Você está na página 1de 33

Paraíso do Tuiuti, 2018:

Meu Deus, Meu Deus, está extinta a


escravidão?
e o devir-negro no mundo
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Trad. Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1, 2018.
LIMA, FÁTIMA Costa de. Paraíso do Tuiuti: “Não sou escravo de nenhum senhor”: o carnaval de 2018
protagoniza o debate político sobre o Golpe de 2016 no Brasil. (no prelo)
LIMA, F. C. E SILVA, Carlos Eduardo.
Arte de protesto em enredos do Grupo Especial carioca: Paraíso do Tuiuti e Beija-Flor, 2018.
Encontro 6 do ST1: IMAGENS POLÍTICAS NO CARNAVAL DAS ESCOLAS DE SAMBA
Fátima Costa de Lima, PPGT, 2020/1
Arte de protesto em enredos do Grupo
Especial carioca: Paraíso do Tuiuti e Beija-Flor,
2018
Termina o carnaval, começa o próximo para as ES. O enredo resulta
de negociações diretoria e forças políticas dentro e fora das
agremiações, com objetivos diversos: mercadológicos, artísticos e
midiáticos. Do início amador (30-60) a 1973 -> mercantilização dos
desfiles, 2 visibilidade: forma-comunidade e forma-espetáculo ->
hoje, ES não românticas
LIESA com normas e esquemas rígidos como efeito da mídia ->
transformações na arte (ex.: samba) -> e produtos [bens culturais,
wB] IC
Mas, não são raras as rachaduras e infiltrações -> “as ES tem-se
mostrado dinâmicas e criativas nos esforços para sobreviverem aos
problemas e desafios que cada momento histórico oferece.” (p. 126).
Com ganhos e perdas na tradição, desafio: “colocarem-se
dialeticamente entre os interesses da Ice sua própria história de
resistência à intrusão do mercado na arte -> exclusão da
comunidade nas decisões.
IC: braço o capitalismo na arte e na cultura -> consumo e trabalho
precarizado na e da comunidade x afeto na avenida -> história da
violência e do preconceito x ES
Menos ou mais, a comunidade participa deste mundo de
contradições
Réplicas da IC ou apropriações conscientes?
ES: fenômeno social, organizações produtoras de arte e de cultura
em todo o Brasil que às vezes reproduzem a tradição carioca e
divergem às vezes em alguns elementos criando sua própria
tradição, Q: apenas reproduzem o modelo as ES que
desconhecem a origem da tradição?
História do afluxo migratório a RJ e Floripa -> x cópia, é “fluxo
cultural constante de apoio e de informações” que justifica as
trocas e influências -> ES se multiplicaram no país e nas
pertenças étnico-raciais, mas não entre as classes sociais:
comunidades “em situação de vulnerabilidade econômica,
exclusão social e insegurança”, entre milícia, narco e Estado
Fora das comunidades de elites, comunidade de empurrador e
baiana x “doutor” e “madame”; “cartola” <- touca de jornal
para proteger os cabelos do pedreiro; “sargento” <- profissão
do sambista e “delegado” <- “prender as meninas” com
encantos de mestre-sala
(Com exceção das internacionais) ES = comunidade de
“subalternos” sem voz, “gente empenhada em construir a
ilusão” (p. 129)
O que os monstros subalternos tanto tem a falar?
Poética da liminaridade em ambiente de exclusão econômica e
marginalidade, ausência de infraestrutura e sem acesso aos
bens de consumo -> poética de desfile com origem nas culturas
africanas e sobreposição cultural com o barroco europeu
Relação favela-sociedade depois do fim da escravidão:
”Trabalho e não tenho nada, não saio do miserê” (Tenha pena
de mim, 1960)
Paraíso do Tuiuti, 2018, Meu Deus, meu Deus, está extinta a
escravidão, enredo parte do questionamento se a Lei Imperial
3353 -> Mangueira, 1988, 100 anos de liberdade; realidade ou
ilusão?, samba:
“será, que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão? Será que
a Lei Áurea tão sonhada, a tanto tempo assinada, não foi o fim
da escravidão?” (Turco, Jurandir e Alvinho)
No enredo: “A favela está pronta para explodir, como um barril
de pólvora, com toda a comunidade sofrida, abandonada pelo
poder público, apesar dos esforços atuais no sentido de
amenizar a situação que pouco refletem a realidade. Não
bastam as obras faraônicas, o que importa são as soluções de
curto prazo, com escolas, alimentação, para respirar e a
abertura do mercado de trabalho para os negros.”
Mesmo tema, mas elementos originais no desfile do Paraíso do
Tuiuti
Senhor, eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor / Tenho o
sangue avermelhado
O mesmo que escorre da ferida / Mostra que a vida se lamenta
por nós dois
Mas falta em seu peito um coração / ao me dar a escravidão e
um prato de feijão com arroz
Eu fui Mandinga, Cambinda, Haussá / Fui um Rei Egbá preso na
corrente
Sofri nos braços de um capataz ? Morri nos canaviais onde se
plantava gente
Ê Calunga, ê ê Calunga, Preto Velho me contou
Onde mora a Senhora Liberdade / Não tem ferro, nem feitor...
Amparo do rosário ao Negro Benedito / Um grito feito pele do
tambor
Deu no noticiário com lágrimas escrito / Um rito, uma luta, um
homem de cor
E assim quando a Lei foi assinada / Uma Lua atordoada assistiu
fogos do céu
Áurea como o ouro da bandeira / Fui rezar na cachoeira contra a
bondade cruel
“Irmão” (x conciliar) amplia o crime da escravidão ao humanizar o
branco
Afirmação étnico-racial de origem africana reforça a igualdade
[ex.: “vida se lamenta por nós dois”] x “superioridade” branca que
justificou destruição e genocídio negros “sem alma”
[ex.: “Mandingas, Cambinda, Haussá“ nomeia escravizados anônimos]
Música cresce e produz sua inversão dialética logo depois da inversão
dialética da letra: Lei Áurea = “bondade cruel” que prolonga a
escravidão
Refrões: lamento “Meu Deus!” -> escravidão hoje “cativeiro social” ->
resistência “quilombo da favela é sentinela da libertação”
Cadência diferente: usual -> ascendente melódica na última estrofe
-> 1º refrão lamento de dor -> explode só no 2º refrão = apoteose do
samba
Tema repetido, mas urgente e necessário E
atualiza contextualizando no sexto e último setor: “Cativeiro Social”
Sem “empatia com o vencedor”, a PT evoca a Tese 7 wB: “No Neo-
Tumbeiro (o nome dessa alegoria), somos todos/as explorados/as,
manipulados/as e subjugados/as pelas forças hegemônicas com as
quais, no Brasil, “os dominadores de hoje carregam seu ‘cortejo
triunfal’ sobre os corpos dos que hoje estão prostrados no chão’,
sem vida.”
Assim a PT homenageia os mortos e potencializa os enredos
anteriores que enfrentam O Capital como Unidos da Tijuca (1982):
Mitavaí é
“o valente brasileiro contra o monstro estrangeiro que com todo o
seu dinheiro quer calar a nossa voz [...] Macobeba maldito, que
devora o mato e o mito, rádio jornal e TV”. Talvez uma derrota
anunciada, mas com a resistência da Vila Isabel (1990): “sei que
quem espera não alcança” e a consciência do Império Serrano
(1986): “chega de ganhar tão pouco, chega de sufoco e covardia”,
Mitavaís escapam das rachaduras e das contradições das ES.
Na Tijuca de 82 estreava o Laíla da Beija-Flor (2018), mas isto já é
outra história...
Achille Mbembe, Crítica da razão negra [“escrevendo a história
a contrapelo”]
Introdução. O devir-negro no mundo [11-13]
História/coisas se voltam para África, Europa não + centro do
mundo = grande acontecimento da época -> novas possibilidades
para o pensamento crítico; pensamento europeu = relação
mesmo com o mesmo, de co-pertencimento, ser primeiro em seu
próprio espelho, lógica de autoficção e autocontemplação,
enclausurado -> negro = raça no imaginário europeu início do
XVIII = projeto moderno de conhecimento e governo, Iluminismo e
racismo = figuras gêmeas do delírio da Modernidade = 1. negro =
quem vemos quando nada se vê, aparição que abala o sistema
racional; 2. ninguém quer ser negro ou tratado como negro. O que
fomenta o delírio é a raça: ao reduzir o corpo e o ser vivo à
questão da aparência, negro e raça -> loucura codificada. Raça =
categoria original material e fantasmática na origem de
catástrofes e devastações psíquicas, crimes e massacres.
Vertiginoso conjunto [13-20]
Passado e contexto, 3 momentos: 1. espoliação organizada
no tráfico atlântico, do XV->XIX, africanos -> homens-objetos,
homens-mercadoria e homens-moeda presas da aparência,
sem nome e sem língua, vida e trabalho dos outros com quem
conviviam sem ser humanos, mas sujeitos ativos; 2. a partir do
final do XVIII, articulam a escrita e linguagem própria,
reivindicam estatuto de sujeitos do mundo vivo, revoltas de
escravos por abolição (Haiti, 1804), por descolonização em
África, direitos civis nos EUA e fim do apartheid na África do
Sul; 3. globalização do mercado e privatização do mundo,
neoliberalismo = tempo curto e força reprodutiva da forma
dinheiro: tudo tem valor de mercado -> produção de
indiferença, codificação paranoica da vida social, racionalizar o
mundo com lógicas empresariais, o capital financeiro se define
como ilimitado, multiplica-se em infinitas dívidas insolvíveis.
Não mais trabalhadores -> nômades do trabalho,
sujeito explorado -> tragédia da multidão, humanidade
supérflua e abandonada sem utilidade para o capital, vida
psíquica = memória artificial digital com modelo cognitivo
da neurociência, automatismos psíquicos ~ tecnológicos ->
“empreendedor de si” moldável de reconfiguração
sistemática, sujeito do mercado e da dívida, se vê como
“produto do acaso” = forma abstrata já pronta (Hegel) da
civilização da imagem com suas novas relações entre fatos
e ficções, (x sujeito alienado e trágico da 1ª
industrialização) + 1 animal entre outros, para gozar, tornar
pública sua vida íntima -> mercadoria, sujeito
neuroeconômico, animalidade e coisidade, homem-coisa,
-máquina, -código e –fluxo que regula conduta pelas leis do
mercado -> se auto-instrumentaliza e aos outros [17] para
seu gozo de sujeito flexível, solúvel e fungível sempre
Neoliberalismo: capitalismo e animismo antes afastados se fundem
na imagem aceleradora das energias pulsionais, consequências
para compreensão da raça e do racismo:
1. Risco sistemático para escravo negro -> humanidade subalterna
2. Divisão do tempo e atomização do espaço: real <-> ficção,
dispositivos de violência: práticas de zoneamento e biologia com
economia -> militarização das fronteiras, fragmentação dos
territórios, espaços dentro dos Estados fora de sua soberania,
infinitas autoridades, poderes privados armados, pretexto da ação
humanitária -> malha transnacional de repressão =
esquadrinhamento ideológico, mercenários e guerrilhas locais,
prisões em massa, torturas e execuções extrajudiciais =
imperialismo da desorganização: desastre, exceção, anarquia
Violência do capital empresas estrangeiras, grande potências e
classes dominantes roubam riquezas e reservas estatais ->
interesses privados, pagamento infinito de dívidas e classe dos
estruturalmente endividados
numéricos e códigos, aparece o “negro” = africanos do 1º
capitalismo; destituição do tempo e do futuro, “nossa
institucionalização como devir-negro do mundo.”
A raça no futuro [20-23]
Europa->província: fim do racismo ou sobrevivência em
nova linguagem? “Negro” e “raça” nunca fixos (C. 1);
contradição do “negro”: instintos inferiores x signo de
redenção (C. 2 e 5) terríveis experiências histórias dos
espectadores da própria vida (C. 3 e 4)
Riscos do devir-negro do mundo às promessas da
modernidade (Cap. 6)
A obsessiva clivagem permanece a relação senhor-criado,
pela e na diferença habitada por um duplo que impede o
sujeito de conhecer-se, vivencia om mundo pela cisão,
sonha consigo mesmo, questão:
Este livro
Uso da história para reflexão crítica sobre o mundo do
nosso tempo

Questão: como pensar a diferença e a vida, o semelhante


e o dessemelhante, o excedente e o em comum?

Experiência negra contemporânea = espelho móvel que


não para de girar.

O QUE IMPEDE O ESPELHO DE PARAR DE GIRAR?


Capítulo 2. O POÇO DOS FANTASMAS
“África” e ”negro”: o corpo negro é o “aquilo” da África,
carga, sombra e matéria um do outro, produto do
processo histórico de fabricação (produção +
representação) dos sujeitos raciais, signos de alteridade
inassimilável, “feliz histeria” do sentido.
comum no tráfico negreiro XVII; primeiras imagens do
“negro”; Fanon: menino negro e menino branco; ponto de
vista histórico: “fantasmagoria” -> realidade da aparência
e aparência de realidade, dimensão econômica: homem-
mineral,-metal,-moeda estruturou o 1º capitalismo ->
sujeito racial
Atribuição, interiorização e inversão [82-88] Início do XX:
crise de consciência europeia reavalia contribuição
africana para a História; vanguardas anos 20 -> África =
terra de mistérios, catarse e mágico religioso, Picasso e
surrealistas; Ambiguidade: 1. alma africana-corpo negro
= dualismo herdado; 2. A crítica colonial estética,
vanguardista e anarquista recupera e tenta subverter
mitos e estereótipos coloniais x GRANDE MEIO-DIA de
Aimé Césaire (poeta da negritude): anunciação,
O negro de branco e o branco de negro [88-95]
“Negro” = figura/objeto inventado pelo branco, de onde vem
a fantasia? 1. EUA, XVII, construção do ”negro” pela
racialização da escravidão -> pena de morte somente para
negros; 2. toda fantasia quer ser real -> todo tipo de
violência, na “propensão a assassinar” (Césaire), Fanon: mais
distribuição que autodesignação, “Sou um ser humano”: ser
escravo, colonizado, abusado, etc. não muda isso; 3 funções:
1. atribuição = humanidade à parte; 2. interiorização:
naturalização do “negro” na humanidade; reversão ou
inversão: recuperação da humanidade; capitalismo e racismo
-> produção de mundo – pensamento, línguas, literatura,
fala, gesto, religiões, instituições, danças, rituais etc., “criam
uma comunidade” (p. 95) = ponto de respiro num contexto
de opressão racial e desumanização objetiva do sujeito
“negro”
absoluta e vazio do ser; 2. humano animal, morte-vida
uma na outra = cadáver
Sociedades impotentes que não produzem “universal”,
supersticiosas, “amontoado de coisas” (Tese IX) em tempo
pré-ético e pré-político; político: o bom samaritano - culpa
e piedade x justiça e responsabilidade.
África sem fetiches e mistérios: petrificação, erosão, calor,
banquetes canibais, (Leiris) transposta esta fronteira
intransponível [epitáfio bB-wB], “montanha de sinais”,
perda da identidade que traz a possessão do “gozo não
simbolizável”, “devir-forma da força e devir-força da
forma” (p. 99). Dimensão polêmica: 1. ambiguidade,
dialética da máscara, poder do duplo, ser-aparência; 2.
forma de vida que escapa ao V-F, “África” = “símbolo que
está tanto fora da vida quanto para além da vida”,
repetição e redução da vida que habita a “máscara da
O kolossós do mundo [103-104]
“Negro” = duplo do mundo, seu kolossós = efígie gigantesca
numa tumba vazia com apenas os objetos do morto, substituto
do cadáver, Hades de Homero; mnema = sem fronteira
política entre vida e morte; na filosofia, nomeia a política de
“dessecação do vivo”, escândalo da humanidade: mola do
mundo que exige responsabilidade e justiça E negação da
comunidade; hoje, “africanização” do mundo [em
Necropolítica] e apelo à reparação [devolver objetos de arte e
perdoar dívidas de países africanos], restituição [da
humanidade] e justiça [x violência racial], só inteligíveis com a
crítica da “raça”
Partilha do mundo [105-116]
Só avançamos se fizermos a crítica da “raça”, mas “o mundo
continua a ser, mesmo que não queira admitir, um ‘mundo de
raças’” [p. 106]
O nacional-colonialismo [116-124]
O significante racial “raça” = subjetividade, matriz simbólica
e cena originária da modernidade, racismo = pedra de toque
da cidadania, educação colonial: colonização -> o nacional,
“O projeto colonial se alimentou de forma inédita da
raciologia” (p. 121) Na França: africano = criança idiota (30s);
“pobres coitados”
Raça = “matriz material, instituição simbólica e componente
psíquico da política e da consciência imperiais.” [p. 122] ->
atributos da raça construídos na virada XIX -> XX [Zeitgeist]:
mundo de luta de morte pela existência, pessimismo racial
radical, avesso do darwinismo social, política europeia: direito
de guerra x povos/entes políticos não europeus
“submissão do universo” dividido em espécies e subespécies,
espacialmente à distância - > estatização do biológico.
Frivolidade e exotismo [124-129]
A questão estética: 1. recusa em ver = ocultaçãoe
negação; 2. encobrimento e travestimento: camuflagem
da violência, “não quero saber nada das vítimas”, escravo
negro = “nada em si”, Iluminismo: reconhece a maldade,
mas metaforiza os acontecimentos na “condição humana”
-> “dialética da distância e da diferença” [p. 125] -> O
outro racial = “trama do exotismo, da frivolidade e da
diversão” [p. 126] Nas artes (pintura, teatro, salões...), o
negro tolerado é o que alegra as reuniões, do racismo
“descontraído, libertino e frívolo” que esconde a “horrível
imundície” [p. 127]; a figura da negra em Baudelaire,
Chateaubriand e Appolinaire: amante, sensualidade e
volúpia, a imagem: Joséphine Baker
Autocegamento [130-136]
Pedra angular da consciência imperial: vontade de ignorar ->
ignorância x encontro e relação com o “negro”: Tocqueville,
“vence o mais forte, não o mais sábio”, força > verdade e
direito, África = terra desconhecida e muitos estudos
“científicos”, XVII – relatos, lendas e devaneios etnográficos que
a imaginação europeia produz: POÇO DE FANTASMAS ->
dimensões políticas e econômicas, falso saber, desconhecimento
e fabulação que disfarçam o desprezo ao “amigo”, variante da
violência que deve ser escondida quando aparece -> “negro” =
objeto imaginário da vida psíquica do Ocidente: máscara e duplo
num “trágico jogo de espelhos” [p. 132] com face diurna “por
vezes poética, por vezes carnavalesca”, ex.: Victor Hugo: “Não
tem história [...] um excesso de Sol e um excesso de noite”, 1/5
do globo paralisado, faze-lo acessível à civilização -> “Fazei de
vossos proletários proprietários” e face noturna: qualificações
negativas -> segregação da “peça da Índia” [136]
amizade: lógica da igualdade e da justiça -> política (x
hostilidade e pessimismo racial) -> responder por eles,
amizade de compaixão, empatia e simpatia, XVIII->
negros inferiores, aptos à escravidão, mas por um bom
senhor -> política da bondade, Soc. dos Amigos dos
Negros
No romance e na ficção: L’Esclavage des Noirs, Olympe de
Gouges, 1789
Napoleão: política negrofóbica; 1820 -> ondas de simpatia
Política da bondade não questiona o preconceito, mas
“salva-los e elevar até nós os africanos inferiores; papel
alegórico do “negro”: “símbolo vivo de uma humanidade
antiga, feliz e simples”, humanidade-criança e nobreza-
selvagem, inocência primordial e natureza, “discurso do
paradigma da condescendência” de Voltaire: nos países
frios, “continuam a produzir ali animais de sua espécie”
sem freios e precariedade sem proteção), o escravo negro
é o primeiro sujeito racial.
O poder de captura do sistema capitalista precisa de
subsídios raciais para explorar o planeta e hoje recoloniza:
devir-negro do mundo.
Contra a violência e depreciação da força produtiva,
restituição, reparação e justiça para elevar a
“humanidade”, x sacrifício, o pensamento-mundo.
Questão do mundo = do negro = da humanidade x
homem-mercadoria,-metal,-moeda, pois “existe um só
mundo. Ele é um todo composto por mil partes. De todo o
mundo. De todos os mundos.”
E. Glissant (1928-2011, “negritude” -> “antilhidade” e
“crioulização”): Todo-Mundo [Tratado de Todo-Mundo x
Caos-Mundo] inclui todo o “conjunto dos viventes”:
PARAÍSO DO TUIUTI: “NÃO SOU ESCRAVO DE NENHUM
SENHOR”
O carnaval de 2018 protagoniza o debate político
sobre o Golpe de 2016 no Brasil
O enredo Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?
da GRES Paraíso do Tuiuti, desfilou no Concurso do Grupo
Especial da LIESA - Liga Independente das Escolas de
Samba do Rio de Janeiro, em 2018. O artigo mostra que,
ao politizar a arte carnavalesca, o desfile que representa a
comunidade do Morro do Tuiuti protagonizou os debates
sobre o Golpe de Estado que vigora no Brasil desde 2016,
ao denunciar a barbárie antidemocrática no tema do
desfile, sobre a não superação da escravidão; e na voz de
resistência que ecoa no samba-enredo: “Não sou escravo
de nenhum senhor”. Um breve histórico das escolas de
samba interseccionado por fatos políticos da história
nacional antecede a apresentação do carnaval da Paraíso
do Tuiuti e, por fim, leva à reflexão sobre a censura de seu
último desfile, no Sábado das Campeãs.
Final do XIX, 2 comunidades: elite intelectual e política
com ideais europeus debate escravidão e República nos
carros de Ideia e de Crítica das Grandes Sociedades e
despreza manifestações carnavalescas populares de
amigos, vizinhos e compadres pobres.
1928, bloco Deixa Falar do Estácio, 1ª. ES; 40s, símbolo
de brasilidade pela ideologia nacionalista do Estado Novo;
50s, arquibancadas e palanque para a burguesia; 60s, c.
1000 componentes, concurso -> espetáculo de TV e surge
o carnavalesco; 70s, recebem direitos autorais da
transmissão da TV e gravam sambas-enredo, inicia era
dos bicheiros “patronos”, aparece J30 em 1976, 1º desfile
na B-F com o tema Sonhar com Rei dá Leão; 83, Brizola
encomenda a Niemeyer o projeto da PS Professor Darcy
Ribeiro, inaugurada em 1984, ano em que foi fundada a
LIESA. 2018, c. 120.000 espectadores, foliões e
Comunidades do PT. Morro do Tuiuti: pobre, negra e periférica,
início: RJ -> Capital do Império Português: D. João VI chega e constrói
o Palácio Real de São Cristóvão, região -> central: “decadência
aristocrática se misturava com uma opressão violenta sob a forma
da escravidão doméstica”. Abolição (1888) e Proclamação (1889): +
desigualdade, negros recém libertos + migrantes europeus pobres,
miséria e insalubridade. Reformas PPassos (1902-1906): cortiços ->
passeios, praças e edifícios -> Morro do Tuiuti na 1ª gentrificação:
modernização -> favelização. 20s: barracos, mas samba na
Mangueira. Perto do porto, indústrias -> empregos + crescimento
populacional -> crise habitacional (40s -> 60s). Fundação PT:
5/abril/54, = Unidos do do Tuiuti + Paraíso das Baianas. Ditadura:
favela do Tuiuti não foi removida. 80s: crise econômica ->
desemprego + traficantes x polícia –> milícias. 90s: projeto Favela
Bairro pavimentou, + praças e saneamento. Hoje: violência, desde
2011 ocupado por UPP; sem educação e azer, mas “sabe receber as
pessoas e nunca ficamos desesperados, graças a Deus” -> do
lamento carnavalesco do PT em 2018
da favela. 2018, pós-golpe de 2016, tema da PT, final do
desfile: alegoria Neo Tumbeiro, Vampiro Neoliberalista =
presidente golpista, imagem do carnaval.
Estrutura do desfile: 6 setores: 1. Meu Paraíso é meu
bastião, Comissão de Frente representa a comunidade do
Tuiuti: “totem de cultura brasileira fortificado na
capacidade de resistência dos mais pobres, na voz dos
excluídos e na ancestralidade do sentimento comunitário.
E, em meio a uma atualidade de exclusão social,
desigualdade de oportunidades, intolerância às diferenças
e ataque aos direitos básicos dos cidadãos, as escolas [de
samba] se tornaram uma espécie de quilombo
contemporâneo onde suas comunidades encontram
representatividade.” No enredo, morro e samba apoiam o
sentimento de comunidade ancestral africana ->
Setor 2. Pobre artigo de mercado, 3. Falta em seu peito um coração
ao me dar a escravidão, 4. Sofri nos braços de um capataz e 5. Um
rito, uma luta, um homem de cor: história da escravização da
comunidade negra pelo capitalismo. No enredo, Jack Vasconcelos
denuncia o “macabro comércio” (Mbembe), escravidão x (dialética)
civilização e divisão de trabalho, que mascara a contradição “entre
escravos e homens livres”. Expansionismo = combustível econômico
dos tumbeiros que carregam a força de trabalho do “maior comércio
de escravos da história da humanidade em um dos continentes mais
ricos do mundo” -> exploração dos negros na Colônia: mão-de-obra
escravizada produz o corpo negro “convertido em objeto de venda”
que dá a Portugal lucro e posse da terra + formação do povo sul-
americano: tráfico negreiro -> negro povoador, criador, introdutor de
técnicas agrícolas e de mineração do ouro.”. Setor 5: fim da
escravidão -> avanço por humanismo iluminista e industrialização.
Mas, a suposta liberdade retira do Brasil a posição infame: “último
país na América a abolir a escravatura”, ato jurídico que não
confirmou a realidade, mantendo o negro submisso à exploração.
Setor 6. Cativeiro Social: na alegoria, o Vampiro
Neoliberalista; antes, alas atualizam a escravidão no
contexto político: Cativeiro social, Trabalho escravo rural,
Guerreiros da CLT, Manifestoches e Trabalhadores do
Brasil. Vampiro Michel Temer: antes no imaginário
nacional desde discurso de posse: voz de terror saiu de
sua garganta profunda.
“O Vampiro Neoliberalista expressou no carnaval a
imaginação popular” Atestado de efetividade da alegoria:
a pequena Paraíso do Tuiuti conquistou um inédito e
inesperado vicecampeonato, e foi considerada a “campeã
do povo”.
de Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?:
violência e miséria escravidão -> até hoje: “devir negro
do mundo”? Efeitos políticos:
1. desfile das Campeãs, Vampiro sem a faixa presidencial:
quem retirou? Respostas diferentes: ordem da
Presidência à LIESA? Figurante perdeu? Diretoria da ES
retirou? Em qualquer resposta: demanda de redução do
desgaste da imagem presidencial ->censura, que não
funcionou porque o mas, o país reconhecera o Vampiro
real na alegoria.
2. semana entre 1º. e 2º. Desfile: decretada Intervenção
Militar no RJ: consequência da péssima repercussão do
Vampiro em Brasília.
Com a “politização da arte” (Benjamin) carnavalesca,
comunidades do Morro e da Paraíso do Tuiuti
protagonizaram protestos políticos contra o Estado

Você também pode gostar