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O problema do ensino da Matemática

No que toca à Matemática, somos os mais burros da Europa. É isto o que dizem os
peritos, as estatísticas confirmam e os resultados académicos consagram. Perante a
crueza dos factos, haverá argumento capaz de nos redimir, terapia susceptível de nos
livrar desta maleita, credo eficaz para nos resgatar a este carma asinino?
Tentativas não têm faltado. Várias foram as escolas de pensamento a proclamar a
excelência das suas panaceias mas, até agora, todas falharam…
Acreditou-se, inicialmente, que à semelhança do que acontecia com os nomes das serras
e dos rios, da ave-maria, do pai-nosso e da salve-rainha, a solução era decorar as
tabuadas, tê-las sempre na ponta da língua e fazer contas sem contar pelos dedos. E
muito rigor era posto na observação deste particular. Apesar disso, havia sempre alguns,
como o Miranda, que teimavam em esconder as mãos debaixo da carteira e lá
continuavam a transgredir. O professor Esteves bem que o avisava mas, ele, nada. Até
que um dia o professor lhe disse: Miranda uma Miranda duas Miranda três e entalou-lhe
a mão com tanta força na tampa da carteira que desde então ele teve que se fazer
canhoto para grande desgosto da catequista que viu naquilo um sinal do tinhoso. Mas o
delinquente já desprezava tanto os bons princípios que começou a contar pelos dentes,
com a língua, donde resultou que o senhor professor Esteves teve que lhos partir à
punhada para poder implementar, de acordo com os procedimentos regulamentares, as
metodologias em voga. E a verdade é que o Miranda foi ao sítio ou, pelo menos, assim
o julgávamos porque a verdade é que nunca mais conseguimos perceber peva do que ele
dizia. Ora, a excelência deste binómio memorização/porrada acabava, invariavelmente
por ser torpedeado pela natureza intrinsecamente irrealista das aplicações práticas. Por
exemplo: o engenheiro Gaudêncio ganha dois mil escudos por dia. Quanto receberá no
mês de Setembro? Como nesse tempo os engenheiros não tinham folgas nem fins-de-
semana, o pessoal multiplicava trinta por dois e dava sessenta, olhava para o resultado
comparava-o com os magros três mil escudos que o pai levava para casa, achava que
aquilo não podia ser e tirava um zero ao produto. E assim foi tomando forma o mito da
estupidez natural, principalmente entre os mais pobres e os que cheiravam a chulé, em
vez de prevalecer a tese da falta de bom senso e melhor exemplo.
Assistimos, mais tarde, a uma mudança radical do paradigma educativo. Da noite para o
dia, foi decretado que a burrice matemática era uma patologia social a erradicar numa
sociedade mais justa. E atacou-se o monstro: mais anos de estudo, livros mais ilustrados
e mais tu cá tu lá entre os outorgantes do contrato pedagógico. Observou-se uma notável
redução dos níveis de stress por parte do corpo discente, acompanhado por uma
tendência inversa entre as hostes docentes. Porém, as vantagens adquiridas depressa se
eclipsaram no vermelho das pautas apesar dos trabalhadores terem substituído os
engenheiros nos enunciados dos problemas. Ainda houve quem adiantasse a hipótese do
nosso povo padecer desta fraqueza porque tinha o gene da matemática muito apertado
entre o gene do futebol e o gene do cozido à portuguesa mas, como na ocasião o
governo não precisava de desviar as atenções de escândalo nenhum, a teoria não fez
escola. A partir de então, a roda-viva das mudanças acelerou-se tanto que deixei de
tomar nota, a não ser dos resultados que continuam péssimos como antes. Ora, isto dá
que pensar e foi pensando que cheguei à conclusão que os nossos alunos são até mais
perspicazes que os seus pares gauleses ou teutónicos; mais atentos às realidades da vida,
bebendo no real e colhendo no palpável profundas lições de sabedoria. E assim quase
todos eles chegaram à conclusão fatal que, por cá, a matemática não faz falta e que
dominá-la, ao contrário do que se diz, não é investimento que pague. E porquê? Porque
os moços até sabem ler e ligar a televisão. E o que é que vêem, ouvem e lêem? Que
houve uma derrapagem de não sei quantos milhões numa obra de fachada qualquer e a
equipa responsável recebeu um louvor; que o défice real ultrapassou em anos-luz a
fasquia estabelecida pelo executivo e que os seus membros foram punidos com pingues
aumentos; que os números do desemprego são muito superiores aos que constam das
estatísticas oficiais e que os responsáveis pelo erro foram punidos com degredo para o
escalão acima; que o governador do banco central meteu a pata na poça e foi coagido a
receber uma reforma principesca; que o senhor ministro tal deixou um buraco no
orçamento maior que o buraco do ozono sendo por isso condenado a sentar-se em três
conselhos de administração e, por outro lado, que o pai e a mãe que ganham meia-dúzia
de euros pagam mais irs que um banco que ganha um balúrdio; que quando casar vai
comprar uma casa por cem mil euros e pagar por ela cento e cinquenta mil…E aí o
nosso jovem pensa: então neste país só quem erra as contas é que vai longe? E lá se vai
mais um potencial Gauss ou Poincaré…Alguém aí atira a primeira pedra?

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