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TÁTICA VERSUS TECNOLOGIA – REFLEXÕES

Heitor Freire de Abreu

1 DO GALHO DE ÁRVORE AO CHIP DE SILÍCIO

Desde o momento em que um desconhecido hominídeo utilizou um galho para se


defender, provavelmente há dois milhões de anos na África, mais precisamente na região dos
atuais Quênia, Tanzânia e Etiópia1, a raça humana buscou incrementar paulatinamente seus meios
de ataque e de defesa a fim de garantir a sua sobrevivência.
Todavia, durante a 2ª Guerra Mundial houve um avanço inigualável no que tangiu ao
desenvolvimento tecnológico de armas e de equipamentos militares. Foi nesse período que o
radar surgiu na Inglaterra, permitindo resposta mais eficiente contra os maciços ataques aéreos
alemães sobre a Grã Bretanha; que os alemães desenvolveram as bombas voadoras V1 e V22 e
que houve a primeira explosão nuclear controlada3, dentre outros fatos marcantes da tecnologia
voltada para fins bélicos.
A partir daí, com o advento da ciência nuclear, da computação e com o aumento da
capacidade de miniaturização de componentes, assistiu-se a um desenvolvimento exponencial nas
possibilidades dos armamentos, repercutindo em mudanças sucessivas no emprego da tropa.
Atualmente, notícias sobre o incremento de meios bélicos que beiram a ficção científica
deixaram de ser novidades. Aviões com tecnologia stealth4, munições inteligentes guiadas a laser,
blindagens reativas, superácidos5, sistemas de telecomunicações via satélite e sistemas de
artilharia cada vez mais precisos, dentre outros, conduzem à existência de artefatos mais leves,

1
Segundo Geoffrey Blainey, no seu livro Uma Breve História do Mundo, essa era a região em que os primeiros
hominídeos habitaram.
2
A primeira, baseada em um antigo projeto de pulso-jato desenvolvido na primeira década do século XX e a
segunda, base para todos os mísseis de longo alcance desenvolvidos durante a Guerra Fria.
3
Em julho de 1945 ocorreu a 1ª explosão nuclear, no deserto do Novo México, nos EUA.
4
Tecnologia que ao aliar grande velocidade e altitude, materiais absorventes de ondas de radar e designer
privilegiando ângulos que dispersam a reflexão do pulso-radar, torna um avião “invisível”. O exemplo mais
conhecido é o F 117, dos EUA.
5
Os EUA desenvolveram um superácidos para combate específico com a finalidade de sabotar viaturas sobre rodas
inimigas. Injeta-se o agente no pneu e em vez de rodar 80.000 km, o conjunto de pneus começa a desfazer-se em
menos de 80 km. Citado em ALEXANDER, John B. Armas Não-letais. Alternativas para conflitos do século XXI.
Rio de Janeiro: Welser-Itage: Condor, 2003. p. 104.
2 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

com alcances maiores e com letalidade nunca antes imaginada. Diante deste cenário, surge a
pergunta: a alta tecnologia será capaz de substituir o conhecimento e a aplicação da tática6,
transformando-a em mero apêndice de equipamentos cada vez mais evoluídos?

2 DESENVOLVIMENTO
O quadro apresentado revela um ambiente extremamente dinâmico e desafiador para
aqueles que são responsáveis por manter um exército no “estado da arte” no que concerne aos
equipamento bélicos. No passado, em função da relativa lentidão no desenvolvimento de novos
armamentos, uma força armada tinha mais tempo para decidir sobre a aquisição do melhor
material para a guerra, permitindo estudos mais lentos e multidisciplinares, apreciações mais
profundas e toda a ordem de medidas antes de se escolher um determinado equipamento para
dotar suas tropas. Feito isso, sabia-se que aquela escolha teria grande duração e eficiência no
tempo. Como exemplo, um carro de combate (CC) tinha uma vida útil entre 30 e 40 anos caso
sofresse uma repotencialização.
Porém, na atualidade isso já não se configura como uma verdade. A depreciação
tecnológica de um meio militar é cada vez mais percuciente e rápida. Um avião de caça pode
tornar-se obsoleto com a criação de um meio de neutralização eficiente por parte do inimigo em
menos de uma década. Tal realidade obriga a muitos países a investir cada vez mais recursos
econômicos na busca incessante e frenética por equipamentos que irão contribuir para a
operacionalidade de seus exércitos. Aí reside o “nó górdio”7 a ser desatado: é impossível para a
maioria esmagadora dos exércitos manterem-se o tempo todo e com toda a pletora de meios que
equipa suas forças armadas no estágio mais avançado que a tecnologia oferece.
Com a finalidade de refletir sobre este paradoxo, apresenta-se algumas idéias.

a. A tecnologia não pode ser vista como solução para as ineficiências, inexperiências e
incompetências dos quadros
É muito comum no meio castrense, em especial tratando-se dos mais jovens, verificar-se o
assombro diante de tecnologias futurísticas no campo militar. Uma parcela expressiva chega

6
Arte de dispor, movimentar e empregar as forças militares em presença do inimigo ou durante a batalha.
7
Reza a lenda sobre Alexandre, O Grande, que numa de suas jornadas de conquista, o macedônico encontrou um nó
que tornara toda uma cidade perplexa. Dizia-se impossível desfazê-lo. Alexandre, então, puxou a espada e cortou-o
em dois, num exemplo cabal de que os grandes gênios não pensam como as pessoas comuns.
3 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

mesmo a acreditar que novos equipamentos poderão suprir a falta de adestramento dos seus
homens. Pensar desta forma é um perigoso engano.
Quando servi no 5º Regimento de Carros de Combate (RCC), deparei-me com os CC M60
A3 TTS. Sem dúvida, para o subcontinente da América do Sul, trata-se de um blindado moderno
e com características que agregam valor de combate a uma tropa blindada. No entanto, em face
da diversidade tecnológica que este CC oferece (telemetria a laser, computador de bordo, visão
noturna residual e térmica, torre estabilizada permitindo o tiro em movimento e um poderoso
canhão 105 milímetros com alcance de 4 km) observei militares deixarem de lado durante as
instruções os fundamentos táticos e técnicos do emprego do CC, confiando que as novas
tecnologias haviam eliminado a necessidade de se conhecer princípios básicos no uso de
blindados sobre lagartas.
Entretanto, após os primeiros meses de operação, verificou-se uma preocupante e óbvia
verdade: os M60 A3 TTS, assim como os carros anteriores, quebravam nos exercícios! Algumas
vezes era o computador de bordo ou a telemetria. Outras, a estabilização da torre não funcionava
direito e o rádio apresentava pane. Para aqueles militares que tinham aprendido a combater nos
antigos CC M 41 C, foi uma questão de adaptação rápida: se o telêmetro não funciona, coloca-se
a cabeça para fora e se avalia a distância; se a estabilização quebrou, pára-se a viatura numa
posição com desenfiamento de torre ou de couraça e continua-se a atirar, e assim por diante.
Já para aqueles que não se lembravam mais do que era atirar sem o apoio de tecnologias8,
o CC tornava-se um alvo fácil para o inimigo e um estorvo para a guarnição. O Major-General
Lon Maggart, ex-comandante do U.S Army Armor Center, já se preocupava com este assunto:

“Our soldiers are the best in the world because our Army takes care of them from the
ground up, with tough, realistic training, opportunities for advancement, skill and
professional development, and quality support for them and their families. Make no
mistake: Operation Desert Storm was not won by high technology or smart weapons. It
was won by tough, smart soldiers, who knew their equipment and fought with skill and
bravery, because they knew the Army would take care of them. Our soldiers are the
bone, the muscle, and the lifeblood of our Army, our country - and it will never be any
other way.”9

8
No linguajar técnico, quando isto ocorre, a tripulação deve operar no modo “degradado”. O M60 A3 TTS oferece
condições de continuar em operação mesmo com equipamentos eletrônicos danificados. Basta que seus operadores
conheçam as técnicas manuais de operação (giro manual, utilização de derivas, cálculo aproximado de distância,
confecção de roteiros de tiro etc).
9
MAGGART, Lon E. Bulding Victory from the Ground Up. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 5, p.6, set.-out.
1996. “Nossos soldados são o melhores do mundo porque o nosso Exército cuida deles de forma plena, com
treinamento duro, realístico, oportunidades para avançar na carreira, desenvolver habilidades profissionais e apoio de
4 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

De fato, tem-se um exemplo bastante atual: a participação das forças armadas (FA) dos
EUA no Iraque. Apesar da superioridade tecnológica apresentada, os soldados americanos estão
encontrando óbices extremamente desconfortáveis ao se depararem com um quadro de técnicas
de guerrilha e terrorismo conduzidos por facções sunitas naquele país. A inexperiência em
combates de localidade, sob ação de efetivos irregulares e fanáticos religiosos, está prejudicando
a ocupação de parte considerável do território iraquiano. A guerra contra o Iraque, sem dúvida
alguma, foi vitoriosa. Em 21 dias a coalizão liderada pelos EUA atingiu seu objetivo de guerra.
No entanto, a ocupação e o controle do território se mostra um problema com final ainda incerto
em face da guerra de resistência perpetrada por locais na região iraquiana.
Enfim, a tecnologia complementa os conhecimentos e os princípios básicos de emprego
de um equipamento, agregando valor ao armamento. No entanto, ela não é capaz de sanar as
deficiências de cunho tático e humano. Aliar um profundo conhecimento profissional com as
modernas tecnologias é que proporciona a sinergia desejada para obtenção da vitória.

b. A doutrina dita o tipo de equipamento que um exército irá adotar


Ao contrário do que alguns possam pensar, a doutrina não é movida ou modificada pela
inovação tecnológica. Na realidade, o que ocorre é exatamente o contrário. Nos países mais
desenvolvidos, as empresas bélicas travam intenso combate econômico e jurídico para ter o
privilégio de desenvolver e fabricar equipamentos que atendam às demandas doutrinárias e
táticas dessas FA. Elas não “empurram” equipamentos nem “ditam” necessidades para tais
exércitos. Os EUA são o exemplo mais claro desta afirmação. Não foram as empresas americanas
que determinaram que as FA dos EUA utilizassem os aviões Sea Harrier de pouso vertical no
Corpo de Fuzileiros; ao contrário, foi a necessidade de apoio de fogo aéreo aproximado por parte
dos Marines que levou ao desenvolvimento e à fabricação em escala deste avião para missões
específicas voltadas para atividades de apoio de fogo aproximado.

qualidade para eles e suas famílias. Não se engane: a operação Tempestade de Deserto não foi vencida por tecnologia
avançada ou armas inteligentes. Foi vencida por soldados resistentes, inteligentes, que conheciam os seus
equipamentos e lutaram com habilidade e bravura, porque eles sabiam que o Exército cuidaria deles. Nossos
soldados são o osso, o músculo e a essência de nosso Exército, do nosso país - e nunca será de outro modo.”
(tradução livre do autor).
5 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

Ao se analisar os tempos da Guerra Fria, encontra-se o mesmo princípio. O


desenvolvimento das armas nucleares táticas10 francesas, compostas por mísseis Pluton, como
pré-estratégicas, não foi imposição do mercado de armas. Foi uma resposta das empresas de
armamentos para atender a uma diretriz estratégica da Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN), que determinava a articulação de uma força concebida com meios cuja finalidade
seria proporcionar ao adversário um “último aviso” antes de os EUA desencadear ataques
nucleares estratégicos.
A mudança paulatina de doutrina dos EUA, buscando atender as demandas estratégicas do
país, que necessitava de uma FA com capacidade de projeção mundial a fim de defender os
interesses americanos em todo o globo, é que levou ao aparecimento da doutrina ar-terra na
década de 80 do século XX. Posteriormente, foi aperfeiçoada chegando ao quadro de atuação
tridimensional atual. Frutos dessas necessidades surgiram o Apache, o F-16, o M1 Abrams,
implementou-se o uso de óculos de visão noturna e assim por diante. Mais uma vez, foi a
doutrina que determinou os equipamentos a serem fabricados para que ela pudesse ser posta em
prática.
O desenvolvimento de novos materiais bélicos não significa, necessariamente,
modificações doutrinárias. Qual o valor de um óculos de visão noturna para um país cuja doutrina
dê ênfase nos ataques diurnos? Qual o impacto doutrinário de um M1 Abrams em um país
dominado por uma vegetação tropical e dotado de malha rodoferroviária incipiente ou de um C 5
Galaxy11 para uma força armada cuja área do país é menor do que o estado de Sergipe e não há
intenção de se projetar o poder militar para fora das suas fronteiras?

c. O uso correto dos fundamentos táticos são capazes de diminuir a distância tecnológica
Outro aspecto que merece ser visto, é o papel que os princípios clássicos da tática
exercem num mundo eivado por tecnologias militares. Existem diversos exemplos a serem
lembrados neste contexto, como a invasão do Afeganistão pela ex-União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) na década de 80 ou na Guerra da Coréia, na década de 50 do
século XX, onde chineses, com armamentos inferiores aos dos EUA, destruíram diversos CC
norte-americanos utilizando explosivos colocados sob as viaturas. Os russos, na 2ª Guerra

10
Mísseis cujo alcance é inferior a 500 km, constituindo-se em armas do campo de batalha, portanto, empregadas no
nível tático.
11
O C5-Galaxy é um dos maiores aviões do mundo, usado para o transporte de carga pelas forças armadas dos EUA.
6 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

Mundial, fizeram o mesmo com a Alemanha. Para o Brasil, no que concerne à defesa da
Amazônia e no emprego correto da Doutrina Gama, este aspecto merece expressiva atenção.
O exemplo mais tradicional é o do Vietnã. Naquela oportunidade, os EUA, malgrado o
seu avassalador poder militar diante de obstinados norte-vietnamitas, viram-se obrigados a
abandonar a luta em face da capacidade tática dos seus oponentes em resistir e em desferir golpes
sobre tropas americanas. Certamente, ao analisar a situação, os generais do Vietnã do Norte
concluíram que deveriam adotar táticas inovadoras, dentro de um quadro de guerra indireta e de
desgaste. Tentar suplantar os norte-americanos pela via tecnológica ou pelo enfrentamento
frontal, seria suicídio e derrota certa. A assimetria tecnológica era flagrante. Optaram pela
guerrilha, utilizando técnicas como infiltração, emboscadas, uso de pequenos efetivos, apoio
logístico simplificado e realce em técnicas de combate básicas em ambiente de selva (tiro
instintivo, uso de armadilhas, uso de túneis para deslocamento e abrigo, correto uso do terreno e
ações descentralizadas, dentre outras).
Essa atitude vista no Vietnã, conhecida como estratégia da lassidão, é pertinente quando
existe hiato expressivo entre as forças oponentes. Todavia, é importante que seja direcionada
conforme Beaufre12 preconizava, ensinando que a inferioridade das forças militares deve ser
compensada por uma superioridade crescente das forças morais, à medida que a ação se prolonga.
Assim, a operação desenvolve-se simultaneamente em dois planos, o plano material, das forças
militares, e o plano moral, da ação psicológica. Vale ainda, citar Raymond Aron, que dizia: Em
situação de grande inferioridade de meios, não se pode esperar sobreviver senão recusando
combater, e empregando uma tática de fustigamento para manter vivo o conflito13. (grifos do
autor)
Da mesma forma, em um quadro de guerra direta e clássica, por mais que as diferenças
tecnológicas existam, a adoção dos princípios táticos corroborados pela História são
fundamentais. O correto posicionamento das tropas no terreno, privilegiando a zona de ação
principal, dispor a reserva (centralizada, fracionada ou articulada) de acordo com as
possibilidades do inimigo e com o terreno, locar com precisão as concentrações e barreiras de
artilharia - e saber como e quando pedir fogos - regular a manobra da forma mais flexível
possível, manter os meios de apoio em condições de apoiar oportuna e continuamente e,

12
BEAUFRE, André. Introdução à estratégia, Rio de Janeiro: Bibliex, 1998.p. 127.
13
Apud BEAUFRE, André. Introdução à estratégia, Rio de Janeiro: Bibliex, 1998.p. 128.
7 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

finalmente, ter a certeza de que se está apto a intervir no combate pelo fogo ou pela manobra são
conhecimentos basilares e universais. Ressalta-se que todas estas “atitudes táticas”, independem
da sofisticação do material.

d. Quem vence ou perde o combate são os homens, não as máquinas


No que tange ao combate, é imperioso que não se esqueça de que o responsável pela
vitória ou pela derrota será o homem. De nada adiantará ele possuir o melhor equipamento, se ele
não souber utilizá-lo.
Em 9 de junho de 1982, Israel desencadeou um maciço ataque contra 19 baterias sírias de
mísseis SAM-614, localizadas no vale do Bekaa, no Líbano. O ataque tinha como objetivo destruir
a defesa AAAe Síria, que apoiava a Organização para Libertação da Palestina (OLP).
O resultado foi catastrófico para os sírios: em 10 minutos a Força Aérea israelense
destruiu 17 das 19 baterias sírias. A causa dessa derrota resumiu-se a dois grandes erros: um de
caráter tático e outro de adestramento.
Quanto ao aspecto tático, verificou-se que os sírios, por acharem que suas baterias eram
tecnologicamente superiores ao poderio aéreo de Israel, não utilizaram as possibilidades de
mobilidade tática que elas ofereciam. Preferiram enterrá-las no terreno por mais de um ano,
facilitando a sua localização, embora as instruções russas dessem destaque no emprego móvel de
tais armamentos. Quando o ataque iniciou, não havia a possibilidade de qualquer movimento.
No que tange ao adestramento, a falta de conhecimento profundo do equipamento
aumentou as chances de êxito israelense. Este tipo de equipamento emite, ao ser acionado,
radiações que são facilmente perceptíveis. Como os sírios não estavam adestrados no sentido de
evitar a emissão de radiações desnecessárias, acabavam por emitir mais radiação do que seria
suficiente para engajar os aviões israelenses. Desta forma, a guerra eletrônica de Israel consegui
catalogar as “assinaturas” digitais das baterias e interferir eletrônica e pontualmente em cada uma
delas. Ou seja, um bom trabalho de interferência eletromagnética anulou a superioridade
tecnológica síria.
O então secretário da Marinha Americana, James Webb, em 1987, já abordava o problema
da dicotomia tática versus tecnologia na revista Parede, de 5 de julho:

14
Mísseis terra-ar de fabricação soviética.
8 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

Todo esse sofisticado equipamento é um negócio incrível, mas os soldados não devem
se tornar dependente dele. A natureza de um conflito será diferente no início, com toda
essa nova tecnologia – mas, após algumas semanas, voltará a ser como sempre tem
sido. Grande parte desse equipamento de elevada tecnologia ficará emperrada, devido à
areia ou à lama. Um batalhão de fuzileiros, todavia, continuará a combater15.

Do exposto, verifica-se que malgrado os avanços tecnológicos, a vitória ou a derrota


depende de como o homem interage com os modernos equipamentos, não o contrário.

e. Quanto maior for a tecnologia, mais complexo será o apoio


É notório que um equipamento moderno induz a uma cadeia logística cada vez mais
complexa. A manutenção de um binóculo do tipo “pioneiro”16 é bastante simples e requer o
serviço de um homem pouco especializado e com equipamentos relativamente simples para
realizá-la. Já um óculos de visão noturna, necessita de homens com conhecimentos acerca de
ótica e de eletrônica mais avançados, bem como equipamentos mais complexos para se descobrir
a causa do problema. Dentro desta linha de raciocínio, poder-se-ia expandir o pensamento para os
mais diversos aspectos do campo de batalha. CC com cápsulas de nitrogênio, obuses com
material radioativo, fuzis com mecanismos de disparo complexos, helicópteros cujos circuitos são
verdadeiros labirintos de fios e assim por diante, impõe complexos aparatos logísticos, tanto em
termos de pessoal, como econômicos.
Tal cenário implica em tornar mais vulneráveis as linhas de suprimento, aumentar a
dependência tecnológica para se manter amplos e complexos estoques, além de aumentar a cauda
logística em pessoal e material. Em resumo, ao se eleger o uso da alta tecnologia como fiel da
balança entre a vitória e a derrota, acaba-se por onerar o trabalho de apoio e ferir um princípio de
guerra básico: a simplicidade.

3. CONCLUSÃO
As modernas tecnologias em armamentos e equipamentos são fatores a serem
considerados no combate moderno. Sem dúvida, este “mundo novo” que a tecnologia oferece
pode minimizar perdas, facilitar tomada de decisões e tantas outras benesses que um moderno

15
Apud BERENS, Robert J. Fuzis, audácia e capacidade de durar na ação – ainda os fatores decisivos. Military
Review (edição em português). EUA: ECEME/EUA. Vol LXVIII. nº 2. p. 55-56, mar-abr 1988.
16
Tipo de binóculo bastante rústico e sem nenhuma inovação tecnológica.
9 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões

equipamento pode proporcionar aos homens das armas. Entretanto, não garantem, por si só,
sucesso peremptório ao seu detentor.
O que não deve ocorrer é o superdimensionamento de tais meios no sentido de colocar o
estudo e a credibilidade da tática em um plano menor. Outros fatores, aliados ao correto emprego
tático dos meios disponíveis, como liderança em todos os níveis, estrutura organizacional
eficiente, capacidade profissional dos chefes, logística flexível, criatividade dos quadros e
experiência em combate, dentre outros, é que definirão o resultado do combate.
Os EUA, que possuem os melhores e os mais modernos equipamentos bélicos do mundo,
teriam tudo para não se preocuparem com isso. Mas, ao contrário, eles estão atentos ao problema:

“The Army will field the best equipment money can buy to win on the battlefields of the
21 st Century. But at same time, we must understand that advanced technology alone
will not solve all of our problems. I believe that the best weapon available to the
mounted force is one that already exists between the ears of ours soldiers – the brain. A
trained and educated mind is the most important weapon on the battlefield today and
will be well into the future.17”(grifos do autor)

Respondendo ao questionamento inicial, a alta tecnologia não será capaz, pelo menos no
horizonte visível, de substituir completamente o estudo e a aplicação dos princípios clássicos da
tática na busca pela vitória em combate. Sendo assim, conclui-se que sob bons comandos,
treinamento eficiente e moral elevado, direcionados pelo emprego correto dos fundamentos
táticos, é possível que homens de valor consigam diminuir o fosso tecnológico entre exércitos
oponentes. O homem é – e sempre será – o equipamento mais moderno no campo de batalha.

____________________________________________
O autor é Major de Cavalaria do Exército Brasileiro,
doutorando em Ciências Militares pela Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, com ênfase em
Logística Militar Terrestre. Em 2009, é Chefe da 3ª
Seção (Operações e Planejamento) da 1ª Divisão de
Exército. (E-mail: majheitor@gmail.com).

17
MAGGART, Lon E. Your Mind is Your Primary Weapon. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 4, p.5, jul-ago.
1996 “O Exército vai se exercitar com o melhor equipamento que o dinheiro pode comprar para vencer nos campos
de batalha do Século XXI. Mas ao mesmo tempo, nós devemos entender que a tecnologia avançada dos dias de hoje,
sozinha, não resolverá todos os nossos problemas. Eu acredito que a melhor arma disponível para equipar uma força
é aquela que já existe entre as orelhas dos nossos soldados - o cérebro. Uma mente treinada e educada é a arma mais
importante no campo de batalha de hoje e será no futuro”. (tradução livre do autor).

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