escravidão? e o devir-negro no mundo MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1, 2018. LIMA, FÁTIMA Costa de. Paraíso do Tuiuti: “Não sou escravo de nenhum senhor”: o carnaval de 2018 protagoniza o debate político sobre o Golpe de 2016 no Brasil. (no prelo) LIMA, F. C. E SILVA, Carlos Eduardo. Arte de protesto em enredos do Grupo Especial carioca: Paraíso do Tuiuti e Beija-Flor, 2018. Encontro 6 do ST1: IMAGENS POLÍTICAS NO CARNAVAL DAS ESCOLAS DE SAMBA Fátima Costa de Lima, PPGT, 2020/1 Arte de protesto em enredos do Grupo Especial carioca: Paraíso do Tuiuti e Beija-Flor, 2018 Termina o carnaval, começa o próximo para as ES. O enredo resulta de negociações diretoria e forças políticas dentro e fora das agremiações, com objetivos diversos: mercadológicos, artísticos e midiáticos. Do início amador (30-60) a 1973 -> mercantilização dos desfiles, 2 visibilidade: forma-comunidade e forma-espetáculo -> hoje, ES não românticas LIESA com normas e esquemas rígidos como efeito da mídia -> transformações na arte (ex.: samba) -> e produtos [bens culturais, wB] IC Mas, não são raras as rachaduras e infiltrações -> “as ES tem-se mostrado dinâmicas e criativas nos esforços para sobreviverem aos problemas e desafios que cada momento histórico oferece.” (p. 126). Com ganhos e perdas na tradição, desafio: “colocarem-se dialeticamente entre os interesses da Ice sua própria história de resistência à intrusão do mercado na arte -> exclusão da comunidade nas decisões. IC: braço o capitalismo na arte e na cultura -> consumo e trabalho precarizado na e da comunidade x afeto na avenida -> história da violência e do preconceito x ES Menos ou mais, a comunidade participa deste mundo de contradições Réplicas da IC ou apropriações conscientes? ES: fenômeno social, organizações produtoras de arte e de cultura em todo o Brasil que às vezes reproduzem a tradição carioca e divergem às vezes em alguns elementos criando sua própria tradição, Q: apenas reproduzem o modelo as ES que desconhecem a origem da tradição? História do afluxo migratório a RJ e Floripa -> x cópia, é “fluxo cultural constante de apoio e de informações” que justifica as trocas e influências -> ES se multiplicaram no país e nas pertenças étnico-raciais, mas não entre as classes sociais: comunidades “em situação de vulnerabilidade econômica, exclusão social e insegurança”, entre milícia, narco e Estado Fora das comunidades de elites, comunidade de empurrador e baiana x “doutor” e “madame”; “cartola” <- touca de jornal para proteger os cabelos do pedreiro; “sargento” <- profissão do sambista e “delegado” <- “prender as meninas” com encantos de mestre-sala (Com exceção das internacionais) ES = comunidade de “subalternos” sem voz, “gente empenhada em construir a ilusão” (p. 129) O que os monstros subalternos tanto tem a falar? Poética da liminaridade em ambiente de exclusão econômica e marginalidade, ausência de infraestrutura e sem acesso aos bens de consumo -> poética de desfile com origem nas culturas africanas e sobreposição cultural com o barroco europeu Relação favela-sociedade depois do fim da escravidão: ”Trabalho e não tenho nada, não saio do miserê” (Tenha pena de mim, 1960) Paraíso do Tuiuti, 2018, Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão, enredo parte do questionamento se a Lei Imperial 3353 -> Mangueira, 1988, 100 anos de liberdade; realidade ou ilusão?, samba: “será, que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão? Será que a Lei Áurea tão sonhada, a tanto tempo assinada, não foi o fim da escravidão?” (Turco, Jurandir e Alvinho) No enredo: “A favela está pronta para explodir, como um barril de pólvora, com toda a comunidade sofrida, abandonada pelo poder público, apesar dos esforços atuais no sentido de amenizar a situação que pouco refletem a realidade. Não bastam as obras faraônicas, o que importa são as soluções de curto prazo, com escolas, alimentação, para respirar e a abertura do mercado de trabalho para os negros.” Mesmo tema, mas elementos originais no desfile do Paraíso do Tuiuti Senhor, eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor / Tenho o sangue avermelhado O mesmo que escorre da ferida / Mostra que a vida se lamenta por nós dois Mas falta em seu peito um coração / ao me dar a escravidão e um prato de feijão com arroz Eu fui Mandinga, Cambinda, Haussá / Fui um Rei Egbá preso na corrente Sofri nos braços de um capataz ? Morri nos canaviais onde se plantava gente Ê Calunga, ê ê Calunga, Preto Velho me contou Onde mora a Senhora Liberdade / Não tem ferro, nem feitor... Amparo do rosário ao Negro Benedito / Um grito feito pele do tambor Deu no noticiário com lágrimas escrito / Um rito, uma luta, um homem de cor E assim quando a Lei foi assinada / Uma Lua atordoada assistiu fogos do céu Áurea como o ouro da bandeira / Fui rezar na cachoeira contra a bondade cruel “Irmão” (x conciliar) amplia o crime da escravidão ao humanizar o branco Afirmação étnico-racial de origem africana reforça a igualdade [ex.: “vida se lamenta por nós dois”] x “superioridade” branca que justificou destruição e genocídio negros “sem alma” [ex.: “Mandingas, Cambinda, Haussá“ nomeia escravizados anônimos] Música cresce e produz sua inversão dialética logo depois da inversão dialética da letra: Lei Áurea = “bondade cruel” que prolonga a escravidão Refrões: lamento “Meu Deus!” -> escravidão hoje “cativeiro social” -> resistência “quilombo da favela é sentinela da libertação” Cadência diferente: usual -> ascendente melódica na última estrofe -> 1º refrão lamento de dor -> explode só no 2º refrão = apoteose do samba Tema repetido, mas urgente e necessário E atualiza contextualizando no sexto e último setor: “Cativeiro Social” Sem “empatia com o vencedor”, a PT evoca a Tese 7 wB: “No Neo- Tumbeiro (o nome dessa alegoria), somos todos/as explorados/as, manipulados/as e subjugados/as pelas forças hegemônicas com as quais, no Brasil, “os dominadores de hoje carregam seu ‘cortejo triunfal’ sobre os corpos dos que hoje estão prostrados no chão’, sem vida.” Assim a PT homenageia os mortos e potencializa os enredos anteriores que enfrentam O Capital como Unidos da Tijuca (1982): Mitavaí é “o valente brasileiro contra o monstro estrangeiro que com todo o seu dinheiro quer calar a nossa voz [...] Macobeba maldito, que devora o mato e o mito, rádio jornal e TV”. Talvez uma derrota anunciada, mas com a resistência da Vila Isabel (1990): “sei que quem espera não alcança” e a consciência do Império Serrano (1986): “chega de ganhar tão pouco, chega de sufoco e covardia”, Mitavaís escapam das rachaduras e das contradições das ES. Na Tijuca de 82 estreava o Laíla da Beija-Flor (2018), mas isto já é outra história... Achille Mbembe, Crítica da razão negra [“escrevendo a história a contrapelo”] Introdução. O devir-negro no mundo [11-13] História/coisas se voltam para África, Europa não + centro do mundo = grande acontecimento da época -> novas possibilidades para o pensamento crítico; pensamento europeu = relação mesmo com o mesmo, de co-pertencimento, ser primeiro em seu próprio espelho, lógica de autoficção e autocontemplação, enclausurado -> negro = raça no imaginário europeu início do XVIII = projeto moderno de conhecimento e governo, Iluminismo e racismo = figuras gêmeas do delírio da Modernidade = 1. negro = quem vemos quando nada se vê, aparição que abala o sistema racional; 2. ninguém quer ser negro ou tratado como negro. O que fomenta o delírio é a raça: ao reduzir o corpo e o ser vivo à questão da aparência, negro e raça -> loucura codificada. Raça = categoria original material e fantasmática na origem de catástrofes e devastações psíquicas, crimes e massacres. Vertiginoso conjunto [13-20] Passado e contexto, 3 momentos: 1. espoliação organizada no tráfico atlântico, do XV->XIX, africanos -> homens-objetos, homens-mercadoria e homens-moeda presas da aparência, sem nome e sem língua, vida e trabalho dos outros com quem conviviam sem ser humanos, mas sujeitos ativos; 2. a partir do final do XVIII, articulam a escrita e linguagem própria, reivindicam estatuto de sujeitos do mundo vivo, revoltas de escravos por abolição (Haiti, 1804), por descolonização em África, direitos civis nos EUA e fim do apartheid na África do Sul; 3. globalização do mercado e privatização do mundo, neoliberalismo = tempo curto e força reprodutiva da forma dinheiro: tudo tem valor de mercado -> produção de indiferença, codificação paranoica da vida social, racionalizar o mundo com lógicas empresariais, o capital financeiro se define como ilimitado, multiplica-se em infinitas dívidas insolvíveis. Não mais trabalhadores -> nômades do trabalho, sujeito explorado -> tragédia da multidão, humanidade supérflua e abandonada sem utilidade para o capital, vida psíquica = memória artificial digital com modelo cognitivo da neurociência, automatismos psíquicos ~ tecnológicos -> “empreendedor de si” moldável de reconfiguração sistemática, sujeito do mercado e da dívida, se vê como “produto do acaso” = forma abstrata já pronta (Hegel) da civilização da imagem com suas novas relações entre fatos e ficções, (x sujeito alienado e trágico da 1ª industrialização) + 1 animal entre outros, para gozar, tornar pública sua vida íntima -> mercadoria, sujeito neuroeconômico, animalidade e coisidade, homem-coisa, -máquina, -código e –fluxo que regula conduta pelas leis do mercado -> se auto-instrumentaliza e aos outros [17] para seu gozo de sujeito flexível, solúvel e fungível sempre Neoliberalismo: capitalismo e animismo antes afastados se fundem na imagem aceleradora das energias pulsionais, consequências para compreensão da raça e do racismo: 1. Risco sistemático para escravo negro -> humanidade subalterna 2. Divisão do tempo e atomização do espaço: real <-> ficção, dispositivos de violência: práticas de zoneamento e biologia com economia -> militarização das fronteiras, fragmentação dos territórios, espaços dentro dos Estados fora de sua soberania, infinitas autoridades, poderes privados armados, pretexto da ação humanitária -> malha transnacional de repressão = esquadrinhamento ideológico, mercenários e guerrilhas locais, prisões em massa, torturas e execuções extrajudiciais = imperialismo da desorganização: desastre, exceção, anarquia Violência do capital empresas estrangeiras, grande potências e classes dominantes roubam riquezas e reservas estatais -> interesses privados, pagamento infinito de dívidas e classe dos estruturalmente endividados numéricos e códigos, aparece o “negro” = africanos do 1º capitalismo; destituição do tempo e do futuro, “nossa institucionalização como devir-negro do mundo.” A raça no futuro [20-23] Europa->província: fim do racismo ou sobrevivência em nova linguagem? “Negro” e “raça” nunca fixos (C. 1); contradição do “negro”: instintos inferiores x signo de redenção (C. 2 e 5) terríveis experiências histórias dos espectadores da própria vida (C. 3 e 4) Riscos do devir-negro do mundo às promessas da modernidade (Cap. 6) A obsessiva clivagem permanece a relação senhor-criado, pela e na diferença habitada por um duplo que impede o sujeito de conhecer-se, vivencia om mundo pela cisão, sonha consigo mesmo, questão: Este livro Uso da história para reflexão crítica sobre o mundo do nosso tempo
Questão: como pensar a diferença e a vida, o semelhante
e o dessemelhante, o excedente e o em comum?
Experiência negra contemporânea = espelho móvel que
não para de girar.
O QUE IMPEDE O ESPELHO DE PARAR DE GIRAR?
Capítulo 2. O POÇO DOS FANTASMAS “África” e ”negro”: o corpo negro é o “aquilo” da África, carga, sombra e matéria um do outro, produto do processo histórico de fabricação (produção + representação) dos sujeitos raciais, signos de alteridade inassimilável, “feliz histeria” do sentido. comum no tráfico negreiro XVII; primeiras imagens do “negro”; Fanon: menino negro e menino branco; ponto de vista histórico: “fantasmagoria” -> realidade da aparência e aparência de realidade, dimensão econômica: homem- mineral,-metal,-moeda estruturou o 1º capitalismo -> sujeito racial Atribuição, interiorização e inversão [82-88] Início do XX: crise de consciência europeia reavalia contribuição africana para a História; vanguardas anos 20 -> África = terra de mistérios, catarse e mágico religioso, Picasso e surrealistas; Ambiguidade: 1. alma africana-corpo negro = dualismo herdado; 2. A crítica colonial estética, vanguardista e anarquista recupera e tenta subverter mitos e estereótipos coloniais x GRANDE MEIO-DIA de Aimé Césaire (poeta da negritude): anunciação, O negro de branco e o branco de negro [88-95] “Negro” = figura/objeto inventado pelo branco, de onde vem a fantasia? 1. EUA, XVII, construção do ”negro” pela racialização da escravidão -> pena de morte somente para negros; 2. toda fantasia quer ser real -> todo tipo de violência, na “propensão a assassinar” (Césaire), Fanon: mais distribuição que autodesignação, “Sou um ser humano”: ser escravo, colonizado, abusado, etc. não muda isso; 3 funções: 1. atribuição = humanidade à parte; 2. interiorização: naturalização do “negro” na humanidade; reversão ou inversão: recuperação da humanidade; capitalismo e racismo -> produção de mundo – pensamento, línguas, literatura, fala, gesto, religiões, instituições, danças, rituais etc., “criam uma comunidade” (p. 95) = ponto de respiro num contexto de opressão racial e desumanização objetiva do sujeito “negro” absoluta e vazio do ser; 2. humano animal, morte-vida uma na outra = cadáver Sociedades impotentes que não produzem “universal”, supersticiosas, “amontoado de coisas” (Tese IX) em tempo pré-ético e pré-político; político: o bom samaritano - culpa e piedade x justiça e responsabilidade. África sem fetiches e mistérios: petrificação, erosão, calor, banquetes canibais, (Leiris) transposta esta fronteira intransponível [epitáfio bB-wB], “montanha de sinais”, perda da identidade que traz a possessão do “gozo não simbolizável”, “devir-forma da força e devir-força da forma” (p. 99). Dimensão polêmica: 1. ambiguidade, dialética da máscara, poder do duplo, ser-aparência; 2. forma de vida que escapa ao V-F, “África” = “símbolo que está tanto fora da vida quanto para além da vida”, repetição e redução da vida que habita a “máscara da O kolossós do mundo [103-104] “Negro” = duplo do mundo, seu kolossós = efígie gigantesca numa tumba vazia com apenas os objetos do morto, substituto do cadáver, Hades de Homero; mnema = sem fronteira política entre vida e morte; na filosofia, nomeia a política de “dessecação do vivo”, escândalo da humanidade: mola do mundo que exige responsabilidade e justiça E negação da comunidade; hoje, “africanização” do mundo [em Necropolítica] e apelo à reparação [devolver objetos de arte e perdoar dívidas de países africanos], restituição [da humanidade] e justiça [x violência racial], só inteligíveis com a crítica da “raça” Partilha do mundo [105-116] Só avançamos se fizermos a crítica da “raça”, mas “o mundo continua a ser, mesmo que não queira admitir, um ‘mundo de raças’” [p. 106] O nacional-colonialismo [116-124] O significante racial “raça” = subjetividade, matriz simbólica e cena originária da modernidade, racismo = pedra de toque da cidadania, educação colonial: colonização -> o nacional, “O projeto colonial se alimentou de forma inédita da raciologia” (p. 121) Na França: africano = criança idiota (30s); “pobres coitados” Raça = “matriz material, instituição simbólica e componente psíquico da política e da consciência imperiais.” [p. 122] -> atributos da raça construídos na virada XIX -> XX [Zeitgeist]: mundo de luta de morte pela existência, pessimismo racial radical, avesso do darwinismo social, política europeia: direito de guerra x povos/entes políticos não europeus “submissão do universo” dividido em espécies e subespécies, espacialmente à distância - > estatização do biológico. Frivolidade e exotismo [124-129] A questão estética: 1. recusa em ver = ocultaçãoe negação; 2. encobrimento e travestimento: camuflagem da violência, “não quero saber nada das vítimas”, escravo negro = “nada em si”, Iluminismo: reconhece a maldade, mas metaforiza os acontecimentos na “condição humana” -> “dialética da distância e da diferença” [p. 125] -> O outro racial = “trama do exotismo, da frivolidade e da diversão” [p. 126] Nas artes (pintura, teatro, salões...), o negro tolerado é o que alegra as reuniões, do racismo “descontraído, libertino e frívolo” que esconde a “horrível imundície” [p. 127]; a figura da negra em Baudelaire, Chateaubriand e Appolinaire: amante, sensualidade e volúpia, a imagem: Joséphine Baker Autocegamento [130-136] Pedra angular da consciência imperial: vontade de ignorar -> ignorância x encontro e relação com o “negro”: Tocqueville, “vence o mais forte, não o mais sábio”, força > verdade e direito, África = terra desconhecida e muitos estudos “científicos”, XVII – relatos, lendas e devaneios etnográficos que a imaginação europeia produz: POÇO DE FANTASMAS -> dimensões políticas e econômicas, falso saber, desconhecimento e fabulação que disfarçam o desprezo ao “amigo”, variante da violência que deve ser escondida quando aparece -> “negro” = objeto imaginário da vida psíquica do Ocidente: máscara e duplo num “trágico jogo de espelhos” [p. 132] com face diurna “por vezes poética, por vezes carnavalesca”, ex.: Victor Hugo: “Não tem história [...] um excesso de Sol e um excesso de noite”, 1/5 do globo paralisado, faze-lo acessível à civilização -> “Fazei de vossos proletários proprietários” e face noturna: qualificações negativas -> segregação da “peça da Índia” [136] amizade: lógica da igualdade e da justiça -> política (x hostilidade e pessimismo racial) -> responder por eles, amizade de compaixão, empatia e simpatia, XVIII-> negros inferiores, aptos à escravidão, mas por um bom senhor -> política da bondade, Soc. dos Amigos dos Negros No romance e na ficção: L’Esclavage des Noirs, Olympe de Gouges, 1789 Napoleão: política negrofóbica; 1820 -> ondas de simpatia Política da bondade não questiona o preconceito, mas “salva-los e elevar até nós os africanos inferiores; papel alegórico do “negro”: “símbolo vivo de uma humanidade antiga, feliz e simples”, humanidade-criança e nobreza- selvagem, inocência primordial e natureza, “discurso do paradigma da condescendência” de Voltaire: nos países frios, “continuam a produzir ali animais de sua espécie” sem freios e precariedade sem proteção), o escravo negro é o primeiro sujeito racial. O poder de captura do sistema capitalista precisa de subsídios raciais para explorar o planeta e hoje recoloniza: devir-negro do mundo. Contra a violência e depreciação da força produtiva, restituição, reparação e justiça para elevar a “humanidade”, x sacrifício, o pensamento-mundo. Questão do mundo = do negro = da humanidade x homem-mercadoria,-metal,-moeda, pois “existe um só mundo. Ele é um todo composto por mil partes. De todo o mundo. De todos os mundos.” E. Glissant (1928-2011, “negritude” -> “antilhidade” e “crioulização”): Todo-Mundo [Tratado de Todo-Mundo x Caos-Mundo] inclui todo o “conjunto dos viventes”: PARAÍSO DO TUIUTI: “NÃO SOU ESCRAVO DE NENHUM SENHOR” O carnaval de 2018 protagoniza o debate político sobre o Golpe de 2016 no Brasil O enredo Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? da GRES Paraíso do Tuiuti, desfilou no Concurso do Grupo Especial da LIESA - Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, em 2018. O artigo mostra que, ao politizar a arte carnavalesca, o desfile que representa a comunidade do Morro do Tuiuti protagonizou os debates sobre o Golpe de Estado que vigora no Brasil desde 2016, ao denunciar a barbárie antidemocrática no tema do desfile, sobre a não superação da escravidão; e na voz de resistência que ecoa no samba-enredo: “Não sou escravo de nenhum senhor”. Um breve histórico das escolas de samba interseccionado por fatos políticos da história nacional antecede a apresentação do carnaval da Paraíso do Tuiuti e, por fim, leva à reflexão sobre a censura de seu último desfile, no Sábado das Campeãs. Final do XIX, 2 comunidades: elite intelectual e política com ideais europeus debate escravidão e República nos carros de Ideia e de Crítica das Grandes Sociedades e despreza manifestações carnavalescas populares de amigos, vizinhos e compadres pobres. 1928, bloco Deixa Falar do Estácio, 1ª. ES; 40s, símbolo de brasilidade pela ideologia nacionalista do Estado Novo; 50s, arquibancadas e palanque para a burguesia; 60s, c. 1000 componentes, concurso -> espetáculo de TV e surge o carnavalesco; 70s, recebem direitos autorais da transmissão da TV e gravam sambas-enredo, inicia era dos bicheiros “patronos”, aparece J30 em 1976, 1º desfile na B-F com o tema Sonhar com Rei dá Leão; 83, Brizola encomenda a Niemeyer o projeto da PS Professor Darcy Ribeiro, inaugurada em 1984, ano em que foi fundada a LIESA. 2018, c. 120.000 espectadores, foliões e Comunidades do PT. Morro do Tuiuti: pobre, negra e periférica, início: RJ -> Capital do Império Português: D. João VI chega e constrói o Palácio Real de São Cristóvão, região -> central: “decadência aristocrática se misturava com uma opressão violenta sob a forma da escravidão doméstica”. Abolição (1888) e Proclamação (1889): + desigualdade, negros recém libertos + migrantes europeus pobres, miséria e insalubridade. Reformas PPassos (1902-1906): cortiços -> passeios, praças e edifícios -> Morro do Tuiuti na 1ª gentrificação: modernização -> favelização. 20s: barracos, mas samba na Mangueira. Perto do porto, indústrias -> empregos + crescimento populacional -> crise habitacional (40s -> 60s). Fundação PT: 5/abril/54, = Unidos do do Tuiuti + Paraíso das Baianas. Ditadura: favela do Tuiuti não foi removida. 80s: crise econômica -> desemprego + traficantes x polícia –> milícias. 90s: projeto Favela Bairro pavimentou, + praças e saneamento. Hoje: violência, desde 2011 ocupado por UPP; sem educação e azer, mas “sabe receber as pessoas e nunca ficamos desesperados, graças a Deus” -> do lamento carnavalesco do PT em 2018 da favela. 2018, pós-golpe de 2016, tema da PT, final do desfile: alegoria Neo Tumbeiro, Vampiro Neoliberalista = presidente golpista, imagem do carnaval. Estrutura do desfile: 6 setores: 1. Meu Paraíso é meu bastião, Comissão de Frente representa a comunidade do Tuiuti: “totem de cultura brasileira fortificado na capacidade de resistência dos mais pobres, na voz dos excluídos e na ancestralidade do sentimento comunitário. E, em meio a uma atualidade de exclusão social, desigualdade de oportunidades, intolerância às diferenças e ataque aos direitos básicos dos cidadãos, as escolas [de samba] se tornaram uma espécie de quilombo contemporâneo onde suas comunidades encontram representatividade.” No enredo, morro e samba apoiam o sentimento de comunidade ancestral africana -> Setor 2. Pobre artigo de mercado, 3. Falta em seu peito um coração ao me dar a escravidão, 4. Sofri nos braços de um capataz e 5. Um rito, uma luta, um homem de cor: história da escravização da comunidade negra pelo capitalismo. No enredo, Jack Vasconcelos denuncia o “macabro comércio” (Mbembe), escravidão x (dialética) civilização e divisão de trabalho, que mascara a contradição “entre escravos e homens livres”. Expansionismo = combustível econômico dos tumbeiros que carregam a força de trabalho do “maior comércio de escravos da história da humanidade em um dos continentes mais ricos do mundo” -> exploração dos negros na Colônia: mão-de-obra escravizada produz o corpo negro “convertido em objeto de venda” que dá a Portugal lucro e posse da terra + formação do povo sul- americano: tráfico negreiro -> negro povoador, criador, introdutor de técnicas agrícolas e de mineração do ouro.”. Setor 5: fim da escravidão -> avanço por humanismo iluminista e industrialização. Mas, a suposta liberdade retira do Brasil a posição infame: “último país na América a abolir a escravatura”, ato jurídico que não confirmou a realidade, mantendo o negro submisso à exploração. Setor 6. Cativeiro Social: na alegoria, o Vampiro Neoliberalista; antes, alas atualizam a escravidão no contexto político: Cativeiro social, Trabalho escravo rural, Guerreiros da CLT, Manifestoches e Trabalhadores do Brasil. Vampiro Michel Temer: antes no imaginário nacional desde discurso de posse: voz de terror saiu de sua garganta profunda. “O Vampiro Neoliberalista expressou no carnaval a imaginação popular” Atestado de efetividade da alegoria: a pequena Paraíso do Tuiuti conquistou um inédito e inesperado vicecampeonato, e foi considerada a “campeã do povo”. de Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?: violência e miséria escravidão -> até hoje: “devir negro do mundo”? Efeitos políticos: 1. desfile das Campeãs, Vampiro sem a faixa presidencial: quem retirou? Respostas diferentes: ordem da Presidência à LIESA? Figurante perdeu? Diretoria da ES retirou? Em qualquer resposta: demanda de redução do desgaste da imagem presidencial ->censura, que não funcionou porque o mas, o país reconhecera o Vampiro real na alegoria. 2. semana entre 1º. e 2º. Desfile: decretada Intervenção Militar no RJ: consequência da péssima repercussão do Vampiro em Brasília. Com a “politização da arte” (Benjamin) carnavalesca, comunidades do Morro e da Paraíso do Tuiuti protagonizaram protestos políticos contra o Estado