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A Bailarina

Era uma vez uma bailarina, mas unia bailarina de papelo, daquelas que mexem simultaneamente os braos e as 5 pernas. Nunca se cansava, e era bonita, bonita a valer. Tinha saias de papel frisado. Um dia penduraram-na numa parede. O rapazito (como se chamava ele?) Gustavo, que costumava ir quela casa, adorava-a, mas ningum o sabia. Nem a tia mais velha nem a mais nova. Julgava-o ele. Entrava na sala, dizia duas palavras aos gatos de veludo que estavam, um de cada lado do espelho, com belos olhos de contas de vidro a olhar para ele, dava mais uns passos e levantava o brao. Anda c tu, minha beleza! Tirava a bailarina do prego e zs-que-zs, zsque-zs... Ela danava, levantava as pernas de lado, dava aos braos... Que tentao! Gustavo, puxava-lhe freneticamente pelo cordel. Dana, minha menina, dana! mais, mais, mais! Gustavo foi crescendo e a bailarina sempre na parede. Coitadita, mas no se sabe como, envelhecia... Desbotaram-lhe as saias, encheu-se de riscos. E esqueceu, tornou-se esquecida. Nem alegre nem triste, porm sempre de braos no ar e de pernas penduradas. L veio um dia mais tarde em que Gustavo tornou a reparar nela. J ele era um tamanho. Como a bailarina das tias o tinha entretido! E riu-se desdenhoso. Antigamente tinha uma saia cor-de-rosa. A carinha dela que ainda era bonita. At lhe lembrava a da bailarina do Salo Foz. Que bailarina! Como ela danava! Dava s pernas e aos braos quase como aquela. Ele ia tornar a experimentar. No estava ningum, a porta encostada... tirou a boneca para baixo e, como antigamente, sentou-se no cho. J no tinha cordel para se puxar, bolas! Levantou-lhe um brao, depois o outro. Juntou-lhe as mos. A marota tinha graa! Como a outra... Mas a do Foz corria de c para l e dava umas palmadas e umas gargalhadas que alegravam toda a gente. Quando ela se ria riam-se todos. Havia de ir tornar a v-la. E quando ela se sentava no cho a fingir que estava amuada? Parecia mesmo uma garota... Gustavo sorria quelas ideias. A porta, encostada, entreabre-se mansamente e a tia mais nova, j de cabelos grisalhos, pergunta-lhe, amvel: Ainda gostas da bailarina, Gustavo? Foi os teus encantos. E eu no ta dei nunca com medo de que tu a rasgasses. No, minha tia, j no gosto. Estava distrado. No tenhas vergonha! Se quiseres dou-ta por recordao. Muito obrigado, minha tia, no preciso.

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Irene Lisboa, In Uma Mo Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma

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