Alguma atenção à história da ciência, em particular ao
que se costuma denominar o surgimento da ciência moderna, pode ser útil no esclarecimento do que a ciência é (neste momento). O surgimento da ciência moderna associa-se normalmente ao período de grande progresso quer na descoberta científica em alguns domínios, quer na metodologia científica, que decorreu entre 1500 e 1750. Essencialmente, aquilo que se denomina normalmente de ciência moderna define-se/caracteriza-se por oposição/reacção em relação ao aristotelismo Essencialmente, aquilo que se denomina normalmente de ciência moderna define-se/caracteriza-se por oposição/reacção em relação ao aristotelismo
aristotelismo: uma visão do mundo (e, de facto, uma
teoria geral do mundo) que, durante muitos séculos, esteve na base do que eram verdades inquestionáveis nos domínios da física, biologia, astronomia, cosmologia. Em 1542, Nicolau Copérnico (1473-1543) publicou uma obra onde questionava a teoria geocêntrica, i.e. a teoria segundo a qual a terra estava no centro do universo, sendo o eixo imóvel à volta do qual os outros planetas e o sol giravam Em 1542, Nicolau Copérnico (1473-1543) publicou uma obra onde questionava a teoria geocêntrica, i.e. a teoria segundo a qual a terra estava no centro do universo, sendo o eixo imóvel à volta do qual os outros planetas e o sol giravam (daí a expressão “revolução copernicana”). Em 1542, Nicolau Copérnico (1473-1543) publicou uma obra onde questionava a teoria geocêntrica, i.e. a teoria segundo a qual a terra estava no centro do universo, sendo o eixo imóvel à volta do qual os outros planetas e o sol giravam (daí a expressão “revolução copernicana”).
A teoria geocêntrica, também conhecida como
ptolemaica (Ptolemeu, 90-168), tida como verdade inquestionável durante cerca de 1800 anos, foi então substituída pela teoria heliocêntrica, segundo a qual os planetas, incluindo a Terra, giram à volta do sol. A teoria heliocêntrica recolocava assim a Terra na rede de planetas conhecidos como mais um deles, eliminando o papel central que o geocentrismo lhe atribuía e eliminando, portanto, o seu estatuto de excepção. A teoria heliocêntrica recolocava assim a Terra na rede de planetas conhecidos como mais um deles, eliminando o papel central que o geocentrismo lhe atribuía e eliminando, portanto, o seu estatuto de excepção.
A hipótese heliocêntrica encontrou forte resistência
das autoridades, em particular da igreja católica, que proibiu a obra de Copérnico em 1616. Convém dizer que encontrou também resistência no senso comum. Mas 100 anos depois a teoria conseguiu estabelecer-se como ortodoxia científica. A hipótese astronómica de Copérnico levou ao desenvolvimento da física e da astrofísica modernas, através dos contributos de Kepler (1571-1630) e de Galileu (1564-1642). A hipótese astronómica de Copérnico levou ao desenvolvimento da física e da astrofísica modernas, através dos contributos de Kepler (1571-1630) e de Galileu (1564-1642). Kepler descobriu que as órbitas dos planetas não são circulares, mas elípticas (a “primeira lei” do movimento planetário). As leis do movimento planetário de Kepler ofereceram-nos uma teoria astronómica incomparavelmente mais bem sucedida do que a visão ptolemaica. Adicionalmente, as descobertas cosmológicas de Galileu (pioneiro no uso do telescópio) contribuíram decisivamente para credibilizar o Copernicanismo. Adicionalmente, as descobertas cosmológicas de Galileu (pioneiro no uso do telescópio) contribuíram decisivamente para credibilizar o Copernicanismo.
Porquê? Porque permitiram identificar aspectos da
realidade cosmológica que contradiziam as expectativas do geocentrismo e da cosmologia aristotélica em geral (por ex., montanhas lunares, um número gigantesco de estrelas, as luas de Júpiter). O contributo mais decisivo de Galileu foi no entanto na física (é tipicamente considerado “o primeiro físico moderno”). Por exemplo, refutou a teoria aristotélica segundo a qual os corpos pesados caem mais rapidamente do que os corpos leves. O contributo mais decisivo de Galileu foi no entanto na física (é tipicamente considerado “o primeiro físico moderno”). Por exemplo, refutou a teoria aristotélica segundo a qual os corpos pesados caem mais rapidamente do que os corpos leves.
Foi, também, o primeiro a mostrar que a linguagem
da matemática podia ser usada para descrever o comportamento dos objectos do mundo material. (Hoje isto parece uma trivialidade, mas na época de Galileu isso não era assim: a matemática era vista como uma disciplina que lidava com entidades abstractas e, logo, não aplicável à realidade física.) Uma outra inovação introduzida por Galileu foi a sua insistência na necessidade de testar hipóteses experimentalmente. De novo, esta ideia foi revolucionária. No tempo de Galileu, a experimentação não era considerada um método fidedigno de aquisição de conhecimento. No tempo de Galileu, a experimentação não era considerada um método fidedigno de aquisição de conhecimento.
A observação de casos particulares era um modo
legítimo de fundamentar princípios ou leis gerais, mas não tinha o estatuto de teste. No tempo de Galileu, a experimentação não era considerada um método fidedigno de aquisição de conhecimento.
A observação de casos particulares era um modo
legítimo de fundamentar princípios ou leis gerais, mas não tinha o estatuto de teste.
Deve-se em grande medida a Galileu a promoção da
ideia de teste experimental como modo de validar a ciência. O privilégio dado por Galileu à noção de teste experimental perdurou até aos dias de hoje e é uma das características do que é actualmente tido como “ciência”. Posto isto, parece-me que nas discussões respeitantes aos problemas da natureza, não se deve começar por invocar a autoridade de passagens das Escrituras; é preciso, em primeiro lugar, recorrer à experiência dos sentidos e a demonstrações necessárias. Com efeito, a Sagrada Escritura e a natureza procedem igualmente do Verbo divino, sendo aquela ditada pelo Espírito Santo, e esta, uma executora perfeitamente fiel das ordens de Deus. Ora, para se adaptarem às possibilidades de compreensão do maior número possível de homens, as Escrituras dizem coisas que diferem da verdade absoluta, quer na sua expressão, quer no sentido literal dos termos; Posto isto, parece-me que nas discussões respeitantes aos problemas da natureza, não se deve começar por invocar a autoridade de passagens das Escrituras; é preciso, em primeiro lugar, recorrer à experiência dos sentidos e a demonstrações necessárias. Com efeito, a Sagrada Escritura e a natureza procedem igualmente do Verbo divino, sendo aquela ditada pelo Espírito Santo, e esta, uma executora perfeitamente fiel das ordens de Deus. Ora, para se adaptarem às possibilidades de compreensão do maior número possível de homens, as Escrituras dizem coisas que diferem da verdade absoluta, quer na sua expressão, quer no sentido literal dos termos; a natureza, pelo contrário, conforma-se inexorável e imutavelmente às leis que lhe foram impostas, sem nunca ultrapassar os seus limites e sem se preocupar em saber se as suas razões ocultas e modos de operar estão dentro das capacidades de compreensão humana. Daqui resulta que os efeitos naturais e a experiência sensível que se oferece aos nossos olhos, bem como as demonstrações necessárias que daí retiramos não devem, de maneira nenhuma, ser postas em dúvida, nem condenadas em nome de passagens da Escritura, mesmo quando o sentido literal parece contradizê-las.
Galileu, Carta a Cristina de Lorena
Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), em Novum Organum, a primeira sistematização do método experimental, implicando duas ideias base: Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), em Novum Organum, a primeira sistematização do método experimental, implicando duas ideias base:
a) A observação empírica sistemática
Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), em Novum Organum, a primeira sistematização do método experimental, implicando duas ideias base:
a) A observação empírica sistemática
b) A formulação de leis/princípios gerais por meio de
raciocínios indutivos Deve-se a Francis Bacon (1561-1626), em Novum Organum, a primeira sistematização do método experimental, implicando duas ideias base:
a) A observação empírica sistemática
b) A formulação de leis/princípios gerais por meio de
raciocínios indutivos
(até hoje, a) e b) são básicos na demarcação entre
ciência e não-ciência e, mais especificamente, entre ciência e pseudo-ciência) Em resumo, estes comentários sobre o advento da ciência moderna mostram que: Em resumo, estes comentários sobre o advento da ciência moderna mostram que:
- Ele se deu através do questionamento de crenças
consideradas inquestionáveis, devido à força da tradição e pela relação com o texto bíblico Em resumo, estes comentários sobre o advento da ciência moderna mostram que:
- Ele se deu através do questionamento de crenças
consideradas inquestionáveis, devido à força da tradição e pela relação com o texto bíblico - A observação e a experimentação aparecem como o teste essencial da validade da ciência (de uma hipótese, de uma teoria) Em resumo, estes comentários sobre o advento da ciência moderna mostram que:
- Ele se deu através do questionamento de crenças
consideradas inquestionáveis, devido à força da tradição e pela relação com o texto bíblico - A observação e a experimentação aparecem como o teste essencial da validade da ciência (de uma hipótese, de uma teoria) - A capacidade de uma hipótese ou teoria científica se se prestar ao teste experimental depende, em parte, do rigor da sua formulação, e assim do seu grau de matematização MAS (recordar vídeo de quinta-feira) MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● A ciência é actividade própria de uma elite (social,
intelectual) MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● A ciência é actividade própria de uma elite (social,
intelectual) ● A ciência constrói-se colectivamente, não pela acção individual de “génios” MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● A ciência é actividade própria de uma elite (social,
intelectual) ● A ciência constrói-se colectivamente, não pela acção individual de “génios” ● Nem toda a hipótese científica pode ser directamente testada pela experimentação MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● A ciência é actividade própria de uma elite (social,
intelectual) ● A ciência constrói-se colectivamente, não pela acção individual de “génios” ● Nem toda a hipótese científica pode ser directamente testada pela experimentação ● As hipóteses e teorias científicas são o resultado da interpretação que os cientistas fazem dos factos. MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● A ciência é actividade própria de uma elite (social,
intelectual) ● A ciência constrói-se colectivamente, não pela acção individual de “génios” ● Nem toda a hipótese científica pode ser directamente testada pela experimentação ● As hipóteses e teorias científicas são o resultado da interpretação que os cientistas fazem dos factos. MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● O método experimental, sobretudo se visto como
um conjunto rígido de instruções para generalizar, indutivamente, a partir de casos particulares, não oferece uma imagem fiel da ciência MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● O método experimental, sobretudo se visto como
um conjunto rígido de instruções para generalizar, indutivamente, a partir de casos particulares, não oferece uma imagem fiel da ciência ● A visão analítica da ciência é errada: muitas vezes uma hipótese científica reúne dados de fontes diferentes (i.e. é construída sinteticamente) MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● O método experimental, sobretudo se visto como
um conjunto rígido de instruções para generalizar, indutivamente, a partir de casos particulares, não oferece uma imagem fiel da ciência ● A visão analítica da ciência é errada: muitas vezes uma hipótese científica reúne dados de fontes diferentes (i.e. é construída sinteticamente) ● O progresso/a evolução da ciência nem sempre se processa de modo cumulativo; por vezes processa-se por revisão/refutação das teorias vigentes MAS (recordar vídeo de quinta-feira)
● O método experimental, sobretudo se visto como
um conjunto rígido de instruções para generalizar, indutivamente, a partir de casos particulares, não oferece uma imagem fiel da ciência ● A visão analítica da ciência é errada: muitas vezes uma hipótese científica reúne dados de fontes diferentes (i.e. é construída sinteticamente) ● O progresso/a evolução da ciência nem sempre se processa de modo cumulativo; por vezes processa-se por revisão/refutação das teorias vigentes Realçar que:
• O conhecimento científico não surge magicamente
dos factos/observações. Realçar que:
• O conhecimento científico não surge magicamente
dos factos/observações. • As teorias são sempre o resultado de respostas a problemas; portanto os dados empíricos não produziriam conhecimento se os cientistas não os relacionassem de modo a obter uma explicação do seu funcionamento e assim uma resposta ao problema. Realçar que:
• O conhecimento científico não surge magicamente
dos factos/observações. • As teorias são sempre o resultado de respostas a problemas; portanto os dados empíricos não produziriam conhecimento se os cientistas não os relacionassem de modo a obter uma explicação do seu funcionamento e assim uma resposta ao problema. • Assim, o conteúdo concreto de uma hipótese/teoria científica depende do modo como esse relacionamento é feito. A metáfora da lanterna A metáfora da lanterna
Aquilo que a lanterna depende da sua posição, da
maneira como está a ser direccionada, da intensidade da sua luz, etc., embora dependa também, em grande medida, das coisas iluminadas por ela. A metáfora da lanterna
Aquilo que a lanterna depende da sua posição, da
maneira como está a ser direccionada, da intensidade da sua luz, etc., embora dependa também, em grande medida, das coisas iluminadas por ela.
Do mesmo modo, uma descrição científica
dependerá, em grande medida, do nosso ponto de vista, dos nossos interesses, que, por regra, se relacionam com a teoria ou hipótese que queremos testar, embora dependa também, evidentemente, dos factos descritos. A metáfora da lanterna
Aquilo que a lanterna depende da sua posição, da
maneira como está a ser direccionada, da intensidade da sua luz, etc., embora dependa também, em grande medida, das coisas iluminadas por ela.
Do mesmo modo, uma descrição científica
dependerá, em grande medida, do nosso ponto de vista, dos nossos interesses, que, por regra, se relacionam com a teoria ou hipótese que queremos testar, embora dependa também, evidentemente, dos factos descritos. Concepção tradicional da relação entre validade da ciência (= da justificação de uma hipótse/teoria científica):
(segundo certos parâmetros de rigor e precisão) Concepção tradicional da relação entre validade da ciência (= da justificação de uma hipótse/teoria científica):
certos parâmetros de rigor e precisão) ciência Concepção tradicional da relação entre validade da ciência (= da justificação de uma hipótse/teoria científica):
certos parâmetros de rigor e precisão) ciência O período que se seguiu à morte de Galileu correspondeu à consolidação da “revolução científica.” O período que se seguiu à morte de Galileu corresponceu à consolidação da “revolução científica.” O filósofo, matemático e cientista francês Descartes (1596-1650) desenvolveu uma inovadora “filosofia mecânica”, de acordo com a qual o mundo físico consiste apenas em partículas de matéria inertes que interagem e colidem umas com as outras. O período que se seguiu à morte de Galileu corresponceu à consolidação da “revolução científica.” O filósofo, matemático e cientista francês Descartes (1596-1650) desenvolveu uma inovadora “filosofia mecânica”, de acordo com a qual o mundo físico consiste apenas em partículas de matéria inertes que interagem e colidem umas com as outras. As leis que regem o movimento destas partículas, propôs Descartes, explicam o funcionamento do universo copernicano: o movimento dos corpos celestes, mas também os fenómenos físicos. Esta teoria tornou-se prevalecente a partir da segunda metade do séc. XVII. A revolução científica culminou na obra de Newton (1643-1727), cujos contributos dificilmente têm paralelo na história da ciência. Nos seus Mathematical Principles of Natural Philosophy (1687), Newton adoptou a “filosofia mecânica” de Descartes, mas tentou sofisticar as leis do movimento propostas por este. A revolução científica culminou na obra de Nwton (1643-1727), cujos contributos dificilmente têm paralelo na história da ciência. Nos seus Mathematical Principles of Natural Philosophy (1687), Newton adoptou a “filosofia mecânica” de Descartes, mas tentou sofisticar as leis do movimento propostas por este. A teoria de Newton assenta, entre outros princípios, no seu princípio de gravitação universal, de acordo com o qual cada corpo exerce uma atracção gravitacional sobre todos os outros corpos; a intensidade dessa atracção depende quer das suas massas, quer da distância entre eles. Newton elaborou a sua teoria com grande rigor matemático, conseguindo mostrar que as leis do movimento planetário de Kepler e as leis da queda dos corpos de Galileu eram, essencialmente, consequências lógicas das suas leis do movimento e da gravitação. Newton elaborou a sua teoria com grande rigor matemático, conseguindo mostrar que as leis do movimento planetário de Kepler e as leis da queda dos corpos de Galileu eram, essencialmente, consequências lógicas das suas leis do movimento e da gravitação. Por outras palavras, as mesmas leis explicariam os movimentos dos corpos terrestres e celestes, tendo esta ideia cartesiana sido formulada por Newton, pioneiramente, de modo quantitativamente preciso. Newton elaborou a sua teoria com grande rigor matemático, conseguindo mostrar que as leis do movimento planetário de Kepler e as leis da queda dos corpos de Galileu eram, essencialmente, consequências lógicas das suas leis do movimento e da gravitação. Por outras palavras, as mesmas leis explicariam os movimentos dos corpos terrestres e celestes, tendo esta ideia cartesiana sido formulada por Newton, pioneiramente, de modo quantitativamente preciso.
A teoria de Newton estabeleceu o quadro de
referência da ciência “natural” nos 200 anos seguintes.