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Algumas lições de como escrever bem com Graciliano Ramos.

Sou uma pessoa com formação das áreas de ciências exatas e tecnológicas, vindo a despender
a maior parte do tempo nestas atividades durante o dia-a-dia. Porém, sempre quando consigo
tempo livre, procuro escrever e desenvolver a prática da escrita de ensaios. Com base nas
experiências pessoais que tive, tanto pelo lado da experiência prática de escrever relatórios
técnicos no trabalho, quanto pela de escrever ensaios e artigos em blogs, alguns comentários
quero destacar neste artigo sobre a questão do estilo de escrita. Qual o melhor a ser adotado, e
como escrever bem?

Já devo adiantar que essa não é uma questão fácil de se responder. Eu mesmo me vejo enquanto
um escritor relapso, como alguém que não se preocupa tanto em manter um estilo oficial de
escrever, mesmo sabendo que deveria ter um. Entendo que muitos escritores e críticos literários
de grande peso, como Olavo de Carvalho e Rodrigo Gurgel, falam sobre a importância de se
imitar e copiar o estilo de grandes escritores brasileiros, e de tomá-los como modelo e guia para
se desenvolver o próprio estilo.

Mas eu confesso que jamais consegui ter essa preocupação. Pois na minha opinião, a escrita é
algo que brota de maneira tão espontânea que essa incorporação de modelos de estilo de outros
escritores acaba se dando por automatismo do leitor, que o assimila inconscientemente na
medida em que o admira como modelo. Por isso, nunca me veio à mente a ideia de escrever
pela mera questão de imitação de outros estilos. Da escrita enquanto treino consciente de estilo
em si.

Porém, se há algum escritor que eu tenho mais admiração em termos de estilo e que busco me
pautar de forma consciente é o de Graciliano Ramos, de modo que eu tenha mais apreço por
este do que por outros escritores nacionais, como Machado de Assis. Há uma frase memorável
do Graciliano, de que as palavras não foram feitas para enfeitar e para brilhar como ouro falso,
mas para dizer. O estilo do Graciliano vai direto ao ponto, conseguindo o mérito de não florear
o que escreve. É nisso que vejo que os demais escritores brasileiros pecam.

A literatura narrativa brasileira tende a possuir um vício muito comum. Os escritores têm em
geral uma narrativa em estilo excessivamente poético, dando voltas e perdendo o fio da meada
em um texto. Algo no qual o Machado de Assis, por maior que seja a sua originalidade e
criatividade, incorre bastante. Há de fato essa tendência grande entre os escritores a florear as
narrativas com descrições meticulosas, excessivas e irrelevantes, além de prenderem-se a
preciosismos que tornam o texto muitas vezes difícil de ler à primeira vista.
Isso acaba sendo um efeito do fenômeno do esteticismo na literatura nacional. Os nossos
escritores brasileiros são no geral grandes esteticistas, ao prenderem-se a um modelo narrativo
que mais se aproxima do discurso poético e lírico do que de uma descrição fiel e precisa da
realidade e do mundo. De certa forma, há esse risco de cairmos no problema de se ter uma
escrita muito centrada na estética, e não no mundo real, quando escrevemos de modo muito
estilizado. Quando nos preocupamos muito com o estilo, acabamos nos perdendo do fio da
meada, do objeto do qual que tentamos expressar.

E é nesse sentido que o ensinamento de Graciliano Ramos se mostra impecável, e um verdadeiro


contraponto a um dos maiores vícios literários brasileiros. As palavras são feitas para dizer. Eu
acho que esta ideia traz um insight profundo e revelador, uma vez que afirma que as palavras,
por mais que tentemos trazer um estilo e uma estética, nunca passam de meros meios. Ou seja,
que as palavras são meros instrumentos que servem para apontar para coisas na realidade.
Então o objeto central da preocupação do escritor deve ser a realidade, e as palavras são só um
meio para transmitir algo e comunicar algo dessa realidade. Logo, creio que não deveríamos
nos preocupar tanto com a palavra como um fim em si, como acaba incorrendo o esteticismo
literário.

Por outro lado, há sim essa preocupação em tentar aperfeiçoar um estilo, mas não deveríamos
nos preocupar tanto com isso. Pois se há um estilo a ser desenvolvido, este não deve ir além ou
anular a verdade de que as palavras são feitas para dizer.

Palavras e Intencionalidade

Levando-se sempre isso em consideração, devemos aperfeiçoar o estilo através da seguinte


maneira. O estilo poderia aperfeiçoar a forma com que um certo aspecto da realidade pode ser
realçado. Então o estilo possui a finalidade de abrir ao leitor a certas perspectivas da realidade
que de outra maneira não poderiam ser acessíveis.

De certa maneira, a palavra iluminaria a realidade neste sentido, e serviria como farol que
apontaria para coisas. Ou como diria a fenomenologia, para as coisas enquanto objetos
intencionais. É sempre bom frisar essa questão, pois quando dizemos coisas, dizemos coisas com
uma intenção. E o que é uma intenção? Trata-se de um conceito desenvolvido por Husserl e
originado da filosofia escolástica, uma intentio. Ou seja, apontar para algo. Logo, as palavras
sempre apontam para algo fora dela, e sua intencionalidade são as coisas e os objetos exteriores.
Assim, dependendo de como esses termos e palavras são rearranjados e combinados
estilisticamente, é possível apontar de maneira mais precisa e clara para certos aspectos da
realidade que estavam ocultos e que não poderiam ser identificados de maneira tão clara ao
leitor, caso estes não tivessem sido expressados daquela e tal maneira. Então acredito que as
palavras estilizadas não possuem outra função e finalidade além desta. Penso que o estilo deve
estar orientado no sentido de trazer clareza e precisão às coisas, e de apontar para coisas da
maneira mais precisa possível.

Então o estilo nesse sentido cumpre essa função, e este é o seu sentido virtuoso. Mas este pode
ser usado de maneira errada, sobretudo quando se fecha em um fim em si, e deixa de ter sua
finalidade de apontar para coisas na realidade. Quando isso ocorre, caímos no vício do
esteticismo. As palavras então se tornam vazias de conteúdo, se tornando chavões, slogans
publicitários e palavras prontas de militâncias políticas, tal como vemos de forma exaustiva hoje
no Brasil. Onde pessoas falam e falam de coisas que não significam nada. Há assim sempre esse
risco do estilo se degenerar, e se tornar algo oco e vazio de conteúdo. Por isso, é sempre bom
não nos centrarmos tanto no estilo enquanto escrevemos. O estilo não é o centro, a realidade
que é o centro.

A escrita acadêmica científica é um estilo ruim

A escrita acadêmica problema possui um problema parecido ao tratado neste ensaio. Esta, assim
como a narrativa literária brasileira, também sofre do problema da hiperestilização, porque
também recorta e esvazia a realidade em certos aspectos. Só que é um recorte da realidade
segundo jargões técnicos de especialidades. Então ela nunca conseguirá alcançar a
intencionalidade pura da realidade dos objetos, e irá sempre olhar as coisas segundo
determinados recortes a que as suas especialidades e ciências pertencem.

Assim, a escrita acadêmica carrega um vício parecido com o dos escritores esteticistas
brasileiros, que é o de criar uma perspectiva parcial e recortada da realidade. Enquanto os
esteticistas criam uma escrita muito sentimental e subjetivista do mundo, a escrita acadêmica
também cai em uma escrita muito técnica e especializada do mundo. E esta é uma perspectiva
reducionista do mundo.

Ao mesmo tempo, o sentimentalismo subjetivista também não deixa de ser um reducionismo.


Porque a realidade de certo modo é também recortada, segundo os desejos e impressões
imediatas do eu. Daquele eu imediato, individual ou coletivo, que está inserido e imerso dentro
das contingências de um espaço e tempo específico. Neste sentido, o sentimentalismo também
é um reducionismo. Do mesmo modo também como é um reducionismo as ciências teoréticas
modernas que reduzem todas as concepções do mundo a meras cosmovisões mecanicistas de
matéria e movimento. Reduzindo tudo a questões de pesos e medidas. Então haverá uma escrita
acadêmica de ciência física que verá o mundo segundo leis matemáticas, conduzindo a uma
perspectiva quantitativa e parcial da realidade. Esse é o grande problema.

Por isso, a boa escrita não deve ser nem acadêmica, com o seu especialismo científico, e nem
muito sentimental, como incorrem os escritores esteticistas brasileiros. Então o olhar do bom
escritor tende a alcançar uma visão intencional total da realidade. De modo que este não fique
preso nem aos recortes das subjetividades sentimentais e nem aos recortes dos reducionismos
técnicos e cientificistas. Esse é o grande desafio a se alcançar.

A escrita científica também contaminou a literatura brasileira

O estilo científico de escrita por sua vez também deixou marcas na própria literatura brasileira.
Alguns escritores brasileiros ligados à escola naturalista, como Aluísio Azevedo, acabam caindo
nesse outro extremo vicioso, em contraste ao vício do subjetivismo sentimental, ao abraçar uma
literatura com um viés muito cientificista da realidade. Um viés em muito influenciado pelo
positivismo científico do século XIX, na qual o estilo naturalista foi a principal porta de entrada
de suas ideias na história da literatura nacional.

O positivismo do século XIX tendia a apresentar uma cosmovisão científica fortemente


reducionista do mundo, limitando a realidade das coisas à matéria. Então isso irá começar a se
refletir na literatura brasileira entre o final do século XIX e início do século XX, com o
desenvolvimento de toda a literatura de acusação e crítica social. Esta irá reduzir o homem
comum a um ser brutal, um espectador passivo e determinado pelas circunstâncias exteriores
materiais, tido como desprovido de capacidades de livre iniciativa, e condenado à irrelevância e
mediocridade. É neste período que surgirá no imaginário nacional as primeiras caricaturas do Zé
Povo, do povo passivo e abandonado. E que culminará no surgimento do personagem Jeca Tatu,
de Monteiro Lobato.

O estilo naturalista é um estilo de desespero. Pois no fundo, uma vez que o homem se reduz às
circunstâncias materiais, torna-se um homem desprovido de espírito e de forças espirituais que
reagem contra pressões materiais. Não há espaço para escolha e liberdade em um mundo
mecanizado e determinado por partículas e átomos.
Assim, o homem sempre será um ser derrotado pelas forças circunstanciais materiais,
econômicas e sociais, à espera de um líder ou de uma coletividade iluminada capaz de reformar
a sociedade e economia. Enquanto isso não ocorrer, será sempre um homem esmagado pelas
condicionalidades exteriores, incapaz de levantar-se com os próprios pés.

Logo, é uma visão altamente desesperadora da realidade. E que irá conduzir paradoxalmente a
à mentalidade revolucionária dos escritores da literatura brasileira tardia, sobretudo a partir da
geração modernista da segunda metade do século XX. Uma geração de escritores marcados tão
somente pela crítica social e militância política, empobrecendo todo o imaginário cultural
nacional. Tudo isso irá nascer do materialismo e desse reducionismo cientificista implementado
décadas anteriores.

Deste modo, o estilo literário cientificista, quando aplicado à literatura, acabou por gerar o
naturalismo, que por sua vez terminou por desaguar na crítica social materialista da realidade,
contaminando toda a literatura nacional posterior.

Tiago Barreira

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