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Seção Rio Grande do Sul

RAFAELA ROJAS BARROS. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões na PUCRS e Advogada na mesma área - Clóvis Barros
Advogados. Endereço profissional: Rua Padre Chagas 66/508. Bairro Moinhos de Vento. CEP – 90570-080. Porto Alegre. Fone - 51.
3346.5026 e 9861.8891. E-mail: rafaela@clovisbarros.adv.br.

Trata-se o feminicídio de um crime cultural motivado por


discriminação de gênero. É o assasinato de mulheres em razão de Apesar de nossa sociedade sofrer diariamente constantes modificações e avanços, as
iniciativas em prol da mulher ainda são muitíssimo recentes. Em virtude desse
serem mulheres. O conceito de gênero, homem e mulher, faz-se emergente problema social, objetivou-se analisar a violência doméstica e familiar, sob
imprescindível no estudo da vitimização e crimes contra as mulheres os aspectos sociais, jurídicos e culturais. Hodiernamente, essa se manifesta de forma
no Brasil. mais intensa no indivíduo em posição de vulnerabilidade e discriminação, como é o
Essa triste realidade ocorre tanto no âmbito doméstico e familiar caso das mulheres, até em razão de a sociedade do Código Civil de 1.916, marcada
quanto fora de casa e na maioria dos casos o assassinato é resultado pelo conservadorismo e patriarcalismo, ainda “respingar” em nossa cultura e
sociedade atual. Faz-se, assim, imprescindível recorrer-se a instrumentos capazes de
de uma sucessão de violências, assédios, estupros e incontáveis combater toda espécie de violência.
violações, de ordem física e moral.
Logo, reconhecer o feminicídio como um fenômeno específico, Dessa maneira, apresentar-se-á traços de uma realidade presente no contexto
merecedor de devido tratamento legal, significa também dar nome ao brasileiro, pretendendo-se desmistificar as posições contrárias à Lei 13.104, de
produto da violência de gênero. 09/03/15, que alterou o art. 121 do Código Penal, prevendo o feminicídio como
circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de
O julgamento do crime deve se dar sob prisma diferenciado, pois, 25/07/90, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos, demonstrando com
para tal tema, é necessário, no mínimo, sensibilidade e conhecimento base em uma breve explanação histórica, a realidade da mulher brasileira, as
histórico da evolução da mulher pelo Julgador, de modo que o consequências provenientes da publicação da lei, bem como sua verdadeira função
feminicídio não seja minimizado de forma alguma. social.

MÉTODO DE ABORDAGEM
Adotou-se como modelos procedimentais para a melhor dissertação do presente artigo os seguintes métodos de
abordagem teórica do conhecimento: dedutivo; dissertativo; histórico; dialético e comparativo.
TÉCNICAS DE PESQUISA
A fim de alcançar os objetivos propostos e colecionar de maneira ampla todo o conteúdo constante nos suportes
tangíveis, utilizou-se as seguintes técnicas de pesquisa: revisão teórico-bibliográfica; coleta de jurisprudência;
análise de conteúdo de argumentos jurisprudenciais.

A fim de possibilitar o exame ordenado da matéria tratada, imperiosa a análise – ainda que sucinta – do conceito de feminicídio e de homicídio, na medida em que aquele é um crime cultural motivado por discriminação de gênero para, somente após, explorar o
objeto deste artigo, qual seja dar a devida atenção à vitimização e crimes contra as mulheres no Brasil e analisar suas consequências no âmbito doméstico.
A Lei nº. 13.104/15 previu no artigo 121, inc. VI, § 2º-A, o feminicídio, como circunstância qualificadora do crime de homicídio. O feminicídio ocorre contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. Considera-se que há razões de condição de sexo
feminino quando o crime envolve violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
No Brasil, comparativamente, o advento da Lei Maria da Penha sofreu forte discriminação, porém houve diminuição no índice de violência contra a mulher. Constata-se, portanto, a necessidade de criação de institutos, que, conectados a movimentos outros, como,
por exemplo, o de inserção do homicídio contra a mulher por razões de gênero tanto no Código Penal, como na Lei de Crimes Hediondos, além de apoio multidisciplinar, assistência social, saúde, educação, ajuda psicológica, iniciativas públicas de
conscientização social, dentre outros, nos leva a repensar sobre essas e outras situações do cenário brasileiro.
Atentos a essa realidade, passa-se a considerar os dados alarmantes de diversos tipos de violência contra a mulher em nosso País, para, assim, nos conscientizarmos de que somos capazes de mudar nossa postura perante a sociedade e como operadores do
Direito, bem como este cenário discriminatório que, na sua forma mais intensa, culmina na morte destas mulheres.
A Lei evidencia a existência de diversos tipos de violência às quais as mulheres são submetidas por sua condição de mulheres, além de revelar que essa realidade deve ser combatida pelo Estado e que a noção de igualdade prevista pela CF/88 deve
acompanhar a realidade, na medida em que na prática as mulheres ainda sofrem diversas restrições no exercício dos direitos elencados e garantidos pela Constituição Federal. Portanto, nada justifica tratamento diferenciado a pessoas em situações
absolutamente similares apenas em razão de sexo.
Essa diferenciação, fruto histórico da dominação do homem sobre a mulher, faz com que essa lei seja não inconstitucional e retrógrada como afirmado por alguns, mas sim necessária, devendo ser exercida sob o prisma da realidade social, reconhecendo as
diferenças e as desigualdades históricas entre homens e mulheres.
O tratamento desigual despendido pela legislação, mais precisamente na Justiça do Trabalho, apenas se justifica quando o intuito é o de eliminar as desigualdades existentes.
Ou seja, é o Direito que deve acompanhar a realidade dos fatos e não o contrário, proibindo-se, desse modo, o retrocesso social e sem esquecer da importância de atentar para as pesquisas mundiais, as quais apontam que metade de todas as mulheres vítimas
de homicídio é morta pelo marido e/ou parceiro e, no mais das vezes, dentro do próprio lar.
O fenômeno é global, ocupando o Brasil o sétimo lugar dentre oitenta e quatro países com a maior taxa de morte de mulheres. Dos relatos de violência feitos à Central de Atendimento à mulher, 33% afirmam existir uma situação de risco à vida da vítima, e 68,8%
das mortes ocorrem no âmbito doméstico.
Ou seja, as barbáries contra as mulheres brasileiras ocorrem por pessoas com quem estas mantém relações de afeto, como cônjuges, namorados, parceiros, ex-parceiros. E a violência não para por aí! Segundo o IPEA, entre 2001 e 2011 ocorreram mais de 50
mil feminicídios no Brasil.
Os casos, porém, são em sua maioria omitidos, de modo que se revelam alarmantes de maneira silenciosa.
A rejeição imediata às leis de gênero obstaculiza a superação do machismo e patriarcalismo, podendo tornar comum uma violência real.
Especialistas contrários à lei afirmam que sua criação é exagerada, ineficaz, e que não existe razão para sua existência, além de excluir os transexuais e transgêneros (como se sua criação representasse uma espécie de discriminação/ agressão ao princípio da
igualdade).
Ainda, dizem ser a criação da lei inconstitucional quando abrange na classificação da violência doméstica, insultos, humilhações, chantagens, entre outros; porque estar-se-ia fornecendo tratamento diferenciado a mulheres, visto atingir a todos esses tipos de
violência.
Este entendimento, porém, acaba por ser um despropósito, pois, se o homem tem esta posição privilegiada pelos costumes sociais, assim também deve ter a mulher por força da lei, para a concretização do princípio da igualdade. Além do mais, se faz
extremamente compreensível a criação de instrumentos capazes de cessar e/ou diminuir o sofrimento da mulher.
Defensores da Lei sustentam que ela se faz necessária por ser mais uma das garantias de direitos a boa parte das mulheres, que diante do histórico brasileiro, tem, até mesmo, dificuldade de acesso à Justiça. É mais iniciativa positiva que avança e tipifica a
intolerância do Brasil para com a violência de gênero, de modo a atuar de forma diferenciada no combate a essa realidade.
Assim, não há que falar que a inclusão do feminicídio no Código Penal seja inconstitucional, uma vez que não é contrária ao princípio da igualdade, mas busca, justamente, promover uma maior efetivação desse princípio, representando um passo na busca pela
igualdade.
Além disso, já existem políticas internacionais com base em ações positivas para solucionar o problema da violência de gênero, de modo que o poder público, portanto, deve reconhecer as desigualdades de gênero e o princípio da igualdade deve ser visto diante
das circunstâncias concretas da vida.
A criação da lei retira a invisibilidade desse crime tão frequente e sua criação, aliada a políticas públicas outras, fazem com que propostas, estratégias e prioridades, aprimorem-se.
É certo que a simples vigência de novos institutos jurídicos não possui o condão de alterar esta realidade de estatísticas tão alarmantes. Porém, em termos preventivos, é imperioso que tais mudanças sejam acompanhadas de políticas públicas, a fim de que se
possibilite o aprofundamento das transformações necessárias para o combate à violência contra a mulher, comemorando cada nova conquista para que se atinjam maiores níveis de convivência social, erradicando-se por completo a violência de gênero contra as
mulheres.

Sabendo que vivemos em uma sociedade onde a cultura da violência é generalizada e que este é um tema atual não só para os penalistas, mas
também para os operadores de Direito de Família, conclui-se que diante do contexto apresentado, a Lei 13.104/15 não é inconstitucional e não está
"tratando bens jurídicos idênticos (vida humana) de maneira desigual“. Pelo contrário, busca justamente promover uma maior efetivação do princípio da
igualdade, seguindo a tendência mundial.
Ainda que não seja uma medida de prevenção ao crime, serve, no mínimo, como uma maneira de combate à impunidade e como forma de tipificação
com valor simbólico frente à sociedade brasileira contra essa conduta considerada repugnante. Se atrelada a um conjunto articulado de ações da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de ações não governamentais, apresenta-se a lei como uma relevantíssima ferramenta no
combate e preservação da vida do sexo feminino. Vida esta que está constantemente em perigo. Sim, e pelo simples de se tratar de mulher!

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BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 20 ago. 2015.
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