SEMINÁRIOS AVANÇADOS Prof. Dra. Flávia Aninger de Barros Rocha TEMPO E MEMÓRIA NA LITERATURA Continuação
Tópico: A modernidade e a ideia do tempo
Octavio Paz – Os Filhos do Barro : Tradição e Ruptura
A RELAÇÃO ENTRE OS TEMPOS Paz afirma que: O passado serve de modelo nas sociedades primitivas para o presente e para o futuro. (sociedades pré-modernas) – Passado imemorial, não o passado recente. Este passado imemorial está na Origem da origem e justifica a história de cada sociedade. Este passado está presente, atualizando-se, nas sociedades pré- modernas. Quando o passado é um arquétipo, o presente deve se ajustar. Por isso, o Rito e a Festa, atualizações dos mitos arquetípicos. As sociedades adotaram o passado arquetípico por que ele traz regularidade, suprime diferenças, mantém a identidade do povo. Ele é a norma da sociedade. NOSSA CONCEPÇÃO X CONCEPÇÃO PRIMITIVA O tempo é o agente que Tempo é portador de suprime as mudanças. mudanças.
A História nada mais é do
As mudanças fazem parte que a decadência ou a falta da História de fidelidade ao passado arquetípico. O MODERNO TAMBÉM É TRADIÇÃO A modernidade é uma tradição feita de rupturas, em que cada ruptura é um começo. O que é tradição?
A transmissão de uma geração a outra, de notícias, lendas,
histórias, crenças, costumes, formas literárias e artísticas, ideias, estilos. Qualquer interrupção na transmissão equivale a quebrar a tradição. Se a ruptura é a destruição do vínculo que nos une ao passado, como chamar de tradição algo que rompe o vínculo e interrompe a continuidade? Se a tradição é por excelência o antigo, como pode o moderno ser tradicional? Se a tradição significa a continuidade do passado no presente, como se pode falar de uma tradição sem passado e que consiste na exaltação daquilo que o nega: a pura atualidade? A modernidade é uma tradição polêmica e que desaloja a tradição imperante, qualquer que seja esta. A modernidade nunca é ela mesma, é sempre outra.
O moderno não é caracterizado apenas por sua novidade,
mas por sua heterogeneidade e pluralidade. A antiga tradição era sempre a mesma. A moderna é sempre diferente. Para a modernidade, o passado não é único, mas plural. O hoje não é filho do ontem. É sua negação. O moderno é autossuficiente: cada vez que aparece, funda sua própria tradição. No entanto, o Ideal estético variou na História da modernidade: algumas vezes consiste na imitação dos antigos, outras vezes exalta a novidade e o inesperado. Por exemplo, a estética da surpresa, do inesperado, esteve presente nos poetas metafísicos ingleses e nos barrocos espanhóis. Ou seja, havia a novidade que não era crítica nem negava a tradição da época. Novidade era para assombro e não para mudança. Ser moderno não é apenas celebrar o novo, mas romper com o passado imediato. A arte moderna é crítica de si mesma. A modernidade traz um novo que seduz não pela novidade, mas pela diferença. O diferente é a negação – é a FACA que divide o TEMPO em dois: antes e agora. Até a aparição de outras culturas na nossa significam uma ruptura com o ideal estético. Exemplo: poesia chinesa no século XX (Pound) Elementos da arte arcaica ou de civilizações distantes inscrevem-se com naturalidade na tradição da ruptura – uma das máscaras da modernidade. A tradição moderna APAGA as oposições entre o antigo e o contemporâneo e entre o distante e o próximo. O que dissolve essas oposições é a crítica. Esta crítica é apaixonada – amor passional pelo AGORA. Um presente único e distinto de todos os outros, que consagra o INSTANTE. Culto ao presente: fundamentado numa concepção do tempo diferenciada. Diferentemente dos antigos, que acreditavam que o tempo se repetia igual, com pequenas exceções e variações, para nós, as variações são a regra. Cada instante, cada século, é único, é distinto, é outro. Para a modernidade: A oposição entre o passado e o presente literalmente se evapora. As distinções entre passado, presente e futuro tornam-se insignificantes. A aceleração do tempo anula as diferenças entre juventude e velhice: quem é velho hoje? O que acaba de acontecer já se torna distante e a antiguidade milenar pode se tornar muito próxima. Aceleração do tempo histórico:
Os dias e anos não passam mais rapidamente. Mais coisas se
passam neles e passam simultaneamente. Aceleração é fusão de tempos.
Todos os tempos e os espaços confluem para o hic et nunc, o
aqui e o agora. EXEMPLOS: A revolução de 1917 na Rússia foi tão radical e dividiu tanto o passado e o presente que um livro dedicado a explicar a revolução chamou-se: “viagem ao futuro”. O futuro que Orwell quis demonstrar em 1984, escrito em 1947, trazia a utopia de uma sociedade oprimida em que bebês eram feitos em laboratório. Em 1980, teve inicio a fertilização in vitro. Como se percebe a memória da cultura e do indivíduo na modernidade? Matéria para reflexão. Nossa ideia do tempo, mudou com a chegada da modernidade. Ao mudar nossa ideia do tempo, mudou nossa relação com a tradição. Ou seja, estamos mais conscientes da ideia de tradição.
Nós interrogamos nossa tradição, por que sabemos estar
inseridos nela e nos sentimos diferentes dela. Temos uma consciência histórica: somos capazes de criticar o passado e a tradição. Mas nossa tradição está estabelecida sobre um princípio fundamental: a mudança. E ENTÃO, Como se dá a relação do homem moderno com a memória? “A memória é composição, fluxo rítmico de anexação e criação, momento narrativo, momento textual: determinada ordem “escolhida”, certa maneira de ler e dizer a experiência com e no vivido: é a experiência singular do sujeito ao dizer-se em movimento e em relação: é a ficção surgida de uma vivência entre as ficcionalidades do mundo social: é a maneira singular de dizer e ordenar essas ficcionalidades.” ( CALDAS, 2005) a memória é relação: como momento textual não é nem o passado nem uma narrativa definitiva: é um momento do sujeito que se traduz em ordem narrativa, em ordem de palavras: é elemento que se desdobra numa lógica de procriação similar ao cantar, ao recitar, ao sonhar. Essa relação não se faz como cópia, reprodução, mas como criação narrativa.
A espessura das memórias, fluxo narrativo que se integra
aos fluxos ficcionais do mundo coletivo, faz parte da espessura que é o presente. Grande parte daquilo que é a dobra do presente, síntese viva entre todos os passados e suas atualizações na expressão de imediato do presente, é a memória enquanto concepção maior, além do pessoal e singular. Dobramos e desdobramos nosso passado nas dimensões do presente com palavras e maneiras de ordenar esses textos interiores como numa espécie de “texto de ficção”: texto onde se integram indistintamente em sua armação virtual e dialética, a vivência, a imaginação, o desejo, as “estratégias narrativas”; juntamente com dinâmicos e estáticos cruzamentos seletivos sejam de palavras, de temas, de imagens, idéias, sonhos, significados. A “memória” não acontece num espaço físico, mas numa dimensão metafórica do fora que vai para dentro e que, ao se desdobrar, aparece como encontro consigo mesmo, atualizando as dimensões do presente, da consciência e do corpo. Daí porque o referente em História não é a “memória”, o “real”, o “social”, o “histórico” mas esse momento da interioridade textualizada, esse texto onde nasce, se movimenta e aparece o sujeito e seu mundo.
O Narrador e a narrativa : o sujeito que escreve –
matéria vivida e matéria narrada - memória e imaginação. Sem a existência do passado, é a memória um dos suportes das múltiplas formas de existência do presente, permitindo a continuação que reproduz as condições de vida, o equilíbrio e as referências grupais. Com isso, entendemos a memória não somente como criação pessoal, mas como construção polifônica da sociabilidade, criação coletiva que, por ser simbólica, cria as pontes que unificam e aproximam, num mesmo espaço vivido, as múltiplas dimensões da vida, as múltiplas experiências da vivência.
OBRA LITERÁRIA - narrativa que busca, pela imaginação e
pela memória, refletir sobre o ser humano e sua condição temporal, explorando elementos e aspectos que a ciência não é capaz de traduzir. São Bernardo - Graciliano Ramos Presepe – Guimarães Rosa REFERÊNCIAS CALDAS, Alberto Lins. História e Memória. Revista Primeira Versão. Ano III, nº181. março - Porto Velho, 2005. volume XII.
PAZ, Octavio. Os Filhos do Barro. Trad. Olga Savary. Rio