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Morte e vida severina

Sobre o autor

Poeta pernambucano nascido em 1920;

Considerado um dos maiores poetas da Língua


Portuguesa;

Suas criações vão desde o surrealismo até a poesia


popular.
João Cabral de
Melo Neto

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1.
Quem é severino

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E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte
igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de
velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome
um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte
Severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).

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O princípio da tragédia

▸ A persistência da morte  no meio — E era grande sua lavoura, irmãos das
da paisagem agreste e do chão almas, lavoura de muitas covas, tão
cobiçada?
duro de pedra.
— Tinha somente dez quadras, irmão das
▸ A morte sempre tem relação com a almas, todas nos ombros da serra, nenhuma
pobreza e com o trabalho. Ou é várzea.
morte matada em emboscada, por — Mas então por que o mataram, irmãos
das almas, mas então por que o mataram
conta da dura terra trabalhada, ou com espingarda?
é morte miserável, na qual não — Queria mais espalhar-se, irmão das
sobra nenhum pertence. almas, queria voar mais livre essa ave-bala.

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A persistência da morte

▸ Todos os mortos se chamam — Finado Severino, quando passares em


Severino Jordão e os demônios te atalharem
perguntando o que é que levas...
[...]
— Dize que levas somente coisas de não:
fome, sede, privação.
[...]
— Dize que coisas de não, ocas, leves:
como o caixão, que ainda deves.

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A persistência da morte
— Vou explicar rapidamente, logo compreenderá: como aqui a morte é tanta,
▸ Não há trabalho vivo de a morte ajudar.
nas lavouras; — E ainda se me permite que lhe volte a perguntar: é aqui uma profissão trabalho
somente aqueles tão singular?
relacionados à — É, sim, uma profissão, e a melhor de quantas há: sou de toda a região rezadora
morte. titular.[...]
— E se pela última vez me permite perguntar: não existe outro trabalho para mim
neste lugar?
— Como aqui a morte é tanta, só é possível trabalhar nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar. Imagine que outra gente de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros, doutor de anel no anular, remando contra a corrente da
gente que baixa ao mar, retirantes às avessas, sobem do mar para cá. Só os
roçados da morte compensam aqui cultivar, e cultivá-los é fácil: simples questão
de plantar; não se precisa de limpa, de adubar nem de regar; as estiagens e as
pragas fazem-nos mais prosperar; e dão lucro imediato; nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se na hora mesma de semear.
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2.
A caminhada continua
Severino chega à Zona da mata

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Quem são os donos da terra?

▸ Severino chega à Mas não avisto ninguém, só folhas de cana fina;


Zona da Mata, onde somente ali à distância aquele bueiro de usina;
há água e terra boa. somente naquela várzea um bangüê velho em ruína.
No entanto, não Por onde andará a gente que tantas canas cultiva?
encontra a riqueza [...] Decerto a gente daqui jamais envelhece aos
que imaginava. trinta nem sabe da morte em vida, vida em morte,
severina; e aquele cemitério ali, branco na verde
colina, decerto pouco funciona e poucas covas
aninha.

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Quem são os donos da terra?

▸ Severino chega numa


— Essa cova em que estás, com
terra fértil, mas palmos medida, é a conta menor
novamente se depara que tiraste em vida.
com a morte: o
problema não é a — É de bom tamanho, nem largo
natureza, mas a nem fundo, é a parte que te cabe
sociedade. deste latifúndio.
— Não é cova grande, é cova
medida, é a terra que querias ver
dividida.

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A morte é a mesma para todos?

— Eu também, antigamente, fui do subúrbio dos


▸ Severino descansa, indigentes, e uma coisa notei que jamais entenderei:
escutando a conversa essa gente do Sertão que desce para o litoral, sem
de dois coveiros. Na razão, fica vivendo no meio da lama, comendo os
conversa, percebe-se as siris que apanha; pois bem: quando sua morte
diferenças entre ricos e chega, temos de enterrá-los em terra seca.
pobres. — Na verdade, seria mais rápido e também muito
mais barato que os sacudissem de qualquer ponte
▸ Os coveiros falam dentro do rio e da morte.
sobre os retirantes que — O rio daria a mortalha e até um macio caixão de
chegam no litoral. água; e também o acompanhamento que levaria com
passo lento o defunto ao enterro final a ser feito no
mar de sal.

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3.
O desespero e a Esperança
Severino decide pela morte, mas presencia um
nascimento

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O retirante segue seu próprio enterro

E chegando, aprendo que, nessa viagem que eu fazia,


▸ Severino conhece o sem saber desde o Sertão, meu próprio enterro eu
carpinteiro José, com seguia. Só que devo ter chegado adiantado de uns
quem conversa sobre a dias; o enterro espera na porta: o morto ainda está
profundidade do rio. com vida.

A solução é apressar a morte a que se decida e pedir


a este rio, que vem também lá de cima, que me faça
aquele enterro que o coveiro descrevia: caixão macio
de lama, mortalha macia e líquida, coroas de
baronesa junto com flores de aninga, e aquele
acompanhamento de água que sempre desfila (que o
rio, aqui no Recife, não seca, vai toda a vida).

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Inicia-se o Auto de natal

▸ Uma mulher anuncia o


— Atenção peço, senhores, para esta breve
nascimento do filho de
leitura: somos ciganas do Egito, lemos a sorte
José. futura. Vou dizer todas as coisas que desde já
▸ Pessoas vão à sua casa posso ver na vida desse menino acabado de
entregar presentes para nascer: aprenderá a engatinhar por aí, com
a criança. aratus, aprenderá a caminhar na lama, com
goiamuns, e a correr o ensinarão os anfíbios
▸ Ciganas vindas do
caranguejos, pelo que será anfíbio como a gente
Egito leem a sorte da daqui mesmo.
criança.

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Intertextualidade – o Nascimento de Jesus (Lucas)

1Naqueles dias, César Augusto publicou um decreto ordenando o


recenseamento de todo o império romano. 2Este foi o primeiro
recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria. 3E todos iam
para a sua cidade natal, a fim de alistar-se. 4Assim, José também foi da
cidade de Nazaré da Galileia para a Judeia, para Belém, cidade de Davi,
porque pertencia à casa e à linhagem de Davi. 5Ele foi a fim de alistar-se,
com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho.
6Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, 7e ela deu à luz
o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura,
porque não havia lugar para eles na hospedaria.

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Intertextualidade – o Nascimento de Jesus

8Havia pastores que estavam nos campos próximos e durante a noite tomavam conta dos seus
rebanhos. 9E aconteceu que um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor resplandeceu
ao redor deles; e ficaram aterrorizados. 10Mas o anjo lhes disse: "Não tenham medo. Estou
trazendo boas-novas de grande alegria para vocês, que são para todo o povo: 11Hoje, na cidade de
Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor. 12Isto servirá de sinal para vocês: encontrarão o
bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura". 13De repente, uma grande multidão do
exército celestial apareceu com o anjo, louvando a Deus e dizendo: 14"Glória a Deus nas alturas, e
paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu favor". 15Quando os anjos os deixaram e
foram para os céus, os pastores disseram uns aos outros: "Vamos a Belém, e vejamos isso que
aconteceu, e que o Senhor nos deu a conhecer". 16Então correram para lá e encontraram Maria e
José e o bebê deitado na manjedoura. 17Depois de o verem, contaram a todos o que lhes fora dito
a respeito daquele menino, 18e todos os que ouviram o que os pastores diziam ficaram admirados.

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Intertextualidade – o Nascimento de Jesus (Mateus)

1Depois que Jesus nasceu em Belém da Judeia, nos dias do rei Herodes, magos vindos do oriente
chegaram a Jerusalém 2e perguntaram: "Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela
no oriente e viemos adorá-lo". 3Quando o rei Herodes ouviu isso, ficou perturbado, e com ele toda
Jerusalém. 4Tendo reunido todos os chefes dos sacerdotes do povo e os mestres da lei, perguntou-lhes
onde deveria nascer o Cristo. 5E eles responderam: "Em Belém da Judeia; pois assim escreveu o profeta:
6" 'Mas tu, Belém, da terra de Judá, de forma alguma és a menor em meio às principais cidades de Judá;
pois de ti virá o líder que, como pastor, conduzirá Israel, o meu povo' ". 7Então Herodes chamou os
magos secretamente e informou-se com eles a respeito do tempo exato em que a estrela tinha aparecido.
8Enviou-os a Belém e disse: "Vão informar-se com exatidão sobre o menino. Logo que o encontrarem,
avisem-me, para que eu também vá adorá-lo". 9Depois de ouvirem o rei, eles seguiram o seu caminho, e
a estrela que tinham visto no oriente foi adiante deles, até que finalmente parou sobre o lugar onde estava
o menino. 10Quando tornaram a ver a estrela, encheram-se de júbilo. 11Ao entrarem na casa, viram o
menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram
presentes: ouro, incenso e mirra. 12E, tendo sido advertidos em sonho para não voltarem a Herodes,
retornaram a sua terra por outro caminho.

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A vida vale a pena ser vivida
— Severino, retirante, mas se responder não pude mesmo quando é assim pequena
deixe agora que lhe diga: à pergunta que fazia, a explosão, como a ocorrida;
eu não sei bem a resposta ela, a vida, a respondeu mesmo quando é uma explosão
da pergunta que fazia, com sua presença viva. como a de há pouco, franzina;
se não vale mais saltar E não há melhor resposta mesmo quando é a explosão
fora da ponte e da vida; que o espetáculo da vida: de uma vida severina.
nem conheço essa resposta, vê-la desfiar seu fio,
se quer mesmo que lhe diga; que também se chama vida,
é difícil defender, ver a fábrica que ela mesma,
só com palavras, a vida, teimosamente, se fabrica,
ainda mais quando ela é vê-la brotar como há pouco
esta que vê, severina; em nova vida explodida;

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