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2006
Copyright © 2006 CRIA!CULTURA
Direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização prévia, por escrito, da editora.
ISBN 85-60399-00-3
978-85-60399-00-0
1. Arte contemporânea
CDD 700
Impresso no Brasil
2006-2007
Fiat Mostra Brasil
Desde sua instalação no país, a Fiat assumiu uma postura de integração efe-
tiva à cultura brasileira e intensificou, na última década, iniciativas que des-
pertassem o orgulho de ser brasileiro. A partir de 1997, foram desenvolvidos
projetos socioculturais elaborados com a proposta de instigar reflexões sobre
o Brasil e sua realidade.
C. Belini O registro desse investimento cultural, que marca os trinta anos da Fiat no Brasil,
Presidente | Fiat pode ser conferido neste catálogo-livro e no documentário do projeto.
Assim, o Fiat Mostra Brasil deu a sua contribuição ao debate sobre os rumos
da arte no país e aproximou o público de uma nova linguagem artística,
inovadora e atual.
adriana barreto
e bruna mansani
| bruno aranha | convidado
O projeto
18|19
| Andrei Thomaz | Porto Alegre, 1981 | Mestrando em artes pela Escola de Comunicações e
Artes da USP, desenvolve pesquisa relacionada às manifestações do labirinto nos jogos eletrô-
nicos. O tema é central nos trabalhos de web arte que vem criando desde 2000, que exibe em
festivais e exposições de arte eletrônica no Brasil e no exterior. Vive e trabalha em São Paulo.
| www.rgbdesigndigital.com.br | Uma das páginas do livro The Language of New Media,
| Martin Dahlström-Heuser | convidado | Finlândia, 1979 | Graduou-se em composição pela de Lev Manovich, é percorrida por pequenos círculos verme-
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2004. Teve composições apresentadas em lhos. Cada círculo é acompanhado por um som em looping
recitais públicos no Brasil, incluindo a XV Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio e possui seu próprio tempo de animação. À medida que os
de Janeiro (2003). Vive na Finlândia. | br.geocities.com/maaaaaaaaaartin/ | círculos entram em cena, novos loopings sonoros, de diferen-
tes durações, são acionados, tornando ainda mais complexo
um resultado que nunca é constante.
andrei thomaz
| martin dahlström-heuser | convidado
fiat mostra brasil andrei thomaz 20|21
fiat mostra brasil andrei thomaz quando uma página torna-se um labirinto | web arte | 2006
22|23
| Bruno Faria | Recife, 1981 | É graduando em artes plásticas pela Fundação Armando Alvares
O trabalho aborda temas pertinentes ao mundo da
Penteado. Vive e trabalha em São Paulo e Recife. |
arte, como a questão mercadológica e a noção de propriedade
particular por trás das coleções. Também toca um dos gêneros
mais recorrentes na história da arte. Uma paisagem é adqui-
rida em um programa de leilões na TV. Além do registro da
aquisição, o artista expõe a própria tela.
bruno faria
fiat mostra brasil bruno faria 24|25
delivery; coleção particular | videoinstalação/teleintervenção | 2006
cristiano lenhardt
fiat mostra brasil cristiano lenhardt 28|29
ao vivo | instalação | 2002
daniel escobar
fiat mostra brasil daniel escobar 32|33
permeável I | série perto demais | pintura – papel de outdoor e verniz | 3,1 m x 2,25 m | 2006 permeável II | série perto demais | pintura – papel de outdoor e verniz | 1,6 m x 2,2 m | 2006
fabiana wielewicki
fiat mostra brasil fabiana wielewicki 38|39
sem título | da série 2ª natureza: 8º andar | sem título | da série 2ª natureza: 8º andar |
fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006 fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006 sem título | da série 2ª natureza: 8º andar | fotografia | 1,05 m x 0,8 m | 2006
fabíola tasca
fiat mostra brasil fabíola tasca 42|43
escritura | instalação | 2006
felipe cohen
fiat mostra brasil felipe cohen e daniel trench
e daniel trench 46|47
fiat mostra brasil felipe cohen e daniel trench
48|49
o sonho de constantino | videoarte | 2006
| Coletivo formado em 2002 em Salvador pelos artistas visuais e designers Cristiano Piton (Sal-
vador, 1979), Everton Marco Santos (Salvador, 1981), Ludmila Britto (Rio de Janeiro, 1980),
Mark Dayves (Aracaju, 1982), Pedro Marighella (Salvador, 1979) e tiago Ribeiro (Conceição do
EM SUAS AçÕES URBANAS, O GIA PROPÕE AOS PASSANtES EXPERIêNCIAS
Coité, BA, 1979). Aproximando arte e cotidiano, busca mídias alternativas e formas não-oficiais
estéticas inesperadas. Apropriando-se da estética do efêmero e do cotidiano
de disseminar reflexões críticas, propor uma apreensão diferenciada do meio urbano e romper
– e lembrando que “O museu é o mundo”, nas palavras de Hélio Oiticica –,
a monotonia anestésica do dia-a-dia. Vivem e trabalham em Salvador. |
se utiliza de instrumentos da arte contemporânea como performance,
instalação, objetos, ações, intervenções e design gráfico para experimentar
com o corriqueiro. O espaço público torna-se propício a novas experiências
sensitivas e o território de uma arte não-autoral, de situações. O grupo transita
pelas margens do circuito oficial como difusor de operações artísticas efêmeras,
nas quais o espectador tem papel ativo e participativo. Projeta-se à deriva e
caminha por meios nômades, reflexo de sua formação heterogênea.
ação 6: a cama | Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de
moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver
espalhadas pelas ruas. | Cruzamento da Av. Paulista com a Rua da Consolação, dia 16 de novembro.
grupo EmpreZa
henrique oliveira
fiat mostra brasil henrique oliveira 68|69
tapumes | site specific |
18,4 m x 4 m x 1,2 m | 2006
70|71
Katia Prates | Porto Alegre, 1964 | É mestre em poéticas visuais pelo Instituto de Artes da Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em arte e tecnologia pela School
of the Art Institute of Chicago, EUA. Produz séries fechadas em técnicas e materiais diversos,
que mostrou em individuais como Árvores, paisagens, horizontes (Galeria dos Arcos, Porto
O trabalho é constituído por imagens de um único
Alegre, 2006) e Paisagens (Centro Cultural São Paulo, 2003). Expôs em coletivas no MARGS e
elemento, focalizado em cena de natureza. São fotografias
no Museu de Arte Contemporânea, em Porto Alegre, na Funarte (Rio de Janeiro) e nas mostras
que surgem do cruzamento de dois eixos: a busca pela mais
Rumos Visuais do Itaú Cultural (São Paulo) e Mostra Rioarte Contemporânea (MAM-RJ). Vive
comum das cenas e a aplicação de um corte não-usual ao
e trabalha em Porto Alegre. |
gênero da paisagem. O resultado acontece em imagens do
céu diurno. Frente a elas, estamos diante de uma impossí-
vel solidez da atmosfera, resultado da bidimensionalidade
fotográfica, e de uma emanação de cor que parece expandir-
se no campo visual. A obra propõe um olhar que investiga
o contraste entre o visto e o retratado, entre o retratado e o
reconhecido, entre o convencionado e o que ainda escapa à
convenção na paisagem.
katia prates
fiat mostra brasil katia prates 72|73
paisagens: dia | fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada | 2004
leonora weissmann
fiat mostra brasil leonora weissmann 76|77
nome da obra | objeto
Xerostrud doluptat la feum vel el ea feugiamet, quat
retratos de leopoldina e dudu nicácio sobre a numsandre venit vent in velenis eugait autat. Ut acilla
mesma paisagem | díptico | pintura | 1,5 m x 2 m | 2004 coreriusci exer.
marcelo moscheta
fiat mostra brasil marcelo moscheta 84|85
refeitório | gravura em metal sobre poliestireno | 4 m x 2 m | 2006
84|85
marcus bastos
fiat mostra brasil marcus bastos 90|91
O projeto
“Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito.
Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está
somente em conexão com outros agenciamentos.
(Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs)
interface disforme | web arte | 2006 | Direção e desenvolvimento: Marcus Bastos | Tecnologia: Jim Andrews (DIALs for Adobe Director) | Produção: Marta
Scheider | Músicas: Dudu Tsuda | Pesquisa e captação de vídeo: Marcus Bastos e Rodrigo Gontijo | Locução: Daniel Daibem e Joana Ceccato. | Agradecimentos: Cicero Inácio
da Silva, Daniela Castro, Influenza, Jane de Almeida, Joca Reiners Terron, Lucas Bambozzi, Marcelino Freire, mm não é confete, Natália Mallo e Nelma Salomão. A gravação de
1973 da conversa doméstica entre Inês Knaut e Flávio Porto foi gentilmente cedida por Joana Ceccato, filha do casal.
mariane rotter
fiat mostra brasil mariane rotter 98|99
O projeto
“Fotografando com uma câmera portátil digital, tenho agilidade para capturar
imagens no dia-a-dia. Revendo fotografias produzidas desde 2003, reúno-as
em pares, dípticos de imagens que se relacionam. Reagrupadas, tomam novo
sentido.
Este projeto quer romper com a lógica do uso banal da imagem no contexto
do cotidiano. Ele questiona o uso indiscriminado da imagem que não reclama
sentido, valoração e ética em meio à proliferação de cenas reais e objetivas do
mundo contemporâneo.
marta neves
fiat mostra brasil marta neves 102|103
O projeto
Cada obra será apresentada conforme texto que me foi mostrado pela própria
Elke Maravilha, As 12 tarefas, em que fala, de maneira singular e sedutora,
dos signos do zodíaco. Cada trabalho torna-se um signo.
Como se vê, não temos aí uma monitoria de caráter didático: Elke, embora
possa mencionar título e artista de cada trabalho apresentado, não
discursará sobre a história do mesmo ou as intenções de seu criador, nem
se atreverá a se apropriar de textos da crítica especializada. A ponte entre as
obras de arte e o público é casual como a circunstância, ou como a própria
vida e sua ausência de roteiros.
Não creio de fato que, numa tarde somente, alguém vá ‘aprender a ver
cultura’. Não é essa a intenção. Mas por que não dizer a essas poucas pessoas
alguma coisa sobre a vida, sobre as doze tarefas dos signos de todos nós que
estamos por aí, presentes nas criações humanas, espelho – embora às vezes
estranho e de difícil aproximação – de nossas mentes, projetos, rejeitos, o que
for? Afinal de contas, não seria mais agradável, menos presunçoso (embora
talvez utópico) mostrar-lhes que, a despeito da esquisitice das obras (e não
menos dos artistas, curadores e afins), das faixas de segurança, dos avisos de
‘favor não tocar’, do deleuzismo (e eu gosto do filósofo, viu?) dos discursos
especializados, o fio condutor entre a arte e a vida ainda não se desfez?
2|3
martha gabriel
fiat mostra brasil martha gabriel 108|109
moZaico de voSes | web arte | 2004
milena travassos
fiat mostra brasil milena travassos 114|115
vertigem | videoinstalação | 2006
mm não é confete
fiat mostra brasil mm não é confete 118|119
O projeto
As ações que integram a instalação constituem um grande sistema, que se desenvolve em regime de
retroalimentaçao. As imagens e o mobiliário utilizados na obra resultam de uma pesquisa sobre modos de fazer e
incluem resíduos de funcionamento de locais semelhantes. A obra consiste em:
2. Audiovisual: exibição de imagens da ação, registradas ao longo do período da exposição, em dois plasmas.
3. Gôndolas: mobiliário para o armazenamento das frutas e utensílios nas paredes, com espelhos e lixeira.
nydia negromonte
fiat mostra brasil nydia negromonte 124|125
casa das vitaminas II | ação/instalação | 2006
126|127
raquel stolf
fiat mostra brasil raquel stolf 130|131
grilo | intervenção sonora | 2006
ricardo cristofaro
fiat mostra brasil ricardo cristofaro 134|135
objetos ansiosos | videoinstalação/animação numérica | 2005
rodrigo borges
fiat mostra brasil rodrigo borges 140|141
entre tem ar | site specific/instalação |
5,10 m x 3,5 m x 4 m | 2006
142|143
| Rodrigo Freitas | Franca, SP, 1983 | Graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais com habilitação em pintura, desenvolve trabalhos plásticos usando
desenho, gravura e pintura em têmpera de grande formato. Suas imagens, que evocam paisa- Parte de série de pinturas sobre o espaço urbano,
gens do cotidiano, surgem da sobreposição de outras, desenhadas, fotografadas ou escritas. as obras são paisagens pintadas que nascem de percursos
Cursa gravura na EBA-UFMG. Vive e trabalha em Belo Horizonte. | pela cidade. No caderno, linhas e manchas se fazem pontes,
prédios, praças. No ateliê, a cidade real se funde com outras,
fotografadas, escritas, gravadas, compondo o registro dos lu-
gares conhecidos nos trajetos diários. Assim, a cidade pintada
se constrói no incansável jogo de apresentar-se e ocultar-se
sob as camadas de tinta, como a cidade real, construída no
ininterrupto ciclo de demolição e reconstrução ao longo do
tempo. As cidades pintadas representam uma tentativa de
apreensão do espaço urbano por meio de seus arquétipos pos-
síveis e propõe a edificação de novos lugares da memória.
rodrigo freitas
fiat mostra brasil rodrigo freitas 144|145
sem título | pintura, têmpera sobre compensado | 2,2 m x 1,6 m | 2005 sem título | pintura, têmpera sobre tela | 2,2 m x 1,5 m | 2005
thais ueda
fiat mostra brasil thais ueda 148|149
O projeto
vera bighetti
fiat mostra brasil vera bighetti 152|153
fullfil fullness | web arte | 2006
vulgo
fiat mostra brasil vulgo 156|157
O projeto
vias de tráfego, avenidas e estacionamentos. Esse processo fulminante de substituição dos espaços públicos por domínios
“No contexto atual das cidades baseadas na mobilidade e em regras de ocupação urbana diversas, Rotativos surge como uma privados e da supremacia da engenharia de tráfego, entretanto, não é específico de alguma cidade, tendo sido regra geral
infiltração que atua nos limites impostos por essas regras. Se as cidades são pensadas e desenhadas pelas vias de tráfego, que em várias regiões metropolitanas.
desenham os vetores por onde se circula sem parar, Rotativos é uma tática de utilização de espaços urbanos privatizados. Uma
área pública enorme, destinada ao estacionamento cronometrado, à permanência limitada, à ocupação vigiada e paga. Esse O projeto de intervenção Rotativos parte do pressuposto de que as áreas públicas devem ser utilizadas para atividades coletivas
contrato de utilização (aluguel? licenciamento?) é feito mediante a compra de um documento que legitima a presença, em um de interesse público, sejam elas serviços ou jardins. Para tanto, Rotativos propõe o aluguel e a ocupação de vagas em horário
dado intervalo de tempo (uma, duas ou cinco horas), naquele lugar. comercial nas regiões centrais, durante sete dias corridos, para uma frota de cinco arquiteturas ambulantes, através da compra
de aproximadamente 350 cartões de estacionamento rotativo. Os veículos terão, obrigatoriamente, de circular pela cidade,
Praticamente todas as capitais brasileiras têm um sistema de estacionamento pago para vagas públicas. Conhecido com Rotativo cumprindo os prazos máximos de ocupação de cada vaga. No último dia, a frota se encontrará em algum ponto da cidade, de
em várias cidades, Zona Azul em São Paulo, Faixa Azul em Belo Horizonte, esses espaços são administrados em sua maioria por acordo com a disponibilidade de vagas contíguas, para uma ocupação coletiva e articulada que resultará num equipamento
empresas privadas que detêm concessões e têm como objetivo declarado promover o aumento da oferta de vagas, melhorar a público e numa praça linear suspensa, formados pelo acoplamento dos cinco veículos.
fluidez do tráfego, disciplinar o uso do espaço público, aumentar a circulação de pessoas em determinadas áreas e gerar receita
aos cofres do município. O projeto prevê a transformação dos veículos utilitários em espaços adaptados aos programas propostos (cinema, galeria de
arte, terraço-jardim etc). A intervenção deverá ser completada pelo trabalho de colaboradores convidados (videoartistas, músicos,
Belo Horizonte, por exemplo, tem 475 quarteirões regulamentados, aproximadamente 60 mil vagas de Faixa Azul. São mais chefs de cozinha, empresários, cabeleireiros, escritores, fotógrafos, artistas multimídia, paisagistas e jardineiros, designers,
ou menos 70 mil metros quadrados de área ou setenta hectares destinados a vagas pagas, somente na região delimitada arquitetos), que poderão disponibilizar trabalhos próprios ou contribuir com a construção.
pela Avenida do Contorno, parte planejada da cidade. O Parque Municipal, grande área verde central da cidade, que
originalmente possuía 62 hectares, hoje está reduzido a 18,2 (quase um quarto da área do Faixa Azul). Grande parte dessa Todo o processo de construção, os sete dias de intervenção e seus desdobramentos serão documentados e registrados em vídeo,
área pública foi gradativamente substituída, ao longo de um século, por empreendimentos privados, mas principalmente por fotografia e (carto)graficamente.”
Tal disponibilidade deve servir como prova de que é possível estabelecer, no de-
licado campo da arte e da cultura, parcerias frutíferas entre artistas, produtores
culturais e a iniciativa privada.
Nesse sentido, o projeto se destaca, definindo procedimentos pouco comuns 2 | MESQUITA, Ivo,
em eventos dessa natureza. Entre eles, podemos citar a distribuição de um ge- “Longe daqui, aqui
mesmo: Museus, silêncio
neroso prêmio de igual valor aos trinta artistas selecionados. e contemplação” IN:
MOURA, Rodrigo (org.),
Políticas institucionais,
Por outro lado, a inclusão de nove vagas para projetos a ser executados com o apoio práticas curatoriais, Belo
material da Mostra visou respaldar a pesquisa em arte, priorizando o desenvolvi- Horizonte, Museu de
Arte da Pampulha, 2004,
mento de processos em detrimento da usual supervalorização dos resultados. p. 64.
164|165
Ainda relativizando valores vigentes no circuito da interessando-se mais pela produção de artistas que, No blog, a perspicácia das focalizações permitiu não É exatamente esse lastro sobre o qual se fundamenta
arte, optou-se por ressarcir profissionalmente os cura- independentemente da idade e do “tempo de estra- somente um confronto mais imediato com questões a produção contemporânea de arte que precisa ser
dores convidados com o mesmo montante oferecido da”, demonstraram compromisso objetivo com a pes- cruciais da arte, como possibilitou aos interlocutores mais bem divulgado ao grande público, desde que o
aos artistas selecionados. quisa, permitindo-lhes assim, para além da visibilidade uma intensa troca de pontos de vista e informações. desejo seja o de criar, no campo da arte e da cultura,
e do glamour, a materialização de suas boas idéias. as tais dinâmicas emancipadoras.
Considero esse um bom começo para um projeto de Assuntos tais como o que é a arte contemporânea,
artes visuais que, mantendo sua periodicidade, pode Os critérios definidos pelos sete curadores indicam o contexto da produção artística no Brasil ou a con- Mais acessíveis, elas podem neutralizar a alienante
vir a ampliar práticas de fomento mais efetivas, defini- com clareza um direcionamento alternativo, evitando troversa figura do curador serviram como provoca- aceleração do consumo, aproveitando o que de me-
das por bolsas-residência para artistas brasileiros, sob tendências recorrentes no grand monde do contem- ções para discussões que configuraram a urgência lhor o mundo globalizado pode nos oferecer: uma
a mediação de artistas, curadores, críticos e teóricos porâneo e apostando na inteligência de práticas com de mais diálogo. nova concepção de nós mesmos por meio de experi-
que, convidados, se disponham a estabelecer inter- postura crítica diante do que “convém ser” arte. ências de diferenças e alteridades.
locuções motivadoras, animadas por uma itinerância A falta de repertório por parte de muitos visitantes
estendida a todo o território nacional. Outro investimento motivador foi a inclusão do má- remeteu-nos a preocupações anteriormente tratadas A falta de repertório foi igualmente detectada durante
ximo de categorias midiáticas no edital. Longe de pelo curador Mesquita: até que ponto eventos como a análise dos mais de 2.800 portfólios inscritos. Ao
Se, por um lado, a dimensão nacional do projeto Fiat querer esgotar ou indexar possibilidades, o reco- o Fiat Mostra Brasil podem contribuir para a formação longo do processo seletivo, os curadores constataram
Mostra Brasil não é inovadora, por outro, sua inten- nhecimento de dezoito linguagens valoriza a fértil de um público mais preparado, uma população mais inúmeras dificuldades de entendimento do que é arte,
cional abrangência vem reiterar a necessidade sempre permeabilidade técnica da qual se serve a produção educada visualmente e sensível à experiência do olhar desde suas noções mais básicas.
atual de buscar conexões proveitosas com a abundan- artística contemporânea. como forma de conhecimento?
te produção artística brasileira. Enquanto rastreadores de boas propostas, deparamo-
Esse extenso inventário de linguagens pode inclusive Refletir sobre “o que é a arte contemporânea” faz nos com situações dilemáticas pontuadas em meio ao
Desde os anos 1980, a prática do “mapeamento” está constituir-se em pretexto para uma salutar reflexão emergir um debate importante que precisa ser man- volumoso número de inscrições. Diversos sintomas
presente nos modos de pensar a arte, veiculando ques- sobre a inventividade humana alinhada ao tempo pre- tido vivo. Pois os conteúdos por ele evocados não di- emergiram. Em muitos casos, foi detectado certo “en-
tões da expressão humana tanto no âmbito local quan- sente. Hoje, antigas e novas tecnologias confirmam zem apenas respeito ao artístico. Surgido como uma curralamento” entre o peso ainda atuante de uma tra-
to no global. Em meio à mundialização determinada suas especificidades, em conversas que desconstroem urgência ética vivenciada pela geração sobrevivente à dição acadêmica mal compreendida e os ditames do
pelo advento da informática, várias estratégias emer- os fundamentos de uma “pureza” estética comprova- Segunda Guerra Mundial, o ímpeto de diluir os limites que é “contemporâneo” para o circuito, impedindo o
giram, aproximando mercado, produção cultural e ar- damente desnecessária. entre vida e arte continua atualíssimo. artista de desenvolver sua própria força expressiva.
tística e interesses políticos de ordem muito variada.
Tiram proveito dessa oportuna desconstrução os artis- De lá para cá, os impactos causados pela imposição Apesar de não constituir nenhuma novidade, a con-
Além do aumento de uma produção crítica e teórica tas que, sem a preocupação de aprovar ou combater de um sistema financeiro ávido de lucros especu- centração de poder político e econômico nas princi-
mais voltada para os processos, a internacionalização qualquer linguagem, usufruem de todas, praticando lativos geraram problemas que nos afetam diaria- pais capitais brasileiras foi reiterada, não apenas pelos
da arte, no Brasil, reforçou o interesse em se inventa- estimulantes graus de contaminação entre os meios. mente, tais com os desastres ecológicos, a migração diferentes graus de articulação do discurso artístico,
riar a produção artística no âmbito nacional. de povos espoliados pela miséria e pelas guerras mas igualmente pela verificação de diferentes níveis
Sendo assim, pinturas, gravuras, fotografias, colagens, localizadas, a exclusão social, a violência urbana, o de familiaridade com as novas tecnologias.
Há décadas estabelecido, o próprio eixo Rio-São objetos, instalações, vídeos, performances, artes digi- fanatismo religioso, a corrupção estatal, o crime or-
Paulo reconheceu a necessidade desse rastreamen- tais e intervenções urbanas promovem, no Fiat Mostra ganizado e o terrorismo. Uma avaliação crítica dessa concentração aponta para
to territorial como possibilidade estratégica de rea- Brasil, uma instigante aproximação entre alteridades, a já conhecida precariedade em que vive uma impor-
limentação de um circuito instigado a ampliar mun- tensionando os tradicionais conceitos de obra e espa- Nesse contexto, propostas artísticas mais sintonizadas tante parcela de brasileiros, no que concerne à redis-
dialmente sua visibilidade. ço expositivo. com o cotidiano passaram a instigar a sociedade pla- tribuição de bens culturais que permitam uma melhor
netária no sentido de expandir sua consciência sobre consciência perceptiva.
Sem desconsiderar a importância histórica de projetos Visou-se, com isso, a valorização de dimensões éticas si mesma. A aproximação entre arte e vida, fazendo-
institucionais que já realizam leituras abrangentes do intrínsecas ao artístico que, apesar de já vigorarem em as muitas vezes coincidir, tornou-se então o indicador E isso inclui não apenas a falta de acesso a informa-
território artístico brasileiro, o surgimento dessa nova discursos circulantes, ainda aparecem como novidade de transformações perceptivas para as quais a simples ções mais pulsantes como também uma série de de-
iniciativa revitaliza o desejo de conectar-se com o des- para a grande maioria dos observadores. contemplação estética já não tem mais sentido. ficiências do sistema de ensino da arte, que lida com
conhecido próximo, superando tendências centraliza- dificuldades para melhor preparar consumidores e
doras das quais nosso contexto cultural nunca esteve Enfrentando o recorrente problema de um público Estamos falando de mudanças provocadas não só pela profissionais desejosos de atuar nesta área.
totalmente a salvo. pouco preparado e visualmente pouco educado para aceleração do tempo, mas também pelos movimentos
a experiência do olhar, o blogearte da Mostra consti- de questionamento e desconstrução da tradição, das O problema da formação do artista é crucial porque
Desse modo, o Fiat Mostra Brasil desobrigou-se de tuiu uma das principais interfaces do projeto, estabe- grandes narrativas e das categorias que antes organi- envolve questões impregnadas de valores dúbios. Con-
3 | www.blogearte.
blogspot.com cumprir protocolos já bem estabelecidos no circuito, lecendo uma direta interlocução com seus visitantes. zavam o conhecimento. vencionalmente, ser artista é, no melhor dos casos, ser 4 | Idem, ibidem, p. 56.
170|171
A idéia de desenvolver uma curadoria como espaço de Foi dentro desse panorama que a seleção dos traba- No caso específico do vídeo, apesar da trajetória his- uma reflexão e uma aposta na expansão dos limites
reflexão e de debate parece aproximar as idéias de Cris- lhos aconteceu. Um processo coletivo, para o qual tórica mais longa, o meio ainda acaba seduzindo os da prática artística para além dos já estabelecidos e
tov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experien- cada um dos curadores convidados trouxe em sua mais desavisados com seus frágeis e fáceis efeitos que, consolidados. Nessa perspectiva, possibilidades de
te crítico de arte e curador francês que, durante a jor- bagagem distintas visões e experiências teóricas e algumas vezes, ocultam a inconsistência das propostas contaminação de toda ordem abrem espaço para ou-
nada de debates da 26ª Bienal de São Paulo, em 2004, práticas de contato com a produção artística atual. artísticas e, em outras, apenas enfatizam um profundo tras abordagens das questões sociais ou tecnológicas
definiu o curador como alguém que gera discursos em Um confronto cheio de trocas dentro de uma diver- conhecimento técnico. Relacionar-se com as imagens que se aproximam da produção artística brasileira. O
conjunto com o artista. Para Royoux: “O exercício da sidade de pensamentos acabou, por meio de intenso em movimento, ao contrário do que muitos pensam, próprio limite do espaço expositivo também foi am-
curadoria é uma extensão da crítica de arte e, portanto, debate, por configurar o Fiat Mostra Brasil. Como vem se tornando cada vez mais difícil, sobretudo pelo pliado com uma série de obras que dialogam inten-
constitui uma forma de discurso. Uma exposição é um resultado, a exposição aponta para uma certa situ- fato de o real estar tomado de imagens, reforçando o samente com a cidade e seus fluxos. Possibilidades de
discurso que um curador elabora junto com o artista.” ação, e não para uma certeza ou tendência. Aposta que afirmava Serge Daney: “filmar é ver ao quadrado”. ampliação do fenômeno artístico para além do pró-
em uma circulação de idéias para mostrar os enfren- Neste colapsado circuito de imagens, é importante prio espaço expositivo.
Confrontos e trocas tamentos entre os discursos da arte, as práticas artís- que a multiplicidade dos tempos e as possibilidades
ticas solidificadas, o rompimento de barreiras entre de criação valorizem uma imagem capaz de resistir às Agora podemos confrontar o resultado desta Mostra,
As duas posições explicitam, entre outros pontos, que suportes e mídias, o campo teórico e a aproximação facilidades dos procedimentos técnicos, garantindo buscando nos situar sobre uma pequena e significa-
alguns processos de curadoria se estruturam na ten- com os diversos espaços de convívio que experimen- outros sentidos para a imagem em movimento. tiva parcela da produção artística nacional. Mesmo
tativa de colocar o pensamento em ação em busca de tamos na vida contemporânea. que o Fiat Mostra Brasil não esteja organizado em re-
situações de confronto e de diálogo entre a produção Rede de subjetividades presentações estaduais, que explicitem as bordas do
artística, a vida social e o campo teórico. Com isso, Estilhaçamento e renovação território físico, acaba sendo o resultado dos múltiplos
provocam no público reflexões e aproximações que O que houve de mais importante em todo o proces- agenciamentos neste espaço imaginário e real que é
podem reverberar em uma experiência ampliadora Gostaria de chamar a atenção para duas modalidades so de concepção do Fiat Mostra Brasil foi uma refle- o Brasil. Uma complexa rede de subjetividades em
dos sentidos e do pensamento. Minha experiência na artísticas dentro do processo curatorial. Os trabalhos xão, que acredito ter atravessado todos os curadores, uma cena social entremeada de confrontos e tensões.
curadoria do Fiat Mostra Brasil seguiu essa direção. em mídias digitais (interativos) e vídeo demonstram sobre a arte brasileira atual e sobre nosso papel na Nesse contexto, a exposição pode revelar, mesmo que
como essas plataformas têm se tornado cada vez configuração final da exposição. Fugindo da posição com distintas intensidades, uma produção artística 6 | COUCHOT, Edmond,
A tecnologia na arte -
Ver as obras, ler os projetos, assistir aos vídeos e in- mais comuns entre os suportes de desenvolvimento e de avaliadores da qualidade ou de “certificadores do que surpreende ao conseguir criar possibilidades de da fotografia à realidade
teragir com os trabalhos foi sobretudo um exercício criação artística. No entanto, no caso das mídias digi- ISO 9000 das artes”, como enfatizamos no texto so- diálogo, de interlocuções e de reflexões que nos per- virtual, Porto Alegre,
Editora da UFRGS, 2003,
de compreensão das muitas práticas e estratégias que tais, é fundamental que se procure um caminho pró- bre a seleção dos trabalhos, os curadores buscaram mitem alcançar novos modos de perceber a vida. p. 266.
povoam a produção artística brasileira contemporâ- prio, que ao mesmo tempo dialogue com a tradição
nea. Encontramos diversidade, aberturas e contami- artística e saiba retirar das especificidades de cada
nações de toda ordem, sobreposições e justaposições meio o que têm de próprio e instigante. A interati-
entre o global e o local, pesquisas com os mais va- vidade precisa se contaminar de processos poéticos
riados sentidos e profundidades, em um território ao que abram alguma possibilidade de fruição para além
mesmo tempo pulsante e caótico. do simples domínio técnico e, com isso, novas possi-
bilidades de produção e outras formas de percepção,
Trabalhos das mais diversas intensidades, com múlti- como observa Couchot:
plas possibilidades de reconhecimento e articulação,
revelaram a existência de circuitos artísticos de pe- Longe de introduzir uma ruptura estraçalhado-
quena escala e de atuação local, mas que configu- ra na continuidade da arte, e permanecendo
4 | A cobertura destes ram uma certa situação da arte brasileira e um certo bastante frágil, o numérico apenas fornece-lhe
debates está disponí-
vel no site do Fórum pensamento artístico e crítico. Coordenadas em mo- os meios tecnológicos que lhe convêm. Bem
Permanente: Museus vimento desenham um espaço expandido do qual fa- utilizado, submetido a um projeto estético co-
de Arte; entre o público
e o privado (www. zem parte todos esses procedimentos. Propostas que erente, todo modelo lógico-matemático pode
forumpermanente.incu- vão da total inocência e distanciamento em relação às ser desviado de suas funções originalmente
badora.fapesp.br/portal/.
painel/palestras). questões que experimentamos agora até aquelas que científicas (tornar o real inteligível). As práti-
se alinham em torno de tentativas densas de diálogo cas artísticas numéricas não se dispersam, em
5 | BRAGA, Paula, “O
curador e a instituição com os muitos aspectos da realidade brasileira. As li- conseqüência, nas práticas preexistentes, elas
de arte”. Disponível em:
www.forumpermanente.
nhas de fronteira dos campos artísticos se abrem, por se hibridizam, reforçando seu estilhaçamento e
incubadora.fapesp. meio de fricções, para situações híbridas nas quais, sua renovação, não sem desencandear certos
br/portal/.painel/pales-
tras/document.2004-10-
freqüentemente, a possível especificidade do suporte efeitos perversos.
05.8927372279. dá lugar aos procedimentos experimentais.
176|177
relações de coexistência” e esses elementos estão dis- procurar descentralizar a arte, por meio do seu deslo- a fragmentação, o hibridismo, a indeterminação e o nossa época e, contraindo-se cada vez mais, se revela
postos lado a lado, sendo que cada um se situa em um camento. A proposta é transferir o “campo intelectual transitório. Todas essas condições remetem-me a um na rapidez incessante, na impossibilidade de fixar coi-
lugar próprio. Um lugar significa “portanto uma con- racional para o da proposição criativa vivencial”, dan- romance inacabado que se passa em 1913. Em deter- sas, na sobreposição do próprio espaço.
figuração instantânea de posições. Implica uma indi- do ao indivíduo “a possibilidade de ‘experimentar a minado momento da narrativa, o personagem Ulrich
cação de estabilidade”. No que concerne ao espaço, criação’, de descobrir pela participação, esta de diver- pressente que “nenhuma coisa, nenhum eu, nenhu- No lado oposto, um outro tempo, como um tabulei-
considera que este existe “sempre que se tomam em sas ordens, algo que para ele possua significado”. No ma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra ro de xadrez, aguarda lentamente a movimentação
conta vetores de direção, quantidades de velocidade e século XXI, o pensamento do artista ainda encontra numa transformação invisível e incessante, no instável das peças, indispondo-se contra os lugares que são
a variável tempo. O espaço é um cruzamento de mó- ecos no processo participativo da arte, mas assume há mais futuro que no estável, e o presente não é se- ocupados pela agilidade dos corpos e se transformam
veis”. Para De Certeau, as ruas são geometricamente esta postura sob outras roupagens. Afinal, houve um não uma hipótese que ainda não superamos”. em incontroláveis espaços moventes. Precisa-se agora
definidas por um traçado urbano que é transformado deslocamento de tempo e o mundo presenciou troca de um tempo estendido que permita pensar sem a
em espaço pelo pedestre e é neste espaço que se des- de valores, queda das crenças universais. Com este argumento, construído no começo do sécu- incansável corrida em direção a um novo produto, à
dobra um conjunto de movimentos. lo XX, pode-se acreditar que talvez haja mais proximi- informação acumulativa que transborda, não produz
A busca pelo significado da arte ou da vida, neste dade entre a condição moderna e a pós-moderna do conhecimento e se distancia da arte.
Percebe-se que a arte contemporânea não mais se momento labiríntico, dilui-se nos vários lugares, nos que se possa imaginar. O imediatismo e a instabilida-
restringe aos espaços institucionais, ao contrário, lan- múltiplos espaços em que a incessante movimentação de que atualmente nos lançam às incertezas do futuro Em meio a tessituras de ordem tão impositiva, a arte
2 | As afirmações de ça-se nos espaços urbanos em um processo distante permite poucas condições para que algo mais subs- e à provável inviabilidade de projetos em longo prazo busca reordenar seus próprios valores, uma vez que
Michel de Certeau são
provenientes do capítulo dos monumentos oficiais que, existentes há séculos, tancial se fixe e forneça estabilidade. Depara-se com são condições que já despontavam há tempo, mesmo é irredutível à economia e se constitui dentro de suas
IX, “Relato de espaço” demarcam feitos e homenageiam heróis. A arte for- os excessos que provocam o cálculo virtual em que que se acreditasse nas forças redentoras e se pautas- especificidades, ainda que estas estejam contamina-
IN: A invenção do
cotidiano, v. 1 Artes de mata hoje geografias, descreve e traça percursos. Ce- as somatórias de possibilidades e impossibilidades se por grandes ideais. “O que é singular na incerteza das pelos alicerces do capital. A arte, mesmo assim,
fazer, Petrópolis, Rio de
Janeiro, Editora Vozes,
nas cotidianas, cenas imaginárias circulam, fixam-se podem se anular e devolver o caos. É nesse estado hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico encontra brechas para realizar sua poética e interpre-
2001, p. 201. temporariamente em algum lugar, construindo pares ilimitado e indefinido que a ordem pode se instalar a iminente; ao contrário, está entremeada nas práti- tar o mundo. O estratagema de Viver-junto encaixa-se
3 | Idem, p. 202.
substantivos que se desdobram em múltiplas cama- qualquer instante, uma vez que se prenuncia e pro- cas cotidianas de um vigoroso capitalismo.” A arte em uma vontade de enfrentamento, em uma contra-
das, deixando visível um estado latente onde transitam picia o nascimento de algo, de uma nova realidade. situa-se nesse contexto em que estratégias mundiais corrente que enfatiza as relações humanas e faz com
4 | Comentário de 7 | Romance que revela
Ligia Canongia sobre os
a vida, a fantasia. Ficção e realidade misturam-se, pro- Resta saber, no entanto, que tipo de ordem será res- são elaboradas por meio de valores condizentes com que desemboquem no processo artístico. o contexto político,
artistas neoconcretos IN: movem, ou não, narrativas, muitas vezes desprovidas tabelecida e quais valores serão assimilados. o consumo exacerbado. A cultura e a arte transitam social, artístico e cultural
O legado dos anos 60 e da Áustria do começo
70, Rio de Janeiro, Jorge de uma seqüência lógica, propositoras de inúmeras em um campo movediço, coabitando com algo que é O Fiat Mostra Brasil é uma das tentativas de fazer cir- do século XX. Escrito
Zahar Ed., 2005, p. 39. entradas e saídas. Entrecruzam-se procedimentos que Os valores instáveis, a desconfiança dos discursos uni- alheio a sua natureza e por isso mesmo pode arremes- cular um potencial da arte que gera propostas e poéti- por Robert Musil, teve o
primeiro volume publica-
5 | Hélio Oiticica apre- reverberam além das paredes, absorvem a hibridez e, versais e totalizantes, a afirmação de um mercado glo- sá-las a um universo de contradições e paradoxos. cas visuais que, inseridas em seu tempo, podem ultra- do em 1931. O homem
sentou estas questões muitas vezes, infiltram-se em campos digitais, navegan- balizado e a flexibilização da economia que reverbera passar a complexa dinâmica de um período de poucas sem qualidades, Rio de
durante o seminário Janeiro, Nova Fronteira,
Propostas 66. O texto do labirintos que interligam o próximo e o distante. em outras áreas, inclusive da arte, apontam para a A meu ver, nesse estado de tensão a arte resiste e, delicadezas e muitos excessos. Como se vive a fluidez 1989, p. 181.
“Situação da vanguarda condição pós-moderna que estava presente bem an- apesar de toda instabilidade que a cerca, pode não su- de uma época que nos conduz às incertezas, poucas
no Brasil” foi publicado 8 | Pensamento de Ri-
em São Paulo pela Arte Altas tecnologias convivem com produções artesanais, tes, encontrando ressonância nas artes visuais em me- cumbir às estratégias de forças hegemônicas que ten- condições apresentam-se para a formulação de asser- chard Sennet encontrado
em revista, ano I, n° 2, no livro A corrosão do
maio-agosto de 1979,
com técnicas milenares, com o refugo. Neste entrela- ados dos anos 1950, com a Pop Art. De acordo com dem a diluir subjetividades e a nivelar todos os seres tivas. Com a Mostra, disponibiliza-se ao público um
caráter: conseqüências
p. 31. çar cabe o mundo e neste mundo situa-se a trama da Perry Anderson, essa condição, todavia, começa a se e coisas pelo consumismo advindo de um “vigoroso conjunto de obras que pode projetar-se além-muros. pessoais do trabalho no
arte. A participação do público ocorre junto a perfor- difundir de forma mais ampla a partir dos anos 1970. capitalismo” cujos efeitos se alastram em questão de Todas, contudo, estão expostas a diversos olhares e novo capitalismo, Rio de
6 | Mesmo que este ter- Janeiro, Record, 2000,
mo possa ser substituído mances, intervenções urbanas, obras eletrônicas ou de Desde então, encontramo-nos num campo indefinido, segundos. O tempo, na verdade, torna-se o signo da pensamentos, sujeitas a diferentes interpretações. p. 33.
por outros e ainda seja
bastante questionado,
outra natureza qualquer. São interações que se pro- em que o próprio nome pós-moderno implica uma re-
utilizo-o baseada em cessam instaurando atitudes já existentes no percurso lação entre o moderno e o prefixo que lhe agrega ou-
vários autores que
também o aplicam, da arte, apontadas no futurismo e dadaísmo e enfa- tro significado, podendo dar margem à compreensão
como Andréas Huyssen, tizadas nas décadas de 1960, 1970. No Brasil, Hélio de algo que acontece depois, quando uma condição
Frederic Jamenson, David
Harvey, Jean-François Oiticica e Lygia Clark propõem levar “o objeto de arte anterior encontra-se de certa forma esgotada.
Lyotard e Perry Anderson. para o espaço do vivido, espaço compartilhado pelo
Nas colocações sobre
o termo pós-moderno, artista e pelo espectador”. Na verdade, como agente David Harvey, por outro lado, interpreta o termo pós-
selecionei especificamen- da experiência, o público troca o lugar de espectador modernismo como uma espécie de reação ou afasta-
te as considerações de
David Harvey, Condição pelo de participante. O eixo arte-vida emerge com mento do modernismo. Considera que há uma coe-
pós-moderna, São Paulo,
Edições Loyola, 1992; e
mais força, ganham visibilidade as “vivências”. xistência, estabelecendo um processo relacional, uma
de Perry Anderson, As vez que a condição moderna ainda existe quando a
origens da pós-moder-
nidade, Rio de Janeiro,
Como bem diz Oiticica, “não se trata mais de impor outra condição se configura. O pós-modernismo ter-
Jorge Zahar, 1999. um acervo de idéias e estruturas acabadas [...]”, mas de mina por revelar uma circunstância que potencializa
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O risco como estratégia | Járed Domício
É do ato simples de rabiscar um papel que muitas idéias podem ganhar cor-
po até chegar à concretização. O olhar do artista percebe a força daqueles
traços iniciais e investe naquele pequeno esboço, consciente de que essa etapa
inicial é de vital importância para o seu processo criativo. Correr o risco de dar
atenção a idéias aparentemente simples pode ser uma atitude estratégica para
estabelecer a densidade das questões que o trabalho apresentará no futuro.
Sendo essa etapa fundamental para o desenvolvimento de uma poética, o ato
de criar torna-se uma aposta em cada nova idéia e põe o artista numa situação
de tensão permanente.
Esse momento-ateliê, que não raro provoca angústia em muitos artistas, êxtase
em outros ou, ainda, um misto das duas sensações, é de fundamental impor-
tância e ainda pouco entendido e pouco assistido por grande parte das estru-
turas de incentivo à produção artística, devido a seu caráter íntimo e invisível.
Assemelha-se a ficar horas na cozinha preparando um delicioso prato. Quem
degusta não sabe a maré de odores, sabores, temperaturas e um sem-fim de
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delicadas percepções que são experimentadas antes que neste momento ocupam os espaços expositivos As dimensões do Brasil trazem uma série de conse- de artistas que pudessem compor um olhar sobre a
que o prato seja posto à mesa para ser consumido. A acabam por se infiltrar em muitas áreas. A arte ali- qüências para essas formas de organização. Cada local arte brasileira era, de antemão, bastante pretensiosa.
experiência do artista de observar, sentir, propor, de- menta muitas fontes. O design das nossas roupas, re- acaba por ter peculiaridades que passam a determinar A diversidade de idéias deixava bem claro que pode-
finir materiais, situações, imagens, formas e relações lógios, carros, as imagens da publicidade, a aparência certas condições de produção. Para alguns artistas, a ríamos selecionar muito mais do que trinta artistas
exige tempo para compreender as conexões que po- dos softwares e dos computadores... A informação presença das condições adversas gera uma produção representativos e construir vários tipos de percepção
dem ser estabelecidas dentro dos critérios da poética produzida por artistas, depois de assimilada, é incor- que se desenvolve com mais desenvoltura e grande li- sobre nossa produção.
a ser construída. porada em tudo que nos cerca e chega ao cotidiano berdade de experimentação. O lugar alternativo torna-
sem que possamos perceber como essa aproximação se lugar de fato. A idéia de instituição passa a ser aquela Mas, então, conseguimos chegar a uma representa-
E, afinal, o que estamos chamando de artes visuais? acontece. Para um público acostumado à velocidade resultante de uma organização espontânea em busca de ção real do que se produz na arte brasileira? Sim, mas
Será que essa designação ainda nos serve? Depois de da televisão, parar e observar o que está acontecendo outras maneiras de visibilidade das ações em arte. não a única, e nem definitiva. Apenas um olhar sobre
observar tudo que foi experimentado por Lygia Clark é uma tarefa árdua. a produção nacional a partir de artistas que não são
e Hélio Oiticica, é interessante imaginar a distância en- Produzir arte no Brasil significa saber adaptar-se às grandes nomes das artes, provavelmente não estão
tre a produção contemporânea de arte e sua absorção O diálogo entre público e espaços de arte tem ganha- condições dadas, renovando-as e dialogando com a vinculados a grandes galerias e, em alguns casos, pos-
por parte do público e de muitos profissionais ligados do cada vez mais atenção e as instituições, por meio produção nacional a partir de códigos gerais e par- suem obras com características que dificultam sua in-
a esse campo. Já ultrapassamos alguns códigos e ter- de trabalhos educativos, oferecem aos visitantes algu- ticulares. Movimentações como as dos dois coleti- serção no mercado de arte. São obras e artistas que,
minologias e ainda assim não soubemos criar outros mas informações essenciais para apreciação das obras vos selecionados para o Fiat Mostra Brasil – Grupo por um meio ou outro, escolheram ter o risco como
que pudessem acompanhar de forma coerente essas de arte. É de fundamental importância colaborar para EmpreZa (GO) e GIA, Grupo de Interferência Am- estratégia. Seja um risco com tom de delicadeza,
manifestações da atualidade. O embate da relação en- que uma exposição possa de fato gerar uma discus- biental (BA) – são exemplos de uma produção para como nos trabalhos de Mariana Silva da Silva, Felipe
tre o público e as manifestações contemporâneas de são sobre suas temáticas, seja por meio de conversas a qual a relação com as instituições tradicionais é Cohen e Daniel Trench, Luiz Roque Filho, Raquel Stolf,
arte tornou-se assunto constante entre as instituições com artistas e teóricos da arte, seja com monitorias, apenas um dos elementos que podem contribuir Fabiana Wielewicki, Katia Prates e Milena Travassos;
de cultura e de educação. oficinas ou publicações. Caso contrário, teremos ex- para a continuidade dos seus trabalhos, e que parte seja por uma tendência natural ao risco como pro-
posições que não geram conhecimento nem deixam da certeza de possuir toda autonomia para agir nos cesso, como nas obras de Bruno Faria, dos coletivos
O fato é que a história da arte caminhou à parte das marcas do trabalho realizado. Embora seja um pro- mais variados contextos. GIA e Grupo EmpreZa, de Marta Neves, e das artistas
nossas estruturas educacionais e o trabalho de aproxi- cesso lento, o trabalho de instigar o público de arte Adriana Barreto e Bruna Mansani.
mação depois de tanto tempo só realça o estranhamen- pode ser extremamente favorável ao desenvolvimento Existem por todo o Brasil muitas dessas iniciativas in-
to já contido na maioria das obras. A cada exposição de um cidadão mais crítico e maleável com as diferen- dependentes e que respondem por uma boa parcela Nos projetos a serem executados, a atitude não é só
visitada, o público parece abrir um baú de surpresas, ças culturais tão comuns ao nosso país. E quando isso do que se produz de significativo em arte aqui. Essa apostar na idéia, mas no indivíduo que vai executá-
no qual essa “nova” condição da produção artística li- ocorrer, provavelmente teremos criado um público postura dos artistas traz uma provocação às formas la. Suas intenções e a seriedade com que vem desen-
teralmente invade os espaços e cria circunstâncias inu- ainda mais assíduo e entusiasmado pelas artes. tradicionais de incentivo cultural. A crítica ao formato volvendo suas obras. Trabalhos como as esculturas de
sitadas para aqueles cujo imaginário de arte ainda está exaurido dos salões de arte tornou-se lugar-comum, Henrique Oliveira, que parecem engolir os espaços
ligado às questões clássicas da pintura e escultura. Nossas instituições culturais têm tido um papel de assim como a ansiosa busca por outros formatos. Vide expositivos, ou o pequeno livro de fotos de Mariane
destaque como propulsoras da cultura. É inegável o as ações da Bolsa Pampulha (MG), o Salão de Artes Rotter são bons exemplos dessas apostas.
Estas novas relações com a arte são construídas a trabalho que realizam e as estruturas que possuem Plásticas de Pernambuco (que, apesar de conservar o
partir do contato direto com as obras expostas aos para abrigar as exposições e acervos. Mas a produção termo “salão”, premia artistas com bolsas) e a Bolsa A tecnologia, entendida como suporte das poéticas
olhares que se dispuserem a vasculhar os detalhes de arte brasileira é muito maior do que o número de Marcantonio Vilaça do CNI/SESI, talvez uma das ações artísticas, é utilizada em trabalhos instigantes como
de cada uma delas. O risco, aqui, é estar diante de espaços existentes para absorvê-la. Precisamos então de maior repercussão nesse sentido. Tais iniciativas o “objeto ansioso” de Ricardo Cristofaro ou nas obras
muitos universos diferentes e ter de enfrentar alguns olhar para um formato de instituição mais elementar investem no processo de formação dos artistas, ao de Vera Bighetti, Martha Gabriel, Marcus Bastos e An-
tabus, situações de tensão e questionamentos sobre e de atuação mais silenciosa do que aquele das gran- contrário dos formatos tradicionais que focavam sua drei Thomaz. As gravuras do artista Marcelo Mosche-
nossas convicções aparentemente tão bem estabele- des corporações, pois nem todos os artistas circulam atenção no evento. ta, as pinturas de Leonora Weissmann e as de Rodrigo
cidas nos papéis sociais que exercemos no dia-a-dia. das formas ou pelos lugares convencionais. Para que Freitas convivem com a performance de Nydia Negro-
O público da arte não é somente aquele que aprecia, algumas organizações de artistas possam garantir sua Apesar do formato ainda próximo dos salões tradicio- monte, com as “pinturas” de Daniel Escobar e com as
mas aquele que se atreve. Para gostar de arte é ne- existência e ter liberdade de se posicionar como ques- nais, o edital do Fiat Mostra Brasil trouxe uma série instalações de Fabíola Tasca e de Rodrigo Borges.
cessário QUERER ver arte. tionadoras dos organismos gerenciadores da cultura, de mudanças e muitas questões. Tanto para os artis-
existem outros circuitos de arte que não estão nos jor- tas, confusos com as novas regras, quanto para toda a Alguns outros apostam no embate direto com o meio
E arte nem sempre é aquilo que queremos ver. Portan- nais, nem na televisão, mas que funcionam de forma equipe de produção, que buscava se adaptar às novas urbano, como nas obras dos coletivos mm não é confe-
to, cabe ao público arriscar o convívio com essas ma- eficiente, em iniciativas que têm na internet seu maior demandas. Ter o risco como estratégia pressupõe um te e Vulgo, e de Cristiano Lenhardt. Temos ainda Thais
nifestações, que podem lhe trazer experiências parti- instrumento de divulgação e possuem uma imensa olhar aberto e atento ao grande acúmulo de informa- Ueda, selecionada na categoria utopédia (uma das novi-
culares de entendimento sobre o mundo em todos os capacidade de agir em rede, acionando os coletivos ções contidas nos mais de 2.800 portfólios analisa- dades do edital). Todos compondo uma exposição que
seus aspectos. As informações da produção artística de várias localidades. dos. A tarefa de avaliar todo aquele material em busca ousa ser uma amostra da potência da arte brasileira.
186|187
Osíris contemporâneo | Stéphane Huchet
É habitual exigir da arte que ela inove. Uma grande maioria dos editais de
mostras e salões que estabelecem regras e critérios para a recepção e a
seleção de trabalhos artísticos também privilegia a noção de novidade – sem,
aliás, nunca dizer o que a define.
Muitas vezes, a lista das tecnologias mais avançadas de produção artística faz
ofício de critério. Agora, entregar apenas o cerne do “novo” às categorias técni-
cas reduz a questão a seus aspectos práticos e leva a uma operação de captura
e de ofuscamento da dimensão temporal, histórica e crítica mais complexa com
a qual toda obra de arte se relaciona inevitavelmente. Pensar que o “novo” de-
pende do uso de recursos tecnológicos mais recentes para ser averiguado não
resolve o teor da inovação, que é, a nosso ver, muito mais de ordem do simbó-
lico e de uma concepção crítica das relações criadas pelo trabalho.
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Usamos o termo “modificações” artísticas porque en- propostas os artistas põem em circulação? Os Frag- guem destruí-lo: o sistema vive também delas e gosta às instalações que investem na interespecificidade dos
volve melhor a idéia de que as diversas propostas hoje mentos do Grande Espelho do Mundo... Neles, o pú- dos “filhos pródigos” que esticam o cordão umbilical mediums (pintura/escultura, pintura/fotografia etc.), à
em ação no cenário da arte dividem e compartilham blico pode (se) ver, isto é, enxergar o que já conhece, o ao extremo sem se decidirem a desamarrá-lo defini- presença de resquícios aparentemente irredutíveis de
um mesmo solo histórico sobre o qual decidem como que diz já saber ou pretender saber do mundo. Trata- tivamente de seu nó inicial. Na verdade, o fato de a patterns icônicos de origem pictórica e gráfica em cer-
inventar e criar modos de diferenciação que permi- se de simulacros. No entanto, o público pode ter um “dissolução da arte na vida” quase nunca ser realizada tos trabalhos digitais – precipitados ao mesmo tempo
tam configurar um ac-cidente simbólico, um evento outro tipo de contato com os múltiplos pedaços desse pelos artistas tem a ver com a lógica artística. Essa neo-arcaicos e tecnológicos do cromatismo abstrato
territorial. Por ac-cidente (conservando o sufixo latino), Espelho fragmentado: se os conhecer por seus perfis diluição apagaria inteiramente o rastro da passagem. –, às não-narrativas de algumas fotografias e de al-
não queremos sugerir a não-necessidade da arte, mas simbólicos cortantes, experimentará seu teor dilacera- Esta última deixaria de existir e de se manter minima- guns vídeos, às suas estéticas da desaceleração, da
o fato de que ela procede hoje à instituição de uma di- dor. O público, como também os críticos e curadores, mente visível. O filósofo Jacques Rancière demonstrou suspensão do tempo e da contemplação e às modali-
nâmica mais breve e telegráfica, na forma – privilegia- podem preferir o reflexo como simulacro ou o perfil muito bem que a arte, para gerar impacto criativo e dades visuais e semióticas do conceitualismo etc., não
da desde o romantismo alemão e reinaugurada pela dilacerador que queima a recepção. São os artistas produtivo na realidade e na vida, não pode renunciar poderíamos perguntar se e por que esses trabalhos,
colagem e pela montagem nas vanguardas do início que decidem investir mais um ou outro aspecto. É o à sua autonomia como espaço experimental e labora- expostos dentro do cubo branco, seriam finalmente
do século XX – do fragmento cru(el) e crucial. A arte que acontece com os artistas do Fiat Mostra Brasil. torial. A essência da operação artística é de pro-duzir menos “políticos” ou teriam intencionalidades menos
não é mais capaz de estruturar uma visão sintética do uma mínima visualidade, de per-formar uma mínima “políticas”? É sempre importante refletir se, em certos 3 | Ludwig Wittgenstein
confessava que suas
mundo. Ela se mostra muito mais interessada em criar O que interessou à equipe curadora foram as possi- visibilidade, de in-stalar uma mínima aparência, de trabalhos artísticos, o “político” não existiria também investigações filosóficas
cir-cun-stâncias... A arte cerne, circunscreve, circunda; bilidades de mesclar as situações e as especificidades modular uma mínima aparição e expressão para que a na própria articulação dos signos, sem depender de da linguagem ordinária
– a “prosa do mundo”
cria ritmos icônicos, intervalos críticos, (in)stâncias. O a partir de um material artístico constituído pela por- proposta consista, insista e persista. uma situação aparentemente mais próxima do con- – lhe davam o sentimen-
que caracteriza a arte contemporânea é uma pulsão centagem maior de trabalhos que, durante o processo ceito em questão, por exemplo, um contexto como to de se transformar em
“selvagem” entendendo
performática que procura fazer da proposta artística da escolha, se mostraram em condição de se susten- As práticas de grupos e coletivos, as intervenções di- a cidade, uma comunidade ou uma coletividade. Em equivocadamente a
maneira de se exprimir
uma maneira móvel de ocorrer. Agora, resta saber se tarem, contrastando com uma multidão assustadora tas urbanas, as performances na margem do tempo nome de que negaríamos o caráter de serem também de homens civilizados.
a arte de hoje, por mais próxima que pareça ser das de propostas oriundas daquilo que os franceses cha- tectônico, as ações interativas, as derivas neo-situa- “políticos” à lentidão, à afirmação da imagem como De Certeau comenta:
essa posição “é aquela
dinâmicas ressaltadas por Jean-François Lyotard na mam de peintres du dimanche. Durante o processo cionistas, as fascinantes e apaixonantes táticas de correlato de uma contemplação, à transformação da que consiste em ser um
grande época das experimentações artísticas – “e se de seleção, cada curador teve a oportunidade de ser reinvenção do cotidiano etc. parecem articular suas imagem em suporte de meditação? Em nosso mun- estrangeiro em casa,
um ‘selvagem’ no meio
devêssemos levar a sério não a apresentação, mas a confrontado com a questão de definir o que é arte lógicas e definir parâmetros que ajuntariam, como do, toda imagem da desaceleração veicula uma inten- da cultura ordinária,
mera produção; não o apagamento (representativo), ou não. A hegemonia do kitsch e das fantasias mais pano de fundo, tanto a recente “estética relacional” cionalidade política, porque já corta o fluxo veloz da perdido na complexidade
do bem-entendido e do
mas a inscrição; [...] não a significação, mas a energé- escabrosas em 95% dos dossiês mostrou como as de Nicolas Bourriaud (anos 2000) quanto as “artes do mercadoria e os mecanismos violentos de condiciona- bem-entender comum. E
tica [...], a imediateza de produzir em qualquer lugar; monstruosas e fascinantes entranhas do inconscien- fazer” de Michel de Certeau (1980), isto é, a articula- mento e da alienação. como não se ‘sai’ dessa
linguagem, que não se
não a localização, mas a deslocalização perpétua?” te pequeno-burguês – quando este deseja superar o ção da “linguagem ordinária” e do “lugar-comum”, do pode encontrar um outro
– não as mimetizaria em seu vigor para melhor re- nível reles da existência e a imediatice do sensível, e “cada um” e do “ninguém”. Constituem encenações No conjunto das propostas e das situações, trata-se, lugar de onde interpretá-
la, que, portanto, não
territorializá-las, confirmando que o desafio hoje fica inventar alguma simbolicidade – não têm a mínima que convocam implicitamente o conceito de “arte portanto, de diferenças e de uma “política” intra-ar- existem interpretações
por parte o mesmo, a força atrativa do subsolo tendo condição de ser depuradas num processo formal e política”, categoria muito complexa à qual, por falta tística. O Fiat Mostra Brasil participa do mundo e do falsas e outras verda-
deiras, mas somente
aumentado muito desde 1972... “linguagético”, porque lhes falta, para isso, a cultura de espaço, não podemos aqui consagrar as devidas meio da arte, com a confirmação de que o desloca- interpretações ilusórias,
artística e histórica necessária. Não entraremos aqui considerações. Na história da arte recente – sem re- mento não escapa à regulação institucional, tanto no que, em suma, não há
saída, resta o fato de ser
A arte se propõe também a fazer irrupção na teia das na questão abissal de saber o que é arte – ninguém gredirmos até o bufão dadaísta – o movimento Fluxus sentido do continente quanto no sentido de que cada estrangeiro dentro mas
sem fora e, na linguagem
relações sociais, no sentido amplo do termo, articulan- mais responde a essa pergunta –, mas é evidente que representa sem dúvida uma das mais importantes ex- proposta institui algo. Para mover o grande corpus da corriqueira, de ‘esbarrar
1 | LYOTARD, Jean-
François, “Capitalisme do as várias redes que elas desenham. Aqui, poderia cada um de nós precisa pré-solucioná-la para poder periências de criação, dos “modelos” de ação artísti- arte, é preciso haver múltiplas táticas locais suscetí- contra seus limites’ (…)”,
L’invention du quotidien
énergumène” IN: Des entrar em jogo a lista infinita dos substantivos, adjeti- começar a trabalhar como historiador ou crítico. ca ao caráter “político”. É o que lembra o historiador veis. O mundo complexo e amplo da arte instituiu de - 1. Arts de faire, Paris,
dispositifs pulsionnels,
Paris, Christian Bourgois vos e atributos que a arte tem por vocação interrogar, Walter Zanini quando, ressaltando a “atualidade de maneira tão bem azeitada suas funções sistêmicas que Gallimard, col. Folio/Es-
sais, 1990, pp. 29-30.
Editeur, 1980, p. 9. investigar, diferenciar e espelhar: todas as noções da Os artistas do Fiat Mostra Brasil participam todos de Fluxus”, cita Ken Friedmann. Este declara que “Fluxus só resta espaço, na intensidade das propostas even- Qual a relação do artista
2 | Ficou claro que semântica humana. um outro meio da arte, isto é, uma microssocieda- [tinha] mais valor como idéia e como potencial para tuais das quais falamos acima, para movimentos mi- com a prosa do mundo?
esses “proponentes”, Será que o artista, quan-
de que tem consciência do que a produção artística a mudança social do que como grupo concreto de crológicos. Micrologias de uma microssociedade cuja do se transforma em
através de seus objetos,
logravam gritar para Quais são os objetos da arte hoje? A resposta pode- significa em termos de desafios e de jogos de lingua- pessoas ou como coleção de objetos”, acrescentando particularidade é ser constituída por seres que direcio- analista de certas práticas
serem ouvidos. Gritos ordinárias, não almejaria
usando de recursos for-
ria corresponder à ficção borgesiana de um mapa – a gem com um certo referencial histórico-crítico. É nes- que “a visão que Fluxus [tinha] da globalidade inte- nam seu trabalho para o exercício crítico da liberdade. mimetizar (de) dentro
mais, imaginários visuais resposta ideal – que recobriria por inteiro os territó- sa consciência que todos se encontram e convergem. gra um enfoque democrático da cultura e da vida”. É Saudável exercício. Saudável capacidade de articular da arte o “selvagem”
demonstrando uma total analítico?
ausência de cultura no
rios que mapeia, seus relevos, seus vales, seus rios, Também é por essa razão que, além das disjunções en- fascinante ver que tais motivações, características dos propostas, de pensar seu filtro formal e processual, de
4 | Citado por ZANINI,
campo da história da suas cidades, suas eminências e suas depressões etc., tre propostas para o espaço da exposição e propostas anos 1960, são hoje ainda particularmente presentes não baseá-las apenas na imediatice da sensibilidade, Walter, “A atualidade de
arte, uma ausência de
distanciamento crítico, ou caber simplesmente na seguinte frase: toda a ex- para o espaço externo, os artistas do Fiat Mostra Brasil no mundo da arte. No entanto, devemos perguntar se realizando o devir-consciente necessário ao ato artís- Fluxus”, ARS, revista do
Departamento de Artes
a adoção de referenciais periência humana (e, inclusive, a sobre-humana ou a só distribuem suas diferenças dentro de um sistema da esse caráter “político” é monopólio desse tipo de prá- tico dentro de um conhecimento da cultura material Plásticas, ECA/USP, ano 4,
formais totalmente
obsoletos. não-humana). Quais objetos, quais dispositivos, quais arte. As tentativas de expansão fora dele nunca conse- tica. Com efeito, será que, frente às instalações in situ, que a história da arte é. nº 3, 2004, p. 18.
2|3
Por meio do termo “novas mídias”, revalidou um paradigma incômodo das cha-
madas “vanguardas” modernistas: a noção de novidade como parâmetro crí-
tico de análise. Absorvendo sem critério nomenclaturas fáceis provenientes de
releases “prêt-à-porter”, mistificou o binômio arte/tecnologia, conferindo-lhe
um atributo de marco da contemporaneidade.
sões. Trata-se de um vídeo interativo que disponibiliza em um terminal sons e 3 | MANOVICH, L.,
imagens distribuídos por camadas sobrepostas, num cluster audiovisual em que “The Automation of
Sight: From Photography
os fragmentos reunidos resultam num todo irregular. to Computer Vision”
IN: Timothy Druckery,
org., Electronic Culture
São entrevistas, remixes, arquivos copiados da internet e gravações de vídeo – Technology and Visual
Representation, Ontario,
digital, além de sons criados a partir de fragmentos de fala, ruído ambiente, Aperture Foundation,
locuções e texturas produzidos a partir de frases de intelectuais e anônimos. 1996, pp. 229-239.
194|195
Ao mover o mouse sobre a tela, o interator ativa a cos múltiplos pela cópia do código, engendra o fenôme- na compra de “obras de arte” (sic) vendidas em O mundo lhe parecia ser alimentado por tudo que saía
“selva” de camadas midiáticas ali depositadas, obri- no cultural e estético do “original de segunda geração”. “teleleilões” e gravar sua negociação em vídeo, para daquela “caixa mágica” (o rádio, a tal da nova mídia
gando-nos a lidar com o caos resultante de práticas expor, no Porão das Artes da Bienal de São Paulo, as de então) e nesse sentido a transmissão era, nas pa-
diversas e simultâneas como a pirataria, as utopias Não existe perda de autenticidade no campo da arte obras adquiridas e o registro de sua negociação. lavras de Welles, “um assalto à credibilidade daquela
libertárias, as modalidades de rastreamento e a satu- digital, e a arte produzida para a internet leva essa máquina” e um alerta para que as pessoas deixassem
ração de informações. afirmação ao limite extremo. O “aqui e agora” se faz Sem concessões, ironiza o mercado de arte em to- de se orientar por opiniões pré-formatadas, “viessem
pelo fluxo, no deslocamento dos arquivos pela rede. dos os seus níveis (fetichismo da obra, dos valores elas do rádio ou não”.
Impõe-se aí um conjunto de ambientes de fronteiras de premiação, dos lugares de exposição, das formas
difusas que, ao permitir a navegação por sons e vídeos A obra efetiva-se pela linkagem, perde a precisão de de consumo e circulação), refrescando o que mídia Em sua ação tática, Bruno, tão jovem quanto Welles
sobre “territórios”, “interdições”, “liberdade” e “ruídos”, seus limites. O plágio transforma-se em uma estraté- tática, para além do hype, significa. na época de A guerra dos mundos, decide deixar nus
desafia-nos a explorar formas de alterar e combinar gia recombinatória. Põe em curso uma chamada, para alguns mecanismos perversos do circuito da arte con-
imagem e som que estejam além das rotineiras experi- que se abra a base de dados cultural, a fim de deixar Se mídia tática é o uso da mídia e de seu potencial temporânea, revalidando o “Who Is Who”, o “dom”, a
ências relacionadas ao uso do sampler por DJs e VJs. que a tecnologia de produção textual, sonora e visual até o limite extremo, a incorporação intencional de originalidade e fazendo picadinho (não há outro ter-
seja usada até sua potência máxima. seus protocolos, em um nível tão radical que leva à mo mais nobre) das estratégias de curadoria, premia-
Isso porque o projeto estimula a atenção à voz e ao própria quebra desses protocolos, conforme definiu ção, inserção e recepção das obras.
olhar do outro. Ao construir uma trama de falas e Nesse sentido, restaura a deriva dinâmica do signifi- Alex Galloway,7 então sua certidão de nascimento
imagens em movimento, apaga o registro autoral, em cado que o jogo ideológico do mercado oculta sob precede o artivismo em algumas décadas, deve mui- Em oposição à ironia guerrilheira dessa tendência, Ri-
favor da pluralidade de perspectivas. o domínio da citação autorizada, arremessando essa to a Orson Welles 8 e tem em Bruno Faria um de seus cardo Cristofaro pede-nos que deixemos estar. Sus-
dinâmica em uma rede de multiusuários e colocando nomes emergentes mais expressivos. surra, cheio de delicadezas, que há muitos silêncios
Bastos comenta: agora as estratégias de recombinação e reciclagem ainda por escutar. Com seus Objetos ansiosos, relega-
como condição de uma “epistemologia anárquica”.6 Orson Welles, para quem não lembra, entrou para nos a uma imobilidade do não-agir.
O acúmulo de elementos no espaço produz seu a história do cinema com Cidadão Kane, mas ficou
estilhaçamento (simultaneidade ao invés da se- Não se trata de uma apologia da barbárie, da apro- famoso com A guerra dos mundos, um exercício de Ricardo desafia-nos a ser capazes de ler a Caosmose,
qüência – avesso dos livros: página, página, pá- priação pura e simples, mas da revalidação da autoria radiodramaturgia baseado no romance homônimo de Félix Guattari, demandando um espectro semiótico
gina; avesso dos filmes: frame, frame, frame). É para além de seus nexos biológicos e ontológicos, e de H. G. Wells, publicado em 1898. ampliado, no qual a subjetividade é produzida não só
pelo girar de botões e pelo rastro do cursor que de estratégias de redirecionamento das condições de psicológica, social e psiquicamente, mas também por
percorre a tela que o interator frui este ensaio em fomento à criação e circulação do conhecimento. Era véspera de Halloween, 30 de outubro de 1938, diferentes enunciados não-humanos, em módulos de
que tudo surge e desaparece de maneira inespe- e os prenúncios da eclosão da Segunda Guerra intensidade variada.
rada. Ou, como diria Jorge Luis Borges: ‘Não tem Esta é a pauta que está em jogo em intervenções Mundial, fundados no pacto de Munique, firmado
fim. Sabemos, sim, que houve um dia’. como Manifeste-se 2.0, da dupla Milena SZ e Mariana um mês antes, criavam um cenário de tensão nada Ele nos pede, num murmúrio muito audível: NÃO parem
K, conhecida como mm não é confete, e Delivery; co- desprezível. Afinal, Inglaterra e França entregavam as máquinas! Escutem. Elas, por vezes, têm algo a dizer.
E, com esse comentário, evidencia a fragilidade de leção particular, de Bruno Faria. a Tchecoslováquia a Hitler e vários analistas do pe-
pensar que é possível refletir sobre os meios, supon- ríodo alertavam que esse acordo não estancaria o Como no Mosaico de vozes de Martha Carrer Cruz Ga-
do que teriam algo a nos dizer porque são “novos”, Manifeste-se 2.0 assume o lugar das redes como es- expansionismo nazista. As notícias sobre a situação briel (ou moZaico de voSes, como ela prefere).
redirecionando a discussão para a interrogação sobre paço público e procura evidenciar suas relações com o européia interrompiam a programação das rádios
as particularidades ou o estatuto distinto das mídias espaço urbano. As “mms” constroem, no mesmo in- continuamente e a incerteza sobre a postura norte- Trata-se de um website cuja homepage é produzida
4 | LUNENFELD, P., “Art
digitais em relação às mídias analógicas. tuito, uma ilha audiovisual móvel para interação com americana deixava apreensivos os ouvintes. pela ação dos participantes que, ao enviarem men-
Pos-History – Digital o público nas ruas, utilizando um carrinho de came- sagens por telefone, são adicionados à página. Cada
Photography & Electronic
Semiotics” IN: Photogra- Uma primeira distinção reside no fato de que as mí- lô, que tomam como objeto característico da cultura Nesse contexto é que o grupo de teatro Mercury, li- pastilha no mosaico representa uma pessoa. É possí-
phy after Photography: dias digitais lidam com originais de segunda geração. popular de centros metropolitanos. Essa ilha móvel derado por Welles, então com 23 anos, entrou no ar vel escutar as mensagens gravadas pelas pessoas que
Memory and Represen-
tation in the Digital Age, Não há perda (de definição, qualidade, aura) entre o funciona também como um aparelho de infiltração e levou ao pânico mais de 1 milhão de pessoas nos formam o mosaico e localizá-las pelo número do te-
Amsterdam, G+B Arts, original e a cópia. no tecido das telecomunicações, uma vez que todo EUA, provocando fugas, abandonos de lares e umas lefone de onde elas gravaram as mensagens. A busca 7 | GALLOWAY, A. P.,
1996, pp. 92-98. Protocol: How Control
o conteúdo das contestações públicas é transmitido e tantas quebradeiras. permite que se encontre não só a própria mensagem, Exists after Decentraliza-
5 | CRITICAL ART EN- Salve um mesmo arquivo com dois nomes no seu com- veiculado na internet. mas também todas as pessoas de uma mesma área, tion, Cambridge/Mass.,
SEMBLE, Plágio utópico, MIT Press, 2004.
hipertextualidade e pro- putador. Qual é original? Qual é a cópia. Nenhum, ou Welles virou notícia no país todo e, diante das pres- fazendo a pesquisa apenas pelo DDD (e deixando o
dução cultural eletrônica. melhor: ambos. Em Delivery; coleção particular, Bruno Faria enfoca sões e resultados, declarou que nada havia sido in- número do telefone em branco). 8 | BEIGUELMAN, G., “O
Distúrbio eletrônico, São pai da mídia tática” IN:
Paulo, Conrad, 2001, pp. a contramão dos espaços de circulação da cultura e tencional. Em 1955, contudo, em um especial da BBC Link-se (arte/mídia/po-
83-100. lítica/cibercultura), São
A informática em si é tecnologia de replicação, clonagem. põe em evidência a banalização da arte transformada (Orson Welles Sketchbook), assumiria que o progra- O resultado, sempre movediço, dessa ação disforme é
Paulo, Peirópolis, 2005,
6 | Idem, ibidem. Ao mesmo tempo em que permite a produção de idênti- em signo de consumo. Ele propõe aplicar seu prêmio ma não foi tão inocente assim. um corpo remoto difuso que tece outro corpo, num pp. 112-115.
dia”, de Lev Manovich). A página, escaneada, é dada sons são trocados gradualmente. Por fim, temos a com a instalação Ao vivo, constituída por um vídeo sutilmente. E com essa sutileza, faz lembrar uma 13 | BENTES, I.,
Guerrilha de sofá ou A
na superfície da tela a uma leitura táctil-visual, que opção de revelar novamente a página inicial, sem com o registro de uma bandeira. A bandeira está chamada – que se torna urgente – feita há alguns imagem é o novo capital,
permite percorrê-la por meio de diversos pequenos sons, à espera da intervenção do usuário, para que hasteada sobre o Copan (um dos edifícios-símbolo anos pela crítica Ivana Bentes:13 é hora de iniciar a 2002. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.
círculos vermelhos. o trabalho recomece. de São Paulo, mas também um condomínio pelo Guerrilha do Sofá. A trilha aberta por esses artistas pt/pag/bentes-ivana-tele-
qual transitam milhares de pessoas todos os dias, pode ser um bom começo. visao-guerrilha.pdf.
Cada círculo é acompanhado por um som em loop, Tudo sem interação. Apenas colocando em pauta um entre moradores e passantes) e nela se lê a inscri-
sendo que a duração do loop corresponde à duração gasto de energia, que demanda um leitor capaz de ção “Ao Vivo”. Nada mais acontece.
dos movimentos dos círculos (cada um possui seu pró- operar um investimento de configuração física e men-
prio tempo de animação), explica-me Andrei. tal, que se deixa levar pela própria imagem-aconteci-
mento e compreende as regras do objeto com o qual
A leitura que era, no início, exercício táctil-visual, ga- se relaciona.10
nha volume. A página torna-se escritura. À medida
que os círculos vão entrando em cena, novos loops de Como na obra de arte generativa FullFil Fullness, de
som são executados, traçando caminhos inusitados Vera Bighetti. A arte generativa baseia-se em instru-
entre as linhas, conclamando, sem desenhar, a ima- ções matemáticas que agenciam rotinas, no caso de
gem da elipse que Derrida9 escolheu como sinônimo Vera, visuais, que podem correr autonomamente, ou
do processo de leitura/concretude da escritura. ser alteradas pela presença do interator.
200|201
Quem acompanhou as conversas e diálogos tornados públicos no
espaço do blog criado como ante-sala do Fiat Mostra Brasil
pôde ter uma idéia das inquietações que antecederam o processo seletivo des-
ta Mostra e que seguem ocorrendo.2 Conversamos sobre a produção artística
contemporânea brasileira e seu contexto de difusão (formação do artista e do
público) abordando a complexa situação da arte em nosso país. As políticas
para a área de artes diferem entre os estados, e o sudeste do país concentra um
‘sistema de artes’ (“o produtor, o comprador _ colecionador ou o aficionado _
passando pelos críticos, publicitários, curadores, conservadores, as instituições,
os museus...”)3 que não reflete necessariamente a realidade de nossas sensíveis
diferenças locais. Isto faz com que, em distintos estados deste país, tenhamos
cada qual que reagir às nossas realidades e circunstâncias próprias. Observa-
mos que muitas iniciativas extravasam para além de uma lógica mercantilista e
fora do apoio do estado, em ações e expansões do fazer artístico. Algumas lo-
grando ser efetivamente transformadoras e instauradoras de inusitadas formas
de viver a arte e de ‘outros sistemas’.
A atual etapa, e diante das proposições dos trinta artistas escolhidos, nos im-
põe um trabalho bastante desafiador: observar este conjunto, operar distinções
quando olhamos cada obra, discernindo as passagens entre os meios, assim
como as vias abertas pela informação e por obras veiculadas em rede, aproxi-
mando-as das proposições realizadas em colaboração e das ações de coletivos.
Como os artistas elaboram as questões internas, inerentes às suas obras, com
as questões que se relacionam aos contextos de vida e aos modos de organiza-
ção e difusão de suas produções no Brasil hoje? Na seqüência deste texto darei
continuidade àquelas conversas para expandir e compartilhar a experiência de
curadoria, assim como para compreender o que juntas problematizam.
Maria Ivone dos Santos na arte brasileira. As especificidades do meio sendo exploradas pelas poten- 3 | CAUQUELIN, Anne,
cialidades analíticas da captura são um traço comum a algumas pesquisas que Arte contemporânea: uma
introdução, São Paulo:
detalharemos na seqüência. Martins, 2005, p. 15.
Vive-se em algum lugar? Em um país, em uma cidade deste país, em um bairro desta cidade, em uma rua deste
bairro, em um apartamento deste prédio.(...) O espaço está em dúvida: é preciso incessantemente que eu o
marque, que o designe; ele nunca é meu, ele nunca me foi dado, é preciso que o conquiste.1
202|203
Mariana Silva da Silva, com fina propriedade, nos in- sentes na prática da arte. Apresenta-nos diante de dois E estas coisas dispostas em vermelho não agem, não semelhava muito ao vídeo. Acima da tenda, um anjo
troduz a essa questão com seu trabalho À distância grandes formatos, Paisagens: dia. Estas imagens de se anunciam, elas dizem: Isto!”9 O efeito sonoro que vem anunciar ao imperador a vitória na guerra caso ele
(elétrico): “Tocar com a ponta dos dedos e com as pal- 2004, cujas ampliações resultam do processo analógi- acompanha o desenrolar da imagem no vídeo de Luiz se converta ao cristianismo. Ou seja, existe aí a idéia
mas das mãos, tocar as fronteiras rarefeitas, contem- co, integram séries fechadas e enquadramentos de céu Roque Filho parece colaborar com essa indexação cro- da revelação. A verdade, no caso dessa imagem, entra
plá-las e observá-las. Tentar alcançá-las e contatá-las. ou da paisagem. Ampliadas nesse formato monumen- mática. Entramos em um universo de imagens espa- pela abertura da tenda. Achei que tinha aí um paralelo
Capturar esse contato, apresentá-lo, se possível. Fixar tal, os dois monocromos incitam-nos igualmente a um çosas e este trabalho poderia inscrever-se igualmente rico com nosso vídeo, no qual algo também é revela-
o volátil? À distância (elétrico) mapeia o percurso de sutil jogo de diferenças entre azuis. São instauradores em uma ‘história do vermelho na arte brasileira’, da do: uma paisagem.” (À direita - detalhe da píntura.)
uma situação de fronteiras do contato através de sua de um tipo de relação sensível produzido em presença qual nos vêm rapidamente ao espírito a instalação
apresentação fotográfica. O trabalho consiste em duas dessa cor. Isso faz com que esqueçamos por instantes Desvio para o vermelho, de Cildo Meireles (1968-84), Estas e outras pesquisas aqui apresentadas trabalham
fotografias dispostas lado a lado em uma parede, de que estamos diante de fotografias e nos perguntemos: as fotografias da Série Vermelha (2001), apropriadas a idéia de suspensão, utilizando a fotografia e o vídeo.
forma que haja uma espécie de movimento de um o que é o azul? Esta vasta questão se apresenta nova- e ressignificadas pela cor por Rosângela Rennó, as- Colocando-se diante do embate com a prática, os ar-
mesmo fato”.4 Contemplar esses pontos de contato: a mente, transitando entre meios e linguagens, ao longo sim como outras obras cinematográficas que tanto tistas apreciam o envolvimento proporcionado por es-
fotografia como meio de retenção de um instante e de da história da arte. Lembremos dos imensos planos alimentam o imaginário de Luiz Roque Filho. ses meios na construção de suas imagens.
descrição da diferença sutil entre dois enquadramentos de imaterialidade que tanto motivaram Giotto (1266-
de uma ação meditada. Quem está por trás da imagem 1337), da cor que fugia diante dos olhos atentos de N’O sonho de Constantino, vídeo de Felipe Cohen re- Observamos a recorrência do interesse pelo gênero
e que pensamentos e premeditações culminaram nes- Da Vinci (1452-1519),6 que tentava em vão fixar na tela alizado em colaboração com Daniel Trench, encontrei retrato e pela paisagem, por meios deliberadamente
sas tomadas? A artista aqui expõe não somente uma um céu em constante alteração cromática. Bachelard, características coincidentes, no plano estético, com mais lentos; a pintura, por exemplo. Leonora Weiss-
captação, mas os resultados de um gesto deliberado, citado na ‘Breve história do azul’ de Geneviève Monier, algumas das mencionadas acima. Neste formato de mann propõe-nos dois grandes retratos que deno-
4 | SILVA DA SILVA, pois protagoniza a ação figurada. Discute com o para- nos esclarece um pouco sobre a emoção do azul: “Pri- janela, o vídeo parece induzir a uma parada. Quere- mina Retratos de Leopoldina e Dudu Nicácio sobre a
Mariana, “Superfícies digma do instante decisivo, e demonstra, sem dizê-lo, meiro não há nada, depois vem um nada profundo, em mos ver o que há atrás dessa cortina, o que nos obriga mesma paisagem. Busquei saber mais sobre o envol-
do contato: fronteiras
e espaçamentos.” a existência de um dispositivo de registro e de um certo seguida há uma profundidade azul”.7 A cor em questão a parar diante dela. A imagem é que “nos escolhe”. vimento da artista com a pintura, pois, para muitos,
Dissertação de mestrado, enquadramento. Pratica o contato consciente de que se sendo analisada por sua potência enquanto fenômeno. Pude entrar nos meandros dessa proposição, cuja len- pintar é “quase” um sinônimo de fazer arte. Obtive a
Programa de Pós-
Graduação em Artes encontra ao mesmo tempo dentro e fora do seu fazer. (Acima - detalhe de pintura de Giotto e céu.) tidão parece contribuir para uma atitude mais contem- instigante colocação: “(...) a pintura se transformou e
Visuais, Instituto de plativa. Perguntei ao artista como ele via esse aspecto ganhou nova dimensão, se tornou mais corajosa. Na
Artes, UFRGS, Porto
Alegre, 2005. Podemos reconhecer essa mesma atitude investigati- Luiz Roque Filho, num vídeo realizado na fortaleza de ligado a uma contemplação do mundo e ao restabe- verdade, após essa profusão de novas práticas, não é
5 | Wielewicki,
va nas proposições de Fabiana Wielewicki. Na série 2ª Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul, espaço natural lecimento de certa distância de produções mais ruido- possível olhar para a pintura na história da arte com os
Fabiana, “Investigações natureza: 8º andar, trabalha seguindo um protocolo. caracterizado por sua vastidão e silêncio, parece tra- sas que trabalham a linguagem do vídeo. “Contemplar mesmos olhos. E isso é maravilhoso: o presente modi-
fotográficas: paisagem
programada.” Dissertação
A fotografia a auxilia, neste caso, a desenvolver a ar- balhar também sob o impacto de uma cor.8 A instala- no sentido filosófico do termo. A paisagem deve ser ficando nosso olhar para o passado”.
de mestrado, Programa ticulação dos temas que lhe são caros: o enquadra- ção Projeto vermelho mostra o artista acionando um entendida como símbolo de algo maior e o sujeito,
de Pós-Graduação em
Artes Visuais, Instituto mento e a paisagem. Esta série de imagens, coloca- sinalizador que dispersa uma nuvem de pigmentos alguém que a contempla e procura desvendá-la e de- Se considerarmos que ela nos diz na seqüência, que
de Artes, UFRGS, Porto das lado a lado, exibe uma movimentação da artista vermelhos na paisagem. O vídeo exibe a magnitude cifrá-la. Essa relação com o mundo, ou seja, a variação uma pintura se complementa na outra, vemos como a
Alegre, 2005.
diante de sua janela, ora incluindo no enquadramento dessas paragens marcadas pela presença da nuvem de de uma postura contemplativa na qual você aceita o prática do ateliê guarda para ela sua potência de labo-
6 | VINCI, Leonardo Da, uma pintura, ora incluindo outra. Parece demonstrar o cor que emerge do centro do enquadramento da ima- mundo com seus mistérios e contradições. Acho que ratório e de oratório. O ateliê como lugar de um embate
Tratado de la Pintura, Barão de Santo Ângelo,
Buenos Aires, Editorial y que ocorre neste jogo: uma paisagem idealizada, um gem pela ação do artista. Luiz se insere igualmente no é a partir dessa vagareza, desse tempo que não nos entre o artista, seu cotidiano e seu mundo, numa ação Instituto de Artes da
Librería Goncourt, 1975. lugar comum da paisagem e a cidade como pano de interior de seu enquadramento e, seguindo a mesma distrai, que a paisagem nos evoca para pensarmos so- continuada, física, que encontra, habita e desloca-se UFRGS, Porto Alegre, RS.
Essa exposição reunia
7 | Monier, Geneviève, fundo. Em um texto recente, Fabiana discorre sobre o preocupação de Katia, explora no espaço expositivo a bre sua presença e principalmente a estranharmos.”10 sobre um suporte e continua em outra pintura. “No outras proposições
“Brève histoire de bleu” e foi acompanhada
que costuma pautar suas proposições: “Elaborar algu- imersão produzida pela imagem projetada num for- Fiquei interessada em saber mais sobre a retomada de caso dos trabalhos selecionados, isso se torna um pou- de um ciclo de
IN: Artstudio, n° 16,
Monocrome, Paris, mas diretrizes – pequenas regras – traçadas para or- mato de cinema, que ocupa um plano da instalação. um tema tratado por Piero della Francesca, mas des- co mais específico. Dudu Nicácio e Leopoldina, músicos palestras discutindo
1990, p. 36. Neste distintos enfoques
texto a autora faz um
ganizar e conduzir etapas”. Segundo ela, essas regras Centra-se na denotação cultural e simbólica desta cor locado do contexto da pintura. Perguntei ao artista se parceiros e amigos, foram retratados e passaram a fazer da cor vermelha na
apanhado de obras permitem “organizar as etapas de trabalho, mantendo e nos coloca, pelo seu gesto de passagem, diante da seu sonho (e de Daniel) remetia ao figurado naquela parte dos corpos-paisagem. Seus corpos se estruturam arte contemporânea.
envolvendo a cor azul, Disponível em: www.
de Giotto a artistas
uma relação intrínseca que estrutura conceitos e so- potência do vermelho. pintura do século XV (Il sogno di Constantino, Piero na pintura a partir de uma paisagem lúdica, que finge ufrgs.br/galeria/
mais contemporâneos, luções formais no processo artístico”.5 Se pudermos della Francesca, Basílica de San Francesco, Arezzo, ca. ser a mesma, mas que, quando se torna pintura, mul- ANO2006_1.html
como Yves Klein, que
patenteou seu azul IKB. deduzir o jogo por ela lançado nesta série, veremos que Se nos ativermos aos aspectos físicos da cor verme- 1455). “O título da obra veio depois do trabalho. Esta- tiplica-se. Fico me perguntando: seus corpos estão so- 9 | Schefer, J. Louis,
esse sistema de enquadramentos e de reenvios introduz lha, poderemos observar que a mesma possui uma va folheando um livro de história da arte quando me bre a mesma paisagem? Seus corpos são a paisagem? “Quelles sont les choses
8 | Projeto vermelho, rouges?” IN: Artstudio,
de Luiz Roque Filho, também o espectador, virtualmente incluído na cena extensão sobre o plano visual. Segundo Schefer, “O deparei com a imagem da pintura O sonho de Cons- Ambos se fazem pintura, os corpos e as paisagens, e n° 16, Monocrome, Paris,
instalação produzida no ‘enquadramento’ de uma exposição. vermelho da pintura (de quase toda a pintura) não faz tantino. O que me chamou a atenção primeiro foi a ambos são paisagem, a pintura e os corpos. O corpo 1990, p. 19.
para a exposição
homônima (2006). o corpo das coisas vermelhas: ele as faz vir o mais pró- própria imagem da pintura de Piero della Francesca, externo à imagem, que observa, é responsável por esse 10 | Dados colhidos em
Curadoria de Marcos Katia Prates segue a via de uma fotografia mais analí- ximo da superfície. De que superfície? Da superfície na qual o elemento mais forte é a tenda entreaberta infinito, o torna possível. São corpos ilusoriamente eter- entrevista que realizei
Sari e Ricardo Barberena, com o artista em outubro
Galeria da Pinacoteca tica, que vai, porém, convocar questões sempre pre- que nós nos tornamos quando olhamos o vermelho. onde Constantino dorme, e que formalmente se as- nizados por um ponto de vista que é múltiplo.” de 2006.
208|209
suas poéticas e em alguns casos retornam ao museu, na maioria das vezes, pode ter uma leitura como um de seu dia-a-dia em Porto Alegre. Interessa-lhe traba- ação da arte, para além das mapeadas nesta Mostra,
pois é a partir desse lugar que se segue produzindo apontamento político, por querer mostrar alguma si- lhar o agenciamento de narrativas visuais instauradas mas tomando como ponto de partida as proposições
discursos de discernimento do público. Segundo An- tuação para o outro, algo que esteja no nosso cotidia- pelo encadeamento das imagens fotográficas na pá- coletivas aqui apresentadas.
drei Thomaz, um dos artistas selecionados, “os traba- no.” O artista aposta no ato de “exposição do siste- gina, entre páginas, assim como explorar o gesto de
lhos de web arte acabam atingindo pessoas que não ma”, que permite que uma pintura adquirida em um folheá-lo. Segundo Paulo Silveira, estudioso das nar- Observemos de que forma dois coletivos e dois trabalhos 20 | SILVEIRA, Paulo,
“A fotografia e o livro
fazem parte do público de arte contemporânea. Mas leilão televisivo integre uma proposição sua, para com rativas de artistas que utilizam a fotografia no livro, “A autorais interceptam os funcionamentos da vida social. de artista” IN: SANTOS,
me preocupa que os trabalhos não sejam percebidos ela produzir um estranhamento crítico que, por sua palavra-chave que une livros tão especiais talvez seja Alexandre e DOS
SANTOS, Maria Ivone
como produções artísticas. Por mais que alguns artis- vez, expõe problemas mais amplos. o nexo, que pode ser o vínculo ou a relação de partes As ações públicas do Grupo de Interferência Ambiental (orgs.), A fotografia
tas considerem o sistema artístico um aparato institu- entre si, ou da parte com o todo, ou do evento e sua (GIA) conclamam uma apresentação pormenorizada. nos processos artísticos
contemporâneos, Porto
cional desnecessário, me parece importante que eles Já Fabíola Tasca exibe numa parede a lista de leito- circunstância, mesmo que qualquer variável seja abs- O Caramujo é uma estrutura de base, realizada com Alegre, Unidade Editorial
da Secretaria Municipal de
sejam vistos dentro do contexto da produção artística, res do livro Escritura, produzido por ela, e fruto de trata, impalpável. Este nexo, partido de um dado pro- lonas plásticas amarelas, e que se adapta a lugares e Cultura/Editora da UFRGS,
e que pontos de contato com outras produções, sejam “uma dinâmica de relações interpessoais”. O livro não pósito, irá constituir o sistema formador do livro. A fo- situações as mais inusitadas, podendo ser amarrado a 2004, p. 150.
contemporâneas ou de séculos anteriores, possam ser se encontra no espaço expositivo propriamente dito. tografia não estará ali passivamente”.20 A questão que uma grade do passeio, numa calçada ou entre árvores 21 | http://www6.ufrgs.
identificados e estabelecidos pelos fruidores”. Segundo a artista, a experiência da obra ocorre no se coloca neste caso é que certas imagens fotográficas de um parque. Nesse abrigo, instala-se provisoriamen- br/escultura/fsm2005/
18 | Depoimento intervencoes.htm
colhido por e-mail, deslocamento e no espaço entre dois pontos: “Não “vivem melhor” na intimidade de um livro do que em te uma sede de interações com os passantes, natu- A intervenção sonora
datado de 06/10/2006, Ao lado de pinturas e obras prontas, encontramos na se trata de proceder com vistas a equacionar uma uma exposição, desconectadas de sua ordem. ralmente atraídos pelo espírito festivo do coletivo. As Grilo consistia em veicular
respondendo a uma em carro de som o áudio
questão por mim exposição proposições e projetos envolvendo regis- apreensão completa, totalizante, mas de investir em propostas destes artistas, que vivem, estudam e tra- de um grilo, em fins
colocada. MI: “Como tro e transmissão e implicando outros tipos de des- salientar a dimensão de incompletude. Daí o deslo- Para Grilo, de Raquel Stolf, por exemplo, o espaço balham em Salvador, são embaladas por percussões de tarde, em trajetos
pensar a exposição do centro de algumas
dessas proposições, locamento, virtuais e reais. A função deste espaço se camento entre os espaços, entre as etapas às quais o expositivo é o lugar literal de estacionamento de bi- e seguidas pelas máximas publicadas na base de seus cidades. Foi realizada no
visto que o objeto está altera. A exposição torna-se uma zona de comparti- leitor é conduzido/convidado. Ao convocar estratégias cicletas preparadas para que o “usuário” faça uma de- panfletos programáticos: Acredite nas suas ações. dia 30 de janeiro entre 18
sinalizado pelos leitores, e 20 horas, no entorno
mas ausente do contexto lhamento da diversidade, que não anula as diferen- algo anômalas em relação a uma concepção da arte riva pelo Parque do Ibirapuera ou no seu entorno. O do Parque da Redenção
expositivo? O que tu em Porto Alegre, durante
realmente apresenta?”
ças constitutivas de cada uma das proposições, mas como ‘revelação da subjetividade’, talvez o trabalho trabalho se dá em movimento e a artista nos propõe Fila, por exemplo, é uma proposição um tanto non-
o V Fórum Social Mundial
FT: “Assim, acho que o que, ao contrário, propõe ao visitante um exercício diga que isso de subjetividade só existe no entre.” Fa- uma imersão poético-crítica, embalada pela sonori- sense. O grupo percebe a facilidade com a qual as pes- de Porto Alegre em
mais importante a ser 2005. Este trabalho foi
fixado seria a questão do
de discernimento. Tal como está sendo posta a ques- bíola pensa no formato “exposição” como lugar para dade invocadora do contexto rural. “Esta proposição soas entram em condicionamentos sociais ao examinar reapresentado com a
convite, uma vez que isso tão, essa compreensão contribui para entender que o endereçar um convite, vivendo-o como instância que integra o projeto FORA [DO AR], desenvolvido desde como se forma uma fila e o que ela gera como campo versão documentação no
está presente em todo Salão de Joinville e em
o processo, o convite papel de espectador diante de formatos expositivos “remete” a outra experiência que ela deseja compar- 2002, constituindo a primeira faixa de um CD-objeto de relações. Colocam-se em linha e rapidamente os outras ocasiões.
ao Sabá, o convite aos mudou muito, pois ali ele pode ser passivo ou sujei- tilhar: “A galeria e o tempo de exposição funcionam com proposições sonoras que podem se desdobrar passantes se postam atrás, para ver, por exemplo, o
leitores que contatei, o 22 | HUCHET, Stéphane,
convite aos visitantes to deliberante. A exposição da arte contemporânea como um momento de publicização de contatos par- em intervenções urbanas, microintervenções domés- pôr-do-sol de Salvador. Os artistas observam e apon- “Osíris contemporâneo”,
da galeria. Todos esses apresentando-se como um sofisticado sistema de ticulares (quase um outdoor, quem sabe...), enquanto ticas, inserções em rádios, instalações, vídeos, obje- tam suas contradições, divertem-se retirando esses em artigo integrante
convites implicando em desta publicação,
um trabalho de leitura múltiplos modos cognitivos de recepção. a biblioteca e o possível encontro do leitor com o livro tos, textos e imagens.”21 Raquel introduz um modo condicionamentos de sua função para provocar ou- apresenta o argumento
daquele que o aceita, funcionariam como uma conversa ao pé do ouvido, de deslocamento da sua proposição em direção aos tras cenas em outros contextos. de que estas proposições
que é também o trabalho integram um campo
de ter que se deslocar Convocando estes paradoxos, o trabalho de Bruno Fa- do tipo que se pode ter em uma biblioteca, onde se espaços da vida, aos quais, a cada dia mais, os artis- gerado pela arte, seguindo
por Diamantina, ter que ria, Delivery; coleção particular, pontua com fina iro- supõe que a gente fale baixinho”.18 Ao divulgar o cír- tas parecem dirigir-se para intervir.22 Como em uma Em outra proposição, Não-propaganda, organizam-se um espírito Fluxus.
ir ao correio, ter que ir à
biblioteca.” nia a situação banalizada pelas mídias, na qual qual- culo de leitores dessa obra, a exposição torna-se o aventura, continuemos a perseguir a arte pelo cami- e saem às ruas de Salvador empunhando cartazes sem 23 | Rolnik, Suely,
quer um pode adquirir uma obra de arte pela televisão lugar desse circuito de relações, ficando ao visitante nho que ela nos indica, numa condução cuidadosa mensagem, na sua pureza original de plástico amare- “Geopolítica da
19 | Extraído do projeto cafetinagem” IN: Schüler,
avaliado pelos curadores a partir de sua própria casa. Ele adquire uma pintura, a iniciativa de integrar-se ou não a essa comunidade dos fatos, para evitar atropelos em seus fluxos, pois lo. Por meio dessa apropriação dos meios e dispositi- Fernando e AXT, Gunter,
do FMB: Fabíola Brasil contemporâneo:
Tasca, Escritura, 2006.
que dispõe lado a lado com o registro videográfico de leitores.19 nesses lugares entramos em outros sistemas, comple- vos de mídias publicitárias, eles se exibem formando crônicas de um país
“‘Escritura’ é, portanto, do lance, para quem quiser conferir. Centra-se no que xos e movediços. uma festiva manifestação monocromática. Os retân- incógnito, Porto Alegre,
o título desse livro que Artes e Ofícios, 2006, pp.
narra o meu encontro efetivamente está querendo mostrar, inscrevendo esse Já no caso do trabalho Indutor de percepção cotidia- gulos amarelos pontuam o espaço urbano por onde 319-334.
com Sabá, bem como as conjunto de operações, um apontamento político de na, de Mariane Rotter, o livro parece ser o lugar do passam. Ao acercar-me dessa proposição, em particu-
situações configuradas 24 | Entrevista de 24
a partir de então. uma situação pinçada no cotidiano, no prêmio Fiat contato irredutível entre o público e a sua experiência. lar, não posso deixar de lembrar a referência que ela páginas, publicada na
‘Escritura’ é também o
título do procedimento
Mostra Brasil. Mas ela aposta na estratégia de disseminá-lo anoni- Ações coletivas e o espaço relacional evoca: os Núcleos de Hélio Oiticica e sua máxima, O íntegra no criterioso
estudo realizado por
de circulação desse livro mamente em alguns pontos de apoio pré-determina- museu é o mundo. Retive de Pedro, um dos integran- Fernanda Carvalho de
que, desde janeiro de “Meus trabalhos estão em suportes distintos, come- dos da cidade de São Paulo. Na exposição, ele estará O que pode a arte?23 Fixo-me particularmente nesta tes do GIA, a seguinte observação: “Os trabalhos não Albuquerque. Dissertação
2003, venho oferecendo de mestrado em História
a alguns leitores. O livro çando no desenho, passando pela escultura e mi- ao lado de outras proposições, em meio a linguagens, questão levantada por Suely Rolnik no texto “Geo- existem sozinhos. Eles só existem com um contexto”. Teoria e Crítica, orientada
segue acompanhado grando para qualquer outro tipo de mídia que seja apontando sobre a irredutibilidade dessa forma de política da cafetinagem”, pois alguns projetos se- Em Salvador, o grupo escolhe o contexto do Carnaval, pela Profa. Dra. Blanca
de uma ficha de leitura Brites e defendida em
na qual os leitores que necessária. Cada trabalho pede um suporte por uma contato mais intimista e que busca um leitor e uma lecionados para o Fiat Mostra Brasil discutem com quando as pessoas estão mais disponíveis e flexíveis.24 julho de 2006, no PPGAV
autorizam a exposição do Instituto de Artes da
de seus nomes registram
necessidade específica. Mas o que os trabalhos têm posição de leitura. No volume apresentado, ela reco- propriedade aspectos da realidade social brasileira. Mantém-se como grupo, mas as formas de inserção
UFRGS em Porto Alegre,
suas assinaturas. (...)” em comum é uma reflexão, um questionamento que, lhe e organiza fotografias de seu cotidiano, recortes Pensemos juntos sobre a expansão do campo de de suas proposições lhes demandam conversas cir- 2006, p. 251.
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