Na última aula, vimos o estudo que Walter Benjamin faz de Marcel Proust e porque considera o obra de Proust como a preservação da experiência(Erfahrung) e da memória no mundo moderno. Veremos hoje o texto de Benjamin “Franz Kafka. A propósito do décimo aniversário de sua morte”. Benjamin analisa a obra de Kafka como o desaparecimento da experiência (Erfahrung) ou, antes, como o esquecimento. Material disponível para aula Introduzi no Canvas o powerpoint da aula, o texto de Walter Benjamin, “Franz Kafka. A propósito do décimo aniversário de sua morte”, publicado em 1936. Introduzi também três propostas para o trabalho de avaliação da disciplina. Introduzi também um texto de minha autoria – “As passagens da modernidade”, publicado nos anais do Colóquio Nacional “A morte da arte hoje”, Belo Horizonte: Laboratório de Estética da FAFICH/UFMG, 1983. Este texto será comentado hoje. Franz Kafka (1883-1924)
Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1883, em
Praga. Teve uma infância solitária, pois os pais passavam o dia inteiro na loja dos Kafka, e o menino era cuidado por uma governanta, uma cozinheira e uma empregada doméstica. Sua mãe era submissa, e seu pai era um homem de negócios, autoritário, que não apoiava a propensão de seu filho para a literatura e teve grande influência na obra do escritor — o conflito com o pai, um opressor, foi refletido em algumas de suas narrativas. Franz Kafka (1883-1924) Desde o início de sua vida, o escritor teve contato com tchecos e alemães, por isso dominava os dois idiomas. Assim, Hermann Kafka (1852-1931) matriculou seu filho na Escola Alemã para Meninos, que ficava perto de sua casa. O escritor estudou nessa instituição de 1889 a 1893, sendo aprovado com distinção. De 1893 a 1901, Kafka frequentou a Escola Secundária Alemã. Nela ele teve uma formação humanista e completou os três primeiros anos com distinção. Em seguida, seu rendimento decaiu, passando, inclusive, a apresentar dificuldade em matemática. Franz Kafka (1883-1924)
Entre 1901 e 1906, ele estudou na Universidade
Alemã de Praga. Optou por fazer Química, mas transferiu-se para o Direito duas semanas depois. Durante o curso, buscou estudar também filosofia e história da arte. Devido à forte perseguição antissemita, Kafka, como judeu, teve certa dificuldade em entrar para o serviço público. Então profissões liberais, como a de médico e advogado, eram a melhor opção. Ele recebeu o diploma de Direito em 18 de junho de 1906. Foto de Franz Kafka, feita por Sigismund Jacobi (1860-1935), provavelmente em 1906. Franz Kafka (1883-1924) Trabalhou na Companhia de Seguros Assicurazioni Generali, por um breve período, de 1º de outubro de 1907 a 31 de julho de 1908, e, durante 14 anos, de 30 de agosto de 1908 a 1º de julho de 1922, trabalhou no Instituto de Seguro de Acidentes de Trabalho, que, parcialmente estatal, empregava pouquíssimos judeus. Ali Kafka teve uma carreira bem-sucedida, com promoções. No entanto, recebeu uma aposentadoria antecipada, devido a seus problemas de saúde. Kafka, assim como tantos escritores, não pôde dedicar-se exclusivamente à literatura, o que lhe provocava muita angústia. Franz Kafka (1883-1924)
Em 1902, o escritor conheceu Max Brod (1884-
1968). Este era seu melhor amigo e, por isso, foi a principal fonte para a posterior construção de sua biografia, além de ter sido o principal responsável pela divulgação da sua obra. Assim, ignorou o último desejo do amigo, que, em testamento, pedia para ele destruísse suas obras não publicadas. Max Brod fez o oposto e, após a morte de Kafka, começou a publicar seus textos. Walter Benjamin
Benjamin, ajudado por Grete Karplus Adorno deixou
a Alemanha no dia 18 de março de 1933. Foi um dos cerca de 60 mil alemães que, durante o ano de 1933, se viram forçados a partir para o exílio. Inicialmente foi para Paris. De lá escreveu a Scholem descrevendo a atmosfera de terror que se criara na Alemanha. Em seguida, para economizar dinheiro, deixou Paris, onde a vida era muito cara e foi para Ibiza, no arquipélago espanhol de Baleares, onde a vida era mais barata.
Walter Benjamin Para sobreviver, escreveu durante algum tempo artigos que eram enviados para a Alemanha, onde eram publicados sob pseudônimo. Em 1932, havia escrito "Infância berlinense em torno de 1900". A escolha do tema era, de certo modo, uma reação ao quadro de crise, uma volta às raízes, uma busca de reforço para o sentido que a vida devia ter. Um exame do texto, entretanto, mostra que a explicação psicológica é insuficiente: o tema da infância correspondia a uma necessidade teórica do aprofundamento da reflexão de Benjamin sobre a história. • Walter Benjamin
Benjamin queria que o historiador partisse de seu
condicionamento presente para investigar o passado. Mas queria ainda mais: que a matéria do passado jamais passasse por "neutra". Precisamos sentir, concretamente, que a nossa relação com o passado só ser verdadeira se mexer conosco, se estivermos nos dando conta de que aquele passado nos concerne, tem algo de nós. Todo passado está carregado de possibilidades de futuro que se perderam e que teriam (ou têm?) para nós uma significação decisiva: Benjamin sublinhava a importância desse "futuro do pretérito" na rememoração histórica. Walter Benjamin Peter Szondi tinha razão quando observou a diferença entre Benjamin e Proust: enquanto o escritor francês recuperava o autêntico significado do que aconteceu, o crítico alemão estava permanentemente atento para o que poderia ter acontecido. "O tempo perdido de Benjamin não é o passado, mas o futuro." A grande dificuldade para o historiador está em farejar os sonhos, as aspirações, os movimentos subjetivos voltados para o porvir que não chegaram a se expressar em realidades objetivas duradouras, embora estivessem prenhes de significação histórica. Walter Benjamin
É aí que o tema da infância assumia um papel
fundamental: cada um de nós tem a possibilidade de rememorar a sua própria infância, que é uma história que lhe é íntima, que pode lhe abrir segredos preciosos, que pode funcionar como um centro especial de treinamento para o sujeito desenvolver a sua sensibilidade e sua capacidade de resgatar significações obscurecidas que ficaram no passado. A ideia da infância se acha no centro da concepção benjaminiana de história. Walter Benjamin e Kafka
Na primeira carta que Benjamin mandou de Ibiza
para Scholem, falava do autor tcheco, objeto de uma admiração antiga, que aumentava com a devastadora experiência que lhe estava sendo imposta. A situação criada pela ascensão de Hitler ao poder parecia confirmar aquilo que Kafka tinha pressentido em sua literatura: "A obra de Kafka é profética", escreveu Benjamin. Walter Benjamin e Kafka
Ele desenvolveu a sua interpretação de Kafka em
oposição à exegese predominante, quer dizer, divergindo dos comentários de Max Brod. "Meu esforço de aproximação de Kafka - um esforço que não é de hoje, nem de ontem - me levou a trilhar caminhos que são diferentes dos da recepção em certa medida 'oficial' que os trabalhos dele têm tido". Walter Benjamin e Kafka No ensaio que dedicou a Kafka em 1934, no décimo aniversário de sua morte, Benjamin comparou, de passagem, o escritor tcheco com o autor do inesquecível História e consciência de classe: "Lukàcs pensa em períodos históricos. Kafka pensa em períodos cósmicos." Essa comparação enfatiza os ritmos lentos dos fenômenos humanos que interessam a Kafka: o que a sua literatura representa é a alienação do trabalho, por exemplo, algo que vem de longe, que remonta ao aparecimento da escravidão e à origem das classes sociais. Walter Benjamin e Kafka
O adjetivo "cósmico" talvez valha como metáfora
da "longue durée" a que se referia o historiador Fernand Braudel. Há processos que se realizam, na história, muito lentamente, numa ação que custa a ser percebida. Não se podem comparar, digamos, o ritmo das crises econômicas e políticas no capitalismo com os ritmos da história da família e da burocracia. A atenção de Kafka se concentra, não há dúvida, nesses últimos. Walter Benjamin e Kafka
E Benjamin observa: "Há muitos indícios de que o mundo
dos funcionários e o mundo dos pais são idênticos para Kafka." No poder dos pais como no dos funcionários está presente uma capacidade misteriosa de amedrontar e tornar perplexos os seres sobre os quais o poder se exerce: os que mandam possuem códigos, mas os que recebem as ordens não podem conhecer os princípios em que tais ordens se baseiam e se sentem regidos por normas mais ou menos inapreensíveis. A literatura de Kafka está voltada para a origem desses fenômenos. Benjamin, em Ibiza, identificava-se fortemente com o espírito de Kafka. Walter Benjamin e Kafka
Benjamin comparava os relatos de Kafka às
haggadah ( Dicionário Houaiss: relato de libertação dos judeus do cativeiro egípcio, sob a liderança de Moisés, acrescido de comentários, cantos e orações, que se lê na celebração familiar que inicia o Pessach; etim. Heb, lenda, fábula, conto, homilia) dos judeus, isto é, às histórias dos rabinos, que valem como ilustração e confirmação da doutrina primeva: a halacha ( Dicionário Houaiss: tradição legalística do judaísmo, que geralmente se confronta com a teologia, a ética e o folclore). Walter Benjamin e Kafka
Mas, em que consistia, na literatura kafkiana, a
doutrina que estava sendo ilustrada e confirmada? Na realidade, essa doutrina jamais se definia. Um ou outro textos pareciam aludir a pontos doutrinários, porém os leitores nunca chegavam a saber se estavam referidos a uma velha Halacha que estava sendo restaurada ou a uma nova doutrina que estava sendo antecipada. Walter Benjamin e Kafka
Na medida em que faltava à ficção kafkiana esta lei
precisa e luminosa que seria capaz de se expressar através de símbolos cristalinos, não tinha sentido abordá-la como se ela fosse o apêndice de uma construção teológica. E era em torno desse ponto que Benjamin se contrapunha, energicamente, à recepção "oficial" de Kafka por Max Brod, insistindo no fato de que o escritor tcheco não era o fundador de uma nova religião e não devia ser transformado numa nova espécie de santo. Walter Benjamin e Kafka
Na opinião benjaminiana, a literatura de Kafka não
tinha nada de "edificante": Kafka era visto como um espírito inquieto, profundamente insatisfeito, que não se dispunha a se apoiar em doutrina alguma e que se insurgia contra uma alienação que ele mesmo não sabia se poderia vir a ser superada um dia. A escala "cósmica" que lhe servia de referência permitia-lhe enxergar o "avesso da história". Walter Benjamin e Kafka
Do seu ângulo particular - escreveu Benjamin -
"Kafka rola o bloco do processo histórico, como Sísifo rola o seu rochedo. Nesse movimento, o lado de baixo desse bloco se torna visível. Não é um espetáculo agradável. Mas Kafka consegue suportar essa visão." Walter Benjamin e Kafka
No verão de 1934, Benjamin fez uma longa visita à
casa de campo de Bertolt Brecht, em Svendborg, na Dinamarca. Benjamin entregou a Brecht o seu manuscrito sobre Kafka. Brecht fez fortes ressalvas ao estilo episódico do ensaio e ao próprio Kafka, em cuja obra encontrou "algumas coisas bastante úteis", perdidas em meio a uma selva de "obscurantismo". Walter Benjamin e Kafka
Benjamin então abriu ao acaso o seu exemplar dos
contos completos de Kafka, parando numa pequena história intitulada "A próxima aldeia" em um capítulo daquilo que Benjamin chamaria "um longo e violento debate sobre o meu Kafka". Eis o texto de Kafka que os dois discutiram: Walter Benjamin e Kafka
"Meu avô“ costumava dizer: “A vida ‚ incrivelmente
curta. Quando olho para trás, a vida me parece tão curta, que mal consigo entender, por exemplo, como um jovem pode ir até‚ a próxima aldeia, sem ter medo que - mesmo sem sofrer nenhum acidente - nem a extensão normal de uma vida feliz seja o bastante para completar a viagem.“ Walter Benjamin e Kafka
Tanto Brecht quanto Benjamin apresentaram
interpretações surpreendentes para esse pequeno quebra-cabeças parabólico A interpretação que Benjamin faz da parábola retoma uma implicação do texto que foi ignorada por Brecht, e a relaciona de forma peculiar, mas reveladora, a uma de suas preocupações básicas: Walter Benjamin e Kafka
"Dou a seguinte interpretação: a verdadeira medida
da vida é a memória. Retrospectivamente, ela atravessa a vida com a velocidade de um raio. Com a mesma rapidez com que se voltam algumas páginas, ela já recuou da próxima aldeia, para o ponto em que o visitante decidiu partir. Aqueles cujas vidas se transformaram numa escrita, como os velhos, gostam de ler esta escrita apenas para trás. Só assim eles se encontram consigo mesmos, e só assim - fugindo do presente - a sua vida pode ser compreendida." Walter Benjamin e Kafka
A grande intuição de Benjamin a respeito de Kafka,
que podemos perceber não só aqui, mas também em outros lugares, é que mesmo as suas aparentes abstrações estão moldadas sobre o arcabouço de uma intensa experiência concreta. Ao contrário de Proust, Kafka raramente apresenta uma personagem em pleno ato de relembrar, mas a dimensão implícita da memória - pessoal, cultural e racial - é crucial na sua obra. Walter Benjamin e Kafka
No nível da análise mais simples, "A próxima aldeia"
indica que quanto mais velhos ficamos, maior fica a nossa memória, e o tempo parece passar mais depressa, até‚ chegar a um ponto que o avô “mal consegue imaginar uma quantidade de tempo suficiente - "a vida me parece tão curta" - para se realizar uma viagem tão breve: apenas as ilusões da juventude fazem com que o jovem viajante pense que há tempo o bastante para chegar ao seu destino. Walter Benjamin e Kafka
Benjamin, no entanto, ao reparar na ligação que o
avô “estabelece entre a sensação de vida ser curta e o ato de olhar para trás", chama a atenção para o fato de que o impulso da lembrança, rápido como um raio, afasta-nos do nosso ponto de chegada, orientando-nos de volta para o ponto de partida: é só ai que o verdadeiro "eu" pode ser descoberto. Walter Benjamin e Kafka
Esta ideia domina todo o mundo conceitual de
Benjamin e está no fundo da leitura que faz de Kafka e de Proust, de sua visão de história e tradição, e de suas discussões sobre o narrador e o declínio da aura sendo finalmente assumida na meditação sobre o Angelus Novus de Klee. O que é singular em sua análise é que ele tenha associado essa ideia à escrita, ou melhor, à transformação da vida em escrita, coisa que não é sequer insinuada como imagem, ou como tema, no texto de Kafka. Walter Benjamin e Kafka A escrita exercia uma influência tão peculiar sobre o pensamento de Benjamin, que ela logo deixa de ser uma simples metáfora, para assumir um valor de verdade na interpretação que ele faz do texto de Kafka. A leitura da palavra escrita é introduzida como uma alegoria do rápido movimento para trás da memória, mas logo a seguir ela se transforma numa afirmação literal a respeito da situação das pessoas de idade: a vida delas se torna uma escrita, que só pode ser decifrada corretamente se lida de trás para frente, até‚ chegar ao começo. Walter Benjamin e Kafka Se Benjamin coloca sobre a frágil estrutura de "A próxima aldeia" uma carga de significado maior do que ela pode carregar, é porque o passado e o futuro, que são obviamente as antíteses temáticas da parábola estão em constante tensão em seu pensamento. Como Scholem e Kafka ele era fascinado pelo passado, não apenas pela maneira como ele se desenvolveu de forma dinâmica até o presente (apesar de esse ser um de seus interesses básicos), mas também pelo fato de representar um caminho tortuoso até as origens arcaicas. Walter Benjamin e Kafka
Essa tentativa de retorno às origens era uma
expressão básica de uma rebelião contra o patrimônio burguês alemão. O conceito cultural que orientava este legado era a ideia de Bildung - uma educação moral e estética gradual, que respondia às exigências de uma disciplina social sempre voltada para o futuro, e que tem em vistas a pessoa de sucesso que o homem culto tem o potencial de se tornar. Walter Benjamin e Kafka
Benjamin e Scholem já estavam preocupados com
o ponto de partida duas décadas antes. A linha de pensamento que os dois adotaram - Scholem no próprio material que estudava e Benjamin como uma espécie de modelo para a organização da temporalidade - seguia a estrutura imanente da tradição judaica. Walter Benjamin e Kafka
Tudo se originaria no momento fulgurante da
revelação, que se reproduz ao longo dos tempos através de vários reflexos e refrações da exegese. Todo este sistema está centrado num grande ponto de origem. Até mesmo o processo de redenção que é um elemento vital da tradição, é uma projeção para o futuro do relato do Éden, contido na revelação. Walter Benjamin e Kafka
Essa orientação em direção ao passado é diferente
do mito grego de uma idade de ouro, pois o seu momento crucial não se encontra no mito do Éden, e sim no evento dinâmico da revelação, que coloca desafios constantes para as gerações posteriores, fazendo que elas procurem elaborar e absorver o seu significado através de um processo contínuo de interpretação. Walter Benjamin e Kafka
Uma prova profunda da integridade criativa de Kafka é o
fato dele representar essa profunda preocupação com as origens sem o menor sinal de nostalgia. É possível ilustrar essa afirmação através de duas de suas parábolas: uma que lida com a ideia de revelação e outra de interpretação. "Uma mensagem imperial", escrita em 1917, parece uma parábola midrashista ( Houaiss: interpretação não literal de textos bíblicos) clássica, ou uma mashal ( pequena parábola com lição moral ou alegoria religiosa)ao estabelecer, ainda que implicitamente, uma analogia entre a monarquia terrestre e o rei celeste. Walter Benjamin e Kafka
O Imperador, em seu leito de morte, sussurra a um
de seus emissários uma mensagem que, como acontece com toda revelação (no sentido espiritual do termo) ‚ "destinada somente a você". A narrativa da parábola à primeira vista, parece se concentrar em aspectos espaciais. No centro está o Imperador, no meio de seus palácios concêntricos, cercado pela luminosa insígnia solar de seu reino; na periferia, "escondendo-se na distância mais remota", está a sujeito para quem a mensagem é destinada. Walter Benjamin e Kafka O mensageiro imperial inicia a sua viagem do interior para o exterior, passando por escadarias, corredores e pátios que se multiplicam ao infinito, e que, por sua vez, estão cercados pelo burburinho e pela multidão agitada da capital. Quando a parábola chega ao fim, a impossibilidade de se entregar a mensagem não é mais representada apenas no espaço, mas também pelo tempo: o mensageiro segue o seu caminho labiríntico através de infinitos palácios e pátios e, "e assim por milhares de anos", levando uma mensagem "de um homem morto" que ele nunca conseguirá entregar. Walter Benjamin e Kafka
A enorme importância da mensagem nunca é questionada -
afinal, ela fora enviada pelo próprio Imperador, e não era destinada a ninguém além de "você”, que ouve a história. No entanto, esta parábola descreve uma revelação anunciada, mas não consumada.Você realmente precisa da mensagem, sem a qual acabará por definhar, mas jamais irá recebê-la. E ao contrário da mashal do rei da midrash rabínica, esta história ficcional faz um jogo niilista com o seu referencial teológico, pois a mensagem eternamente retardada não parte de um Deus vivo, e sim como descobrimos com um choque no final da penúltima frase, de um homem morto. Walter Benjamin e Kafka
"A mensagem imperial", então, mostra como Kafka
estava ligado ao processo da tradição - sempre voltado para um momento dominante e revelatório do passado - sem, no entanto, permitir-se a segurança e o conforto oferecidos pela tradição.
Franz Kakfa. "O novo advogado”
“ Temos um novo advogado, o doutor Bucéfalo. Pelo seu
aspecto não lembra nada os tempos em que era ainda cavalo de batalha da Alexandre da Macedônia. Todavia, chamaria a atenção de qualquer homem avisado. Vi mesmo outro dia um simples meirinho seguir com estupefação, com o seu olhar experiente de pequeno camponês, o advogado no momento em que este, erguendo as pernas bem alto, fazia ressoar o mármore sob os seus passos, subindo um a um os degraus do palácio da justiça. Franz Kakfa. "O novo advogado”
De modo geral, a Ordem aprova a admissão de Bucéfalo.
Com uma admirável compreensão dizem que Bucéfalo, no ordenamento atual da sociedade, tem uma situação difícil e que justamente por esta razão, bem como por causa de sua importância na história universal, merece um acolhimento condigno. Hoje - quem o negará? - já não existe nenhum Alexandre, o Grande. Ainda se sabe assassinar: mantém-se a destreza em atingir com a lança um amigo do outro lado da mesa de banquete; muita gente há que acha também ser a Macedônia demasiado estreita, de sorte que amaldiçoa Felipe, o pai. Franz Kakfa. "O novo advogado”
Mas ninguém sabe o caminho para as Índias. Já no tempo
de Alexandre, as portas das Índias estavam fora de alcance, mas ao menos o gládio (espada curta e de dois gumes) do rei mostrava o caminho. Hoje as famosas portas foram transportadas para bem mais longe e para bem mais alto. Ninguém indica o caminho. Muita gente tem gládios, mas somente para os brandir: perde-se o olhar que os queira seguir. Franz Kakfa. "O novo advogado”
Em verdade, tudo bem considerado, o melhor é talvez, à
semelhança de Bucéfalo, mergulhar nos livros de direito. Livre, os flancos libertos das esporas dos cavaleiros, junto à lâmpada passível, longe dos rugidos da batalha de Alexandre, ele lê e passa as folhas dos nossos livros antigos. "O novo advogado" que confronta de maneira mais explícita o presente com o passado, e que lida com a exegese ao invés da revelação, converte a desarticulação recente da tradição numa comédia do absurdo. Franz Kakfa. "O novo advogado”
O advogado do título ‚ o Dr. Bucéfalo - o famoso cavalo de
Alexandre, o Grande - transformado em membro do tribunal e estudante da lei. Muita coisa mudou, observa o narrador, desde os tempos antigos, quando um herói podia sonhar em conquistar todo o mundo conhecido. "Hoje em dia, não se pode negar, não existe mais nenhum Alexandre, o Grande". Pode haver ainda muitas espadas erguidas nesse mundo de divisões e de traições mesquinhas, mas não existe mais ninguém que possa chefiar o caminho para as Índias.
Franz Kakfa. "O novo advogado”
Bucéfalo não pensa mais em disputas armadas, nem na
luta pelo império. "Sob a plácida luz de uma lâmpada, com os flancos já desacostumados, com as pernas de um cavaleiro, livre, e longe do clamor da batalha, ele lê e vira as páginas dos nossos livros antigos.“ Esta imagem final transmite a sensação de uma discrepância triste e inevitável. Os grandes atos do passado não podem mais ser repetidos. De fato, talvez seja melhor que eles sejam deixados de lado, pois esta referência poderia acarretar no abandono do domínio da espada, em troca do menos excitante - mas mais civilizado domínio da lei. Franz Kakfa. "O novo advogado”
Se a lei deve ser aplicada, é preciso estudá-la e
compreendê-la com cuidado, e é isto que Bucéfalo procura fazer no final da parábola. No entanto, a imagem do advogado quadrúpede virando as páginas dos livros com as patas dianteiras ‚ um pouco risível, e não inspira muita confiança. Afinal, o que este velho cavalo poderia entender de nossas leis antigas? Mesmo que a mensagem imperial chegasse até‚ nós, seriamos capazes de entender o seu significado?” Franz Kakfa. "O novo advogado”
Benjamin viu no bizarro jurista Bucéfalo um
emblema do mundo pós-tradição de Kafka. "O caminho para a justiça é o aprendizado", ele observa no final do ensaio sobre Kafka, reproduzindo uma ideia central do judaísmo rabínico, agora aplicada especificamente a Bucéfalo. Franz Kakfa. "O novo advogado” Ele reconhece, no entanto, que os valores e os costumes tradicionais sofrem aqui uma transfiguração profunda, e provavelmente irreversível: "E, no entanto, Kafka não se atreve a ligar a este aprendizado às promessas que a tradicão incorporou ao estudo do Torá (a lei mosaica, livro que contém essa lei, isso é, as escrituras religiosas judaicas e conhecido como Pentateuco). Os professores que descrevem o conto são sacristãos que perderam a sua casa de oração, e os alunos são estudantes que perderam a sua escritura sagrada." Franz Kakfa. "O novo advogado”
Benjamin era fascinado pela ideia da revelação,
pela ideia tipicamente judaica da verdade como escritura. O cerne de seu pensamento a respeito da revelação era o conceito de aura, que estudou ao longo dos últimos 11 anos de sua vida. Franz Kakfa. "O novo advogado”
Mas Benjamin pensava na aura basicamente em
termos temporais: um objeto imaginado adquire um valor sobrenatural, próximo ao sagrado, pois está enraizado na memória. Assim, no ensaio sobre Baudelaire, ele define a aura como "as associações que, habitando a mémoire involuntaire tendem a se agrupar em torno do objeto da percepção." O principal palco de atuação da aura seria, portanto, a consciência individual, e não a experiência histórica ou coletiva. Franz Kakfa. "O novo advogado”
Há, no entanto, diversas analogias estruturais entre
a definição de aura em Benjamin e a imagem do Sinai envolto em raios e trovões, concebido pela tradição judaica como palco das revelações. Em ambos os casos, a potência da verdade se encontra no passado, e tem que ser captada, ou "recuperada", deste passado (da mesma maneira que Benjamin concebe a memória, em "A próxima aldeia", correndo como um raio em direção a um ponto de origem revelador). Franz Kakfa. "O novo advogado”
Além disso, a verdade e os valores da tradição se
manifestariam através de sua irrupção no âmbito do mundano, e não seriam ditados pela vontade humana - Benjamin não associa a aura à memória pura e simples, mas sim à memória involuntária, que surge do inconsciente. • Além disso, tudo aquilo que é lembrado desse modo torna-se uma espécie de manancial semântico inesgotável, produzindo um número infinito de significados. "Pois um evento vivido ‚ sempre finito", declara Benjamin no ensaio sobre Proust, "pelo menos se ele for confinado a uma única esfera da experiência; um evento relembrado é infinito, pois ‚ apenas uma chave para tudo aquilo que aconteceu antes e depois dele". • O que se conclui desta ênfase na forma epifânica da memória é que a experiência estética em geral é, antes de tudo, o mais forte e sutil instrumento mnemônico criado pela cultura. • • Benjamin obviamente acreditava que a memória daquilo que está oculto no ventre do tempo podia se manifestar de diversas maneiras, mas a única que lhe era acessível pessoalmente era a experiência estética, que ele tendia a associar à percepção do dejá vu - a parte que toca ao receptor, digamos do fenômeno da aura. Passagens de Paris
No século XIX construíram-se em Paris cerca de 150
passagens. As passagens eram anteriormente espaços intermediários entre as ruas. Com a nova iluminação a gás, o espaço urbano de Paris torna-se mais seguro. As passagens ocupam os espaços intermediários e sua arquitetura de ferro e vidro abriga instalações e lojas elegantes para o lazer da burguesia da época. Galerie Vivienne, Paris século XIX As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade As passagens da modernidade