Você está na página 1de 19

LITERATURA E CULTURA ORAL AFROBRASILEIRAS

LITERATURA E CULTURA ORAL

A obra Corpo de Baile tem sete Narrativas sendo que o Recado do Morro
(corresponde ao planeta Terra) está localizado exatamente no meio. Toda a obra
apresenta-se entrecortada por cantorias. A Coroação de Reis está presente em
inúmeras passagens da obra Corpo de Baile. Mas devemos perguntar que
universo é este da Coroação de Reis Congo ao qual faz referência Guimarães
Rosa? Nossa hipótese é que há uma cumplicidade da complexidade habitando a
relação entre o ritual e a obra literária.
Contextualizando o ritual Coroação de Reis Congo

As festas de Coroação de Reis Congo remetem ao antigo Reino


do Mani Congo (final século XV) e à conversão dos soberanos
congoleses ao catolicismo. Quando Diogo Cão chegou à foz do
Rio Zaire em 1483 e contatou pela primeira vez o Mani soyo, chefe
da localidade na qual aportara e o Congo era um reino forte e
estruturado na chefia máxima exercida por Mani Congo.

Voyage of Diogo Cao (1483) -


published by Jodocus Hondius
O controle político das regiões era administrado pelo Rei
Congo, a partir da capital Mbanza Congo (Angola).

Houve uma grande intensificação do comércio de escravos.,


sendo que foi nesta região que o cristianismo teve maior
penetração, introduzido ainda no final do século XV.

Com a escravatura transatlântica, estas populações levariam


seus costumes, conflitos e sincretismos espirituais para o outro
lado do Atlântico por meio da Coroação de Reis Congo. Ritual
que migrou para o Brasil, Cuba, Cabo Verde, Uruguai dentre
outras regiões.
Escolher Reis ou Capitães constitui uma das formas encontradas pelos africanos escravizados, de
recriarem a organização comunitária, laços sociais e formas culturais na sociedade escravagista. Ao
elegerem Reis e Rainhas e festejarem a sua devoção com danças, cantos, histórias e mitos, evocavam o
seu passado africano, denegavam a comunidade que construíam na sociedade escravagista,
recriavam cultos de forma híbrida e criavam uma sociedade mestiça que passou a dialogar e,
concomitantemente, subverter o poder instituído da Igreja e do Império.
(percebido, por exemplo, por Antonio Vieira nos Sermões)
No Corpo de Baile temos 7 Textos, 7 personagens, 7 fazendas, 7 transmissores do recado do
morro, encontram na Coroação de Reis Congo, 7 grupos que narram histórias míticas de
forma, concomitantemente, complementar e contraditória.

Os 7 grupos da Coroação de Reis estão frequentemente em estado de complementação


dialógica e em contradição. Cada qual conta a história da Coroação de Reis da sua maneira,
com as suas indumentárias e cantorias.

Trata-se de um saber não sabido que re-inaugura a comunidade a cada edição. Muitas destas
histórias passaram e passam por um processo de negação mútua, ou seja, cada grupo faz de si
próprio a Origem de tudo, o que significa dizer que teríamos 7 origens do Mito da Coroação de
Reis Congo (ex: qual grupo encontrou a imagem da Santa).
O múltiplo da ideia de origem é uma denegação da própria universalização dos mitos, igualmente
característica de um Sertão que se constitui em labirinto.

Candombe Moçambique Guarda de Congo Vilão

Catupés Marujos Folia do Divino


O Corpo assume a função de memória cultural e na Coroação de Reis são os cantos que
preponderam e narrativas interrompem as cantorias.

Nas festas da Coroação de Reis Congo, também encontramos loucos solitários, bocós,
meninos, bobos de fazenda, visionários, até chegar ao músico “avulso”, tal como na obra de
Guimarães. O sentido (sujeito) comunitário está perdido no labirinto das diversidades dos
grupos que compõem o ritual. O princípio da unidade habita somente nas narrativas de uma
historicidade recontada, assim como no Recado do Morro, nada representa um elo seguro na
transmissão da mensagem, seja das aparições sagradas ou profanas, seja do próprio recado.

Este movimento palinódico (do desdito) está presente em centenas de cidades brasileiras ainda
hoje e sua composição é a con-conversa que inunda o literário de Guimarães, pois as localidades
definem a construção de personagens e sentidos mas não os torna homogêneos. Ao contrário,
privilegiam a con-conversa de con-vivências que valorizam, prioritariamente, a diversidade que
promoveu o encontro entre europeus, africanos e brasileiros.
PRODUÇÃO PARTILHADA
COM BOROROS, XAVANTES E KARAJÁS
Interessa compreender o conhecimento como fruto do encontro entre experiência
estética (Cultura Oral) e o saber na Universidade. Do lado acadêmico, aminhos
fenomenológicos e hermenêuticos remeteram ao fundamentos da experiência estética
como base de todo conhecimento das ciências humanas e sociais (H. G. Gadamer, J.
Crary, Michel Mafessoli, Michel Foucault, Peter Sloterdijk, Darcy Ribeiro, Eduardo
Viveiros de Castro, dentre outros).

“Diríamos então, parafraseando a citação de Latour, que o conceito melanésio de pessoa


como “divíduo” é tão imaginativo como o individualismo possessivo de Locke; que
compreender a “filosofia da chefia ameríndia” é tão importante quanto comentar a
doutrina hegeliana do Estado; que a cosmogonia maori ser equipara aos paradoxos
eleáticos e às antinomias kantianas; que o perspectivismo amazônico é um objetivo
filosófico tão interessante como compreender a metafísica de Leibniz ...” (Viveiros de
Casto, Metafísicas Canibais, 223)
Então o que fizemos? Começamos a produzir conhecimento em expressividade audiovisual
(como mediação entre os saberes científico e oral), sendo que todo o processo de
construção ocorre(u) em parceria com as pessoas das comunidades indígenas.

CEDIPP Youtube

https://www.youtube.com/user/cedipp
Realizamos Cursos de Produção Partilhada do Conhecimento em parceria com
xavantes, bororos e karajás. Os cursos são oferecidos por mestres indígenas (das próprias
comunidades), estudantes e professores de pós-graduação.
O objetivo central destas atividades não é, prioritariamente, formar “cineastas indígenas”,
mas por meio do audiovisual e da hipermídia, criar uma interlocução temática a partir
das questões identificadas pelas próprias comunidades. Portanto, por vezes, a
produção e os resultados audiovisuais são coletivos, por vezes, são fruto de uma iniciativa
individual (Juanahu, Divino e Paulinho).

DVD – Produção Partilhada do Conhecimento Filme de Juanahu Iny Tori


06 – Filmes: Diabete – Jarudori – Alcoolismo O Povo que veio do Fundo do Rio
- Museu Memória – Meio Ambiente
Estes momentos de formação-produção acontecem nas Aldeias e na Universidade e
acabam representando a integração entre dos saberes da oralidade e da academia,
criando um terceiro: a Produção Partilhada do Conhecimento, que não é igual a nenhum
dos anteriores.
Um dos resultados deste caminho que os princípios est-éticos, as temáticas e, até mesmo,
a possibilidade de filmar ou não, acabam sendo uma consequência da interlocução entre
os saberes orais e acadêmicos. Filmar a possibilidade de não filmar pode ser o mais
importante.

Paulinho
Bororo
Também são importantes os
momentos de formação na
Universidade, pois nos
próprios eventos de
apresentação dos resultados
obtidos, continuam valendo os
preceitos comunitários
indígenas.
Tornar presente a cultura oral na Universidade numa ampla expressão de Personitude.
No tocante à criação de ambientes
hipermídias, algumas experiências já estão
em andamento. Novamente o importante é
que elas sejam o resultado da interlocução
e equilíbrio entre os saberes orais e
acadêmicos.

Boe Ero Kirereu – A grande tradição Bororo

Você também pode gostar