Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Segundo Geoffrey Blainey, no seu livro Uma Breve História do Mundo, essa era a região em que os primeiros
hominídeos habitaram.
2
A primeira, baseada em um antigo projeto de pulso-jato desenvolvido na primeira década do século XX e a
segunda, base para todos os mísseis de longo alcance desenvolvidos durante a Guerra Fria.
3
Em julho de 1945 ocorreu a 1ª explosão nuclear, no deserto do Novo México, nos EUA.
4
Tecnologia que ao aliar grande velocidade e altitude, materiais absorventes de ondas de radar e designer
privilegiando ângulos que dispersam a reflexão do pulso-radar, torna um avião “invisível”. O exemplo mais
conhecido é o F 117, dos EUA.
5
Os EUA desenvolveram um superácidos para combate específico com a finalidade de sabotar viaturas sobre rodas
inimigas. Injeta-se o agente no pneu e em vez de rodar 80.000 km, o conjunto de pneus começa a desfazer-se em
menos de 80 km. Citado em ALEXANDER, John B. Armas Não-letais. Alternativas para conflitos do século XXI.
Rio de Janeiro: Welser-Itage: Condor, 2003. p. 104.
2 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
com alcances maiores e com letalidade nunca antes imaginada. Diante deste cenário, surge a
pergunta: a alta tecnologia será capaz de substituir o conhecimento e a aplicação da tática6,
transformando-a em mero apêndice de equipamentos cada vez mais evoluídos?
2 DESENVOLVIMENTO
O quadro apresentado revela um ambiente extremamente dinâmico e desafiador para
aqueles que são responsáveis por manter um exército no “estado da arte” no que concerne aos
equipamento bélicos. No passado, em função da relativa lentidão no desenvolvimento de novos
armamentos, uma força armada tinha mais tempo para decidir sobre a aquisição do melhor
material para a guerra, permitindo estudos mais lentos e multidisciplinares, apreciações mais
profundas e toda a ordem de medidas antes de se escolher um determinado equipamento para
dotar suas tropas. Feito isso, sabia-se que aquela escolha teria grande duração e eficiência no
tempo. Como exemplo, um carro de combate (CC) tinha uma vida útil entre 30 e 40 anos caso
sofresse uma repotencialização.
Porém, na atualidade isso já não se configura como uma verdade. A depreciação
tecnológica de um meio militar é cada vez mais percuciente e rápida. Um avião de caça pode
tornar-se obsoleto com a criação de um meio de neutralização eficiente por parte do inimigo em
menos de uma década. Tal realidade obriga a muitos países a investir cada vez mais recursos
econômicos na busca incessante e frenética por equipamentos que irão contribuir para a
operacionalidade de seus exércitos. Aí reside o “nó górdio”7 a ser desatado: é impossível para a
maioria esmagadora dos exércitos manterem-se o tempo todo e com toda a pletora de meios que
equipa suas forças armadas no estágio mais avançado que a tecnologia oferece.
Com a finalidade de refletir sobre este paradoxo, apresenta-se algumas idéias.
a. A tecnologia não pode ser vista como solução para as ineficiências, inexperiências e
incompetências dos quadros
É muito comum no meio castrense, em especial tratando-se dos mais jovens, verificar-se o
assombro diante de tecnologias futurísticas no campo militar. Uma parcela expressiva chega
6
Arte de dispor, movimentar e empregar as forças militares em presença do inimigo ou durante a batalha.
7
Reza a lenda sobre Alexandre, O Grande, que numa de suas jornadas de conquista, o macedônico encontrou um nó
que tornara toda uma cidade perplexa. Dizia-se impossível desfazê-lo. Alexandre, então, puxou a espada e cortou-o
em dois, num exemplo cabal de que os grandes gênios não pensam como as pessoas comuns.
3 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
mesmo a acreditar que novos equipamentos poderão suprir a falta de adestramento dos seus
homens. Pensar desta forma é um perigoso engano.
Quando servi no 5º Regimento de Carros de Combate (RCC), deparei-me com os CC M60
A3 TTS. Sem dúvida, para o subcontinente da América do Sul, trata-se de um blindado moderno
e com características que agregam valor de combate a uma tropa blindada. No entanto, em face
da diversidade tecnológica que este CC oferece (telemetria a laser, computador de bordo, visão
noturna residual e térmica, torre estabilizada permitindo o tiro em movimento e um poderoso
canhão 105 milímetros com alcance de 4 km) observei militares deixarem de lado durante as
instruções os fundamentos táticos e técnicos do emprego do CC, confiando que as novas
tecnologias haviam eliminado a necessidade de se conhecer princípios básicos no uso de
blindados sobre lagartas.
Entretanto, após os primeiros meses de operação, verificou-se uma preocupante e óbvia
verdade: os M60 A3 TTS, assim como os carros anteriores, quebravam nos exercícios! Algumas
vezes era o computador de bordo ou a telemetria. Outras, a estabilização da torre não funcionava
direito e o rádio apresentava pane. Para aqueles militares que tinham aprendido a combater nos
antigos CC M 41 C, foi uma questão de adaptação rápida: se o telêmetro não funciona, coloca-se
a cabeça para fora e se avalia a distância; se a estabilização quebrou, pára-se a viatura numa
posição com desenfiamento de torre ou de couraça e continua-se a atirar, e assim por diante.
Já para aqueles que não se lembravam mais do que era atirar sem o apoio de tecnologias8,
o CC tornava-se um alvo fácil para o inimigo e um estorvo para a guarnição. O Major-General
Lon Maggart, ex-comandante do U.S Army Armor Center, já se preocupava com este assunto:
“Our soldiers are the best in the world because our Army takes care of them from the
ground up, with tough, realistic training, opportunities for advancement, skill and
professional development, and quality support for them and their families. Make no
mistake: Operation Desert Storm was not won by high technology or smart weapons. It
was won by tough, smart soldiers, who knew their equipment and fought with skill and
bravery, because they knew the Army would take care of them. Our soldiers are the
bone, the muscle, and the lifeblood of our Army, our country - and it will never be any
other way.”9
8
No linguajar técnico, quando isto ocorre, a tripulação deve operar no modo “degradado”. O M60 A3 TTS oferece
condições de continuar em operação mesmo com equipamentos eletrônicos danificados. Basta que seus operadores
conheçam as técnicas manuais de operação (giro manual, utilização de derivas, cálculo aproximado de distância,
confecção de roteiros de tiro etc).
9
MAGGART, Lon E. Bulding Victory from the Ground Up. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 5, p.6, set.-out.
1996. “Nossos soldados são o melhores do mundo porque o nosso Exército cuida deles de forma plena, com
treinamento duro, realístico, oportunidades para avançar na carreira, desenvolver habilidades profissionais e apoio de
4 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
De fato, tem-se um exemplo bastante atual: a participação das forças armadas (FA) dos
EUA no Iraque. Apesar da superioridade tecnológica apresentada, os soldados americanos estão
encontrando óbices extremamente desconfortáveis ao se depararem com um quadro de técnicas
de guerrilha e terrorismo conduzidos por facções sunitas naquele país. A inexperiência em
combates de localidade, sob ação de efetivos irregulares e fanáticos religiosos, está prejudicando
a ocupação de parte considerável do território iraquiano. A guerra contra o Iraque, sem dúvida
alguma, foi vitoriosa. Em 21 dias a coalizão liderada pelos EUA atingiu seu objetivo de guerra.
No entanto, a ocupação e o controle do território se mostra um problema com final ainda incerto
em face da guerra de resistência perpetrada por locais na região iraquiana.
Enfim, a tecnologia complementa os conhecimentos e os princípios básicos de emprego
de um equipamento, agregando valor ao armamento. No entanto, ela não é capaz de sanar as
deficiências de cunho tático e humano. Aliar um profundo conhecimento profissional com as
modernas tecnologias é que proporciona a sinergia desejada para obtenção da vitória.
qualidade para eles e suas famílias. Não se engane: a operação Tempestade de Deserto não foi vencida por tecnologia
avançada ou armas inteligentes. Foi vencida por soldados resistentes, inteligentes, que conheciam os seus
equipamentos e lutaram com habilidade e bravura, porque eles sabiam que o Exército cuidaria deles. Nossos
soldados são o osso, o músculo e a essência de nosso Exército, do nosso país - e nunca será de outro modo.”
(tradução livre do autor).
5 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
c. O uso correto dos fundamentos táticos são capazes de diminuir a distância tecnológica
Outro aspecto que merece ser visto, é o papel que os princípios clássicos da tática
exercem num mundo eivado por tecnologias militares. Existem diversos exemplos a serem
lembrados neste contexto, como a invasão do Afeganistão pela ex-União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) na década de 80 ou na Guerra da Coréia, na década de 50 do
século XX, onde chineses, com armamentos inferiores aos dos EUA, destruíram diversos CC
norte-americanos utilizando explosivos colocados sob as viaturas. Os russos, na 2ª Guerra
10
Mísseis cujo alcance é inferior a 500 km, constituindo-se em armas do campo de batalha, portanto, empregadas no
nível tático.
11
O C5-Galaxy é um dos maiores aviões do mundo, usado para o transporte de carga pelas forças armadas dos EUA.
6 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
Mundial, fizeram o mesmo com a Alemanha. Para o Brasil, no que concerne à defesa da
Amazônia e no emprego correto da Doutrina Gama, este aspecto merece expressiva atenção.
O exemplo mais tradicional é o do Vietnã. Naquela oportunidade, os EUA, malgrado o
seu avassalador poder militar diante de obstinados norte-vietnamitas, viram-se obrigados a
abandonar a luta em face da capacidade tática dos seus oponentes em resistir e em desferir golpes
sobre tropas americanas. Certamente, ao analisar a situação, os generais do Vietnã do Norte
concluíram que deveriam adotar táticas inovadoras, dentro de um quadro de guerra indireta e de
desgaste. Tentar suplantar os norte-americanos pela via tecnológica ou pelo enfrentamento
frontal, seria suicídio e derrota certa. A assimetria tecnológica era flagrante. Optaram pela
guerrilha, utilizando técnicas como infiltração, emboscadas, uso de pequenos efetivos, apoio
logístico simplificado e realce em técnicas de combate básicas em ambiente de selva (tiro
instintivo, uso de armadilhas, uso de túneis para deslocamento e abrigo, correto uso do terreno e
ações descentralizadas, dentre outras).
Essa atitude vista no Vietnã, conhecida como estratégia da lassidão, é pertinente quando
existe hiato expressivo entre as forças oponentes. Todavia, é importante que seja direcionada
conforme Beaufre12 preconizava, ensinando que a inferioridade das forças militares deve ser
compensada por uma superioridade crescente das forças morais, à medida que a ação se prolonga.
Assim, a operação desenvolve-se simultaneamente em dois planos, o plano material, das forças
militares, e o plano moral, da ação psicológica. Vale ainda, citar Raymond Aron, que dizia: Em
situação de grande inferioridade de meios, não se pode esperar sobreviver senão recusando
combater, e empregando uma tática de fustigamento para manter vivo o conflito13. (grifos do
autor)
Da mesma forma, em um quadro de guerra direta e clássica, por mais que as diferenças
tecnológicas existam, a adoção dos princípios táticos corroborados pela História são
fundamentais. O correto posicionamento das tropas no terreno, privilegiando a zona de ação
principal, dispor a reserva (centralizada, fracionada ou articulada) de acordo com as
possibilidades do inimigo e com o terreno, locar com precisão as concentrações e barreiras de
artilharia - e saber como e quando pedir fogos - regular a manobra da forma mais flexível
possível, manter os meios de apoio em condições de apoiar oportuna e continuamente e,
12
BEAUFRE, André. Introdução à estratégia, Rio de Janeiro: Bibliex, 1998.p. 127.
13
Apud BEAUFRE, André. Introdução à estratégia, Rio de Janeiro: Bibliex, 1998.p. 128.
7 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
finalmente, ter a certeza de que se está apto a intervir no combate pelo fogo ou pela manobra são
conhecimentos basilares e universais. Ressalta-se que todas estas “atitudes táticas”, independem
da sofisticação do material.
14
Mísseis terra-ar de fabricação soviética.
8 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
Todo esse sofisticado equipamento é um negócio incrível, mas os soldados não devem
se tornar dependente dele. A natureza de um conflito será diferente no início, com toda
essa nova tecnologia – mas, após algumas semanas, voltará a ser como sempre tem
sido. Grande parte desse equipamento de elevada tecnologia ficará emperrada, devido à
areia ou à lama. Um batalhão de fuzileiros, todavia, continuará a combater15.
3. CONCLUSÃO
As modernas tecnologias em armamentos e equipamentos são fatores a serem
considerados no combate moderno. Sem dúvida, este “mundo novo” que a tecnologia oferece
pode minimizar perdas, facilitar tomada de decisões e tantas outras benesses que um moderno
15
Apud BERENS, Robert J. Fuzis, audácia e capacidade de durar na ação – ainda os fatores decisivos. Military
Review (edição em português). EUA: ECEME/EUA. Vol LXVIII. nº 2. p. 55-56, mar-abr 1988.
16
Tipo de binóculo bastante rústico e sem nenhuma inovação tecnológica.
9 Autor: Heitor Freire de Abreu
Título: Tática versus tecnologia - Reflexões
equipamento pode proporcionar aos homens das armas. Entretanto, não garantem, por si só,
sucesso peremptório ao seu detentor.
O que não deve ocorrer é o superdimensionamento de tais meios no sentido de colocar o
estudo e a credibilidade da tática em um plano menor. Outros fatores, aliados ao correto emprego
tático dos meios disponíveis, como liderança em todos os níveis, estrutura organizacional
eficiente, capacidade profissional dos chefes, logística flexível, criatividade dos quadros e
experiência em combate, dentre outros, é que definirão o resultado do combate.
Os EUA, que possuem os melhores e os mais modernos equipamentos bélicos do mundo,
teriam tudo para não se preocuparem com isso. Mas, ao contrário, eles estão atentos ao problema:
“The Army will field the best equipment money can buy to win on the battlefields of the
21 st Century. But at same time, we must understand that advanced technology alone
will not solve all of our problems. I believe that the best weapon available to the
mounted force is one that already exists between the ears of ours soldiers – the brain. A
trained and educated mind is the most important weapon on the battlefield today and
will be well into the future.17”(grifos do autor)
Respondendo ao questionamento inicial, a alta tecnologia não será capaz, pelo menos no
horizonte visível, de substituir completamente o estudo e a aplicação dos princípios clássicos da
tática na busca pela vitória em combate. Sendo assim, conclui-se que sob bons comandos,
treinamento eficiente e moral elevado, direcionados pelo emprego correto dos fundamentos
táticos, é possível que homens de valor consigam diminuir o fosso tecnológico entre exércitos
oponentes. O homem é – e sempre será – o equipamento mais moderno no campo de batalha.
____________________________________________
O autor é Major de Cavalaria do Exército Brasileiro,
doutorando em Ciências Militares pela Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército, com ênfase em
Logística Militar Terrestre. Em 2009, é Chefe da 3ª
Seção (Operações e Planejamento) da 1ª Divisão de
Exército. (E-mail: majheitor@gmail.com).
17
MAGGART, Lon E. Your Mind is Your Primary Weapon. Armor, Fort Knox, EUA: vol CV, nº 4, p.5, jul-ago.
1996 “O Exército vai se exercitar com o melhor equipamento que o dinheiro pode comprar para vencer nos campos
de batalha do Século XXI. Mas ao mesmo tempo, nós devemos entender que a tecnologia avançada dos dias de hoje,
sozinha, não resolverá todos os nossos problemas. Eu acredito que a melhor arma disponível para equipar uma força
é aquela que já existe entre as orelhas dos nossos soldados - o cérebro. Uma mente treinada e educada é a arma mais
importante no campo de batalha de hoje e será no futuro”. (tradução livre do autor).