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A ERA CHANEL

A jovem Gabrielle
A história de Chanel não é fácil de contar. Ela não teve o mesmo destino da maioria
das mulheres. Não se casou e não teve filhos. Foi abandonada pelo pai na semana
seguinte à morte de sua mãe, e recebeu uma educação severa, típica de um
convento, o que, diga-se de passagem, não significa nem miséria nem maus tratos,
mas austeridade, solidão e sofrimento. (CHARLES-ROUX, 2007, p.4-5)

Orfanato e abadia de Aubazine. Motivos entrelaçados dos vitrais de


Aubazine. Possível inspiração do logotipo
Gabrielle Coco Chanel (1883-1971) que Chanel criará em 1925..

Logo que saísse da adolescência, Gabrielle corria o risco de ter que trabalhar como vendedora em uma
loja da região. Assim que completou dezoito anos, não pensava em outra coisa. No entanto, foi nesse
emprego que começou em Moullins: funcionária de uma loja especializada em enxoval, tecidos e
miudezas...mudou-se para Vichy e, sonhando fazer carreira no teatro, ela tentou o canto e a dança.
(CHARLES-ROUX, 2007, p.5)

Em 1905, em Moulins, apareciam no palco dos cafés-concerto as chamadas


‘poseuses’, figurantes que se mantinham em fila atrás das vedetes, bem
comportadas e em semicírculo como num salão. Seu papel era valorizar o
estabelecimento e distrair o público entre um número e outro...Foi assim que Chanel
estreou como ‘poseuse’, no palco do La Rotonde. Ela sabia apenas duas canções:
Ko-Ko-Ri-Ko e Qui qu’a a vu Coco (Quem viu Coco), e o público a apelidou com a
palavra comum aos dois refrões. (CHARLES-ROUX, 2007, p.35)

Da esquerda para a direita, Gabrielle e Adrienne Chanel em


Vichy, 1906. Elas mesmas confeccionavam seus chapéus e
vestidos. Portanto, esse é o mais antigo documento
conhecido no qual aparece o estilo Chanel.
Tinha 25 anos (1908) quando conheceu um jovem de boa família que lhe propôs uma vida a dois, mas não
casamento. Era Étienne Balsan, um homem distinto, admirador e criador de cavalos. Gabrielle Chanel aceitou
o pedido e em seguida mudaram-se para uma cidade perto de Paris. Começou assim um aprendizado que lhe
revelou ao mesmo tempo os encantos de viver num castelo e os segredos do papel que lhe cabia: ela sucedia
a Émilienne d’Alençon no posto de concubina de Balsan. (CHARLES-ROUX, 2007, p.5)

Chanel e Balsan.

Esse pequeno chapéu de palha dura chamado canotier,


criado em 1910, num dia de vento, foi sempre o seu
Da direita para esquerda, Étienne Balsan e chapéu preferido. Junto com a gravata e casaco
Chanel, em 1907, com criadores de cavalos, emprestados de Balsan, formam seu primeiro esboço do
passeiam montados em burros. A ousadia da estilo que iria impor anos mais tarde.
gravata borboleta masculina contrasta com os
amplos colarinhos das outras amazonas.

Viver com Étienne Balsan significava ir de um hipódromo a outro. Mas Coco só tinha
direito aos setor descoberto, pois era preciso evitar cruzar essa ou aquela dama que
poderia se ofender ao encontrar a mulher com quem Balsan vivia. Em seu obsessivo
medo de ser tomada por uma cortesã, Gabrielle forçava a dose do conveniente. Ela
precisava a todo custo ser diferente. Não a viam mais senão como moça independente,
tendo na cabeça um dos canotiers que ela mesma fazia e pelos quais as amigas eram
apaixonadas. (CHARLES-ROUX, 2007, p.61)
Gabrielle Chanel, em 1909, sem pérolas nem rendados. Sob seu vestido ponjê
(Tecido leve de lã e seda crua misturadas), uma camisete, discreta como um
uniforme de colégio interno, com decote e punhos debruados por sutache.
Cabelos escuros e volumosos, nariz arrebitado, maravilhosos perfil, e cujo nome
apenas começa a ser conhecido. Ela mantêm a postura ereta, como fará a vida inteira,
apoiada em todos os assentos como numa sela de amazona, ou como se, num vestido
mais fluido que os das suas contemporâneas, já tivesse a convicção de que uma boa
musculatura vale mais que todos os espartilhos. Esse vestido é obra sua. Sua ideia de
corpo é radical.
Foi ao mesmo tempo amazona e sedutora, treinando com os melhores cavalos e
explorando os atrativos que lhe eram peculiares: uma beleza natural e um charme
raro. Era vista em toda parte: Paris, Pau, Cannes, Deauville. Chanel ficou
conhecida como queridinha dos jovens notáveis da época. Depois de Balsan, veio
Boy Capel, um inglês de inteligência brilhante, seu maior e único amor.
(CHARLES-ROUX, 2007, p.6)

Boy Capel e Chanel a cavalo. Escolha exagerada aos olhos das pessoas de
classe, ela veste calças de montaria do tipo jodhpur, cujo modelo foi lhe
fornecido por um conheiro, e ela encomendou uma cópia ao alfaiate da região.
Com um chapéu de feltro para não se expor ao sol.

Nos últimos meses do ano de 1910, Gabrielle Chanel passou a morar com Arthur
Capel num elegante apartamento da Avenue Gabriel, e a criar chapéus num andar
do número 21 de uma rua cujo nome foi associado ao dela durante meio século: a
Rue Cambon. Na porta, uma placa: Chanel Modes. Finalmente ela era modista de
Coco Chanel e Boy Capel, 1913. fato, num local a sua escolha. (CHARLES-ROUX, 2007, p.87)

As belas mulheres que tinham sido o enfeite dos domingos No verão de 1913, ela decide com ajuda de
em Royallieu (propriedade de Balsan), as amazonas, as Boy Capel, inaugurar a loja em Deauville.
alegres amigas de Balsan, tornavam-se, em 1912, artistas
E, apesar dos defeitos de uma
de primeiro plano. Foram elas que, admiradas, aplaudidas e
organização pouco propícia ao
cada vez mais fotografadas nas revistas de moda, iam
sucesso, Gabrielle vira sua
revelar o nome de uma jovem estilista desconhecida:
clientela aumentar dia após dia:
Gabrielle Chanel. (CHARLES-ROUX, 2007, p.91)
“As clientes chegavam de
início, movidas pela
curiosidade. Um dia recebi a
Chanel com sua jovem
tia Adrienne em sua loja visita de uma delas, que me
em Deauville, 1913. Saia confessou sem rodeios: _Eu
de algodão e blusa com vim para vê-la!”. (CHARLES-
gola de marinheiro, feios ROUX, 2007, p.84)
por ela.

Chanel em sua loja em


Deauville, 1913. Observe no
A atriz Gabrielle Dorziat usa fundo, o brasileiro Alberto
chapéu de Chanel. Santos-Dumont.
As pessoas iam à praia como na cidade, vestidas dos Uma vez que começou a trabalhar, Chanel se tornou para sempre uma mulher de
pés à cabeça. Chanel tinha razão: “1914 era ainda 1900, negócios. Durante toda a vida trabalhou e assumiu continuamente seu duplo papel de
e 1900 era ainda o Segundo Império”. artesã e empresária, impondo a uma clientela cada vez mais numerosa suas concepções
Como não existia sem moda nem roupa esportiva em pessoais de vestir-se, desafiando o maior costureiro da época, Paul Poiret, roubando-lhe
1913...Chanel inventaria essa nova moda, descontraída suas clientes uma a uma e alistando-as de imediato no pelotão de mulheres que, sob suas
ao ar livre. (CHARLES-ROUX, 2007, p.108) ordens, desistiram dos penachos, dos cabelos longos e das saias entravadas, afuniladas
no tornozelo. (CHARLES-ROUX, 2007, p.6-7)
Jean Cocteau.
'Poiret parte, Chanel acabava de obter seu primeiro grande
Chanel chega ’. sucesso como costureira no momento que
começava a Primeira Guerra Mundial.
Fugindo das províncias invadidas, os donos de
castelo refugiaram-se em suas casas de verão e
Deauville voltou a ser, na guerra, o balneário
aristocrático que fora na paz. As mulheres
precisavam de algo para se deslocar a pé, andar
depressa, sem estorvos. O traje Chanel virou o
traje do momento. (CHARLES-ROUX, 2007,
p.122-23)
Chanel
banhista,
em julho (1915) Tanto Boy quanto Chanel
de 1914. tiveram a ideia de retomar em
Biarritz a experiência que dera
tão bons resultados em
Deauville, uma ano
A clientela de antes...Gabrielle inaugurou em
Gabrielle dobrou Biarritz não uma loja, mas uma
graças a sua tia maison de moda com uma
Adrienne, que se coleção de vestidos que, na
exibia, a cada dia, época, custavam 3 mil francos.
com vestidos e Em vez de uma loja, uma vila
chapéus situada em frente ao cassino.
diferentes Chanel tinha seu plano de
emprestados da guerra. Biarritz? Um posto
loja. A irmã mais avançado que colocava a
nova de Chanel, Espanha ao seu alcance.
Antoniette, (CHARLES-ROUX, 2007, p.130)
também passou a
exibir seus trajes.
O ateliê de Biarritz trabalhava a todo vapor. No final do ano,
Gabrielle, orgulhosa dessa vitória que era somente dela, estava de
volta a Paris... Abastecia diretamente Biarritz, onde deixara sua
irmã Antoinette com plenos poderes... No inicio de 1916, Gabrielle
comandava cerca de trezentas operárias. Para sua surpresa, viu-
se em condições de reembolsar Boy Capel. O que fez sem pedir-
lhe opinião. A independência, enfim. (CHARLES-ROUX, 2007,
p.131)
Foi em 1916, na Harper’s Bazaar, que apareceu o primeiro
modelo, até então nunca publicado, de Chanel. Destinado às
elegantes clientes de Antoinette, era de grande sedução, mas sem
o menor eco pré-guerra. Sem decote e sem corpete. A roupa era
fendida por um golpe de espada e abria-se num colete masculino.
Nada de mangas bufantes, em vestido seco, reto, com mangas
Em Les Élegances parisiennes, março de 1917, uma página
cobrindo o braço como uma meia. Quanto a cintura...ela tinha anunciava o aparecimento de um novo tecido: o jérsei.
desaparecido! Uma echarpe pendia frouxamente em volta dos Chapéus e modelos Gabrielle Chanel. No mesmo número, três
quadris, flutuante. Surpresos, embora admirados, os redatores vestidos em jérsei de Chanel.
americanos saudaram essa criação com uma breve legenda: a
charming chemise dress de Chanel. Este vestido-camisa teria de
esperar quatro anos de ser consagrado pela imprensa francesa.
(CHARLES-ROUX, 2007, p.131) Boy Capel morreu tragicamente em um
acidente de carro em 1919 e diz-se que foi
Em 1918, Chanel abre a sua Maison no número 31 da Rue Cambon. quando ele estava viajando para ver Coco para
um encontro de Natal. A relação durou dez
anos.

Boy Capel como


centauro dança com
REFERÊNCIA
Chanel em caricatura CHARLES-ROUX, Edmonde. A era Chanel.
feita por SEM, em São Paulo: Cosac Naify, 2007.
1913.

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