para a criação desse outro suporte.
O fenômeno da transmutação de gêneros não é novidade, uma
vez que o próprio Bakhtin já o havia explicado. Isso acontece, pois o falante
naturalmente emprega uma estrutura de um determinado gênero em outro
suporte – como acontece com o e-mail, por exemplo, que surgiu como uma
carta.

ATIVIDADE 3 (Atende ao objetivo 2)

1.Nós vimos que existem gêneros que podem ser característicos da oralidade
ou da escrita. Um caso interessante é o das lendas presentes em culturas
ágrafas, que são gêneros orais, cuja existência se manteve ao longo dos
anos, por conta da tradição da contação de histórias. Entretanto, muitas
dessas lendas foram transcritas e adaptadas para a escrita. Você entende
que isso descaracteriza o gênero? Por quê?

5 linhas para resposta

2. Alguns gêneros utilizam formas híbridas no que diz respeito ao uso


de uma linguagem formal ou informal, ou seja, adotam uma mistura dos dois
registros. Vimos que a internet é um canal em que se utilizam esses dois
registros , mas também existe espaço para predominância de um ou outro. A
partir de sua experiência como aluno de um curso semipresencial, indique
exemplos de textos que sejam mais formais na internet.

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5 linhas para resposta

3. No tópico que acabamos de estudar, vimos que a estrutura do


gênero importa menos que seu propósito, tanto que alguns gêneros
apresentam estrutura idêntica, mas nomes diferentes como no caso da
Circular e Memorando. Você conhece algum outro exemplo em que isso
acontece? Em caso afirmativo, aponte-o.

5 linhas para resposta

Resposta Comentada
1. Você deverá responder que, na verdade, não há uma
descaracterização do gênero, mas não se preservam elementos
originais do gênero, que poderá continuar existindo.
2. Na internet, suportes como o Facebook e o Twitter, permitem a
produção de gêneros com essa natureza, principalmente pelo fato de,
na internet haver a possibilidade de utilizar elementos da oralidade. Há,
entretanto, ambientes específicos, como plataformas de ensino, em
que se exige uma maior formalidade, como fóruns.

3. Alguns gêneros literários como o conto podem apresentar


formas diferentes, dependendo da intenção do autor. Alguns
aproximam-se de novelas; outros, de crônicas. Em algumas atividades,
como no discurso jurídico, algumas peças processuais são
produzidasem formato totalmente diverso do esperado – como é o caso
de sentenças e petições produzidas em verso.

Fim da resposta

3. Gêneros e modos de organização do discurso: a questão


das tipologias

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A primeira definição de gêneros discursivos (ou textuais) a que
tivemos acesso dava conta de que estes seriam conjunto de enunciados
estruturados de forma relativamente estável. A essa definição de Bakhtin,
soma-se a encontrada em Marcuschi em que se diz serem os gêneros
“realizações linguísticas concretas, definidas por propriedades
sociocomunicativas”.
O que vemos nessas definições é que os gêneros têm, em sua
base, a questão estrutural e a recorrência para que sejam definidos como tal.
Qualquer definição que se estabeleça a partir de um objeto de estudo
linguístico deve considerar isso. A recorrência permite que identifiquemos o
que há de comum em sua estrutura e que pode ser reaplicado na produção
de textos. Marcuschi ainda assinala, a respeito dos gêneros, que a
expressão é utilizada de maneira vaga e ressalta o aspecto funcional para a
definição dos mesmos, além do propósito.
Nesse sentido, cabe tratar de outra discussão intimamente ligada à
produção dos gêneros: a questão da tipologia textual ou os modos de
organização do discurso. Sobre este assunto, você verá que há mais de uma
nomenclatura com alguns autores tratando do mesmo objeto como
sequências tipológicas, sequências etc. De uma maneira geral, pouca coisa
muda naquilo que se propõe a analisar. Sobre o tema, diversos autores já se
debruçaram e trouxeram suas contribuições, dentre as quais usamos a
seguinte:
“ Usamos a expressão tipo textual para designar uma
espécie de construção teórica definida pela natureza
linguística de sua composição {aspectos lexicais,
sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral,
os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de
categorias conhecidas como: narração, argumentação,
exposição, descrição, injunção. (Marcuschi,2004:107)

Cabe aqui especificar que tipologia textual ou modos de organização


do discurso diferem de gêneros por estabelecerem aspectos estruturais que
determinam a elaboração de textos de uma forma geral. Os diferentes modos
de organização, assim, subjazem aos gêneros. Por exemplo, ao se pensar
em um romance, um autor considera contar uma história e, para isso, vai-se

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utilizar de um tipologia predominante que é a narração. Dizemos
predominante pois, muito dificilmente, um gênero será produzido a partir de
uma única tipologia. Os modos de organização do discurso – ou, como já
dissemos antes, tipos textuais, tipologias textuais, sequências tipológicas –
são, com poucas variações, os que seguem (a partir da proposta de
Werlich:1973):

1. Descrição: Tipo de enunciado textual com estrutura


simples,apresentando um verbo estático no presente ou
imperfeito, um complemento e uma indicação circunstancial de
lugar. Ex.: Este objeto está completamente roto. Não tem a
beleza que um dia lhe foi comum.

2. Narração: Enunciado textual com um verbo de mudança no passado,


um circunstancial de tempo e lugar. Por sua referência temporal
e local, este enunciado é designado como enunciado indicativo
de ação. O que caracteriza tal sequência é justamente a
dinamicidade em contraposição à sequência descritiva. Ex.: Logo
que entrou em sua casa, percebeu que haviam revirado suas
coisas.

3. Exposição: Trata-se de um enunciado de identificação de fenômenos


ou de ligação de fenômenos.Há aqui a predominância de uma
função referencial.Ex.: Existem diversas teorias sobre o
surgimento do universo.

4. Argumentação: Tem-se aqui uma forma verbal com o verbo ser no


presente e um complemento (que no caso é um adjetivo). Trata-
se de um enunciado de atribuição de qualidade. Ex.: A obsessão

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com a durabilidade de nas Artes não é permanente.

5. Injunção: Vem representada por um verbo no imperativo. Estes são


os enunciados incitadores à ação. Estes textos podem sofrer
certas modificações significativas na forma e assumir, por
exemplo, a configuração mais longa onde o imperativo é
substituído por um "deve".

Observando como se estruturam as sequências tipológicas, podemos


ver quais os gêneros em que podem aparecer de forma mais ou menos
aparente. Sempre devemos considerar, entretanto, que as sequências não
são exclusivas em determinados gêneros; na maioria das vezes os textos
apresentam-se de forma híbrida. Observe o exemplo de trecho do conto
“ideias do canário”, de Machado de Assis.

“ (1) Um homem dado a estudos de ornitologia, por nome Macedo, referiu a


alguns amigos um caso tão extraordinário que ninguém lhe deu crédito. (2)
Alguns chegam a supor que Macedo virou o juízo. Eis aqui o resumo da
narração. (1) No princípio do mês passado, — disse ele, — indo por uma
rua,sucedeu que um tílburi à disparada, quase me atirou ao chão. Escapei
saltando para dentro de urna loja de belchior. [...] (3) A loja era escura,
atulhada das cousas velhas, tortas, rotas, enxovalhadas, enferrujadas que de
ordinário se acham em tais casas, tudo naquela meia desordem própria do
negócio. Essa mistura, posto que banal, era interessante. Panelas sem
tampa, tampas sem panela, botões, sapatos, fechaduras, uma saia preta,
chapéus de palha e de pêlo, caixilhos, binóculos, meias casacas, um florete,
um cão empalhado, um par de chinelas, luvas, vasos sem nome, dragonas,
uma bolsa de veludo, dois cabides, um bodoque, um termômetro, cadeiras,
um retrato litografado pelo finado Sisson, um gamão, duas máscaras de
arame para o carnaval que há de vir, tudo isso e o mais que não vi ou não me
ficou de memória, enchia a loja nas imediações da porta, encostado,
pendurado ou exposto em caixas de vidro, igualmente velhas.[...]” (Machado

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de Assis)

Os trechos estão enumerados conforme três tipologias presentes no


mesmo trecho: (1) narração; (2) argumentação e (3) descrição. Trata-se de
um gênero, mas três sequências tipológicas distintas se apresentam em um
pequeno trecho, comprovando que a forma de estruturar um gênero pode
variar. Por meio da leitura, você poderá perceber a dinamicidade marcada
pelos verbos no pretérito perfeito na sequência narrativa; a estaticidade da
descrição com verbo no imperfeito do indicativo; e a indicação de um estado
de coisas na exposição da opinião de “alguns, com o verbo no presente.

Procedimentos como os usados por Machado de Assis na construção


de sua narrativa – sim, é uma narrativa como produto –são comuns em
gêneros de toda a espécie, mesmo não-literários. Uma breve pesquisa sobre
textos jurídicos, por exemplo, levará o analista a identificar, na maioria dos
gêneros presentes naquele domínio discursivo, uma extensa lista de gêneros
híbridos, desde textos majoritariamente narrativos a gêneros argumentativos.

O mesmo poderá ser observado em textos jornalísticos. Por exemplo,


ao comparar uma notícia, uma reportagem, um artigo de opinião, você
perceberá que há prevalência de alguns modos de organização, mas os
textos não perdem sua unidade.

Agora veja este exemplo:

Poema Tirado de uma Notícia de Jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia


num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de
Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na lagoa Rodrigo de
Freitas e morreu afogado.

(Manuel Bandeira)

O texto foi todo estruturado como um poema, mas mantém a forma de


uma notícia: apresenta-se um fato em uma sequência de ações. Misturam-se
sequências descritivas e narrativas no trecho e não se assemelha em nada a

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um texto poético. A pergunta que fica é: trata-se, realmente, de um poema?
Sim, trata-se de um poema por um motivo simples: não importam as
sequências que formam o gênero, a estrutura que lhe é dada, mas, sim, o
seu propósito. O autor chamou-o de poema, tratou-o como tal e assim o é.

O que podemos concluir desse estudo é que podemos identificar a


estrutura básica dos gêneros, analisar quais os modos de organização
predominantes, mas deve-se considerar majoritariamente o papel
sociocomunicativo do texto. Ainda há muito a se discutir sobre os gêneros
discursivos e o que parece ser mais importante é uma análise que entenda o
texto como lugar de interação entre sujeitos numa atividade
sociocomunicativa, assim como propõe Ingedore Koch (2002:19). A partir
dessa perspectiva, todo o restante a se considerar no processo de
compreensão e produção de textos se adquire de modo natural.

4. Conclusão

Considerando que, como afirma Ingedore Koch, “ textos não são


apenas meios de representação e armazenamento de conhecimento”, existe
uma necessidade constante de estarmos buscando novas formas de
entender o seu funcionamento. Devemos entender que eles fornecem
formatos de arquitetura linguística – ainda conforme a autora – do
conhecimento sociocognitivo relevante.

É importante que não se reduzam as discussões sobre gêneros


textuais e modos de organização a modelos prontos e fechados que não
permitam adequações. Como produtos da linguagem que são, os gêneros
devem ser sempre vistos como adaptáveis a seu contexto de produção,
podendo variar na sua forma, preservando-se, entretanto, o seu objetivo
precípuo.

Assim, foi dado o primeiro passo. Cabe agora um aprofundamento


constante nas questões suscitadas na aula, por meio da busca de diferentes
textos e observação de suas características. A pesquisa sobre gêneros

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ainda pode ser enriquecida com a exploração de diferentes domínios
discursivos.

Atividade 4(atende aos objetivos 3 e 4)

1. Observe o texto que segue.

Bolinho de milho com pimenta do reino

Ingredientes
2 xícaras de chá de milho verde ralado
1/2 xícara de chá de leite
2 ovos separados
Pimenta-do-reino
1/4 de xícara de chá de cebola bem picada
1 1/4 de xícara de chá de farinha de trigo
3 colheres de chá de fermento em pó
2 1/2 xícaras de chá de óleo para fritar
Sal

Modo de preparo

Misture o milho ralado, o leite, as gemas e a cebola numa tigela e bata


rapidamente.
Em outra vasilha, peneire o sal e a pimenta-do-reino e junte à mistura do
milho.
Bata as claras em neve com uma pitada de sal até formar picos firmes
Junte à mistura de milho e misture delicadamente.
Esquente o óleo numa panela e frite uma colher de sopa da massa de milho,
até ficar dourado e crocante.
Retire o bolinho com uma escumadeira, escorra sobre o papel-toalha para
retirar o excesso de óleo.
Sirva ainda quente.

1. O texto que você acabou de ler é uma receita. Esse gênero tem como
característica dar instruções sobre como proceder para cozinhar

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determinados alimentos. Tal gênero prevê um modo de organização
predominante. Diga qual é esse modo e o que o caracteriza.
3 linhas para resposta

2. Embora a maioria dos gêneros seja composta por mais de um modo de


organização, a receita tem por característica não ser um texto tão híbrido.
Mesmo assim, poderíamos dizer que o texto lido guarda alguma semelhança
com um texto narrativo? Justifique sua resposta.

3 linhas para resposta

Resposta Comentada

1. O modo de organização predominante na receita é a injunção, visto


que se trata de um texto instrucional.

2. Sim, a receita guarda semelhanças com um texto narrativo no que diz


respeito à sequência de informações que são trazidas no passo a
passo. Isso pode ocorrer em narrativas lineares, em que se preserva a
ordem cronológica dos fatos.

Resumo

Vimos, nesta aula,alguns conceitos sobre texto, gêneros e modos de


organização do discurso, que nos ajudam a compreender os processos de
leitura e produção dos mesmos. Num primeiro momento, definimos que
otexto é entendido como conjunto de enunciados com determinada função
comunicativa que, dependendo do contexto social em que é produzido será
definido como um gênero textual específico.
Na sequência, apresentamos a noção de gêneros discursivos e
observamos que domínio da situação comunicativa e os próprios textos
confundem-se, já que o sujeito os adaptará às necessidades do processo de
21
comunicação no contexto interacional. Dessa forma, o sujeito enunciador
construirá seus textos, agindo discursivamente ao considerar esse contexto e
as relações meio/fim.
Falamos ainda sobre diferentes textos que se produzem em nossa
sociedade por conta de demandas no ato de comunicação em diferentes
esferas. Concluímos que a produção está diretamente ligada à própria
atividade linguageira, visto que o homem se comunica por meio de diferentes
gêneros.
Por fim, vimos que os textos se organizam a partir de uma
determinada formatação, que vai permitir ao interlocutor entender os
objetivos do locutor – se é contar uma história, defender um ponto de vista,
descrever procedimentos etc. –, a partir do estudo dos modos de organização
textual.

Referências

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discursos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008

BAKHTIN, Michael. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes,


1992.

CAVALCANTE, Mônica M.: Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto,


2011.

HANKS, W. A língua como prática social : das relações entre língua,


cultura e sociedade a partir de Bourdieu e Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2008.

KOCH, Ingedore G. V. Introdução à linguística textual. São Paulo: Martins


Fontes, 2004.

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São Paulo: Contexto, 2010.

MARCUSCHI, Luiz A. Gêneros textuais: definiçãoe funcionalidade. In:


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