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A COROA E AS ASAS

Esta Foto de Autor Desconhecido está licenciado em CC BY-SA


• Comentava-se, na reunião, as glórias do saber, quando o Cristo, para ilustrar a palestra, contou,
despretensioso: - Um homem amante da verdade, informando-se de que o aprimoramento
intelectual conduz à divina sabedoria, atirou-se à elevação da montanha da ciência, empenhando
todas as forças que possuía no decisivo cometimento.

A vereda era sombria qual obscuro labirinto; contudo, o esforçado lidador, olvidando dificuldades e


perigos, avançava sempre, trocando de vestuário para melhor acomodar-se às exigências da
marcha.

De tempos a tempos, lançava à margem da estrada uma túnica que se fizera estreita ou uma
alpercata que se lhe afigurava inservível, procurando indumentária nova, até que, um dia, depois
de muitos anos, alcançou a desejada culminância, onde um representante de Deus lhe surgiu ao
encontro.

O emissário cumprimentou-o, abraçou-o e revestiu-lhe a fronte com deslumbrante coroa de luz.

Todavia, quando o vencedor do conhecimento quis prosseguir adiante, na direção do Paraíso,


recomendou-lhe o mensageiro que voltasse atrás dos próprios passos, a ver o trilho percorrido e
que, de sua atitude na revisão do caminho, dependeria a concessão de asas com que lhe seria
possível voar ao encontro do Pai Eterno.

O interessado regressou, mas, agora, auxiliado pela fulgurante auréola de que fora investido, podia
contemplar todos os ângulos da senda, antes inextricável ao seu olhar.

Não conteve o riso, diante das estranhas roupagens de que os viajores da retaguarda se vestiam.

Aqui, notava uma túnica rota; acolá, uma sandália extravagante.


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• Peregrinos inúmeros se apoiavam em bordões quebradiços, enquanto outros se
amparavam em capas misérrimas; entretanto, cada qual, com impertinência
infantil, marchava senhor de si, como se envergasse a roupa mais valiosa do mundo.

O vencedor da ciência não suportou as impressões que o quadro lhe causava e abriu-


se em frases de zombaria, reprovando acremente a ignorância de quantos seguiam
em vestes ridículas ou inadequadas.

Gritou, condenou e fez apodos contundentes.

Dirigiu-se à comunidade dos viajantes com tamanha ironia que muitos renunciaram
à subida, retornando à inércia da planície vasta.

Após amaldiçoar a todos, indistintamente, voltou o herói coroado ao cume do


monte, na expectativa de partir sem detença ao encontro do Pai, mas o Anjo, muito
triste, explicou-lhe que a roupagem dos outros, que lhe provocara tanto sarcasmo 
inútil, era aquela mesma de que ele se servira para elevar-se, ao tempo em que era
frágil e semicego, e que as asas de luz, com que deveria erguer-se ao Trono Divino,
somente lhe seriam dadas, quando edificasse o amor no imo do coração.
• Faltavam-lhe piedade e entendimento; que ele voltasse
demoradamente ao caminho e auxiliasse os semelhantes, sem o que
jamais conseguiria equilibrar-se no Céu.

Alguns minutos de silêncio seguiram-se indevassáveis...

O Mestre, todavia, imprimindo significativa ênfase às palavras,


terminou: - Há muitas almas, na Terra, ostentando a luminosa coroa da 
ciência, mas de coração adormecido na impiedade, salientando-se no
sarcasmo pueril e na censura indébita.

Envenenadas pela incompreensão, exigentes e cruéis, fulminam os


companheiros mais fracos no entendimento ou na cultura, ao invés de
estender-lhes as mãos fraternais, reconhecendo que também já foram
assim, tateantes e imperfeitos...

Enquanto, porém, não se decidirem a ajudar o irmão menos esclarecido


e menos afortunado, acolhendo-o no próprio espírito, com sinceridade e
devotamento, não receberão as asas com que lhes será lícito partir na
direção do Céu.

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