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Consciência histórica e ensino de

história: um problema do tempo presente


‘A história é a ciência dos homens no
tempo’
Marc Bloch

Toda história é contemporânea


Benedetto Croce

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Consciência histórica e ensino de história:
um problema do tempo presente

 Questão norteadora:
Em um tempo presente permeado por um
passado desmaterializado e presente
contínuo, qual o lugar do ensino de
história?

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Crise Sócio-Historiográfica
 Braudel e uma história lenta; Ladurie e
uma história quase imóvel.
 História-problema e anulação das
experiências quando os sujeitos são
problematizados enquanto globalizantes.
 A ausência das grandes sínteses, porque
impossíveis.

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Aposta

 Vinculação Teoria da história, ensino de


história e historiografia.

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Temporalidade
 Consciência histórica como articuladora
presente entre o espaço de experiência e o
horizonte de expectativas. Ou seja, uma
estrutura do pensamento humano, que
dinamiza a definição da identidade coletiva
e pessoal, a memória e a imperiosidade de
agir no mundo em que se está inserido.

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Historicidade das discussões
 Anos 60-80
Crise historiográfica
Consciência histórica
Memória
Espaço de experiência e Horizonte de
expectativas
Crítica às linearidades narrativas
Declínio das metanarrativas

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Afirmação de discussões
 Necessidade de se problematizar a
experiência humana no tempo;
 Voltar a ouvir e contar [narrar]
 Pensar na história dos subalternizados
 Síntese: história à contrapelo

 Além disso: Racionalidade ética e


cientificamente orientada – ultrapassando as
participações políticas

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• Exemplo:

1) Nota do exército em agosto de 2007 durante o


lançamento do livro-relatório da Comissão Especial de
Mortos e Desaparecidos durante a ditadura civil-militar:
"fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo
da ótica de seus protagonistas"

2) Validação da nota pelo Ministro da Defesa Nelson


Jobim: "A Lei da Anistia, por ser parâmetro de conciliação,
produziu a indispensável concírdia de toda a sociedade
[...]. Colocá-la em questão importa em tetrocesso à paz e à
harmonia nacionais, já alcançadas"

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• Quem acreditamos que somos depende de
quem acreditamos que fomos, e não é pífio
perceber que o ensino de história, em todas
as suas possibilidades, se transforma em uma
arena de combate na qual diversos agentes
sociais (institucionais ou não) se apresentam

• A questão da Public History

• A diferença de percepção de tempo entre as


instituições escolares, os professores e os
estudantes.

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Uma história
 O Estado Livre do Congo [Belga] – 1877
(1885) – 1908
◦ Leopoldo II [1835 – 1909] (1865 – 1909)
 Colônia do Reino Belga do Congo – 1908
- 1960

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 A ética na imagem
exibida.
◦ Violência civil e
escravismo [bem
como suas
analogias] já como
fenômenos imorais
no século XIX-XX

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Uma indagação
 Uma indagação:
◦ Qual o peso do passado no hoje?

 Uma percepção
◦ História vista como obra humana

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Ultrapassando a petit histoire

 Questões contemporâneas do ensino de


história (para todos):
Por que estudar história?
Quanto há de passado em nosso presente?
Em que medida o futuro é condicionado pelo
passado?

 Afastamento entre Teoria e Ensino de


história
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A consciência histórica em Raymond Aron
 "Esta consciência de
Europa - com seu aspecto
triplo, liberdade na
história, reconstrução
cientificamente orientada
do passado, significação
essencialmente humana do
devir - ainda que esteja
em vias de se converter
em consciência histórica
da humanidade no século
XX, se vê
simultaneamente afetada
por contradições" (1984:
105)

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A consciência histórica em Raymond Aron

 Visão do autor: consciência histórica de


uma experiência humana no tempo
específica, mediada por uma preparação
intelectual, por uma filosofia ou por uma
teoria da história específica, sistêmica,
complexa e complicada.

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A consciência histórica em Hans-Georg Gadamer
 "o aparecimento de uma tomada
de consciência histórica constitui
provavelmente a mais importante
revolução pela qual passamos
desde o início da época moderna.
[...] A consciência histórica que
caracteriza o homem
contemporâneo é um privilégio,
talvez mesmo um fardo que
jamais se impôs a nenhuma
geração anterior. [...] Entendemos
por consciência histórica o
privilégio do homem moderno de
ter plena consciência da
historicidade de todo o presente e
da relatividade de toda opinião"
(1998: 17)
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A consciência histórica em Hans-
Georg Gadamer
 Visão do autor: há uma inconsciência histórica na
alienação do tempo da existência. Por isso há, tantas
vezes, um desespero pela tradição (cega), inclusive na
educação. Problemas: temporalização (e não
historicização) da consciência histórica e
tradicionalismo educacional.
Quanto ao fenômeno da temporalização, Gadamer
percebe que apenas existe consciência histórica no
mundo moderno porque a história discutida pelo autor
é um fenômeno da modernidade.

Mas... por que este tradicionalismo se apresenta como


problemático especificamente ao mundo da formação
da consciência histórica?
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A ilógica do tradicionalismo no ensino formal de história
• Acadêmicos
Sujeito • Professores
conhecedor

• Institucionalmente
Orientado
Conhecimento

• Alunos
Sujeito
vazio

Certamente a história e, consequentemente, sua produção pertencem a


todos. Entretanto, em época de professor-youtuber (não é história pública),
o problema se coloca: quem produz este conteúdo, qual análise de par será
efetivada? Qual conhecimento criado? 23
Agnes Heller Jörn Rüsen

Consciência histórica: uma


universal antropológica, um
fenômeno humano 24
Consciência histórica: uma universal
antropológica, um fenômeno humano
• "A consciência histórica não é algo que os homens
podem ter ou não - ela é algo universalmente humano,
dada necessariamente junto com a intencionalidade da
vida prática dos homens. A consciência histórica
enraíza-se, pois, na historicidade intrínseca à própria
vida humana prática. Essa historicidade consiste no fato
de que os homens, no diálogo com a natureza, com os
demais homens e consigo mesmos, acerca do que sejam
eles próprios e seu mundo, têm metas que vão além do
que é o caso" (RÜSEN, 2001: 78)

• "A soma das operações mentais com as quais os homens


interpretam sua experiência da evolução temporal de seu
mundo e de si mesmos, de forma tal que possam orientar,
intencionalmente, sua vida prática no tempo" (Idem: 57)

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Consciência histórica: uma universal
antropológica, um fenômeno humano
 Consciência histórica individual consciência
histórica coletiva identidade legitimidade
manutenção social

 Afirmação de 'mitos' de origem e de coesão e


conciliação social

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Educação e consciência histórica
 Problema desta aposta: a educação pode, também, estabelecer
uma consciência histórica estranha mesmo com o conceito de
consciência histórica não sendo, jamais, equivalente à
padronização de interpretações humanas no tempo significado
(histórico). A própria consciência histórica se modifica, já que a
verdade histórica se modifica, sendo hermenêutica.

 "Entretanto, falar em consciência histórica implica uma


definição propositadamente muito ampla de história, como
tempo significado (ou, dizendo de um modo um pouco diferente,
experiência do tempo que passou por um processo de
significação). Tempo não quer dizer passado. Consciência
histórica não é memória, mas a envolve. O tempo significado é
a experiência pensada em função do tempo como expectativa
(futuro) e perspectiva (pretérito), compondo um sistema
dinâmico" (CERRI, 2011: 48)

 Então, como superar estas questões?


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A narrativa
 A compreensão da e na consciência histórica ocorre na
narrativa, ela mesma, fruto da cultura histórica.
 Como perceber esta mudança de consciência?
 Tendências de verdade (verdade hermenêutica) mas margem de
incertezas
 Percepção de permanências e rupturas que se invertem com
novas interpretações
 'Sempre foi’ e ‘sempre será assim' sendo relativizados
 Superar estas questões é estabelecer uma possibilidade de se
pensar historicamente: adaptando o método racional da história
para pensar a vida prática em prol de uma cidadania ativa. Sem
a qual a história seria simples curiosidade de erudição que se
fecha em uma torre de marfim - ou em um castelo de carta que,
pela inutilidade prática e/ou falta de interesse geral,
desmorona-se.
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Ensino de história, conteúdos,
currículo e consciência histórica
• Necessidade de se estudar, principalmente em ambiente
escolar, os métodos, técnicas e teorias da disciplina, além
de sua própria história.

Como há a impossibilidade do professor 'dominar' o


conteúdo curricular integralmente, as técnicas, teorias e
métodos apresentam-se como norteadoras para um grupo,
em geral tão plural, de estudantes.

Neste tom, autores tão diferentes quanto o próprio Rüsen,


Jurgen Habermas (razão dialógica ou comunicativa) e
Paulo Freire (pedagogia da autonomia) se alinham: todos
pensam a dialógica na construção do sujeito, mesmo se
afastando profundamente em outras interpretações.
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Como ensinar história após-Auschwitz?
 Hellerafirma que a consciência da morte é a primeira
porta para a compreensão humana do tempo e da
finitude, que, por sua vez, embala o surgimento da
consciência histórica. Isso porque a morte prova a sua
objetividade por si mesma, qualquer que seja a
representação que façamos dela. Assim, esta
experiência limítrofe é que significa a necessidade de
narrar a memória.

 Assim se educa contra a barbárie e para a


emancipação. Daí mesmo a necessidade da
racionalidade dialógica na historiografia que procura a
consciência histórica

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Racionalidades do pensamento histórico
• Racionalidade formal do pensamento histórico: quando
realizado dentro de determinado tipo de linguagem e
comunicação; quando em sintonia com a realidade; quando
possui coerência metodológica. "Razão" se refere aqui ao
caráter argumentativo do pensamento histórico, indissociável
da cientificidade.

• Racionalidade do conteúdo do pensamento histórico: quando


lembra processos e fatos de humanização no passado; quando
lembra das diminuições da miséria e do sofrimento.

• Racionalidade funcional (ou pragmática) do pensamento


histórico: quando orienta o presente a partir de suas
referências colaborando na formação de identidades e
favorecendo a ação humana no tempo.

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• A consciência histórica não é homogênea e
se realiza segundo diferentes formas de
geração de sentido histórico. As formas das
possíveis racionalidades se materializam,
assim, nas narrativas.

• Rüsen percebe quatro tipos de geração de


sentido histórico: tradicional, exemplar,
crítico e genético

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As gerações de sentido histórico
1. O indivíduo que compreende o seu mundo através da
consciência histórica do tipo tradicional pretende, através do seu
discurso, trazer o passado ao presente, sem problematizar as
atuais conjecturas em que ele está imerso.

2. Através da consciência histórica do tipo exemplar, o indivíduo


pretende explicar o seu mundo através de exemplos do passado,
de referências sobre situações que experienciou, não tentando
inserir o passado no presente, mas explicar o presente pelo
passado.

3. Na consciência do tipo crítica, o indivíduo nega alguns valores


ratificados pela sociedade, num processo que ocorre quando ele
se percebe inserido num presente concatenado ao passado, mas
que por sua vez não dita mais as ordens, pois as estruturas estão
em constantes mudanças, e tentar inserir o passado ou legitimar
o presente somente através de seus exemplos não seria possível.
Afinal, o presente segue uma constante de rupturas e
continuidades.
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As gerações de sentido histórico

4. A consciência do tipo genética ocorre quando o


indivíduo está totalmente consciente do seu
presente e de que está inserido em um mundo,
onde seu presente é um reflexo parcial do que
ocorreu no passado, de tal forma que o que
passou não voltará a passar, mas que algumas
continuidades permanecem, de modo que, nesse
processo de conscientização, o indivíduo não
nega totalmente o passado (conforme coloca a
consciência crítica), nem tenta inserir ou
legitimar o presente através do mesmo (conforme
propõe a consciência tradicional e a exemplar),
mas estabelece uma síntese. (MARRERA;
SOUZA, 2013: 1075-1077)
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Por que esta categoria universal de consciência histórica
poderia (deveria) ser (re)colocada nos debates?
1. Crítica ao ensino de história tradicional como reprodutor de
identidade nacional atrelado ao iluminismo ‘progressivista’.
2. Defesa das argumentações da pós-verdade nas quais as
unidades coletivas de interpretação se esvaíram, não
existindo mais as ‘comunidades de destino’.
3. A história escolar se aproxima apenas da memória e não da
possibilidade da racionalização para a ‘autodefesa intelectual’
superando, assim, o presente contínuo.
4. Percepção da identidade a se prevenir e a se buscar através
de uma verdade que por hermenêutica, defende a dialógica
educacional.
5. Abrir portas à sensibilidade em relação ao passado e, assim,
ao outro.
6. Subjetivar a compreensão da dinâmica do tempo.
7. Apresentar as surpresas em qualquer horizonte de
expectativas, bem como a possibilidade de rejeição do atual
reproduzido.
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Por que esta categoria universal de
consciência histórica poderia (deveria) ser
(re)colocada nos debates?
8. Colaborar na formação da competência
narrativa.
8.1 – Competência da experiência;
8.2 – Competência da interpretação;
8.3 – Competência da orientação.

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 Assim, a história é uma nova mestra da
vida. Não aquela versada por Cícero, mas
uma que, sabendo da ausência da origem
final, da causalidade total inatingível e do
conhecimento completo intangível, porque
fenômeno, oriente a vida humana através da
compreensão narrativa; da experiência com
e do outro.

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“Naquele tempo existiu um
homem. Ele existiu e existe,
pois narramos sua história.
Existiu porque nós existimos.
Num certo tempo existirá um
homem, uma vez que
plantamos oliveiras para ele e
desejamos que usufrua do
horto.”
Agner Heller
(1929 – 2019)39

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