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Belo Horizonte

2006
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É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia, por escrito, da editora.

Fiat Mostra Brasil.


Belo Horizonte: Cria!Cultura, 2006.
220p. 22,5cm.

ISBN 85-60399-00-3
978-85-60399-00-0

1. Arte contemporânea

CDD 700

Impresso no Brasil
2006-2007
Fiat Mostra Brasil

Desde sua instalação no país, a Fiat assumiu uma postura de integração efe-
tiva à cultura brasileira e intensificou, na última década, iniciativas que des-
pertassem o orgulho de ser brasileiro. A partir de 1997, foram desenvolvidos
projetos socioculturais elaborados com a proposta de instigar reflexões sobre
o Brasil e sua realidade.

Com a criação, em 2006, da Casa Fiat de Cultura, braço cultural da empresa


A Fiat convida você a pensar no futuro no Brasil, foi adotada uma nova política de investimento cultural e os rumos
do percurso da brasilidade foram ampliados. Um dos principais objetivos dessa
nova política é a democratização do acesso às artes por meio da difusão da
produção artística brasileira e mundial. É neste contexto que se insere o projeto
Este foi o tema escolhido por nós para assinalar os trinta anos de presença Fiat Mostra Brasil.
da Fiat no Brasil. Nenhuma outra frase espelharia melhor nossa atitude, nossa
decisão, nossa escolha de viver o futuro no presente. Por meio da abertura de um edital nacional, o Fiat Mostra Brasil recebeu tra-
balhos de artistas do país inteiro. Esses trabalhos foram analisados por uma
O projeto Fiat Mostra Brasil se insere nessa perspectiva de antecipação da renomada curadoria, que selecionou trinta artistas e suas obras, levando em
realidade como forma de conquistar o sucesso. consideração propostas que visavam “apontar vetores da arte contemporânea
brasileira em detrimento de tendências, assumindo o risco de apostar também
Nos primórdios da informática, um de seus mais brilhantes pioneiros, Alan Kay, naquilo que está à margem do circuito da arte contemporânea”. Cada um deles
afirmava que “a melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”. recebeu um prêmio no valor de 12 mil reais, totalizando uma premiação de 360
mil reais, a maior já concedida no Brasil nessa categoria.
O nosso convite continua de pé. Pensemos o futuro, vivamos o futuro,
inventemos o futuro na indústria e nas artes, na tecnologia e nos processos Com entrada gratuita, a Mostra – composta pelas obras dos artistas premiados –
políticos, na educação e no esporte, na saúde e na inclusão social. ofereceu à cidade de São Paulo a primeira exposição no Porão das Artes da
Fundação Bienal.
Nós, da Fiat, buscamos fazer a nossa parte. E assim o faremos sempre, porque,
daqui a trinta anos, o futuro ainda estará por ser inventado e nós seremos O desenvolvimento de todas as etapas do projeto pôde ser acompanhado por
atores dessa nova aventura. um site interativo e um blog, que estabeleceram um canal de comunicação per-
manente e democrático do público e dos artistas com a curadoria e a organiza-
ção do Fiat Mostra Brasil.

C. Belini O registro desse investimento cultural, que marca os trinta anos da Fiat no Brasil,
Presidente | Fiat pode ser conferido neste catálogo-livro e no documentário do projeto.

Assim, o Fiat Mostra Brasil deu a sua contribuição ao debate sobre os rumos
da arte no país e aproximou o público de uma nova linguagem artística,
inovadora e atual.

José Eduardo de Lima Pereira


Presidente | Casa Fiat de Cultura

fiat mostra brasil 4|5


mostra 8
adriana barreto e bruna mansani (projeto) 14
andrei thomaz 20
bruno faria 24
cristiano lenhardt 28
daniel escobar 32
blog 1 - critérios de seleção 36
fabiana wielewicki 38
fabíola tasca 42
felipe cohen e daniel trench 46
grupo gia (projeto) 50
grupo empreza (projeto) 60
blog 2 - contexto e produção 66
henrique oliveira 68
katia prates 72
leonora weissmann 76
luiz roque filho 80
marcelo moscheta 84
blog 3 - o curador 88
marcus bastos (projeto) 90
mariana silva da silva 94
mariane rotter (projeto) 98
marta neves (projeto) 102
Histórico Fiat Mostra Brasil martha gabriel 108
blog 4 - galeria x rua 112
2006 milena travassos 114
mm não é confete (projeto) 118
26 de junho Lançamento do hot site nydia negromonte (projeto) 124
27 de junho Lançamento do edital raquel stolf 130
27 de junho a ricardo cristofaro 134
25 de agosto Inscrições blog 5 - pára-choque 138
22 de setembro Divulgação dos selecionados rodrigo borges 140
27 de outubro Montagem da exposição rodrigo freitas 144
6 de novembro Abertura thais ueda (projeto - utopédia) 148
2 de dezembro Encerramento vera bighetti 152
vulgo - wellington cançado e simone cortezão 156
2.221 artistas inscritos equipe de curadores 162
2.833 trabalhos inscritos diferenças e alteridades - marcos hill 164
30 obras selecionadas coordenadas em movimento - eduardo de jesus 170
21 prontas nos espaços moventes da arte - marisa mokarzel 176
9 projetos o risco como estratégia - járed domício 182
R$ 360.000 em prêmios oferecidos aos artistas selecionados osíris contemporâneo - stéphane huchet 188
96.661 visitas ao hot site (www.fiatmostrabrasil.com.br) para além do plug and play - giselle beiguelman 194
um texto para um contexto: fiat mostra brasil - maria ivone dos santos 202
Exposição: Porão das Artes da Fundação Bienal - São Paulo, SP. ficha técnica e agradecimentos 216

fiat mostra brasil


| Adriana Barreto | São José dos Campos, SP, 1969 |
| Bruna Mansani | Siqueira Campos, PR, 1979 | Graduadas em arte e mestrandas em poéticas
visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina, realizam em parceria, desde 2004,
trabalhos que buscam relações no sistema das artes e além dele. Participaram de workshop
de performance realizado durante o 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil
(São Paulo, 2005). Vivem e trabalham em Florianópolis, onde mantêm o projeto móvel Espaço Os trabalhos da dupla acionam uma espécie de jogo-teia
Contramão, que propõe intervenções artísticas dentro de ambientes domésticos. | que procura não apenas o infiltramento no entorno, mas a inclusão
| Bruno Aranha | convidado | São Paulo, 1982 | Formado em cinema pela Fundação Ar- participativa do público, tanto da instituição quanto de outros
mando Alvares Penteado, trabalhou com direção de arte e figurino para publicidade e curtas- espaços da cidade. Vale lugar ao sol inclui a criação, o lançamento
metragens. Estudante de moda na FAAP, ingressa, com Vale lugar ao sol, no campo das artes e o sorteio de um vale que dá ao vencedor o direito de participar de
visuais. Vive e trabalha em São Paulo. | uma performance com as artistas. O contemplado escolhe o lugar
do Brasil para onde viajará, com todas as despesas pagas, para
passar 24 horas e participar da obra. Ganha ainda o direito de ter
seu nome incluído na lista de participantes do Fiat Mostra Brasil.
Na volta, o trio apresenta um registro da viagem.

adriana barreto
e bruna mansani
| bruno aranha | convidado

fiat mostra brasil adriana barreto e bruna mansani 14|15


vale lugar ao sol | performance | 2006

O projeto

Em qual lugar do Brasil você gostaria de passar um dia entre 2 e 8 de


novembro de 2006 com as artistas Adriana Barreto e Bruna Mansani?

“A partir de nossa posição de inter-relação social, pensamos, à maneira


de Bourriaud, que o lugar de exibição pode ser visto como um espaço
de coabitação, um cenário aberto aos acontecimentos, onde é possível
ressignificar pequenos atos e colocar em questão os valores da arte.
Esta ação colaborativa segue a lógica de uma série de trabalhos nos quais nos
apropriamos da situação (evento) que nos acolhe para criar uma estratégia
bem-humorada de interação com seu environment (organização, funcionários,
artistas, curadoria, público). Denominamos isso Situation Specific, Dispositivo
Relacional ou Performance Expandida.

A série inclui RIFA BENEFICENTE Passe um dia ou uma noite conosco


(performance na qual buscávamos recursos para financiar nossa tese de
conclusão de curso) e RIFA BENEFICENTE - 2 Leve duas artistas periféricas para
um passeio em São Paulo (realizada na tentativa de pagar nossa permanência
em São Paulo durante workshop de performance no Festival Internacional de
Arte Eletrônica Videobrasil), ambos de 2005.

Em Vale lugar ao sol, invertemos essa lógica, levando em consideração o pro-


labore oferecido pelo Fiat Mostra Brasil. Fomos promotoras e financiadoras da
situação criada: um sorteio que deu ao vencedor* uma viagem de um dia para
qualquer lugar do Brasil em companhia das artistas.”

* O sorteado foi Bruno Aranha.

fiat mostra brasil adriana barreto e bruna mansani 16|17


20|21

fiat mostra brasil artistas

18|19
| Andrei Thomaz | Porto Alegre, 1981 | Mestrando em artes pela Escola de Comunicações e
Artes da USP, desenvolve pesquisa relacionada às manifestações do labirinto nos jogos eletrô-
nicos. O tema é central nos trabalhos de web arte que vem criando desde 2000, que exibe em
festivais e exposições de arte eletrônica no Brasil e no exterior. Vive e trabalha em São Paulo.
| www.rgbdesigndigital.com.br | Uma das páginas do livro The Language of New Media,
| Martin Dahlström-Heuser | convidado | Finlândia, 1979 | Graduou-se em composição pela de Lev Manovich, é percorrida por pequenos círculos verme-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2004. Teve composições apresentadas em lhos. Cada círculo é acompanhado por um som em looping
recitais públicos no Brasil, incluindo a XV Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio e possui seu próprio tempo de animação. À medida que os
de Janeiro (2003). Vive na Finlândia. | br.geocities.com/maaaaaaaaaartin/ | círculos entram em cena, novos loopings sonoros, de diferen-
tes durações, são acionados, tornando ainda mais complexo
um resultado que nunca é constante.

andrei thomaz
| martin dahlström-heuser | convidado
fiat mostra brasil andrei thomaz 20|21
fiat mostra brasil andrei thomaz quando uma página torna-se um labirinto | web arte | 2006

22|23
| Bruno Faria | Recife, 1981 | É graduando em artes plásticas pela Fundação Armando Alvares
O trabalho aborda temas pertinentes ao mundo da
Penteado. Vive e trabalha em São Paulo e Recife. |
arte, como a questão mercadológica e a noção de propriedade
particular por trás das coleções. Também toca um dos gêneros
mais recorrentes na história da arte. Uma paisagem é adqui-
rida em um programa de leilões na TV. Além do registro da
aquisição, o artista expõe a própria tela.

bruno faria
fiat mostra brasil bruno faria 24|25
delivery; coleção particular | videoinstalação/teleintervenção | 2006

fiat mostra brasil bruno faria 26|27


| Cristiano Lenhardt | Itaara, RS, 1975 | Formado em desenho e plástica pela Universidade
Federal de Santa Maria (RS), estudou no Torreão, em Porto Alegre, sob a orientação do
artista gaúcho Jailton Moreira. Integra, desde 2002, o Grupo Laranjas, que realiza ações O trabalho se insere em um contexto expandido de
urbanas. Recebeu a Bolsa Prêmio do 26° Salão de Artes de Pernambuco (2005). Vive e representação da realidade, deslocando-se para dentro da atmos-
trabalha em Recife. | fera na qual enfrentamos, com nosso corpo/matéria, tudo que nos
envolve. Uma bandeira que é colocada, solitária, num contexto
vazio de pessoas, numa paisagem desértica ou no aglomerado
da multidão, cria uma espécie de contrafluxo, onde se ganha
visibilidade acentuada do entorno e a noção de permanência/exis-
tência do local ou situação, independentemente da presença do
espectador. Instaura-se, assim, uma reflexão sobre o tempo, a
permanência, a ilusão e a edição.

cristiano lenhardt
fiat mostra brasil cristiano lenhardt 28|29
ao vivo | instalação | 2002

fiat mostra brasil cristiano lenhardt 30|31


| Daniel Escobar | Santo Ângelo, RS, 1982 | Graduado em artes visuais pelo Instituto de Artes
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, participou do 19º Salão Jovem do MARGS e foi
premiado no 17º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre (2006). Um
A série Perto demais parte de uma aliança com o processo
ano antes, escolhido entre os participantes do VI Concurso de Artes Plásticas Contemporâneas
de um meio de comunicação de massa em ininterrupta mutação: o
do Goethe-Institut de Porto Alegre, apresentou a individual Perto demais na instituição. Vive e
outdoor. O fluxo de sobreposições indiscriminadas que decorre desse
trabalha em Porto Alegre. |
sistema norteia a construção dessas pinturas, produzidas a partir de
fragmentos de cartazes publicitários. Com a interferência de peque-
nos furos, as imagens são transformadas em grandes rendas que
deixam transparecer suas sucessivas camadas. O trabalho passa a
ser determinado por essa dinâmica geradora de metamorfoses.

daniel escobar
fiat mostra brasil daniel escobar 32|33
permeável I | série perto demais | pintura – papel de outdoor e verniz | 3,1 m x 2,25 m | 2006 permeável II | série perto demais | pintura – papel de outdoor e verniz | 1,6 m x 2,2 m | 2006

fiat mostra brasil daniel escobar 34|35


Decidimos
Não apontar
vou aqui investigar vetores
a etimologia da arte
ou mesmo contemporânea
o sentido brasilei-
jurídico da palava. Nem tampouco me animou a postura generosa dos fomentadores do Fiat Mos-
tentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do público neste tema. A idéia é in-
ra em detrimento de tendências. Optamos por assumir o ris-
tensificar o debate a cerca das curadorias, especificamente a que gerou a Fiat Mostra Brasil.
tra Brasil de respaldar a idéia de apostar no pouco conhecido,
co de
Antes de apostar
mais nadatambém naquilo
é preciso pensar que está
a produção à margem
artística do circui-
contemporânea como no pouco inserido, no pouco “badalado”; além da autonomia
umto território
da artemóvel,
contemporânea
uma plataforma(incluindo-se aí galerias,
movediça que desliza museus,
incessantemente en- dada à curadoria, formada por brasileiros de norte a sul do país
festivais tradicionais e inserção midiática). Para os
tre os mais diversos e complexos agenciamentos sociais,9 culturais, políticos e cura- e mais comprometidos com a educação e o fomento artístico
dores do entre
econômicos Fiat outros.
MostraNão Brasil, esse prêmio
se assemelha em nadacumpre um papel
a um discurso de
concluído, do que com o glamouroso mainstream. (Marcos Hill, 27.09.06,
evidenciar possibilidades em aberto, que podem se consoli-
mas sim a um tatear constante, uma inundação de dúvidas vindas da produção 8h56) Existem trabalhos selecionados que estão envol-
edar
da reflexão
ou não.artísticas realizadas no sobretudo,
Interessou-nos, domínio do tempo presente.territórios.
liquidificar Múltiplas li- vidos em processos intensos de pesquisa e nem por isso são tec-
nhas de força caracterizam estas atividades que sempre atuam nesta urgência.
Esquecemos,
Situações diversas intencionalmente,
e em movimento constante.a ordem das previsibilidades
Arte contemporânea talvez seja nológicos. Às vezes estão ligados a processos artísticos que não se
e do supostamente
isto. Se pensarmos coerente com otermos
nestes mesmos mercado sobrede arte e seus
a produção ar- pautam por qualquer questão tecnológica, como performance ou
tística brasileira,trends.
implacáveis talvez seja Não se
9 possível vertrata aqui se
o território dedesdobrar,
conferir ainda
uma pintura. E qual o problema em se ter formação acadêmica e atuar
espécie
mais, de ISO 9000
ampliando-se das situações
em novas artes, atestado
e direçõesporqueum grupo de
inevitavelmen- como artista? Artistas autodidatas ou com formação acadêmica
tecuradores.
passam pelos inúmeros
Trata-se, ao problemas
contrário,políticos e sociais
de investir enfrentados
no arrojo, nos estão no mesmo barco e podem, cada um a seu modo, dentro de
hoje em dia, que refletem, de uma forma ou
conceitos e no debate. 9 Investimos, neste momento, em de outra, nos modos suas pesquisas, desenvolver bons trabalhos. (Edu Jesus, 27.09.06,
de produção,
idéias e exibição,
projetos que conservação
pudessem e refletir:
fomento da produção
a) artística.
Compromisso 17h34)
9
A situção, aqui sim, é de extrema urgência. Questões curatoriais em Concordo com o que o Eduardo de Jesus disse. A técnica e a pesquisa
com pesquisa.
situações 9 b)como
tão extremas Politização dosaumentam
as do Brasil meios, das formas e de
a complexidade são muito importantes na arte. Sem pesquisa os irmãos Van Dyck não nos trariam a pin-
seus resultados.
da produção e da reflexão9 c) Postura crítica
artística. em relação ao
Em uma série deque “con-
pequenos tura a óleo e os renascentistas não resgatariam a perspectiva. Se o tempo passa, a arte
vémdeser”
livros arte.
bolso 9 Resolvemos
o Centro que falarBALTIC
de Arte Contemporânea de futuro é jogar
, da Inglaterra coma
ligado anda com ele, e isso acontece graças à busca que o artista faz. Não importa o caminho.
probabilidades,
Universidade incorrer,
de New Castle, circunstancialmente,
publicou a transcrição de encontros ementre
erros para
curadores (“mouse”, 28.09.06, 7h32)
epermitir
artistas. A resultados
conversa, apesar não projetados. Interessou-nos chamar a
de amistosa, mostra a tensões típicas do sistema
da arte contemporânea.
atenção para a idéiaEm e uma dos debates
prática dosa ex-curadora
processos, do P.S.1, espaço vin-
encampando
culado ao Moma e dedicado a arte contemporânea, Carolyn Cristov-Bakargiev
todassuas
aponta as dúvidas
vicissitudes que essa
nos processos decisão
curatoriais implica.
e afirma Curadores
se sentir9 mais confortável * Trechos de discussão registrada no Blogearte, espaço virtual criado pelos curado-
docuradorias
nas Fiat Mostra Brasil.
para exposições (“blogarte”,
individuais do que em 22.09.06,
coletivas, já que11h44)
acredita res do Fiat Mostra Brasil e aberto à participação de público, artistas e organizadores.
Tenho várias uma
estar desenvolvendo perguntas
espécie sobre o critério
de monografia de oseleção.
sobre 1) “Vetores
artista . Esta analogia
da arte” é por
desenvolvida umCristov-Bakargiev
nome mais bonito para novas
aproximando tendências?
as curadorias 2) O queé
de monografias
interessante
vocês quiserampara vermos
dizer ascommuitas possibilidades de
“liquidificação de desenvolvimento curatorial
territórios”? (“mouse”,
A22.09.06,
idéia de desenvolver
12h16) uma curadoria como espaço de reflexão e de debate parece aproximar
Interessante o projeto. Pena que será exibido as
idéias de Cristov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experiente crítico de arte e curador
num porão feio e escuro, numa cidade farta de opções de arte, e não aqui em
francês que em uma mesa redonda durante jornada de debates da 26ª Bienal de São Paulo em
Belo apontou
2004, Horizonte, na Casa
o trabalho Fiat oucomo
do curador nos um
espaços
geradordesta cidadejunto
de discursos carente
com ode mostras
artista. Para
importantes.
Royoux: (“romina”,
“o exercício 24.09.06,
da curadoria 7h21) da crítica dePensamos
é uma extensão emconstitui
arte, e portanto “vetores”uma
porque
forma os trabalhos
de discurso. selecionados
Uma exposição representam
é um discurso fluxos
que um curador elaborade energia
junto distin-.
com o artista”
tos
As e representativos
duas de expressivos
posições explicitam, entre outros processos.
pontos, queSobre
alguns“liquidificação de
processos de cura-
doria se estruturam
territórios”, na tentativa
constatamos quedehá
colocar
uma ogrande
pensamento em ação em ebusca
experimentação mistu-de
situações
ra de gêneros, demonstrando que temos de observar com atenção ao
de confronto e de diálogo entre a produção artística, a vida social e
campo teórico. Conseguindo com isso provocar no público reflexões e aproxima-
expansão
ções do fazer
que podem para além
reverberar em umadasexperiência
práticas artísticas consolidadas.
ampliadora dos sentidos (Ma-
e do
ria Ivone, 24.09.06, 8h33) Qualquer seleção dessa
pensamento. A minha experiência na curadoria da Fiat Mostra Brasil, apesar denature-
zaum
ser sempre contará
exposição inclusive
coletiva, seguiucom a subjetividade de
esta direção. quem seleciona.
Encontramos diver-
Não quero
sidade, isentar-me
aberturas da possibilidade
e contaminações de erro
de toda ou desobreposições
ordem, alguma miopiae
justaposições entre o global e o local, pesquisas com os mais diversos
involuntária. Quando assumi a responsabilidade de selecionar trinta
propostas entre 2800, sabia muito bem dos riscos. Por outro lado,
fiat mostra brasil blog

fiat mostra brasil blog 36|37


| Fabiana Wielewicki | Londrina, PR, 1977 | Bacharel em artes plásticas pela Universidade do
Estado de Santa Catarina e mestre em artes visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, produz desde 2000 uma obra na qual utiliza artifícios do dispositivo fotográfico para criar
situações de ficção. Entre 2002 e 2006, participou de coletivas em Curitiba, Belo Horizonte,
Algumas paisagens idealizadas nos remetem à própria
Florianópolis e Porto Alegre. Realizou as individuais Paisagem programada (Pinacoteca Barão
situação da fotografia: o pôr-do-sol, o mar, as montanhas e ou-
de Santo Ângelo, Porto Alegre, 2005), Os segredos da boa fotografia (MASC, Florianópolis,
tros “temas” registrados incansavelmente parecem se converter
2003) e Paralaxe (MIS, Florianópolis, 2001). Dá aulas de fotografia e arte contemporânea no
em imagem fotográfica antes mesmo de serem fotografados.
SESC SC. Vive e trabalha em Florianópolis. |
A série foi estruturada a partir do interesse de estabelecer um
confronto entre esses “temas” e a paisagem urbana vista da
janela de um apartamento em Florianópolis. As imagens de
paisagens inseridas nas janelas e na sacada do apartamento
têm como elemento comum o mar. O fato de viver em uma ilha
instigou a artista na escolha e na “invenção” de uma ilha frágil
no 8º andar de um edifício, construída com paisagens de papel
também frágeis – física e conceitualmente. Produzidas a partir
desse confronto, estampas do mar, vistas da cidade e fotografias
resultam em situações de uma segunda natureza.

fabiana wielewicki
fiat mostra brasil fabiana wielewicki 38|39
sem título | da série 2ª natureza: 8º andar | sem título | da série 2ª natureza: 8º andar |
fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006 fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006 sem título | da série 2ª natureza: 8º andar | fotografia | 1,05 m x 0,8 m | 2006

fiat mostra brasil fabiana wielewicki 40|41


| Fabíola Tasca | Juiz de Fora, MG, 1969 | Graduada em psicologia pela Universidade Federal
de Minas Gerais e em artes plásticas pela Escola Guignard, tem mestrado em artes visuais pela
Escola de Belas Artes da UFMG. Iniciou seu percurso artístico por meio de experiências com a
pintura. Atua como professora de crítica de arte na Escola Guignard, onde desenvolve projeto
O interesse pelas dinâmicas de relação autor-leitor,
de pesquisa sobre a produção de site specifics, financiado pela Fundação de Amparo à Pesqui-
pelos processos e estratégias de inserção do trabalho no siste-
sa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
ma da arte e pela disposição do projeto artístico em relação a
um contexto mais amplo de práticas sociais marca o trabalho
da artista. Escritura é o título de um livro que narra seu encon-
tro com um morador de rua de Diamantina chamado Sabá.
Também é o título do procedimento de circulação do livro que,
desde janeiro de 2003, vem sendo oferecido a leitores deter-
minados. O que se expõe é o resultado do endereçamento de
Escritura: os nomes dos leitores e o período de empréstimo. O
acesso facilitado ao livro visa envolver os interessados, tanto
como usuários quanto como articuladores da história.

fabíola tasca
fiat mostra brasil fabíola tasca 42|43
escritura | instalação | 2006

fiat mostra brasil fabíola tasca 44|45


| Felipe Cohen (direita, foto)| São Paulo, 1976 | É bacharel em artes plásticas pela Fundação
Armando Alvares Penteado. Realiza objetos, instalações, desenhos e vídeos. Participou do pro-
grama de exposições no Centro Cultural São Paulo em 2002. Apresentou individuais na Galeria
Virgílio e no Centro Cultural Maria Antônia, em São Paulo. Vive e trabalha em São Paulo. |
| Daniel Trench (esquerda, foto) | São Paulo, 1978 | Bacharel em artes plásticas pela Fun-
dação Armando Alvares Penteado e mestrando em poéticas visuais pela Escola de Comuni-
cações e Artes da USP, atua como designer gráfico e artista plástico. Realizou individuais no Na contramão da linguagem do videoclipe, o trabalho
Ateliê 397 (2006) e Paço das Artes (2004) e coordenou a instalação Grande linha no SESC tem vocação contemplativa, característica que parece apro-
Pompéia (2005), São Paulo. Esteve na coletiva Brasil em cartaz (Chamount, França, 2005) e ximá-lo da linguagem da pintura. O formato widescreen do
na Bienal de Design Gráfico da ADG (2004-05). Participou, como artista convidado, da seção monitor reforça essa vontade: sua horizontalidade nos remete
Contemporâneo, da revista Bravo! (2005). Foi selecionado para o Prêmio Porto Seguro de às clássicas proporções da pintura de paisagem.
Fotografia e para o 14º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2003). Vive e
trabalha em São Paulo. |

felipe cohen
fiat mostra brasil felipe cohen e daniel trench
e daniel trench 46|47
fiat mostra brasil felipe cohen e daniel trench

48|49
o sonho de constantino | videoarte | 2006
| Coletivo formado em 2002 em Salvador pelos artistas visuais e designers Cristiano Piton (Sal-
vador, 1979), Everton Marco Santos (Salvador, 1981), Ludmila Britto (Rio de Janeiro, 1980),
Mark Dayves (Aracaju, 1982), Pedro Marighella (Salvador, 1979) e tiago Ribeiro (Conceição do
EM SUAS AçÕES URBANAS, O GIA PROPÕE AOS PASSANtES EXPERIêNCIAS
Coité, BA, 1979). Aproximando arte e cotidiano, busca mídias alternativas e formas não-oficiais
estéticas inesperadas. Apropriando-se da estética do efêmero e do cotidiano
de disseminar reflexões críticas, propor uma apreensão diferenciada do meio urbano e romper
– e lembrando que “O museu é o mundo”, nas palavras de Hélio Oiticica –,
a monotonia anestésica do dia-a-dia. Vivem e trabalham em Salvador. |
se utiliza de instrumentos da arte contemporânea como performance,
instalação, objetos, ações, intervenções e design gráfico para experimentar
com o corriqueiro. O espaço público torna-se propício a novas experiências
sensitivas e o território de uma arte não-autoral, de situações. O grupo transita
pelas margens do circuito oficial como difusor de operações artísticas efêmeras,
nas quais o espectador tem papel ativo e participativo. Projeta-se à deriva e
caminha por meios nômades, reflexo de sua formação heterogênea.

gia grupo de interferência ambiental


fiat mostra brasil gia 50|51
O projeto

“Projeto de interferências prevê a execução do repertório do grupo


em novos contextos, apropriando-se de situações cotidianas para
maximizar as possibilidades de interação e imersão do público. Resulta
de um método que o grupo desenvolveu para executar seus trabalhos
em diferentes contextos, conservando características originais (estrutura
material e tática) e adaptando-as às novas imposições e possibilidades.
A intenção é garantir os estágios que inspiram os processos coletivos
e permitem a inclusão dos transeuntes no universo reinventado pelo
grupo, como co-autores de uma obra que somente assim se completa.

A proposta é construir ambientes efêmeros e móveis (Caramujos)


que circularão pela cidade servindo de base de apoio ao grupo.
Nos ambientes, público, amigos e convidados serão estimulados a
reproduzir o itinerário de trabalhos do grupo ou fazer propostas.

Acontecimentos relevantes e os trabalhos serão registrados. As


imagens serão expostas no Caramujo, ao lado de mapas e objetos que
componham um diário e sirvam de sinalização e agenda para o público.

Os procedimentos previstos para guiar as situações são:

Estágio 1 – Abertura dos trabalhos (Samba do GIA)


Criação do Caramujo em locais de acesso irrestrito. Os integrantes
do grupo iniciam uma roda de samba e fornecem instrumentos a
pessoas que aparecerem e convidados. O acontecimento servirá
como apresentação das intenções e pedido simbólico de licença do
grupo à cidade.

Estágio 2 – Execução do repertório


Os trabalhos deverão ser executados ao longo de quinze dias, com
intervalo de um dia entre as interferências. Serão realizadas nove:
Caramujo, Balões, Fila, Pipoca, Não-propaganda, A cama, Régua, ação 1: caramujo | O Caramujo é uma tenda de lona amarela (cor que representa o
Pic-nic e Presente.” grupo) cuja função é questionar a própria função: as pessoas são convidadas a interagir com ela
e atribuir-lhe a utilidade que lhes for conveniente. “A estrutura questiona a função primária do
abrigo, a ocupação de um lugar, o processo de territorialização e expectativa de um espaço sem
imagem (a fachada representativa), sem forma e sem função (a planta distributiva de usos e divi-
sões do espaço) pré-estabelecidas.” (Alejandra Muñoz) | Largo São Francisco, dia 7 de novembro.

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ação 4: pipoca | Pipoqueiros profissionais convidados
vão distribuir mil sacos de pipoca carimbados com mensagens de
impacto criadas pelo GIA. | Spa das Artes, Recife, dia 12 de outubro
de 2005 (Dia das Crianças).

ação 5: não-propaganda | Criticar o consumismo e a submissão do cidadão aos veículos publici-


tários que tomam o espaço público. Em alguma localidade movimentada de São Paulo, serão distribuídos panfle-
tos amarelos e um “homem-sanduíche” circulará carregando uma placa amarela, sem propaganda ou mensagem.
| Dia 13 de novembro.

ação 2: balões | Em 2003, durante a guerra do Iraque, foram


soltos dezenas de balões vermelhos de um edifício alto de Salvador.
Nos balões, as pessoas liam em tiras de papel: “E se fosse uma arma
química?” ou “E se fosse terrorismo?” A obra propõe uma bela imagem
e questiona a vulnerabilidade das pessoas diante de uma realidade
aparentemente distante, num ato de protesto.

Na versão adaptada, serão soltos mil balões de um edifício alto, com


dizeres que estabeleçam um diálogo com um acontecimento da época. |
Av. Paulista, dia 17 de novembro. Ação concebida em parceria com
o grupo PORO (Belo Horizonte).

ação 3: fila | Consiste em formar uma fila desnecessária em


frente a algum lugar inusitado. Propõe reflexões sobre a organização
do ambiente e a alienação da vida cotidiana. Remete a espera, regras,
respeito, democracia. | Praça da República, dia 14 de novembro.

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ação 7: régua | Serão colocadas réguas em banheiros públicos masculinos de alguns estabelecimentos
de São Paulo, como bares, lanchonetes etc. Essa ação visa questionar, de uma forma bem-humorada, o mito do
machismo no Brasil. | Banheiros de botecos do centro da cidade, dia 9 de novembro.

ação 6: a cama | Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de
moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver
espalhadas pelas ruas. | Cruzamento da Av. Paulista com a Rua da Consolação, dia 16 de novembro.

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ação 9: presente | O grupo posiciona um “presente” em
algum ponto da cidade, deixando o pacote à mercê das possibilidades. O
objetivo é instigar a curiosidade do passante diante da possibilidade de
haver algo valioso no pacote. | Metrô Vila Mariana, dia 11, e Higienópolis,
dia 16 de novembro.

ação 8: pic-nic | Consiste em montar um piquenique (toalha,


cesta com alimentos etc.) em algum local da cidade em que desigualdades
sociais sejam visíveis, e convidar moradores de rua para participar. Traz à
tona a questão da fome e da pobreza generalizada que assola o país. | agradecimentos | Grupo EmpreZa, Riachão, André Mesquita,
Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú, dia 15 de novembro. Fernanda Albuquerque, Marco Antônio Silva dos Santos, Dona Ivone Lara,
Alexandre Fehr, Zeca Ferraz, Marcos Kiyoto, EIA, Paloma, moradores de
rua de São Paulo (principalmente Sandro) e todos aqueles que ajudaram
para a concretização das intervenções...

fiat mostra brasil gia 58|59


| Coletivo composto pelos artistas plásticos Alexandre Pereira (Goiânia; vive em Macapá), Ba-
bidu (teresina; vive em Goiânia), Bia Miranda (Goiânia; vive em Goiânia), Christiane Frauzino
(Goiânia; vive em Goiânia), Fabio tremonte (São Paulo; vive em São Paulo), Fernando Peixoto
(Goiânia; vive em Goiânia), Keith Richard (Goiânia; vive em Goiânia), Mariana Marcassa (Bra-
gança Paulista, SP; vive em São Paulo), Paulo Veiga Jordão (Cidade de Goiás, GO; vive em Goiâ- EM tRêS VIDEOPERFORMANCES REGIStRADAS E EXIBIDAS
nia). Formado em Goiânia em 2001, se dedica ao estudo e à prática da performance e de outras simultaneamente, o grupo bebe e interage com a câmera diante do
linguagens experimentais. O corpo e seus desdobramentos servem de eixo poético à maioria Monumento do Ipiranga, enquanto assiste ao filme Independência
das ações, que operam com questões como corpo individual e coletivo, corpo privado e públi- ou Morte, e nos festejos do Dia da Pátria, na Esplanada dos
co, corpo natural e cultural, e questiona como o corpo se situa nos substratos da realidade.| Ministérios. A obra sugere um embate entre o microrritual
horizontal do manuseio coletivo da garrafa e os ritos espetaculares
e hierárquicos da manipulação do poder e da história. Projetados
simultaneamente, os vídeos provocam vertigem no espectador.
Sucessivas e progressivas alterações nas paisagens criam um ritmo
que reproduz a sensação de embriaguez.

grupo EmpreZa

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O projeto

“Convidados pela Fiat a pensar no Brasil e no futuro, o Grupo EmpreZa


pensa que Salve, salve! traduz alguns aspectos de sua visão sobre o
tema, vendo de forma crítica, lírica, romântica, satírica, mas sempre
política, os liames temporais e históricos que fazem com que os
conflitos do passado se arrastem, indefinidamente reciclados, para o
presente. Esta seria, talvez, uma forma inteligente de se começar a
pensar no futuro.

Salve, salve! é uma videoinstalação que se compõe da exibição


simultânea, em sala fechada, de três videoperformances. Os atos
serão realizados em dias e locais diferentes, mas constituem-se
da mesma ação básica, dialogando mutuamente e criando uma
trama de significados sobre o seu tema comum: representações da
Independência do Brasil.

A primeira videoperformance ocorreu no Parque do Ipiranga, em


São Paulo, diante do Monumento ao Centenário da Independência,
em 7 de julho de 2006. A câmera foi fixada enquadrando o topo do
monumento e, diante da lente, foi colocada uma garrafa cheia de
cachaça, o que resultou numa deformação da paisagem enquadrada.
Os membros do Grupo EmpreZa iniciaram, então, a ação: beber a
cachaça, aos poucos, até o fim, sempre buscando e devolvendo a
garrafa para a frente da lente da câmera. Assim, ora o vídeo mostra
a paisagem sem interferências (quando a garrafa não está lá), ora
a mostra filtrada e distorcida pelo vidro e pelo líquido. O resultado
plástico é surpreendentemente pictórico.

A segunda videoperformance, ainda a ser executada, se dará diante


de um aparelho de televisão. A câmera enquadrará exatamente a tela
de um televisor, onde estará passando, em looping, uma seqüência do
filme Independência ou Morte (direção de Carlos Coimbra, 1972, com
Tarcísio Meira no papel de D. Pedro I). Novamente, uma garrafa com
cachaça será colocada entre a câmera e o televisor, e os membros do
Grupo EmpreZa irão beber seu conteúdo, sempre devolvendo-a para
a sua marcação em frente à lente da câmera, enquanto conversam e
assistem ao filme.

A terceira videoperformance ocorre durante o desfile de Sete de


Setembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O Grupo
EmpreZa irá para a capital federal e assistirá ao desfile. A câmera
estará fixa, enquadrando o espetáculo. Pela terceira vez, os membros
do Grupo EmpreZa irão destilar a paisagem, filtrando-a através de
uma garrafa de cachaça que será lentamente consumida, enquanto
acontece o desfile.”

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salve, salve! | videoinstalação e performance | 2006

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Como está a produção das artes no Brasil? Qual é o contexto de criação da arte brasileira? Como
ele influencia a produção? (“blogarte”, 03.07.06, 11h43) Um projeto como
surgem por todo o país. Precisamos de mecanismos eficientes
este, que pretende revelar talentos, dará conta de se sobressair por uma
para dar voz a essas estratégias. (Járed Domício, 12.07.06,
forma antiquada de revelação? Levemos para a galeria os “novos artis-
17h17) Em São Paulo, vi cartazes colados sobre grafites de
gente conhecida. Não eram cartazes de shows ou coisa que o
tas brasileiros” e, depois, como isso se sustentará? Qual a importância valha, mas cartazes relativos ao trabalho de Marcia X censura-
disso para o “contexto de produção” das artes brasileiras? (Carla Andra- do por uma instituição. Então a arte sai do circuitão denuncian-
de, 04.07.06, 10h15) Essa temática me traz duas questões: a do censura e censurando outros artistas! Que ironia. (Paulo Ito,
diversidade de uma produção que em raros momentos consegue 27.07.06, 12h51) Desde 1990 os artistas têm buscado construir suas
ser visualizada de forma significativa e um sistema de arte que não próprias estratégias de visibilidade fora de um programa visando a legitimação de um
dialoga com as necessidades do meio artístico. Quando falamos sistema. Como contraponto, emergem as iniciativas privadas, ligadas à distribuição de
em contexto de produção, estamos tratando de algo mais amplo. lucros de empresas, que entenderam que a atividade artística é, para utilizar um termo
Como produzem nossos artistas? Como veiculam seus resultados? do comércio, “um valor agregado”. Ao abordar contexto e produção da arte temos de
O artista tem hoje de se posicionar não só como realizador, mas colocar na balança estas várias realidades. Uma primeira questão se apresenta: como
como gerenciador da produção. Elaborando portfólios, estudando criar condições para que a produção artística possa ser um valor em si? (Maria Ivone,
leis e instituições para compreender onde investir seu tempo e di- 01.08.06, 5h25) O contexto de produção no Brasil se tra-
nheiro sem ser enganado. Por outro lado, as instituições buscam duz em três questões: recursos, público e fomento. Faltam recur-
políticas que preservem seus interesses e novos formatos de estí- sos para pesquisa em arte. É difícil levar a obra de arte ao público.
mulo à produção. Ainda temos um eixo Rio-São Paulo que respon- O governo não tem linha de fomento para as artes visuais. Mas
de pela “cara” da arte brasileira, e escolas de arte que parecem não nós, artistas, seguimos criando. Se não, a vida não vale a pena.
acompanhar essas discussões. Não vejo soluções claras. Creio que (“isabel”, 22.08.06, 15h36) Olhando o outro lado, seria
devem vir dos artistas e de suas ações. (Járed Domício, 08.07.06, interessante observar como se dá a gestão pública na área da
10h41) Concordo que levar novos artistas para uma exposi- cultura. Como se constituem os programas em aplicação nos
ção não é suficiente. Para dar conta do problema dos museus e espaços museus públicos? A cena nacional não poderia se reconfigu-
expositivos públicos sem recursos para sustentar uma programação, rar com a troca de experiências entre instituições? Como é a
temos de admitir que muitas coisas se dão fora da ordem. Como ma- constituição funcional de nossos museus? De que forma os
pear essa produção que se dá na informalidade e se manifesta nas mais acervos públicos se formam? (Maria Ivone, 01.09.06, 9h34)
diversas formas? (Maria Ivone, 08.07.06, 16h39) Como a arte so-
Percebemos que num país onde aspectos básicos de vida
brevive no Brasil, senão por iniciativa de artistas informais, que recorrem ao próprio substrato
ainda são problema, a arte consegue pairar como elemento vivo
urbano, de ruas e viadutos, como suporte e galeria? A produção contemporânea de arte conse-
e crescente da cultura. Pode não ser valorizada economicamente
gue se preservar na medida em que se compromete com a sua informalidade. (“für gestaltung”,
como muitos gostariam, mas é inegável sua boa aceitação sem-
09.07.06, 22h58) A produção de arte no Brasil vem se destacando pre que proposta. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 13h20)
em regiões das quais antes não ouvíamos falar. Independentemente do
contexto do mercado, a produção artística difunde suas manobras de
inserção no circuito. (“traplev”, 11.07.06, 7h56) Como exis-
tir no circuito de arte? Não basta produzir. É necessário articular
o pensamento sobre a produção e se fazer presente. Não perce-
bo que “certas regiões” centralizam apenas o mercado de arte,
mas também grandes possibilidades (para poucos) de produção
e pensamento sobre arte. Acredito nas ações independentes que

fiat mostra brasil blog 66|67


| Henrique Oliveira | Ourinhos, SP, 1973 | Formado pela Universidade de São Paulo e mestran-
do em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes, desenvolve uma produção visual
focada na pintura e na relação suporte pictórico/espaço arquitetônico. Integrou o estúdio-
residência Atelier Amarelo, em São Paulo. Foi um dos ganhadores do Prêmio Projéteis Funarte
de Arte Contemporânea (2005). Participou do Programa de Exposições do Centro Cultural São Desenhados para esconder e proteger o crescimento
Paulo (2006), do 5º Salão Nacional de Arte de Goiás (2005), do Projetéis Funarte na França da cidade, os tapumes se transformam em índices de deterio-
(2005) e da 9ª Bienal de Artes Visuais de Santos (2004). Realizou individual na Galeria Baró ração da própria paisagem metropolitana. Suas camadas de
Cruz, São Paulo (2006). Tem obras em coleções particulares e no acervo do Itaú Cultural (São lâminas, ao se despregar e apodrecer, revelam o orgânico sub-
Paulo). Vive e trabalha em São Paulo. | metido à indústria. Também criam uma proximidade mais do
que alegórica com a pintura modernista, sempre ocupada com
os problemas da materialidade do pigmento, da superfície, do
procedimento. A arte sempre dispôs de meios para representar
a cidade. Aqui, a cidade fornece o corpo capaz de sugerir a
representação de uma idéia de arte.

henrique oliveira
fiat mostra brasil henrique oliveira 68|69
tapumes | site specific |
18,4 m x 4 m x 1,2 m | 2006

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Katia Prates | Porto Alegre, 1964 | É mestre em poéticas visuais pelo Instituto de Artes da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em arte e tecnologia pela School
of the Art Institute of Chicago, EUA. Produz séries fechadas em técnicas e materiais diversos,
que mostrou em individuais como Árvores, paisagens, horizontes (Galeria dos Arcos, Porto
O trabalho é constituído por imagens de um único
Alegre, 2006) e Paisagens (Centro Cultural São Paulo, 2003). Expôs em coletivas no MARGS e
elemento, focalizado em cena de natureza. São fotografias
no Museu de Arte Contemporânea, em Porto Alegre, na Funarte (Rio de Janeiro) e nas mostras
que surgem do cruzamento de dois eixos: a busca pela mais
Rumos Visuais do Itaú Cultural (São Paulo) e Mostra Rioarte Contemporânea (MAM-RJ). Vive
comum das cenas e a aplicação de um corte não-usual ao
e trabalha em Porto Alegre. |
gênero da paisagem. O resultado acontece em imagens do
céu diurno. Frente a elas, estamos diante de uma impossí-
vel solidez da atmosfera, resultado da bidimensionalidade
fotográfica, e de uma emanação de cor que parece expandir-
se no campo visual. A obra propõe um olhar que investiga
o contraste entre o visto e o retratado, entre o retratado e o
reconhecido, entre o convencionado e o que ainda escapa à
convenção na paisagem.

katia prates
fiat mostra brasil katia prates 72|73
paisagens: dia | fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada | 2004

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| Leonora Weissmann | Belo Horizonte, 1982 | Bacharel em pintura pela Escola de Belas
Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, é artista plástica e cantora, além de professo-
ra da mesma instituição. Utilizando principalmente pintura, desenho e objeto, participou de
A paixão pelo poder de persuasão da imagem e o interesse pela
individuais e coletivas no país e no exterior. Integra o grupo de música Quebrapedra, o grupo
liberdade de escolha de elementos e processos de criação, como a pala-
cênico-musical Voz & Cia e a Misturada Orquestra, com os quais conquistou prêmio no projeto
vra, a cor e a música, movem a série Corpos-paisagem. São auto-retratos e
Conexão Telemig Celular 2005 e outros. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
retratos em proporção real de amigos e parentes, feitos em tinta a óleo e/ou
acrílica sobre tela. Todos encaram o espectador e têm as costas viradas para
a paisagem que os envolve. Este díptico retrata Dudu Nicácio e Leopoldina,
músicos parceiros e amigos. Seus corpos se estruturam na pintura a partir de
uma paisagem lúdica, que finge ser a mesma, mas que, ao se tornar pintura,
duplica-se. Ambos se fazem pintura, corpos e paisagens, e ambos são paisa-
gem, pintura e corpos. O espectador externo é responsável por esse infinito e
o torna possível: só ele vê paisagem e figura como uma imagem só.

leonora weissmann
fiat mostra brasil leonora weissmann 76|77
nome da obra | objeto
Xerostrud doluptat la feum vel el ea feugiamet, quat
retratos de leopoldina e dudu nicácio sobre a numsandre venit vent in velenis eugait autat. Ut acilla
mesma paisagem | díptico | pintura | 1,5 m x 2 m | 2004 coreriusci exer.

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| Luiz Roque Filho | Cachoeira do Sul, RS, 1979 | Trabalha com vídeo, cinema e fotografia.
Participou de coletivas como Mapeamento (Porto Alegre, 2005), Territórios (São Paulo, 2005),
Cinema digital (Recife, 2004), Contemporão (Porto Alegre, 2004) e 45th Competition for Film
and Video on Japan (Tóquio, Japão, 2001). Recebeu bolsa do SPA das Artes/MAMAM de Recife
para realizar a intervenção urbana Amor na Praia de Boa Viagem (2004). Foi premiado no 36º
Anual de Artes da FAAP (São Paulo, 2004) e um dos realizadores sul-americanos selecionados Projeto vermelho lida com a representação da paisagem,
para o Talent Campus, workshop do Festival de Cinema de Berlim (2005) na Universidad del um dos mais antigos temas da história da arte. A fumaça é utiliza-
Cine em Buenos Aires, Argentina. Organizou a mostra Cinema de artista para o festival Cinees- da como forma de quebrar o aparente naturalismo das imagens.
quemanovo (Porto Alegre, 2006). Seu Projeto Vermelho foi exibido no 25º Festival de Cinema e Inicia-se, com ela, um processo de artificialização de espaços natu-
Vídeo Experimental de Zagreb (Croácia, 2006) e no 9º Salão Victor Meirelles, em Florianópolis. rais que leva o espectador a apreciar o filme como obra de ficção,
Vive e trabalha em Porto Alegre. | e não mera representação da natureza.

luiz roque filho


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projeto vermelho | videoinstalação | 2006 |
Direção, roteiro e produção: Luiz Roque Filho | Fotografia e câmera:
Gustavo Jahn | Montagem e som: Letícia Ramos | Aparição: Morgana
Rissinger | Realização: Fazenda Roque Ramos |

fiat mostra brasil luiz roque filho 2|81


80 3
| Marcelo Moscheta | São José do Rio Preto, SP, 1976) | Bacharel em artes plásticas e
mestre em artes visuais pela Universidade Estadual de Campinas, suas pesquisas têm foco
no desenho e sua relação com a fotografia. Realizou as individuais Schemata (CCSP, 2006),
Desabitados (Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2006), Notícias da existência do mundo
(Fundação Jaime Câmara, Goiânia, 2005) e Sobre tudo o que se deve guardar (MAC Campi-
nas, SP, 2004). Foi premiado na coletiva do Centro Cultural São Paulo (2006), no 12º Salão A idéia do trabalho é a (re)construção de paisagens
da Bahia (2005), no 4º Salão Nacional de Arte de Goiás (2004) e no Edital do MAC Campinas retiradas de velhos cartões-postais e de fotos de lugares onde
(2003). Finalista da edição 2006/2007 do Prêmio CNI/SESI Marcantônio Vilaça, possui obras o avô do artista (que ele nunca conheceu) nasceu e esteve an-
em coleções particulares e acervos públicos, como Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ tes de imigrar para o Brasil, em 1921. Propondo a análise do
e Casa de Las Américas, Havana, Cuba. Integra o Centro de Pesquisa em Gravura da Unicamp. próprio processo de construção e representação de uma obra,
Vive e trabalha em Campinas, SP. | www.marcelomoscheta.art.br | o artista usa a gravura como meio para discutir as relações de
escala real com o espectador e de distância geográfica e tem-
poral, além de questões sobre sua multiplicidade e seu diálogo
com o universo fragmentado atual e virtual.

marcelo moscheta
fiat mostra brasil marcelo moscheta 84|85
refeitório | gravura em metal sobre poliestireno | 4 m x 2 m | 2006

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Ao longo de nossa discussão neste blog, vemos que o teor predominante nos temas foi muito sideração histórica, as responsabilidades políticas dos artistas
o mercado das artes. A figura do curador também é importante nessa discussão. Qual é a e dos curadores de hoje são algo muito complicado e devem
sua função nos dias de hoje? Ele é apenas um filtro ou figura determinante de tendências? ser analisadas caso a caso. Há artistas e artistas, e curadores
(“blogarte”, 12.08.06, 12h48) Acho que o curador é uma invenção que e curadores. (Marcos Hill, 14.08.06, 8h) Sem artista
pode ser descartada. Os curadores são pouco atrevidos e se escondem não existe curador ou curadoria. Sem curador ou curadoria, a
em temas e experiências já incorporadas. Ter o domínio da liturgia, da arte vai continuar existente. Isso está na cara de todos. (“nave”,
oralidade, não garante nada. O curador precisa de conteúdo, conhe- 20.08.06, 5h31) Todo mundo no Rio de Janeiro é artista e curador. Arqui-
cimento de arte. Essa questão do curador no Brasil é importante só tetamos e promovemos nossas próprias mostras. O que precisa de curadoria é a macroes-
para as instituições que precisam deles. (“alexis”, 10.08.06, 17h14) cala, senão a Bienal de São Paulo seria um feirão de doer. Mas, no dia-a-dia, o curador é
Na acepção que nos dá Teixeira Coelho no seu Dicionário crítico totalmente dispensável. (“isabel”, 22.08.06, 15h44) Nossa, é um alívio
de política cultural, curadoria define-se como: “tomar emprestado saber que pelo menos parte dos curadores dessa Mostra tem
algo e com ele construir outra coisa”. Por outro lado, assume um a incrível generosidade de discutir no campo mais democrá-
aspecto pejorativo. A primeira opção diz respeito ao que fazemos tico possível questões tão delicadas e nas quais seu próprio
com o que vemos e de que forma o agenciamos. A segunda, a um trabalho e ideais artísticos são questionados. (Bruno Gularte
poder que nos é outorgado para decidir por alguém “incapaz”. Barreto, 28.08.06, 21h36) Curadores são como os deuses
As duas formas coexistem no nosso sistema de artes. Assumo a no Olimpo das artes. Aqueles que escrevem os dez mandamentos
curadoria como uma tarefa de olhar, no horizonte do visível, pos- e decretam a destruição de Sodoma e Gomorra. O que farei para
sibilidades de conversa com um artista. Pensar que uma seleção ser abençoado nesse universo??? (anônimo, 11.09.06, 7h19)
não acaba na escolha, mas continua na forma como a exposição Tenho notado que os curadores vêem a arte contemporânea apenas sob a ótica
se dará. (Maria Ivone, 10.08.06, 21h30) (No Fiat Mostra conceitual. O artista que não tem linguagem conceitual não é selecionado. (anônimo,
Brasil), vários artistas farão envio de obras para a inscrição e serão 19.09.06, 11h40) No caso do Fiat Mostra Brasil, seria muito
submetidos a uma avaliação por “curadores” que também deveriam saudável a rotatividade dos curadores nas próximas edições, para
desenvolver mais o seu perfil. Gostaria de abrir um salão para avalia- que não se crie uma “identidade” fixa, e para que ocorra renova-
ção dos curadores, onde possamos ver a relevância dos seus trabalhos. ção das cabeças pensantes que escolhem quem participa. (anôni-
(“alexis”, 11.08.06, 12h01) Além da dimensão conceitual, o mo, 22.09.06, 18h39)
assunto da curadoria tem uma dimensão histórica e política que
paira sobre o circuito artístico sem nunca merecer um tratamento
crítico mais esclarecedor. Não se trata de ignorar ou querer elimi-
nar o curador e a curadoria. Não importando qual seja a “torci-
da”, curador e curadoria são realidades já bastante intrínsecas ao
universo da arte. (...) Vocês lembram da música que diz: “O so-
nho acabou. Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer so-
nhou”? Pois é. Aquele sonho das neovanguardas dos anos 1950,
1960 e 1970 de, através de um processo revolucionário socialista
explícito, combater a injustiça social, acabou mesmo. E, certa-
mente, o curador surge de modo profundamente comprometido
com as necessidades que as corporações internacionais passam
a ter de capitalizar, em proveito próprio, todo e qualquer tipo de
manifestação cultural e artística. Notem que, a partir dessa con-

fiat mostra brasil blog 88|89


| Marcus Bastos | Bauru, SP, 1974 | É doutor em comunicação e semiótica e professor da Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo. Seus projetos em novas mídias incluem os banners e
vídeos para painel eletrônico usados na infiltração na mídia Calhau (2006), o DVD Minha terra
tem palms (2005) e os sites circ-lular (2004), com o grupo Preguiça Febril, O livro dos cacos
(2002) e Webpaisagem0 (2002), com Giselle Beiguelman e Rafael Marchetti, único trabalho
Vídeo interativo em que os gestos sobre uma tela touch
brasileiro indicado para o international/media/art/award 2003 (ZKM). Foi selecionado para o
screen permitem controlar a opacidade de suas várias camadas
Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia 2005-2006 com o ensaio audiovisual dez (ou mais?)
audiovisuais. O trabalho reúne fragmentos de entrevistas, filmes e sons
minutos de liberdade. Traduziu para o português The Thoughtbody Interface Environment,
sobre os temas “liberdades”, “imagens” e “ruídos”. Os depoimentos
de Bill Seaman e Otto Roesler, e o poema Talk You, parte da instalação Text Rain, de Camilla
foram colhidos em 2006, com intelectuais e anônimos que falam sobre
Utterback e Romy Achituv. Vive e trabalha em São Paulo. |
utopias libertárias, formas de interdição e sua relação com as imagens
e sons que compõem a paisagem contemporânea. São dez fragmentos
que surgem como clusters audiovisuais fora de controle. Ao navegar
pelo projeto, o interator ajusta o foco de determinadas imagens e sons.
Ao fazê-lo, modela da forma que deseja o conteúdo, em processo
que faz do agenciamento do interator um mecanismo de exercício do
pensamento crítico. Os diferentes temas misturam-se, sem delimitar
fronteiras claras entre um e outro.

marcus bastos
fiat mostra brasil marcus bastos 90|91
O projeto

“Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito.
Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está
somente em conexão com outros agenciamentos.
(Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs)

Em Interface disforme, janelas de vídeo sobrepostas compõem um cluster


que o interator controla por meio de botões que ajustam o volume dos sons
e a opacidade das imagens. O movimento do mouse sobre a tela permite
reorganizar os fragmentos disponíveis.

O projeto explora temas relacionados à cultura digital: pirataria, utopias


libertárias estimuladas pela internet, práticas de vigilância em rede.
Construído a partir de entrevistas e remixes, aproxima o processo de
sampleagem dos agenciamentos de sentido. O sampler entendido como
forma de polifonia, trama de outros que surgem enquanto alguém fala.

Interface disforme estimula a atenção para a voz do outro, para a alteridade,


cada vez mais rara na cultura contemporânea, mundializada, homogênea.
A interface oferecida ao usuário é fluida, mas opaca. “É empresa difícil, e
mais árdua do que parece, acompanhar o andar do espírito, penetrar-lhe
as profundezas opacas e os ocultos recantos” (Montaigne).

Só pelo exercício de buscar as imagens e sons disponíveis, o interator


consegue fruir esse pequeno ensaio em que tudo surge quase ao mesmo
tempo e raramente desaparece (memória invertida em tempos de excesso
de informação). Os volumes de som e as freqüências revelam surpresas
audíveis conforme as combinações são experimentadas.

O desenvolvimento do projeto será feito a partir de pesquisa multimídia


(no acervo da TV Cultura, da TV PUC e na internet) e de gravações de
áudio e vídeo, em locação e estúdio. A pesquisa foi iniciada antes, para
desenvolvimento do projeto dez (ou mais?) minutos de liberdade, que
recebeu Menção Honrosa no 6º Prêmio Cultural Sérgio Motta, e do
curta-metragem radicais livre/os, em desenvolvimento pelo programa
Petrobrás Cultural 2006/2007.”

interface disforme | web arte | 2006 | Direção e desenvolvimento: Marcus Bastos | Tecnologia: Jim Andrews (DIALs for Adobe Director) | Produção: Marta
Scheider | Músicas: Dudu Tsuda | Pesquisa e captação de vídeo: Marcus Bastos e Rodrigo Gontijo | Locução: Daniel Daibem e Joana Ceccato. | Agradecimentos: Cicero Inácio
da Silva, Daniela Castro, Influenza, Jane de Almeida, Joca Reiners Terron, Lucas Bambozzi, Marcelino Freire, mm não é confete, Natália Mallo e Nelma Salomão. A gravação de
1973 da conversa doméstica entre Inês Knaut e Flávio Porto foi gentilmente cedida por Joana Ceccato, filha do casal.

fiat mostra brasil marcus bastos 92|93


| Mariana Silva da Silva | Porto Alegre, 1978 | Graduada e mestre em poéticas visuais pelo
Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é artista plástica e professora
da Universidade de Caxias do Sul. Trabalha com fotografia, vídeo e livro de artista, e centra
sua pesquisa nos conceitos de contato e superfície. Participou das coletivas Pequena distância
(Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2006), 9º Salão Victor Meirelles (Museu de Arte de Santa
O trabalho nasce de uma investigação a respeito
Catarina, Florianópolis, 2006) e 8èmes Rencontres Internationales Paris/Berlin (Grande Halle
das fronteiras do corpo e sua permeabilidade ao exterior.
de la Villette, Paris, França, 2004), e realizou as individuais Litoral (Museu Victor Meirelles,
Tenta-se mapear uma situação de fronteiras em contato por
Florianópolis, 2004) e Pontos de contato (Instituto Goethe, Porto Alegre, 2001). Em 2004,
meio de sua apresentação fotográfica. Tocar as fronteiras
publicou o livreto de artista Para preencher um buraco, a partir de intervenção realizada em
com a ponta dos dedos, com as palmas das mãos, capturar
Porto Alegre. Vive em Porto Alegre e trabalha em Caxias do Sul, RS. |
esse contato: momentaneamente os cabelos adquirem movi-
mento, flutuam por uma carga elétrica permeável a
um corpo exterior.

mariana silva da silva


fiat mostra brasil mariana silva da silva 94|95
à distância (elétrico) | fotografia | 0,40 m x 0,60 m cada | 2003/04

fiat mostra brasil mariana silva da silva 96|97


| Mariane Rotter | Ijuí, RS, 1975 | Formada em artes plásticas pelo Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestranda em artes pela mesma instituição, dá
continuidade ao projeto de graduação Meu ponto de vista, que consiste em fotografar o pró- Um livro-objeto com seqüências de fotografias que criam
prio cotidiano com enquadramento fixo, na altura do horizonte dos olhos, a 1,30 m do chão. diálogos entre imagens do cotidiano da artista em Porto Alegre e
Vive e trabalha em Porto Alegre. | em São Paulo. Esse diálogo toma outra dimensão no arranjo das
imagens e no contato com o público, que poderá folhear o livro e
relacionar seu próprio cotidiano àquele captado pela artista, como
que compartilhando uma intimidade comum. Impresso em formato
de bolso, o livro passa por um processo de dispersão e disseminação:
será exposto, trocado, doado e esquecido em pontos da cidade.

mariane rotter
fiat mostra brasil mariane rotter 98|99
O projeto

“Fotografando com uma câmera portátil digital, tenho agilidade para capturar
imagens no dia-a-dia. Revendo fotografias produzidas desde 2003, reúno-as
em pares, dípticos de imagens que se relacionam. Reagrupadas, tomam novo
sentido.

Muitas vezes pensei minhas fotografias como uma seqüência de gestos, de


detalhes revelados pelo corte.

Este projeto quer romper com a lógica do uso banal da imagem no contexto
do cotidiano. Ele questiona o uso indiscriminado da imagem que não reclama
sentido, valoração e ética em meio à proliferação de cenas reais e objetivas do
mundo contemporâneo.

Minha proposta é produzir pequenos livros, seqüências de fotografias,


diálogos em que imagens do projeto meu ponto de vista: indutor de
percepção cotidiana formarão dípticos com as novas imagens captadas
durante minha estadia em São Paulo.

Os livros serão confeccionados em tamanho de bolso e impressos em uma


tiragem que permita disseminá-los: distribuí-los, deixá-los em bibliotecas,
esquecê-los em bancos de praças, trocá-los com artistas e expor exemplares
para que sejam manuseados.

As ações serão registradas em imagem, fazendo parte do projeto.”

indutor de percepção cotidiana | fotografia/livro | 2006

fiat mostra brasil mariane rotter 100|101


| Marta Neves | Belo Horizonte, 1964 | É formada em desenho e cinema de animação e mes-
tre em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Par-
ticipou de eventos e coletivas no Brasil e no exterior. Expôs individualmente na Léo Bahia Arte
A artista descreve sua atividade como uma “tentativa de ironia
Contemporânea (Belo Horizonte, 2004), Galeria Circo Bonfim (Belo Horizonte, 2001) e Galeria
e jogo com o seríssimo ridículo cotidiano”. As 12 tarefas exemplifica sua
Baró Senna (São Paulo, 2001). Dá aulas de estética na UFMG, no Unicentro Newton Paiva e na
aproximação com o kitsch, “visitado, revisitado, abraçado”. A obra é o
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
registro em vídeo de uma visita guiada por Elke Maravilha a uma exposição de
arte contemporânea no Centro Cultural São Paulo, em outubro de 2006. Os
visitantes são recrutados entre transeuntes da Praça da Sé. Durante o passeio,
Elke usa os signos do zodíaco para relacionar arte e vida. As reações das
pessoas e os comentários filosóficos são surpreendentes.

marta neves
fiat mostra brasil marta neves 102|103
O projeto

“Quem iria a um museu se fosse convidado? Quem se interessaria ou se


atreveria a olhar e julgar livremente as peças expostas? O diálogo da arte com
o grande público terá se tornado uma utopia? Que relação o público tem
(tem?) com a arte dentro dos museus e galerias? Para que, afinal, eles servem?
E a grande palavra ARTE? Dá para fazer alguma coisa com ela?

A partir dessas dúvidas surgiu a idéia de fazer um jogo com o público


potencial de uma mostra efêmera.

Talvez uma celebridade de unanimidade não burra, como Elke Maravilha,


como body artist e performer que é (óbvio que o público não sabe desses
conceitos acadêmicos, embora, ao ver sua figura, intua muito bem do que
se trata), pudesse ser suficientemente convincente para seduzir umas tantas
pessoas a entrar numa van e passar alguns minutos numa exposição.

Dentro do projeto proposto, numa tarde de sábado ou domingo, um grupo


de pessoas sairá com Elke Maravilha para visitar uma pequena exposição,
montada de maneira simples, de forma a não impor gastos à instituição nem
danos às obras. A artista funcionará como monitora da mostra.

Cada obra será apresentada conforme texto que me foi mostrado pela própria
Elke Maravilha, As 12 tarefas, em que fala, de maneira singular e sedutora,
dos signos do zodíaco. Cada trabalho torna-se um signo.

Como se vê, não temos aí uma monitoria de caráter didático: Elke, embora
possa mencionar título e artista de cada trabalho apresentado, não
discursará sobre a história do mesmo ou as intenções de seu criador, nem
se atreverá a se apropriar de textos da crítica especializada. A ponte entre as
obras de arte e o público é casual como a circunstância, ou como a própria
vida e sua ausência de roteiros.

Um professor argumentaria: e o que se lucra com uma coisa dessas? Nenhum


conhecimento, nenhuma informação sobre arte, nada foi ‘ensinado’. Só encenado.

Não creio de fato que, numa tarde somente, alguém vá ‘aprender a ver
cultura’. Não é essa a intenção. Mas por que não dizer a essas poucas pessoas
alguma coisa sobre a vida, sobre as doze tarefas dos signos de todos nós que
estamos por aí, presentes nas criações humanas, espelho – embora às vezes
estranho e de difícil aproximação – de nossas mentes, projetos, rejeitos, o que
for? Afinal de contas, não seria mais agradável, menos presunçoso (embora
talvez utópico) mostrar-lhes que, a despeito da esquisitice das obras (e não
menos dos artistas, curadores e afins), das faixas de segurança, dos avisos de
‘favor não tocar’, do deleuzismo (e eu gosto do filósofo, viu?) dos discursos
especializados, o fio condutor entre a arte e a vida ainda não se desfez?

Tarefa difícil, mas agradável. E não uma só, mas doze.”

2|3

fiat mostra brasil marta neves 104|105


as 12 tarefas | performance | 2006

fiat mostra brasil marta neves 106|107


| Martha Gabriel | São Paulo, 1962 | Engenheira graduada pela Universidade Estadual de Cam-
pinas, tem pós-graduação em comunicação de marketing pela Escola Superior de Propaganda
e Marketing de São Paulo e em design gráfico pelo Centro Universitário Belas Artes de São Pau-
lo. É mestre em artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Professora e coordenadora
na Universidade Anhembi Morumbi, é diretora de tecnologia da NMD (New Media Developers) O trabalho faz convergir voz e imagem em um
e crítica da LEA (Leonardo Electronic Almanac), publicação do Massachusetts Institute of Tech- mosaico visual/aural na web. Pessoas que interagem por
nology, EUA. Seus trabalhos e pesquisas na área de arte, ciência e tecnologia foram apresenta- telefone, de qualquer lugar do planeta, integram ao mosaico
dos em congressos e exposições internacionais como SIGGRAPH (Los Angeles) e Consciousness suas próprias vozes e escolhem as cores das pastilhas que o
Reframed (Plymouth), EUA. Vive e trabalha em São Paulo. | www.martha.com.br | compõem. A interface acessada via telefone usa síntese de
fala e reconhecimento de voz. Cada ligação gera uma pastilha
do mosaico. As interações visuais e sonoras que geram a obra
representam uma dissolução de fronteiras e uma convergência
da mais antiga rede de comunicação global (o telefone) com a
maior rede computacional do mundo (a internet).

martha gabriel
fiat mostra brasil martha gabriel 108|109
moZaico de voSes | web arte | 2004

fiat mostra brasil martha gabriel 110|111


Como o mercado influi nas artes e a “rua” influi nas “galerias”? Mercado de arte? Uma linha de produção de obras que ilustrem as conveniências dos
A arte pode ter seus rumos ditados somente pelo mercado? Até curadores. O que importa aos curadores é a viagem que possam fazer na escolha, e que
que ponto a arte brasileira é orientada pelo mercado das artes? garanta a harmonia de seus próprios projetos. Eles têm o perfil e o tempo para garantir a
(“blogarte”, 17.07.06, 7h59) É fatal que o mercado mande montagem do Tríptico Contemporâneo: dinheiro, instituição e artista institucional. (anôni-
nas artes. Acho que as galerias só se dão conta da “rua” quando essa é mo, 09.08.06, 15h35) Concordo com o comentário acima.(...) Arte
apropriada pelo mercado. Caso de Basquiat e Keith Haring. (“mouse”, verdadeira, AQUELA que só os grandes criadores sabem fazer, é so-
17.07.06, 10h54) Creio que é meio demais falar que o mercado MANDA mente pra quem tem cacife para entender o que é. O que se vê hoje
na produção artística. O que vejo é o mercado se configurando como uma poderosa linha de é uma parafernália sem eira nem beira, gente que não tem a mínima
força, sobretudo no sentido de dar visibilidade. No entanto, não creio que toda a produção artís- noção do que a arte representa para o desenvolvimento humano.
tica esteja ligada ao mercado. Acredito que as estratégias artísticas contemporâneas tensionam (anônimo, 06.09.06, 13h30) Uma das nossas posições é
essa linha de força. Numa sociedade como a nossa, as lógicas de produção dificilmente se des- a seguinte: buscamos questionar o establishment, mas não
vinculam do modo de operação do capital, mas algumas vezes artistas importantes conseguem pretendemos fazer isso de fora, no anonimato. Queremos
explorar e subverter essa lógica em trabalhos reveladores do estado atual da arte e dos modos nosso espaço para criação e discussão inclusivas! (“adriana
de subjetivação. (Edu Jesus, 17.07.06, 15h56) e bruna”, 14.10.06, 17h13) Estamos fazendo arte na
Não preciso comprar arte para ter referências. Preciso só ser eu mes- nossa relação com o mundo, na forma de estabelecer contato
mo. De forma alguma o mercado dita os rumos da arte. Arte não é com todas as instâncias nas quais gravitamos. Tanto o mercado
moda, é algo que somente quem faz sabe o que é. (...) (“charleysilva”, quanto a rua são espaços possíveis, mas não únicos. A questão
19.07.06, 15h59) Essa divisão mercado / rua é bem estrei- é saber transitar. A estrutura acadêmica e o recente e crescente
ta para que pensemos a arte atual. Tem arte de rua chegando na maior engajamento de artistas nesse meio está propiciando um
galeria. Tem galeria legitimando os trabalhos de rua. Talvez devês- trânsito, uma mescla e uma comunhão de artistas e teóricos, dis-
semos ampliar o pensamento sobre o que estamos chamando de cussões descentralizadas, encontros interessantes!!!!!!!!!! Como
mercado de arte para compreender como se sustenta a produção criar estratégias de atuação social no meio em que se está inseri-
artística no Brasil. Não seriam as instituições culturais uma outra do? Como perceber as brechas de inserção, atuação, visibilidade
parcela desse mercado? Muitos artistas bancam seus próprios tra- e subsistência? Como construir um meio alternativo ao instituído,
balhos. Não seria essa também uma parcela desse mercado? Na que dialogue, que subsista, mas que também questione? Como
maior parte do país sequer existe esse mercado de arte no forma- trabalhar paralelo com os grandes centros, construindo outras
to tradicional. Mas o que assusta é o poder de legitimação que foi histórias, outras vivências, outras experiências? Esse é o movimen-
conferido às galerias. Tão forte que não se compara a nenhuma to... (“adriana e bruna”, 20.10.06, 20h30)
estratégia de divulgação da maioria dos artistas. Mesmo o papel
dos curadores de muitas exposições fica sujeito ao seu mando.
Mesmo assim acredito na postura dos artistas que acabam por
subverter essas relações e propor novos caminhos. (Járed Domí-
cio, 23.07.2006, 14h49) (...) Penso que o termo “circuito de
arte” pode ser bem interessante. Existem muitas propostas que circu-
lam e encontram seus pares pela internet, universidades, correios etc.,
e que não necessariamente passam pelo mercado de galeria. O que a
arte na rua está trazendo, a meu ver, é um alargamento do circuito,
uma busca de autonomia: a galeria não é canal obrigatório entre ar-
tista, obra, público e outros artistas. (“ariel”, 31.07.06, 14h33)

fiat mostra brasil blog 112|113


| Milena Travassos | Recife, 1976 | Formada em artes plásticas e filosofia, produz objetos,
instalações e vídeos que pesquisam a transparência, o corpo e a descontextualização. Expôs
nas individuais Um lugar fora dele (Galeria do Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção,
Fortaleza, 2006), O mergulho e ligações (Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, 2006 e
2003), no 12º Salão da Bahia (Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 2005), na 25ª Arte TRATA-SE DE UMA VIDEOINSTALAÇÃO QUE SE ENCONTRA
Pará (Museu do Estado do Pará, Belém, 2006) e na coletiva Projéteis de arte contemporânea em meio a uma pesquisa artística intitulada Um lugar fora
(Galeria do Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, 2006). É coordenadora de artes visuais dele. Vertigem aponta questões acerca do corpo, do lugar, do
da Fundação de Cultura da Prefeitura de Fortaleza e do Núcleo de Artes Visuais do Alpendre deslocado, do risco; propõe uma outra apreensão do tempo e
- Casa de Arte, Pesquisa e Produção, em Fortaleza, onde vive e trabalha. | do sentido. Ressalta um lugar e um corpo que se tornam mais
sutis e afetáveis pelo fora, predispostos a um deslocamento
de sentido. Paisagens e ações que funcionam como indicações
de um tempo expandido em um território recortado de seu
uso convencional. O corpo e suas ações são pensados para
subverter um locus previamente escolhido e propõem uma
outra apreensão da paisagem, por apresentarem uma ação
executada em um território ou contexto improvável.

milena travassos
fiat mostra brasil milena travassos 114|115
vertigem | videoinstalação | 2006

fiat mostra brasil milena travassos 116|117


| Mariana K | São Paulo, 1981 | é formada em cinema. | Milena SZ | São Paulo, 1977 |, em
processamento de dados, arquitetura e urbanismo. Juntas, desenvolvem ações de intervenção
pública que podem envolver artes gráficas, vídeos, música, VJing com software livre, camise-
tas, instalações e performances, além de estruturas midiáticas interativas que permitem a par-
O carrinho de camelô, objeto característico da
ticipação de amigos e do público. Criaram o projeto VJ itinerante, com mixagens e projeções
cultura popular de centros urbanos, transforma-se em ilha
ao vivo e em tempo real em construções em São Paulo (2005), participaram com performances
audiovisual móvel, estrutura midiática que capta e transmite,
do iRAP-Nokia Trends (São Paulo, 2005) e do 404 - Festival Internacional de Arte Eletrônica
em tempo real, depoimentos audiovisuais colhidos nas ruas de
(Argentina, 2004). Expuseram no MAM-RJ (2004-2005). Vivem e trabalham em São Paulo. |
São Paulo. A publicação dos depoimentos na internet (streaming)
apresenta a rede também como uma espécie de “espaço público”
de “mentes coletivas”. O material colhido na rua é base para uma
performance audiovisual na qual a audiência pode ser tão ativa-
participativa quanto os emissores das mensagens. Nessa relação
social mediada por sons e imagens, a Sociedade da Vigilância se
alia à Sociedade do Espetáculo.

mm não é confete
fiat mostra brasil mm não é confete 118|119
O projeto

“Este trabalho faz parte de nosso work in progress The Everydayness


Manifesto, desenvolvido a partir de pesquisas sobre as flaneries do século
XIX (‘As ruas são a moradia coletiva. O coletivo é uma essência incansável e
eternamente movediça; entre as fachadas dos edifícios, suporta, experimenta,
aprende e sente tanto quanto indivíduos dentro da proteção de suas quatro
paredes’ - Walter Benjamin) e de estudos que inter-relacionam a Sociedade da
Vigilância e a Sociedade do Espetáculo: ‘O espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’ (Guy
Debord, 1967).

A estrutura midiática será levada a espaços públicos de grande contingência


populacional itinerante, como um canal aberto de manifestação para captação
e transmissão de depoimentos audiovisuais para interação online. Na última
semana da exposição, apresentaremos a performance.”

manifeste-se 2.0 | intervenção urbana & live performance | 2006

fiat mostra brasil mm não é confete 120|121


fiat mostra brasil mm não é confete 122|123
| Nydia Negromonte | Lima, Peru, 1965 – naturalizada brasileira | Graduada em desenho pela
Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem especialização em gravura
pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Foi artista residente no Atelier
HANGAR, de Barcelona, Espanha, em 1999. Participou da ARCO Feria Internacional de Arte
Contemporáneo (Madri) e das coletivas Corpo seco (Galeria Sicart, Barcelona) e Urbild (Galeria Em regime de retroalimentação, a obra proporciona a imersão de fluxos contínuos,
Antonio de Barnola, Barcelona). No Brasil, realizou individuais na Galeria Thomas Cohn (Rio de catalisados pela extração e distribuição de sucos de frutas variadas. O sistema se move a partir de um eixo
Janeiro, 2005), na Galeria Manoel Macedo (Belo Horizonte, 2004), no Torreão (Porto Alegre, central: uma caixa d’água que, sustentada pela verticalidade da torre de trabalho (espécie de coluna dorsal),
2003), no Centro Universitário Maria Antonia (São Paulo, 2000) e na Valu Oria Galeria de Arte alimenta e dá suporte à ação. Dela, migram três mesas retangulares, dispostas em hélice, cada uma com seu
(São Paulo, 1995). Vive e trabalha em Belo Horizonte. | tanque, liquidificador e acessórios. Como extensão, gôndolas-fruteiras, dispostas na parede, são abastecidas
periodicamente, convidando o público a tomar partido do sistema rotativo. O núcleo extrator de sucos, misto
de zona de trabalho e espaço de convívio, expõe modos de abastecimento, armazenamento e escoamento,
sedimentados por meio de relações estabelecidas e liquidificadas.

As ações que integram a instalação constituem um grande sistema, que se desenvolve em regime de
retroalimentaçao. As imagens e o mobiliário utilizados na obra resultam de uma pesquisa sobre modos de fazer e
incluem resíduos de funcionamento de locais semelhantes. A obra consiste em:

1. Pólo de extração de suco de frutas: estação de preparo e distribuição de suco de frutas.

2. Audiovisual: exibição de imagens da ação, registradas ao longo do período da exposição, em dois plasmas.

3. Gôndolas: mobiliário para o armazenamento das frutas e utensílios nas paredes, com espelhos e lixeira.

nydia negromonte
fiat mostra brasil nydia negromonte 124|125
casa das vitaminas II | ação/instalação | 2006

colaboradores | Fernando Maculan,


Marcelo Drummond, Marconi Drummond,
Francilins, João Castilho e Pedro David

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fiat mostra brasil nydia negromonte


fiat mostra brasil artistas 128|129
| Raquel Stolf | Indaial, SC, 1975 | Artista plástica e escritora, é mestre em poéticas visuais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de artes plásticas na Universidade do
Estado de Santa Catarina. Investiga intersecções, ressonâncias e estranhamentos entre palavra
e silêncio em fotografias, objetos, instalações, vídeos, desenhos, livros de artista, proposições
sonoras e intervenções. Realizou as individuais Projeto secreto [estadias instáveis] (Criciúma,
A microintervenção sonora consiste em veicular
SC, 2005), Fora [do art] (Florianópolis, 2004) e Céu regravável (Florianópolis, 2003) e partici-
o áudio de um grilo entre contextos específicos da cidade,
pou de coletivas como Entorno de operações mentais (Belém, 2006) e Panorama da Arte Brasi-
por meio de carros de som ou de bicicletas que circulam em
leira (São Paulo, 2005). Esteve no 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (São
diferentes trajetos. Nesse conceito de proposição artística, situ-
Paulo, 2005) e no 61º Salão Paranaense (Curitiba, 2005). Coordena a publicação experimental
ações sonoras são propostas em espaços e tempos habitados-
Sofá e o Projeto de Extensão Membrana, na Udesc. Vive e trabalha em Florianópolis. |
percorridos por alguém, ora explorando relações de imersão e
inserção nos múltiplos sons dos espaços urbanos, ora suscitan-
do interrupções ou pausas sonoras mínimas.

raquel stolf
fiat mostra brasil raquel stolf 130|131
grilo | intervenção sonora | 2006

fiat mostra brasil raquel stolf 132|133


| Ricardo Cristofaro | Juiz de Fora, MG, 1964 | É graduado em artes visuais pela Universidade
Federal de Juiz de Fora, mestre em arte e tecnologia da imagem pela Universidade de Brasília e
doutorando em artes visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Participou do 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2005), do Festival
Internacional de Vídeo y Artes Eletrônicas (Cidade do México, 2005), do File - Electronic Lan-
guage International Festival (São Paulo, 2004) e do 404 Festival Internacional de Arte Electro- O artista investiga estruturas de realidade virtual em
nica (Rosário, Argentina, 2004). Esteve na mostra Cinético digital, no Itaú Cultural (São Paulo, sistemas como internet, CD-ROM e videoinstalação, demarcan-
2005). Recebeu o 1º Prêmio no Festival de Arte Eletrônica INCUBA, na Argentina (2005) e o do e explorando ambientes de percepção tridimensional. Sua
Prêmio Pesquisa no setor Artemídia do projeto Rumos Itaú Cultural (2003). Em 2006 realiza “arte objetual numérica” é construída a partir da apropriação,
estágio de doutorado no laboratório ATI - Arts et Technologies de l’Image da Université Paris 8. deslocamento e ressignificação de matérias-primas coletadas
É professor do Instituto de Artes e Design da UFJF. Vive e trabalha em Juiz de Fora, MG. | na internet. Trabalhando com modelagem 3D, edição de
imagens e animação, ele reagrupa fragmentos de objetos co-
tidianos, texturas e sons em estruturas cinéticas insólitas, que
valorizam e contrariam os contextos de percepção. Aqui, dois
objetos numéricos fazem movimentos de expansão, retração
e rotação, construindo, em diálogos constantes, um processo
de reconhecimento das relações físicas, matéricas, formais e
funcionais entre eles. Uma performance de incongruências,
redefinições e indecisões.

ricardo cristofaro
fiat mostra brasil ricardo cristofaro 134|135
objetos ansiosos | videoinstalação/animação numérica | 2005

fiat mostra brasil ricardo cristofaro 136|137


Com base na matéria publicada pela Folha de S.Paulo no dia 18 de julho, discutiremos neste Mas que ela existe, existe. Como las brujas. (“avaliadordear-
tópico as diferenças entre arte digital e arte contemporânea. Até que ponto “a arte digital te”, 02.08.06, 7h46) Gostei muito das considerações do
está no pára-choque da arte contemporânea?” Como está a participação da arte digital no Ariel. “Se artistas que trabalham com computadores reclamam da
mercado? (“blogarte”, 25.07.06, 9h30) Por que arte digital não é arte senilidade institucional, bem-vindos ao time!” No caso da artemí-
contemporânea? Contemporâneo não é o atual?? (Monique Scarazzi, dia (termo mais adequado para dar conta dos desdobramentos
25.07.06, 13h51) Para mim isso não importa nem um das práticas artísticas que usam dispositivos e técnicas digitais
pouco. Lógico que os artistas plásticos irão defender a arte tradi- e/ou maquínicas), as exposições são caras e o circuito, restrito.
cional e ridicularizar a arte digital e as “facilidades” das técnicas Creio que a artemídia vai precisar de um novo conjunto teórico,
criadas pelos softwares. Sou mais aquela história: “o meio (não) é que certamente vem de um embaraçamento complexo entre o
a mensagem”. (anônimo, 27.07.06, 11h17) Realmente que já existe e as atualizações. Ruptura e, ao mesmo tempo, con-
essas divisões existem. Talvez seja o mesmo que aconteceu com o ví- tinuidade. (Edu Jesus, 05.08.06, 5h49) Ainda que a arte digital
deo, que precisou de alguns anos para entrar no circuito e no mercado seja também contemporânea, o auxílio de uma ferramenta que trabalha de acordo com
das artes. Antes, estava sempre fora, em anexos, como o inflável que algoritmos pré-elaborados e que executa milhões de processos não deve estar no mesmo
abrigava videoinstalações na 22a. Bienal de São Paulo (ao contrário do nível de um pincel que se limita a armazenar algumas gotas de tinta. Da mesma forma, um
que seria razoável, para citar a Giselle: “Do cubo branco à caixa preta, desenho em grafite é diferenciado de um acrílico sobre tela. Um não é melhor ou pior que
mais propícia para projeções”). Lembro-me de uma complexa instala- o outro, mas são diferentes. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 22h41) O que
ção interativa de Paul Garrin (White Devil), que funcionava aos tran- mais me chamou atenção nessa matéria da Folha foi a questão do
cos e barrancos e já anunciava essa interatividade possibilitada pela artista que não domina o software e por isso é dominado por ele.
interface maquínica, bastante diferenciada daquilo que Lygia Clark e Trabalho com grandes nomes da media art que não conseguem
Oiticica genialmente anunciaram. A raiz talvez seja a mesma, o que abrir um e-mail, não conhecem a diferença entre NTSC e PAL, não
Cuchot chama de corrente participacionista. Creio que essas separa- conseguem fazer um post em um blog. Imagina, então, conseguir
ções sejam parte de um processo de desenvolvimento. Brevemente, os saber como funcionam os algoritmos, os modelos 3Ds, os efeitos
artistas vão incorporar procedimentos tecnológicos e/ou científicos às (tão abusados pelos que são “dominados” pelo software). Acho
suas obras, o que vai servir para diminuir essa estranha barreira entre que a arte digital, com mídia eletrônica, é em geral fraca, cheia
a arte contemporânea e digital. (Edu Jesus, 28.07.06, 12h12) de clichês técnicos, burocrática e bruta. Não existem olhos para a
A computação gráfica é apenas uma ferramenta. Como um pincel ou um buril. O que se faz com sutileza. Existem olhos de quem quer fazer melhor sem realmente
essas ferramentas é que é arte ou não. (Ruy Souza, 28.07.06, 20h16) Gosto muito mergulhar no mar escuro... (“f.w.”, 28.09.06, 2h15)
do Eduardo Kac, não apenas porque ele trabalha com tecnologia, mas
porque discute questões éticas, estéticas, sociais, filosóficas, artísticas.
O trabalho de Kac não é atual simplesmente porque é tecnológico. Por
que segmentações e nichos que restringem discussões mais amplas?
Se artistas que trabalham com computadores reclamam da senilidade
institucional, bem-vindos ao time! (“ariel”, 31.07.06, 15h48)
Existe uma programação visual muito elaborada dentro da estra-
tégia de marketing do novo produto da área digital... E nem por
isso podemos chamá-lo de arte. Enquanto isso, a arte contempo-
rânea pode usar algum meio digital para melhor expressão de sua
idéia criativa. Acho bem tênue a linha que separa uma da outra.

fiat mostra brasil blog 138|139


| Rodrigo Borges | Governador Valadares, MG, 1974 | Mestre em artes visuais pela Escola de
Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem na prática do desenho seu campo
de pesquisa, e desenvolve trabalhos que buscam uma espacialidade capaz de articular novos
sentidos de envolvimento do espectador. Realizou mostra individual no programa de exposi-
ções 2005 do Centro Cultural São Paulo e participou das coletivas Geometrias impuras (Projeto A obra é composta por fitas adesivas de cores
Amplificadores, Recife, 2006), Disposição (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2005) e Rumos e larguras variadas, estendidas no espaço e fixadas na arquite-
da nova arte contemporânea brasileira (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2002). Professor da tura. Articula-se através do contato da superfície das fitas com
EBA/UFMG, vive e trabalha em Belo Horizonte. | a superfície do chão, da parede e de elementos estruturais do
lugar de instalação, como vigas e colunas. Sua conformação
espacial busca envolver o espectador em uma experiência
sensual, abstrata e mais alargada do espaço, atuando nas
relações entre material (fita adesiva) e lugar onde se instala,
guardando uma autonomia que lhe permite aderir-se a outros
(novos) espaços.

rodrigo borges
fiat mostra brasil rodrigo borges 140|141
entre tem ar | site specific/instalação |
5,10 m x 3,5 m x 4 m | 2006

fiat mostra brasil artistas

142|143
| Rodrigo Freitas | Franca, SP, 1983 | Graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais com habilitação em pintura, desenvolve trabalhos plásticos usando
desenho, gravura e pintura em têmpera de grande formato. Suas imagens, que evocam paisa- Parte de série de pinturas sobre o espaço urbano,
gens do cotidiano, surgem da sobreposição de outras, desenhadas, fotografadas ou escritas. as obras são paisagens pintadas que nascem de percursos
Cursa gravura na EBA-UFMG. Vive e trabalha em Belo Horizonte. | pela cidade. No caderno, linhas e manchas se fazem pontes,
prédios, praças. No ateliê, a cidade real se funde com outras,
fotografadas, escritas, gravadas, compondo o registro dos lu-
gares conhecidos nos trajetos diários. Assim, a cidade pintada
se constrói no incansável jogo de apresentar-se e ocultar-se
sob as camadas de tinta, como a cidade real, construída no
ininterrupto ciclo de demolição e reconstrução ao longo do
tempo. As cidades pintadas representam uma tentativa de
apreensão do espaço urbano por meio de seus arquétipos pos-
síveis e propõe a edificação de novos lugares da memória.

rodrigo freitas
fiat mostra brasil rodrigo freitas 144|145
sem título | pintura, têmpera sobre compensado | 2,2 m x 1,6 m | 2005 sem título | pintura, têmpera sobre tela | 2,2 m x 1,5 m | 2005

fiat mostra brasil rodrigo freitas 146|147


| Thais Ueda | São Paulo, 1977 | É ilustradora e designer gráfica, de web e de objetos. Suas
ilustrações são produzidas principalmente no computador, mas também faz uso do látex para
Utopédia visa agrupar, na web, os sete principais
a pintura de telas e murais, e do kiri-ê, técnica de ilustração japonesa baseada em recortes de
macroverbetes de uma enciclopédia de utopias que se
papel. Vive e trabalha em São Paulo. | www.hana-bi.net/home.htm |
encaixam, de maneira que formem um todo, uma rede
de idéias e informações. Ao convergir, essas informações
compõem um túnel do tempo capaz de nos levar ao futuro:
sonhos e visões coletados em texto, vídeo e áudio.

thais ueda
fiat mostra brasil thais ueda 148|149
O projeto

“Home: os macroverbetes são agrupados de forma circular. No mouse-over,


a seta acende a cor que identifica o macroverbete, enquanto uma foto ou
imagem ilustra a ação. Quando se clica no macroverbete, três submenus se
abrem no centro, formando um túnel para novos verbetes. Um botão com o
sinal + indica que há mais informações disponíveis para quem clicá-lo. Uma
animação em círculos mostra uma segunda leva de verbetes; ao se clicar o
botão mais uma vez, surge uma terceira leva, e assim por diante, até que a
primeira leva apareça novamente.

Página-verbete: as páginas seguirão o mesmo padrão, mas serão identificadas


por cores com o macroverbete ao qual pertencem. Nessa página-template,
são considerados: mini slide show de imagens, link para vídeo, link para áudio
(entrevista ou som relacionado).

Busca: por palavra-chave ou avançada.”

utopédia | web arte | 2006

fiat mostra brasil thais ueda 150|151


| Vera Bighetti | São Paulo, 1946 | Mestre e doutoranda em mídias digitais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, em 1998 migrou das artes plásticas para a pesquisa em
tecnologia digital. Desde então, vem desenvolvendo projetos em arte tecnológica e processos
com rotinas autogenerativas. Participou da Bienal de Havana, Cuba, do Festival WebArt da
O computador aprisiona o observador pela estética,
Iugoslávia e do Diesel New Art Competition da Suécia e Dinamarca, além de eventos em mu-
pela interação, pelas possibilidades de manipulação em tempo
seus e centros de novas mídias como Ruccas.org, Soundtoys.net, Generative.net, Rhizome.org,
real. A interface e sua relação visual permitem um olhar original.
Hipersônica de São Paulo, International Arts and Technology Festival, International Conference
O processo de rotinas autogenerativas é seu próprio índice,
Information Visualization. Vive e trabalha em São Paulo. | www.artzero.net |
capaz de transportar a visualização dos meios não-verbais. Parte
desta experiência está no prazer de sentir e ver algo que traz um
sentido do inusitado. As obras demandam um leitor ergódico,
capaz de operar uma configuração física e mental para se deixar
interiorizar pela imagem-acontecimento e compreender as
regras de interação com o objeto.

vera bighetti
fiat mostra brasil vera bighetti 152|153
fullfil fullness | web arte | 2006

fiat mostra brasil vera bighetti 154|155


| Vulgo é uma marca de suprimentos culturais. Dedica-se à convergência entre o design, a
comunicação de massa e a ecologia para a produção e disponibilização de cultura nos mais
diversos modos: objetos, imagens, espaços, livros, paisagens, eventos, vídeos, serviços, mul-
timídia etc. | Criada por Simone Cortezão (Timóteo, MG, 1983) e Wellington Cançado (Belo
Rotativos é um piloto de ocupação transitória e
Horizonte, 1974) em 2006, lançou a série de screen-savers para download Relógios de parede
móvel de espaços públicos. Uma frota de arquiteturas ambu-
(parceria com TANDE), e produziu o livro Paisagens engarrafadas. Atualmente desenvolve um
lantes que, libertadas da inércia tectônica, veiculam programas
projeto para piscinas públicas em Belo Horizonte. Vivem e trabalham em Belo Horizonte. |
variados de acesso público. Veículos utilitários são transfor-
www.vulgosite.com |
mados em ambientes interiores e paisagens sobre rodas e
organizados em espaços para descanso, reflexão, diversão e
serviços variados. Configuram um sistema de agenciamento de
atividades culturais e cotidianas, que oferece cinema, galeria
de arte, restaurante e terraços-jardins, além de produzir, expor
e disponibilizar vídeos, publicações independentes, trabalhos
de artistas e designers, informações, imagens, sabores, objetos
e outros suprimentos culturais. O projeto age na ocupação
de vagas rotativas em horário comercial em regiões urbanas
centrais, durante cinco dias corridos, por meio da aquisição de
aproximadamente 350 cartões de Zona Azul.

vulgo
fiat mostra brasil vulgo 156|157
O projeto
vias de tráfego, avenidas e estacionamentos. Esse processo fulminante de substituição dos espaços públicos por domínios
“No contexto atual das cidades baseadas na mobilidade e em regras de ocupação urbana diversas, Rotativos surge como uma privados e da supremacia da engenharia de tráfego, entretanto, não é específico de alguma cidade, tendo sido regra geral
infiltração que atua nos limites impostos por essas regras. Se as cidades são pensadas e desenhadas pelas vias de tráfego, que em várias regiões metropolitanas.
desenham os vetores por onde se circula sem parar, Rotativos é uma tática de utilização de espaços urbanos privatizados. Uma
área pública enorme, destinada ao estacionamento cronometrado, à permanência limitada, à ocupação vigiada e paga. Esse O projeto de intervenção Rotativos parte do pressuposto de que as áreas públicas devem ser utilizadas para atividades coletivas
contrato de utilização (aluguel? licenciamento?) é feito mediante a compra de um documento que legitima a presença, em um de interesse público, sejam elas serviços ou jardins. Para tanto, Rotativos propõe o aluguel e a ocupação de vagas em horário
dado intervalo de tempo (uma, duas ou cinco horas), naquele lugar. comercial nas regiões centrais, durante sete dias corridos, para uma frota de cinco arquiteturas ambulantes, através da compra
de aproximadamente 350 cartões de estacionamento rotativo. Os veículos terão, obrigatoriamente, de circular pela cidade,
Praticamente todas as capitais brasileiras têm um sistema de estacionamento pago para vagas públicas. Conhecido com Rotativo cumprindo os prazos máximos de ocupação de cada vaga. No último dia, a frota se encontrará em algum ponto da cidade, de
em várias cidades, Zona Azul em São Paulo, Faixa Azul em Belo Horizonte, esses espaços são administrados em sua maioria por acordo com a disponibilidade de vagas contíguas, para uma ocupação coletiva e articulada que resultará num equipamento
empresas privadas que detêm concessões e têm como objetivo declarado promover o aumento da oferta de vagas, melhorar a público e numa praça linear suspensa, formados pelo acoplamento dos cinco veículos.
fluidez do tráfego, disciplinar o uso do espaço público, aumentar a circulação de pessoas em determinadas áreas e gerar receita
aos cofres do município. O projeto prevê a transformação dos veículos utilitários em espaços adaptados aos programas propostos (cinema, galeria de
arte, terraço-jardim etc). A intervenção deverá ser completada pelo trabalho de colaboradores convidados (videoartistas, músicos,
Belo Horizonte, por exemplo, tem 475 quarteirões regulamentados, aproximadamente 60 mil vagas de Faixa Azul. São mais chefs de cozinha, empresários, cabeleireiros, escritores, fotógrafos, artistas multimídia, paisagistas e jardineiros, designers,
ou menos 70 mil metros quadrados de área ou setenta hectares destinados a vagas pagas, somente na região delimitada arquitetos), que poderão disponibilizar trabalhos próprios ou contribuir com a construção.
pela Avenida do Contorno, parte planejada da cidade. O Parque Municipal, grande área verde central da cidade, que
originalmente possuía 62 hectares, hoje está reduzido a 18,2 (quase um quarto da área do Faixa Azul). Grande parte dessa Todo o processo de construção, os sete dias de intervenção e seus desdobramentos serão documentados e registrados em vídeo,
área pública foi gradativamente substituída, ao longo de um século, por empreendimentos privados, mas principalmente por fotografia e (carto)graficamente.”

fiat mostra brasil vulgo 158|159


rotativos | intervenção urbana | 2006 |
Colaboradores: Dellani Lima [cinema] | Leonardo Cançado [restaurante] | Marcelo Maia [circuito TV] | Renata Marquez [galeria de arte] |
Albert Moreira; Felipe Nuno; Milene Nelson; Viviane Spaco. Artistas participantes: Alexandre Milagres, Bruno Mitih, Carlo Sansolo, Carlos
Magno, Cezar Migliorin, Christian Caselli, Cinema de Poesia, Cláudio Santos, Dellani Lima, Erika Frankel, Fábio Carvalho, Gabras, Gui
Castor, Guiwhi Santos, Joacélio Batista, João Manoel Feliciano, Kleber Mendonça Filho, Louise Ganz, Marcellvs L., Marcelo Ikeda, Nilson
Primitivo, P. Bastos, Petter Baiestorf, Thiago Arruda, xplastic.net [CINEMA] | Adriana Galuppo, André de Souza, Andrea Costa Gomes,
Breno Thadeu, Cássia Macieira, Cícero Menezes, design 1/1 [Eduardo Campos e Ramilson Noronha], Fernando Maculan, Frederico Pessoa,
Guilherme Machado, Guto Lacaz, Isabela Prado, Josana Matedi, Lorena Costa Souza, Louise Ganz, Marina Noronha, Marlon dos Santos,
Maurício Leonard, Renata Márquez, Ronaldo Macedo, superfície.org [Leandro Araújo e Roberto Andrés], Susana Bastos [GALERIA DE ARTE]
| Motoristas: Gilberto Resende; José Almeida; José dos Santos | Agradecimentos: IED - Istituto Europeu de Design, Podium Som e Design.

fiat mostra brasil vulgo 160|161


marcos hill
É professor de história da arte dos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Centro de Experimentação
e Informação de Arte (CEIA), de Belo Horizonte. Artista plástico, estudioso e investigador
da imagem, é autor de diversos artigos e livros sobre arte contemporânea, como O visível e
invisível na arte atual (2003) e Manifestação internacional de performance (2005), terreno no
qual se firma como um dos mais importantes pesquisadores do país. É bacharel em gravura,
mestre em história da arte e doutorando em história pela Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFMG.

eduardo de jesus m a r i a ivo n e d o s s a n t o s


É graduado em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais É artista plástica e pesquisadora nas áreas de fotografia e escultura, com ênfase para a ação
(1991), mestre em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001) artística no espaço público. Professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
e doutorando da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professor Grande do Sul, coordena desde 1999 o programa de extensão Formas de Pensar a Escultura
da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG, integra a comissão de programação do (www.ufrgs.br/artes/escultura), que discute a produção artística contemporânea e as relações
Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Editou a publicação on-line FF>>Dossier da arte com o espaço público, e a Galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (www.ufrgs.
(www.videobrasil.org.br), foi um dos organizadores do livro Cultura em fluxo (PUC-MG, br/galeria/), que exibe a produção da comunidade ligada ao Departamento de Artes Visuais e
2004), com André Brasil, Carlos Falci e Geane Alzamora, e é autor de um panorama da pro- ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS. Co-organizou o livro A fotogra-
dução brasileira contemporânea de artemídia publicado pela Intersociety for the Electronic fia nos processos artísticos contemporâneos (2004).
Arts (www.isea-web.org/inl/inl100.html) em 2005.

giselle beiguelman marisa mokarzel


É artista e pesquisadora. Seus projetos, disponíveis no endereço www.desvirtual.com.br,
É diretora e curadora do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, espaço dedicado à arte
envolvem dispositivos de comunicação móvel, como em Wop Art (2001), e o acesso público
contemporânea e às mostras experimentais em Belém. Foi curadora do programa Rumos
a painéis eletrônicos via web, SMS e MMS, como em egoscópio (2002), Poétrica (2003) e
Visuais (2005/2006), do Itaú Cultural, e da mostra Carne/Terra, de Berna Reale, na Galeria
esc for escape (2004). Apresentou trabalhos na 25a. Bienal de São Paulo (2002), Arte/Cidade
Kunsthaus, em Wiesbaden, Alemanha (2004). Tem atuado como curadora em exposições
(2002), Net_Condition (Alemanha, 1999), el final del eclipse (Espanha, 2001) e Algorithmic
de jovens artistas do Pará. Mestre em história da arte pela Universidade Federal do Rio de
Revolution (Alemanha, 2005). É professora da pós-graduação em comunicação e semiótica
Janeiro e doutora em sociologia pela Universidade Federal do Ceará, é professora de história
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, editora da seção Novo Mundo da revista
da arte no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da Amazônia.
eletrônica Trópico. Publicou O livro depois do livro (2002) e Link-se (2005) e, como co-
autora, New Media Poetics (MIT Press, 2006). Criou o net.art (netart.incubadora.fapesp.br),
plataforma de discussão sobre cultura de rede e net arte.

járed domício stéphane huchet


É artista, conhecido por suas instalações e intervenções arquitetônicas. Participou da mostra
É formado em história da arte e doutor pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em
Vizinhos, conexões entre artistas do Brasil, no Museumsquartier, Viena (2006); do Salão
Paris. Lecionou na Universidade Paris VIII entre 1991 e 1995, quando ganhou bolsa do Mi-
Nacional de Arte Contemporânea do Paraná, no MAC-Curitiba (2005); do programa de ex-
nistério das Relações Exteriores da França para pesquisar a arte contemporânea brasileira. Foi
posições do Centro Cultural São Paulo (2004); da Bolsa Pampulha, em Minas Gerais (2003-
professor visitante na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1996).
2004); do projeto Rumos Visuais, do Itaú Cultural (2001-2003); e da Bienal Ceará América
Publicou Le Tableau du Monde - Une théorie de l’art des années 1920 (Paris, 1999) e artigos
de Ponta Cabeça (2002). Graduado em ciências sociais pela Universidade Estadual do Ceará
para Art Press e Beaux-Arts. Foi curador das exposições O contato (Paço das Artes, São Paulo,
(2001), foi coordenador de artes visuais da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de
2002) e Contato (Castelo do Flamengo, Rio, 2004). Pesquisador do CNPQ, é professor da
Fortaleza entre 2005 e 2006.
Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais desde 1988.

fiat mostra brasil curadores 162|163


Diferenças e alteridades | Marcos Hill

Nosso objetivo deve ser sempre o de aprimorar o consumidor, espiritual e


intelectualmente. | Ivo Mesquita

Há um certo tempo, em evento ocorrido na cidade de Belo Horizonte, o


curador Ivo Mesquita insistiu na diferença entre ações assistencialistas
e filantrópicas, propondo uma reflexão crítica sobre os modos de atuação de
instituições e iniciativas no campo da arte.

Como o próprio curador assinalou, há hoje uma tão acentuada mobilização de


patrocinadores e consumidores que museus, exposições e bienais tornaram-se
importantes estratégias financeiras na manutenção de certos programas, insti-
tuições e mesmo administrações, públicas ou privadas.

No decorrer de sua fala, Mesquita constatou a forte tendência assistencialista


no contexto político e cultural brasileiro, apontando a possibilidade de neu-
tralizá-la por meio de propostas que priorizem uma circulação mais efetiva de
informações, propiciando oportunidades emancipadoras e fugindo à regra de
apoios que, dissimuladamente, visam manter seus beneficiários em estado de
contínua dependência.

O que pude absorver do pensamento de Mesquita está ressoando no momento


em que escrevo estas linhas, pois todo o processo no qual me envolvi, ao longo
da consolidação do projeto Fiat Mostra Brasil, me possibilitou maior convivên-
cia com uma produção cultural patrocinada pelo capital corporativo.

A experiência foi interessante na medida em que, longe de qualquer unilate-


ralidade assistencialista ou filantrópica, estabeleceu-se um diálogo no qual as
partes envolvidas dispuseram-se espontaneamente a contribuir com o melhor
para o êxito do projeto.

Tal disponibilidade deve servir como prova de que é possível estabelecer, no de-
licado campo da arte e da cultura, parcerias frutíferas entre artistas, produtores
culturais e a iniciativa privada.

Sendo assim, enquanto profissional diretamente envolvido com o evento Fiat


1 | Seminário Políticas
Mostra Brasil, pude usufruir de suficiente liberdade para, junto com uma valiosa Institucionais, Práticas
equipe, definir diretrizes cuja motivação principal era a vontade de estimular a Curatoriais; organização
de Rodrigo Moura,
potência criativa e crítica de seus participantes. Museu de Arte da Pam-
pulha, 2004.

Nesse sentido, o projeto se destaca, definindo procedimentos pouco comuns 2 | MESQUITA, Ivo,
em eventos dessa natureza. Entre eles, podemos citar a distribuição de um ge- “Longe daqui, aqui
mesmo: Museus, silêncio
neroso prêmio de igual valor aos trinta artistas selecionados. e contemplação” IN:
MOURA, Rodrigo (org.),
Políticas institucionais,
Por outro lado, a inclusão de nove vagas para projetos a ser executados com o apoio práticas curatoriais, Belo
material da Mostra visou respaldar a pesquisa em arte, priorizando o desenvolvi- Horizonte, Museu de
Arte da Pampulha, 2004,
mento de processos em detrimento da usual supervalorização dos resultados. p. 64.

fiat mostra brasil curadores

164|165
Ainda relativizando valores vigentes no circuito da interessando-se mais pela produção de artistas que, No blog, a perspicácia das focalizações permitiu não É exatamente esse lastro sobre o qual se fundamenta
arte, optou-se por ressarcir profissionalmente os cura- independentemente da idade e do “tempo de estra- somente um confronto mais imediato com questões a produção contemporânea de arte que precisa ser
dores convidados com o mesmo montante oferecido da”, demonstraram compromisso objetivo com a pes- cruciais da arte, como possibilitou aos interlocutores mais bem divulgado ao grande público, desde que o
aos artistas selecionados. quisa, permitindo-lhes assim, para além da visibilidade uma intensa troca de pontos de vista e informações. desejo seja o de criar, no campo da arte e da cultura,
e do glamour, a materialização de suas boas idéias. as tais dinâmicas emancipadoras.
Considero esse um bom começo para um projeto de Assuntos tais como o que é a arte contemporânea,
artes visuais que, mantendo sua periodicidade, pode Os critérios definidos pelos sete curadores indicam o contexto da produção artística no Brasil ou a con- Mais acessíveis, elas podem neutralizar a alienante
vir a ampliar práticas de fomento mais efetivas, defini- com clareza um direcionamento alternativo, evitando troversa figura do curador serviram como provoca- aceleração do consumo, aproveitando o que de me-
das por bolsas-residência para artistas brasileiros, sob tendências recorrentes no grand monde do contem- ções para discussões que configuraram a urgência lhor o mundo globalizado pode nos oferecer: uma
a mediação de artistas, curadores, críticos e teóricos porâneo e apostando na inteligência de práticas com de mais diálogo. nova concepção de nós mesmos por meio de experi-
que, convidados, se disponham a estabelecer inter- postura crítica diante do que “convém ser” arte. ências de diferenças e alteridades.
locuções motivadoras, animadas por uma itinerância A falta de repertório por parte de muitos visitantes
estendida a todo o território nacional. Outro investimento motivador foi a inclusão do má- remeteu-nos a preocupações anteriormente tratadas A falta de repertório foi igualmente detectada durante
ximo de categorias midiáticas no edital. Longe de pelo curador Mesquita: até que ponto eventos como a análise dos mais de 2.800 portfólios inscritos. Ao
Se, por um lado, a dimensão nacional do projeto Fiat querer esgotar ou indexar possibilidades, o reco- o Fiat Mostra Brasil podem contribuir para a formação longo do processo seletivo, os curadores constataram
Mostra Brasil não é inovadora, por outro, sua inten- nhecimento de dezoito linguagens valoriza a fértil de um público mais preparado, uma população mais inúmeras dificuldades de entendimento do que é arte,
cional abrangência vem reiterar a necessidade sempre permeabilidade técnica da qual se serve a produção educada visualmente e sensível à experiência do olhar desde suas noções mais básicas.
atual de buscar conexões proveitosas com a abundan- artística contemporânea. como forma de conhecimento?
te produção artística brasileira. Enquanto rastreadores de boas propostas, deparamo-
Esse extenso inventário de linguagens pode inclusive Refletir sobre “o que é a arte contemporânea” faz nos com situações dilemáticas pontuadas em meio ao
Desde os anos 1980, a prática do “mapeamento” está constituir-se em pretexto para uma salutar reflexão emergir um debate importante que precisa ser man- volumoso número de inscrições. Diversos sintomas
presente nos modos de pensar a arte, veiculando ques- sobre a inventividade humana alinhada ao tempo pre- tido vivo. Pois os conteúdos por ele evocados não di- emergiram. Em muitos casos, foi detectado certo “en-
tões da expressão humana tanto no âmbito local quan- sente. Hoje, antigas e novas tecnologias confirmam zem apenas respeito ao artístico. Surgido como uma curralamento” entre o peso ainda atuante de uma tra-
to no global. Em meio à mundialização determinada suas especificidades, em conversas que desconstroem urgência ética vivenciada pela geração sobrevivente à dição acadêmica mal compreendida e os ditames do
pelo advento da informática, várias estratégias emer- os fundamentos de uma “pureza” estética comprova- Segunda Guerra Mundial, o ímpeto de diluir os limites que é “contemporâneo” para o circuito, impedindo o
giram, aproximando mercado, produção cultural e ar- damente desnecessária. entre vida e arte continua atualíssimo. artista de desenvolver sua própria força expressiva.
tística e interesses políticos de ordem muito variada.
Tiram proveito dessa oportuna desconstrução os artis- De lá para cá, os impactos causados pela imposição Apesar de não constituir nenhuma novidade, a con-
Além do aumento de uma produção crítica e teórica tas que, sem a preocupação de aprovar ou combater de um sistema financeiro ávido de lucros especu- centração de poder político e econômico nas princi-
mais voltada para os processos, a internacionalização qualquer linguagem, usufruem de todas, praticando lativos geraram problemas que nos afetam diaria- pais capitais brasileiras foi reiterada, não apenas pelos
da arte, no Brasil, reforçou o interesse em se inventa- estimulantes graus de contaminação entre os meios. mente, tais com os desastres ecológicos, a migração diferentes graus de articulação do discurso artístico,
riar a produção artística no âmbito nacional. de povos espoliados pela miséria e pelas guerras mas igualmente pela verificação de diferentes níveis
Sendo assim, pinturas, gravuras, fotografias, colagens, localizadas, a exclusão social, a violência urbana, o de familiaridade com as novas tecnologias.
Há décadas estabelecido, o próprio eixo Rio-São objetos, instalações, vídeos, performances, artes digi- fanatismo religioso, a corrupção estatal, o crime or-
Paulo reconheceu a necessidade desse rastreamen- tais e intervenções urbanas promovem, no Fiat Mostra ganizado e o terrorismo. Uma avaliação crítica dessa concentração aponta para
to territorial como possibilidade estratégica de rea- Brasil, uma instigante aproximação entre alteridades, a já conhecida precariedade em que vive uma impor-
limentação de um circuito instigado a ampliar mun- tensionando os tradicionais conceitos de obra e espa- Nesse contexto, propostas artísticas mais sintonizadas tante parcela de brasileiros, no que concerne à redis-
dialmente sua visibilidade. ço expositivo. com o cotidiano passaram a instigar a sociedade pla- tribuição de bens culturais que permitam uma melhor
netária no sentido de expandir sua consciência sobre consciência perceptiva.
Sem desconsiderar a importância histórica de projetos Visou-se, com isso, a valorização de dimensões éticas si mesma. A aproximação entre arte e vida, fazendo-
institucionais que já realizam leituras abrangentes do intrínsecas ao artístico que, apesar de já vigorarem em as muitas vezes coincidir, tornou-se então o indicador E isso inclui não apenas a falta de acesso a informa-
território artístico brasileiro, o surgimento dessa nova discursos circulantes, ainda aparecem como novidade de transformações perceptivas para as quais a simples ções mais pulsantes como também uma série de de-
iniciativa revitaliza o desejo de conectar-se com o des- para a grande maioria dos observadores. contemplação estética já não tem mais sentido. ficiências do sistema de ensino da arte, que lida com
conhecido próximo, superando tendências centraliza- dificuldades para melhor preparar consumidores e
doras das quais nosso contexto cultural nunca esteve Enfrentando o recorrente problema de um público Estamos falando de mudanças provocadas não só pela profissionais desejosos de atuar nesta área.
totalmente a salvo. pouco preparado e visualmente pouco educado para aceleração do tempo, mas também pelos movimentos

a experiência do olhar, o blogearte da Mostra consti- de questionamento e desconstrução da tradição, das O problema da formação do artista é crucial porque
Desse modo, o Fiat Mostra Brasil desobrigou-se de tuiu uma das principais interfaces do projeto, estabe- grandes narrativas e das categorias que antes organi- envolve questões impregnadas de valores dúbios. Con-
3 | www.blogearte.
blogspot.com cumprir protocolos já bem estabelecidos no circuito, lecendo uma direta interlocução com seus visitantes. zavam o conhecimento. vencionalmente, ser artista é, no melhor dos casos, ser 4 | Idem, ibidem, p. 56.

fiat mostra brasil curadores 166|167


especial, ter sucesso e surpreender. Na pior das hipó-
teses, é ser irresponsável, vagabundo e marginal.

Estou tratando aqui de construções moralistas por


demais arraigadas nas diversas instituições da socie-
dade contemporânea brasileira. Mesmo no caso das
escolas de arte com melhores condições estruturais,
a consolidação do campo da arte como um campo
de produção de conhecimento é dificultada por um
modelo acadêmico restritivo.

Nele vigora a hegemonia das Ciências Tecnológicas,


impondo às outras áreas critérios tecnocráticos de
avaliação. Critérios que, sendo pouco adequados ao
universo artístico, não contribuem para uma forma-
ção na qual rigor técnico e competência na elabora-
ção de conteúdos possam convergir.

Apurando a leitura crítica, é importante ressaltar que,


dentro das mesmas escolas, existem iniciativas coleti-
vas e individuais corajosas. Trata-se de professores que,
confrontando a inércia institucional, procuram resgatar
o que de aproveitável este ensino ainda pode oferecer.

Diante da visão ampliada provocada pelo Fiat Mostra


Brasil, ficam claros o insuficiente aproveitamento de
potenciais inerentes a pessoas desejosas de produzir
arte e a impotência das estruturas de ensino frente à
burocracia acadêmica.

A oportunidade que tivemos de esboçar diagnósticos


nos reaproximou de problemáticas que, longe de se-
rem desestimulantes, nos instigam a continuar traba-
lhando como educadores, teóricos e fomentadores de
agenciamentos condutores de conhecimento.

No Brasil, não há dúvidas: estamos lidando com um


solo fertilíssimo no que tange à produção artística. É o
que se conclui de uma experiência como essa.

Talvez o Fiat Mostra Brasil sirva, desde já, como um


indicador convincente do tanto que, atenuando os im-
pactos da lógica especulativa, investimentos culturais
privados podem viabilizar ações artísticas e culturais
capazes de resgatar a qualidade de vida tão necessária
a todos os habitantes do nosso planeta.

fiat mostra brasil curadores 168|169


Coordenadas em movimento | Eduardo de Jesus

Assim, o contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem informativa, uma condição de


perfeita entropia estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. Tudo é permitido. | Arthur C. Danto
No blog em que iniciamos uma série de debates após a divulgação do
edital do Fiat Mostra Brasil, em junho de 2006, uma das questões
dizia respeito ao processo curatorial. A discussão que se seguiu foi bastante
produtiva, até porque o anonimato permitido pelas interfaces da comunicação
on-line parece ter possibilitado maior abertura e radicalismo nos comentários. É
no mínimo sintomático que este tenha sido o segundo tópico mais comentado
entre todos.

Não vou aqui investigar a etimologia ou mesmo o sentido jurídico da palavra


curadoria. Tampouco tentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do
público neste tema. A idéia é intensificar o debate acerca das curadorias, espe-
cificamente a que gerou o Fiat Mostra Brasil.

Antes de mais nada, é preciso pensar a produção artística contemporânea como


um território móvel, uma plataforma movediça que desliza incessantemente entre
os mais diversos e complexos agenciamentos sociais, culturais, políticos e econô-
micos, entre outros. Algo que não se assemelha em nada a um discurso concluído,
mas sim a um tatear constante, uma inundação de dúvidas vindas da produção e
da reflexão artísticas realizadas no domínio do tempo presente. Múltiplas linhas
de força caracterizam essas atividades, além de uma certa urgência. Situações
diversas e em movimento constante. Arte contemporânea talvez seja isso.

Se pensarmos nestes mesmos termos sobre a produção artística brasileira, tal-


vez seja possível ver o território se desdobrar ainda mais, ampliando-se em no-
vas situações e direções que inevitavelmente passam pelos inúmeros problemas
políticos e sociais que enfrentamos hoje, e que se refletem, de uma forma ou de
outra, nos modos de produção, exibição, conservação e fomento à produção
artística. A situação, aqui sim, é de urgência. Situações extremas, como as que
vivemos no Brasil, complexificam ainda mais a produção e a reflexão artística
– e, por conseqüência, as questões curatoriais.

Em uma série de livros de bolso, o Centro de Arte Contemporânea BALTIC, liga-


do à Universidade de Newcastle, na Inglaterra, publicou transcrições de encon-
tros entre curadores e artistas. As conversas, apesar de amistosas, mostram as 1 | www.blogearte.
blogspot.com
tensões típicas do sistema da arte contemporânea. Em um dos debates, Carolyn
Cristov-Bakargiev, ex-curadora do P.S.1, espaço vinculado ao MoMA de Nova 2 | www.balticmill.
com/visit/index.php
York e dedicado à arte contemporânea, aponta suas dúvidas sobre os processos
curatoriais e afirma se sentir mais confortável em curadorias de exposições indi- 3 | HILLER, Susan e
MARTIN, Sarah, The
viduais do que de coletivas, já que, nas primeiras, acredita estar desenvolvendo Producers: Contemporary
uma espécie de monografia sobre o artista. A analogia é interessante para Curators in Conversation,
Gateshead, BALTIC,
examinarmos as muitas possibilidades de desenvolvimento curatorial. 2002.

170|171
A idéia de desenvolver uma curadoria como espaço de Foi dentro desse panorama que a seleção dos traba- No caso específico do vídeo, apesar da trajetória his- uma reflexão e uma aposta na expansão dos limites
reflexão e de debate parece aproximar as idéias de Cris- lhos aconteceu. Um processo coletivo, para o qual tórica mais longa, o meio ainda acaba seduzindo os da prática artística para além dos já estabelecidos e
tov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experien- cada um dos curadores convidados trouxe em sua mais desavisados com seus frágeis e fáceis efeitos que, consolidados. Nessa perspectiva, possibilidades de
te crítico de arte e curador francês que, durante a jor- bagagem distintas visões e experiências teóricas e algumas vezes, ocultam a inconsistência das propostas contaminação de toda ordem abrem espaço para ou-
nada de debates da 26ª Bienal de São Paulo, em 2004, práticas de contato com a produção artística atual. artísticas e, em outras, apenas enfatizam um profundo tras abordagens das questões sociais ou tecnológicas
definiu o curador como alguém que gera discursos em Um confronto cheio de trocas dentro de uma diver- conhecimento técnico. Relacionar-se com as imagens que se aproximam da produção artística brasileira. O
conjunto com o artista. Para Royoux: “O exercício da sidade de pensamentos acabou, por meio de intenso em movimento, ao contrário do que muitos pensam, próprio limite do espaço expositivo também foi am-
curadoria é uma extensão da crítica de arte e, portanto, debate, por configurar o Fiat Mostra Brasil. Como vem se tornando cada vez mais difícil, sobretudo pelo pliado com uma série de obras que dialogam inten-
constitui uma forma de discurso. Uma exposição é um resultado, a exposição aponta para uma certa situ- fato de o real estar tomado de imagens, reforçando o samente com a cidade e seus fluxos. Possibilidades de
discurso que um curador elabora junto com o artista.” ação, e não para uma certeza ou tendência. Aposta que afirmava Serge Daney: “filmar é ver ao quadrado”. ampliação do fenômeno artístico para além do pró-
em uma circulação de idéias para mostrar os enfren- Neste colapsado circuito de imagens, é importante prio espaço expositivo.
Confrontos e trocas tamentos entre os discursos da arte, as práticas artís- que a multiplicidade dos tempos e as possibilidades
ticas solidificadas, o rompimento de barreiras entre de criação valorizem uma imagem capaz de resistir às Agora podemos confrontar o resultado desta Mostra,
As duas posições explicitam, entre outros pontos, que suportes e mídias, o campo teórico e a aproximação facilidades dos procedimentos técnicos, garantindo buscando nos situar sobre uma pequena e significa-
alguns processos de curadoria se estruturam na ten- com os diversos espaços de convívio que experimen- outros sentidos para a imagem em movimento. tiva parcela da produção artística nacional. Mesmo
tativa de colocar o pensamento em ação em busca de tamos na vida contemporânea. que o Fiat Mostra Brasil não esteja organizado em re-
situações de confronto e de diálogo entre a produção Rede de subjetividades presentações estaduais, que explicitem as bordas do
artística, a vida social e o campo teórico. Com isso, Estilhaçamento e renovação território físico, acaba sendo o resultado dos múltiplos
provocam no público reflexões e aproximações que O que houve de mais importante em todo o proces- agenciamentos neste espaço imaginário e real que é
podem reverberar em uma experiência ampliadora Gostaria de chamar a atenção para duas modalidades so de concepção do Fiat Mostra Brasil foi uma refle- o Brasil. Uma complexa rede de subjetividades em
dos sentidos e do pensamento. Minha experiência na artísticas dentro do processo curatorial. Os trabalhos xão, que acredito ter atravessado todos os curadores, uma cena social entremeada de confrontos e tensões.
curadoria do Fiat Mostra Brasil seguiu essa direção. em mídias digitais (interativos) e vídeo demonstram sobre a arte brasileira atual e sobre nosso papel na Nesse contexto, a exposição pode revelar, mesmo que
como essas plataformas têm se tornado cada vez configuração final da exposição. Fugindo da posição com distintas intensidades, uma produção artística 6 | COUCHOT, Edmond,
A tecnologia na arte -
Ver as obras, ler os projetos, assistir aos vídeos e in- mais comuns entre os suportes de desenvolvimento e de avaliadores da qualidade ou de “certificadores do que surpreende ao conseguir criar possibilidades de da fotografia à realidade
teragir com os trabalhos foi sobretudo um exercício criação artística. No entanto, no caso das mídias digi- ISO 9000 das artes”, como enfatizamos no texto so- diálogo, de interlocuções e de reflexões que nos per- virtual, Porto Alegre,
Editora da UFRGS, 2003,
de compreensão das muitas práticas e estratégias que tais, é fundamental que se procure um caminho pró- bre a seleção dos trabalhos, os curadores buscaram mitem alcançar novos modos de perceber a vida. p. 266.
povoam a produção artística brasileira contemporâ- prio, que ao mesmo tempo dialogue com a tradição
nea. Encontramos diversidade, aberturas e contami- artística e saiba retirar das especificidades de cada
nações de toda ordem, sobreposições e justaposições meio o que têm de próprio e instigante. A interati-
entre o global e o local, pesquisas com os mais va- vidade precisa se contaminar de processos poéticos
riados sentidos e profundidades, em um território ao que abram alguma possibilidade de fruição para além
mesmo tempo pulsante e caótico. do simples domínio técnico e, com isso, novas possi-
bilidades de produção e outras formas de percepção,
Trabalhos das mais diversas intensidades, com múlti- como observa Couchot:
plas possibilidades de reconhecimento e articulação,
revelaram a existência de circuitos artísticos de pe- Longe de introduzir uma ruptura estraçalhado-
quena escala e de atuação local, mas que configu- ra na continuidade da arte, e permanecendo
4 | A cobertura destes ram uma certa situação da arte brasileira e um certo bastante frágil, o numérico apenas fornece-lhe
debates está disponí-
vel no site do Fórum pensamento artístico e crítico. Coordenadas em mo- os meios tecnológicos que lhe convêm. Bem
Permanente: Museus vimento desenham um espaço expandido do qual fa- utilizado, submetido a um projeto estético co-
de Arte; entre o público
e o privado (www. zem parte todos esses procedimentos. Propostas que erente, todo modelo lógico-matemático pode
forumpermanente.incu- vão da total inocência e distanciamento em relação às ser desviado de suas funções originalmente
badora.fapesp.br/portal/.
painel/palestras). questões que experimentamos agora até aquelas que científicas (tornar o real inteligível). As práti-
se alinham em torno de tentativas densas de diálogo cas artísticas numéricas não se dispersam, em
5 | BRAGA, Paula, “O
curador e a instituição com os muitos aspectos da realidade brasileira. As li- conseqüência, nas práticas preexistentes, elas
de arte”. Disponível em:
www.forumpermanente.
nhas de fronteira dos campos artísticos se abrem, por se hibridizam, reforçando seu estilhaçamento e
incubadora.fapesp. meio de fricções, para situações híbridas nas quais, sua renovação, não sem desencandear certos
br/portal/.painel/pales-
tras/document.2004-10-
freqüentemente, a possível especificidade do suporte efeitos perversos.
05.8927372279. dá lugar aos procedimentos experimentais.

fiat mostra brasil curadores 172|173


174|175
Nos espaços moventes da arte | Marisa Mokarzel

Em exposições é comum o visitante locomover-se em várias direções


para olhar, perceber e se relacionar com o objeto que, organizado
no espaço, se articula com outras obras, permitindo, ou não, distinguir um con-
ceito. As relações que se estabelecem são de várias ordens, podendo ocorrer
entre o visitante, o espaço e a obra ou entre os próprios visitantes. Moventes
desenhos se formam, fornecendo uma dinâmica por onde percorrem sensa-
ções, sentimentos, formulações de pensamento e deslocamentos físicos.

No Fiat Mostra Brasil, como em outras situações expositivas semelhantes, as


relações começam a ser tecidas bem antes, seja no período organizacional,
seja no momento da seleção. No caso específico desta Mostra, há uma relação
visível que ocorre entre lugares e entre eventos. Trata-se de um espaço compar-
tilhado por dois grandes acontecimentos artísticos: um que há anos firma-se
como um importante evento nacional, e outro que foi recentemente criado. Em
ambos se é partícipe de um olhar que se insere na contemporaneidade, reve-
lando as tramas de uma complexa sociedade em que redes culturais, artísticas
e econômicas conjugam-se em fluxos dos quais emergem poderes políticos e
hegemônicas forças se impõem.

O convívio é firmado em um campo de tensão, na incerta trilha em que insta-


bilidades se instalam e pode-se perguntar “como viver junto”? Nesta pergunta
encontra-se o fio que interliga lugares, espaços e eventos. O princípio ques-
tionador proposto por Roland Barthes e adotado pela 27ª Bienal de São Paulo
confere o tom de aproximação entre arte e vida. A linguagem promove o pro-
cesso comunicador e institui o lugar da sociabilidade, onde vida coletiva e vida
individual tentam conciliar-se, pontuando o espaço da afetividade e também
da animosidade.

Entre as observações que Barthes faz sobre o Viver-junto, encontra-se a afir-


mação de que “não é contraditório querer viver só e querer viver junto” e que
esta convivência pode ser tomada “como fato essencialmente espacial (viver 1 | Este conjunto de afir-
mativas de Roland Barthes
num mesmo lugar)”. Esclarece, porém que “em estado bruto, o Viver-junto é integra o livro Como
também temporal [...]”. No Fiat Mostra Brasil, propostas de caráter mais indivi- viver junto: Simulações
romanescas de alguns
dual e subjetivo, que interpretam o mundo por meio de uma poética intimista, espaços cotidianos, São
convivem com outras cujo tom interpretativo provém do coletivo e ocupa não Paulo, Martins Fontes,
2003. O livro recebe o
somente o espaço da exposição, mas se expande além dele, assimilando a vi- mesmo título do curso
zinhança, estabelecendo relações com a Bienal, com o Parque do Ibirapuera e realizado no Collège
de France. Os trechos
com a própria cidade de São Paulo. citados correspondem à
aula de 12 de janeiro de
1977, referem-se mais
Em uma reflexão sobre o cotidiano e a cidade, Michel de Certeau procura deli- precisamente ao item
fantasia e podem ser
mitar um campo, propondo uma distinção entre lugar e espaço. Para o autor, encontrados nas páginas
“um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas 9 a 11.

fiat mostra brasil curadores

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relações de coexistência” e esses elementos estão dis- procurar descentralizar a arte, por meio do seu deslo- a fragmentação, o hibridismo, a indeterminação e o nossa época e, contraindo-se cada vez mais, se revela
postos lado a lado, sendo que cada um se situa em um camento. A proposta é transferir o “campo intelectual transitório. Todas essas condições remetem-me a um na rapidez incessante, na impossibilidade de fixar coi-
lugar próprio. Um lugar significa “portanto uma con- racional para o da proposição criativa vivencial”, dan- romance inacabado que se passa em 1913. Em deter- sas, na sobreposição do próprio espaço.
figuração instantânea de posições. Implica uma indi- do ao indivíduo “a possibilidade de ‘experimentar a minado momento da narrativa, o personagem Ulrich
cação de estabilidade”. No que concerne ao espaço, criação’, de descobrir pela participação, esta de diver- pressente que “nenhuma coisa, nenhum eu, nenhu- No lado oposto, um outro tempo, como um tabulei-
considera que este existe “sempre que se tomam em sas ordens, algo que para ele possua significado”. No ma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra ro de xadrez, aguarda lentamente a movimentação
conta vetores de direção, quantidades de velocidade e século XXI, o pensamento do artista ainda encontra numa transformação invisível e incessante, no instável das peças, indispondo-se contra os lugares que são
a variável tempo. O espaço é um cruzamento de mó- ecos no processo participativo da arte, mas assume há mais futuro que no estável, e o presente não é se- ocupados pela agilidade dos corpos e se transformam

veis”. Para De Certeau, as ruas são geometricamente esta postura sob outras roupagens. Afinal, houve um não uma hipótese que ainda não superamos”. em incontroláveis espaços moventes. Precisa-se agora
definidas por um traçado urbano que é transformado deslocamento de tempo e o mundo presenciou troca de um tempo estendido que permita pensar sem a
em espaço pelo pedestre e é neste espaço que se des- de valores, queda das crenças universais. Com este argumento, construído no começo do sécu- incansável corrida em direção a um novo produto, à
dobra um conjunto de movimentos. lo XX, pode-se acreditar que talvez haja mais proximi- informação acumulativa que transborda, não produz
A busca pelo significado da arte ou da vida, neste dade entre a condição moderna e a pós-moderna do conhecimento e se distancia da arte.
Percebe-se que a arte contemporânea não mais se momento labiríntico, dilui-se nos vários lugares, nos que se possa imaginar. O imediatismo e a instabilida-
restringe aos espaços institucionais, ao contrário, lan- múltiplos espaços em que a incessante movimentação de que atualmente nos lançam às incertezas do futuro Em meio a tessituras de ordem tão impositiva, a arte
2 | As afirmações de ça-se nos espaços urbanos em um processo distante permite poucas condições para que algo mais subs- e à provável inviabilidade de projetos em longo prazo busca reordenar seus próprios valores, uma vez que
Michel de Certeau são
provenientes do capítulo dos monumentos oficiais que, existentes há séculos, tancial se fixe e forneça estabilidade. Depara-se com são condições que já despontavam há tempo, mesmo é irredutível à economia e se constitui dentro de suas
IX, “Relato de espaço” demarcam feitos e homenageiam heróis. A arte for- os excessos que provocam o cálculo virtual em que que se acreditasse nas forças redentoras e se pautas- especificidades, ainda que estas estejam contamina-
IN: A invenção do
cotidiano, v. 1 Artes de mata hoje geografias, descreve e traça percursos. Ce- as somatórias de possibilidades e impossibilidades se por grandes ideais. “O que é singular na incerteza das pelos alicerces do capital. A arte, mesmo assim,
fazer, Petrópolis, Rio de
Janeiro, Editora Vozes,
nas cotidianas, cenas imaginárias circulam, fixam-se podem se anular e devolver o caos. É nesse estado hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico encontra brechas para realizar sua poética e interpre-
2001, p. 201. temporariamente em algum lugar, construindo pares ilimitado e indefinido que a ordem pode se instalar a iminente; ao contrário, está entremeada nas práti- tar o mundo. O estratagema de Viver-junto encaixa-se
3 | Idem, p. 202.
substantivos que se desdobram em múltiplas cama- qualquer instante, uma vez que se prenuncia e pro- cas cotidianas de um vigoroso capitalismo.” A arte em uma vontade de enfrentamento, em uma contra-
das, deixando visível um estado latente onde transitam picia o nascimento de algo, de uma nova realidade. situa-se nesse contexto em que estratégias mundiais corrente que enfatiza as relações humanas e faz com
4 | Comentário de 7 | Romance que revela
Ligia Canongia sobre os
a vida, a fantasia. Ficção e realidade misturam-se, pro- Resta saber, no entanto, que tipo de ordem será res- são elaboradas por meio de valores condizentes com que desemboquem no processo artístico. o contexto político,
artistas neoconcretos IN: movem, ou não, narrativas, muitas vezes desprovidas tabelecida e quais valores serão assimilados. o consumo exacerbado. A cultura e a arte transitam social, artístico e cultural
O legado dos anos 60 e da Áustria do começo
70, Rio de Janeiro, Jorge de uma seqüência lógica, propositoras de inúmeras em um campo movediço, coabitando com algo que é O Fiat Mostra Brasil é uma das tentativas de fazer cir- do século XX. Escrito
Zahar Ed., 2005, p. 39. entradas e saídas. Entrecruzam-se procedimentos que Os valores instáveis, a desconfiança dos discursos uni- alheio a sua natureza e por isso mesmo pode arremes- cular um potencial da arte que gera propostas e poéti- por Robert Musil, teve o
primeiro volume publica-
5 | Hélio Oiticica apre- reverberam além das paredes, absorvem a hibridez e, versais e totalizantes, a afirmação de um mercado glo- sá-las a um universo de contradições e paradoxos. cas visuais que, inseridas em seu tempo, podem ultra- do em 1931. O homem
sentou estas questões muitas vezes, infiltram-se em campos digitais, navegan- balizado e a flexibilização da economia que reverbera passar a complexa dinâmica de um período de poucas sem qualidades, Rio de
durante o seminário Janeiro, Nova Fronteira,
Propostas 66. O texto do labirintos que interligam o próximo e o distante. em outras áreas, inclusive da arte, apontam para a A meu ver, nesse estado de tensão a arte resiste e, delicadezas e muitos excessos. Como se vive a fluidez 1989, p. 181.
“Situação da vanguarda condição pós-moderna que estava presente bem an- apesar de toda instabilidade que a cerca, pode não su- de uma época que nos conduz às incertezas, poucas
no Brasil” foi publicado 8 | Pensamento de Ri-
em São Paulo pela Arte Altas tecnologias convivem com produções artesanais, tes, encontrando ressonância nas artes visuais em me- cumbir às estratégias de forças hegemônicas que ten- condições apresentam-se para a formulação de asser- chard Sennet encontrado
em revista, ano I, n° 2, no livro A corrosão do
maio-agosto de 1979,
com técnicas milenares, com o refugo. Neste entrela- ados dos anos 1950, com a Pop Art. De acordo com dem a diluir subjetividades e a nivelar todos os seres tivas. Com a Mostra, disponibiliza-se ao público um
caráter: conseqüências
p. 31. çar cabe o mundo e neste mundo situa-se a trama da Perry Anderson, essa condição, todavia, começa a se e coisas pelo consumismo advindo de um “vigoroso conjunto de obras que pode projetar-se além-muros. pessoais do trabalho no
arte. A participação do público ocorre junto a perfor- difundir de forma mais ampla a partir dos anos 1970. capitalismo” cujos efeitos se alastram em questão de Todas, contudo, estão expostas a diversos olhares e novo capitalismo, Rio de
6 | Mesmo que este ter- Janeiro, Record, 2000,
mo possa ser substituído mances, intervenções urbanas, obras eletrônicas ou de Desde então, encontramo-nos num campo indefinido, segundos. O tempo, na verdade, torna-se o signo da pensamentos, sujeitas a diferentes interpretações. p. 33.
por outros e ainda seja
bastante questionado,
outra natureza qualquer. São interações que se pro- em que o próprio nome pós-moderno implica uma re-
utilizo-o baseada em cessam instaurando atitudes já existentes no percurso lação entre o moderno e o prefixo que lhe agrega ou-
vários autores que
também o aplicam, da arte, apontadas no futurismo e dadaísmo e enfa- tro significado, podendo dar margem à compreensão
como Andréas Huyssen, tizadas nas décadas de 1960, 1970. No Brasil, Hélio de algo que acontece depois, quando uma condição
Frederic Jamenson, David
Harvey, Jean-François Oiticica e Lygia Clark propõem levar “o objeto de arte anterior encontra-se de certa forma esgotada.
Lyotard e Perry Anderson. para o espaço do vivido, espaço compartilhado pelo
Nas colocações sobre 
o termo pós-moderno, artista e pelo espectador”. Na verdade, como agente David Harvey, por outro lado, interpreta o termo pós-
selecionei especificamen- da experiência, o público troca o lugar de espectador modernismo como uma espécie de reação ou afasta-
te as considerações de
David Harvey, Condição pelo de participante. O eixo arte-vida emerge com mento do modernismo. Considera que há uma coe-
pós-moderna, São Paulo,
Edições Loyola, 1992; e
mais força, ganham visibilidade as “vivências”. xistência, estabelecendo um processo relacional, uma
de Perry Anderson, As vez que a condição moderna ainda existe quando a
origens da pós-moder-
nidade, Rio de Janeiro,
Como bem diz Oiticica, “não se trata mais de impor outra condição se configura. O pós-modernismo ter-
Jorge Zahar, 1999. um acervo de idéias e estruturas acabadas [...]”, mas de mina por revelar uma circunstância que potencializa

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O risco como estratégia | Járed Domício

É do ato simples de rabiscar um papel que muitas idéias podem ganhar cor-
po até chegar à concretização. O olhar do artista percebe a força daqueles
traços iniciais e investe naquele pequeno esboço, consciente de que essa etapa
inicial é de vital importância para o seu processo criativo. Correr o risco de dar
atenção a idéias aparentemente simples pode ser uma atitude estratégica para
estabelecer a densidade das questões que o trabalho apresentará no futuro.
Sendo essa etapa fundamental para o desenvolvimento de uma poética, o ato
de criar torna-se uma aposta em cada nova idéia e põe o artista numa situação
de tensão permanente.

Cada artista e cada obra tem um tempo particular, no qual a maturação da


proposta e suas respectivas conseqüências vão se construindo a partir das infor-
mações que se agregam ao processo e à vivência cotidiana do trabalho. É nesse
tempo de concepção, que vamos (no ímpeto da criação) nomear momento-
ateliê, que o artista consegue exercer plena liberdade sobre suas intenções para
com a obra a ser desenvolvida. Pode ser que tal obra não atinja seus propósitos
ou que nunca seja executada, mas é nesse tempo de êxtase criativo que o artis-
ta se põe a imaginar que riscos está disposto a correr para pôr suas idéias em
prática. Não se trata de propor o risco como estratégia de construção da arte,
mas de afirmar que toda obra de arte pressupõe a necessidade de arriscar, caso
contrário observaremos somente a repetição de procedimentos e atitudes que
resultam em trabalhos isentos do embate criativo.

Analisar uma idéia embrionária e tentar, a partir daqueles poucos elementos,


tomar uma série de decisões que vão construindo paralelamente o trabalho
e o artista – que, tal qual o esboço de linhas simples, vai também assumindo
formas mais precisas no que diz respeito à sua postura com relação ao seu pro-
cesso de criação e ao encaminhamento do seu trabalho, no confronto com as
diferentes etapas (criação, produção, veiculação e comercialização), que podem
ser assimiladas ou não, segundo seus ideais. É esse o momento de definição das
parcerias que se deseja, de perceber quais as possibilidades do trabalho. Pontu-
ar dúvidas e traçar metas. O que não significa que, ao longo do caminho, as de-
cisões não se alterem. Arriscar pressupõe dizer que algumas das regras que vêm
sendo seguidas podem ser quebradas a qualquer tempo. Regras dos modos de
fazer e pensar arte são reestruturadas para dar margem a outros caminhos, nos
quais o ato de criar e recriar passa a ser um exercício natural ao artista.

Esse momento-ateliê, que não raro provoca angústia em muitos artistas, êxtase
em outros ou, ainda, um misto das duas sensações, é de fundamental impor-
tância e ainda pouco entendido e pouco assistido por grande parte das estru-
turas de incentivo à produção artística, devido a seu caráter íntimo e invisível.
Assemelha-se a ficar horas na cozinha preparando um delicioso prato. Quem
degusta não sabe a maré de odores, sabores, temperaturas e um sem-fim de

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delicadas percepções que são experimentadas antes que neste momento ocupam os espaços expositivos As dimensões do Brasil trazem uma série de conse- de artistas que pudessem compor um olhar sobre a
que o prato seja posto à mesa para ser consumido. A acabam por se infiltrar em muitas áreas. A arte ali- qüências para essas formas de organização. Cada local arte brasileira era, de antemão, bastante pretensiosa.
experiência do artista de observar, sentir, propor, de- menta muitas fontes. O design das nossas roupas, re- acaba por ter peculiaridades que passam a determinar A diversidade de idéias deixava bem claro que pode-
finir materiais, situações, imagens, formas e relações lógios, carros, as imagens da publicidade, a aparência certas condições de produção. Para alguns artistas, a ríamos selecionar muito mais do que trinta artistas
exige tempo para compreender as conexões que po- dos softwares e dos computadores... A informação presença das condições adversas gera uma produção representativos e construir vários tipos de percepção
dem ser estabelecidas dentro dos critérios da poética produzida por artistas, depois de assimilada, é incor- que se desenvolve com mais desenvoltura e grande li- sobre nossa produção.
a ser construída. porada em tudo que nos cerca e chega ao cotidiano berdade de experimentação. O lugar alternativo torna-
sem que possamos perceber como essa aproximação se lugar de fato. A idéia de instituição passa a ser aquela Mas, então, conseguimos chegar a uma representa-
E, afinal, o que estamos chamando de artes visuais? acontece. Para um público acostumado à velocidade resultante de uma organização espontânea em busca de ção real do que se produz na arte brasileira? Sim, mas
Será que essa designação ainda nos serve? Depois de da televisão, parar e observar o que está acontecendo outras maneiras de visibilidade das ações em arte. não a única, e nem definitiva. Apenas um olhar sobre
observar tudo que foi experimentado por Lygia Clark é uma tarefa árdua. a produção nacional a partir de artistas que não são
e Hélio Oiticica, é interessante imaginar a distância en- Produzir arte no Brasil significa saber adaptar-se às grandes nomes das artes, provavelmente não estão
tre a produção contemporânea de arte e sua absorção O diálogo entre público e espaços de arte tem ganha- condições dadas, renovando-as e dialogando com a vinculados a grandes galerias e, em alguns casos, pos-
por parte do público e de muitos profissionais ligados do cada vez mais atenção e as instituições, por meio produção nacional a partir de códigos gerais e par- suem obras com características que dificultam sua in-
a esse campo. Já ultrapassamos alguns códigos e ter- de trabalhos educativos, oferecem aos visitantes algu- ticulares. Movimentações como as dos dois coleti- serção no mercado de arte. São obras e artistas que,
minologias e ainda assim não soubemos criar outros mas informações essenciais para apreciação das obras vos selecionados para o Fiat Mostra Brasil – Grupo por um meio ou outro, escolheram ter o risco como
que pudessem acompanhar de forma coerente essas de arte. É de fundamental importância colaborar para EmpreZa (GO) e GIA, Grupo de Interferência Am- estratégia. Seja um risco com tom de delicadeza,
manifestações da atualidade. O embate da relação en- que uma exposição possa de fato gerar uma discus- biental (BA) – são exemplos de uma produção para como nos trabalhos de Mariana Silva da Silva, Felipe
tre o público e as manifestações contemporâneas de são sobre suas temáticas, seja por meio de conversas a qual a relação com as instituições tradicionais é Cohen e Daniel Trench, Luiz Roque Filho, Raquel Stolf,
arte tornou-se assunto constante entre as instituições com artistas e teóricos da arte, seja com monitorias, apenas um dos elementos que podem contribuir Fabiana Wielewicki, Katia Prates e Milena Travassos;
de cultura e de educação. oficinas ou publicações. Caso contrário, teremos ex- para a continuidade dos seus trabalhos, e que parte seja por uma tendência natural ao risco como pro-
posições que não geram conhecimento nem deixam da certeza de possuir toda autonomia para agir nos cesso, como nas obras de Bruno Faria, dos coletivos
O fato é que a história da arte caminhou à parte das marcas do trabalho realizado. Embora seja um pro- mais variados contextos. GIA e Grupo EmpreZa, de Marta Neves, e das artistas
nossas estruturas educacionais e o trabalho de aproxi- cesso lento, o trabalho de instigar o público de arte Adriana Barreto e Bruna Mansani.
mação depois de tanto tempo só realça o estranhamen- pode ser extremamente favorável ao desenvolvimento Existem por todo o Brasil muitas dessas iniciativas in-
to já contido na maioria das obras. A cada exposição de um cidadão mais crítico e maleável com as diferen- dependentes e que respondem por uma boa parcela Nos projetos a serem executados, a atitude não é só
visitada, o público parece abrir um baú de surpresas, ças culturais tão comuns ao nosso país. E quando isso do que se produz de significativo em arte aqui. Essa apostar na idéia, mas no indivíduo que vai executá-
no qual essa “nova” condição da produção artística li- ocorrer, provavelmente teremos criado um público postura dos artistas traz uma provocação às formas la. Suas intenções e a seriedade com que vem desen-
teralmente invade os espaços e cria circunstâncias inu- ainda mais assíduo e entusiasmado pelas artes. tradicionais de incentivo cultural. A crítica ao formato volvendo suas obras. Trabalhos como as esculturas de
sitadas para aqueles cujo imaginário de arte ainda está exaurido dos salões de arte tornou-se lugar-comum, Henrique Oliveira, que parecem engolir os espaços
ligado às questões clássicas da pintura e escultura. Nossas instituições culturais têm tido um papel de assim como a ansiosa busca por outros formatos. Vide expositivos, ou o pequeno livro de fotos de Mariane
destaque como propulsoras da cultura. É inegável o as ações da Bolsa Pampulha (MG), o Salão de Artes Rotter são bons exemplos dessas apostas.
Estas novas relações com a arte são construídas a trabalho que realizam e as estruturas que possuem Plásticas de Pernambuco (que, apesar de conservar o
partir do contato direto com as obras expostas aos para abrigar as exposições e acervos. Mas a produção termo “salão”, premia artistas com bolsas) e a Bolsa A tecnologia, entendida como suporte das poéticas
olhares que se dispuserem a vasculhar os detalhes de arte brasileira é muito maior do que o número de Marcantonio Vilaça do CNI/SESI, talvez uma das ações artísticas, é utilizada em trabalhos instigantes como
de cada uma delas. O risco, aqui, é estar diante de espaços existentes para absorvê-la. Precisamos então de maior repercussão nesse sentido. Tais iniciativas o “objeto ansioso” de Ricardo Cristofaro ou nas obras
muitos universos diferentes e ter de enfrentar alguns olhar para um formato de instituição mais elementar investem no processo de formação dos artistas, ao de Vera Bighetti, Martha Gabriel, Marcus Bastos e An-
tabus, situações de tensão e questionamentos sobre e de atuação mais silenciosa do que aquele das gran- contrário dos formatos tradicionais que focavam sua drei Thomaz. As gravuras do artista Marcelo Mosche-
nossas convicções aparentemente tão bem estabele- des corporações, pois nem todos os artistas circulam atenção no evento. ta, as pinturas de Leonora Weissmann e as de Rodrigo
cidas nos papéis sociais que exercemos no dia-a-dia. das formas ou pelos lugares convencionais. Para que Freitas convivem com a performance de Nydia Negro-
O público da arte não é somente aquele que aprecia, algumas organizações de artistas possam garantir sua Apesar do formato ainda próximo dos salões tradicio- monte, com as “pinturas” de Daniel Escobar e com as
mas aquele que se atreve. Para gostar de arte é ne- existência e ter liberdade de se posicionar como ques- nais, o edital do Fiat Mostra Brasil trouxe uma série instalações de Fabíola Tasca e de Rodrigo Borges.
cessário QUERER ver arte. tionadoras dos organismos gerenciadores da cultura, de mudanças e muitas questões. Tanto para os artis-
existem outros circuitos de arte que não estão nos jor- tas, confusos com as novas regras, quanto para toda a Alguns outros apostam no embate direto com o meio
E arte nem sempre é aquilo que queremos ver. Portan- nais, nem na televisão, mas que funcionam de forma equipe de produção, que buscava se adaptar às novas urbano, como nas obras dos coletivos mm não é confe-
to, cabe ao público arriscar o convívio com essas ma- eficiente, em iniciativas que têm na internet seu maior demandas. Ter o risco como estratégia pressupõe um te e Vulgo, e de Cristiano Lenhardt. Temos ainda Thais
nifestações, que podem lhe trazer experiências parti- instrumento de divulgação e possuem uma imensa olhar aberto e atento ao grande acúmulo de informa- Ueda, selecionada na categoria utopédia (uma das novi-
culares de entendimento sobre o mundo em todos os capacidade de agir em rede, acionando os coletivos ções contidas nos mais de 2.800 portfólios analisa- dades do edital). Todos compondo uma exposição que
seus aspectos. As informações da produção artística de várias localidades. dos. A tarefa de avaliar todo aquele material em busca ousa ser uma amostra da potência da arte brasileira.

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Osíris contemporâneo | Stéphane Huchet

É habitual exigir da arte que ela inove. Uma grande maioria dos editais de
mostras e salões que estabelecem regras e critérios para a recepção e a
seleção de trabalhos artísticos também privilegia a noção de novidade – sem,
aliás, nunca dizer o que a define.

Muitas vezes, a lista das tecnologias mais avançadas de produção artística faz
ofício de critério. Agora, entregar apenas o cerne do “novo” às categorias técni-
cas reduz a questão a seus aspectos práticos e leva a uma operação de captura
e de ofuscamento da dimensão temporal, histórica e crítica mais complexa com
a qual toda obra de arte se relaciona inevitavelmente. Pensar que o “novo” de-
pende do uso de recursos tecnológicos mais recentes para ser averiguado não
resolve o teor da inovação, que é, a nosso ver, muito mais de ordem do simbó-
lico e de uma concepção crítica das relações criadas pelo trabalho.

No fundo, a exigência ainda obsessiva do “novo” reflete uma situação sintomá-


tica, na qual a diminuição real da inovação na arte geraria um misto de relutân-
cia e de indisposição ao fato de a criteriologia clara e evidente promulgada pelo
modernismo – a história é a história das rupturas – ter perdido sua pertinência
hoje. De seis em seis meses, aparece uma chamada de novos rumos, manifes-
tando a espécie de “pânico” subconsciente que toma conta de certas instâncias
curatoriais frente à inexistência real de inovações que revolucionariam o cenário
da arte. Hoje, muitas vezes o chamado “novo” não o é e só parece sê-lo porque
existe um esquecimento rapidíssimo da produção recente e menos recente. Tra-
ta-se da geração quase institucional de um palimpsesto que esvazia a memória
para melhor preencher na hora seus vazios.

Ao mesmo tempo, é da natureza da arte criar propostas visuais e plásticas


para fazer cintilar algo na noite do sentido. A situação é complexa porque
o conceito esvaziado de “novo” não dá conta de preencher um outro con-
ceito, o de “arte”, ele mesmo submetido desde os anos 1960 a turbulências
incessantes. Estas, hoje, não são em nada rupturas ou quebras, mas configu-
rações produtivas paradoxais. Com efeito, tal ou tal proposta artística, sua
eventual capacidade de aparição e de convicção – capacidade que representa
um desafio no meio da proliferação das práticas idiossincráticas e do grande
caleidoscópio artístico hodierno – podem muito bem sustentar visualidades e
manifestações impactantes, mas raramente conseguem apagar o sentimento
de não terem mais o poder de se destacarem irredutivelmente das camadas
mais letais do espaço da arte no qual se inserem. “Letal”, o grande platô da
arte – platô da coabitação e da justaposição das práticas e dos veículos, pla-
tô verdadeiramente assumido e consumado do multimídia técnico, no qual
cabem todas as categorias propostas no edital do Fiat Mostra Brasil, platô
no qual as operações artísticas, e as modificações que realizam, não podem
remover o subsolo hipersaturado da arte.

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Usamos o termo “modificações” artísticas porque en- propostas os artistas põem em circulação? Os Frag- guem destruí-lo: o sistema vive também delas e gosta às instalações que investem na interespecificidade dos
volve melhor a idéia de que as diversas propostas hoje mentos do Grande Espelho do Mundo... Neles, o pú- dos “filhos pródigos” que esticam o cordão umbilical mediums (pintura/escultura, pintura/fotografia etc.), à
em ação no cenário da arte dividem e compartilham blico pode (se) ver, isto é, enxergar o que já conhece, o ao extremo sem se decidirem a desamarrá-lo defini- presença de resquícios aparentemente irredutíveis de
um mesmo solo histórico sobre o qual decidem como que diz já saber ou pretender saber do mundo. Trata- tivamente de seu nó inicial. Na verdade, o fato de a patterns icônicos de origem pictórica e gráfica em cer-
inventar e criar modos de diferenciação que permi- se de simulacros. No entanto, o público pode ter um “dissolução da arte na vida” quase nunca ser realizada tos trabalhos digitais – precipitados ao mesmo tempo
tam configurar um ac-cidente simbólico, um evento outro tipo de contato com os múltiplos pedaços desse pelos artistas tem a ver com a lógica artística. Essa neo-arcaicos e tecnológicos do cromatismo abstrato
territorial. Por ac-cidente (conservando o sufixo latino), Espelho fragmentado: se os conhecer por seus perfis diluição apagaria inteiramente o rastro da passagem. –, às não-narrativas de algumas fotografias e de al-
não queremos sugerir a não-necessidade da arte, mas simbólicos cortantes, experimentará seu teor dilacera- Esta última deixaria de existir e de se manter minima- guns vídeos, às suas estéticas da desaceleração, da
o fato de que ela procede hoje à instituição de uma di- dor. O público, como também os críticos e curadores, mente visível. O filósofo Jacques Rancière demonstrou suspensão do tempo e da contemplação e às modali-
nâmica mais breve e telegráfica, na forma – privilegia- podem preferir o reflexo como simulacro ou o perfil muito bem que a arte, para gerar impacto criativo e dades visuais e semióticas do conceitualismo etc., não
da desde o romantismo alemão e reinaugurada pela dilacerador que queima a recepção. São os artistas produtivo na realidade e na vida, não pode renunciar poderíamos perguntar se e por que esses trabalhos,
colagem e pela montagem nas vanguardas do início que decidem investir mais um ou outro aspecto. É o à sua autonomia como espaço experimental e labora- expostos dentro do cubo branco, seriam finalmente
do século XX – do fragmento cru(el) e crucial. A arte que acontece com os artistas do Fiat Mostra Brasil. torial. A essência da operação artística é de pro-duzir menos “políticos” ou teriam intencionalidades menos
não é mais capaz de estruturar uma visão sintética do uma mínima visualidade, de per-formar uma mínima “políticas”? É sempre importante refletir se, em certos 3 | Ludwig Wittgenstein
confessava que suas
mundo. Ela se mostra muito mais interessada em criar O que interessou à equipe curadora foram as possi- visibilidade, de in-stalar uma mínima aparência, de trabalhos artísticos, o “político” não existiria também investigações filosóficas
cir-cun-stâncias... A arte cerne, circunscreve, circunda; bilidades de mesclar as situações e as especificidades modular uma mínima aparição e expressão para que a na própria articulação dos signos, sem depender de da linguagem ordinária
– a “prosa do mundo”
cria ritmos icônicos, intervalos críticos, (in)stâncias. O a partir de um material artístico constituído pela por- proposta consista, insista e persista. uma situação aparentemente mais próxima do con- – lhe davam o sentimen-
que caracteriza a arte contemporânea é uma pulsão centagem maior de trabalhos que, durante o processo ceito em questão, por exemplo, um contexto como to de se transformar em
“selvagem” entendendo
performática que procura fazer da proposta artística da escolha, se mostraram em condição de se susten- As práticas de grupos e coletivos, as intervenções di- a cidade, uma comunidade ou uma coletividade. Em equivocadamente a
maneira de se exprimir
uma maneira móvel de ocorrer. Agora, resta saber se tarem, contrastando com uma multidão assustadora tas urbanas, as performances na margem do tempo nome de que negaríamos o caráter de serem também de homens civilizados.
a arte de hoje, por mais próxima que pareça ser das de propostas oriundas daquilo que os franceses cha- tectônico, as ações interativas, as derivas neo-situa- “políticos” à lentidão, à afirmação da imagem como De Certeau comenta:
essa posição “é aquela
dinâmicas ressaltadas por Jean-François Lyotard na mam de peintres du dimanche. Durante o processo cionistas, as fascinantes e apaixonantes táticas de correlato de uma contemplação, à transformação da que consiste em ser um
grande época das experimentações artísticas – “e se de seleção, cada curador teve a oportunidade de ser reinvenção do cotidiano etc. parecem articular suas imagem em suporte de meditação? Em nosso mun- estrangeiro em casa,
um ‘selvagem’ no meio
devêssemos levar a sério não a apresentação, mas a confrontado com a questão de definir o que é arte lógicas e definir parâmetros que ajuntariam, como do, toda imagem da desaceleração veicula uma inten- da cultura ordinária,
mera produção; não o apagamento (representativo), ou não. A hegemonia do kitsch e das fantasias mais pano de fundo, tanto a recente “estética relacional” cionalidade política, porque já corta o fluxo veloz da perdido na complexidade
do bem-entendido e do
mas a inscrição; [...] não a significação, mas a energé- escabrosas em 95% dos dossiês mostrou como as de Nicolas Bourriaud (anos 2000) quanto as “artes do mercadoria e os mecanismos violentos de condiciona- bem-entender comum. E
tica [...], a imediateza de produzir em qualquer lugar; monstruosas e fascinantes entranhas do inconscien- fazer” de Michel de Certeau (1980), isto é, a articula- mento e da alienação. como não se ‘sai’ dessa
linguagem, que não se
não a localização, mas a deslocalização perpétua?” te pequeno-burguês – quando este deseja superar o ção da “linguagem ordinária” e do “lugar-comum”, do pode encontrar um outro
– não as mimetizaria em seu vigor para melhor re- nível reles da existência e a imediatice do sensível, e “cada um” e do “ninguém”. Constituem encenações No conjunto das propostas e das situações, trata-se, lugar de onde interpretá-
la, que, portanto, não
territorializá-las, confirmando que o desafio hoje fica inventar alguma simbolicidade – não têm a mínima que convocam implicitamente o conceito de “arte portanto, de diferenças e de uma “política” intra-ar- existem interpretações
por parte o mesmo, a força atrativa do subsolo tendo condição de ser depuradas num processo formal e política”, categoria muito complexa à qual, por falta tística. O Fiat Mostra Brasil participa do mundo e do falsas e outras verda-
deiras, mas somente
aumentado muito desde 1972... “linguagético”, porque lhes falta, para isso, a cultura de espaço, não podemos aqui consagrar as devidas meio da arte, com a confirmação de que o desloca- interpretações ilusórias,
artística e histórica necessária. Não entraremos aqui considerações. Na história da arte recente – sem re- mento não escapa à regulação institucional, tanto no que, em suma, não há
saída, resta o fato de ser
A arte se propõe também a fazer irrupção na teia das na questão abissal de saber o que é arte – ninguém gredirmos até o bufão dadaísta – o movimento Fluxus sentido do continente quanto no sentido de que cada estrangeiro dentro mas
sem fora e, na linguagem
relações sociais, no sentido amplo do termo, articulan- mais responde a essa pergunta –, mas é evidente que representa sem dúvida uma das mais importantes ex- proposta institui algo. Para mover o grande corpus da corriqueira, de ‘esbarrar
1 | LYOTARD, Jean-
François, “Capitalisme do as várias redes que elas desenham. Aqui, poderia cada um de nós precisa pré-solucioná-la para poder periências de criação, dos “modelos” de ação artísti- arte, é preciso haver múltiplas táticas locais suscetí- contra seus limites’ (…)”,
L’invention du quotidien
énergumène” IN: Des entrar em jogo a lista infinita dos substantivos, adjeti- começar a trabalhar como historiador ou crítico. ca ao caráter “político”. É o que lembra o historiador veis. O mundo complexo e amplo da arte instituiu de - 1. Arts de faire, Paris,
dispositifs pulsionnels,
Paris, Christian Bourgois vos e atributos que a arte tem por vocação interrogar, Walter Zanini quando, ressaltando a “atualidade de maneira tão bem azeitada suas funções sistêmicas que Gallimard, col. Folio/Es-
sais, 1990, pp. 29-30.
Editeur, 1980, p. 9. investigar, diferenciar e espelhar: todas as noções da Os artistas do Fiat Mostra Brasil participam todos de Fluxus”, cita Ken Friedmann. Este declara que “Fluxus só resta espaço, na intensidade das propostas even- Qual a relação do artista
2 | Ficou claro que semântica humana. um outro meio da arte, isto é, uma microssocieda- [tinha] mais valor como idéia e como potencial para tuais das quais falamos acima, para movimentos mi- com a prosa do mundo?
esses “proponentes”, Será que o artista, quan-
de que tem consciência do que a produção artística a mudança social do que como grupo concreto de crológicos. Micrologias de uma microssociedade cuja do se transforma em
através de seus objetos,
logravam gritar para Quais são os objetos da arte hoje? A resposta pode- significa em termos de desafios e de jogos de lingua- pessoas ou como coleção de objetos”, acrescentando particularidade é ser constituída por seres que direcio- analista de certas práticas
serem ouvidos. Gritos ordinárias, não almejaria
usando de recursos for-
ria corresponder à ficção borgesiana de um mapa – a gem com um certo referencial histórico-crítico. É nes- que “a visão que Fluxus [tinha] da globalidade inte- nam seu trabalho para o exercício crítico da liberdade. mimetizar (de) dentro
mais, imaginários visuais resposta ideal – que recobriria por inteiro os territó- sa consciência que todos se encontram e convergem. gra um enfoque democrático da cultura e da vida”. É Saudável exercício. Saudável capacidade de articular da arte o “selvagem”
demonstrando uma total analítico?
ausência de cultura no
rios que mapeia, seus relevos, seus vales, seus rios, Também é por essa razão que, além das disjunções en- fascinante ver que tais motivações, características dos propostas, de pensar seu filtro formal e processual, de
4 | Citado por ZANINI,
campo da história da suas cidades, suas eminências e suas depressões etc., tre propostas para o espaço da exposição e propostas anos 1960, são hoje ainda particularmente presentes não baseá-las apenas na imediatice da sensibilidade, Walter, “A atualidade de
arte, uma ausência de
distanciamento crítico, ou caber simplesmente na seguinte frase: toda a ex- para o espaço externo, os artistas do Fiat Mostra Brasil no mundo da arte. No entanto, devemos perguntar se realizando o devir-consciente necessário ao ato artís- Fluxus”, ARS, revista do
Departamento de Artes
a adoção de referenciais periência humana (e, inclusive, a sobre-humana ou a só distribuem suas diferenças dentro de um sistema da esse caráter “político” é monopólio desse tipo de prá- tico dentro de um conhecimento da cultura material Plásticas, ECA/USP, ano 4,
formais totalmente
obsoletos. não-humana). Quais objetos, quais dispositivos, quais arte. As tentativas de expansão fora dele nunca conse- tica. Com efeito, será que, frente às instalações in situ, que a história da arte é. nº 3, 2004, p. 18.

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O grande corpus da arte vive precisamente de seus des-
locamentos internos, o corpus global acolhendo perfei-
tamente as movimentações internas. O sistema da arte
é como um grande mecanismo de gravitação universal
que pode ser de certa maneira manejado se as tentati-
vas de “voar” nele almejarem um tipo de andadura e de
energia programáticas ainda próximas – sim – daquelas
que Lyotard definia em 1972 quando dizia: “o tempo
está chegando de servir e encorajar as divagações, er-
rando sobre todas as superfícies e fendas imediatas,
enchentes de corpo, de história, de terra, de lingua-
gem...” A arte contemporânea parece com o corpo de
Osíris – o deus egípcio que renasce de seus fragmentos
e da noite – flutuando entre as águas dos sentidos e o
céu da análise como a jangada da medusa.

5 | LYOTARD, Jean-François, op. cit., p. 10.

2|3

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Para além do plug and play | Giselle Beiguelman

A popularização dos meios digitais na produção artística impôs a reflexão,


cara ao filósofo Bruno Latour, sobre a necessidade de pensar novos for-
matos políticos capazes de lidar com o transitório e os arranjos momentâne-
os; colocou em destaque as estratégias de compartilhamento, em detrimento
das relações interativas; fomentou o debate sobre a desmaterialização da arte
– mas teve alguns efeitos perversos.

Por meio do termo “novas mídias”, revalidou um paradigma incômodo das cha-
madas “vanguardas” modernistas: a noção de novidade como parâmetro crí-
tico de análise. Absorvendo sem critério nomenclaturas fáceis provenientes de
releases “prêt-à-porter”, mistificou o binômio arte/tecnologia, conferindo-lhe
um atributo de marco da contemporaneidade.

Fala-se em “novas mídias” como se o adjetivo “novo” fosse capaz de definir um


repertório ou uma modalidade de criação. Toda mídia, quando surge, é nova. E
não é sua novidade o que implica mudança ou transformações culturais, epis-
temológicas e estéticas, mas sim, como evidenciou Guattari, os graus de com-
plexidade e pluralidade simbólica que agenciam na relação homem/máquina.

No que diz respeito ao binômio arte/tecnologia, como suficiente para identifi-


car uma determinada produção contemporânea, é preciso ignorar pelo menos
quinhentos anos de história e esquecer que a problematização da tecnologia no
campo da arte remonta às “máquinas perspécticas” do século XVI e, portanto,
em nada é tributária ao advento da informática e seus desdobramentos.
1 | LATOUR, B., “From
Realpolitik to Dingpolitik
Diversos projetos presentes no Fiat Mostra Brasil parecem confrontar essas no- – Or How to Make
Things Public” IN: Bruno
ções. Ao não ceder ao vazio de nomenclaturas do tipo “novas mídias” ou “arte/ Latour & Peter Weibel
orgs., Making Things
tecnologia”, obrigam-nos a pensar que esses termos escondem a dificuldade Public - Atmospheres of
do sistema de arte contemporâneo em absorver a cultura de rede e a digita- Democracy, ZKM/MIT
Press, 2005, pp. 4-32.
lização do cotidiano nas suas expressões mais radicais. Afinal, são definições
que pouco se prestam a uma atividade reflexiva que ponha em questão os 2 | GUATTARI, F.,
Caosmose – Um novo
translimites da interface, as estratégias táticas, as práticas de sampleagem e paradigma estético, trad.
compartilhamento e os desafios da arte generativa. Ana Lúcia Oliveira e Lúcia
Cláudia Leão, São Paulo,
editora 34, 1992, pp.
Interface disforme, de Marcus Bastos, é um ponto de partida para essas discus- 45-71.

sões. Trata-se de um vídeo interativo que disponibiliza em um terminal sons e 3 | MANOVICH, L.,
imagens distribuídos por camadas sobrepostas, num cluster audiovisual em que “The Automation of
Sight: From Photography
os fragmentos reunidos resultam num todo irregular. to Computer Vision”
IN: Timothy Druckery,
org., Electronic Culture
São entrevistas, remixes, arquivos copiados da internet e gravações de vídeo – Technology and Visual
Representation, Ontario,
digital, além de sons criados a partir de fragmentos de fala, ruído ambiente, Aperture Foundation,
locuções e texturas produzidos a partir de frases de intelectuais e anônimos.  1996, pp. 229-239.

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Ao mover o mouse sobre a tela, o interator ativa a cos múltiplos pela cópia do código, engendra o fenôme- na compra de “obras de arte” (sic) vendidas em O mundo lhe parecia ser alimentado por tudo que saía
“selva” de camadas midiáticas ali depositadas, obri- no cultural e estético do “original de segunda geração”. “teleleilões” e gravar sua negociação em vídeo, para daquela “caixa mágica” (o rádio, a tal da nova mídia
gando-nos a lidar com o caos resultante de práticas expor, no Porão das Artes da Bienal de São Paulo, as de então) e nesse sentido a transmissão era, nas pa-
diversas e simultâneas como a pirataria, as utopias Não existe perda de autenticidade no campo da arte obras adquiridas e o registro de sua negociação. lavras de Welles, “um assalto à credibilidade daquela
libertárias, as modalidades de rastreamento e a satu- digital, e a arte produzida para a internet leva essa máquina” e um alerta para que as pessoas deixassem
ração de informações. afirmação ao limite extremo. O “aqui e agora” se faz Sem concessões, ironiza o mercado de arte em to- de se orientar por opiniões pré-formatadas, “viessem
pelo fluxo, no deslocamento dos arquivos pela rede. dos os seus níveis (fetichismo da obra, dos valores elas do rádio ou não”.
Impõe-se aí um conjunto de ambientes de fronteiras de premiação, dos lugares de exposição, das formas
difusas que, ao permitir a navegação por sons e vídeos A obra efetiva-se pela linkagem, perde a precisão de de consumo e circulação), refrescando o que mídia Em sua ação tática, Bruno, tão jovem quanto Welles
sobre “territórios”, “interdições”, “liberdade” e “ruídos”, seus limites. O plágio transforma-se em uma estraté- tática, para além do hype, significa. na época de A guerra dos mundos, decide deixar nus
desafia-nos a explorar formas de alterar e combinar gia recombinatória. Põe em curso uma chamada, para alguns mecanismos perversos do circuito da arte con-
imagem e som que estejam além das rotineiras experi- que se abra a base de dados cultural, a fim de deixar Se mídia tática é o uso da mídia e de seu potencial temporânea, revalidando o “Who Is Who”, o “dom”, a
ências relacionadas ao uso do sampler por DJs e VJs. que a tecnologia de produção textual, sonora e visual até o limite extremo, a incorporação intencional de originalidade e fazendo picadinho (não há outro ter-
seja usada até sua potência máxima. seus protocolos, em um nível tão radical que leva à mo mais nobre) das estratégias de curadoria, premia-
Isso porque o projeto estimula a atenção à voz e ao própria quebra desses protocolos, conforme definiu ção, inserção e recepção das obras.
olhar do outro. Ao construir uma trama de falas e Nesse sentido, restaura a deriva dinâmica do signifi- Alex Galloway,7 então sua certidão de nascimento
imagens em movimento, apaga o registro autoral, em cado que o jogo ideológico do mercado oculta sob precede o artivismo em algumas décadas, deve mui- Em oposição à ironia guerrilheira dessa tendência, Ri-
favor da pluralidade de perspectivas.   o domínio da citação autorizada, arremessando essa to a Orson Welles 8 e tem em Bruno Faria um de seus cardo Cristofaro pede-nos que deixemos estar. Sus-
dinâmica em uma rede de multiusuários e colocando nomes emergentes mais expressivos. surra, cheio de delicadezas, que há muitos silêncios
Bastos comenta: agora as estratégias de recombinação e reciclagem ainda por escutar. Com seus Objetos ansiosos, relega-
como condição de uma “epistemologia anárquica”.6 Orson Welles, para quem não lembra, entrou para nos a uma imobilidade do não-agir.
O acúmulo de elementos no espaço produz seu a história do cinema com Cidadão Kane, mas ficou
estilhaçamento (simultaneidade ao invés da se- Não se trata de uma apologia da barbárie, da apro- famoso com A guerra dos mundos, um exercício de Ricardo desafia-nos a ser capazes de ler a Caosmose,
qüência – avesso dos livros: página, página, pá- priação pura e simples, mas da revalidação da autoria radiodramaturgia baseado no romance homônimo de Félix Guattari, demandando um espectro semiótico
gina; avesso dos filmes: frame, frame, frame). É para além de seus nexos biológicos e ontológicos, e de H. G. Wells, publicado em 1898. ampliado, no qual a subjetividade é produzida não só
pelo girar de botões e pelo rastro do cursor que de estratégias de redirecionamento das condições de psicológica, social e psiquicamente, mas também por
percorre a tela que o interator frui este ensaio em fomento à criação e circulação do conhecimento. Era véspera de Halloween, 30 de outubro de 1938, diferentes enunciados não-humanos, em módulos de
que tudo surge e desaparece de maneira inespe- e os prenúncios da eclosão da Segunda Guerra intensidade variada.
rada. Ou, como diria Jorge Luis Borges: ‘Não tem Esta é a pauta que está em jogo em intervenções Mundial, fundados no pacto de Munique, firmado
fim. Sabemos, sim, que houve um dia’. como Manifeste-se 2.0, da dupla Milena SZ e Mariana um mês antes, criavam um cenário de tensão nada Ele nos pede, num murmúrio muito audível: NÃO parem
K, conhecida como mm não é confete, e Delivery; co- desprezível. Afinal, Inglaterra e França entregavam as máquinas! Escutem. Elas, por vezes, têm algo a dizer.
E, com esse comentário, evidencia a fragilidade de leção particular, de Bruno Faria. a Tchecoslováquia a Hitler e vários analistas do pe-
pensar que é possível refletir sobre os meios, supon- ríodo alertavam que esse acordo não estancaria o Como no Mosaico de vozes de Martha Carrer Cruz Ga-
do que teriam algo a nos dizer porque são “novos”, Manifeste-se 2.0 assume o lugar das redes como es- expansionismo nazista. As notícias sobre a situação briel (ou moZaico de voSes, como ela prefere).
redirecionando a discussão para a interrogação sobre paço público e procura evidenciar suas relações com o européia interrompiam a programação das rádios
as particularidades ou o estatuto distinto das mídias espaço urbano. As “mms” constroem, no mesmo in- continuamente e a incerteza sobre a postura norte- Trata-se de um website cuja homepage é produzida
4 | LUNENFELD, P., “Art
digitais em relação às mídias analógicas. tuito, uma ilha audiovisual móvel para interação com americana deixava apreensivos os ouvintes. pela ação dos participantes que, ao enviarem men-
Pos-History – Digital o público nas ruas, utilizando um carrinho de came- sagens por telefone, são adicionados à página. Cada
Photography & Electronic
Semiotics” IN: Photogra- Uma primeira distinção reside no fato de que as mí- lô, que tomam como objeto característico da cultura Nesse contexto é que o grupo de teatro Mercury, li- pastilha no mosaico representa uma pessoa. É possí-
phy after Photography: dias digitais lidam com originais de segunda geração. popular de centros metropolitanos. Essa ilha móvel derado por Welles, então com 23 anos, entrou no ar vel escutar as mensagens gravadas pelas pessoas que
Memory and Represen-
tation in the Digital Age, Não há perda (de definição, qualidade, aura) entre o funciona também como um aparelho de infiltração e levou ao pânico mais de 1 milhão de pessoas nos formam o mosaico e localizá-las pelo número do te-
Amsterdam, G+B Arts, original e a cópia. no tecido das telecomunicações, uma vez que todo EUA, provocando fugas, abandonos de lares e umas lefone de onde elas gravaram as mensagens. A busca 7 | GALLOWAY, A. P.,
1996, pp. 92-98. Protocol: How Control
o conteúdo das contestações públicas é transmitido e tantas quebradeiras. permite que se encontre não só a própria mensagem, Exists after Decentraliza-
5 | CRITICAL ART EN- Salve um mesmo arquivo com dois nomes no seu com- veiculado na internet. mas também todas as pessoas de uma mesma área, tion, Cambridge/Mass.,
SEMBLE, Plágio utópico, MIT Press, 2004.
hipertextualidade e pro- putador. Qual é original? Qual é a cópia. Nenhum, ou Welles virou notícia no país todo e, diante das pres- fazendo a pesquisa apenas pelo DDD (e deixando o
dução cultural eletrônica. melhor: ambos. Em Delivery; coleção particular, Bruno Faria enfoca sões e resultados, declarou que nada havia sido in- número do telefone em branco). 8 | BEIGUELMAN, G., “O
Distúrbio eletrônico, São pai da mídia tática” IN:
Paulo, Conrad, 2001, pp. a contramão dos espaços de circulação da cultura e tencional. Em 1955, contudo, em um especial da BBC Link-se (arte/mídia/po-
83-100. lítica/cibercultura), São
A informática em si é tecnologia de replicação, clonagem. põe em evidência a banalização da arte transformada (Orson Welles Sketchbook), assumiria que o progra- O resultado, sempre movediço, dessa ação disforme é
Paulo, Peirópolis, 2005,
6 | Idem, ibidem. Ao mesmo tempo em que permite a produção de idênti- em signo de consumo. Ele propõe aplicar seu prêmio ma não foi tão inocente assim. um corpo remoto difuso que tece outro corpo, num pp. 112-115.

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tricô de incontáveis alteridades, que se expressam e se tica, ao apresentar sons que no início possuem estru- Baudrillard,12 a respeito disso, pontua: E, nesse não-acontecimento, iluminam-se o vazio
conjugam, ou não, num mosaico capaz de lidar com tura reconhecível, mas que, devido à proximidade de da imagem e a aglomeração humana, o infundado
as interrupções e a lógica do intervalo. tessitura de cada linha melódica, se tornam cada vez O automatismo é assim como que um fecha- do “tempo real”, entre outras variáveis que explici-
menos reconhecidos individualmente à medida que a mento, uma redundância funcional que ex- tam os regimes de espetacularização do cotidiano,
Lógica do intervalo que aparece no livro mágico de obra se desenrola. pulsa o homem em uma irresponsabilidade fomentados pelo consumo de câmeras e distribui-
Andrei Thomaz, arquiteto de interfaces labirínticas espectadora. É o sonho de um mundo domi- ção massiva de imagens.
que não presumem pontos de partida nem chegada. Na segunda parte do trabalho, temos o desapare- nado, de uma tecnicidade formalmente exe-
12 | BAUDRILLARD, J.,
cimento gradual das palavras da página, e a en- cutada a serviço de uma humanidade inerte Nesse contexto, em que tudo parece ser fabrica- O sistema dos objetos,
Seu Quando uma página torna-se um labirinto exibe trada em cena de novos círculos, acompanhados e sonhadora. do para registrar, maquiar e tornar público, os trad. Zulmira Ribeiro
Tavares, 4ª ed., São
uma das páginas de um texto seminal na história da por novos sons. À medida que as palavras somem, pseudofatos se multiplicam, desenhando uma ar- Paulo, Perspectiva, 2002,
crítica de arte digital (“The Language of New Me- o percurso dos círculos torna-se mais visível, e os Inércia que Cristiano Lenhardt põe em questão quitetura overmidiática, que Cristiano enquadra p. 119.

dia”, de Lev Manovich). A página, escaneada, é dada sons são trocados gradualmente. Por fim, temos a com a instalação Ao vivo, constituída por um vídeo sutilmente. E com essa sutileza, faz lembrar uma 13 | BENTES, I.,
Guerrilha de sofá ou A
na superfície da tela a uma leitura táctil-visual, que opção de revelar novamente a página inicial, sem com o registro de uma bandeira. A bandeira está chamada – que se torna urgente – feita há alguns imagem é o novo capital,
permite percorrê-la por meio de diversos pequenos sons, à espera da intervenção do usuário, para que hasteada sobre o Copan (um dos edifícios-símbolo anos pela crítica Ivana Bentes:13 é hora de iniciar a 2002. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.
círculos vermelhos. o trabalho recomece. de São Paulo, mas também um condomínio pelo Guerrilha do Sofá. A trilha aberta por esses artistas pt/pag/bentes-ivana-tele-
qual transitam milhares de pessoas todos os dias, pode ser um bom começo. visao-guerrilha.pdf.
Cada círculo é acompanhado por um som em loop, Tudo sem interação. Apenas colocando em pauta um entre moradores e passantes) e nela se lê a inscri-
sendo que a duração do loop corresponde à duração gasto de energia, que demanda um leitor capaz de ção “Ao Vivo”. Nada mais acontece.
dos movimentos dos círculos (cada um possui seu pró- operar um investimento de configuração física e men-
prio tempo de animação), explica-me Andrei. tal, que se deixa levar pela própria imagem-aconteci-
mento e compreende as regras do objeto com o qual
A leitura que era, no início, exercício táctil-visual, ga- se relaciona.10
nha volume. A página torna-se escritura. À medida
que os círculos vão entrando em cena, novos loops de Como na obra de arte generativa FullFil Fullness, de
som são executados, traçando caminhos inusitados Vera Bighetti. A arte generativa baseia-se em instru-
entre as linhas, conclamando, sem desenhar, a ima- ções matemáticas que agenciam rotinas, no caso de
gem da elipse que Derrida9 escolheu como sinônimo Vera, visuais, que podem correr autonomamente, ou
do processo de leitura/concretude da escritura. ser alteradas pela presença do interator.

Dizia o filósofo: A artista aposta nessa tendência mais complexa, exi-


gindo o desempenho de um “endoespectador”, aque-
Aqui ou ali, discernimos a escritura: uma par- le que se integra a um sistema como observador inter-
tilha sem simetria desenhava de um lado o no,11 dotado de olhos em distintas partes do corpo,
fechamento do livro, do outro a abertura do que se configura e se dá ao trabalho de ser formatado
9 | DERRIDA, J., “Elipse”
IN: A escritura e a dife-
texto. De um lado a enciclopédia teológica e, para uma experiência passageira.
rença, trad. Maria Beatriz segundo o seu modelo, o livro do homem. Do
Nizza da Silva, São Paulo,
Perspectiva, 1971, pp.
outro, uma rede de traços marcando o desa- Para compreender suas geometrias instáveis, é preci-
73-83. parecimento de um Deus extenuado ou de so deixar-se levar por um mundo sem figuras e sem
10 | AARSETH, E., um homem eliminado. A questão da escritura palavras, imergir, submergir e emergir de um estado
Cybertext – Perspectives só se poderia iniciar com o livro fechado. A de torpor que põe em xeque a anestesia dos portais e
on Ergodic Literature,
Baltimore, The Johns alegre errância do ‘graphein’ era então im- seus infindáveis “clique aqui para isso e aquilo”.
Hopkins University Press, possível. A abertura do texto era a aventura,
1997.
o gasto sem reserva. É preciso ainda tornar-se cúmplice da máquina e ceder
11 | GIANETTI, C., à lógica das parcerias que jogam com a alteridade de
Endo-Aesthetics (From
ontological discourse Visualmente, o trabalho tenta revelar o desenho for- papéis de criador e criatura, enfrentando as ambiva-
to systemic argumenta- mado pelos espaços em branco entre as palavras de lências entre o visível e o invisível, o lugar do código
tion), 2004. Disponível
em: netart.incubadora. uma página de texto, desenho que é um tanto labi- e o lugar da imagem, sem concessões aos repertórios
fapesp.br/portal/refe-
rencias/endoaesthetics.
ríntico, e parecido com os mapas urbanos. O trabalho meramente automáticos.
pdf/file_view. com o som pretende reforçar esta experiência labirín-

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Quem acompanhou as conversas e diálogos tornados públicos no
espaço do blog criado como ante-sala do Fiat Mostra Brasil
pôde ter uma idéia das inquietações que antecederam o processo seletivo des-
ta Mostra e que seguem ocorrendo.2 Conversamos sobre a produção artística
contemporânea brasileira e seu contexto de difusão (formação do artista e do
público) abordando a complexa situação da arte em nosso país. As políticas
para a área de artes diferem entre os estados, e o sudeste do país concentra um
‘sistema de artes’ (“o produtor, o comprador _ colecionador ou o aficionado _
passando pelos críticos, publicitários, curadores, conservadores, as instituições,
os museus...”)3 que não reflete necessariamente a realidade de nossas sensíveis
diferenças locais. Isto faz com que, em distintos estados deste país, tenhamos
cada qual que reagir às nossas realidades e circunstâncias próprias. Observa-
mos que muitas iniciativas extravasam para além de uma lógica mercantilista e
fora do apoio do estado, em ações e expansões do fazer artístico. Algumas lo-
grando ser efetivamente transformadoras e instauradoras de inusitadas formas
de viver a arte e de ‘outros sistemas’.

A atual etapa, e diante das proposições dos trinta artistas escolhidos, nos im-
põe um trabalho bastante desafiador: observar este conjunto, operar distinções
quando olhamos cada obra, discernindo as passagens entre os meios, assim
como as vias abertas pela informação e por obras veiculadas em rede, aproxi-
mando-as das proposições realizadas em colaboração e das ações de coletivos.
Como os artistas elaboram as questões internas, inerentes às suas obras, com
as questões que se relacionam aos contextos de vida e aos modos de organiza-
ção e difusão de suas produções no Brasil hoje? Na seqüência deste texto darei
continuidade àquelas conversas para expandir e compartilhar a experiência de
curadoria, assim como para compreender o que juntas problematizam.

Processos artísticos como pesquisa


Chamaremos de arte como pesquisa o estabelecimento de regras sensíveis e de
objetivos que se apresentam primeiramente como uma necessidade para o artista,
e a situação na qual a análise do que ocorre entre as obras em processo o auxilia 1 | PEREC, Georges,

Um texto para um contexto:


a definir os caminhos para o seu fazer. Isso implica num olhar mais amplo sobre o Espèce d’espace, Paris,
Galilée, 1974, p. 122.
que vem a ser a prática artística, levando em conta a movimentação que o artista (tradução de Mariana
produz, as linguagens convocadas e o conjunto de motivações que articula. Silva da Silva).

Fiat Mostra Brasil |


2 | http://blogearte.
Esta exposição traz à cena um recorte significativo da utilização da fotografia blogspot.com

Maria Ivone dos Santos na arte brasileira. As especificidades do meio sendo exploradas pelas poten- 3 | CAUQUELIN, Anne,
cialidades analíticas da captura são um traço comum a algumas pesquisas que Arte contemporânea: uma
introdução, São Paulo:
detalharemos na seqüência. Martins, 2005, p. 15.

Vive-se em algum lugar? Em um país, em uma cidade deste país, em um bairro desta cidade, em uma rua deste
bairro, em um apartamento deste prédio.(...) O espaço está em dúvida: é preciso incessantemente que eu o
marque, que o designe; ele nunca é meu, ele nunca me foi dado, é preciso que o conquiste.1
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Mariana Silva da Silva, com fina propriedade, nos in- sentes na prática da arte. Apresenta-nos diante de dois E estas coisas dispostas em vermelho não agem, não semelhava muito ao vídeo. Acima da tenda, um anjo
troduz a essa questão com seu trabalho À distância grandes formatos, Paisagens: dia. Estas imagens de se anunciam, elas dizem: Isto!”9 O efeito sonoro que vem anunciar ao imperador a vitória na guerra caso ele
(elétrico): “Tocar com a ponta dos dedos e com as pal- 2004, cujas ampliações resultam do processo analógi- acompanha o desenrolar da imagem no vídeo de Luiz se converta ao cristianismo. Ou seja, existe aí a idéia
mas das mãos, tocar as fronteiras rarefeitas, contem- co, integram séries fechadas e enquadramentos de céu Roque Filho parece colaborar com essa indexação cro- da revelação. A verdade, no caso dessa imagem, entra
plá-las e observá-las. Tentar alcançá-las e contatá-las. ou da paisagem. Ampliadas nesse formato monumen- mática. Entramos em um universo de imagens espa- pela abertura da tenda. Achei que tinha aí um paralelo
Capturar esse contato, apresentá-lo, se possível. Fixar tal, os dois monocromos incitam-nos igualmente a um çosas e este trabalho poderia inscrever-se igualmente rico com nosso vídeo, no qual algo também é revela-
o volátil? À distância (elétrico) mapeia o percurso de sutil jogo de diferenças entre azuis. São instauradores em uma ‘história do vermelho na arte brasileira’, da do: uma paisagem.” (À direita - detalhe da píntura.)
uma situação de fronteiras do contato através de sua de um tipo de relação sensível produzido em presença qual nos vêm rapidamente ao espírito a instalação
apresentação fotográfica. O trabalho consiste em duas dessa cor. Isso faz com que esqueçamos por instantes Desvio para o vermelho, de Cildo Meireles (1968-84), Estas e outras pesquisas aqui apresentadas trabalham
fotografias dispostas lado a lado em uma parede, de que estamos diante de fotografias e nos perguntemos: as fotografias da Série Vermelha (2001), apropriadas a idéia de suspensão, utilizando a fotografia e o vídeo.
forma que haja uma espécie de movimento de um o que é o azul? Esta vasta questão se apresenta nova- e ressignificadas pela cor por Rosângela Rennó, as- Colocando-se diante do embate com a prática, os ar-
mesmo fato”.4 Contemplar esses pontos de contato: a mente, transitando entre meios e linguagens, ao longo sim como outras obras cinematográficas que tanto tistas apreciam o envolvimento proporcionado por es-
fotografia como meio de retenção de um instante e de da história da arte. Lembremos dos imensos planos alimentam o imaginário de Luiz Roque Filho. ses meios na construção de suas imagens.
descrição da diferença sutil entre dois enquadramentos de imaterialidade que tanto motivaram Giotto (1266-
de uma ação meditada. Quem está por trás da imagem 1337), da cor que fugia diante dos olhos atentos de N’O sonho de Constantino, vídeo de Felipe Cohen re- Observamos a recorrência do interesse pelo gênero
e que pensamentos e premeditações culminaram nes- Da Vinci (1452-1519),6 que tentava em vão fixar na tela alizado em colaboração com Daniel Trench, encontrei retrato e pela paisagem, por meios deliberadamente
sas tomadas? A artista aqui expõe não somente uma um céu em constante alteração cromática. Bachelard, características coincidentes, no plano estético, com mais lentos; a pintura, por exemplo. Leonora Weiss-
captação, mas os resultados de um gesto deliberado, citado na ‘Breve história do azul’ de Geneviève Monier, algumas das mencionadas acima. Neste formato de mann propõe-nos dois grandes retratos que deno-
4 | SILVA DA SILVA, pois protagoniza a ação figurada. Discute com o para- nos esclarece um pouco sobre a emoção do azul: “Pri- janela, o vídeo parece induzir a uma parada. Quere- mina Retratos de Leopoldina e Dudu Nicácio sobre a
Mariana, “Superfícies digma do instante decisivo, e demonstra, sem dizê-lo, meiro não há nada, depois vem um nada profundo, em mos ver o que há atrás dessa cortina, o que nos obriga mesma paisagem. Busquei saber mais sobre o envol-
do contato: fronteiras
e espaçamentos.” a existência de um dispositivo de registro e de um certo seguida há uma profundidade azul”.7 A cor em questão a parar diante dela. A imagem é que “nos escolhe”. vimento da artista com a pintura, pois, para muitos,
Dissertação de mestrado, enquadramento. Pratica o contato consciente de que se sendo analisada por sua potência enquanto fenômeno. Pude entrar nos meandros dessa proposição, cuja len- pintar é “quase” um sinônimo de fazer arte. Obtive a
Programa de Pós-
Graduação em Artes encontra ao mesmo tempo dentro e fora do seu fazer. (Acima - detalhe de pintura de Giotto e céu.) tidão parece contribuir para uma atitude mais contem- instigante colocação: “(...) a pintura se transformou e
Visuais, Instituto de plativa. Perguntei ao artista como ele via esse aspecto ganhou nova dimensão, se tornou mais corajosa. Na
Artes, UFRGS, Porto
Alegre, 2005. Podemos reconhecer essa mesma atitude investigati- Luiz Roque Filho, num vídeo realizado na fortaleza de ligado a uma contemplação do mundo e ao restabe- verdade, após essa profusão de novas práticas, não é
5 | Wielewicki,
va nas proposições de Fabiana Wielewicki. Na série 2ª Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul, espaço natural lecimento de certa distância de produções mais ruido- possível olhar para a pintura na história da arte com os
Fabiana, “Investigações natureza: 8º andar, trabalha seguindo um protocolo. caracterizado por sua vastidão e silêncio, parece tra- sas que trabalham a linguagem do vídeo. “Contemplar mesmos olhos. E isso é maravilhoso: o presente modi-
fotográficas: paisagem
programada.” Dissertação
A fotografia a auxilia, neste caso, a desenvolver a ar- balhar também sob o impacto de uma cor.8 A instala- no sentido filosófico do termo. A paisagem deve ser ficando nosso olhar para o passado”.
de mestrado, Programa ticulação dos temas que lhe são caros: o enquadra- ção Projeto vermelho mostra o artista acionando um entendida como símbolo de algo maior e o sujeito,
de Pós-Graduação em
Artes Visuais, Instituto mento e a paisagem. Esta série de imagens, coloca- sinalizador que dispersa uma nuvem de pigmentos alguém que a contempla e procura desvendá-la e de- Se considerarmos que ela nos diz na seqüência, que
de Artes, UFRGS, Porto das lado a lado, exibe uma movimentação da artista vermelhos na paisagem. O vídeo exibe a magnitude cifrá-la. Essa relação com o mundo, ou seja, a variação uma pintura se complementa na outra, vemos como a
Alegre, 2005.
diante de sua janela, ora incluindo no enquadramento dessas paragens marcadas pela presença da nuvem de de uma postura contemplativa na qual você aceita o prática do ateliê guarda para ela sua potência de labo-
6 | VINCI, Leonardo Da, uma pintura, ora incluindo outra. Parece demonstrar o cor que emerge do centro do enquadramento da ima- mundo com seus mistérios e contradições. Acho que ratório e de oratório. O ateliê como lugar de um embate
Tratado de la Pintura, Barão de Santo Ângelo,
Buenos Aires, Editorial y que ocorre neste jogo: uma paisagem idealizada, um gem pela ação do artista. Luiz se insere igualmente no é a partir dessa vagareza, desse tempo que não nos entre o artista, seu cotidiano e seu mundo, numa ação Instituto de Artes da
Librería Goncourt, 1975. lugar comum da paisagem e a cidade como pano de interior de seu enquadramento e, seguindo a mesma distrai, que a paisagem nos evoca para pensarmos so- continuada, física, que encontra, habita e desloca-se UFRGS, Porto Alegre, RS.
Essa exposição reunia
7 | Monier, Geneviève, fundo. Em um texto recente, Fabiana discorre sobre o preocupação de Katia, explora no espaço expositivo a bre sua presença e principalmente a estranharmos.”10 sobre um suporte e continua em outra pintura. “No outras proposições
“Brève histoire de bleu” e foi acompanhada
que costuma pautar suas proposições: “Elaborar algu- imersão produzida pela imagem projetada num for- Fiquei interessada em saber mais sobre a retomada de caso dos trabalhos selecionados, isso se torna um pou- de um ciclo de
IN: Artstudio, n° 16,
Monocrome, Paris, mas diretrizes – pequenas regras – traçadas para or- mato de cinema, que ocupa um plano da instalação. um tema tratado por Piero della Francesca, mas des- co mais específico. Dudu Nicácio e Leopoldina, músicos palestras discutindo
1990, p. 36. Neste distintos enfoques
texto a autora faz um
ganizar e conduzir etapas”. Segundo ela, essas regras Centra-se na denotação cultural e simbólica desta cor locado do contexto da pintura. Perguntei ao artista se parceiros e amigos, foram retratados e passaram a fazer da cor vermelha na
apanhado de obras permitem “organizar as etapas de trabalho, mantendo e nos coloca, pelo seu gesto de passagem, diante da seu sonho (e de Daniel) remetia ao figurado naquela parte dos corpos-paisagem. Seus corpos se estruturam arte contemporânea.
envolvendo a cor azul, Disponível em: www.
de Giotto a artistas
uma relação intrínseca que estrutura conceitos e so- potência do vermelho. pintura do século XV (Il sogno di Constantino, Piero na pintura a partir de uma paisagem lúdica, que finge ufrgs.br/galeria/
mais contemporâneos, luções formais no processo artístico”.5 Se pudermos della Francesca, Basílica de San Francesco, Arezzo, ca. ser a mesma, mas que, quando se torna pintura, mul- ANO2006_1.html
como Yves Klein, que
patenteou seu azul IKB. deduzir o jogo por ela lançado nesta série, veremos que Se nos ativermos aos aspectos físicos da cor verme- 1455). “O título da obra veio depois do trabalho. Esta- tiplica-se. Fico me perguntando: seus corpos estão so- 9 | Schefer, J. Louis,
esse sistema de enquadramentos e de reenvios introduz lha, poderemos observar que a mesma possui uma va folheando um livro de história da arte quando me bre a mesma paisagem? Seus corpos são a paisagem? “Quelles sont les choses
8 | Projeto vermelho, rouges?” IN: Artstudio,
de Luiz Roque Filho, também o espectador, virtualmente incluído na cena extensão sobre o plano visual. Segundo Schefer, “O deparei com a imagem da pintura O sonho de Cons- Ambos se fazem pintura, os corpos e as paisagens, e n° 16, Monocrome, Paris,
instalação produzida no ‘enquadramento’ de uma exposição. vermelho da pintura (de quase toda a pintura) não faz tantino. O que me chamou a atenção primeiro foi a ambos são paisagem, a pintura e os corpos. O corpo 1990, p. 19.
para a exposição
homônima (2006). o corpo das coisas vermelhas: ele as faz vir o mais pró- própria imagem da pintura de Piero della Francesca, externo à imagem, que observa, é responsável por esse 10 | Dados colhidos em
Curadoria de Marcos Katia Prates segue a via de uma fotografia mais analí- ximo da superfície. De que superfície? Da superfície na qual o elemento mais forte é a tenda entreaberta infinito, o torna possível. São corpos ilusoriamente eter- entrevista que realizei
Sari e Ricardo Barberena, com o artista em outubro
Galeria da Pinacoteca tica, que vai, porém, convocar questões sempre pre- que nós nos tornamos quando olhamos o vermelho. onde Constantino dorme, e que formalmente se as- nizados por um ponto de vista que é múltiplo.” de 2006.

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Rodrigo Freitas recorre aos grandes formatos em suas a web arte; da pintura para o vídeo e cinema. Para obra MERZBAU (1920),13 às pontuações de Daniel Bu- O lugar expositivo face aos veículos
pinturas, nas quais organiza um criterioso jogo sele- além do meio escolhido, o que se joga nestes casos ren (1968 até nossos dias).14 da arte
tivo de temas retirados do seu cotidiano na grande são questões que confirmam as atitudes investigativas
cidade (Belo Horizonte), partindo de uma pesquisa dos artistas, ou seja, a busca de amadurecimento de As questões do trânsito entre meios aparece distin- Diante da profusão de meios artísticos e de modos
anterior com desenhos e fotografia. “Interessa-me uma prática calcada na observação de fenômenos de tamente nos Objetos ansiosos de Ricardo Cristofaro, de recepção igualmente variados, parece importante
o fluxo constante da cidade, seu incessante ciclo de passagem. Esses artistas parecem perguntar-se: o que que passa da prática escultórica para a modelagem tratar das distinções que se operam entre as obras no
11 | As falas dos artistas
trazidas a este texto
destruição e reconstrução e, conseqüentemente, a ocorre quando desloco uma situação de um contexto digital. Nesta instalação ele propõe a projeção de espaço expositivo. Como cada obra se propõe como
foram colhidas através de convivência de diferentes tempos (passado e presen- a outro? Isso dentro da prática de ateliê ou na passa- animações de objetos, onde algumas funções são uma zona de compartilhamento e que modos de re-
entrevistas endereçadas
por e-mail entre os meses
te) num mesmo local. Comecei a investigar lugares gem de contextos de veiculação. priorizadas, que guardam aspectos que lembram os cepção implica? Como ganham nexo? Se no caso da
de outubro e novembro, e elementos urbanos que causavam estranhamento objetos manufaturados.15 instalação, vemos que o artista busca recriar uma
coincidindo com o
processo de escrita deste e distanciamento à maioria das pessoas. O aspecto Os Tapumes que Henrique Oliveira nos apresenta nes- zona de visibilidade para suas imagens mentais, como
texto que efetivamente sublime da paisagem me interessa. Essas idéias se ta Mostra, uma instalação in situ, foram feitos pela Em Refeitório, Marcelo Moscheta opera a passagem em outras práticas da arte contemporânea é reposi-
se alimentou dessa
interlocução. Buscaremos tornaram mais consistentes a partir das pinturas que aplicação de camadas de lâminas de madeira com- de uma imagem de um meio para o outro. O artista cionada a questão do contato entre o pensamento do
disponibilizá-las na representam um viaduto e o chão de uma praça. O pensada sobrepostas no plano modificado da parede observa o que ocorre quando transpõe uma fotografia artista e seu público?
íntegra no site: www.
ufrgs.br/artes/escultura, processo de feitura da pintura (têmpera em grossas do porão da Bienal. A obra coloca de maneira exem- apropriada de arquivo para a gravura, pacientemente
no qual recolho as camadas) de certa forma dialoga com esse ritmo de plar a questão da passagem entre meios. A história da analisada no que diz respeito às suas qualidades tonais. Vejamos como abordar o livro de artista, a web arte,
informações que
concernem à minha construção da própria cidade, em que as camadas arte do século XX, suas invenções e transgressões nos Partindo deste formato portável, busca reencontrar as as ações que agenciam registros de informação e de
participação neste
processo de curadoria,
de pigmento se sobrepõem e velam imagens ante- permitem hoje retraçar a ampliação efetiva da prática dimensões originais da cena. O meio escolhido pelo difusão e as que tratam da questão ética de tornar
como uma das ações riores. Embora nasçam da fotografia, não busco nas artística, questão iniciada pela inclusão de procedi- artista é a gravura. Quem conhece este procedimento público um trabalho, sem exclusão de meios. Pode-se
do Programa Formas 16
de Pensar a Escultura,
pinturas uma fidelidade fotográfica. Ao contrário, a mentos alheios à pintura, como as colagens. O muro de reprodução pode medir a tarefa. O fazer artístico detectar nestas atitudes um movimento e uma von-
DAV-Instituto de Artes da fotografia é um estímulo inicial e as paisagens pictó- que nos propõe Henrique Oliveira expõe as texturas aqui tem o seu sistema interno centrado na questão da tade do artista de abrir outras vias expositivas, con- 14 | DUARTE, Paulo
UFRGS. Sergio (org.), Daniel
ricas se constroem no próprio fazer, com as sucessi- da matéria utilizada e apresenta efeitos visuais impres- passagem e da transcrição da imagem do refeitório e trapondo-se à hegemonia do cultural e ao poder das Buren: textos e
12 | OLIVEIRA, Henrique, vas camadas de tinta.” sionantes, que nos dão a sensação de estarmos diante na devolução da mesma, como uma cena, ao local da mídias da comunicação? entrevistas escolhidos
“Matéria e imagem”, ARS, (1967-2000), Rio de
Revista do Departamento de um corpo vivo, que incha e se retrai. O artista dis- exposição. As pequenas parcelas tonais são montadas Janeiro, Centro de Arte
de Artes Plásticas, n. Exalta-se aqui o envolvimento dos artistas em seus cute e se bate com esse “plano” de intervenção, um lado a lado, como um mosaico, buscando reconstituir O Brasil apresenta um incremento de aparelhos de Hélio Oiticica, 2001.
6, ano 3, 2005, pp.
66-77. Neste artigo distintos processos de trabalho, cuja revelação tornou plano da pintura, inicialmente. Parece consciente que o efeito tonal da imagem original. Refeitório parece comunicação e de computadores domésticos conec- 15 | http://www.artes.
recentemente publicado possível sinalizar a recorrência de interesses e temas.11 está diante de um terceiro termo, mesmo se mostra desvendar uma preocupação do artista em elaborar o tados em rede. Se não podemos ainda medir as con- ufjf.br/cristofaro/
o artista desenvolve a
existência de um fio Vimos que possuem em comum uma pesquisa metó- apego às referências do gênero do qual partiu e que descarte de nossa sociedade em suas mais diversas for- seqüências desta rede para a criação, desmistificação 16 | As técnicas água-
condutor que mostra dica, que se estende do fazer à exposição e aponta lhe serve de parâmetro de análise.12 Tapumes convi- mas. O que o levaria a passar tanto tempo na realiza- e democratização do circuito da arte, vemos que os forte, água-tinta e ponta
a passagem da pintura seca possibilitam a
por várias provas que para uma consciência maior de seu papel. Percebe- da-nos porém a refletir sobre o que ocorre quando a ção de uma obra se não o envolvimento com uma cer- artistas dela têm se apropriado muito rapidamente. exploração de nuances
culminam nas novas de tom e qualidades
ações artísticas. Parece
mos que muitos seguem reatualizando, por distintos obra adere ao espaço expositivo e, por conseqüência, ta resistência ao desgaste de imagens abandonadas? A internet tem potencializado a energia de trocas de de linha bastante
haver um interesse na meios, temas fundamentais na história da arte: a con- o transforma. Pede que a analisemos nos contextos informação e é hoje também um canal de veiculação sofisticadas. Integram o
retomada de um olhar conhecimento da gravura
a partir deste gênero
templação do mundo, a paisagem, as meditações. O nos quais é apresentada, pois nesse embate parece Daniel Escobar apresenta dois grandes formatos – sé- de trabalhos de arte. Abrindo-se para o contrafluxo em metal. A imagem
para reposicionar as espaço de vida surge como tema e aparece, em algu- ganhar organicidade, aparecendo criticamente ao pú- rie Perto demais: Permeável I e Permeável II –, inscritos de opiniões e de interações, ela segue sendo esse ri- final é obtida por
questões colocadas pela entintagem e impressão
diversidade de práticas e
mas obras, desvendando outras questões problemá- blico como um corpo estranho. na categoria pintura. Trama os suportes, resíduos de zomático espaço de conversas e assume-se, em certas da matriz trabalhada.
gêneros. ticas de seus cotidianos, como se pôde constatar nas outdoors também recuperados de campanhas publi- circunstâncias, como lugar expositivo. Poderíamos, (Acima, registros do
processo de trabalho de
13 | KLÜSER, Bernd, pinturas de Rodrigo e de Leonora, assim como nos A conjunção da obra com o seu local expositivo é citárias com seus gestos de interferência. Ao perfurar como se aventura Anne Cauquelin, levantar outro Marcelo Moscheta.)
HEGEWISCH, Catarina, vídeos e fotografias. igualmente colocada por Rodrigo Borges, que dia- obsessivamente a superfície desses papéis, produz caso, o significado dos Sites artísticos17 como espaços
(traduzido para o francês 17 | CAUQUELIN, Anne,
por Denis Trieweiller), loga com as características inerentes desse espaço costuras visuais, cerziduras e rendas, nas quais as ima- de trocas entre artistas e como zonas de compartilha- Arte contemporânea:
L’Art de la exposition. (tipologia, morfologia, fluxos) para com elas dese- gens sobrepostas criam outras tramas, fazendo com mento de suas produções. uma introdução, São
Une documentation Paulo, Martins, 2005, p.
sur trente expositions nhar e demarcar intervalos. Torna cada proposição que o que está figurado numa camada do fundo apa- 159. “A idéia que está por
exemplaires du XXe
siècle, Paris, Edition du
Passagens entre meios parte indissociável dessa arquitetura, acentuada pela reça na superfície. A delicadeza e a fragilidade dessas Uma expressiva parcela dos selecionados tensiona o trás dessa instalação em
rede é a organização de
Regard, 1998. No artigo tensão provocada pela fragilidade do material em- folhas são algo incompatível com o imenso painel que aparato expositivo, o museu e as curadorias, conside- um local para o encontro
dedicado a analisar o de artistas, para a troca
espaço dos abstratos de
Os artistas, desde o início da modernidade e do apa- pregado: fitas adesivas. Ambas as práticas, de Hen- mobiliza nossa atenção. Aqui, uma vez mais, os re- radas instâncias de sacralização para a arte. Artistas interativa de projetos em
El Lissitzky, Beatriz Nobis recimento das imagens técnicas, vêm produzindo rique e de Rodrigo, se fazem a partir da pintura e do síduos de imagens publicitárias são ressemantizados que se identificam com o espaço da web, assim como curso, para a construção
levanta a importância da de uma obra comum, na
obra de Schwitters que
deslocamentos entre meios e agregando, por meio lugar específico, dialogando e propondo inusitadas por um tempo dos gestos lentos, e por um real envol- os que desenvolvem ações em contextos urbanos, qual possam intervir os
se aplicava a estabelecer desta mobilidade, elementos e diferenças em suas relações perceptivas, ambicionando e dando conti- vimento do artista com o seu fazer. A questão técnica individualmente ou em coletivos, estão interessados ‘supostos’ utilizadores,
uma relação obsessiva que acabariam se
com os espaços nos
práticas: da fotografia à pintura; da fotografia para a nuidade a uma problemática retomada por inúmeros e dos materiais artísticos cede, neste caso, lugar a uma em implicar um outro público. Ampliam considera- tornando os verdadeiros
quais se inscrevia. gravura; da pintura para a escultura; da escultura para artistas, da arte total de Kurt Schwitters, com a sua coreografia de gestos que faz obra. velmente a questão sobre os modos de veiculação de artistas.”

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suas poéticas e em alguns casos retornam ao museu, na maioria das vezes, pode ter uma leitura como um de seu dia-a-dia em Porto Alegre. Interessa-lhe traba- ação da arte, para além das mapeadas nesta Mostra,
pois é a partir desse lugar que se segue produzindo apontamento político, por querer mostrar alguma si- lhar o agenciamento de narrativas visuais instauradas mas tomando como ponto de partida as proposições
discursos de discernimento do público. Segundo An- tuação para o outro, algo que esteja no nosso cotidia- pelo encadeamento das imagens fotográficas na pá- coletivas aqui apresentadas.
drei Thomaz, um dos artistas selecionados, “os traba- no.” O artista aposta no ato de “exposição do siste- gina, entre páginas, assim como explorar o gesto de
lhos de web arte acabam atingindo pessoas que não ma”, que permite que uma pintura adquirida em um folheá-lo. Segundo Paulo Silveira, estudioso das nar- Observemos de que forma dois coletivos e dois trabalhos 20 | SILVEIRA, Paulo,
“A fotografia e o livro
fazem parte do público de arte contemporânea. Mas leilão televisivo integre uma proposição sua, para com rativas de artistas que utilizam a fotografia no livro, “A autorais interceptam os funcionamentos da vida social. de artista” IN: SANTOS,
me preocupa que os trabalhos não sejam percebidos ela produzir um estranhamento crítico que, por sua palavra-chave que une livros tão especiais talvez seja Alexandre e DOS
SANTOS, Maria Ivone
como produções artísticas. Por mais que alguns artis- vez, expõe problemas mais amplos. o nexo, que pode ser o vínculo ou a relação de partes As ações públicas do Grupo de Interferência Ambiental (orgs.), A fotografia
tas considerem o sistema artístico um aparato institu- entre si, ou da parte com o todo, ou do evento e sua (GIA) conclamam uma apresentação pormenorizada. nos processos artísticos
contemporâneos, Porto
cional desnecessário, me parece importante que eles Já Fabíola Tasca exibe numa parede a lista de leito- circunstância, mesmo que qualquer variável seja abs- O Caramujo é uma estrutura de base, realizada com Alegre, Unidade Editorial
da Secretaria Municipal de
sejam vistos dentro do contexto da produção artística, res do livro Escritura, produzido por ela, e fruto de trata, impalpável. Este nexo, partido de um dado pro- lonas plásticas amarelas, e que se adapta a lugares e Cultura/Editora da UFRGS,
e que pontos de contato com outras produções, sejam “uma dinâmica de relações interpessoais”. O livro não pósito, irá constituir o sistema formador do livro. A fo- situações as mais inusitadas, podendo ser amarrado a 2004, p. 150.
contemporâneas ou de séculos anteriores, possam ser se encontra no espaço expositivo propriamente dito. tografia não estará ali passivamente”.20 A questão que uma grade do passeio, numa calçada ou entre árvores 21 | http://www6.ufrgs.
identificados e estabelecidos pelos fruidores”. Segundo a artista, a experiência da obra ocorre no se coloca neste caso é que certas imagens fotográficas de um parque. Nesse abrigo, instala-se provisoriamen- br/escultura/fsm2005/
18 | Depoimento intervencoes.htm
colhido por e-mail, deslocamento e no espaço entre dois pontos: “Não “vivem melhor” na intimidade de um livro do que em te uma sede de interações com os passantes, natu- A intervenção sonora
datado de 06/10/2006, Ao lado de pinturas e obras prontas, encontramos na se trata de proceder com vistas a equacionar uma uma exposição, desconectadas de sua ordem. ralmente atraídos pelo espírito festivo do coletivo. As Grilo consistia em veicular
respondendo a uma em carro de som o áudio
questão por mim exposição proposições e projetos envolvendo regis- apreensão completa, totalizante, mas de investir em propostas destes artistas, que vivem, estudam e tra- de um grilo, em fins
colocada. MI: “Como tro e transmissão e implicando outros tipos de des- salientar a dimensão de incompletude. Daí o deslo- Para Grilo, de Raquel Stolf, por exemplo, o espaço balham em Salvador, são embaladas por percussões de tarde, em trajetos
pensar a exposição do centro de algumas
dessas proposições, locamento, virtuais e reais. A função deste espaço se camento entre os espaços, entre as etapas às quais o expositivo é o lugar literal de estacionamento de bi- e seguidas pelas máximas publicadas na base de seus cidades. Foi realizada no
visto que o objeto está altera. A exposição torna-se uma zona de comparti- leitor é conduzido/convidado. Ao convocar estratégias cicletas preparadas para que o “usuário” faça uma de- panfletos programáticos: Acredite nas suas ações. dia 30 de janeiro entre 18
sinalizado pelos leitores, e 20 horas, no entorno
mas ausente do contexto lhamento da diversidade, que não anula as diferen- algo anômalas em relação a uma concepção da arte riva pelo Parque do Ibirapuera ou no seu entorno. O do Parque da Redenção
expositivo? O que tu em Porto Alegre, durante
realmente apresenta?”
ças constitutivas de cada uma das proposições, mas como ‘revelação da subjetividade’, talvez o trabalho trabalho se dá em movimento e a artista nos propõe Fila, por exemplo, é uma proposição um tanto non-
o V Fórum Social Mundial
FT: “Assim, acho que o que, ao contrário, propõe ao visitante um exercício diga que isso de subjetividade só existe no entre.” Fa- uma imersão poético-crítica, embalada pela sonori- sense. O grupo percebe a facilidade com a qual as pes- de Porto Alegre em
mais importante a ser 2005. Este trabalho foi
fixado seria a questão do
de discernimento. Tal como está sendo posta a ques- bíola pensa no formato “exposição” como lugar para dade invocadora do contexto rural. “Esta proposição soas entram em condicionamentos sociais ao examinar reapresentado com a
convite, uma vez que isso tão, essa compreensão contribui para entender que o endereçar um convite, vivendo-o como instância que integra o projeto FORA [DO AR], desenvolvido desde como se forma uma fila e o que ela gera como campo versão documentação no
está presente em todo Salão de Joinville e em
o processo, o convite papel de espectador diante de formatos expositivos “remete” a outra experiência que ela deseja compar- 2002, constituindo a primeira faixa de um CD-objeto de relações. Colocam-se em linha e rapidamente os outras ocasiões.
ao Sabá, o convite aos mudou muito, pois ali ele pode ser passivo ou sujei- tilhar: “A galeria e o tempo de exposição funcionam com proposições sonoras que podem se desdobrar passantes se postam atrás, para ver, por exemplo, o
leitores que contatei, o 22 | HUCHET, Stéphane,
convite aos visitantes to deliberante. A exposição da arte contemporânea como um momento de publicização de contatos par- em intervenções urbanas, microintervenções domés- pôr-do-sol de Salvador. Os artistas observam e apon- “Osíris contemporâneo”,
da galeria. Todos esses apresentando-se como um sofisticado sistema de ticulares (quase um outdoor, quem sabe...), enquanto ticas, inserções em rádios, instalações, vídeos, obje- tam suas contradições, divertem-se retirando esses em artigo integrante
convites implicando em desta publicação,
um trabalho de leitura múltiplos modos cognitivos de recepção. a biblioteca e o possível encontro do leitor com o livro tos, textos e imagens.”21 Raquel introduz um modo condicionamentos de sua função para provocar ou- apresenta o argumento
daquele que o aceita, funcionariam como uma conversa ao pé do ouvido, de deslocamento da sua proposição em direção aos tras cenas em outros contextos. de que estas proposições
que é também o trabalho integram um campo
de ter que se deslocar Convocando estes paradoxos, o trabalho de Bruno Fa- do tipo que se pode ter em uma biblioteca, onde se espaços da vida, aos quais, a cada dia mais, os artis- gerado pela arte, seguindo
por Diamantina, ter que ria, Delivery; coleção particular, pontua com fina iro- supõe que a gente fale baixinho”.18 Ao divulgar o cír- tas parecem dirigir-se para intervir.22 Como em uma Em outra proposição, Não-propaganda, organizam-se um espírito Fluxus.
ir ao correio, ter que ir à
biblioteca.” nia a situação banalizada pelas mídias, na qual qual- culo de leitores dessa obra, a exposição torna-se o aventura, continuemos a perseguir a arte pelo cami- e saem às ruas de Salvador empunhando cartazes sem 23 | Rolnik, Suely,
quer um pode adquirir uma obra de arte pela televisão lugar desse circuito de relações, ficando ao visitante nho que ela nos indica, numa condução cuidadosa mensagem, na sua pureza original de plástico amare- “Geopolítica da
19 | Extraído do projeto cafetinagem” IN: Schüler,
avaliado pelos curadores a partir de sua própria casa. Ele adquire uma pintura, a iniciativa de integrar-se ou não a essa comunidade dos fatos, para evitar atropelos em seus fluxos, pois lo. Por meio dessa apropriação dos meios e dispositi- Fernando e AXT, Gunter,
do FMB: Fabíola Brasil contemporâneo:
Tasca, Escritura, 2006.
que dispõe lado a lado com o registro videográfico de leitores.19 nesses lugares entramos em outros sistemas, comple- vos de mídias publicitárias, eles se exibem formando crônicas de um país
“‘Escritura’ é, portanto, do lance, para quem quiser conferir. Centra-se no que xos e movediços. uma festiva manifestação monocromática. Os retân- incógnito, Porto Alegre,
o título desse livro que Artes e Ofícios, 2006, pp.
narra o meu encontro efetivamente está querendo mostrar, inscrevendo esse Já no caso do trabalho Indutor de percepção cotidia- gulos amarelos pontuam o espaço urbano por onde 319-334.
com Sabá, bem como as conjunto de operações, um apontamento político de na, de Mariane Rotter, o livro parece ser o lugar do passam. Ao acercar-me dessa proposição, em particu-
situações configuradas 24 | Entrevista de 24
a partir de então. uma situação pinçada no cotidiano, no prêmio Fiat contato irredutível entre o público e a sua experiência. lar, não posso deixar de lembrar a referência que ela páginas, publicada na
‘Escritura’ é também o
título do procedimento
Mostra Brasil. Mas ela aposta na estratégia de disseminá-lo anoni- Ações coletivas e o espaço relacional evoca: os Núcleos de Hélio Oiticica e sua máxima, O íntegra no criterioso
estudo realizado por
de circulação desse livro mamente em alguns pontos de apoio pré-determina- museu é o mundo. Retive de Pedro, um dos integran- Fernanda Carvalho de
que, desde janeiro de “Meus trabalhos estão em suportes distintos, come- dos da cidade de São Paulo. Na exposição, ele estará O que pode a arte?23 Fixo-me particularmente nesta tes do GIA, a seguinte observação: “Os trabalhos não Albuquerque. Dissertação
2003, venho oferecendo de mestrado em História
a alguns leitores. O livro çando no desenho, passando pela escultura e mi- ao lado de outras proposições, em meio a linguagens, questão levantada por Suely Rolnik no texto “Geo- existem sozinhos. Eles só existem com um contexto”. Teoria e Crítica, orientada
segue acompanhado grando para qualquer outro tipo de mídia que seja apontando sobre a irredutibilidade dessa forma de política da cafetinagem”, pois alguns projetos se- Em Salvador, o grupo escolhe o contexto do Carnaval, pela Profa. Dra. Blanca
de uma ficha de leitura Brites e defendida em
na qual os leitores que necessária. Cada trabalho pede um suporte por uma contato mais intimista e que busca um leitor e uma lecionados para o Fiat Mostra Brasil discutem com quando as pessoas estão mais disponíveis e flexíveis.24 julho de 2006, no PPGAV
autorizam a exposição do Instituto de Artes da
de seus nomes registram
necessidade específica. Mas o que os trabalhos têm posição de leitura. No volume apresentado, ela reco- propriedade aspectos da realidade social brasileira. Mantém-se como grupo, mas as formas de inserção
UFRGS em Porto Alegre,
suas assinaturas. (...)” em comum é uma reflexão, um questionamento que, lhe e organiza fotografias de seu cotidiano, recortes Pensemos juntos sobre a expansão do campo de de suas proposições lhes demandam conversas cir- 2006, p. 251.

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cunstanciadas, conforme a questão acima enuncia- cipalmente durante o modernismo, pecou ao produzir essas atitudes provocam e testam a hegemonia da in- temos empresas eficientes e poderosamente infiltra-
da. No Fiat Mostra Brasil, o GIA enfrenta o desafio de algumas opacidades do processo. Focando-se somen- formação e como enfrentam o “campo” de tensões das na vida cotidiana por meio de suas marcas e pro-
acampar seu caramujo em São Paulo, testando as dife- te sobre a autonomia da obra, sem levar em conta o do espaço urbano? Lembremos das palavras de Hen- dutos, temos amostras pontuais e ainda elitistas de
renças sociais e conjunturais de ocupação de espaços contexto dessas produções, o que exaltou a ilusão de ri Lefebvre (1901-1991) nos advertindo de que o es- reinvenção do mundo pela arte, e temos um enorme
escolhidos na maior metrópole da América Latina. um sistema. Já esta arte de processo, que remonta ao paço urbano não é neutro, mas um espaço político. potencial de transformação das rotinas desperdiça-
início da arte contemporânea (anos 60) como recorte Entendemos necessário conceber este termo em sua do em edifícios pontuais e agendas irrelevantes. É na
O Grupo EmpreZa, por sua vez, negocia com o for- histórico, alastra-se e pede que ousemos prospectar acepção ampla, como lugar das negociações apoiadas potencialização dessas características específicas que
mato exposição para, nessa instância de visibilidade, de forma complexa as passagens transformadoras da pelos que geram os meios de decisão e tensionadas pretendemos atuar, convergindo para uma prática
agenciar a instalação de uma ação performático-exis- arte nos espaços de vida. Essas passagens apontam, pelos que “forçam outros tipos de ocupações”.27 Nes- híbrida, instersticial, mas não marginal”. O ateliê é o
tencial. Ao escolher como pano de fundo o Monu- entre outras coisas, para a ampliação do campo da sa arena, encontram-se também os artistas. estúdio onde organizam os dados, o lugar onde se
mento da Independência, para dali monitorar a paula- arte e, em alguns casos, para o papel social do artista, lançam no desenvolvimento de idéias que implicam
tina perda de controle do grupo sobre seus atos após ao expor, para além da idéia de obra, os nossos con- Para finalizar este bloco de situações, observando as o cotidiano, a geografia e o design, a arquitetura e o
a ingestão de uma legítima cachaça nacional, e ao textos de vida e seus paradoxos. distinções entre as práticas artísticas que mapeamos urbanismo. Trabalham avaliando poeticamente fluxos
apresentar no espaço expositivo a passagem crítica nesta Mostra, lancemos um olhar sobre mais três e contextos de ação, buscando contatar seus usuários.
desse descontrole, ao lado de outras imagens relacio- O Brasil tem assistido à emergência de fenômenos de projetos. Rotativos, proposta assinada pelo codinome Ao inquiri-los sobre as diferenças entre a prática da
nadas com as datas nacionais, expõem o violento e coletivos na arte, grupos que tendem a estabelecer Vulgo, interessa-se por problemas urbanos concretos arquitetura e a artística pude constatar o quanto se
incômodo do estado de ânimo de um brasileiro nos seus próprios sistemas, propondo vias paralelas. Como e investiga a adaptação social face à informalidade tensionam: “Mais do que a ‘possibilidade de inserção
dias de hoje. tática de sobrevivência à adversidade, parecem reagir instaurada, mapeada como sintoma de uma transfor- no circuito da arte’, nos interessa no Fiat Mostra Brasil
ao caos e à mais completa informalidade propondo mação interna da sociedade. Essa dupla de artistas- a possibilidade de testar situações em contextos dis-
Distintos entre si, esses dois grupos têm em comum a outros espaços de convívio e outras formas de pensar arquitetos procede de áreas mais utilitaristas, mas ou- tintos, conflituosos e também informais, bem como
perda da identidade dos integrantes em prol de uma a vida. Interceptam igualmente o corpo social, res- sam lançar suas propostas em uma arena de discussão desvendar os limites de transformação real das roti-
ação coletiva discutida e meditada. Ao abdicar da au- pondendo, como ocorre nos casos de outras formas da arte contemporânea. Enfrentando frontalmente os nas, dos espaços e das práticas. Além disso, a Mostra
toria, podem pensar nas aglutinações de energia como coletivas que vemos emergir na sociedade brasileira, a paradoxos da vida urbana, Rotativos não luta contra a apresenta uma qualidade específica, no nosso enten-
forma de proteção mútua e como tática gregária, indo uma demanda interna reprimida. Interessa-nos incluir “ordem fora da ordem da informalidade”, mas propõe dimento, que é se abrir para projetos, além das tradi-
da diluição da responsabilidade civil à reunião de for- estas questões mais polêmicas no debate estético, olhá-la através da arte. “A informalidade não é, por- cionais obras prontas dos salões de arte, bem como
ças obtidas pelo mutirão e pela prática de discussão pois essas outras “formas de vida” e de redistribuição tanto, um método geral a ser aplicado (assim como contemplar a categoria intervenção urbana. Tanto
coletiva. Ambos trabalham a noção de pertencer, re- de energias, ao agir na diferença e no contato carnal a ‘formalidade’ tem sido para arquitetos em seus projeto quanto intervenção urbana são, se não ques-
tirando da energia das trocas e da amizade substratos com o terreno, com o contexto de vida, dialogando ‘datascapes’), mas um campo de ‘formas prospecti- tões, termos bastante familiares a arquitetos, urbanis- 27 | LEFEBVRE, Henri, A
para testar os limites de suas zonas de conflito. Como com o entorno, com fluxos e com pessoas reais, res- vas de viver’ disponíveis para os interessados em uma tas e outros utilitaristas. Entretanto, os procedimen- revolução urbana, Belo
Horizonte, Ed. UFMG,
foi levantado anteriormente por outros estudos, have- tauram possibilidades utópicas e inventivas importan- transformação sensível das relações urbanas.” Obser- tos de se projetar e intervir no espaço e no cotidiano 1999, p. 47. “O urbano?
ria um foco a ser explorado teoricamente que ligaria tes para pensar o país que vivemos. vando as táticas do comércio ambulante, os artistas urbano parecem, cada vez mais, não só ineficientes, Um campo de tensões
altamente complexo;
alguns desses grupos numa filiação ideológica com perguntam-se o que seria assumir essa informalidade como agentes de uma brutalização objetiva e medio- uma virtualidade, um
as atitudes político-anárquicas de artistas e de mo- “Há inegavelmente uma carga crítica imanente mesmo e considerar a mobilidade como uma condição neces- crizante da vida, principalmente a coletiva. Para atu- possível-impossível que
atrai para si o realizado,
vimentos (Situacionismo internacional e, no Brasil, a em grupos descompromissados com qualquer agenda sária ao Brasil. Imaginem uma caminhonete com uma ar nesse contexto, temos de lidar com a disfunção, o uma presença-ausência
Nova objetividade brasileira). Movimentos que coinci- política, e isso devido ao fato do surgimento dos cole- horta suspensa – veículos aparelhados com distintas imprevisível, o tático, o concreto, a pequena escala, a sempre renovada, sempre
exigente. A cegueira
dem com o início da arte contemporânea.25 Nos anos tivos ser algo ainda incompreendido (ou mal-compre- funções e posicionados em vagas de estacionamen- rotina, muito mais do que com o projeto abstrato do consiste em não se ver
1960 estas posições bastante radicais traziam ânimo endido) nos meios artísticos e culturais e, com certeza, to temporário. Estes aparecem como “equipamentos planejamento institucional”. a forma do urbano,
os vetores e tensões
a uma idéia de “um outro mundo”. Vivemos, é certo, em sua maioria, alheios a suas instituições. O meio das atuantes” dentro do cenário urbano e evidenciam um inerentes ao campo, sua
lógica e seu movimento
um período no qual as “diluições das certezas” têm artes ainda não compreendeu a questão da coletivi- “duplo estacionamento”: na arte e na vida. Pensemos no que implica para os artistas e coletivos dialético, a exigência
25 | Cocchiarale, produzido como conseqüência a sensação de um es- dade em sua profundidade e multiplicidade, porque a agir sobre o terreno do urbano, enfrentando seus flu- imanente; no fato de só
Fernando, “A (outra) se ver coisas, operações,
arte contemporânea vaziamento de sentido no campo social, que, por sua lógica da produção coletiva segue padrões de criação, O campo da arte os atrai: “O universo da arte, e es- xos, num corpo-a-corpo com problemas reais. Pense- objetos (funcionais e/ou
brasileira”, Arte & vez parece nutrir um foco de resistência como pauta veiculação e fruição totalmente fora dos padrões usu- pecialmente da arte contemporânea, parece favore- mos no que significa chegar sem avisar o que é arte, significantes de uma
Ensaios, ano X, número maneira plenamente
11, Rio de Janeiro, 2004. da arte. (Vide imagem acima, à esquerda.) ais das instituições artísticas tradicionais.”26 cer processos dinâmicos e potentes de reinvenção das sem ser apresentado, sem estar sob a égide da expe- consumada). No que
práticas e procedimentos e se aproxima da arquite- riência estética, tocando num âmbito mais anônimo concerne ao urbano, há
26 | ROSAS, Ricardo, uma dupla cegueira. Seu
“Hibridismo coletivo no Nestes grupos, e em consciências operantes, talvez es- Mesmo se agem nos seus espaços de vida, alguns cole- tura, desafiando seus limites. Por outro lado (ou do e relacional, no qual o artista se funde ao cidadão e vazio e sua virtualidade
Brasil: transversalidade ou teja ressurgindo, de forma sorrateira, como nos dizia tivos podem, em circunstâncias que lhes convenham, mesmo?), as empresas movidas pela necessidade de ambos se confundem com o cenário de suas interven- são ocultos pelo
cooptação”, publicada preenchimento. O fato
no Canal Contemporâneo Rolnik, uma outra ética para a política e, por conse- retornar ao campo da arte para tensioná-lo. Qual é inovação aplicada e pela busca frenética por novos ções. Busca-se talvez, por meio da arte, operar peque- do seu preenchimento
da quinta-feira, 22 de qüência, as bases para se escrever uma outra história efetivamente o lugar da crítica e da política nestes no- consumidores conseguem alcançar rincões jamais to- nas fraturas, propondo modos de viver compartilha- ter o nome de urbanismo
setembro de 2005, às ofusca o cego mais
11h49. da arte. Podemos pensar que a história da arte, prin- vos tempos da arte contemporânea do Brasil? Como cados (e imaginados) por artistas e arquitetos. Então dos, abrindo-se à diferença e questionando modos de cruelmente.”

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vida regrados por um moto contínuo e por uma rotina humor e um destaque para ações imprevistas e para o
redutora de nossas capacidades críticas. Jacques Ran- espaço das relações. As artistas implementam, em seu
cière, no prólogo do livro A partilha do sensível, nos processo, estratégias de marketing para desencadea-
diz: “A política ocupa-se do que se vê e do que se rem processos que integram a pessoa que se dipôs a
pode dizer sobre o visto, de quem tem competência jogar o jogo de suas proposições. Isto poderá ser com-
para ver e qualidade para dizer, das propriedades do provado na documentação fotográfica e nos relatos da
espaço e dos possíveis tempos. (...) A partilha demo- viagem que serão tornados públicos no espaço a elas
crática do sensível faz do trabalhador um ser duplo. reservado no decorrer da exposição.
Ela tira o artesão do seu lugar, o espaço doméstico
do trabalho, e lhe dá o ‘tempo’ de estar no espaço Diante destas proposições, e pensando nos limites en-
das discussões públicas e na identidade do cidadão tre arte e vida, trago a esta conversa as questões le-
deliberante. (...) Qualquer que seja a especificidade vantadas por Hélio Fervenza em seu texto “Considera-
dos circuitos econômicos nos quais se inserem, as prá- ções da arte que não se parece com a arte”: “Até que
ticas artísticas não constituem uma exceção às outras ponto uma parcela abrangente da arte que se produz
práticas. Elas representam e reconfiguram as partilhas hoje ainda é identificável como arte? Será que o artis-
dessas atividades”.28 ta é ainda reconhecível e identificável? E com o quê,
exatamente?” (...) A maneira como a arte que não se
No cotidiano, a arte, na exposição, a vida: inversa- parece com arte se relaciona com a sociedade passa
mente ao Vulgo, que penetra nas contradições da pela atenção a qualquer aspecto das formas, meios e
vida cotidiana da cidade (Belo Horizonte, São Paulo), a situações de vida dessa sociedade. A atuação desse
proposição de Nydia Negromonte parece abandonar tipo de arte se produz através da vida social.30
os meios da arte para, nos seus espaços de trânsito es-
pecífico, pontuar um ciclo de vida e de transformação. Trouxemos para o nosso horizonte crítico tantas ques-
Enunciando a água e a alimentação como fontes da tões e formas de viver a arte na contemporaneidade,
vida, ela busca situar duas instâncias (sobrevivência e reatualizando temas ou propondo uma ampliação do
alimento), unificando-as. Nydia propõe que sua praça campo da própria arte na sua relação com a socieda-
de alimentação fique no espaço expositivo, à disposi- de. Todo o contexto gerado por essa Mostra pode ser
ção, pronta para funcionar. O aparato inclui as frutas, visto como um grande laboratório crítico, resultado de
mesas e demais objetos de uso, para que as pessoas um voto de confiança duplo. Foi dada aos curadores
possam processar sucos e se servir deles. Perguntei à e aos artistas a possibilidade de colocar em visibili-
artista sobre esse aparato, cuja forma helicoidal evoca dade suas reflexões, obras e projetos. Esta mais do
a do ato de transformação, seu movimento. Nydia me que conversa, envolvendo a relação intrínseca entre
respondeu: “A ação pretende abranger todo o funcio- aspectos constitutivos da nossa arte e suas formas de
namento da praça. Chegada das frutas, lavagem, se- contato com o seu público, para a platéia geral, para
28 | RANCIÈRE, cagem, preparo e distribuição do suco. A estrutura em artistas e para especialistas que observam a arte, esta
Jacques, A partilha do
sensível, São Paulo, EXO
funcionamento é a ação-instalação. É uma estrutura ‘nossa arte’ abre igualmente perspectivas de aprofun-
experimental (org.) / Ed. desenhada, passível de interferência, permeável à par- damento de temas, que darão conta na seqüência dos
34, 2005.
ticipação. Minha intenção é propiciar, dar condições desafios do que ‘pode a arte’ no Brasil. Continuemos
29 | Nydia Negromonte para que a ação seja disparada. A estrutura é pensada praticando juntos ‘outra política das idéias’, que assu-
responde às questões
colocadas por mim por e- para facilitar e provocar seu funcionamento”.29 ma a complexidade que nos caracteriza. Diante dos
mail no dia 19/10/2006. fatos aqui apresentados, o Fiat Mostra Brasil responde
30 | FERVENZA, Hélio, Adriana Barreto e Bruna Mansani abrem o espaço a uma questão lançada em um debate ocorrido na
“Considerações da arte expositivo para inusitados encontros e experiências, Casa Fiat, em Belo Horizonte, em setembro de 2006:
que não se parece com a
arte” IN: MARTINS, Alice ainda sem roteiro e forma. A proposta apresentada a nossa arte contemporânea é efetivamente contem-
Fátima; COSTA, Edegar; consiste em sortear um bônus dando direito ao ‘lu- porânea do Brasil, pois se mostra, sem reducionismo,
MOTEIRO, Rosana H.
(orgs.), Cultura visual e gar ao sol’, sendo o prêmio uma viagem de um dia, capaz de tocar com pertinência em verdades consti-
desafios da pesquisa em
arte, Goiânia, ANPAP,
com as artistas, para ‘este lugar’ escolhido pelos três. tutivas dos nossos contextos, exibindo-se como um
2005, pp. 79, 90. Aqui, uma vez mais, observa-se um apurado senso de processo criativo e crítico, vivo e pulsante.

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Serviço Educativo

Coordenação IED – Istituto Europeo di Design


Coordenadoras Rachel Brumana e Roberta Alvarenga
Monitores e Assistentes Albert Luiz Moreira, Ana Abreu, André Giacomucci,
Antonio Marinho, Bianca Verdelone, Carolina
Gasbarro, Cássia Carneiro, Clarissa Cardoso Santos,
Casa Fiat de Cultura Clarissa Mansour, Cleber Vieira, Dante Nicola
(www.casafiatdecultura.com.br) Petrarca, Denise Lara, Felipe Nuno Rodrigues, Felipe
Soares, Fernanda Costa, Fernanda Gonçalves,
Diretor Presidente José Eduardo de Lima Pereira Fernando Rodorigo, Filipe Ferreira, Flávia Brito,
Diretor Vice-Presidente Marco Antônio Lage Giovana Franco, Guilherme Carborich, Gustavo
Diretor de Relações Institucionais Marco Piquini Albino, Jonas Neto, Juliana Mortari, Juliane de
Diretor Administrativo e Financeiro Gilson de Oliveira Carvalho Souza, Kamila Oliveira, Karoliny Costa, Luana
Gestora de Cultura Ana Vilela Augusta da Silva, Lucia Lima, Luciana Haddad,
Maria Clara Moraes, Maria Cristina Bazzo, Mariana
Walter, Marina Elias, Marina Pikel, Mayra Carvalho,
Michele Beltroni, Milene Nelson, Natália Feruzzi,
Nathaly Mattar, Olívia Araújo, Paloma de Oliveira,
Fiat Mostra Brasil Priscila Matsuzaka, Rachel de Moraes, Rafael Taraia,
Rafael Zanotte, Renata Oshiro, Roberto Otaviano,
Curadoria Eduardo de Jesus Rodrigo Azevedo, Rodrigo Gracindo, Tainara Ajaj,
Giselle Beiguelman Tâmara da Silva, Tânia von Chrismar, Tereza Cristina
Járed Domício Paião, Viviane Spaco
Marcos Hill
Maria Ivone dos Santos Catálogo-Livro
Marisa Mokarzel
Stéphane Huchet Coordenação e Produção Editorial Viviane Gandra
Concepção e Coordenação Geral Maurílio “Kuru” Lima Projeto Editorial e Edição Teté Martinho e Viviane Gandra
Produção Executiva Cria! Cultura: Ana Carolina Antunes, Direção de Arte Viviane Gandra
Carolina Macedo, Eduarda Gruppi, Fotografia João Castilho e Pedro David
Elida Ribeiro, Eliza Albuquerque, Geraldim, [Caixa Preta Agência de Fotografia]
Julia Moysés, Leonardo Beltrão, Marina Gazire, Exceto foto Marisa Mokarzel (Estúdio Luiz Braga); ações
Osmar dos Santos, Rodrigo Diniz, Sergim Bahia GIA fora de São Paulo (arquivo do grupo); viagem Vale
Consultoria CEIA lugar ao sol e processo gravura Marcelo Moscheta
[Centro de Experimentação e Informação de Arte] (imagens cedidas pelos artistas); pinturas citadas por
Cenografia e Coordenação de Montagem Gilberto Todt e Luciana Monte-Mór Maria Ivone dos Santos (arquivo)
Montagem Vasco Caldeira Arquitetura Assistência de Produção Editorial Paloma Parentoni
Iluminação Luís Carlos Nem Assistência de Produção Executiva Alex Funghi
Projeto Gráfico Pedro Miranda, Rodrigo Furtini e Viviane Gandra
Design e Composição Brígida Campbell, Pedro Miranda e Rodrigo Furtini
Arte Final Pedro Miranda e Viviane Gandra
Revisão Regina Stocklen

fiat mostra brasil 216|217


A Fiat agradece a todos os profissionais e
colaboradores que se envolveram direta ou
indiretamente na realização do Fiat Mostra Brasil.
Apresentação

Patrocínio Realização

Apoio

fiat mostra brasil


Catálogo-livro Fiat Mostra Brasil
Formato: 22,5x26cm (frente), 220 páginas.
Composto com tipos família Humanist 777 BT e Planet Estyle (corpos diversos).
Miolo: papel couché fosco 115g. Capa, guardas e sobrecapa: papel couché fosco 170g.
Impresso em Belo Horizonte (MG, Brasil), em 2006-2007, pela Rona Editora.

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