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ESCOLA DE ESTUDOS CRÍTICOS – MÓDULO 1

Universidade Federal do Ceará (UFC)/GEDIP


Universidade Estadual do Ceará (UECE)
IFCE
UNILAB
Março 2019

INTRODUÇÃO À ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA

Viviane Vieira
Universidade de Brasília
Programa de Pós-Graduação em Linguística
vivi@unb.br
Apresentação

• Programa de Pós-Graduação em Linguística (PPGL)


• Núcleo de estudos de Linguagem e Sociedade (NELiS)
• Laboratório de Estudos Críticos do Discurso (LabEC)
• Laboratório de Estudos Críticos do Discurso: reflexões sobre práticas
de ensino de português como língua materna

• Prática docente no curso de Licenciatura em Letras-Português com


Estágio Supervisionado em Português 1 e 2
Estudos críticos do discurso na UnB
Análise de discurso crítica

O discurso é socialmente constitutivo. É uma prática não apenas de


representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e
construindo o mundo em significado. (Fairclough, 2001: 91)
• Linguagem como um aspecto das práticas sociais no qual é possível
ver, dialeticamente, o social no linguístico – os modos como nós
usamos a linguagem nas interações sociais dependem das práticas
sociais de que participamos, e interferem nessas situações também.

• Como o aspecto social é muito importante nesse campo, a análise de


discurso é necessariamente interdisciplinar.

• Mudanças ou processos sociais têm seu aspecto discursivo, e o


discurso também pode influenciar as mudanças e os processos
sociais.
• Conhecer os pressupostos teóricos da análise de discurso contribui
não só para interpretarmos melhor os textos, numa leitura que desfaz
naturalizações e preconceitos, mas, principalmente, para mudarmos o
nosso olhar sobre o que está em jogo em um processo de
representação, de inter-ação, de posicionamento, pela linguagem.
• A análise de discurso é, portanto, um campo da área de Letras
e Linguística que aborda criticamente as relações entre linguagem e
sociedade.

• Busca investigar teorias e processos pelos quais a linguagem é usada


na vida social e, também, como a vida social é constituída e
organizada pelo uso da linguagem. Por exemplo, como preconceitos
baseados em raça, gênero, classe econômica, origem geográfica etc.
são criados, disseminados, legitimados ou contestados por meio da
linguagem na vida social, ou seja, por meio do discurso.
Discurso – maneiras situadas como usamos a linguagem na vida
social, para nos relacionarmos, nos identificarmos, construirmos
identidades, realidades, saberes, para inter-agirmos, partindo desses
recursos/maneiras socialmente organizados.
Relações sociais

Mundo/atividade
Discurso/Semiose
material

Pessoas (crenças,
valores, normas,
atitudes, histórias)
• Como esta prática social, neste evento social particular, se organiza?

• Qual/is atividade/s está/ão sendo desenvolvida/s no mundo material?

• Quem são as pessoas envolvidas? E suas possíveis crenças, valores,


normas, comportamentos, histórias?

• Que relações sociais (e respectiva distribuição de poder) são


estabelecidas?

• Como a linguagem está sendo usada? Como parte principal da


atividade? Como representações/reflexividade sobre a prática? Quais
modos semióticos são utilizados?
• Em um evento social, pessoas podem recorrer a diferentes modos e
recursos semióticos, seja textos escritos ou orais, vídeos, sons,
músicas, posturas, gestos e performatividades corporais (andar,
sentar-se, correr, falar, aproximar-se/ distanciar-se etc.), uso do
espaço, para produzir significados. Tudo isso depende diretamente
das situações particulares e propósitos sociais, políticos, culturais de
uso da linguagem.
• Nossa ação possibilitada por textos (ação discursiva) é uma parte
importante de nosso potencial de ação no mundo.

• Quando produzimos textos, o que fazemos no mundo?


• Nossa ação possibilitada por textos (ação discursiva) é uma parte
importante de nosso potencial de ação no mundo.

• Quando produzimos textos, o que fazemos no mundo? nós contamos


histórias, damos conselhos, pedimos coisas, conversamos, representamos
fatos, descrevemos objetos e situações, argumentamos em favor de
certas ideias etc.
• A linguagem pode ser um potencial para existirmos e nos
posicionarmos no mundo de maneira independente, consciente e
crítica, fazendo nossas próprias escolhas

ou, por outro lado,...

A linguagem pode servir para propósitos de dominação de uns grupos


particulares de pessoas sobre outros grupos de pessoas,
“subordinadas, posicionadas com menos poder” (a noção de poder é
sempre situada e relacional), econômico, simbólico, político, cultural.
• É para essas relações de poder mal distribuídas que a análise de
discurso se volta, com uma postura crítica orientada para a mudança
social, para conscientizar aqueles/as que se encontram em posições
subalternizadas, subjugadas, silenciadas, invisibilizadas, colonizadas.

• Discurso como momento de práticas sociais – constitui-se


socialmente e constitui o social

• Parcialmente constitutivo das ações e relações sociais, das


(auto)identidades, dos sistemas de normas, valores, conhecimentos e
crenças e do mundo/atividade material nas dinâmicas do poder, do
saber e do ser.
Discurso como momento do social em todos os níveis:

Estruturas sociais: línguas (sistema semiótico) – que definem certos


potenciais e possibilidades linguísticas/semióticas e constrangem/excluem
outros;

Práticas sociais: ordens do discurso – uma rede de práticas sociais em seu


aspecto discursivo potencial, cujos elementos não são estruturas
linguísticas, mas gêneros, discursos e estilos, e

Eventos sociais: textos – eventos discursivos situados, mais empíricos, que


materializam elementos (semânticos, lexicais, gramaticais) dos níveis mais
abstratos
Fairclough (2003, p. 24)
Discurso (se)constitui dialeticamente (n)as práticas sociais, nos principais
modos relativamente estáveis como

• agimos e interagimos no mundo (em gêneros discursivos, nas relações de


poder que nos constituem como agentes que atuam com pessoas e “sobre”
elas);
• representamos e projetamos o mundo (em discursos particulares, em
relação às representações que nos constituem como agentes de
conhecimento) e
• nos identificamos e identificamos a outrem (em estilos, nas relações éticas
que constituem nossos agenciamentos como seres de ação moral).
• Como abordagem científica da linguagem, a análise de discurso aborda
as relações entre linguagem e sociedade:

as causas e efeitos que a linguagem pode ter sobre as nossas crenças,


valores, comportamentos, processos de identificação (nossos modos de
ser, as maneiras como desempenhamos nossos papéis no mundo, nossa
ação moral), conhecimentos e sobre relações de poder.

• O parâmetro para julgar algum processo social como “problemático” está


diretamente ligado ao respeito à vida, como um todo, em todas as suas
formas, incluído o atendimento aos direitos humanos e à justiça.
• Movimento científico engajado na formulação de teorias e análises
críticas da reprodução discursiva de abuso de poder, conforme van
Dijk (2008).

• Grupos dominantes tendem a esconder sua ideologia (seus


interesses) e têm como meta fazer com que essa seja aceita dentro de
um sistema de valores, normas e objetivos representados e
disseminados como se fossem ‘naturais’.
• Por outro lado, adverte que o poder precisa ser analisado em sua
relação com o contrapoder, com a resistência, que é condição para
análise dos desafios e das mudanças sociais.
• Diálogo inicial entre teorias decoloniais e estudos críticos do discurso
– possíveis abordagens latino-americanas (para pesquisas locais com
foco em processos de ensino-aprendizagem e relações de gênero).
• Contribuir para a crítica latino-americana dos modos como a linguagem é
usada para a criação e manutenção de ideologias (sentidos a serviço da
opressão) associadas ao “mito do eurocentrismo”/“mito da modernidade”,
nas relações de poder, nas ciências, nos saberes, nos modos de ser, e os
problemas sociais a ele atrelados, por meio de abordagens locais situadas,
culturalmente sensíveis.

• Crítica para a decolonização das formas hegemônicas eurocentradas de


poder, de ser, de viver, de pensar, de se relacionar, de fazer ciência,
considerando-se que tal crítica enfoca a faceta discursiva dos processos de
(de)colonialidade do poder, do saber e do ser nas práticas sociais e vivências
no sistema-mundo moderno/colonial.
“sistema mundo europeu/euro-norte-americano
moderno/capitalista/colonial/patriarcal” (sustentado também por
ideologias ligadas a relações de gênero-sexualidade).
Ramón Grosfoguel (2008, p. 113)

• Tecer pressupostos teórico-metodológicos decoloniais feministas para


pesquisas em discurso, educação e gênero social.
• Para as teorias decoloniais latino-americanas, de resistência a estruturas
opressoras coloniais-imperialistas, valores morais relacionados ao
cuidado/cuidadania e ao corpocidadania são centrais para a construção de
uma nova vida em sociedade, baseada na solidariedade, no respeito à
diversidade que lhe é inerente, na cooperação, na igualdade.
• Crítica à misoginia epistêmica que invisibilizou/subalternizou outras formas
de conhecimento e de vida: uma ética do ser mais sensível ao cuidado,
associada à ética do saber e do poder, e problematizadora da racionalidade
capitalista hegemônica fundada em dualismos de valor hierarquicamente
organizados:
humano/não-humano, homem/mulher, branco/negro, branco/indígena,
cultura/natureza, espírito/corpo, humano/natureza, masculino/feminino,
razão/emoção.
Crítica aos efeitos constitutivos do discurso nos modos de saber
(representações), de poder (inter-ações) e de ser (identificações) na
vida social, e vice-versa, como forma de resistência aos processos mais
amplos de dominação/colonialidade por meio de:

• legitimação/justificativa colonial
• construção das narrativas coloniais
• apagamento de saberes, poderes e de subjetividades subalternizadas
• construção de classificações hierarquizadas opressivas pela diferenciação
(homem/mulher, branco/negro, cultura/natureza, humano/não-humano, espírito/corpo,
humano/natureza, masculino/feminino, homo/heterossexual, razão/emoção)

• naturalização do racismo

• misoginia epistêmica, política

• universalização das narrativas hegemonizadas/ “verdades universais”


• Expurgo do outro/criação de inimigos/estigmatização – dispositivo do
“medo”, “demonização” do Estado/do público, do pensamento crítico –
professores/as, universidades públicas, diversidade/dissidências sociais

• Dissimulação do projeto neoliberal – cinismo burlesco, desinformação,


culpabilização, autoexploração-sofrimento, deslocamento (“ideologia de
gênero” x ideologia do corpo como objeto de dominação e exploração)
• Dinâmica relacional-dialética

redes de discursos particulares ligados à matriz colonial (que podem


colonizar o conhecimento e os regimes de pensamento) são produzidos,
distribuídos e recebidos por pessoas conforme

os gêneros do discurso, os modos socialmente organizados de agir e se


relacionar (que podem colonizar o poder em formas modernas de
exploração e dominação), com potencial para con-formar os

estilos, a experiência vivida, as (auto)identificações, as performatividades das


pessoas (podendo colonizar gênero social, a sexualidade, a subjetividade),
por meio da internalização, ou não, de discursos disseminados e legitimados
pela matriz colonial, e constitutivos da estrutura opressora (Freire, 2005).
• Processos de identificação sustentadores de estruturas opressoras
somente se internalizados pelas pessoas, passando, desse modo, a
constituir os significados da experiência vivida.

• Considerar tanto as possibilidades e os constrangimentos sociais que


constituem as identificações, quanto os agenciamentos individuais
reprodutores ou transformadores na construção de (auto)identidades, em
processos de (de)colonização do ser.

• Letramento crítico.
• Por exemplo, no escopo do projeto do PPGL, a ideologia do corpo como
objeto de dominação e exploração dissimula a sua constituição social como
um marcador central para a distribuição na estratificação social (Berenice
Bento, em Dias, 2014).

• Processos identificacionais – vivências e experiências corporais; processo


social complexo e contínuo de produção de significados e normas sobre
sexualidades, estilos de vida, performatividades, inter-subjetividades,
práticas, modos de ser, desejos, atitudes, negociados e (re)produzidos em
lutas hegemônicas.
• Sexualidade – dispositivo histórico de poder, um dispositivo heterogêneo
de discursos e práticas sociais cuja “estrutura está no dualismo
hetero/homo, mas de forma a priorizar a heterossexualidade por meio de
um dispositivo que a naturaliza e, ao mesmo tempo, torna-a compulsória.”
(Miskolci, 2009, p. 156). [heteronormatividade/cisnormatividade]

• “Gênero é uma estilização repetida do corpo, um conjunto de atos


repetidos, num quadro regulamentador altamente rígido, que congelam
ao longo do tempo, produzindo a aparência de substância, de um tipo
natural de ser.” (Butler, 1990, em Magalhães, 2008, p. 63).
• María Lugones (2007) – feminismo decolonial capaz de construir
categorias representativas dos não-ditos da modernidade-colonialidade no
que diz respeito ao gênero social, fazendo a intersecção entre raça-classe-
gênero-[territorialidade]colonialidade e propondo o conceito de sistema
colonial/moderno de gênero, como parte da colonialidade do poder.

• Problematiza como a (de)colonialidade do poder tem impacto na


(de)colonialidade do ser, e vice-versa, em como a (de)colonialidade do ser
funciona como um meio subjetivo para se exercer a (de)colonialidade do
poder.
• María Lugones (2007, p. 194) – intersecção da categoria de gênero com
demais categorias como a ecologia, a política, a organização do trabalho, a
economia. Alcança mulheres “não-brancas” e outras
representações/identidades de gênero não-binárias e não
heteronormativas, como transexuais, transgêneros, intersexuais etc., além
de questões políticas importantes que envolvem agenciamentos de
mulheres em diferentes espaços sociais.

• Postura ética que visa superar relações de dominação sustentadas pelo


sistema colonial/moderno de gênero, como parte da colonialidade do
poder, inclui a crítica sobre a função do Discurso na manutenção de
assimetrias de poder.
• Contribuições da Linguística para o debate sobre as relações entre gênero
social e linguagem, a partir da “virada discursiva” em meados de 1980,
como um compromisso político e social, e não só acadêmico (Mills &
Mullany, 2011).

• Gênero social passou a ser debatido mais como processo, em contextos


situados e em discursos, a fim de problematizar crenças que sustentam
formas de preconceito e opressão, e a sexualidade passou a ser vista como
aspecto central para estudos sobre processos identitários.
• Ampliação do conceito de gênero social para abarcar questões como poder,
raça, etnia, classe social, idade/geração, territorialidade, corporalidades e
performatividades, na interface entre poder e discurso. (Vieira e Gonzales,
2017).

• Questões de gênero – sendo socioculturalmente situadas e negociadas,


mobilizam redes de poderes, práticas, agenciamentos, normas e saberes em
lutas hegemônicas, parcialmente discursivas.
• Práticas e processos de colonialidade – parcialmente sustentados por
discursos ideológicos, produzidos e legitimados por pessoas e grupos que
“lucram” com a colonialidade do poder, do saber e do ser, e organizados em
redes de ordens do discurso, com função normativa e reguladora por meio
da produção de saberes, de estratégias e de práticas legitimadas.

• Tomar consciência de tais processos sociais abre possibilidade para a crítica


social e a desconstrução das ideologias que sustentam relações de opressão
baseadas nas dinâmicas de gênero-sexualidade.
Um planejamento de pesquisa qualitativa envolve decisões

(1) ontológicas;
(2) epistemológicas;
(3) metodológicas voltadas às estratégias para coleta/geração de
dados;
(4) metodológicas voltadas às estratégias para sistematização e análise
de dados

(Vieira & Resende, 2016).


Resende e Ramalho (2006: 37), com base em Chouliaraki e Fairclough (1999: 60).
• Processos teórico-metodológico da análise de discurso:

análises sociais: análises da conjuntura social do problema estudado e da


prática social particular pesquisada

análises textuais: análises de material empírico, das informações textuais,


como entrevistas, áudios, vídeos, transcrições de entrevistas, relatos,
narrativas, produções textuais, memoriais, rodas de leitura, materiais
didáticos, currículos, coletados/gerados em eventos de pesquisa.
• Pesquisas mais colaborativas e culturalmente sensíveis – em escolas
regulares de Educação Básica do Distrito Federal, com abordagens
teórico-metodológicas de acordo com o que a comunidade demanda,
com o que o campo oferece, numa postura mais aberta para a construção
do diálogo com os saberes que vão se apresentando.
• análise da conjuntura social
da rede de práticas sociais situadas, políticas, históricas, culturais
associadas ao problema

• análise da prática particular


práticas relevantes, relações do discurso com outros momentos da
prática em estudo – ação/interação-relações sociais, pessoas, atividade
material
• análise de discurso

análise estrutural: a ordem do discurso particular (seus gêneros discursivos,


discursos e vozes/estilos) em relação às (redes de) ordens do discurso

análise interacional/textual – análise linguístico-discursiva/semiótica de


recursos (elementos semióticos: gramaticais, lexicais, semânticos) utilizados
no texto em relação com a prática social (na interface entre o social e o
discursivo) e suas funções inter-acionais, representacionais, identificacionais.
Que elementos discursivos (estruturais e interacionais) mostram
potenciais tensões (contra)ideológicas em textos?
Discurso como momento do social em todos os níveis:

Estruturas sociais/línguas (sistema semiótico) – que definem certos


potenciais e possibilidades linguísticas-semióticas e constrangem/excluem
outros;

Práticas sociais/ordens do discurso – uma rede de práticas sociais em seu


aspecto discursivo potencial, cujos elementos não são estruturas
linguísticas, mas gêneros, discursos e estilos, e

Eventos sociais/textos – eventos discursivos situados, mais empíricos, que


materializam traços (semânticos, lexicais, gramaticais) dos níveis mais
abstratos
Fairclough (2003, p. 24)
Discurso como momento do social em todos os níveis:

Estruturas sociais/línguas (sistema semiótico) – que definem certos


potenciais e possibilidades linguísticas-semióticas e constrangem/excluem
outros;

Práticas sociais/ordens do discurso – uma rede de práticas sociais em seu


aspecto discursivo potencial, cujos elementos não são estruturas
linguísticas, mas gêneros, discursos e estilos, e

Eventos sociais/textos – eventos discursivos situados, mais empíricos, que


materializam elementos (semânticos, lexicais, gramaticais) dos níveis mais
abstratos
Fairclough (2003, p. 24)
MODOS GERAIS DE OPERAÇÃO ESTRATÉGIAS TÍPICAS DE CONSTRUÇÃO SIMBÓLICA
DA IDEOLOGIA
RACIONALIZAÇÃO (uma cadeia de raciocínio procura justificar um conjunto de relações, utilidade da ação
LEGITIMAÇÃO institucionalizada/sistema de conhecimento perito)
Relações de dominação são UNIVERSALIZAÇÃO (interesses específicos são apresentados como interesses gerais)
representadas como legítimas NARRATIVIZAÇÃO (exigências de legitimação inseridas em histórias do passado que legitimam o presente,
(autorização, avaliação moral) legitimação por meio de narrativas)

DISSIMULAÇÃO DESLOCAMENTO (deslocamento contextual de termos e expressões)


Relações de dominação são EUFEMIZAÇÃO (valoração positiva de instituições, ações ou relações)
ocultadas, negadas ou TROPO (sinédoque, metonímia, metáfora)
obscurecidas
UNIFICAÇÃO PADRONIZAÇÃO (um referencial padrão proposto como fundamento partilhado)
Construção simbólica de SIMBOLIZAÇÃO DA UNIDADE (construção de símbolos de unidade e identificação coletiva)
identidade coletiva
FRAGMENTAÇÃO DIFERENCIAÇÃO (ênfase em características que desunem e impedem a constituição de desafio efetivo)
Segmentação de indivíduos e
grupos que possam representar EXPURGO DO OUTRO (construção simbólica de um inimigo)
ameaça ao grupo dominante
NATURALIZAÇÃO (criação social e histórica tratada como acontecimento natural)

REIFICAÇÃO ETERNALIZAÇÃO (fenômenos sócio-históricos apresentados como permanentes)


Retratação de uma situação
transitória como permanente e NOMINALIZAÇÃO/ PASSIVAÇÃO (concentração da atenção em certos temas em prejuízo de outros, com
natural apagamento de atores e ações)
Fairclough (2003); Pardo Abril (2007); Thompson (2002).
• Estratégia de construção simbólica
Legitimação por universalização

Elementos textuais/categoria de análise textual


Representação de atores sociais
Ex.: Brasil x Aliados de Lula e Dilma
Enquadre/perspectiva na narrativa visual
• Estratégia de construção simbólica
Fragmentação por diferenciação

Elementos textuais/categoria de análise textual


Representação de eventos
Ex.: A favor x Contra
[Vai] às ruas
Em todos os estados
Dialéticas do discurso

• Discursos (significado representacional) são legitimados em gêneros


(significados acionais)

• Discursos (significado representacional) são inculcados em estilos


(significados identificacionais)

• Ações e identidades (incluindo gêneros e estilos) são representados em


discursos (significado representacional)

Fairclough (2003, p. 29)


• Circunstâncias, pressuposição,
intertextualidade,
interdiscursividade[intergenericidade],
estrutura visual, participantes
representados verbal e visualmente,
enquadramento/saliência visual, tipo
de troca verbal e visual...
Possibilidade de novas articulações de discursos, gêneros e estilos de
diferentes ordens do discurso está ligada ao potencial criativo, mas também
restritivo, do discurso.

Uma proposta da crítica é abrir espaço para outras conexões sociais,


discursivas, para outros conhecimentos e outras formas de ação-relação.
Resultados de pesquisas

Processos ideológicos de essencialização/naturalização/objetificação do


corpo - potencial para legitimar diferenças de poder supostamente
naturais/essenciais entre mulheres e homens, e, mais, o poder dos homens
sobre os corpos das mulheres, criminalizando o aborto, legitimando o
estupro, a violência doméstica, o feminicídio, as limitações do direito de ir e
vir e ser/atuar livremente na sociedade etc. (Cardoso e Vieira, 2014; Vieira,
2017).
• Processos ideológicos de essencialização/naturalização/objetificação do
corpo em publicidades, em que a marca desloca/recontextualiza um
discurso emancipador que subjuga a mulher não ao homem, mas a seu
próprio corpo. (Gonzales e Vieira, 2015).

• Patologização e medicalização do parto e da menstruação em discursos do


complexo biomédico, legitimando saberes sobre fertilidade, reprodução, o
que pode afetar a experiência vivida, seja nas práticas legitimadas de
violência obstétrica, nos processos de (auto)identificação em que mulheres
podem internalizar/reproduzir a representação da menstruação como tabu
ou um processo de adoecimento do corpo (Vieira, 2017; Dias, 2015).
• Pontos de tensão: discursos contra-hegemônicos de agenciamentos
individuais ou de movimentos sociais/ativistas, que reivindicam a
“sacralidade” e o “poder” do corpo das mulheres, em que estaria “toda a
sua força, sabedoria e protagonismo”, desestabilizando, por deslocamento,
estratégias ideológicas de essencialização/naturalização do corpo, que
justificariam diferenças binárias em que as mulheres estariam em
desvantagem em relação ao suposto “gênero social dominante”(Vieira,
2017).

• Estratégias ideológicas de silenciamento/invisibilização do continuum entre


masculino-feminino e outras possibilidades de representação não-binárias
de gênero-sexo (Vieira e Gonzales, 2017).
• O que é definido e legitimado como conhecimento sobre “gênero-
sexualidade” não foge aos padrões binários e heteronormativos,
contribuindo para processos ideológicos de silenciamento/invisibilização
das dissidências de gênero-sexualidade.

• Nos processos de lexicalização e nos arranjos das relações semânticas que


são estabelecidas entre as palavras selecionadas (substituição, oposição,
complementação, equivalência), ao articular as questões de gênero com
estudos do “Corpo humano” e “Prevenção às Doenças Sexualmente
Transmissíveis/Aids”, o documento permite a associação/equivalência entre
“gênero” e “doença”, legitimando discursos hegemônicos biológico-
higienistas como os conhecimentos que podem/devem circular na escola.
• Tais processos sociais e discursivos possibilitam certas conexões, como entre
os discursos biológico-higienista, moral-tradicionalista, religioso-radical,
terapêutico, e o discurso pedagógico, e impede outras conexões, como com
os discursos da abordagem emancipatória e queer, questionadora dos
processos de normatização da sexualidade, construindo assim o
“conhecimento legitimado” que “pode/deve” circular na escola.
• Uma parte relevante de nossos estudos é ver, além do que as diretrizes
educacionais definem como saberes legitimados sobre gênero-sexualidade,
as regras avaliativas que organizam a prática pedagógica em tempos (idade),
espaços (contextos) e textos (“conteúdos”) que são concretizados na escola.

• Projeto didático-pedagógico com perspectiva de gênero: rodas de leitura


dos livros Não vou mais lavar os pratos e Só por hoje vou deixar meu cabelo
em paz, de Cristiane Sobral – processo de invisibilização/subalternização da
literatura produzida por mulheres negras, não lidas na escola do estudo
antes da realização do Projeto e, ao que se sabe, não integrantes do que se
considera “marco literário”.
• Representação de eventos e avaliações nas interações das rodas de leitura –
processo discursivo de desnarrativização, de desconstrução da
narrativização hegemônica que constitui saberes e identificações
relacionadas a classe-raça-gênero.

• Circunstâncias de tempo (“hoje”, “antes do projeto”); no tempo que marca a


seleção de processos, alguns iterativos (“voltei, aceitei, estourei, cortei,
deixei, sofri”); (“E hoje eu voltei com o meu cabelo. Eu aceitei meu cabelo,
minha cor”), indicando mudanças de valores, crenças, opiniões sobre o
cabelo crespo, por exemplo, valorizado nos livros, contrapondo-se aos
padrões impostos pelas narrativas coloniais do sistema-mundo moderno-
colonial.
• As avaliações em termos de afeto, também, com sentidos voltados para a
satisfação e felicidade no “hoje”, ao re-conhecerem o espaço das
mulheres, sobretudo das mulheres negras, na literatura – reflexividade
sobre um tempo passado e o tempo presente, com potencial para
desestabilizar narrativas coloniais que buscam legitimar relações de
opressão e dominação no presente.

• Discursos de resistência emergem, portanto, na conformação de novos


modos de identificações e de relações sociais em relação a práticas e
representações hegemônicas.
Considerações finais

• Pontos de fuga para modos de saber-pensar-poder-ser baseados numa ética


do ser, associada à ética do saber e do poder, mais sensível ao cuidado nas
práticas sociais, nas relações inter-subjetivas, nas pesquisas, revendo a
noção de poder segundo a ética da colaboração, cooperação, da
complementação, da co-existência.
• Reflexões sobre formas de decolonização do próprio campo transdisciplinar
dos Estudos Críticos do Discurso, em busca de recursos para problematizar
ideologias [sobre relações de gênero] que funcionam como parte da
colonialidade do poder a serviço de opressões atreladas ao “mito” da
supremacia euro-norte-americana colonial patriarcal.
Há muito ainda a ser feito neste campo de estudos como um todo, mas uma
parte importante desse compromisso pode ser alcançada pela via dos
estudos críticos do discurso para mapear e sistematizar representações
(formas de saber), organizadas e distribuídas nas ações-interações sociais
(formas de poder), que podem contribuir para processos de
(auto)identificação (formas de ser) mais conscientes das práticas, valores e
crenças que sustentam estruturas opressoras, muitas vezes re-produzidas na
experiência cotidiana e na escola.
Referências
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RESENDE, Viviane de Melo & RAMALHO, Viviane. Análise de Discurso Crítica. São Paulo: Contexto, 2016[2006].
GONZALEZ, Carolina Gonçalves; VIEIRA, Viviane Cristina. A mulher como alvo de campanhas publicitárias: uma análise semiótico-social das campanhas
Nesfit, da Nestlé. Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão, SC, v. 15, n. 3, p. 347-365, set./dez. 2015.
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BERNSTEIN, B. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Vozes: Petrópolis, 1996.
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