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1. INTRODUÇÃO
Participar como observador militar (MILOBS)1 de uma missão de paz capitaneada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Costa do Marfim, além de motivante, infere
uma série de responsabilidades e de deveres. Nesse contexto, descrever a experiência
vivenciada é um deles.
Este artigo aborda aspectos da minha experiência como observador militar na
Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (ONUCI)2, entre outubro de 2005 e outubro
de 2006.
2. DESENVOLVIMENTO
a. A presença da ONU na Costa do Marfim
A ONUCI foi estabelecida em 2003, com o nome de Missão das Nações Unidas na
Costa do Marfim (MINUCI). Em 2004, teve seu nome modificado para a designação atual e
suas missões ampliadas. O desdobramento dos meios da ONU no país visou a facilitar o
estabelecimento da paz e a permitir a aplicação efetiva dos diversos acordos firmados,
destacando-se o Linas-Marcoussis, assinado em 2003.
b. Aspectos gerais
Localizada na porção centro-oeste da África, a Costa do Marfim era, antes da guerra civil,
um dos países mais desenvolvidos ao sul da África subsaariana. Com uma população de 18,5
milhões de habitantes (2006), é composta por etnias bauleses, betes, senufos, mandingas e
outras. A religiosidade está dividida em (2005): crenças tradicionais (37,1%), cristianismo
(36,4%), islamismo (28,3%), sem religião (0,4%) e outras (0,2%). Suas fronteiras são: ao
norte – Burkina-Faso e Mali, ao sul o oceano Atlântico, a leste Gana, e a oeste a Libéria e a
Guiné. Com uma superfície de 322.463 km2, o país tem forma compacta, semelhante a um
quadrado de 570 km de lado.
1
Military observers, em Inglês. Observador militar, em Português.
2
Opération des Nations Unies en Côte d’Ivoire (Francês) e United Nations Operation in Côte d’Ivoire (Inglês).
Ambos são os nomes oficiais para se referir à missão.
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3
Em maio de 2000, a fim de diminuir o comércio dos chamados “diamantes de sangue”, cujos lucros eram
utilizados para a compra de armamentos que fomentavam guerras na África, vários países e membros da
indústria de diamantes assinaram um acordo na cidade de Kimberley, na África do Sul. O escopo desse acordo
dizia que os signatários não mais comercializariam diamantes provenientes de zonas de conflito. Daí surgiu o
processo de certificação de diamantes conhecido como Certificado Kimberley, que reconhece um diamante como
legal no mundo inteiro.
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4
Economic Community of West African States (Comunidade Econômica dos Estados do Oeste Africano)
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País que colonizou a Costa do Marfim e ali mantém tropas estacionadas, desde o século XIX.
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Atualmente, existem diversas milícias no sul que apóiam líderes do sul. A mais conhecida se chama Jovens
Patriotas. É também a mais violenta e numerosa.
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Possui uma base perto do aeroporto, sendo subordinada diretamente ao governo francês.
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6 policiais e 8 civis). O orçamento anual (1° Jul 2007 a 30 Jun 2008) é de 470,86 milhões de
dólares8.
e. A participação brasileira
Os primeiros militares brasileiros a chegarem na região iniciaram sua missão em
outubro de 2003. Atualmente, o Brasil se faz presente com 7 oficiais: 2 da Marinha de Guerra,
4 do Exército e 1 da Força Aérea.
Destaca-se que o Brasil possui uma representação diplomática com um embaixador e
outros funcionários, cuja segurança é feita por um destacamento de Forças Especiais do
Exército Brasileiro, sediada em Abidjan. Além disso, existem diversos religiosos brasileiros
trabalhando na região, dentre padres, pastores, freiras e civis.
f. As Forces Nouvelles (FN)
Na região norte do país o domínio político e militar é das FN. Trata-se do braço
político e militar que assumiu as causas dos apátridas e de minorias que se proclamam menos
favorecidas por parte do governo anterior à crise.
As FN organizam-se similarmente a um governo constituído a fim de tentar propiciar
continuidade aos serviços básicos, como educação, saúde e infra-estrutura, dentre outros,
enquanto se busca uma solução consensual para o problema.
O braço militar é constituído por homens e mulheres organizados em batalhões e
companhias, semelhantes às organizações de infantaria tradicionais, mas resguardando muitas
características de uma força de guerrilha. A liderança direta e o desempenho nos combates
passados favorecem a existência de núcleos de poder que lutam entre si, dificultando a
organização e o emprego eficiente de tropas.
O armamento utilizado é, via de regra, o fuzil AK 47 e o lança-granadas RPG-7.
Possuem companhias ditas “especiais”, cujo adestramento é mais elaborado do que as demais.
De fato, servem de proteção para determinadas autoridades das FN.
g. O Team Site (TS)
Um TS é uma estrutura isolada e auto-suficiente utilizada na maioria das operações de
paz da ONU. Lá trabalham os MILOBS, em número que varia de 8 a 12 oficiais sempre de
nacionalidades diferentes9. Suas missões consistem, genericamente, na verificação do
cumprimento dos tratados de paz, em inspeções às instalações militares de ambas as partes
no intuito de verificar equipamentos, armamentos e munições de posse autorizada patrulhas
de curto, médio e longo alcance que podiam durar dias, além de realizar as ligações
8
Fonte: http://www.un.org/Depts/dpko/missions/unoci/facts.html. acesso em: 30 Jun 08.
9
A ONUCI não autoriza oficiais de um mesmo país trabalharem no mesmo TS.
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com algumas tropas. Dentro desse contexto, é óbvia a necessidade de preparação. Os latinos
sofrem, mais do que os demais, o impacto do idioma. A língua materna não é o Inglês nem o
Francês, ao contrário da maioria dos outros países, onde o Inglês ou Francês são idiomas de
berço. Ou seja, repentinamente vê-se obrigado a abandonar o idioma de origem e a falar duas
outras línguas diferentes. Além disso, há o problema dos sotaques e entonações.
O aspecto conhecido como “choque cultural” deve ser levado em consideração na
missão de um MILOBS, que opera sempre isolado. As diferenças de filosofia de vida, bem
como de hábitos de higiene e alimentares10 são consideráveis. Ao longo do tempo e com o
somatório de adversidades naturais que a missão traz no seu bojo, alguns comportamentos
incomodam e geram pontos de estresse em função dessa diversidade cultural. A convivência
nem sempre era fácil.
Durante esse tipo de missão, o apoio psicológico é fundamental. Seja vindo da família,
seja vindo do Exército, institucionalmente. Existem períodos, notadamente aqueles mais
tradicionais, como Natal, Ano Novo, Páscoa e aniversário, dentre outros, onde o moral tende a
diminuir. A solidão foi um inimigo difícil de ser combatido nos primeiros três meses. Não é
recomendável fingir que o problema não existe. É preciso enfrentá-lo. Para minimizar esse
problema, dedicar-se à intensa leitura, redação de textos, assistir a filmes no computador
pessoal nas horas de folga e continuar praticando treinamento físico quando possível,
mostrou-se fundamental.
3. CONCLUSÃO
Ser um MILOBS é uma oportunidade em que alguns militares têm de vivenciar
situações limites, aproximando-se, ainda que de forma tênue, daquilo para o que somos
preparados: a guerra. Evidentemente, uma missão de paz não pode ser confundida com um
conflito em andamento. Existem diferenças óbvias. No entanto, esse tipo de experiência
permite colher ensinamentos preciosos que certamente servirão de subsídios no que tange à
preparação da Força, notadamente de seus quadros.
Exercer a função de MILOBS não é tarefa fácil, como poderia parecer numa primeira
análise. O “romantismo” que muitos acreditam existir é figura literária. O que há é uma
missão árdua e que requer 24 horas de dedicação e muita atenção. Exige desprendimento
pessoal, equilíbrio emocional, sólido preparo profissional, capacidade de analisar e agir diante
de situações de risco e de grande pressão e muita maturidade para decidir sempre pensando
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Nesse período me vi obrigado a comer comida marroquina, paquistanesa, de Bangladesh e, evidentemente,
africana. Por sinal, uma comida familiar aos brasileiros era o Alokó, nossa prosaica banana frita.
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O autor é Major de Cavalaria do Exército Brasileiro,
doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando
e Estado-Maior do Exército. Em 2008, é aluno do 2º ano da
ECEME. (E-mail: majheitor@gmail.com).