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AS CANTIGAS DE AMOR

Proençais soen mui ben trobar Os provençais que bem sabem trovar!
e dizen eles que é con amor, e dizem eles que trovam com amor,
mays os que troban no tempo da flor mas os que cantam na estação da flor
e non en outro sey eu ben que non e nunca antes, jamais no coração
am tam gran coyta no seu coraçon semelhante tristeza sentirão
qual m’eu por mha senhor vejo levar. qual por minha senhora ando a levar.

Pero que troban e saben loar Muito bem trovam! Que bem sabem louvar
sas senhores o mays e o melhor as suas bem-amadas! Com que ardor
que eles podem, sõo sabedor os povençais lhes tecem um louvor!
que os que troban, quand’a frol sazon Mas os que trovam durante a estação
á e non ante, se Deus mi perdon, da flor e nunca antes, sei que não
non an tal coyta qual eu sey sen par. conhecem dor que à minha se compare.

Ca os que troban e que ss’alegrar Os que trovam e alegres vejo estar


van eno tempo que ten a color quando na flor está derramada a cor
a frol consigu’e, tanto que se fôr e que depois quando a estação se for,
aquel tempo, logu’en trobar razon de trovar não mais se lembrarão,
non an, non viven (en) qual perdiçon esses, sei eu que nunca morrerão
oj’eu vyvo, que poys m’á de matar. de desventura que vejo a mim matar.

D. Dinis Natália Correia


Tema:
autenticidade amorosa versus formalismo do amor cortês
Essa cantiga é chamada de mestria porque não tem refrão, é artisticamente mais bem elaborada, fugindo aos
esquemas da lírica popular.
Quanto à estrutura, o poema é composto de três estrofes, cada qual de oito versos decassílabos, com o
esquema rítmico abbcca, que se repete em todas as cobras, estabelecendo assim um chamamento fónico entre
os versos externos (primeiro e último) e internos (segundo e terceiro, quarto e quinto) das três estrofes. A tal
entrelaçamento sonoro corresponde uma interacção semântica, pois as três cobras giram em torno da mesma
idéia básica: o amor que o eu poemático sente pela mulher amada é muito mais sincero e duradouro que o
amor cantado pelos trovadores da Provença.
Se, de um lado, o rei-trovador admite a inegável influência da poesia trovadoresca do sul da França sobre a lírica
peninsular, de outro lado faz questão de ressaltar que sua poesia, fugindo do convencionalismo de escola, é
mais autêntica, exprimindo realmente o que se passa no coração do poeta. Assim, na primeira estrofe, revela
que os trovadores provençais, por cantarem apenas durante a primavera, não podem sentir a coita, a dor
amorosa que ele sente por sua senhora durante o ano todo. Dá a entender, então, que os provençais são
versejadores profissionais, que não sentem o que cantam. Tal momento ideológico, com pequenas variantes,
encontra-se repetido nas duas estrofes seguintes.
É interessante notar que, nos dois versos finais, o eu poemático afirma que a intensidade do sofrimento de
amor pode levá-lo à morte. A relação amor-morte, como já vimos, é uma constante na lírica occitânica. Na
cantiga de amigo que analisamos, de carácter realístico, era a falta do amor carnal que poderia causar a morte
da jovem apaixonada; aqui, na cantiga de amor, de carácter idealizante, é apenas a ausência, a não-visão do
rosto da mulher amada, que pode causar a morte do trovador. A mulher, portanto, é quase divinizada: sua figura
irradia a luz que dá a vida. A cantiga de amor contém em germe uma concepção de vida medieval que
encontrará em Dante Alighieri a melhor expressão estética: especialmente no cântico do Paraíso de sua Divina
comédia, as almas são tanto mais felizes quanto mais estão perto da luz celestial.
Que soidade de mia senhor hei Que saudade da minha senhor tenho,
quando me nembra dela qual a vi, quando me lembro de como a vi
e que me nembra que bem a oí e que me lembro de como bem a ouvi
falar; e por quanto bem dela sei, falar, e, por quanto bem de ela sei
rogu'eu a Deus que end'há o poder, rogo a Deus, que para isso tem o poder
que ma leixe, se lhi prouguer, veer que me deixe, se a assim aprovar, ver

cedo; ca, pero mi nunca fez bem, Cedo, porque, para mim nunca fez bem,
se a nom vir, nom me posso guardar se não a vir, não me posso guardar
d'ensandecer[1] ou morrer com pesar; de enlouquecer ou morrer com pesar,
e, porque ela tod'em poder tem, e, por que ela todo o poder disso tem,
rogu'eu a Deus que end'há o poder, rogo a Deus, que para isso tem o poder
que ma leixe, se lhi prouguer, veer que me deixe, se a assim aprovar, ver

cedo; ca tal a fez Nostro Senhor, Cedo, porque como a fez Nosso Senhor;
de quantas outras no mundo som de quantas outras no mundo há
nom lhi fez par, a la minha fé, nom; não fez outra como ela, não,
e poi-la fez das melhores melhor, e, pois a fez das melhores a melhor,
rogu'eu a Deus que end'há o poder, rogo a Deus, que para isso tem o poder
que ma leixe, se lhi prouguer, veer que me deixe, se a assim aprovar, ver

cedo; ca tal a quis Deus fazer Cedo, porque tal como a quis Deus fazer
que, se a nom vir, nom posso viver. que, se não a vir, não posso viver.
Tema:
Saudade
Que saudade da minha senhor tenho,
quando me lembro de como a vi
e que me lembro de como bem a ouvi
falar, e, por quanto bem de ela sei
rogo a Deus, que para isso tem o poder
que me deixe, se a assim aprovar, ver

Cedo, porque, para mim nunca fez bem,


se não a vir, não me posso guardar
de enlouquecer ou morrer com pesar,
e, por que ela todo o poder disso tem,
rogo a Deus, que para isso tem o poder
que me deixe, se a assim aprovar, ver

Cedo, porque como a fez Nosso Senhor;


de quantas outras no mundo há
não fez outra como ela, não,
e, pois a fez das melhores a melhor,
rogo a Deus, que para isso tem o poder
que me deixe, se a assim aprovar, ver

Cedo, porque tal como a quis Deus fazer


que, se não a vir, não posso viver.
Tema: trovar de amor.
Assunto: o sujeito poético enaltece e elogia a
sua dama, referindo as suas qualidades morais,
exaltando a sua beleza e afirmando que
nenhuma outra a ela se compara.

Recursos estilísticos:
hipérbole (ao longo de todo o poema);
quantificativos: "todo, gran, mui, ben,
mui gran, melhor";
polissíndeto: "e beleza e lorr e falar mui ben e
rir melhor".

Forma:
cantiga de mestria,
Verbos decassílabos
Esquema rimático: abbacca;
rima interpolada e emparelhada, pobre.

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