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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriarrt)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir {1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
I
283

O Homem na URSS

Marxismo, Comunismo
e Cristianismo

O Primeiro Estado Ateu


do Mundo

"Declaración de Los Andes"

SS. Trindade: Fórmula Paga?

María Goretti: Santa por Engaño?

"O que é Religiáo"

O Poder da Mente

NOVEMBRO-DEZEMBRO -1985
PERGUNTE E RESPONDEREMOS Novembro - Dezembro — 1985
Publicado mensal N?283

Diretor-Responsável:
SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB
Fala um grande estudioso:
Autor e Redator de toda a materia
O HOMEM NA URSS 447
publicada neste periódico
A constante perguntá:
Diretor-Administrador
"MARXISMO, COMUNISMO E CRISTIANISMO:
D. Hildebrando P. Martins OSB
DESAFIO OU DIÁLOGO?" por G. Rosa. . . 461
Para onde va i a Albania?
Administracao e distribuicao:
O PRIMEIRO ESTADO ATEU DO MUNDO 473
Edicoes Lumen Christi
Sobre a Teología da Libertacao:
Dom Gerardo, 40-5° andar, S/501
"DECLARACIÓN DE LOS ANDES" 480
Tel.: (021) 291-7122
Caixa postal 2666 Frente ás Test emú nhas de Jeová:
20001 - Rio de Janeiro - RJ A SS. TRINDADE: FÓRMULA PAGA? 486
Um livro que fala alto:
"O QUE É RELIGIÁO", por Rubem Alves. . 496
Assinatura de 1986 (paga até
"Processo" ao Processo de Canonizacáo:
31/12/1985) :Cr$ 80.000
MARÍA GORETTI: SANTA POR ENGAÑO? 506
Para pagamento da assinatura de
1986, queira depositar a importan Fala a Santa Sé:

cia no Banco do Brasil para crédito COMUNHÁO NA MÁO 512


na Conta Corrente n? 0031 304-1
Dois Livros sobre
em nome do Mosteiro de Sao Bento
O PODER DA MENTE 514
do Rio de Janeiro, pagável na Agen
cia da Praca Mauá (n? 0435) ou en Relacoes sexuais e prazer:
viar VALE POSTAL pagável na "REPRESSÁO SEXUAL, ESSA NOSSA (DES)
Agencia Central dos Correios do CONHECIDA" por Marilena Chauf 522

Rio de Janeiro. Por urna "Erótica Crista":


"SEXUALIDADE, LIBERTACÁO E FÉ . . . 525
Jesús: Revolucionario Político? 531

RENOVÉ QUANTO ANTES


A SUA ASSINATURA
NO PRÓXIMO NÚMERO
284 - Janeiro - 1986
A Crise da Catequese. — Entre o Homem
COMUNIQUE-NOS QUALQUER
e a Mulher" (D. von Hildebrand). - "Proble
MUDANQA DE ENDERECO
mas de Bioética" (A.C.Vargas). - O Direito
ao Foro Intimo. - A Escola Particular: Signi
Composicáo e Impressao:
ficado.
"Marques Saraiva"
Santos Rodrigues, 240
Rio de Janeiro COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA
Que nos Diz o Natal

Natal é a festa da Encarnacáo do Filho de Deus. Este se fez homem,


dignificando enormemente a natureza humana. Importa-nos aprofundar o
significado desta afirmacao.

A dignidade do ser humano, capaz de dominar a natureza que o cerca,


já era apregoada pelos pensadores gregos. Sófocles, por exemplo, em 441
a.C. escrevia na sua pepa Antígona:

"Numerosas sao as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o


homem. Através do mar. . . impelido pelo vento sul, o homem avanza e
passa sobre as vagas volumosas que rugem em torno dele. A divindade supe
rior a todas as outras, a Térra ¡mortal, inesgotável, ele consegue cansá-la com
seus arados, que, ano após ano, vio e voltam por cima déla, revolvendo-a
com animáis de raca equina.
Os pássarvs ligeiros, ele os apreende e captura; as hordas de animáis
selvagens e os seres marinhos do océano, o homem inventivo apanha-os ñas
dobras das redes tecidas. Ele domina também, por meio de armadilhas, o
animal agreste, montanhés; e, o cávalo de pescoco felpudo, o homem há de
conduzi-lo sob o jugo que o mantém preso dos dois lados, fazendo o mesmo
com o incansável touro das montanhas.
Ele sabe fugir das investidas... das penosas geadas e das chuvas impor
tunas, pois ele é fecundo em recursos..."

Todavia o autor verifica que, apesar do poderío de sua inteligencia, o


homem nao consegue dominar a Morte (o Hades). Esta é inexorável e insa-
ciável;cf. Antígona vv. 333-375. Para os gregos, precisamente a athanasía
ou a imortalidade distinguía dos deuses os homens; aqueta era o privilegio da
divindade, intransferível para os moríais.

A literatura bíblica do Antigo Testamento apresenta-nos no salmo 8


semelhante exaltacao do dominio do homem sobre as demais criaturas. . .,
com urna diferenga, porém: o salmista vé em Deus a fonte da grandeza do
homem; recordado de que este é imagem e semelhanca do Criador (cf. Gn 1,
26-28), o judeu atribuía á munificencia do Senhor Deus as prendas do ho
mem: "tudo colocaste sob os seus pés: ovelhas e bois, as aves do céu e os
peixes do océano..." (SI 8,7-9). Todavia o salmista também diría com o
cantor grego que a Morte é realmente indomável; o homem Irte sucumbe sem
poder interpor recurso (cf. Pr30,15s).
Esta imagem, luminosa e ao mesmo tempo sombría, do homem have-
ria de ser completada no Novo Testamento com a mensagem de Jesús Crís-

445
to. Sim; o Apostólo Sao Paulo aplicou o SI 8 ao Messias; sonriente Jesús Cris
to realiza o pleno dominio sobre as criaturas, inclusive sobre a Morte. Sao
palavras de 1 Cor 15,25-28:

"É preciso que Ele (o Cristo) reine até que terina posto todos os seus
inimigos debaixo dos seus pés. O último ¡nimigo a ser destruido será a Mor
te, pois Ele (o Pai) colocou tudo debaixo dos pés do Cristo... E, quando to
das as coisas Ihe tiverem sido submetídas, entao o próprio Filho se submete-
rá Áquele que tudo Ihe submeteu, para que Deus se/a tudo em todos". Ver
também Ef 1,22.
Em Hb, 2,8 o autor sagrado lembra que a vitória sobre a morte so es
tará consumada quando o último cristao tiver ressuscitado.

Por conseguinte, em Cristo os aspectos sombríos da poesia de Sófocles


e do SI 8 se tornam lúcidos. Nenhum adversario, nem o mais implacável, per
manece invenci'vel ao homem, que é chamado a participar da ressurreicáo de
Cristo.

Ora certa vez o Apostólo SSo Paulo no Areópago, ou seja, na Atenas


de Sófocles, anunciou aos filósofos o ideal do homem novo, recriado pelo
Cristo. Quando, porém, o ouviram falar de ressurreicáo, escarneceram-no e
foram-se embora; nao entendiam a noti'cia da vitória sobre a morte, que era
bela demais para nao parecer utopia, sonho ou narrativa mitológica! Cf. At
17,30-33.

Oepois desta experiencia, Sao Paulo dizia que nada mais quería saber
senao Jesús Cristo... e Jesús Cristo crucificado (cf. 1Cor 2,1s).
Na verdade, a sabedoria humana nao é capaz de atingir o arcano de
Deus. Este é grandioso demais para que o homem por si só possa crer que é
veidade. Nao obstante, o Apostólo o afirma ainda em outra passagem: "Tu
do vos pertence: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas
presentes e as futuras. Tudo é vosso, mas vos sois de Cristo, e Cristo é de
Deus" (1Cor 3,21-23).
A nos, cristaos, o Natal de 1985 dirige mais urna vez a mensagem do
verdadeiro humanismo: é na seqüela do Cristo, que se fez pequenino, em
plena obediencia ao Pai, que nos é aberto o caminho para a vitória sobre o
mais ferrenho dos inimigos, que é o Hades ou a Morte. Esta senda passa cer-
tamente pela sexta-feira santa, mas é penetrada pela luz da imortalidade.

A todos os nossos leitores e amigos desejamos neste Natal


a mais intima participado no misterio do Cristo com todas as
suas facetas, em penhor de um 1986 cada vez mais prenhe dos
valores eternos!

E.B.

446
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXVI - N?283 - Novembro-dezembro de 1985

Fala um grande estudioso:

0 Homem na URSS1
Em símese: O marxismo prometeu a "Hbertacao"do homem alienado
e oprimido pelas estruturas sócio-económicas capitalistas. Eis, porém, que,
após setenta anos de regime marxista na URSS, se verilea que o homem so
viético é ferído em seus direitos fundamentáis: direnos de pensar e agir livre-
mente, de cultuar a Deus, de possuir bens, de eleger os seus governantes, e
julgá-los e até mesmo. . . do direito de morrer de acordó com os ditames da
sua consciéncia. O Estado, que devería desaparecer segundo Marx, cedendo
lugar a urna sociedade sem classes e sem coaclo, se hipertrofiou, tornándose
extremamente burocrático e poderoso; o regime antinatural imposto aos ci-
dadaos soviéticos só se pode manter sufocando a voz do povo mediante a
forca das armas. A hierarquia da Igreja Ortodoxa Russa, a principio intensa
ao regime materialista de Lenin, foi-se adaptando aos poucos á nova sitúa-
cao, tornándose colaboradora do Estado materialista ateu. Há, porém, nu
merosos cristaos heróis que resistem ao regime e alimentam a fé nao somen-
te com seu testemunho de vida, mas também com sua palavra difundida
através de rede clandestina dita Samizdat.

A historia da Filosofía mostra que o pensamento humano se tem vol-


lado sucessivamente para o cosmos (filosofía greqa), para Deus (filosofía me
dieval) e para o homem (filosofía moderna e contemporánea). O marxismo
é, precisamente, um espécimen de pensamento moderno contemporáneo
atento ao homem enquanto ser social. Vejamos, pois, como é considerado
o ser humano com seus diversos aspectos (jurídico, económico, religioso, so
cial. . .) dentro do sistema derivado de Karl Marx e vigente nos países da
URSS.

1
Este artigo resolta da condensacao de um estudo de 54 páginas da lavra do
Prof. Dr. Gregorio R. de Yurre, da Faculdade de Teología de Victoria
(Espanha). O trabalho original, escrito em espanhol, tem por título "El
Hombre en el seno del Comunismo" e deve integrar as Atas do 76? Coloquio
Internacional de Filosofía reafizado no Rio de Janeiro, de 30/07 a 5/08/85.

447
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

1. O homem e os direitos humanos

O fundamento último do qual se deriva todo direito humano segundo ■


Marx, é o modo de producá*o. O Direito, a Moral, a Política, a Religiáo, as
Artes.. . seriam fenómenos suscitados e orientados pelas diversas formas de
producao.

A modalidade capitalista, conforme Karl Marx, suscitou duas classes


antagónicas na sociedade: a dominante, possuidora dos me ios de producab, e
a dominada, obrigada a vender seu trabalho em troca de salario, porque ca
rece dos referidos meios. A classe dominante ciia o Estado repressivo para
manter submissa a classe dominada.
Ao contrario, a forma comunista de producao, extinguindo a proprie-
dade privada, extinguiría as classes ¿ o Estado mesmo;a sociedade e o povo
deveriam, ao termo de processo, autodirigir-se. O Estado existirá apenas na
fase de transicáo da sociedade capitalista para a comunista, tomando o as
pecto de "ditadura do proletariado".
Eis, porém, que a realidade concreta tem desmentido todas as previ-
soes de Marx: a partir da revolucao comunista russa de 1917, o Estado to-
mou proporcces nunca dantes atingidas e cercou-se de burocracia e leis des-
conhecidas até entao.
A razáo deste fenómeno, em grande parte, é a mudanca da teoria do
Oireito que se deu na URSS, especialmente na era de Stalin. Com efeito.em
vez de urna teoria do Dirf ¡to objetiva (o modo de producáo determinaría o
direito), Josef Stalin adotou urna teoria subjetiva, segundo a qual a fonte do
direito é a vontade do Estado ou, melhor, a vontade do ditador (Stalin),
pois, se alguém pode dizer: "O Estado sou eu", tal foi Stalin. A vontade de
Stalin seria a do partido; a vontade do partido seria a da classe e a vontade
da classe proletaria seria a de todo o povo. Isto acarretou urna inversao da
tese marxista; em vez de se ter a producao como fonte da ordem jurídica,
social e política, estipula-se a vontade de Stalin como determinante do mo
do de producao e também de todo o modo de pensar e viver da populacao: a
ditadura comunista é que define os direitos dos cidadaos e Ihes impoe urna
filosofía de vida atéia e materialista incutida pelos meios de educagáo e co-
municacao do país.
Para justificar esta inversao dos fatores, os ideólogos comunistas con
temporáneos afirmam que o Estado Soviético, com sua vontade e suas leis, é
a expressao da vontade do povo. O povo se identifica com o Partido Comu
nista; este, por sua vez, subsiste na oligarquía.
A identificacao do Partido com o povo permite dizer que o regime co
munista de partido único nao é urna ditadura, mas um "regime democrático
popular"; o exército, a policía e todas as instituicóes encamariam a vontade
do povo inteiro. Este fato explica também que os direitos garantidos pela
Constituicao Soviética beneficiam tao somente os militantes do Partido, fi-

448
O HOMEM NA URSS

cando excluidos dos mesmos os cidadaos que nao compartí I he m a ideologia


oficial;estes nao seriam membros do povo propriamente ditos.
Notemos, alias, que o leninismo favoreceu a evolucáb do marxismo.
Segundo Lenin, a forpa motriz da revolucao nao é a rejeicSo do modo de
producao capitalista avancado (que nao existia na Rússia dos Czares), nem é
a massa proletaria, mas, sim, uma minoría de intelectuais, que percebem as
possibiüdades de uma revolucao em determinado momento e manipulam o
proletariado até alcancar a vitó ría final sobre a burguesía. Em toda parte,
alias, onde o comunismo vence, é o produto de uma minoría de revolucio
narios intelectuais que sabem manipular a massa.
A nova Constituicáo, promulgada em 1977 sob o mandato de Breznev,
é porta-voz de tais concepcoes. O seu artigo 7?assim reza:

"O Partido Comunista da Uniao Soviética éa torca que dirige e orien


ta a sociedade soviética; é o núdeo do seu sistema político, das organizares
do Estado, das organizacdes sociais. . . Armado com a doutrina marxísta-fe-
ninista, o Partido Comunista define a perspectiva geral de desenvolvímentó
da sociedade, as diretrizes da política interior e exterior da URSS. Dirige a
grande obra criadora do povo soviético, confere caráter organizado e cienth
ticamente fundado a sua Iuta pela vitória do comunismo".

O cap. 7o dessa Constituicao aborda os direitos dos cidadaos, que vém


a ser meramente ficticios. Assim, por exemplo, o art.48 reconhece "o direito
de eleger e de ser eleito pera os Sovietes (conselhos)... e para os demais ór-
gaos eletivos do Estado". - Todavía nao se pode falar de eleicao, quando só
existe uma opcao imposta pelo Partido único; em tal caso, o povo pode vo
tar, sim, nao, porém, escolher ou eleger.

O art. 50 da mesma Constituicao reza: "Sao garantidas aos cidadaos da


URSS as líberdades de palavra, imprensa. reuniSo, comido, desfile e maní-
festacSo ñas rúas". - Eís outra frase meramente propagandista, pois todos
os cidadaos nao comunistas que até hoje tentaram fazer uso desse direito,
foram encarcerados ou levados a Centros Psiquiátricos ou a campos de con-
centracao ou exilados. A nao observancia de tal artigo é ilustrada pela exis
tencia de uma rede dandestina de publicacóes chamada samizdat, das quais
muitas tém passado nao só de cidade em ddade na URSS, mas também para
o estrangeiro. A liberdade de reunír-se nao existe nos países comunistas,
como bem ilustra a historia do proscrito sindicato "Solidariedade" da Polo
nia.

O art. 54 da Constituicao de 1977 afirma: "A invíolabilidade da pessoa


é garantida a todos os cidadaos da URSS. Ninguém pode ser preso senSo na
base de uma decisao judicial ou do procurador". — Ora sábese que milhoes
de pessoas na URSS foram presas, exiladas e assassinadas sumariamente,

449
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Nem pode haver tríbunais imparciais na Rússia, visto que os seus membros
sao indicados pelo Partido e sujeitos as decisoes deste.

O art. 62 assim reza: "A defesa da patria socialista é dever sagrado de


todo cidadao da URSS". — Nótese que é mencionada a "patria socialista"
e nao simplesmente "a patria". A patria identificase com os membros do
Partido Comunista. Marx, de resto, proclamou: "Os trabalhadores nao tém
patria" (Manifestó, em Werke, Dietz, 4, p. 479).
Vése, pois, que no marxismo a pessoa humana se toma urna peca da
sodedade, identificada com o Partido e o regime comunista, sobre cujo altar
é sacrificada a liberdade dos individuos e da co/etividade. Opovo está a ser-
vico do Partido e das suas metas, e nao vice-versa.

2. Leis Soviéticas atinentes á Religiao

0 pensamento maxista é viscerolmente ateu, isto é, implica oposipáo


insuperável entre a natureza, o homem, a sociedade, de um lado, e Deus, do
outro lado; aqueles seriam auto-suficientes, e nao necessitariam de Criador
nem Salvador. A aniquilacao de todo tipo de Religiao é parte de qualquer
programa comunista.
Em conseqüéncia, eis as principáis invectivas do regime socialista russo
contra a Religiao:

1) Aos 23/01/1918 um decreto do governo leninista estipulava:

Art. 1?: "A Igreja é separada do Estado".


Art. 2° : "A livre realizacao de ritos religiosos é garantida na medida
em que nao perturbem a ordem pública e nao firam os direitos dos cidadaos
da República Soviética".
Art. 9? : "A escola é separada da Igreja. E* proibido o ensino de dog
mas religiosos em estabelecimento de ensino do Estado, assim como ñas ins-
tituicoes do ensino particular, em que sao lecionadas materias gerais".
Art. 12: "Nenhuma associapao religiosa ou eclesiástica tem o direito
de possuir alguma propriedade. Também nao goza dos direitos de pessoa ju
rídica".

Observe-se que, no caso, a separacao de Igreja e Estado nao se deve en


tender como nos países ocidentais, onde implica liberdade religiosa para os
diversos Credos. O Estado Soviético é confessional ateu e tende a impor a
todos os cidadaos a filosofía do ateísmo materialista, como se depreende dos
subseqüentes decretos.

2) O decreto de 18/04/1929 fazia serias restricoes a atividades religio


sas, exigindo que fossem promovidas por grupos devidamente registrados e
dentro de limites territoriais bem definidos.

450
O HOMEM NA URSS

3) A Instrucao de 1961 formulava novas restricoes ao registro de asso-


ciacoes religiosas:© seu caráter "anti-governamental ou fanático" poderia ser
empecilho decisivo.

4) Finalmente a Constituicao de 1977 ainda explícita em seu art. 52:


"Os cidadaos da URSS tém garantida a liberdade de consciéncia, isto é, o
direito de professar qualquer religiáo ou mesmo nenhuma, de celebrar os
cultos religiosos ou de propagar o ateísmo". Este artigo, como se vé, conce
de ao ateísmo um direito que nao toca á relig¡ao:o de propaganda. Sabe-se,
alias, que os órgaos de divulgacao do ateísmo (revista, museus, cursos. . .)
gozam do apoio do Estado Soviético; o ensino ñas escolas é oficialmente
ateu, coagindo os alunos a professar o ateísmo. Para a Igreja nao resta urna
escola, um periódico, um meio audio-visual.

A liberdade de culto é cerceada de varias maneiras:


Nos novos suburbios ou povoados é proibida a construcao de lugares
de culto. Os templos, mosteiros e Seminarios antigos foram fechados ou des
truidos em sua maioria. Em 1917 havia na Rússia 78.757 igrejas e cápelas;
em 1941, eram somente 8.330. Por ocasiSo da segunda guerra mundial
(1939-1945) Stalin adotou táticas mais brandas, pois precisava de unir toda
a populacao russa em torno do ideal da defesa da patria; em 1949, o presi
dente do Comité para os Assuntos da Igreja Ortodoxa mencionava a existen
cia de 22.000 igrejas ortodoxas. Todavia na era de Kruschev (1958-1964) re-
crudesceu a onda anti-religiosa — o que redundou em fechamento de tem
plos, destruicao de icones e outros objetos sagrados.

Estes dados evidenciam que, apesar do que rezam os textos oficiáis,


nao existe na Rússia liberdade religiosa. O Estado nao é neuro frente á Re-
ligiao, mas é-lhe francamente hostil, como será demonstrado sob o subtítulo
seguinte.

3. O Estado e as expressoes religiosas

O principio fundamental que inspira o Estado Soviético frente á Reli


giáo, é a sua vinculacio com o ateísmo, filosofía oficial que é imposta a to
dos os cidadaos da URSS. Sendo totalitario, o Estado nao se contenta com
o controle do comportamento exterior dos cidadaos, mas quer dominar tam-
bém o íntimo dos mesmos.

3.1. Dois axiomas

Para apoiar as suas atitudes, o Governo professa dois axiomas:

1) A Religiáo é a negacao da ciencia. Com efeito; conforme o marxis


mo, o mundo é eterno e auto-suficiente; a vida resulta da evolucao da albu-

451
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

mina. As explicares religiosas atinentes á origem do mundo e dos viventes


sertam fantasiosas, alheando o homem ao uso da razao como se tomasse
opio ou como se fugisse ao estudo dos problemas das ciencias naturais e da
historia. Esta é concebida em tres estagiosia) o homem pré-histórico terá si
do arreligioso; b) o homem organizado em sociedades, com suas classes anta
gónicas, criou a Religiao para impor o dominio de uns sobre os outros; c) a
supressao das classes sodais acarretada peto comunismo será também a morte
da Religiéo1. O Cristianismo, em particular, é tido como um conglomerado
de crencas orientáis e mitológicas.
Acontece, porém, que a ciencia nao vé como explicar o universo sem
que tenha tido um princi'pio. O movimento perpetuo que o marxismo pos
tula, nao é aceito pelos cientistas mais abalizados, de modo que a posicao
atéia nao somente se torna um postulado gratuito, mas parece entrar em
confuto com a ciencia. É o que confessa um ateu soviético nos seguintes ter
mos:

"O que me fere. . . é que atualmente o ateísmo parece querer renun


ciar á verdade, visto que nao encara os fatos e os argumentos que Ihe contra-
dizem. Procura dar expiicacao ao universo e, nao o conseguindo. oculta sua
incapacidades. A impossibilidade de construir o perpétuum mobile? foi de
monstrada científicamente. Somente os ateus nao Ihe deram crédito. Segun
do eles, o sistema do universo, construido sobre o principio do perpétuum
mobile, está em movimento desde sempre, sem receber energía suplementar.
Certamente nao sabemos quem esté em erro: a ciencia ou os ateus. Pode ser
que naja urna terceira solucao. Mas é inegével que esta questao nao está re-
solvida. Quando os ateus, mantendo-se em suas conviccoes, declaram que
créem nelas apesar da ciencia e da lógica, parece-me que estao repetindo o
Creio porque absurdo de Tertuliano e que eles nao deveriam identificar com
a ciencia a sua cren$a no absurdo" (em Nauka i Religia 3,1962, pp. 30sJ.

2) A Moral revolucionaria opoe-se á Moral crista*: O marxismo nega a


universalidade dos principios da Moral; cada classe social teña a sua Ética;
esta, portanto, é variável no tempo e no espago, ao contrario do que ensina
o Cristianismo. Observe-se que a Declaracab Universal dos Direitos Humanos,

' A tese comunista é concebida aprioristicamente e contraditada por


minuciosas pesquisas da Etnología moderna entre os povos mais pri
mitivos existentes sobre a face da térra: comprovaram que tais trióos
professam urna fé monoteísta, admitindo um Deus que transcende a
natureza. Vejamse as obras de Willhetm Schmidt e da Escola Anthro-
pos de Viena (Austria), entre as quais: W. Schmidt, Der Ursprung der
Gottesidee, 6 vóls. e Die Stellung der Pygmaenvolker in der Entwick-
lungsgeschichte des Menschen. Stuttgart 1910.
2
Um ser posto em perpetuo movimento.

452
O HOMEM NA URSS

promulgada pela ONU em 10/12/48, nao foi assinada pela URSS nem foi
publicada neste país, sob o pretexto de que se tratava de direitos burgueses
e, por conseguinte, subversivos.
Praticamente a Moral marxista é apresentada como "a Moral do prole
tariado"; visto, porém, que este é identificado com o Partido Comunista, é a
Moral do Partido e, em última instancia, a do seu Chefe. Essa Moral prega o
patriotismo, que, propriamente, significa no caso "servilismo ao Partido".

Para desenvolver sua acab antirreligiosa, o Estado soviético dispoe de

3.2. Meios de propaganda e coercao

1. Em fevereiro de 1922 foi criada a Editora "O Ateneu" para difusáo


de escritos materialistas.
Por ocasiao do Natal desse ano, organizou-se o primeiro Carnaval des
tinado a escarnecer a festa crista. O mesmo foi feito por ocasiao da Páscoa
no ano seguinte.
Em 1925 fundou-se a Liga dos Sem Oeus, devida ao judeu E. laroslavs-
ky e difusora de duas revistas anti-religiosas: Bezbojnik e Antireligioznik
(Os Anti-religiosos). Essa Liga concebeu um plano de extirpacao da Religiáb
que se desenvolvería por etapas até 1937, mas que redundou em fracasso
total.
Em 21/06/1941 A. Hitler comecou a atacar a Uniao Soviética. O rá
pido progresso das tropas nazistas levou Stalin a amainar as medidas perse
cutorias: em setembro de 1941 suprimiu os referidos periódicos e a Liga dos
Sem Deus. Todavía em 1960 nova onda de publicacoes anti-religiosas encheu
o país.
2. A imposicao da ideología oficial do Estado tem particularmente em
mira as enancas e a juventude.

O Governo Soviético já arrebatou filhos aos pais porque estes Ihes mi-
nistravam educacao religiosa. Urna serie de entraves é colocada para que as
enancas nao sejam batizadas. Todo cidadao russo que solicite o Batismo pa
ra si ou para seu filho, tem que apresentar urna autorizacao do Estado; tém-
se visto pais que pedem o Batismo para seu filho com lágrimas nos ólhos,
sem o obterem, porque nao apresentam ao sacerdote o documento civil ne-
cessário (mas recusado pelos sovietes). Apesar de tudo, é elevado o número
de batizados na Rússía; há quem diga que sobe ao montante de 70% entre
as enancas. O fiel batizado, caso seja reconhecido como tal, difícilmente po
de galgar os graus de ¡nstrucá"o superior; também fica praticamente excluido
dos postos mais vantajosos da adminístracáo civil, do Exército, da ordem
económica e industrial. É vilipendiado nos lugares em que estude ou traba-
Ihe; seu nome pode aparecer na imprensa com observacoes caluniosas ou
zombeteiras.

453
10 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Aos menores de 18 anos proibe-se a participacab nos cultos religiosos.


Nos dias de festa a policía impede a entrada dos jovens ñas igrejas. Os livros
escolares sao sempre inspirados por principios anti-religiosos; para entrar nu-
ma Universidade, o jovem deve fazer profissáb de ateísmo.
Essa interferencia do Estado na educacao é justificada pela alegacao
de que a crianca e sua familia sao parte da sociedade socialista; em conse-
qüéncia, a formacáo doutrinária da crianca deve ser tarefa da sociedade so
cialista.
Semelhantes obstáculos sao postos á assisténcia religiosa dos enfermos:
nem nos hospitais nem ñas casas particulares é lícito aos sacerdotes adminis
trar os sacramentos aos doentes. Nem mesmo após a morte o Estado soviéti
co totalitario liberta os seus súditos: nao é permitido á familia ou á Igreja
realizar o rito do enterro; este fica a cargo de órgaos do Governo.
Todos os sacerdotes tém que ser registrados nos respectivos sovietes;
isto, porém, nao implica aprovacao para exercerem o culto. O Governo tem
recusado a prática do ministerio a sacerdotes e diáconos mais críticos e ar
rojados e tem favorecido as atividades de ministros dóceis á pol ítica oficial,
mas ainda assim sonriente dentro dos limites do seu lugar de domicilio.
Pergunta-se agora: qual tem sido a atitude específica dos cristaos rus-
sos frente ao marxismo?
4. A Igreja Ortodoxa1 e o regí me
Podemos distinguir tres fases nesse relacionamento:

1) Período de confronto

No inicio da revolupáo russa (1917) o Patriarca Tikhon e a hierarquia


ortodoxa condenavam os violentos abusos cometidos por Lenin e seus se
guidores: homicidios, queima de igrejas e objetos sagrados... O Santo Sí
nodo de Moscou tomou medidas para salvar as instituicoes da Igreja: reco-
mendou, entre outras coisas, que as paróquias e os mosteiros se transformas-
sem em sociedades de beneficencia, que gozavam de existencia legal, a fim
de preservar os bens da Igreja.
A reacao forte da hierarquia calou fundo na populacao russa e impres-
sionou as autoridades revolucionarias, que deram ordens aos seus subalter
nos de nao ferir os sentimentos religiosos do povo.
Todavía 3 Igreja Ortodoxa se dividiu. Separou-se do Patriarcado de
Moscou urna faccSo chamada "Igreja Viva", aos 23/04/1923: os seus mem-
bros se diziam progressistas e propugnavam a colaboracao com o Governo

1Por Igreja Ortodoxa entendemos os cristaos orientáis que se separaram


da Santa Sé em conseqüéncia do cisma do patriarca Miguel Cerulário
de Constantinopla em 1054, Os cristaos da Rússia aderiram a essa rup
tura.

454
OHOMEMNAURSS 11

ateu, submissao ás exigencias do Soviet Supremo, mais ampias faculdades


para os presbíteros em detrimento da jurisdicao dos Bispos, a extincáo da
vida monástica e orientacao liberal-racionalista no setor da fé. Aos 03/05/
1923, tal faccfo tomou a resolucab de extinguir o Patriarcado de Moscou
como incompatívelcom a condliaridade; afirmava ainda que somente o Go-
vemo comunista realiza neste mundo o reino dos céus. O movimento assim
oriundo contava com o pleno apoio do Governo de Moscou; era o preludio
do que em nossos dias se chama "a Igreja Patriótica" na China, na Tchecos-
lováquia, na Hungría, etc.
O Patriarca Tikhon sofreu duro golpe em conseqüincia e acabou por
fazer uma surpreendente "confissao", . . . urna das muitas que na era stali-
niana e depois ocorreriam nos pai'ses comunistas, como resultado de torturas
e lavagens de cránio. Eis a confissao de Tikhon:

"Tendo sido educado em sociedade monarquista e encontrando-me


sob a influencia de pessoas antisoviéticas até que fui preso, eu era hostil ao
poder soviético, e esta hostilidade passava ás vezes do estado passivo a atos
comuns como a mensagem por ocasiao da Paz de Brest em 1918, o anatema
lancado contra o poder nesse mesmo ano, o protesto contra o decreto de
confíscacao dos objetos preciosos da Igreja em 1922. Todas as minhas ativi-
dades antisoviéticas, juntamente com algumas fainas, estio expostas na ata
de acusacao do Tribunal Supremo. Reconhecendo a fundamentacao da deci-
sao do Tribunal que me julgou, conforme os artigos do Código Penal men
cionados na ata de acusacao, por ativitiades antisoviéticas, lamento estas
faltas contra o regíme estabelecido e peco ao Tribunal Supremo que me co-
mute a pena, isto é. me absolva do encarceramento.
Declaro ainda ao Tribunal Supremo que, para o futuro, já nao serei
um inimigo do Poder Soviético. Eu me afasto definitivamente e decidida
mente da Contra-RevolucSó dos Monarquistas do Exército Branco no inte
rior do país".

Esta "confissao" foi assinada pelo Patriarca em 16/06/1923 e publica


da pelo jornal Izvestia de 27/06 seguinte.
O depoimento de Tikhon, espontáneo ou forcado (nao o sabemos},
provocou uma guiñada de 180?na conduta da Igreja Ortodoxa frente ao Es
tado bolchevista; de contestataria passou a sersubmissa.chegando acair no
servilismo diante de um Estado decidido a aniquilar por completo a Reli-
gifo.
Os últimos temposdo Patriarca foram muito vigiados pela Policía, que
o prendeu mais de uma vez. A saúde foi declinando, até que morreu em abril
de 1924 com estas palavras nos labios: "A noite será longa e muito densa".
Dos seus funerais participaran) cerca de 300.000 pessoas, que o cultivaram
como um mártir e um santo.

455
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

2) Em busca da conciliacao

Ao Patriarca Tikhon sucederam-se os metropolitas Pedro de Polians-


ky, que acabou desterrado, e Sergio Stragorodsky. Este, pressionado pelo
governo, assinou aos 24/07/1927 a seguinte Declaracao:

"Em nome de toda a nossa hierarquia e dos nossos fiéis, don teste-
munho, petante o Poder Soviético, da nossa sincera vontade de sermos cida-
daos plenamente respeitadores das leis da Uniao Soviética, desermos fiéis ao
seu Governo e de manter-nos totalmente á margem dos partidos políticos e
de qualqueratividade que possa prejudicar a Uniao Soviética".

Esta atitude do Patriarca Sergio podia equivaler a urna especie de Con


cordata entre a Igreja Ortodoxa e o Governo Russo: aquela nao se imiscui-
ría em assuntos de ordem civil e política, e este nao interviria em questoes
internas da Igreja. Cornudo o gesto do Patriarca suscitou hesitacoes e des
confianzas, de modo que se abriu novo cisma na Igreja Russa (o anterior,
dito "da Igreja viva", se extinguiría): desta vez era a ala tradicional dita "Jo
sefina", que se separava sob a chefia do Patriarca Joseph Petrovyky, de Le-
ningrado; os dissidentes preferiram enfrentar a perseguido a submeter-se ao
Comunismo. O Patriarca Sergio procurou justificar sua atitude conciliatoria,
mas em váb.

A invasao da Rússia por parte das tropas alemas de Hitler em 1941


contribuiu para mais ainda aproximar a Igreja Ortodoxa e o Governo Stali-
nista; nao somente Stalin suspendeu medidas persecutorias, também o Patri
arca exprimiu sentimentos patrióticos (embora sem falar do regí me soviéti
co e do seu exército). Por ocasiáo do 25?aniversário da República Socialista
(novembro de 1942) o Patriarca Sergio enviou um telegrama de felicitacóes
a Stalin. Veio finalmente a morrer aos 15/05/1944 .

3) Período de submissáo

Ao Patriarca Sergio sucedeu Alexis de Leningrado. Este, no inicio de


seu ministerio eclesiástico, fora contrario ao govemo comunista; mas pas-
teriormente se colocou ao lado do Patriarca. Por ocasiao dos funerais deste
declarou: "Rogo a Oeus que seja concedido a nos, teus discípulos, seguir
com firmeza inquebrantável a única via que nos tragaste, e configurar-nos
aos ensinamentos que nos legaste e que sao sagrados para nos". Tais ensina-
mentos consistiam em guardar fidelidade aos cánones da Igreja e respeitar
o Estado Soviético.

Eis, porém, que em breve o novo Patriarca fez concessoes ao Governo


Stalinista. Com efeito, o primeiro ato público do prelado foi o de escrever
ao ditador urna carta de submissáo, em que dizia:

456
OHOMEMNAURSS 13

"Trabalhando em perfeita uniao com o Conselho para os Assuntos da


Igreja Ortodoxa, eu mesmo e o Sínodo instituido pelo Patriarca defunto es
taremos seguros contra todo tipo de erro e de falsos passos. Eu vos rogo, no-
norabil fssimo e caro Joseph Vissariovitch, que aceitéis este testemunho im
pregnado de conftanca e creíais nos sentímentos de profundo amor e de re-
conhecimento que animam todos os membros ativos de Igreja colocados sob
a misnha orientacáo".

A carta fo¡ publicada pelo jornal "Izvestia" de 21/03/1944. Tal do


cumento ¡a além do que procurara o Patriarca Sergio, pois nao apenas pro
metía boa vivencia, mas, sim, submissao.

Em 1946, após a Vitoria das armas russas sobre as alemas, Alexis pedia
aos seus fiéis a intensificacao das oracoes em favor da nacao russa e de suas
autoridades "presididas pelo sapientíssimo Chefe que a Providencia Divina
escolheu e ¡nstituiu para dirigir a patria na estrada da prosperidade e da
gloria" (C.J. DUMONT, L'Eglise Orthodoxe Russe Face ao Communisme,
em Cahiers Idees et Forces 7-8, pp. 22-24.
Para come morar o 709 aniversario do nascimento de Stalin, o Patriarca
Alexis publicou na Revista do Patriarcado urna fotografiado ditador e urna
carta assinada por todos os membros do episcopado, que dizia:
"Experimentamos em todos os instantes da nossa vida civil e religiosa
os resultados positivos de vossa sabia direcao e nao podemos ocultar nossos
sentímentos. Em nome da Igreja, nos vos exprimimos, caro Joseph Vissario-
novitch, no día de vossos setenta anos, nosso profundo agradecímentó; e,
ao dirigir-vos estas calorosas felicitacoes por ocasiao deste día tao cheio de
significado para nos que vos amamos, elevamos nossas oracoes pela consoli-
dacao de vossas torcas e o bem-estar de nossa grande patria e louvamos o
horofsmo com o qual a ela servís e nos mesmos nos inspiramos em vosso
heroísmo".

Dessa data em diante, o episcopado ortodoxo aceitou plenamente a


política governamental, inclusive as leis contrarias á educacSo religiosa e á
vida sacramental dos fiéis.

Alexis teve como sucessor o Patriarca Pimen, ao qual o Premio Nobel


Soljenitsyn dirigiu urna carta de censura ao servilismo adotado pelo episco
pado. Sob o pastorado de Pimen muitas igrejas foram fechadas ou destruidas
por Kruschev, fato diante do qual o Patriarca declarou que "as igrejas eram
fechadas livre e espontáneamente".

' Em fevereiro de 1946 o bispo Michel Zernov convidou os fiéis a votar


na lista única apresentada pelo Governo em dia de eleicao, alegando que em
nenhum país "a Igreja goza de condicoes de existencia tao favoráveis quan-
to na URSS"...

457
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

No plano internacional, a Igreja Ortodoxa apoia o Moví mentó em favor


da Paz instaurado por Joseph Stalin. Esta mocáo professa que a paz só é
possível no mundo comunista, pois este é essencialmente democrático e pa-
ci'fico; o capitalismo seria o foco de todas as guerras. O Moví mentó propug
na o desarmamento alegando que a Rússia se arma para defender a paz. Se
a Rússia intervém em outros países para impor seu dominio (tenham-se em
vista a Hungría, a Tchecoslováquia, o AfeganistSc. . .), ela o faz paraofere-
cer ajuda desinteressada e amiga a povos atacados por infiltracoes imperialis
tas.

A esta altura convém notar que a hierarquia ortodoxa russa tem exal
tado a teología da libertacáo (TL). E isto por duas razoes principáis:
1) a TL está bem na linhada política revolucionaria do Kremlin. Com
efeito; a América Latina é objeto de especial atencáo da Rússia comunista;
ora a TL faz o jogo do expansionismo russo comunista;

2) a TL é apta a provocar divisoes na Igreja Católica. Esta assim enfra-


quecida já nao será obstáculo á penetracáo do imperialismo soviético na
América Latina.
Entende-se que a hierarquia ortodoxa, assim aliada ao governo sovié
tico, ataque o Vaticano com veemértcia. Foi o que se deu durante a Confe
rencia Pan-Ortodoxa, de 9 a 17/07/1948, a qual deixou ao público um do
cumento onde se lé:

"(Os Papas) sempre estiveram do lado dos poderosos deste mundo e


contra os debéis e explorados. Agora também o Vaticano dirige suas ativida-
des contra os interesses dos trabalhadores. O Vaticano é o centro das intri
gas internacionais contra os interesses dos povos, principalmente dos povos
eslavos; é o centro do fascismo internacional. O essencial da Moral crista é o
apelo de Nosso Salvador á caridade, ao passo que o Vaticano é um dos insti
gadores de duas guerras imperialistas e toma atualmente parte cnuito ativa
na instigafao de nova guerra e, de modo geral, na luta política contra a de
mocracia mundial" (Actes de la Conférence des chefs et representaras des
Eglises Autocéphales orthodoxes réunie á l'occasion des solemnités du 500
eme anniversaire de l'autocéphalie de l'Eglise orthodoxe russe, 8-18 juillet
1948).

É a clássica linguagem do Kremlin, com seus chavóes preconcebidos,


que se faz ouvir através deste documento.
Notemos, porém, que esta imagem da Igreja Ortodoxa Russa domina
da pelo comunismo nao representa toda a populacáo crista da Rússia. Há
muitos e muitos fiéis que discordam da subserviéncia da hierarquia; milhares
morreram em campos de concentracao, enquanto outros ainda estao sofren-
doseu martirio. Seja mencionado, aguisa de exemplo, o caso de Iva Moiseev:
era soldado do exército russo e confessou publicamente sua fé em Cristo. Por
causa disto, foi submetido a torturas para renegar sua crenca. Moiseev re-

4S8
OHOMEMNAURSS 15

cusou fazé-lo e escreveu á familia: "As saudacoes de vosso filho cessarao em


breve. Proibem-me confessar Jesús Cristo. As provacoes sao penosas e os so-
frimentos nao sao facéis de se suportar". Por fim, foi lancado no rio Volga,
onde morreu afogado. Antes, porém, despediu-se dos pais por carta, em que
escrevia: "Cumpre-nos mostrar como deve viver e comportar-se um fiel. . .
Recebei aquela que tatvez seja a última saudapao, na térra, de vosso muito
humilde filho Vania" (transcrito de Cahiers du Samizdat, Bruxelas dezem-
bro de 1972).

5. Os Nossos Oprimidos

A revolucáb leninista de 1917 fez-se com a bandeira da redencao dos


oprimidos: aos camponeses prometía a reparticáo das térras; aos proletarios,
a libertacao económica e política. Aos jovens Lenin dizia que veriam a auro
ra comunista, isto é, a extincáo do Estado e do seu aparato repressivo e a
fartura de bens provocada pelo grande desenvolvimento das forcas produto-
ras.

Ao cabo de setenta anos de regime comunista na Rússia, qual é o


quadro real? - O que se extinguiu, nao foi o Estado repressivo, mas, sim, as
promessas da Revolucao, ao passo que o Estado se hipertrofiou enormemen
te.

0 ex-pensador comunista Roger Garandy aponta a trajetória desolado


ra da Revolucao através dos sáculos:

"A Revolucao terminou sempre com a chegada ao poder de urna ter-


ceira classe: a forte Iuta dos escravos contra seus patroes nao fíndou com a
vitória dos escravos, mas com a instaurado do feudalismo; a Iuta dos servos
contra os senhores feudais nao desemboca na vitória dos servos, mas na da
burguesía; a ¡uta dos operarios contra os burgueses nao se concluí na vitória
dos operarios, mas, na URSS, desemboca no poder monopolizado por urna
tecnoburocracia" fAlternative. París 1972, pp. 80s).

O que aconteceu na Rússia Soviética, ocorreu igualmente em todos os


países de regime comunista; estes suscitaram nova onda de povos oprimidos,
sujeitos á ditadura mais totalitaria e implacável que a historia jamáis conhe-
ceu.

Desde que se negué ao individuo a liberdade e a iniciativa tanto no


pensar como no agir, desde que se recuse ao homem o direito de proprieda-
de {mediante o qual ele dilata a sua atividade pessoal), cria-se urna situacao
violenta por ser contraria as exigencias da natureza humana. E este estado
de coisas antinatural nao se pode manter sendo mediante a ¡mplantacSo de
vasto poderío militar.

459
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

"O poder é nao somente o meio, mas a meta dos comunistas para que
possam manter seus privilegios e sua propriedade" (Milovan Dylas, ob. cit.,
p. 202). A propriedade comunista é o resultado da espoliacao da pessoa a es
ta espoliacao so se pode sustentar na base do poder militar e nunca sobre a
opiniáb popular. Por isto nao existe regime comunista que se fundamente
na opiniao majoritária do povo, nem se pode recorrer a eleícdes livres em
pafs comunista, porque tal torre de Babel, por ser arbitraria e antinatural,
nSo se sustentaría em pé.

6. Conclusao

A oposicao entre marxismo e Cristianismo nao está apenas ñas premis-


sasraquele, parte do materialismo ateu, ao passo que este afirma Deus e a
transcendencia. A antítese afeta também o conceito de ser humano. O mar
xismo nega a transcendencia do homem e, por isto, subordina-o á sociedade
e ao Estado. Ao contrario, o Cristianismo concebe o homem como um ser
dotado de finalidade própria ou chamado a realizar-se em Deus; para o serví-
50 do homem e indiretamente para o de Deus, convergem as criaturas infe
riores e todas as instituicoes sociais e políticas.

Marx comecou sua carreira fazendo a crítica do capitalismo como siste


ma alienante. Ora acontece que as instituicóes marxistas sao atualmente as
que alienam ou destroem o ser humano, pois o despojam do direíto de pen
sar e agir livremente, de cultivar a Oeus, de possuir bens legítimos, de eleger
seus govemantés e julgá-los e até mesmo do direito de morrer segundo os di-
tames da sua consciéncia. Tal é a ironía da sorte; tal é verdadeira face da
libertadlo marxista, á quat se contrapee a Redencao trazida por Cristo.

** *

NOTA

A respeito da Renovacáb Carismática (RC) publicamos em PR 282


(setembro-outubro) 1985, pp. 372-384 um artigo que apontava falhas do
Movimentó. Estas dizem respeito á RC principalmente como existe fora do
Brasil. Diante de judiciosas observacoes de nossos leitores, dispomo-nos a
publicar em próximo número um artigo expondo as benemerencias da RC.
Esta tem realmente ajudado muitos fiéis crinaos a se reencontraren! cóm
Oeus e a Igreja.

460
Constante pergunta:

"Marxismo, Comunismo e Cristianismo:


Desafio ou Diálogo?"
por Giuseppe de Rosa

Em símese: O Pe.G.de Rosapublicou valioso fívro sobre Cristianismo e


Marxismo, mostrando a radical incompatibilidade de um com o outro. Nem
mesmo as modalidades mais recentes de Marxismo fogem ao materialismo
ateu, básico de Kari Marx. As promessas de comunismo novo e diferente fei-
tas pelo eurocomunismo, especialmente na Italia, nao merecen) crédito, pois
nao podem ser cumpridas sem que se destrua o comunismo; ademáis basta
verificar que até hoje o comunismo, tendo chegado ao poder, sempre se de-
clarou ferrenho adversario da religiao. Os cristaos que apoiam o marxismo,
iludem-se, pois, em seus mais de sessenta anos de historia, o comunismo
nunca constituiu urna sociedade justa e fraterna, mas sempre reduziu as po
pulares dominadas á mais severa escravidao, com total espezinhamento dos
direitos humanos. Somente a mensagem que respeite os valores transcender»-
tais da pessoa e da sociedade, como a do Cristianismo, pode proporcionar
aos homens a alme/'ada sociedade justa e fraterna. Os cristaos encontram
normas concretas e práticas para atingir este ideal na doutrina social da Igre-
ja, que deve ser por eles valorizada; nao procurem fora do Cristianismo so-
lucoes que este, e só este, Ihes pode oferecer adequadamente.

A questao das relaces ou da eventual compatibilidade de Cristianis


mo e Marxismo volta sempre á baila. Os cristaos, especialmente, sao tenta
dos pelo marxismo na medida em que este parece responder á demanda de
justica social profundamente impregnada no Evangelho.
Para elucidar o problema, o Pe. G. de Rosa S.J. escreveu precioso livro
publicado em traducáo portuguesa com o título "Marxismo, Comunismo e
Cristianismo: Desafio ou Diálogo?"'. Esta obra consta de cinco capítulos: 1)
O que é Marxismo?, 2) A Igreja e o Marxismo, 3) O PCI é um Marxismo
"novo" e "diferente"?, 4) Os cristaos "marxistas", 5} O Marxismo, um desa-

1Ed. ddade Nova, 1985. Rúa Cel. Paulino Carlos 29,04006 Sao Paulo (SP),
110x 185mm, 84pp. - Colecao "Cadernosda Humanidade Nova" n93.

461
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

fio para os cristaos. Em termos sintéticos e muito claros, o autor mostra a


incompatibilidade de qualquer tipo de alianca entre Cristianismo e Marxis
mo (mesmo sob a forma do "Eurocomunismo"), terminando com aenfati-
zacao do desafio que o Marxismo propoe aos cristaos.
Do livro em foco aposentaremos urna símese, realzando principal
mente os capítulos 1, 2, 4 e 5.

1. Que é o Marxismo?

Nao é fácil dizer o que é o Marxismo. Com efeito, existem pelo menos
tres Marxismos: o de Marx, o dos continuadores de Marx e o chamado
"Marxismo popular". Consideremos cada qual de per si, cientes, porém, de
que estao intimamente entrelazados entre si; o pensamento de Marx é sub-
jacente a cada qual dessas modalidades.

1.1. O Marxismo de Marx

Nota-se que Kart Marx (Í1883) evoluiu no decorrer dos longos anos
de sua reflexao; todavía o Marx adulto (economista e cientista) é o mesmo
Marx jovem (humanista e filósofo).
1. Marx parte do principio de que "os filósofos nao fizeram senao in
terpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa agora, é transfórma
lo" (11?Tese sobre Feuerbach).
Por conseguinte, a praxis transformadora ou revolucionaria é priorita
ria na escola de Marx. Essa praxis se baseia em pressupostos acerca do ho-
mem e da historia.
0 homem é um ser dotado de necessidades materiais, que só podem
ser satisfeitas mediante objetos materiais; por isto é um ser corpóreo e mate
rial, sem alma espiritual e ¡material.
O trabalho é o campo de auto-realizacáo do homem; pelo trabalho, ele
se torna plenamente homem.
Pelo trabalho o homem também faz a historia. Esta nao é mais do que
um tecido de fatos económicos, em que o capital e o trabalho se encontram
para produzir bens materiais.
Isto equivale a dizer que os fatos económicos sao os fatos históricos
básicos (a estrutura), dos quais dependem todos os outros ou a superestrutu-
ra (religiao, arte, direito, filosofía, política...).

"O modo de producao da vida material condiciona o processo social,


político e espiritual da vida. Nao éa consciéncia dos homens que determina
o seu ser, mas, pelo contrario, é o ser social que determina a sua conscién
cia" (Kart Marx, Crítica da Economía Política, pp, lOs).
Neste texto exprime-se a teoría do materialismo histórico:sao os fato
res económicos que determinam a historia humana, ou seja, o pensamento e

462
MARXISMO E CRISTIANISMO: DIALOGO? 19

o agir dos homens... Sao os fatores económicos que tém a forca decisiva da
historia. O real é essencialmente económico e a historia é a historia dos fa-
tos económicos.
Mas, por sua natureza, o real é dialético: a historia nao avanca de ma
ne ira retilínea, mas por afirmapóes e negapoes; estas geram urna terceira rea-
lidade, que por sua vez é contraditada em favor de nova outra realidade...
Por isto o materialismo histórico é, ao mesmo tempo, materialismo dialéti
co; no seio da historia existe um moví mentó dialético, que leva á revolupáo.
As afirmapóes e negapoes ou adialética da historia, em última análise,
vém a ser luta de classes — luta entre a classe que detém os me ¡os de produ-
pao e quer afirmar-se em determinada situapao opressora, e a classe oprimi
da, que oferece o trabalho e tende a desinstalar a classe dominante.

2. Imerso na historia, o homem é um ser "alienado", isto é, expropria-


do, "em primeiro lugar, do fruto do seu trabalho, mas depois também da sua
humanidade; a condipao que o homem tem, é de nao humanidade" (p. 18).
Há quatro especies de alienapao: na alienapao religiosa, o homem perde a
si mesmo em beneficio de Deus; na alienapao pol ítica, perde-se em beneficio
do Estado; na alienapao civil, perde-se em beneficio da burguesía, e final
mente na alienapao económica perde-se em beneficio do capital. Por isto os
quatro grandes inimigos do homem sao Oeus, o Estado, a burguesía e o ca
pital. Por conseguinte, se o homem quer reconquistar a si mesmo, deve des
truir essas forpas.
Todavia essas forpas nao se achamno mesmo plano:a alienapao religio
sa é produzida pela política; esta, por sua vez, é o fruto da alienapao social,
que vem a ser fruto da alienapao económica. Donde se segué que a alienapao
económica é fundamental; abolida esta, todas as outras desaparecerao — o
que quer dizer que Deus, o Estado e a burguesía também desaparecerao. É
preciso, pois, revolucionar a estrutura económica.

3. E em que consiste a alienapao económica?


— Apresenta dois aspectos:

1) O operario é alienado em reí apao ao seu protudo. Com efeito; mal


acaba de produzir um objeto, este Ihe foge, porque se torna capital, que o
escraviza; quanto mais o operario-produz, tanto mais aumenta o capital e,
por conseguinte, tanto mais cresce a sua escravidao.

2) O operario é alienado no próprio ato de producáo

— porque o trabalho permanece externo ao operario; este, trabalhan-


do, nao se afirma, mas nega-se a si mesmo, nao é feliz;
— porque o trabalho nao é voluntario, mas forcado;o operario traba-
Iha por necessidade;
— porque o trabalho nao é para o operario, mas para outrem (o capi
talista).

463
<20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Como se vé, o trabalho alienado produz e aumenta a propriedade pri


vada. Esta vem a ser o fruto da expropriacáo do produto do trabalho por
parte do capitalista. Esta apropriacáo ocorre, segundo Marx, do seguinte mo
do: o valor do trabalho é o dinheiro necessário para que o operario possa ali-
mentar-se e criar seus furtos, que serao trabajadores como ele. Ora, para
alimentar um operario e permitir-lhe que eduque os filhos, basta o trabalho
de meia-jornada. Visto que o operario trabalha urna jornada inteira, o traba
lho da segunda metade do dia é um plus-trabalho ou um plus-valor, do qual
o capitalista se apodera. Com outras palavras: o operario, com o seu traba
lho, produz mais do que o necessário para viver e cuidar dos filhos. Este "a
mais" fica com o capitalista, que assim explora o trabalhador e apropria a si
oque aeste pertence.

Dentro de tal sistema, o plus-valor nao pago ao operario vai acrescen-


tar-se ao capital; o capitalista poderá assim extorquir do operario mais traba
lho, tornando-se cada vez mais rico as custas do operario cada vez mais po
bre.

4. Todavía a classe operaría, cada vez mais empobrecida, se torna tam


bé m cada vez mais numerosa (pois a máquina vai substituindo o operario ñas
fábricas). Ela vai tomando consciéncia de que está sendo explorada por urna
minoría cada vez menor. Assim se cria uma situacao explosiva, que ameaca
cada vez mais o capitalismo. Desta forma o capitalismo encerra em si mesmo
o germen que o levará á morte. Esta morte há de ser acelerada mediante a
provocado dos trabalhadores á luta de classes.

Quando esta terminar, haverá uma sociedade sem classes, na qual cada
um poderá desenvolver as suas capacidades criadoras com toda a liberdade
dentro de um novo sistema económico: o comunismo. O primeiro passo da
revolucao proletaria será a conquista do poder político por parte do proleta
riado, ou seja, a implantacáo da ditadura do proletariado. Esta deverá ser
efémera, limitando-se ao período de transicao do capitalismo para o comu
nismo; quando este for realidade, também nao haverá mais Estado nem reli-
giao (que é uma super-estrutura do capitalismo). O homem comunista será
ateu; o problema de Oeus nao o preocupará; nem ele precisará do opio da
religiao para ocultar a si mesmo a sua triste situacao de alienado.

Com o advento do comunismo, encerra-se a pré-história da sociedade


humana e abre-se a verdadeira historia do homem, segundo Karl Marx.

1. 2. Os continuadores de Marx
Dentre os continuadores de Marx, o mais importante é Lenin, tanto
que a forma de marxismo mais difundida hoje é a do marxismo-leninismo.
Lenin acrescentou notas próprias ao sistema de Marx. Tais seriam as
proposicóes: a) a classe operaría nao pode ser deixada entregue á suaespon-

464
MARXISMO E CRISTIANISMO: DIÁLOGO? 21

taneidade; é preciso incutir a ideologia da revolucao; b) esta há de ser obra


do Partido Comunista, que constituí a vanguarda do proletariado; c) a dita-
dura do proletariado nao deve ser de curta duracao, pois I he compete ex
tinguir todos os exploradores e opressores do povo; d) o ateísmo nao há de
ser apenas crítico; será militante, combatendo ferrenhamente a religiao.
O marxismo foi-se diversificando outrossim á medida que se expandiu
no tempo e no espaco.

Em 1948, o Marechal Tito na lugoslávia adaptou o sistema ao contex


to do seu país, preconizando forte nacionalismo e, no campo económico, a
autogestáb. Após a guerra ainda registraram-se a modalidade chinesa do
Mao-Tse-Tung, a cubana de Fidel Castro, a italiana de P. Togliatti (que se-
guiu as pegadas de A. Gramsci), a de A. Dubcek na primavera de Praga em
1968 (marxismo com rosto humano), a angolana e a mopambicana. . . As-
sim o mundo comunista já nao é uno e compacto. Mas as suas diversas mo-
dalidades nao atingem a substancia da ideologia marxista e da praxis comu
nista. Todos os Partidos Comunistas hoje existentes sao marxistas e leninis
tas; professam o materialismo histórico-dialético e a luta de classes, e com-
batem ¡mplacavelmente a religiao.

1.3. Marxismo popular

É o marxismo dos que nada leram sobre Marx..., mas referem-se a ele
como a urna divindade tutelar que, com a sua autoridade, garante a verda-
de do discurso comunista. As suas linhas essenciais sao:

1) a dramatizacao da situapao presente. Esta se terá tornado tao grave


que já nSo é possível suportá-la; donde a absoluta necessidade de urna trans
formado radical. O marxista nao so tem consciéncia deste pressuposto, mas
procura incuti-lo aos outros cidadSos, disseminando ¡ndignapábe revolta;só
assim poderá nascer na sociedade o desejo de transformacao;
2) a absoluta conviccao — quase urna fé — de que, quando o capitalis
mo for derrubado, as coisas mudarlo radicalmente para melhor, de modo
que vale a pena agora suportar todos os sacrificios exigidos pela revolupao;

3) a persuasao de que é preciso descubrir e combater as causas da in


justa situagao presente. Entre estas, estao os exploradores do povo. Em con-
seqüéncia, a luta de classes é imprescindível, podendo mesmo I anear mao de
meios injustos, pois "o fim justifica os meios", segundo tal ideologia.
Urna vez exposto sumariamente o panorama do marxismo contempo
ráneo, consideremos as atitudes dos crístaos perante o mesmo.

2. Os cristáos diante do marxismo

A Igreja tem repetidamente condenado o marxismo por ser um siste-

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"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

ma visceralmente materialista e ateu. Tenham-se em vista os pronunciamen-


tos de Pió IX (1849 e 1864), Leao XIII (1878), Pió XI (1937), do S. Oficio
(1949), de JoSo XXIII (1959), Paulo VI (1966 e 1971), além dos numerosos
escritos de Joao Paulo II.
Nao obstante, há cristaos que nao véem incompatibilidade entre mar
xismo e fé católica e, por isto, julgam que podem aceitar o marxismo e con
tinuar cristaos.

2.1. Tres posicoes pro-marxismo

As posicoes de tais cristaos sao matizadas, mas podem ser incluidas


num dos tres seguintes grupos:

1) Há os que véem no marxismo urna "ciencia" da sociedade e urna


praxis de luta revolucionaria; assumem do marxismo o método para analisar
científicamente a sociedade capitalista e destruí-la mediante a luta de clas-
ses. Nao tencionam, porém, aderir ao materialismo e ao ateísmo marxista.

2) Há os "Cristaos para o Socialismo", que aceitam nao so a análise


marxista e a luta de classes, mas também o materialismo histórico de Marx,
considerando-o urna expl¡cacao "científica" da historia; rejeitam, porém, o
ateísmo como nao sendo essencial ao marxismo.
3) Há aínda os que abracam todas as principáis teses do marxismo,
embora de maneira crítica. Aceitam o próprio ateísmo marxista no sentido
de crítica á religilo, na qual véem o "opio do povo". Com efeito; distinguem
entre religiao e fé: esta seria a forca propulsora da revolucSo anticapitalista,
ao passo que a religiao seria urna atitude reacionária e conservadora. Dizem-
se "cristaos" porque acreditam em Jesús Cristo, o Revolucionario que lutou
pela libertacao dos oprimidos e deixou urna mensagem político-social. A
Igreja teria deturpado o papel e a doutrina de Cristo, atribuindo-lhe inter-
pretacáb espiritual e religiosa, quando na verdade tem, antes do mais, senti
do sócio-econ&mico-polftíco. A fé dos cristáos-marxistas nao é a da Igreja
Católica, mas é a fé reinterpretada a partir das categorías marxistas; léem a
Biblia "materialisticamente", isto é, tomando como referencial e medida de
julgamento o materialismo histórico; em conseqüéncia.esvazíamdeconteú-
do sagrado as expressoes da fé: a Divindade de Jesús, a sua morte redentora,
a ressurreicao gloriosa, a Eucaristía...

Como se vé, nem todos^os cristaos que aceitam o marxismo sao mar
xistas na mesma medida. Nota-se, porém, entre eles a tendencia a passar á
aceitacSo sempre mais ampia das teses marxistas até adotar a cosmovisao
marxista. A razao disto é que o marxismo é algo de fortemente unitario e
coeso; quem adota um de seus aspectos, acaba por aceitar todo o sistema.

466
MARXISMO E CRISTIANISMO: DIÁLOGO? 23

O motivo principal pelo quai tais cristaos se voltam para o marxismo,


é o pressuposto de que este é científico e eficaz para implantar a justica na
sociedade.

Perguntamos agora:

2.2. Que dizer?

Examinemos as principáis alegacoes dos cristaos marxistas:

1) "No marxismo podc-se separar da ideología atéia o sistema de ana-


Use da sociedade".

Isto nao -e exato. Marx leu e anaiisou a sociedade do seu tempo á luz
dos principios do materialismo histórico e dialético; as premissas que ele
utilizou, nao eram científicas, isto é, tiradas da experiencia e objetivamente
verificáveis, mas de natureza filosófica ou ideológica. Isto se confirma . pelo
fato de que grande parte das previsoes de Marx referentes ao futuro do capi
talismo e deduzidas da análise "científica" revelaram-se erróneas; com efei-
to, o número dos proletarios nao aumentou, mas diminuiu nos países capita
listas; os proletarios nao se tornaram mais pobres, mas passaram, em grande
parte, para a classe media; o capitalismo naodesmoronoue o socialismo nao
se impós automáticamente nos países de capitalismo avancado, mas foi im
posto polaforca (na Alemanha Oriental, na Hungría, na Tchecoslováquia...).
Vé-se, pois, que a filosofía marxista é parte integrante da análise mar-
xista da sociedade. Se desta excluirmos o materialismo histórico e dialético,
já nao poderemos falar de "análise marxista".

2) "A luta de classes nao está ligada ao materialismo histórico e dialé


tico".

Também esta proposicao é falsa. A luta de classes, como a concebe o


marxismo, está intimamente ligada a toda a ideología marxista, da qual é
conseqüéncia: tende á ditadura do proletariado com a eliminacáo violenta da
classe adversaria. Daí a advertencia do Papa Paulo VI:

"Nesta gama do marxismo, tal como é vivido concretamente, podem-


se distinguir diversos aspectos... Seria ilusorio e perigoso mesmo chegarao
ponto de esquecer a HgacSo íntima que os une radicalmente, e de aceitar os
elementos de análise marxista sem reconhecer as suas retacóos com a ideolo
gía e, aínda, de entrar na prática da luta de classes e da sua interpretacao
marxista, esquecendo de atender ao tipo de sociedade totalitaria e violenta
a que este processo conduz" (Carta Octogésima Adveniens n?34).

467
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Estes dados explicam que também o marxismo dito "popular" leve in-
sensivelmente o cristao ao ateísmo prático. Quem se filia a um Partido Co
munista, aínda que somente por motivos políticos, acaba aos poucos aban
donando a fé crista e tornando-se na prática materialista e ateu.

3) "O ateísmo nao é essencial no marxismo. Este só combate a religi-


áo que se associa ao capitalismo, nao, porém, a religiáo como tal".
Esta afirmacSo é errónea, como o provam as tres observacoes seguin-
tes:
a) Marx foi pessoalmente um ateu e opós-se á religiao como tal, nao
pelo fato de estar pretensamente unida ao capitalismo. Para ele, a religiao é
uma doenca do espirito alienado; essa doenca o impede de realizar-se plena
mente, porque o torna independente de Deus: "Quanto mais o homem se
envolve com Deus, tanto menos possibilidades descobre em si mesmo" (K.
Marx, Manuscritos económico-filosóficos de 1844). A existencia do homem
exige, pois, a inexistencia de Deus, segundo Marx.
b) Conseqüentemente ao longo de toda a sua historia, o marxismo foi
ateu e anti-religioso. Em toda parte onde o Partido Comunista sobe ao po
der, declara guerra á religiao e persegue os cidadaos que a professem.
c) Nos últimos anos alguns marxistas fizeram uma reavaliacáo da eren-
ca em Deus;assim E. Bloch, M. Machovec, R. Garaudy... chegaram a ver no
Cristianismo uma forca que pode ajudar e favorecer o advento de uma socie-
dade socialista (e isto com base na defesa da justica social apregoada pela
Igreja). - É de notar, porém, que nenhum desses marxistas se fez cristao;o
que Ihes parecía positivo no Cristianismo, nao era o senso religioso ou a pro-
fissáo dos valores transcendentais, mas únicamente as incidencias políticas
da fé crista; ora estas nao constituem o ámago da mensagem do Evangelho,
mas sao um corolario da mesma.

Também é de se notar que alguns Partidos Comunistas, especialmente


o Italiano, afirmaram últimamente que um cristao nao só pode filiar-se ao
Partido sem renegar a fé, mas que até pode encontrar na fé um estímulo pa
ra a luta revolucionaria. — Observemos, porém, que esta afirmacao foi feita
por Partidos Comunistas que nao se achavam no poder; por isto nao se pode
excluir que tenha sido feita com o intuito de atrair os católicos para o Co
munismo. Sabe-se que os comunistas, ao chegarem ao poder, sempre foram
inimigos mortais da religiao.

Deve-se, pois, concluir que, tanto em teoría como na realidade históri


ca, o marxismo é visceralmente ateu.. Por isto nenhum cristao Ihe pode ade-
rir sem aceitar o ateísmo. Tanto isto é verdade que os cristaos marxistas se
declaram ateus, muito embora afirmem ilusoriamente que o seu ateísmo
"nao se refere a Deus, mas a uma imagem esclerotizada, limitada, alienante
de Deus, como é aquela apresentada pela Igreja Católica".

Merece especial atencao

468
MARXISMO E CRISTIANISMO: DIÁLOGO? 25

2.3 O caso italiano ou o PCI

Os comunistas italianos propoem realizar um comunismo diferente e


novó {que nao fira as concepcoesdo Cristianismo). Pergunta-se: pode-se-lhes
dar crédito?
Digamos que sao sinceros ao falar desse modo (o que significa grande
dose de boa vontade para o diálogo). Observaremos, porém, que a sincerida-
de ou a nao sinceridade nao muda a esséncia do problema comunista; a ques-
tao se prende a termos objetivos, ou seja, á natureza intrínseca do comunis
mo.

Com efeito. O comunismo nao pode abrir mao do materialismo e do


ateísmo militante sem deixar de ser comunismo. O Partido Comunista Italia
no, por mais diferente que se diga, continua a se reger pelos moldes do mar
xismo-leninismo. Para comprovar isto, basta examinar a maneira como tém
procedido os comunistas que governam Prefeituras, Provincias ou regioes da
Italia:

"Na sua prática degovemo o PCI nao se revela absolutamente um par


tido diferente, pois ele se comporta de maneira pouco "democrática" e
pouco pluralista, conforme o demonstran) muitos fatos e testemunhos.
Efetivamente, ele tende a ocupar todos os espacos, nao deixando lugar para
outras torcas políticas e culturáis, tende a exercer urna hegemonía cultural
e política quase absoluta e a dominar a vida política e social tao vasta e ca
pilar que quem nao tem a carteira de identídade do Partido e nao segué as
suas diretrizes, é marginalizado nos lugares de trabalho e ñas funcoes de
maior prestigio e influencia" (pp. 61s).

Como é que se pode entao acreditar que o PCI, urna vez que tenha
conseguido conquistar o Estado, nao se comportaría a nivel estatal na ma
neira pouco democrática e pouco pluralista com que hoje se comporta a ni
vel municipal, provincial ou regional? Tanto mais que, no caso de que yiesse
a conquistar o governo, nao seria mais obrigado a "salvar as aparéncias", co
mo é obrigado a fazé-lo agora nos governos locáis, justamente para conven
cer os italianos de que o PCI é um Partido "diferente" e de que.com o PCI
no governo do país, a democracia na Italia nao correría nenhum perígo (pp.
60s).

Em síntese, eís as razdes pelos quais marxismo (sob qualquer de suas


modalidades) e Cristianismo nao se conciliam.

469
26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

2.4. Resumindo...

O marxismo se acha em contraste radical coma fé crista e com a visao


bíblica do homem e da sociedade, porque
- é materialista e ateu. Nega portanto Oeus e tudo o que transcende a
materia, e está fechado na mais total ¡manéncia;
- ríüga a tiberdade da pessoa humana e, por conseguinte, nao se pode
conciliar com a visao crista do homem, que faz da pessoa humana e da sua
promocáb o fim da sociedade;
- promove a luta e o odio de classes, que erige em sistema de luta
política e que, por conseguinte, nao é conciliável com o preceito evangélico
do amor a todos, também aos ¡nimigos, e com a concepcao solidarista crista
da sociedade;
- leva á criacao de urna sociedade autoritaria e totalitaria, que absor-
ve a pessoa no Estado;
- é urna forma de religiáo "secular", como que urna "fé", por seu ca
rate r totalizante e, em particular, porque quer ser urna "redencao" do ho
mem em relacao ao mal que o aliena e transforma em náo-homem.em urna
promessa "messiánica" de urna nova ordem social, na qual o homem está fi
nalmente fora do "reino da necessidade" e, portanto, livre e plenamente res
tituido a si mesmo.
Neste sentido, o marxismo se ergue como a anti'tese mais radical ao
Cristianismo, porque coloca o homem no lugar de Deus, este mundo no lu
gar do reino de Oeus e da vida eterna, a "redencao" operada pelo proletaria
do no lugar da redencao operada por Cristo, um messianismo terrestre no
lugar da promessa messiánica do Reino de Deus. é, numa palavra, a tentati
va de realizar na térra o reino do homem, em radical antítese com o Reino
de Deus (cf. pp. 37s).

3. O marxismo: um desafio

Se o Cristianismo e o marxismo nao se conciliam entre si, pergunta-se:


por que, nao obstante, tantos crístaos aderem ao comunismo ou sao forte-
mente tentados a filiar-se a ele?
A resposta compreende dois aspectos:

1) De um lado, tais crístaos se iludem a respeito do marxismo. Com


efeito; nao se deve esquecer que o marxismo nao é urna ciencia, mas urna
ideología que, se tem alguns aspectos científicamente válidos, nao é cientí
fica. Deve-se ainda lembrar que o marxismo nao conseguiu no passado, e
nao consegue hoje, criar um mundo mais justo e mais humano; por toda a
parte onde se impós, deu origem a regimes tiránicos que espezinharam, da
maneira mais brutal, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Em vez de
ser urna mensagem de libertacao para a humanidade, o marxismo criou no-

470
MARXISMO E CRISTIANISMO: DIÁLOGO? 27

vas e terríveis formas de escravidao e opressao. Tanto isto é verdade que os


marxistas mais sensíveis criticam duramente as realizacoes históricas do co
munismo - em particular as invasoes de países do Leste Europeu e da Asia
- e auguram um "socialismo com rosto humano". Todavia este aindadeve
ser inventado por completo, porque nunca se realizou, apesar de ter o comu
nismo mais de sessenta anos de experiencia, dominando os mais diversos po-
vos (grandes e pequeños, subdesenvolvidos e altamente industrializados) em
todas as partes do mundo.
Esta incapacidade histórica, do marxismo, de criar urna sociedade mais
justa deveria fazer que os cristaos refletissem, pois que nele alguns deposi-
tam confianpa quase absoluta. É de ponderar que os fatos históricos nao
acontecem por acaso, mas seguem urna lógica própria. Se o marxismo em
sessenta anos nao logrou criar urna só sociedade justa e lívre, deve haver mo
tivo para isto. Tal motivo nao é extrínseco ao marxismo, mas se acha dentro
dele; sim, é por sua própria natureza, em virtude da sua lógica interna, que
o marxismo n3o pode criar urna sociedade mais justa e humana. Com efeito;
trata-se de um sistema bascado no materialismo ateu, que nao reconhece va
lor transcendente na pessoa humana e se fundamenta na luta de classes, que
leva necessariamenté á ditadura ou, como hoje se diz, á "hegemonía" de
urna classe sobre as outfas e, por conseguinte, á violencia e á opressao.
2} De outro lado, os cristaos simpáticos ao marxismo possivelmente
nunca tentaram aplicar na prática a doutrina social da Igreja. Esta procura
deduzir do Evangelho as normas de urna ética social justa e fraterna. Ora sa-
be-se que nenhuma motivagib é mais forte do que a da fé; nenhum Credo é
mais exigente do que o do Evangelho. Este, portanto, há de ser muito mais
eficaz do que qualquer ideologia; além do qué, há de atinar com o cerne do
problema ou com os auténticos conceitos de pessoa humana, direitos funda
mentáis do individuo feito á imagem e semelhanca de Oeus, valores ¡media
tos e valores definitivos...
Se no passado os cristaos nao se mostraram plenamente abertos para o
problema social (nao vem ao caso discutir as razoes momentáneas de tal ati-
tude), no presente nao Ihes faltam motivos para se voltar para o problema,
incentivados por valiosos documentos da Igreja como sao a Constituigao
Gaudium et Spes do Concilio do Vaticano II, as encíclicas Mater et Magis-
tra, Pacem in Terris. Populorum Progressio, Laborem Exercens, a Carta Oc
togésima Adveniens, o documento sinodal sobre a Justipa no Mundo, além
das múltiplas exportacóes do Papa Joao Paulo II.

"As deficiencias e incoeréncias dos cristaos nao podem justificar a des


confianza no ensinamento social da Igreja ou o seu repudio; muito menos
podem justificar a acusacao é Igreja de se haver bandeado para o lado dos ri
cos e dos poderosos, contra os pobres e oprimidos. Trata-se aquí de urna
acusacao profundamente injusta, porque ignora toda a historia da Igreja,
passada e presenté" (p. 79).

471
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Os cristaos nao podem deixar de aceitar o desafio que Ihes é langado


pelo marxismo, visto que, na sua capacidade de criar urna ordem social mais
humana e mais justa, é posta em jogo a credibilidade do anuncio do Evange
lho. Haó de mostrar aos marxistas que o Evangelho nSo é so espiritual, mas
também é temporal; mostrarSo outrossim que, embora o marxismo propug
ne idáias humanas apreciáveis, é incapaz de oferecer aos problemas do ho-
mem solucoes verdadeiras, porque carece daquele "suplemento de alma"
que só Cristo pode dar ao homem.

"Na realidade, somente Cristo, enquanto é Deus na infinita sabedoria


e potencia da Divindade e enquanto é Homem na plenitude da humanidade,
é capaz de salvar todo homem e de responder a todos os seus problemas. So-
mente Cristo tem pafavras de vida eterna, que sao ao mesmo tempo as úni
cas capases de criar um mundo mais justo e mais fraterno. Poristo somente
a fé crista pode ajudar a proporcionar aos problemas sociais solucoes verda-
deiramente humanas que salvem todos os valores do homem.
Por esta razio é ilusorio procurar no marxismo aquilo que os cristaos
já possuem em Jesús Cristo e na Igreja e que o marxismo é radicalmente in
capaz de dar, apesar de todas as suas promessas, porque o seu materialismo
fecha o homem num horizonte puramente terrestre, o seu ateísmo deseo-
nhece o desejo mais profundo do homem - a exigencia de Deus e de algo
que esteja além da materia e do tempo -; o seu desconhecimentó do caráter
absoluto da pessoa humana impede-o de fundamentar teóricamente e de ga
rantir na prática a liberdade e as liberdades, a sua teoría da luta de classes
aprisiona a humanidade na voragem infernal da violencia e da conveniencia
e desagua necesariamente no totalitarismo.
É Jesús Cristo, e nao Kari Marx; é o Evangelho, e nao O Capital, que
pode salvar o homem. Mas sob urna condicao: que os cristios creiam verda-
deiramente na ressurreicao de Cristo e na forca do Evangelho, que é "poder
de Deus para a salvacio do homem" (Rm 1,17), e se empenhem com con-
flanea e coragem no sentido de criar um mundo mais justo e mais fraterno"
fpp. 81s).

Eis, em poucas páginas, o valioso conteúdo do livro de G. da Rosa,


que certamente há de ser útil a grande número de leitores.

472
Para onde vai a Albania?

0 Primeiro Estado Áteu do Mundo


Em símese: Tendo caído sob regime comunista em Janeiro de i946, a
Albinia tem experimentado dura perseguício religiosa. Nos prímeiros anos
de governo marxista, o Chefe de Estado, Enver Hoxha, temou negociar com
a Igreja Católica, todavía em termos inaceitáveis, pois tencionava sufocá-la,
para criar urna Igreja Nacional Albanesa, também dita "Patriótica" (como as
agremiacoes "católicas" criadas em varios países da Cortina de Ferro). Pre
lados, sacerdotes e fiéis foram sendo presos em conseqüéncia de canipanhas
difamatorias; o clero foi praticamente todo encarcerado. Finalmente em
1967 o Governo declarou que a Albania era "o primeiro Estado totalmente
ateu no mundo". Estado, por conseguíme, que nao respeíta a liberdade de
consciéncia dos cidadaos. Infelizmente tal fato nao sencibilizou a opíníao
pública internacional, que guardou silencio quase geral sobre o caso. De
1967 aos nossos días, a situaqao só tem recrudescido — o que equivale a dei-
xar o povo albanés sob regime de terror. Nem mesmo a troca de Chefe de
Estado, pelo ralea!mentó de Enver Hoxha, permite esperar mclhor futuro
para a Religiao na Albania.

A Albania é país situado a SE da Europa, limitando-se com a lugoslá-


via, a Grecia e o Mar Adriático. Tem 28.748 km2, a populacao de 2.618.000
habitantes (1977) e a capital Tirana. Trata-se de urna nacao muito fechada e,
por isto, pouco conhecida. Todavía entrou em foco em abril de 1985, quan-
do faleceu o seu governante Enver Hoxha, após mais de quarenta anos de re-
gime fortemente totalitario.
Interessa-nos examinar a situacáo religiosa de tal país, que vem a ser o
primeiro Estado oficialmente ateu do mundo.

1. Breve histórico

Aos 29 de novembro de 1944 a Albania emancipou-se das forgas ale


mas de Adolf Hitler e das italianas fascistas, que a ocupavam, tornando-se in-
dependente , como fora a partir de 1912 após 400 anos de dominio turco.
O novo Governo era comunista, chefiado por Enver Hoxha. Em Janei
ro de 1946 foi proclamada a República Popular da Albania. Em 1948, o re-
gime rompeu com a lugoslávia, até entao aliada da Albania; tomou-se saté
lite de Moscou até 1961, quando se voltou para a China de Mao-Tse-Tung,
rompendo com a URSS; o Governo albanés adotou a linha do comunismo

473
30 -'PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

maoísta, que era extremamente dura. Em 1978 a Albania se desligou tam-


bém da China e entrou numa fase de isolacionismo quase toial;as fontes ofi
ciáis quase nao dá"o noticias do que ocorre no país; os jornalistas raramente
ai tém ingresso; ninguém viaja dentro do país sem o acompanhamento de
um intérprete oficial.
Os católicos na Albania constituem 13% da populacao, geralmente re
sidentes a N.O. do país. Os ortodoxos vém a ser 19% e os muculmanos
67%
As noticias religiosas da Albania sao muito escassas. Existe em Santa
Clara (California, U.S.A.) um Centro Católico Albanésde Informacoes, que
difunde as noticias que possa receberdoseu país de origem. Em geral, estas
sao mais fidedignas do que as noticias políticas, pois o Governo tem interés-
se em informar sobre a perseguicáb aos católicos, tidoscomoos mais perigosos
adversarios do regime e os mais tenazes conservadqres da sua fé e das suas
tradicoes religiosas.

2. A situapao religiosa

Toda e qualquer confissao religiosa é ilegal na Albania.


A historia da perseguicao aos católicos pode ser dividida em tres eta
pas:

1) De 1944 a 1948

A principio Hoxha quis criar urna Igreja Católica Albanesa Patriótica


ou separada de Roma (como tem acontecido em varios países comunistas).
Por conseguinte, em maio de 1945 o Governo expulsou de Tirana o Delega
do Apostólico, Mons. Leone G.B.Nigry. A seguir, convocou Mons. Gasper
Thachi, arcebispo-primaz da Albania, e Mons. Vincent Prendushi, arcebispo
de Durazzo, para propor-lhes a fundacao de urna Igreja nacional e da adesao
incondicional ao regime comunista;em troca, oferecia-lhes urna "atitudecon
ciliadora" e auxilios materiais para sustentarem as instituicoes eclesiásticas.
Os dois prelados se recusaram á proposta — o que Ihes custou a vida.
Mons. Thachi morreu em 1946, em prisao domiciliar, e Mons. Prendushi
foi condenado a vinte anos de trabalhos toreados, que ele nao levou a termo,
pois morreu em 1949, encarcerado, após horríveis torturas. Após o sacrifi
cio dos dois arcebispos, o Governo se voltou para os sacerdotes: aos 21/06/
1945, dois jesuítas que exerciam o magisterio, o Pe. Tiago Gardin e o Pe.
Gjergi Vata, foram presos, processados sem protecao jurídica e condenados
a varios anos de prisfo.
O encarceramento de sacerdotes foi prosseguindo. Em comeco de
1946, o Governo decretou a expulsao de todos os Religiosos nao albaneses,
que eram mais de duzentos. Em 30/01/1946, dois jesuítas, um franciscano,
dois seminaristas e treze leigos foram condenados á morte; a sentenca foi

474
PRIMFIRO ESTADO ATEU DO MUNDO 31

executada dois meses depois, ou seja, aos 4/03, diante do cemitério católico
de Scutari, e os seus corpos foram I aneados numa fossa comum. Um mes
depois deste morticinio, todos os Institutos dos jesuítas foram fechados e a
Companhia declarada ilegal.
Hoxha empreendeu outra tentativa de separar de Roma a Igreja da Al
bania. Fez a proposta a Mons. Fran Gjini, que respondía pela Delegacáo
Apostólica após a morte de Mons. Thachi. O interpelado respondeu: "Nunca
separarei da Santa Sé o meu rebanho". Todavía, temendo represalia contra
os católicos, Mons. Gjini, escreveu urna carta aberta a Hoxha, em que Ihe
oferecia a colaboracao da Igreja Católica "para reconstruir o país, curar as
feridas e superar as dificuldades do momento; exprimía também "a espe-
rartca de que o acordó acarretasse nao só vantagens materiais, mas também
alguns beneficios espirituais para a Albania". — Hoxha ignorou a mensagem
e mandou prender Mons. Gjini, acusando-o de difundir propaganda antico-
munista.Após um ano de torturas e humilhacoes, aos 8/03/48, Mons. Gjini foi
morto com dezoito outros membros do clero e do laicato. Um mes antes, fo
ram também condenados á morte outro bispo, Mons. Gjergj Volaj, e varios
outros sacerdotes e leigos, acusados de ser "inimigos do povo". O mesmo
ano de 1948 foi marcado por outro duro golpe: jesuítas, franciscanos e to
das as Congregacoes Religiosas sofreram a confiscacao dos seus bens, até
mesmo dos mais pessoais.

2) Ruptura com Tito e novas perseguicoes: 1949-1967

Em 1949 o Governo albanés teve de enfrentar problemas internos, que


desviaram sua atencao da Igreja Católica e de outros grupos religiosos. Al
guns exilados albaneses na lugoslávia se organizaram para depor Hoxha e o
seu regime. Hoxha entáo, desejoso de ganhar a simpatía dos católicos, dele-
gou o Ministro do Interior, Turk Jakova, para um encontró com um seu co
lega de escola, o franciscano Marín Sirdani, que se achava num campo de tra-
balhos toreados no centro da Albania.
O Ministro Jakova lamentou a "brutal" política da lugoslávia contra a
Igreja e o clero, e garantiu a Freí Sirdaní que o próprio Governo desejava
aproximarle da Igreja. Surpreendido por tais declaracoes, o franciscano
aceitou tornar-se mediador entre o Governo e o único Bispo vivo na Albania,
Mons. Bernardin Shllaku, da diocese de Pulti. Em conseqüéncia, o Sr. Bis
po dispós-se a conversar com o Governo, levando em conta as normas do
Oireito Canónico. O Governo pareceu satisfeito com a boa vontade do pre
lado, mas pós-se a fazer pressoes, que levariam a urna total ruptura do Catoli
cismo albanés com o Vaticano; para tanto, encarcerou alguns sacerdotes
menos flexíveis. Apesar de tudo, os católicos permaneceram firmes nos seus
principios, enquanto muculmanos e ortodoxos aceitaram injuncoes do Go
verno.

475
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"' 283/1985

Após longas e dolorosas conversacoes, o Governo houve por bem re-


conhecer a soberanía espiritual da Igreja e sua vínculacao a Roma. Todavía
a imprensa comunista oficial falsificou o texto original das declaracoes do
Governo e anunciou que estavam cortados os Mames existentes entre a Igreja
Católica na Albania e o Vaticano. Oiante disto, os católicos, ofendidos, de-
nunciaram a falsa interpretacao e reafirmaram sua incondicional fidelidade
ao S. Padre.
Embora Mons. Shllaku se tenha empenhado por obter mais favorável
atitude da parte do Governo, nada obteve: o odio comunista se desencadeou
contra a Igreja e qualquer forma de religiao. A perseguicao recrudesceu:en
tre 1955 e 1965 foram fuzilados mais de doze sacerdotes, encarcerados
muitos outrcs em prisóes ou em campos de trabalhos foreados; foram inva
didos escritorios de paróquias e dioceses; as cerimónias religiosas foram im
pedidas ou perturbadas por agentes do Governo; muitos clérigos foram obri-
gados a varrer as estradas, trazendo urna faixa sobre o peito, que dizia: "Pe
que i contra o povo".

3) O golpe final: 1967-1984

Urna nova fase teve inicio com o discurso de Hoxha aos 6/02/1967.
Tal alocucao incitava todos, mas de modo especial os jovens, a combater as
"supersticóes religiosas". Em conseqüéncia, as igrejas foram destruidas, in
cendiadas ou transformadas em saloes de baile, campos de esportes ou resi
dencias de apartamentos; os sacerdotes foram maltratados e espancados pu
blicamente. A igreja e o convento franciscano de Aramadhe na cidade de
Scutari foram incendiados, falecendo entao queimados quatro frades. Aos
24/10/1967 o jornal Zeri i Populit anunciava triunfalmente que "todas as
igrejas e os lugares de culto haviam sido fechados espontáneamente pelo
povo".
Segundo o jornal dos escritores albaneses Nendori de novembro 1967,
neste ano cerca de 2.300 edificios religiosos (igrejas, mesquitas, cápelas,
mosteiros. . .) foram depredados e fechados; 327 de tais casas pertenciam á
Igreja Católica.
Aos 22/11/1967, o Governo publicou o decreto n? 4337, que cancela-
va todo e qualquer estatuto concernente á religiao, tornando assim ilegíti
mos e proibidos todos os ritos religiosos;quem ousasse praticar algum, esta
ría sujeito a duras penas. Os poucos sacerdotes que aínda gozavam de líber-
dade, foram enviados para campos de trabalho toreado a fim de serem "re
educados". Estatisticas daquela época contavam 1.300 prisioneros políti
cos em Burrel, 1.000 em Scutari, 4.000 em Ballshi, 900 em Valona, 3.500
em Mírdizia, 1.500 em Tirana, além de alguns milhares de pessoas postas nos
campos de trabalho toreado de Berat, Balsh, Bulcize e outras localidades.
Nesse mesmo ano de 1967 o Governo declarou enfáticamente que a
Albania era "o primeiro Estado totalmente ateu no mundo". Desta maneira

476
PRIMEiRO ESTADO ATEU DO MUNDO 33

feria o artigo 18 da Constituicáo de 1948, que reconhecia a todo cidadao


liberdade de consciéncia e de religilo, com o exerci'cio tranquilo de suas prá-
ticas religiosas. Além do que, o Governo violava a Declaracáo Universal dos
Di reí tos do Homem, assinada pela própria Albania em 1948.
Estes fatos infelizmente nao despertaram devidamente a atencao da
opiniao pública mundial. Apenas o jornal L'Osservatore Romano e um Co
mité criado em Nova lorque pelos católicos albaneses levantaram a voz.
Em 1972 ocorreu ainda um fato muito significativo da tensao existen
te no país ateu:teve como personagem central o Pe. ShtjefenKurti. Conde
nado á/norte em 1945, teve a pena trocada por vinte anos de prisao; liber
tado em 1963, foi de novo condenado, como recidivo, a dezesseis anos de
trabalhos toreados num campo de concentrapao. Quando cumpria a pena,
uma senhora Ihe pediu que Ihe batizasse o filho — o que o sacerdote fez se
cretamente; todavia foi denunciado e, em conseqüéncia, executado com 75
anos de idade em 1972. Aos 5/04/1972, o cotidiano Zeri i Popullit noticiou
a morte do Pe. Kurti "justamente punido como espiao, bandido e aven tu-
reiro".
A morte do Pe. Kurti sensibilizou algumas pessoas e instituipoes, que
se puseram a defender os católicos da Albania: o Cardeal Humberto Medei-
ros.de Bostón (U.S.A), Mons. Mark Lipa, da diocese albanesa ortodoxa dos
Estados Unidos, a Conferencia dos Bispos Católicos da Alemanha Ocidental,
as "Igrejas Unidas de Cristo" nos Estados Unidos. Em resposta aos protes
tos, o Governo da Albania se voltou contra a Uniao Soviética, a República
Popular da China, a Polonia, a lugoslávia e outros pat'ses da Europa Oriental
por causa da sua atitude anti-revolucionária em materia religiosa (embora
tais países sejam contrarios á fé religiosa).
Prosseguindo sua campanha, Hoxha em 1976 promulgou nova Consti-
tuigao,cujos artigos 37 e 55 proclamam quanto segué:

"Art. 37: O Estado nao reconhece nenhuma religiao; estimula e desen-


volve a propaganda do ateísmo para suscitar na humanidade uma visao do
mundo científica e materialista".

"Art. 55: É proibida a fundacao de qualquer sociedade de natureza


fascista, antidemocrática, religiosa e antisocialista. Sao proibidas atividades
e propaganda fascista, religiosa, belicosa, antisocialista, como também a
provocacao ao odio entre pessoas e ragas".
Em junho de 1977, foi reformado o Código Penal, que em sua nova re-
dacao incluí o artigo 55: este estipula que "a propaganda religiosa, adistri-
buicáo ou conservacáo de literatura de tal género" sao punidas com a prisao
de tres a dez anos; em época de guerra ou dentro de circunstancias agravan
tes, a pena mínima é de dez anos de cárcere, podendo chegar á condenagao
capital.
De acordó com estas normas, em 1977 foi processado o frade francis
cano Mark Gjoni de Scutari, porque era portador de exemplares da Biblia;

477
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

o Religioso declarou que encontrara tais livros em parques e na praia, deixa-


dos ali por turistas. Contudo tal acáo foi tida como criminosa, e por isto o
Pe. Gjoni foi condenado a doze anos de prisao. Este processo sacudiu forte-
mente a opiniao pública albanesa.

Oois casos ainda repercutíram profundamente na populacao nacional.

Mons. Ernest Coba era arcebispo de Scutari, muitas vezes condenado


á prisao, enviado a trabalhos forcados e internado em hospitais psiquiátricos.
Após tudo isto, exausto, doente e pobre ao extremo, retirara-se para a casa
de urna velha familiar sua em Scutari. Ai celebrava a Missa as ocultas quase
todos os dias. Aos 6/04/1980, domingo de Páscoa. enquanto celebrava numa
saleta escondida em casa, um grupo de jovens do Partido Comunista deu en
trada na casa e descobriu o prelado em flagrante; espancaram-no entao com
cacetadas, que o deixaram desacordado e sangrando no chao. Urna noticia
oficial encerrava o assunto dizendo: "Homens desconhecidos maltrataram o
anciSo Coba, que veio a expirar em sua própria residencia".1

Pouco depois, a opiniao pública foi ainda profundamente ¡mpressio-


nada pelo caso do jesuíta Pe. Ndoc Luli. Este, em maio de 1980, batizou os
gímeos de sua cunhada, nascidos numa Cooperativa Agrícola, perto de
Scutari, onde o Pe. Luli estava detido. O fato foi denunciado ao Secretario
da célula comunista e á Policía. Logo o sacerdote foi preso juntamente com
sua cunhada. Em processo público, esta foi condenada a oito anos de cárcere
e o Pe. Luli á prisao até a morte. O seu paradeiro é desconhecido; muitos
créem que tenha morrido em urna mina subterránea, vítima da famigerada
Policía secreta (Sigurimi).

Atualmente o único Bispo católico da Albania é o anciao Mons.Nikoll


Troshani, Administrador Apostólico de Lezha e Durazzo, retido no campo
de concentracáo de Tepelana. A Amnesty Internacional, organizacao para a
defesa dos direitos humanos e a liberdade de consciéncia, pediu repetida
mente a libertacab de Mons. Troshani e de sacerdotes e leigos encarcerados
por causa da fé. Mas sempre sem resultado.

Aos 12/12/1984, a mesma Amnesty International publicou o seu rela


tó rio anual intitulado "Albania: o encarceramento político e a leí". Oenun-
ciava, antes do mais, as dificuldades que encontrava para exercer sua obra
humanitaria; o Governo mantinha em segredo certos dados e restringía as
viagens para dentro e para fora do país. Como quer que seja, Amnesty citava
os nomes de cerca de 400 prisioneiros políticos na Albania, além dos quais
outros anónimos haveria. Inteiras familias haviam sido transferidas das suas

1 Segundo outra fonte, o fato teña ocorrido num campo de concen-


tracao. Haveriam participado da Missa, ocultamente, afguns prísoneiros, que
terao sido também ferídos a bastonadas pela Policía.

478
PRIMEIRO ESTADO ATEU DO MUNDO 35

regioes de origem para campos de internacáo severa, porque um de seus


membros havia conseguido fugir da Albania. . . Os processos contra um ci-
dadáfo nao duram mais do que um dia, segundo Amnesty, e nao se tem noti
cia de que algum acusado naja sido absolvido; alias, muitas vezes as acusa-
coes eram formuladas em conseqüéncia de urna armadilha montada por
agentes da Policía secreta Sigurimi, que induziam o cidadao a criticar o Go-
verno em conversas particulares. Além disto, o relatório de Amnesty descre-
vía as duras condicoes dos cárceres, dos campos de concentracáo e das minas
de trabalhos forcados, vigiadas por tropas acompanhadas de caes; ai' a ali-
mentagao era reduzida, os uniformes de trabalho eram trocados urna vez por
ano e as doengas grassavam.
Em suma, é evidente a desumana perseguicao religiosa existente na Al
bania: católicos, ortodoxos, muculmanos... estao rigosamente impedidos de
manifestar a sua fé. Todavía esta nao se extingue, como atestam depoimen-
tos fidedignos e o próprio Enver Hoxha em alguns prounciamentos.
Muito recente mente correram noticias de contatos secretos do Gover-
no albanés com países ocidentais, o que pode significar um comeco de mu-
danga da política estritamente fechada daquele regirme; tal hermetismo nao
se emende em nossos dias, visto que nenhum povo pode prescindir do inter
cambio com outros povos; a experiencia desta verdade talvez acarrete ou-
trossim urna nova mentalidade no tocante á religiáo, pois a perseguicao re
ligiosa nao é senáo urna efémera e covarde demonstragao de forca.

Este artigo foi calcado no trabalho de G. Rulli: "Dove va ¡'Albania?",


publicado em "La Ovita Cattolica" n? 3233,2/03/1985, pp. 496 - 506.

"O homem é um canico pensante... Um vapor, urna gota de


agua bastam para tirar-I he a vida. Mas, ainda que o universo o es-
magasse, o homem seria mais nobre do que o seu matador, por
que ele sabe que morre e conhece a vantagem que o universo tem
sobre ele, ao passo que o universo nada disto sabe. Toda a nossa
dignidade consiste, pois, no pensar...".
(Pascal, Pensamentos n?200 ou 347)

479
Sobre a Teologia da Libertacao:

"Declaración de Los Andes"


Publicamos, a seguir, importante documento elaborado num Semina
rio de Estudos sobre a Teologia da Libertadlo no mes de julho p.p. em Los
Andes (Chile). Os signatarios de tal Declaracao sao: o Cardeal Alfonso Ló
pez Trujillo, arcebispo de Medellín (Colombia) ;Mons. Fernando Vargas, ar-
cebispo de Arequipa (Perú); O. Boaventura Kloppenburg O.F.M., bispo auxi
liar de Salvador (Bahía); da parte do Chile, os PP. Miguel Ángel Salgado,
Bruno Dessi, J. Miguel Ibánez Langlois, Francisco Francou S.J., Fintan
Lawless, Joaquín Garcia-Huidotro, Ernesto Moreno, os professores Fernan
do Moreno, Antonio Carasuitjana, Geraldo Sánchez, Juan Oses; da parte
do Perú, os professores Miguel Sal azar Steiger, Alfredo Garland;da parte da
Argentina, o Pe. Danilo Eterovic Garrett; da parte da Nicaragua, o jornalista
Humberto Belli, que foi marxista e sandinista antes de se converter ao Cato
licismo; da parte do Brasil, o Pe. Estevao Bettencourt OSB; da parte da Es-
panha, o Pe. José Luís Miañes; da parte da Suíca, o Pe. Georges Cottier O.P.;
da parte da Alemanha, o Pe. Antón Rauscher S.J.
O Seminario tinha em mira aprofundar a Instrucáo Libertatis Nuntius
publicada pela Sagrada Congregacao para a Doutrina da Fé aos 03/09/84,
tendo sido a convocacao efetuada pela direcao da revista COMMUNIO para
os países hispano-americanos, que tem sua sede em Santiago do Chile. Nove
foram as conferencias entSo proferidas; visavam a fazer a ponte entre a Ins
trucáo Libertatis Nuntius e os teólogos da Libertacao mais famosos, mos
trando que a S. Congregacao para a Doutrina da Fé nao se referiu a interlo
cutores "fantasmas", irreais, mas a pensadores cujas obras contém realmente
os graves erros apontados pelo documento da Santa Sé. Tal fato se tornará
aínda mais patente por ocasiio da publ ¡cacao das atas do Seminario.

Segue-se o texto da Declaracao final em traducáo portuguesa:

DECLARADO DE LOS ANDES

í. Nos abaixo-assinados, pastores e leigos cristaos, estudiosos da Filo


sofía, da Teologia e das Ciencias Sociais, reunimo-nos nos días 24-28 de ju
lho de 1985 perto da cidade de Los Andes, Chile, e ao pe da cordilheira an
dina, sob a convocacáo da revista COMMUNIO da América Espanhola, que
tem sua sede em Santiago, com o objetivo de examinar a resposta que ofe-
receram as chamadas teologías da libertacao ao grave desafio que para a
consciéncia crista" representam a miseria e a marginalidade de vastos setores
da populacá~o latinoamericana.

480
DECLARAgÁO DE LOS ANDES 37

2. Os participantes deste Seminario Internacional viemos de países


muito diversos, e é grande a variedade de nossas experiencias, atividades e
publicacOes. O denominador comum que nos une, que esteve na raíz de nos-
sa convocacáo e que presidiu aos prolongados debates de nossa reuniao, é
essencialmente este: fidelidade plena ao Evangelho tal como é professado pe
lo magisterio da Igreja, assir-i como ao ensinamento social da Igreja e ao con-
teúdo da Instrucao Libertatis Nuntius, emanada da Congregacáo para a Dou-
trina da Fé, á luz da qual, sentindo preocupacáo por nossas comunidades,
especialmente pelas mais pobres, trabalhamos durante estas intensas jorna
das.
3. O estudo dessa InstrucSo da Santa Sé, comparada com a producáo
teológica á qual os próprios autores deram e d3o o titulo de "teología da li-
berta9áo", permitiu-nos comprovar mais urna vez que, embora sob tal nome
existam correntes bastante diversas entre si, as posicoes descritas nos capítu
los VI-X da Instrucáo nao sao construyes hipotéticas, mas pronunciamen-
tos realmente contidos em numerosos livros, ensaios e artigos que circulam
por toda a América Latina, como, alias, ficou documentado pelas conferen
cias proferidas neste Seminario.
4. A teología da libertacüo tal como a entendem os autores aquí cita
dos pretende ser urna "nova maneira de fazer teología" do ponto de vista
do "oprimido", tomando como fonte e criterio supremo da verdade teológi
ca urna certa interpretacáo da praxis libertadora. A partir desta, exige-se
urna releitura essencialmente política da Palavra de Deus, que chega a inter
pretar em chave política toda a existencia crista, a fé e a teología. Esta poli-
tizacáo radical é gravada para recurso nao crítico a urna hermenéutica bí
blica racionalista, que prescinde dos criterios exegéticos básicos da Tradicao
e do Magisterio.
5. Estamos persuadidos de que o defeito fundamental dessa teología
da libertacá~o está radicado na sua própria conccpcao de método teológico,
isto é, naquilo que a Instrucao Libertatis Nuntius chama "seu principio her-
menéutico determinante" (X-2), ao qual acabamos de nos referir. Aceitamos
plenamente os dois criterios de auténtico método teológico assinalados pela
Congregado para a Dou trina da Fé em sua NotificacSo de 11 de marco de
1985 referente a um livro de um dos teólogos da libertacáo. Tais criterios
sao:
a) o primado da heranca comum. Anteriormente ás situacóes concre
tas e particulares, o teólogo dispOe de urna "heranca comum do único Evan
gelho, entregue, urna vez por todas, pelo Senhor á nossa fidelidade". A pri-
meira preocupaca"o do teólogo há de ser esta heranca comum, que ele deve
receber, interpretar, desenvolver e aplicar ás diversas situaeñes históricas. As
Igrejas particulares sSo Igrejas exatamente na medida em que sao, em deter
minado tempo e lugar, expressSo e atualizacao da Igreja universal. O verda-
deiro discurso teológico jamáis pode fechar-se dentro dos limites de urna
Igreja particular.

481
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

b) Em caso nenhum a praxis pode ser o ato primeiro ou fundamental


da reflexa"o teológica. A praxis e as experiencias nascem em determinada e
concreta situacáo histórica. Essas experiencias concretas podem ajudar o
teólogo na sua leitura do Evangelho para que este se torne acessívd ao seu
tempo. Todavía anterior á praxis é a verdade que o Divino Mestre nos con-
fiou. "A praxis nao substituí nem produz a verdade, mas está a servico da
verdade que nos foi entregue pelo Senhor". A fé na"o nasce da praxis: ela a
ilumina e orienta. É superior á praxis e a precede otológicamente. A fé é
o genuino ato primeiro da teología.
6. Se estes dizeres valem para qualquei tipo de praxis, no caso concre
to de certas teologías da libertacao eles se tornam muito mais problemáticos,
pois nestas a "praxis libertadora" assume sentido claramente tributario do
marxismo. Por isto nao podemos silenciar a realidade de alguns aspectos-cha
ve do fenómeno liberacionista, que, como diz a Instrucao em seu parágrafo
¡ntrodutório, se tornam "ruinosos para a fé e ávida crista", justamente por
que "recorrem de modo insuficientemente crítico a conceitos tomados de
diversas correntes do pensamento marxista". O estudo atento do pensamen-
to, tanto de Marx como dos neomarxistas atuais, permite ver o poderoso in-
fluxo que exerceu sobre essas teologías e a maneira nao crítica como foi re-
cebido no seu discurso teológico-social; tal influxo teórico, independente-
mente de intencGes subjetivas, tende a trair a auténtica opcáo preferencial
pelos pobres na América Latina e constituí perigo fundamental para a fé
do povo de Deus.
7. A teología pode e deve fazer uso frutuoso das ciencias sociais.Mas,
por uma parte, nao é possível aceitar a subordinado do discurso teológico
ao discuno de alguma ciencia positiva. Por outro lado, ná"o se pode reconhe-
cer valor científico á análise da sociedade nem á interpretacao dialética da
historia, cujo caráter ideológico é patente. Finalmente é preciso rejeitar que,
em nome de alguma ciencia, se chame o povo cristao a atuar em uma direcao
político-social única, desconhecendo o direito dcste povo ao legítimo plura
lismo em materias temporais desde que a fé crista nSo imponha uma solucao
única. Estas tres confusOes se acham presentes no próprio ponto de partida
das teologías da libertacao mencionadas no parágrafo anterior.
8. Compartilhamos plenamente as interpretares do acontecimento
capital do Éxodo e da pregacSo dos Profetas do Antigo Testamento, assim
como da pregacSo do próprio Jesús nos Evangelhos, que p8em em evidencia
a forc.a libertadora destes textos, e a sua exigencia de transformares nlo só
individuáis mas também histórico-sociais. Todavía faz-se violencia á Palavra
de Deus quando é interpretada arbitrariamente, lendo-se a Biblia segundo
criterios exegéticos racionalistas e com olhar esencialmente político ou
mesmo classista, que distorce os principáis acontecimentos da historia da sal-
vacío e os projeta fora do seu horizonte ético-religioso auténtico.
9. Jesús Cristo é-nos apresentado como o "subversivo de Nazaré", in
serido e intencionalmente comprometido na "luta de classes" de seu tempo;

482
DECLARACÁO DE LOS ANDES 39

a sua vida e a sua morte libertadoras sao-nos apresentadas como as de um


simples mártir da causa popular, alijado pelo "establishinent" judeo-romano
imperante. Sem dúvida, os que assim procedem, tencionam por em eviden
cia a dimensSo histórico-social e mesmo política da vida de Jesús. Certamen-
te o Senhor se moveu dentro do contexto social do seu país e do seu tempo.
Todavía essa imagem de um "Jesús histórico" mono em favor do pobre e
contra o rico como classes, nffo procede da mensagem do Novo Testamento,
mas do a priori de urna dialética do conflito, e contrasta profundamente
com a fé da Igreja em pontos fundamentáis. Por um lado, o misterio do
Verbo Encarnado e da natureza divina de Cristo assim é, se nao abertamen-
te negado, ao menos ta"o obscurecido e deformado que a Igreja já nfo pode
reconhecer nessa versao a sua própria fé ■ tal como *foi definida nos primei-
ros Concilios. Por outro lado, o caráter sacrificai-salvífico da morte do Se
nhor se dissipa em favor de urna interpretacao política de sua crucifíxao, o
que pOe em questao o sentido salvífico de toda a economía da Reden?ao.O
misterio profundo da Paixá"o e morte de Jesús e a medida insondável do
amor de Deus Pai que nela se nos revela, ficam assim obscurecidos, e se obs
curece também o misterio radical do pecado e da própria dignidade do ho-
mem, objeto desse amor divino incomensurável. Somente á luz destes mis
terios, como os proclama a fé da Igreja, se compreende o sentido integral da
RedencSo: Cristo nos libertou essencialmente da escravidfo radical do peca
do, e por isto mesmo sua libertacSb deve projetar-se também eficazmente no
esforco de remover as servidOes económicas, sociais c políticas que derivam
do seu pecado, anunciando e antecipando assim a libertacao definitiva do
Reino dos Céus.
10. Com respeito á Igreja, sem desconhecer o amor aos pobres que
se pode descobrir em alguns teólogos da libertacao, devemos acrescentar
com pesar que, na figura de urna "Igreja Popular" tal como a apresentam es-
sas teologías, ná"o podemos reconhecer a face da verdadeira Igreja de Cristo.
Com efeito, esta se acha obscurecida pelo confronto entre urna suposta Igre
ja do poro e a Igreja hierárquica e sacramental, que é desqualificada de ante-
mío, e ás vezes até combatida, em virtude de urna crítica generalizado» que
lhe atribuí caráter burgués-capitalista ou cumplicidade com a opressao. Nos
declaramos, em comunhao com a Igreja.una e única e com a sua historia,
presente e passada, que Ela atravessou momentos de crise e períodos de'
sombras, mas que foi sempre animada pelo Espirito Santo e que se esforcou
por ser fiel á vontade do seu Senhor e á disposicao de servipo que deve defi
nir a comunidade de seus discípulos, manifestada em múltiplas obras de
amor aos pobres e aos que sofrem.
11. A expressao "opcSb preferericial pelos pobres" proclamada pe
las Conferencias Episcopais de Medellin (1968) e Puebla (1979) constituí
um anal privilegiado da autenticidade evangélica. A evangelizacáo dos po
bres é um sinal messiánico que visa á libertacao de todas as miserias e servi
dOes da existencia humana. Todavía esta afírmacSo foi, em algumas oca-
483
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

siOes interpretada e aplicada de modo unilateral, que perverte a sua inspira-


cao bíblica. Há, sim, quem reduza a pobreza ao seu aspecto material e', mais,
quem a interprete de acordó com urna sociología conflitua!. O pobre é as-
si m identificado com o proletario visto segundo urna ótica de ¡uta de classes
com seu correspondente e inevitável partidarismo. O resultado é urna re fie-
xao teológica e urna pregacáo eclesial centradas quase exclusivamente ñas
questOes sócio-económicas, as vezes com acentos amargamente reivindicato
ríos e ainda freqüentemente com pretericáo ou esquecimento de dimensoes
essenciais da fé e de aspectos básicos da experiencia humana. Percebemos a de-
cepcSodemuitosque, por causa da aplicacáo de urna equivocada forma de
entender a opcao pelos pobres, se sentem abandonados ou ignorados em
suas aspiracSes e necessidades religiosas e observamos como urna pregacao
reducionista suscita vacuos religiosos que sao, com freqüéncia, ocupados pe
las seitas.
12. A apresentacao da verdade como identificada com a praxis e a
equivalencia prática entre salvacao crista e libertacáo sócio-política pres-
supSem um monismo histórico (cf. Instrucao IX 3), do qua] se derivam um
reducionismo antropológico e um totalitarismo político, este último tanto
mais grave quanto sacralizado. A fé crista nos revela a vocacao divina do ho-
mem e, em conseqüéncia, o sentido profundo da historia e de toda situacao
humana. A pregacao da Igreja deve, portanto, ajudar a julgar todo aconteci-
mento com referencia a Deus e mover urna acáo que incida eficazmente so
bre a historia. Todavía é necessário enfatizar ao mesmo tempo que a existen
cia humana ná~o se reduz as dimensOes políticas, nem tem na política o seu
eixo dominante; este se acha na rclacáo com Deus. Tal realidade deve ser
proclamada com absoluta nitidez, pois déla dependem a defesa da vocacao
transcendental da pessoa humana e a afirmacao da sua liberdade.
13. Em nosso debate procuramos ser fiéis á verdade a fim de preser
var de toda ideologizacao a doutrina da fé, e, em particular, o amor aos po
bres. Opomo-nos a toda prática económica, social, cultural ou política que
atente contra as aspiracoes á liberdade e á justica (Instrucao, I e II). Cremos
indispensável afirmá-las com plenitude, evitando toda interpretadlo que por
si mesma leve a desvirtuá-las mais do que a realizá-las; temos a certeza de
que "os graves desvíos ideológicos" que a Instrucao da Santa Sé denuncia
em algumas teologías da libertacSo, "levam inevitavelmente a trair a causa
dos pobres" (Instr. Introducao). Em comunhSo com a hierarquia da Igreja,
cremos que a auténtica libertacao é a que se funda na "verdade sobre Jesús
Cristo o Salvador, na Verdade sobre a Igreja, na Verdade sobre o homem"
(Instrucáo XI 5), e que essa libertacáo se deve compreender no contexto pe
rene dinámico e renovador da doutrina da Igreja, e particularmente do seu
ensinamemo social.
14. Alguns teólogos da libertacao afirmam que a doutrina social da
Igreja nao é instrumento doutrinário apropriado para superar a pobreza e a
miseria dos homens da América Latina; o instrumento adequado seria tao

484
DECLARACÁO DE LOS ANDES 41

somente a análise marxista da historia. Ora verificamos, ao contrario, que a


doutrina social oferece principios capazes de orientar realmente na tarefa de
construir uma sociedade em justica e solidariedade. A adequada soluto dos
problemas atuais da América Latina nSo se obterá mediante declarac.Oes sim-
plificadoras, derivadas da ideología marxista, mas através de ac,óes vigorosas
baseadas em análises precisas das múltiplas causas da pobreza de tantos indi
viduos e familias. Estas análises poderao ser fecundadas se forem iluminadas
pela concepcáo crista do homem, fundamento último de uma ordem social
justa, e orientadas pelos criterios, as verdades e as experiencias comidas nes-
se corpo de doutrina - enormemente rico, aínda que sempre perfectível -
que é o ensinamento social da Igreja. Particular importancia revestem
a ética do trabalho, das relacñes de producao e da distribuicáo dos bens e
servigos a todos os membros da comunidade.
15. Toda teología auténtica deve assumir esta feliz e tremenda ver-
dade: o que está em jogo na existencia histórica, é a vida eterna, pois a liber-
tacSo definitiva e total do homem só se dará na consumacáo do Reino dos
Céus, na visao de Deus face-a-face, para a qual todos fomos chamados. Esta
verdade, longe de legitimar a opressao ativa, é a sua mais profunda condena-
53o, como se evidencia na sorte do rico epula~o; longe de provocar umaeva-
sao das realidades temporais, é o mais poderoso impulso histórico que liber
ta das servidfles económicas, sociais, políticas e culturáis de nossos povos,
porque somente nesta verdade resplandece a suprema dignidade do homem
criado á imagem de Deus e chamado á filiacfo divina; somente esta verdade
fundamenta o imperativo ético que leva a jamáis considerar o homem qual
mero objeto de ideología, poder ou interesse algum.
16. Uma genuína teología da libertacao supde a realidade da recon-
ciliacao do homem com Deus, consigo mesmo, com os outros e com todas
as demais criaturas, como ensinam a Exortacao Apostólica Reconciliacáo e
Penitencia e todo o magisterio dos Concilios e dos Papas. Nestas fontes en
contramos um ensinamento claro a respeito dos conteúdos e valores da liber-
tacffo frente as servidSes que tém sua raíz no pecado, como também a respei
to da libertado como plenitude do homem no encontró definitivo com Deus.
Essas fontes também nos recordam que nfo há verdadeira liberta?áo sem re-
conciliacSo nem há auténtica reconciliado sem esforco em prol da liberta-
9§ío. Conscientes disto, queremos fortalecer o diálogo a servico da unidade
da Igreja.
Nos, os participantes deste Seminario, fazendo-nos eco dos parágrafos
fináis da InstrufSo Libertatis Nuntíus, convidamos todos os cristaos a reco-
nhecer o desafio que o próprio Deus nos dirige a partir da dramática situac.ao
atual do continente latino-americano, com a generosidadc exigida pela se-
qiiela de Cristo e a esperanza que se deriva da firmeza da ac.ao do Espirito
e da protecSo maternal de María.
Los Andes, 28 de julho de 1985.

485
Frente as Testemunhas de Jeová:

A SS. Trindade: Fórmula Paga?


Em síntese: As Testemunhas de Jeová, na sua tendencia a voltar ao
Antigo Testamento, com detrimento do Novo, negam a SS. Trindade e a
Divindade de Cristo. Juigam que as Escrituras nao apresemam a revelacSo do
dogma trinitario; este terásido oficialmente professado no sáculo IV apenas,
em conseqüéncia de helenizacao e deturpacao da mensagam crista. — Verifi
case, porém, que já o Antigo Testamento prepara de algum modo a revela-
ció da SS. Trindade, que nao podía ser manifestada aosjudeus, dado o am
biente de povospagaos que os cercavam. No Novo Testamento há varias fór
mulas trinitarias, analisadas ñas páginas deste artigo; tais fórmulas encontra-
ram eco nos escritos da Liturgia e dos teólogos dos séculos II e IV. — Pro
curando ilustrar como em Deus possa haver tres pessoas sem quebra da uni-
dade de natureza ou substancia, os teólogos recorrem ao instrumental da
filosofía grega, de reconhecido acume lógico; tal recurso é legítimo, contan
to que nao afete o conteúdo das verdades reveladas. Por conseguinte, a pro-
fissao de fé na SS. Trindade nao é algo de heterogéneo dentro do Cristianis
mo, mas é a genufna explicitacao do depósito revelado, que o magisterio da
Igreja reconheceu e sancionou sob a guia do Espirito Santo fcf. Jo 1426-
16,13).

* *

As Testemunhas de Jeová, denominacao derivada dos Adventistas no


fim do século XIX, nao aceitam a Divindade de Jesús Cristo nem o misterio
da SS. Trindade. Juigam que este último nao se encontra na Biblia, mas re
sulta da deturpacao da mensagem crista primitiva. Tal concepgao é propaga
da pelos escritos das Testemunhas em geral, ¡nduzindo muitos leitores a dú-
vidas e perplexidade. Eis por que nos voltaremos para o assunto, bascando-
nos num artigo da revista das Testemunhas "Despertai!", de 18/01/85, pp.
19-24.

1. A argumentapao das Testemunhas

Segundo a corrente em foco, o Novo Testamento nao apresenta a pa-


lavra Trindade nem a doutrina explícita da SS. Trindade; Jesús e seus segui
dores nao tencionaram abandonar a formulado Antigo Testamento: "Ouve,
Israel: o Senhor nosso Oeus é um so" (Dt 6,4). A doutrina trinitaria ter-se-á

486
SS. TRINDADE: FÓRMULA PAGA? 43

desenvolvido gradualmente no decorrer dos sáculos enfrentando muitas con


troversias.
Mas precisamente: segundo tal escola, a doutrina bíblica, que nao re-
conhece a SS. Trindade, foi adaptada á filosofía grega nos primeiros sáculos.
Havia ñas concepcoes religiosas e filosóficas nao cristas muitas tn'ades, que
correspondiam a aspectos do Deus Supremo;de modo especial, Platao (427-
347 a.C.) terá inspirado os "apóstatas país da Igreja" para que concebessem
Pai, Filho e Espirito Santo como tres pessoas num só Deus. Urna das formu-
lacfíes do "novo dogma" terá sido "Pai, Mae (= Espirito Santo) e Filho",
pois a palavra ruach (= espirito, em hebraico) é de género feminino.
Nos primeiros sáculos, teólogos unitarios e trinitarios, como dizem as
Testemunhas, se confrontaram ardorosamente, acab.ando por prevalecer es
tes últimos. No Concilio de Nicéia I (325), foi formulado o Símbolo de fé
trinitaria, que o Concilio de Constantinopla I completou em 381, professan-
do a trindade de pessoas e a unidade de substancia em Deus.
Assim é que, segundo as Testemunhas, os cristaos católicos, ortodoxos
e protestantes adoram um Deus que nao compreendem. Somente a partir de
1874, mediante os estudos de Charles T. Russel e seus companheiros, foi de
nunciado o erro de dezesseis sáculos de Cristianismo; em conseqüéncia so-
mente as Testemunhas entendem adequadamente a doutrina bíblica referen
te a Deus, cujo nome auténtico seria Jeová.
Perguntamos:que dizer a propósito?
Procederemos por partes.

2. A doutrina bíblica

A Biblia ensiha estritamente a unidade e unicidade de Deus. Qualquer


fórmula politeísta é aberraclo nao só no plano da fé crista, mas no da lógica;
nao pode haver mais de um só Deus ou mais de um Ser Absoluto e Eterno.
Dito isto, consideremos de per si o Amigo e o Novo Testamento.

2.1. O Antigo Testamento

No Antigo Testamento, visto que o povo de Israel estava cercado de


nacfies pagáis politeístas, a Lei de Moisés e os Profetas insistiram sobre a uni
cidade de Deus; ná*o havia como revelar ao povo de Israel toda a riqueza da
vida de Deus, que, sem perder a sua unidade, se afirma tres vezes, como Pai,
Filho e Espirito Santo respectivamente.
Todavia nao podemos deixar de observar a tendencia, dos autores do
Antigo Testamento, a conceber como pessoas ou a personificar certos atri
butos ou propriedades de Deus;é o que se dá especialmente em relacáo á Sa-
bedoria, á Palavra e ao Espirito de Deus. Examinemos de mais perto como
isto se dá.

487
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

2.1.1. ASabedoria

A sabedoria como tal é um atributo de Oeus e do homem. Todavía nos


livros sapienciais ela foi sendo concebida como pessoa; assim em Jó 28 1-28-
Br 3,4-4,4; Pr 8,12-36; Eclo 24,5-32; Sb 7,22-26.
A sabedoria "sai da boca do Altíssimo, e, como a neblina, cobre a tér
ra. .. reina sobre todos os povos e nacóes" (Eclo 24,3-6). Só Deus sabe onde
ela habita; só Deus conhece o caminho que leva a ela (cf. Jó 28,23). Desde a
etemidade, ela foi estabelecida; antes das montanhas e dos mares, foi gera-
da; assistia a Deus, como mestre-de-obra, na criacao do mundo; todo o tem-
po ela brincava na presenca de Deus e se alegrava com os homens (cf. Pr 8,
22-31). Ela aparece u sobre aterra e no me ¡o dos homens conviveu (cf. 3,38).
É um espirito inteligente, santo, imaculado, amigo do bem, todo-poderoso...
É um reflexo da luz eterna, um espelho nítido da atividade de Deus, urna
imagem da sua bondade (Sb 7,22-26).
Embora estes textos insinuem ser a Sabedoria urna pessoa distinta de
Deus, sabemos que a mentalidade judaica nao os podia entender senao como
figuras literarias, que personificavam poéticamente um atributo de Deus. No
Novo Testamento, porém, Sao Paulo alude aesses textos e identifica a sabe
doria com a segunda Pessoa da SS. Trindade ou o Cristo Jesús:
ICor 1,24: "Cristo é o poder e a sabedoria de Deus";
Hb 1,3: "Cristo é o resplendor da gloria de Deus e a imagem da sua
substancia;sustenta todas as coisas pela sua palavra poderosa".
Cl 1,15: "Cristo é a imagem do Deus invisível".
O apostólo, ilustrado pela revelacao crista, releu os textos do Antigo
Testamento de modo a descobrir neles urna revelacao da segunda Pessoa da
SS. Trindade.

2.1.2. A Palavra

A palavra (dabar), para os semitas, tinha mais importancia do que para


nos. Atribuiam-lhe eficacia própria, que durava para além do momento em
que era proferida.
Assim a palavra de Deus é tida como criadora:
Gn 1,3.6.9.11.14$. 20.24: "Deus disse... E assim se fez."
SI 32,6: "O céu foi feito pela Palavra do Senhor".
Sb 9,1: "Deus dos País,... que tudo criaste com tua palavra".
SI 147,4: "O Senhor envia suas ordens á térra e sua palavra corre ve
lozmente".
A eficacia atribuida á Palavra de Deus explica tenha sido ela concebida
como pessoa ao lado do próprío Deus; assim, por exemplo, nos seguintes
textos:
Is 55,1 Os: "Como a chuva e a nevé deseem do céu e para lá nao voltam
sem ter regado a térra,. . . tal ocorre com a palavra de minha boca; ela nao

488
SS. TR1NDADE: FÓRMULA PAGA? 45

torna a mim sem fruto; antes, ela cumpre a minha vontade e assegura o éxi
to da missao para a qual a enviei".
Sb 18,14s: "Quando um silencio envolvía todas as coisas e a noite me-
diava o seu rápido percurso, tua palavra onipotente precipitou-se do trono
real dos céus".
Sb 16,12: "Nao os curou nem erva nem ungüento, mas a tua palavra,
Senhor, que a tudo cura".
Nestes textos nao há, segundo os judeus que os escreveram, senao per-
sonif¡cacao poética ou figura literaria. Todavía o Apostólo S. Joao desenvol-
veu a concepcao judaica, apresentando a segunda pessoa da SS. Trindade co
mo Palavra (Lógos, em grego). Cf. Jo 1,1: "No principio existia o Lógos, e
o Lógos estava com Oeus e o Lógos era Deus. . . E o Lógos se fez carne, e
habitou entre nos, e vimos a sua gloria, como a gloria do Unigénito do Pai"
(vertambém 1,14).

2.1.3. O Espirito de Deus

O termo hebraico ruach, (em latim, spiritus, espirito) significa "vento,


brisa silenciosa, tempestade. . ." Está associado á idéia de vida. Em conse-
qüéncia, as intervencoes de Deus em favor do seu povo na historia sao atri
buidas á ruach (forca vivificante) de Oeus. É esta quem transforma os ho-
mens, tornando-os capazes de facanhas excepcional; tenha-se em vista o ca
so de Sansáo (Jz 13,25; 14,6).
O Messias prometido pelos Profetas seria portador do ruach: Is 11,1-5;
42, 1-3; 61,1s; Jl 3,1-3. Essa forca vivificante de Deus seria dada a todos os
homens: Is 32,15-20; 44,3-5. E produziria novas criaturas: Ez 11,19-18 31 ■
36,26;37,1-10.
Nota-se também a tendencia a personificar o Espirito entre os judeus;
cf. Is 63,1 Os; 2Sm 23,2. Isto, porém, sem ultrapassar os termos de urna figu
ra poética. — O Novo Testamento mais urna vez desenvolveu o pensamento
judaico, apresentando o Espirito com a terceira Pessoa da SS. Trindade cf
Jo 14,25; 16,7.13; At 2,1-22.

2.2. O Novo Testamento

Jesús explicitou as nocoes judaicas, falando abertamente do Pai e do


Espirito, que com o Filho constituem um só Deus em tres Pessoas.
A SS. Trindade aparece em algumas fórmulas marcantes:

Mt 28,18s: "Ide e fazei que todas as nacoes se tornem discípulos, bati-


zando-as em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo". — Temos aqui a
fórmula tal como era aplicada na liturgia do Batismo; a justaposicao me
diante a preposicáb e significa a igualdade de natu reza das tres Pessoas Divi
nas.

489
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/198S

Mt 3,16; Me 1,11; Le 3,22; Jo 1,32: no Batismo de Jesús, o Pai se faz


ouvir apontando o Filho, e o Espirito Santo se manifesta sob a forma de
pomba (a pomba era, ñas literaturas antigás, um sinal que servia para iden
tificar).
Le 1,30-35: na anunciapao do anjo a María, o Pai é dito "o Altíssimo,
o Senhor Deus";o Espirito Santo é identificado com "o Poder do Altíssi
mo". Este recobre María com a sua sombra, como as asas de um pássaro re-
cobrem urna criatura, simbolizando a apao divina fecundante e vivificante
(cf. SI 16 [ 17], 8; SI 56 [ 57 ] 2; Gn 1,2); em conseqüéncia, María recebe
em seu seio o Filho de Deus, ao qual ela deverá dar a natureza humana, para
que Ele nasca como Filho de Oeuse (enquanto homem) como Filhode Ma
ría.
2Cor 13,13: "A grapa do Senhor Jesús Cristo, o amor de Deus e a
comunicapao do Espirito Santo estejam com todos vos!" - Nesta fórmula,
Deus (Pai) é tido como o Amor (pois, na verdade, foi como Amor que Ele
quis identificar-se no Novo Testamento; cf. Uo 4,16). Esse Amor tem um
sorriso (grapa) para os homens, que é o Filho feito homem, manifestapáb do
Pai. Essa grapa se comunica a cada homem mediante o Espirito Santo, ao
qual, portanto, é atribuida a comunhao.

Gl 4,6: "Porque sois filhos, enviou Deus em nossos corapoes o Espirito


do seu Filho, que clama: Abbá, Pai!" (cf. Rm 8,15). Este texto nos diz que
o Espirito Santo nos faz filhos no Filho e, conseqüentemente, com o Filho
nos leva a clamar a palavra por excelencia: Abbá, Pai. Somos assim inseridos
na vida trinitaria; a consciéncia deste fato era tío viva para os antigos cris-
taos que aprendíam a dizer Abbá desde os primeiros dias da sua conversad,
ficando ess? palavra aramaica, mesmo fora da Palestina, como a palavra mais
típica e fundamental da mensagem crista.

Ef 2,18: "Por Cristo. . . num so Espirito temos acesso ao Pai". - Nes-


te texto é apresentado o papel de cada urna das Pessoas trinitarias na obra de
salvapao do homem: o Espirito Santo é sempre aquele que nos faz filhos ou
aquele que nos atinge em nosso íntimo. Ele nos leva ao Pai (que é o Princi
pio e o Fim, o Primeiro e o Último) mediante o Filho (que é o nosso Pontí
fice ou Mediador). "Ao Pai pelo Filho no Espirito Santo" é a fórmula clás-
sica da piedade crista, geralmente reassumida pela Liturgia. Vivemos "no Es
pirito Santo" (cf. 1Cor 12,3; Rm 8,9.11), pois é o Espirito que anima e vi
vifica o Corpo de Cristo que é a Igreja.

Tt 3,4-6: "Quando a bondade e o amor de Deus, nosso Salvador, se


manifestaran!, . .. fomos lavados pelo poder regenerador e renovador do Es
pirito Santo, que ele ricamente derramou sobre nos por meio de Jesús Cris
to, nosso Salvador". - Como se vé mais urna vez, o Pai é o Amor, que tem a
iniciativa de nos salvar, o Filho é o Pontífice ou Mediador, e o Espirito San
to é a forca de Deus que nos recría, fazendo-nos consortes da vida trinitaria.

490
SS. TRINDADE: FÓRMULA PAGA? 47

Hb 2,3s: "A salvacao comecou a ser anunciada pelo Senhor. Depois


foi-nos fielmente transmitida pelos que a ouviram, testemunhando Deus jun
tamente com eles, . . . pelos dons do Espirito Santo distribuidos segundo a
sua vontade". . . — Deus (Pai) é o principio de toda a salvacao; o Filho é a
Palavra, que na térra anuncia essa Boa-Novado Pai;o Espirito Santo é Aque-
le que em nossos coracoes explana e interpreta a mensagem.
Tal é a doutrina dos escritos do Novo Testamento.
Vé-se, pois, que nao se pode dizer que no Novo Testamento nao há
declarares trinitarias ou que a doutrina da SS. Trindade é alheia aos escri
tos bíblicos. É ceno que tal doutrina se encontra expressa, nos textos cita
dos, de maneira vivencial, sem preocupacoes especulativas e sistemáticas. Os
textos bíblicos enfatizam o significado salvífico das verdades da fé, pois a
Biblia foi escrita como mensagem de salvacfo; todavía foi redigidaem ter
mos suficientemente claros, que a Tradicáo crista foi aos poucos desenvol-
vendo de forma homogénea.

3. A antiga Tradicao

Na geracao que se seguiu ¡mediatamente aos Apostólos, há testemu-


nhos de fé trinitaria em continuidade com os do Novo Testamento. Tenham-
se em vista, por exemplo, os seguintes:
1) o rito batismal era ministrado em nome das tres Pessoas Divinas,
em conformidade com Mt 28,19. Assim atesta a Didaqué, catecismo da Igre-
ja nascente redigtdo no fim do sáculo I:
"No que diz respeito ao Batismo, batizai em nome do Pai, do Filho e
do Espirito Santo em agua corrente. . . Derrama/' tres vezes agua sobre a ca
bera em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo" (n?7).
S. Justino (ti65 aproximadamente) escreve:
"Os que devem ser balizados, sao levados por nos a um lugar onde ha-
¡a agua, e sao regenerados da mesma maneira como nos fomos regenerados.
Com efeito; é em nome do Pai de todos e Senhor Deus e de nosso Salvador
Jesús Cristo e do Espirito Santo que recebem a locao na agua. Este rito nos
foi entregue pelos Aposto/os" (Apología I, n?6t).

Tertuliano (J210): "Foi estabelecida a lei de batizar e prescrita a fór


mula: '/de, ensinai os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do
Espirito Santo' (Mt 28,19)" (De Baptismo c. 13).

2) Os escritores mais antigos expressam a sua fé trinitaria em pas-


sagenscomo:

"Um Deus, um Cristo, um Espirito de graca" (S. Clemente Romano,


1100 aproximadamente, Aos Corintios 46,6).
491
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/I98S

"Como Deus vive, vive o Senhor e vive o Espirito Santo " (S. Clemente
Romano, ib. 58,2).

"Vos sois as peoras do templo do Pai, < e/evado para o alto pelo guin
daste de Jesús Cristo, aueésua Cruz, com o Espirito Santo como corda" (S.
Inácio de Antioquia. 1107, Aos Efésios 9,1).

"Mantende-vos... naféena carídade, no Filho e no Pai e no Espirito,


no principio e no fim. . . Sede submissos ao Bispo e uns aos outros, como
Cristo segundo a carne se submeteu ao Pai, e os Apostólos a Cristo e ao Pai
e ao Espirito, a fim de que a unidade se/a, ao mesmo tempo, carnal e espiri
tual" (Aos Magnesios, 13,1s).

"Eu te louvo, Deus da verdade. Te bendigo. Te glorifico por teu Filho


Jesús Cristo, nosso eterno e sumo Sacerdote no céu; por Ele, com Ele e o
Espirito Santo, gloria seja dada a Ti, agora e nos sáculos futuros1. Amém"
(S. Policarpo, f 156. Martirio 14.1-3).

"Já temos mostrado que o Verbo, isto é, o Filho esteve sempre com
o Pai. Mas também a Sabedoria, o Espirito estava igualmente ¡unto dele an
tes de toda a criacao" (S. Ireneu. Acerca de 202, Adversus Haereses IV
20.4).

Muito significativo é o texto do apologista cristao Atenágoras, 1180:

"Como nao se admiraría alguém de ouvir chamar ateus os que admi-


tem um Deus Pai, um Deus Filho e o Espirito Santo, ensinahdo que o seu
poder é único e que sua distincao é apenas distincáo de ordens?" ^Súplica
pelos Crinaos, c. 10).

3) A palavra "tríade" ou "trindade" (trias, em grego) aparece pela pri-


meira vez nos escritos de S. Teófilo de Antioquia (t após 181),exprimindo
de maneira mais sistemática a doutrina consagrada pela S. Escritura; com
efeito, ao referir-se aos dias da criacáo em Gn 1, diz o autor: "Os tres dias
que precedem o aparecimento dos luzeiros, sao tipos da Trindade:de Deus,
de seu Verbo e de sua Sabedoria" (A Autólico, 1. II, c. 14). O fato de que
Teófilo usa a palavra trias como um termo corrente, sem necessidade de ex-
plicacao, leva a crer que tal vocábulo nao foi introduzido por Teófilo, mas
já era usual antes dele.
No sáculo III, como se compreende, a fé dos cristaos na SS. Trindade
se manifesta ainda mais eloqüentemente. Os dados bíblicos suscitaram nos
teólogos da Igreja o desejo de penetracao sistemática, pois a teología é fides
quarens intellectum, fé que procura compreender. Registrou-se entao o de
bate teológico, do qual vio, a seguir, reproduzidos os principáis traeos.

492
SS. TRINDADL: FÓRMULA PAGA? 49

4. As controversias trinitarias

As orimeiras tentativas de conciliar unidade e trindade em Deus foram


falhas: tendiam a subordinar o Filho ao Pai (o Espirito Santo era menos estu-
dado). Tal teoría nos séculos II e III tomouonome de monarquianismo
(defendía a monarquía divina).
No sáculo IV, o subordinacíonismo foi representado por Ario de Ale-
xandria a partir de 315: afirmava ser o Filho a primeira e maís excelente
criatura do Pai. Tendo sido concedida a paz aos cristaos em 313,compreen-
de-se que a controversia tenha tomado vulto que nunca tívera. Em conse-
qüéncia, reuniu-se o primeiro Concilio Ecuménico da historia em Nicéia
(Asia Menor) no ano de 325, o qual redigiu urna profissao de fé, que afirma
va:

"Oremos. . . em umsó Senhor Jesús Cristo, Filho de Deus, nascido do


Pai como Unigénito, isto é, da substancia do Pai, Deus de Deus, luz da luz,
Deus verdadeiro, gerado, nao feito, consubstancial com o Pai, porquem foi
feito tudo que há no céu e na térra" (OS 125 [ 54 ]).

Vé-se que o texto acentúa a identidade de substancia do Pai e do Filho


para afirmar que o Filho nao foi criado (quem cria, tira do nada), mas gers-
do (quem gera se prolonga no filho gerado); o Filho é Deus de Deus, Deus
verdadeiro de Deus verdadeiro.
Todavía a disputa nao se encerrou em 325. Entre outras questoes, res-
tava a das relacoes do Espi'rito Santo com o Pai e o Filho. Após decenios de
debates, reuniu-se o Concilio de Constantinopla I em 381, que acrescentou á
profissaonicena de fé os dados referentes eo Espirito Santo:

"Cremos no Espirito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do


Pai (cf. Jo 15¿6). com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, o qual falou
pelos Profetas" (DSn? 150 [86]).

Afirmando que o Espirito Santo é adorado com o Pai e o Filho, os


padres conciliares queriam incutir a identidade de substancia (ou a Divinda-
de) do Espirito Santo com o Pai e o Filho. Nao há, pois, subordinacao do
Espirito ao Filho ou ao Pai.
So foi possível aos teólogos chegar á formulacáo exata do dogma após
recorrerem á distincao entre ousia (esséncia, natureza) e hypóstasis (pessoa).
Aquela é única (a Divindade); as pessoas, porém, sao tres, sem esfacelar nem
retalhar a natureza divina, como tres sao os ángulos de um triángulo sem es
facelar a superficie do triángulo.
A filosofía grega, que primava pelo seu acume lógico, forneceu aos
teólogos crístaos o instrumental necessário para que pudessem elaborar a re
ta fórmula da fé. Nao há inconveniente na utilizacao da razao e dos seus

493
50 'TERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

conceitos para se ilustrarem as verdades da fé, contanto que se preserve incó


lume o conteúdo de Revelacao divina. O recurso á filosofía grega nao impli-
cou em helenizacao do Cristianismo; os cristaos eram muito ciosos da iden-
tidade da sua fé, a ponto de morrerem como mártires para nao a trair. De
resto, o estudo objetivo e sereno das Escrituras do Antigo e do Novo Testa
mento bem mostra que a doutrina da SS. Trindade é genuinamente bíblica;
foi professada na Igreja antes de qualquer apelo á filosofía grega.
O misterio da SS. Trindade estará sempre ácima do alcance da razio
humana, como, alias, a vida do próprio Deus em sua unidade é "algo que o
olho nao viu, o ouvido nao ouviu, o coráceo do homem jamáis percebeu"
<1Cor 2,9). Isto, porém, nao quer dizer que a razSo humana nao possa des-
cobrir nos seus conceitos e na imagem das criaturas nocoes que ilustrem de
algum modo o misterio de Deus; é precisamente esta a tarefa da teología.
Como todos os estudiosos, os teólogos procedem lentamente, formulando
teorías e hipóteses, que o debate vai eliminando e purificando; assim prepa-
ram a via para o magisterio oficial da Igreja, que nao raro mediante Conci
lios foi defínindo nos primeiros sáculos as genuinas fórmulas da fé católica.
Podemos aqui referir ainda a objepáo que as Testemunhas levantam
contra o dogma trinitario, ao dizerem que 1+1+1 = 3, ou seja, se o Pai é
Deus, se o Filho é Deus, se o Espirito Santo é Deus, temos tres deuses. Ao
que respondemos na mesma linguagem popular: 1x1x1= 1; vé-se, pois, que a
trindade nao exclui a unidade desde que o fiel cristao a entenda devidamen-
te: em Deus as tres pessoas nao multiplicam a natureza e a substancia divina,
como os tres ángulos de um triángulo nao multiplicam a figura geométrica.
Quanto á tendencia a identificar o Espirito Santo com a Mae do Filho,
ao lado do Pai, na SS. Trindade, deve-se a urna corrente judaica representada
pelo apócrifo "Evangelho dos Hebreus" (datado dos sáculos l/ll). Teve ori-
gem em urna seita judeo-crista dita dos "Nazarenos de Beréia", que estavam
distantes das linhas doutrinárias dos.demais cristaos; queriam, por exemplo,
eliminar do Novo Testamento as epístolas de S. Paulo, tido como apóstata
da Lei de Moisés; menosprezavam os Evangelhos canónicos para se atérem
somente ao Evangelho segundo os Hebreus. Tal corrente nao encontrou res-
sonancia no Cristianismo; em conseqüéncia, também a interpretacao ai dada
ao Espirito Santo e á SS. Trindade nao teve continuidade.

5. Jeová ou Javé?

As Testemunhas de Jeová tém como fundador Charles-Taze Russel


(1852-1916), nascido em Pittsburg (U.S.A.) de familia presbiteriana. Em
1870 tornóu-se adventista. Como tal, refez os cálculos referentes á segunda
vínda de Cristo, que os adventistas tinham previsto para 1843/44; Russel as-
sinalou-a para 1874 (ano em que ele se separoudo adventismo oficial);de-
pois, indicou-a para 1914 e, finalmente.para 1918. Infelizmente, porém,
Russel faleceu em 1916.

494
SS. TRINDADE: FÓRMULA PAGA? 51

O sucessor foi o juiz Rutherford, que, tendo ido á Europa em 1920,


ai anunciou o inicio da idade de ouro para 1925. Esse novo líder da seita,
até entao dita "dos Estudiosos da Biblia", fez que tomasse o nome de "Tes
temunhas de Jeová". Rutherford morreu em 1942.
Atualmente as Testemunhas tém seu centro principal em Brooklyn
(Nova lorque),onde sao editados dois jomáis também traduzidos para o por
tugués: "Torre de Vigía" e "Despertai-vos!"
As Jestemunhas acentuaram o retorno ao Antigo Testamento, que os
Adventistas já tinham iniciado. Chegam ao ponto de negar a SS. Trindade;
chamam Deus pelo apelativo Jeovah, forma tardia e errónea do nome Jah-
weh. — Com efeito; o nome com que Deus se revelou a Moisés é Yahweh
(cf. Ex 3,13-17). Tal era a reverencia tributada a este apelativo que os judeus
nao o ousavam pronunciar a partir do exilio (século VI a.C). Era tido como
"o nome que se escreve, mas nao se lé". Ao encontrarem escrito tal nome,
os Israelitas pronunciavam Adonayí (= meu Senhor). Em conseqüéncia,
após o século VI d.C. os rabinos fizeram a fusao das consoantes de I H W H
com as vogais de E d O n A y; donde resultou JEHOWAH. Notemos, po-
rém, que ainda no inicio da Idade Media a pronuncia do vocábulo assim ori
undo era sempre Adonay. A pronuncia Jeová é, pela primeira vez, atestada
por Raimundo Martini, autor da obra "Pugio Fidei" no ano de 1270; parece,
porém.que já estava em uso ñas escolas rabínicas anteriores. Só foi adotada
pelos cristaos no século XVI; principalmente os protestantes, tendo á fren
te o calvinista Teodoro Beza de Genebra, Ihe deram voga, de modo que as
Biblias protestantes de língua inglesa freqüentemente aduzem o nome Jeo
vá.
Além disto, para as Testemunhas de Jeová, Jesús Cristo é apenas cria
tura. Esta afirmacao faz cair por térra todo o edificio do Cristianismo.
Vé-se, pois, como é infundada a posicao antitrinitária das Testemu
nhas: nem na Biblia, nem na Tradicao encontra apoio; faz, antes, parte da
tendencia das Testemunhas a retornar ao Antigo Testamento em detrimento
da Revelacao de Nosso Senhor Jesús Cristo.
A propósito ver
CURSO DE INICIACÁO TEOLÓGICA POR CORRESPONDENCIA.
Módulos 6 e 7, Rúa Benjamín Constant, 23. & andar, Caixa Postal 1362.
20001 Rio de Janeiro (RJ).

GOMES, CIRILO FOLCH, Riquezas da Mensagem Crista. 1979.

PATFOORT, ALBERT, O misterio do Deus Vivo, Ed. Lumen Christi,


Caixa Postal 2666. Rio de Janeiro (RJ).

O primeiro a era mudo, correspondendo a um e.

495
Um livro que fala alto:

"0 Que é Religiáo"


por Rubem Alves

Em símese: O autor, pastor protestante, considera o pensamento de


autores amigos e modernos (estes... materialistas e ateus), para mostrar que
é inadequado o discurso anti-religioso ou que nao corresponde a verdade.
Termina afirmando o valor da Religiáo como atitude espontánea, incoercível
e profundamente positiva do coracao humano (infelizmente o autor é, de
ceno modo antiintelectual, de modo que mais valoriza as razoes do coracao
do que as da razio em favor da Religiáo). A leitura do livro nio é fácil, pois,
ao expor o pensamento dos ateus, o autor parece identificarse com eles (as-
sim a leitura de páginas ¡soladas do livro pode comunicar noció errada da
mensagem respectiva). Além disto. R. Alves usa de expressoes figuradas ao
abordar positivamente a Religiáo - o que se presta a mal-entendidos. Por
último, notamos que o autor se define em prol da Religiáo como tal sem en
trar em questdes de Credo — o que poderia sugerir ceno relativismo. Na ver
dade, a Religiáo nao é urna atitude cega ou meramente sentimental do ser
humano, mas resulta de urna opcao inteligente da pessoa; por conseguínte,
ela tem re/acao com a verdade; ela professa anigos de fé, que sao verídicos e
que nao podem ser trocados por quaisquer outras proposicoes de fé.

* * *

Rubem Alves é pastor protestante que se tem dedicado ao estudo, ha-


vendo feíto seu doutoramento em Princeton (New Jersey, U.S.A.). É autor
de varias obras de caráter filosófico-religioso, que tém repercutido nos am
bientes intelectuais e estudantis do Brasil e do estrangeiro.
0 livro "O que é Religiáo" foi publicado pela primeira vez em 1981;
em 1984, achava-se na 5a edicao - o que bem mostra como tem impressio-
nado.1 Na verdade, é obra destinada a um público de certa cultura, redigida
em linguagem semi-poética (o que quer dizer: por vezes obscura, sujeita a
mal-entendidos) e nao raro descuidada ou quase irreverente. O autor percor-
re algumas das modernas escolas de Filosofía e suas atitudes perante a Reli-
giao; em cada capítulo fala como se fosse um apologista da respectiva escola

1 Rubem Alves, O que é Religiáo. Colecao "Primeiros Passos" n? 31.


Ed. Brasiliense. R. General Jardim 160,01223 Sao Paulo (SP), 1984 (8?edi
cao), 114x160 mm, 132 pp.

496
"O QUE É RELIGIÁO" 53

(o que pode sugerir que Rubem Alves é discípulo de Durkheim, de Freud,


de Feuerbach, de Marx. . .). Todavía após expor muito vivamente o pensa-
mentó de cada corrente moderna atéia, concluí no capítulo final em favor
da Religiáo como tal, sem se pronunciar por algum Credo. Poder-se-iadese-
jar, sem dúvida, urna lingugem mais decidida e comprometida com a verdade
da parte de R. Alves; este muitas vézes nao vai ao ámago do problema reli
gioso. Como quer que seja, para bom entendedor, o livro é urna apología da
Religiao, que pode interessar especialmente aos que estao longe de Deus e
nao acompanhariam um linguajar mais técnico e preciso.
Ñas páginas subseqüentes, apresentaremos breve sin tese do livro, pon
do em relevo seus tópicos principáis:

1. O conteúdo do livro

1.1. "Perspectivas" (pp.7-13)

Ó autor comeca olhando ao redor de si no mundo contemporáneo


(pp. 7-13). A ciencia e a técnica parecem ter removido a Religiáo: "urna
das marcas do saber científico é o seu ateísmo metodológico: um biólogo
nao invoca maus espíritos para explicar epidemias, nem um economista os
poderes do inferno para dar contas da inflacao..." (p. 8) — A propósito no
tamos que tal modo de proceder dos cientistas é legítimo e foi reconhecido
pelo Concilio do Vaticano 11:

"O Sagrado Concilio, retomando o ensinamento do Concilio Vatica


no I, declara que há duas ordens de conbecimentó distintas, a saber, a da fé
e a da razao, Portanto, a Igre/'a nao pode absolutamente impedir que as artes
e disciplinas humanas usem de principios e métodos próprios, cada urna em
seu campo. Por isto, reconhecendo a justa liberdade, afirma a legitima auto
nomía da cultura humana e particularmente das ciencias" (Constituicao
Gaudium et Spes n?59; ver tambem n?36).

Pergunta entao R. Alves: "Desapareceu a religiao?" E responde: "De


forma alguma. Ela permanece e freqüentemente exibeuma vitalidadequese
julgava extinta" (p.9).

"A religiao nao se liquida com a abstinencia dos atos sacramentáis e


a ausencia dos lugares sagrados, da mesma forma como o dese/o sexual nao se
elimina com os votos de castidade. E é quando a dor bate á porta e se esgo-
tam os recursos da técnica que ñas pessoas acorda... aquele que reza e supli
ca, sem saber direito a quem... E surgem entao as perguntas sobre o sentido
da vida e o sentido da morte, perguntas das horas de insania e diante do es-
pelho. . . O que ocorre com freqüéncia é que as mesmas perguntas religiosas
do passado se articulam agora travestidas por meio de símbolos seculariza-

497
S4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

dos. Metamorfoseiamse os nomes. Persiste a mesma fungió religiosa. . . A


religiao está mais próxima da nossa experiencia pessoal do que desejamos
admitir" (pp. 11s).

1.2 "Os símbolos da ausencia..." (pp. 14-35)

A diferenca dos animáis irracionais, que repetem sempre os mesmos


comportamentos mediante os seus dentes, as suas garras, os seus venenos e
odores, os seus cascos duros..., o homem cria produtos sempre novos, que
ele inventa... e que constituem a sua cultura. Esta consta de símbolos diver
sos, que expr¡mem os anseios mais profundos do homem. Entre estes símbo
los, estáb os símbolos religiosos, que exprimem o senso do sagrado presente
em todo homem; altares, santuarios, templos.'livros, perfumes, cancoes, nor
mas, procissoes, peregrinacoes, celebrares..., sao sinais visíveis de realida
des invisfveis, que os olhos nao véem, mas que a fé é capaz de contemplar.
Para ilustrar estas afirmacoes, R. Alves cita um trecho do "Pequeño Prínci
pe" de Antoine de Saint-Exupéry:

"O príncipe encontrou-se com um bichinho que nunca havia visto an


tes: urna raposa. E a raposa Ihe disse:
'Vocé quer-me cativar?'
'Que é isto?', perguntou o menino.
'Cativar é assim: eu me assento aquí, vocé se assenta lá, bem longe.
Amanha a gente se assenta mais peno. Assim, aos poucos, cada vez mais
perto...'
■ E o tempo passou, o principezinho cativou a raposa e chegou a hora
da partida.
'Eu vou chorar', disse a raposa.
'Nao é minha culpa', desculpou-sea crianza. 'Eu Ihe disse: eu nao que
ría cativáJa. . . Nao valeu a pena. Vocé percebe? Agora vocé vai chorar1.'
'Valeu a pena, sim', respondeu a raposa. 'Quer saber por qué?1. Sou
urna raposa. NSo como trigo. Só como galinhas. O trigo nao significa absolu
tamente nada para mim. Mas vocé me cativou. Seu cábelo é louro. E agora,
na sua ausencia, quando o vento fizer batanear o campo de trigo, euficarei
feliz pensando em vocé...'
E o trigo, dantes sem sentido, passou a carregar em si urna ausencia,
que fazia a raposa sorrir. Parece-me que esta parábola apresenta,de forma pa
radigmática, aquilo que o discurso religioso pretende fazer com as coisas:
transfórmalas de entidades brutas e vazias em portadoras de sentido"
(PP. 27s).
Com palavras aproximativas, ainda que pálidas, Saint-Exupéry insinúa
o que seja a percepcao do transcendental que se exprime mediante símbolos.
Está claro que a producáb de símbolos religiosos e o cultivo da cons-
ciencia do transcendental nao servem "para arar solo ou mover máquinas. Os

498
"O QUE É RELIGIÁO" 55

símbolos nao possuem tal tipo de eficacia. Mas eles respondem a um outro
tipo de necessidade, tao poderoso quanto o sexo e a fome: a necessidade de
viver num mundo que faca sentido" (pp. 34s). Na verdade, sao os valores re
ligiosos ou é o mundo transcendental que dá sentido a está vida e ajuda o
homem a desempenhar-se dignamente da su a missáb terrestre.

1.3 "O ex (lio do sagrado" (pp. 36-51)

A Idade Media viveu intensamente da consciéncia do sagrado e dos va


lores invisfveis. Sobreveio, porém, o sáculo XVI, em que comecaram a des
pertar nos homens interesses novos e utilitarios: "produzir, comerciar, ra
cionalizar o trabalho, viajar para descubrir novos mercados, obter lucros,
criar riquezas" (pp. 43s). A atitude contemplativa e reverente do homem
medieval foi cedendo ao espirito pragmático do homem moderno, o que
prejudicou grandemente a religiao, levando os homens ao materialismo: "Si
lenciosamente a burguesía triunfante escreve o epitafio da ordem sacral ago
nizante: 'Os religiosos, até agora, procuraram entender a natureza, mas o que
importa, nSo é entender, mas transformar' " (p. 45).'
No afa de conquistar o mundo, a matemática tornou-se o instrumento
por excelencia, de tal modo que David Hume (t 1776) podia ese rever:
"Quando percorremos nossas bibliotecas, convencidos destes princi
pios, que destruicao temos de fazer\ Se tomarmos em nossas maos qualquer
volume. seja de teología, seja de metafísica, escolástica, por exemplo, per-
guntemo-nos: Será que ele contém qualquer raciocinio abstrato relativo á
quantidade e ao número? NSo. Será que ele contém raciocinios experimen
táis que digam respeito a materias de fató e a existencia? NSo. EntSo, lan-
cai-o as chames, pois ele nao pode conter coisa alguma a nao ser sofismas e
ilusoes" (citado á p. 36).
Os cientistas foram penetrando os segredos da natureza e dessacrali-
zando-a ou reduzindo-a ao funcionamento de leis físicas e químicas. As cien
cias trouxeram notável bem-estar para o homem, de modo que a religiao pas-
sou a ser menosprezada, "identificada com o passado, o atraso, a ignorancia
de um período negro da historia, Idade das Trevas, . .. ilusao, opio, neuro-
se, ideología" (pp. 49s).
Se a religiao nao foi por completo banida, "ela foi aquinhoada com a
administracáo do mundo invisível, o cuidado da salvacao, a cura das almas
aflitas" (p. 50).
Observa, porém, R. Alves:

1 As palavras desta frase final sao a parafrase de urna sentenca de Kart


Marx, que rejeitava a filosofía anterior por dar o primeiro lugar ao Logos.ao
pensamento e á verdade, e proclámate a primazia da praxis ou da acao trans
formadora sobre a própria verdade.

499
56 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 2X3/I985

"Curioso que aínda tivesse sobrado tal espaco para a religiJo... Pare
ce entretanto que ha certas realidades antropológicas que permanecen) a des-
peito de tudo. As pessoas continúan) a ter noites de insónia e a pensar sobre
a vida e sobre a morte. , . Eos negociantes ebanqueiros também tém alma,
nao Ihes bastando a posse da riqueza, sendo-lhes necessárío plantar sobre ela
também as bandeiras do sagrado... Nao é por acídente que a mais poderosa
das moedas se aprésente também como a mais piedosa, trazendo gravada em
si mesma a afírmagao 'In God we trust' (nos confiamos em Deus).
E também os operarios e camponeses possuem almas e necessitam ou-
vir as cancoes dos céus a fim de suportar as tristezas da térra" (pp. 50s).

1.4 "A coisa que nunca mente" (pp. 52-67)

0 fenómeno religioso é um fato, e um fato universal, ocorrente em to


dos os povos e em todas as épocas. "A universalidade e a persistencia da reli-
giaó nos sugerem que ela nos revela um aspecto essencial e permanente da
humanidade" (p. 59); nao é um fenómeno passageiro, em vias de desaparecí-
mentó. Embora as correntes religiosas da humanidade apresentem ¡mensa va-
riedade de crengas e ritos, elas manifestam algo de real ou exprimem a verda-
de: a dimensao religiosa é própria de todos os homens e tem certas expres-
soes que procedem da na tu reza do homem como tal; nao sao produtos de
ficcoes ou culturas, mas revelam a realidade nativa do ser humano.
O mundo religioso ou sagrado difere do nao religioso ou do profano
(secular) pelo fato de que este é utilitario ou pragmático, ao passo que aque-
le escapa a esta qualificacáo; no mundo profano utilitario, o homem é se-
nhor dos valores, serve-se do que Ihe parece interessante, e joga fora o mes-
mo objeto logo que outro Ihe aprésente maior utilidade ou rentabilidade
(assim se faz com a esferográfica BIC, com os medicamentos cujo prazo de
validez esteja esgotado, com o coador de café, etc.). Ao contrario, no mun
do do sagrado ou religioso, o homem já nao é "o centro do mundo nem a
origem das decisóes. . . Ele se senté envolvido por algo. . . que Ihe impoe
normas de cómportamento que ele nao pode transgredir mesmo que nao
apresentem utilidade" (p. 61): o jejum, o perdáo, a renuncia... sao práticas
que nao se definem por sua utilidade, mas sim pela densidade sagrada que a
religiao Ihes atribuí.
"A vida social, tal como a conhecemos, nao se enquadra no Jogo se
cular e utilitario. As coisas mais serias que fazemos, nada tém a ver com a
utilidade. Resultam de nossa reverencia por normas que nao criamos, que
nos coagem, que nos pdem de joelhos... Do ponto de vista estritamente uti
litario, seria mais económico matar os velhos, castrar os portadores de defei-
tos genéticos, matar as crianzas defeituosas, abortaras gravidezes acídentais
e indesejadas, fazer desaparecer os adversarios políticos, fuzilar os crimino
sos e possfveis criminosos. . . Mas alguma coisa nos diz que tais coisas nao
devem ser feitas. Por qué? Porque nao. Por razoes moráis, sem Justificativas

500
"O QUE É RELIG1A0" 57

utilitarias. E, mesmo quando as fazemos sem sermos apanhados, há urna voz,


um sentimento de culpa, a consciéncia, que nos diz que algo sagrado foi vio
lentado" (pp. 62s).
Quando a secularizacao avanca, impondo criterios utilitarios e elimi
nando o sagrado, "pessoas perdem os seus pontos de orientacao. Sobrevertí a
anarquía. E a sociedade se estilhaca sob a crescente pressao das forcas cen
trifugas do individualismo" (p. 63).

1.5. "As flores sobre as correntes" (pp. 68-84)

No sáculo passado, Marx encontrou um mundo muito invadido pelo


utilitarismo e desligado do sagrado. Marx reafirmou tal mundo: concebeu o
ser humano como um vívente cheio de carencias materiais; enquanto estas
nao sao preenchidas, o homem se volta para Deus e para o mundo ¡nvisível
do sagrado. Todavia, desde que se dé a resposta material as carencias mate
riais da pessoa, esta dispensa a religiao. Marx dizia que nao sao as idéias (a
religiao, o direito, a filosofía. . .) que movem a materia (armas, máquinas.
Bancos, fábricas...), mas, ao contrario, sao as realidades materiais que pro-
duzem as idéias (a religiao, as leis, a Moral, a metafísica...); a injusta distri-
buicáo dos bens materiais geraria os sentimentos e as práticas religiosas co
mo opio do povo ou como anestésico que o ajudaria a suportar o jugo das
injusticas.
Marx portanto previa o fim da religiao.

1.6. "A voz do desejo" (pp. 85-101)

Rubem Alves expoe, sob este título, o pensamento de Ludwig


Feuerbach (t 1872) e o de Sigmund Freud (t 1939).
Para Feuerbach, a religiao é um sonho, que exprime aquilo que o ho
mem deseja, mas nao existe. De modo semelhante, Freud ensina que "os so-
nhos sao a voz do desejo. E é aqui que nasce a religiao, como mensagemdo
desejo, ex pressao de nostalgia, esperanca de prazer..." (p. 91). Todavia pa
ra Freud esses desejos íntimos sao ilusorios; por isto a própria religiao é um
grande logro. Ao contrario, para Feuerbach, a religiao afirma a Divindade
do homem, o caráter sagrado dos seus valores, o absoluto do seu corpo, a
bondade de viver, comer, ouvir, cheirar, ver... Portanto Deus nao existe em
si, como realidade objetiva, mas o homem se autoafirma como um deus
quando ele cultiva a religiao.

1.7. "O Oeus dos oprimidos" (pp. 102-114)

Outrora floresceu um tipo de religiao que vai sendo restaurada: a re


ligiao dos profetas de Israel. "Estes entendiam que o sagrado, a que davam o
nome de vontade de Deus, tinha a ver fundamentalmente com a justica e a

501
58 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

misericordia. Em suas bocas tais palavras tinham um sentido político e social


que todos entendiam" (p. 103). Eram os porta-vozes dos desgranados e in-
justicados da térra; por causa disto, nao raro sofreram perseguicáó e morte;
nao obstante, pregaram o Reino de Deus, "em que as armas seriam transfor
madas em arados. . . e a térra seria devolvida, como heranca, aos mansos,
traeos, pobres e oprimidos" (p. 105).
Os profetas demonstraram que a religiao nao é necessariamente "opio
do povo", como dizia K. Marx. Os pequeninos podem conceber suas utopias
e os seus sonhos; e, urna vez conscientizados de sua forca, podem atrever-se
a transformar seus sonhos em realidade e a fazer descer o para/so dos céus
á térra. "Se a Religiao fosse apenas opio, veríamos o Estado e o poder eco
nómico ao seu lado, protegendo-a como aliada; acontece, porém, que os po
derosos tém perseguido arautos da religiao, : como Gandhi, Martín Luther
King, Osear Romero e muitos outros. "Isto nao acontecería se fossem alia
dos do poder. Testemunhos da signif¡cacito política da religiao profética, ex-
pressao das dores e das esperancas dos que nao tém poder. Opio do povo?
Pode ser, mas nao aqui. Em meio a mártires e profetas, Deus é o protesto e o
poder dos oprimidos" (p. 114).

1.8. "A Aposta" (pp. 115-129)

Neste capítulo final R. Alves observa que ñas páginas anteriores ouviu
psicólogos, filósofos, cientistas sociais a falar sobre religiao. Uns acusaram-na
de "louca, aliada aos poderosos, narcotizadora dos pobres"; outros, ao con
trario, tentaram defendé-la a seu modo, julgando que sem a religiao o mun
do humano nao pode existir (Durkheim) ou que a religiao é a propulsora das
esperancas dos pobres. A religiao seria um valor, mas um valor meramente
subjetivo, sem correspondente objetivo ou sem um Deus existente fora do
sujeito religioso.
Todavia, acrescenta R. Alves, esses cientistas falavam de religiao sem
ter a experiencia da fé. Como cientistas, julgavam-se obrigados a um rigoroso
ateísmo metodológico. A ciencia os tornava miopes e cegos: "viam as coisas
de cabeca para baixo; nao por má fé, mas por incapacidade cognitiva" (p.
116).
Esta cegueira dos cientistas é ilustrada por urna parábola:

"Num lugar-nao muito longe daqui havia um popo fundo e escuro on


de, desde tempos imemoríais, urna soríedade de ras se estabelecera. Tio fun
do era o pogo que nenhuma délas ¡amáis havia visitado o mundo de fora. Es-
tavam convencidas de que o universo erado tamanho do seuburaco. Havia so-
be/as evidencias científicas para corroborar esta teoría e somonte um louco,
privado dos sentidos e da razio, afirmaría o contrarío. Aconteceu, entretan
to, que um pintassilgo que voava porali viu o poco, ficou curioso, e resolveu.
investigar suas profúndelas. Qual nao foi sua surpresa ao descobrir as ras!

502
'0QUEÉRELIG1Á0" 59

Mais perplexas ficaram estas, pois aqueta estranha criatura de penas colocava
em questao todas as verdades já secularmente sedimentadas e comprovadas
em sua sociedade. O pintassilgo morreu de dó. Como é que as ras podiam
viver presas em tal poco, sem ao menos a esperanca de poder sair? Claro que
a ¡déla de sair era absurda para os batráquios, pois, se o seu buraco era o uni
verso, nao poderia haver um 'lá fora'. E o pintassilgo se pos a cantar furiosa
mente. Trinou a brisa suave, os campos verdes, as árvores copadas, os ria
chos cristalinos, borboletas, flores, nuvens, estrelas. . . o que pos em polvo
rosa a sociedade das ras, que se' dividiram. Algumas acreditaram e comeca-
ram a imaginar como seria lá fora. Ficaram mais alegres e até mesmo mais
bonitas. Coaxaram cancoes novas. As outras fecharam a cara. Afirmacoes
nSo confirmadas pela experiencia nao deveriam ser merecedoras de crédito,
elas alegavam. 0 pintassilgo tinha de estar dizendo coisas sem sentido e men
tirás. E se puseram a fazer a crítica filosófica, sociológica e psicológica do
seu discurso. A servico de quem estaría ele? Das classes dominantes? Das
classes dominadas? Seu canto seria urna especie de narcótico? O passarinho
seria um louco? Um engañador? Quem sabe ele nao passaria de urna alucina-
cao coletiva? Dúvidas nao havia de que o tal canto havia criado muitos pro
blemas. Tanto as ras-dominantes quanto as ras-dominadas (que secretamente
preparavam urna revolucao) nao gostaram das idéias que o canto do pintas-
silgo estava colocando na.cabeca do povao. Porocasiao de sua próxima visita
o pintassilgo fot preso, acusado de engañador do povo, mono, empathado e
as demais ras proibidas, para sempre, de coaxar as cancoes que Ihes ensinara...

Foi assim que aconteceu: a ciencia empalhou a religiao, tirando déla


verdades multo diferentes daquelas qué a própria religiao viva cantava.
Acontece que as pessoas religiosas, ao dizer os nomes sagrados, realmente
créem num 'lá fora'e é deste mundo invisfvel que suas esperances se alimen-
tam. Tudo tao distante, tao diferente da sabedoria científica...

Se vamos ouvir as pessoas religiosas, é necessário fazer-de-conta' que


acreditamos. Quem sabe o pintassilgo tem razao? Quem sabe o universo é
mais bonito e misterioso que os limites do nosso poco? Sobre o que fala a
religiao?" (pp. 119-121).

Concluí R. Alves que ao homem vale a pena aceitar o desafio da Reli-


giSo e acreditar como quem aposta, alimentando a esperanca de que nao será
frustrado ou desiludido. A Religiao revela novas facetas do universo e o pro-
prio sentido da vida, desde que alguém se queira confiar a ela.

"Como o trapezista que tem de se /anear sobre o abismo, abandonan


do todos os pontos de apoio, a alma religiosa tem de se tancar também sobre
o abismo, na direcao das evidencias do sentimento, da voz do amor, das su-
gestdes da esperanca. Nos caminhos da esperanca. Nos camlnhos de Pasca! e

503
60 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Kierkegaard, tratase de urna aposta apaixonada Porque é mais belo o ris


co ao lado da esperanca do que a certeza ao lado de um universo frío e sem
sentido..." (pp. 128s).

Assim se encerra o livro, cuja leitura atenta sugere algumas reflexoes,


que poderíamos sintetizar como abaixo.

2. Refletindo...

Proporemos tres pontos:

1} A leitura do livro em pauta nao é fácil, porque o autor parece iden


tificarse com o pensamento de cada filósofo (materialista ou ateu) que ele
menciona: "Em cada capítulo esforcei-me por assumir a identidade daquele
em cujo nome falei. Tentei ser positivista, tentei ser Durkheim, falei como se
fosse Marx, como se fosse Freud e Fuerbach, procurei as visees e os mundos
dos profetas" (p. 117). Em conseqüéncía, o leitor pode pensar que R. Alves
quer destruir a Religiao, como o faz Freud ou Marx... Somente naconclu-
sáo percebe ele claramente que tal nao é a atitude do autor.

2) Além de parecer identificar-se com pensadores irreligiosos, R.AIves,


ao falar positivamente da Religiao, usa expressoes um tanto chocantes: "A
religiao entrega aos deuses os seus mortos" (p. 126), "Ah! Se pudéssemos
ficar grávidos de deuses. . ." (p. 118), "Que confissao íntima de amor nao
está grávida de deuses?" (p. 13), "Os deuses e esperanzas religiosas ganharam
novos nomes e novos rótulos" (p. 12)... Na verdade,R.AIves nao é politeís
ta, mas serve-se de estilo um tanto sarcástico e irreverente, que resulta de sua
tempera poéticaí e tendente á independencia. O autor é descomprometido
com a realidade objetiva da Religiao. É o que pode tornar o seu livro ambi
guo.

3) No final do livro, como também no capítulo primeiro, o autor quer


dizer que a Religiao vale plenamente, apesar de todas as contestacoes e rene
gares que tem sofrido por parte dos ateus. Esta conclusao, porém, sugere
duasobservacoes:

— o autor propoe o valor da religiao recorrendo as necessidades e as-


piracoes do coracao ou dos sentimentos do homem, sem levar em devida
conta o rigor do raciocinio e da lógica para fundamentar a atitude e a práti-
ca religiosa; a inteligencia bem conduzida atinge Deus e justifica sólidamen
te a fé e as observancias religiosas. Rubem Alves se exprime como um antiin
telectual, embora seja um pensador e escritor de projecáb ñas fileiras protes
tantes. Esse antüntelectualismo deixa lamentáveis lacunas no livro de R.
Alves;

504
"O QUE É RELIGIAO" 61

- o autor nSo se compromete com algum Credo religioso ñas páginas


do seu livro (sabemos, porém, que é pastor protestante). Quer valorizar a
Religiao, dando a impressao de que nao há propriamente verdades claras e
precisas em materia de religiao, mas sentimentos e emocoes, para as quais o
Credo seria algo de secundario. O leitor poderá, sem dúvida, aceitar a posi-
cao pró-Religiao de R. Alves, mas, prosseguindo o raciocinio ocasionado pe
la leitura da obra, perceberá que também há verdades no tocante á Religiao
e que, por conseguinte, a Religiao tem o seu Credo definido...

Possa o livro assim apresentado ser útil a quem o souber ler com o
devido entendimento!

** *

A ESCALA DOS VALORES

"TODOS OS CORPOS, O FIRMAMENTO, AS ESTRELAS,


A TÉRRA E OS SEUS REINOS NAO SE COMPARAM AO MÍ
NIMO DOS ESPI'RITOS, POIS O ESPI'RITO CONHECE ISSO
TUDO E CONHECE-SE A SIM MESMO, AO PASSO QUE OS
CORPOS NADA CONHECEM. TODOS OS CORPOS JUNTOS E
TODOS OS ESPIRITOS JUNTOS E TODAS AS SUAS OBRAS.
NAO SE COMPARAM COM O MÍNIMO MOVIMENTO DE
CARIDADE, POIS ESTE PERTENCE A UM PLANO INFINITA
MENTE MAIS ELEVADO. NAO É SEGUNDO AS DIMENSÓES
ESPACIÁIS QUE DEVO AVADAR A MINHA DIGNIDADE,
MAS SEGUNDO A LINHA DO MEU PENSAMENTO. PELO ES-
PAQO O UNIVERSO ME ENVOLVE E ME TRAGA COMO SE
FOSSÉ UM PONTO; PELO PENSAMENTO, EU O ENVOLVO".

(Pascal, Pensamentos n°s793 e 348)

505
"Processo" ao Processo de Canonizacao:

María Coretti: Santa por Engaño?


Em síntase: O livro de Giordano Bruno Guerri a respeito de S. María
Goretti fez alarde, pois pareceu desfigurar a ¡magem da Santa, que a Igreja
havería erróneamente canonizado. Objeto de calorosos debates, o livro se
evidencia agora como fruto de preconceitos do autor; este júlgava de ante-
mao que aos doze anos de idade urna camponesa de regiao pantanosa só po
de ser esforneada, suja, analfabeta e curta de inteligencia. Na base desta pre-
missa (gratuitamente afirmada), G.B. Guerri procurou argumentos para de
monstrar sua hipótese; deste trabatho resultou um livro de 200 páginas, que
éperpassado por expressoescomo "parece", "éprovável", "pódeseafirmar",
expressSes que nada provam rigorosamente..
0 grande eco suscitado pelo livro (tao pouco fundamentado e cientí
fico) se deve ao fato de que indiretamente combate a virgindade e a castida-
de. Estes sao va/ores que o mundo de hoje, impregnado de principios freu-
dianos, pouco ou nada estima. Todavía sao valores típicamente cristáos (cf.
I Cor), que a Igreja até hoje proclama e que os santos afirmaram eloqüente-
mente desde os prime!ros sécalos até os nossos días, inclusive mediante o
martirio de S. María Goretti. Esta nada sofre em sua grandeza de virgem e
mártir, apesar das invectivas de G.B. Guerri, mas convida o público a tomar
nova consciéncia do primado dos valores eternos.

Em marco pp. a imprensa do Brasil noticiou rumores levantados pelo


livro de Giordano Bruno Guerri intitulado "Povera Santa, povero assassino:
la vera storia di María Goretti" 1, Ed. Mondadori 1985. O autor referia-se a
urna menina de doze anos canonizada por Pió XII em 1950 por ter sofrido o
martirio em defesa de sua virgindade no ano de 1902: Guerri procurava des
figurar a menina, apresentando-a como extremamente limitada do ponto de
vista intelectual e psicológico, a fim de concluir que a Igreja se engañara ao
proclamar a santidade heroica de tal pessoa.
Visto que o livro suscitou calorosos comentarios e debates e teve ex
traordinaria difusáo (30.000 exemplares nas duas primeiras semanas), vamos
abaixo apresentar em sintese: 1) a figura de S. María Goretti e, depois, 2) o
conteúdo do referido livro, acompanhado de 3) comentarios.

1 "Pobre Santa, pobre assassino: a verdadeira historia de María Goretti".

506
SANTA MARÍA GORETTI 63

1. Quem foi María Goretti?

María Teresa Goretti, familiarmente chamada "Maríetta", nasceu em


Corinaldo, na provincia de Ancona (Italia), aos 16/10/1890. Seus paiseram
Luís Goretti e Assunta Carlini, pobres em dinheiro, mas ricos em fé crista.
Em 1899 a familia transferiu-se para Ferriere di Conca na diocesede Aibano,
junto ao mar Mediterráneo. Moravam e trabalhavam na fazenda do Conde
Mazzoleni, onde também habitava a familia Serenelli. Luis Goretti morreu
em 1900, deixando á viúva o encargo de criar seis filhos de pouca idade. As
sunta entao viu-se obrigada a ir trabalhar nos campos, confiando a Maríetta
o cuidado da casa e dos irmaos. A menina era obediente á mae e sabia fazer-
se estimar pelos irmaos, tornando-se o grande apoio da sua genitora. Muito
piedosa, recitava assiduamente o terco; fez a primeira Comunhao aos
29/05/1902.
Um dos filhos dos vizinhos, Alessandro Serenelli, com dezoito anos de
idade, se pervertera com más companhias e le ¡tu ras. Prevalecendo-se das
muitas ausencias de Assunta, fez á menina propostas obscenas, proibindo-lhe
que as contasse a outrem. Todavía Maríetta, percebendo que se tratava de
coisas indignas, pediu á mae orientacoes sobre o modo de responder-lhe;de-
vidamente instruida por sua genitora, Marietta fez o propósito de nao aten
der a Alessandro. Cada vez mais apaixonado, este tentou por duas vezes vi-
timar a menina, que já era grande e atraente; esbarrou, porém, contra a total
resistencia de Marietta. Aos 5/07/1902, logo depois que Assunta saira para
os campos, Alessandro apareceu em casa desta, armado com um punhal de
20 cm de comprimento, e propós a Marietta que escolhesse entre a morte e
a perda da virgindade. A vítima, mostrando coragem e lucidez de pessoa ma
dura, repetiu-lhe: "Nao, nao; Oeus nao o quer;é pecado; vocé iría para o
inferno!" Enfurecido ao extremo, o rapaz desferiu entao quatorze punhala-
das sobre a moga, perfurando-lhe um pulmao, átingindo a regiao do coracao
e rasgando-lhe as entran has.
Transportada com urgencia para o hospital de Nettuno, Marietta con-
tou á sua mae o que ocorrera. O vigário que Ihe assistia, narrou-lhe a morte
de Jesús na. Cruz e a conversfo do bom ladrao; e, ao terminar, perguntou-
Ihe: "Perdoas a Alessandro?" - "Sim, respondeu ela, pelo amor de Jesús
perdoo-lhe e quero que vá comigo para o paraiso". María Goretti morreu no
dia seguinte (06/07) em 1902, invocando a SS. Virgem.
Entre os fatos mais notáveis que se seguiram á sua morte, está a con-
versao do assassino. Condenado a trinta anos de trabalhos forcados, Alessan
dro Serenelli no cárcere mostrava-se brutal e cínico, quando em 1910 viu em
sonho a sua vítima, num jardim em meio a lirios, oferecendo-lhe urna flor.
Profundamente comovido, escreveu urna carta ao bispo local exprimindo o
seu arrependimento; daí por diante teve conduta exemplar, de modo que foi
soltó em 1929. Em 1937 foi procurar aSra. Assunta e perguntou-lhe: "Per-

507
64 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

doa-me?" Esta respondeu: "Marietta perdoou-te ao morrer; por que nao te


perdoaria eu?" E, na festa de Natal seguinte, comungaram um ao lado do
outro.
O processo de beatificacáb comecou em julho de 1938. Aos 27/03/
1947 Pió XII declarava Mari a Goretti "bem-aventurada" e em 1950 a inscre-
via no catálogo dos Santos, estando presentes a Sra. Assunta, com 84 anos
de idade, e quatra irmaós da menina. Santa María Goretti aparece assim co
mo mártir por causa da sua virgindade fiel a Cristo; dá testemunho de como
a graca de Deus pode agir numa jovem que se queira conservar íntegra na lei
do Senhor. No secuto XX repetiu a facanha que desde os primeiros sáculos
se vem registrando na Igreja e que ornamenta especialmente a figura de S.
Inés (fimdoséc. III ou infrio do séc. IV).
Examinemos agora o teor do livro de Giordano Bruno Guerri.

2. "Pobre Santa. Pobre Assassino"

A intencao do autor é desfigurar ou depreciar a figura de María Goret


ti e, conseqüentemente, a da Igreja, que a canonizou.
1. Para tanto, comeca por denegrir a cidade natal da Santa, "lugar ¡so
lado, atrasado e pobre"; os seus habitantes teriam duas características: se-
riam todos um pouco tolos, mas bons católicos (sonó tutti un pó tontí, ma
buoni cattolici). María Goretti ali nascída terá sido urna pessoa acariñada e
de pouca inteligencia - o que desvaloriza a facanha heroica que se Ihe atri
buí; alám disto, segundo Guerri, deve ter sido urna camponesa pequeña, baí-
xa, feia, corcunda, suja, analfabeta, apresentando-se com roupas desgastadas,
descalca, e talvez vftima de fome.
Giordano Bruno Guerri, tendo estabelecido como hipótese de trabaIho
que María Goretti devia ser urna personalidade desprezi'vel, dedicou as du-
zentas páginas do seu livro á tentativa de tornar verossemelhante tal hipóte
se. Quer insistentemente demonstrar ao leitor que nao valia a pena María
Goretti deixar-se trucidar para defender o "valor" da virgindade; menos aín
da tinha a Igreja razoes para apresentá-la como modelo de auténtica vida
crista. Afirma também que María Goretti, após a sua morte, caira noesque-
cimento do público, mas foi trazida de novo á baila em 1938 por vontade
dos padres passionístas ávidos de lucro, e de autoridades fascistas, desejosas
de unir as populacoes da regiao de Ancona sob a hégide de urna Santa local.
Em 1944 Pió XII teria acelerado o processo de beatificacao para opor um
testemunho de inocencia á decadencia de costumes provocada pelos solda
dos norte-americanos na Italia.
Guerri argumenta também referíndo-se á Comunhao Eucarística rece-
bida por María Goretti. Haveria divergencias, quanto ao número de Comu-
nhóes, entre os dizeres do processo canónico e os registros paroquiais con
servados no santuario de Nettuno (onde María está sepultada).

508
SANTA MARÍA GORETTI 65

3. Em resposta...

Antes do mais, é de notar que o próprío Prefeito de Corinaldo, cidade


natal de María, veio a público, a fim de protestar contra as referencias impre
cisas ou falsas que o escritor Guerri fez áquele municipio; nao se pode atri
buir o valor de teses a hipóteses mal fundamentadas, lembrava o magistrado.
Para debater o livro, que fez grande alarde na Italia (e no mundo cató
lico), realizou-se um júri no teatro Filodrammatici de Milao aos 11 de feve-
reiro de 1985. A mesa compunha-se das seguintes personalidades:o historia
dor Prof. Luigi Firpo, presidente do júri; a antropóloga Ida Magli, defensora
do livro, o jornalista Gaspare Barbiellini Amidei, o historiador Riccardo Ma-
riani, o escritor Vittorio Messori, além do autor do livro, Giordano Bruno
Guerri. A platéia do teatro estava repleta de intelectuais, jornalistas, damas
da sociedade, prelados da Igreja...
O Prof. Luigi Firpo e a Sra. Ida Magli mostraram-se favoráveis ao livro,
especialmente porque indiretamente combate a estima da virgindade, valor
que para muitos noje nada significa. Barbiellini Amidei e, particularmente,
Vittorio Messori, encarregaram-se de por as claras a falta de embasamento
e os preconceitos do autor do livro em foco; este, portador de veneno, é
também o portador do seu próprio contra-veneno.
Refere Vittorio Messori:

"Fazia-me dó o fato de que o debate fora ¡nicialmente concebido co


mo processo ao processo de canonizacao. Em tal caso, eu teña feito as vezes
da defesa, talando após a acusacao... A impaciencia do presidente Luigi Fir
po me impediu de desenvolver a argumentacao que eu aprontara, mutilando
minha intervencao, a meu ver, injustificadamente,... intervencao que ten
día a mostrar de quanto descuido e quantos preconceitos se originou o livro
de Guerri.
Nao é I/cito fazer passar hipóteses por fatos documentados. Nao se po
de pretender tecer historiografía recorrendo a expressoes como estas, de que
o autor abusa: "é provável", é probabilfssimo", "nao 4 temerario crer", "é
licito crer", "é mais do que suficiente para convencerse"... Dafsurgem su-
posicdes, e nao fatos. Mais: quando o autor cita fatos e datas, procede de
maneira incompleta e tendenciosa".

María nao era tao tola quanto Guerri quer crer, pois devia ter amadu-
recido muito para desempenhar-se das funcoes domésticas que sua máe Irte
confiara. Tinha as maos honrosamente calejadas pelo arduo trabalho que
executava.
Também nao se deve dizer que foi relegada ao esquecimentó logo de-
pois de morta. Ao contrario, desde cedo muitas manifestares de estima cer-
caram sua memoria. Assim desde 1904 foram publicadas biografías de María
Goretti; em 1910 ergueu-se em Corinaldo um pequeño monumento á sua

509
66 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

figura; em 1914 colocou-se urna lapide em parede de santuario próximo a


Otranto, paga pelo Papa Pío X, que, segundo Guerri, rejeitara a hipóte» de a
proclamar "bem-aventurada". Antes da segunda guerra mundial, em 1939,
Pío XII já manifestara o desejo de ver canonizada María Goretti; comovera-
se até as lágrimas ao ler urna biografía da mártir e santa escrita pelo Pe. Mor-
drone S.J., e tomou providencias para que o processo de beatificaclo pros-
seguisse.
Quanto ao aspecto físico de María, é de salientar que nao existe urna
fotografía fidedigna da menina. Sendo assim, é inútil discutir os traeos de
sua aparéncia somática. Ná*o resta dúvida, porém, de que deve ter sido urna
personalídade simples, mas, ao mesmo tempo, candida, enérgica e amadure-
cida.
No tocante ao número de Comunhoes da menina, observemos que os
registros aos quais se refere Guerri, nao podem ter sido conservados no san
tuario de Nettuno; deveriam encontrar-se na paróquia de S. Joao freqüenta-
da por María; mas nem ai se acham, pois foram destruidos pela querrá em
1944.
Mais: os críticos notam que, ao referir-se ao processo de canonizacao
de María Goretti, o escritor Guerri confunde a figura do promotor da fé (o
assim chamado "Advogado do Diabo") com a do seu contrario (o Postula-
dor ou Defensor da causa de canonizacao) - o que nao abona o senso histo-
riográfico do escritor.
A fim de propor urna resposta oficial a Giordano Bruno Guerri e ao
público interessado, a S. Congregacao para as Causas dos Santos nomeou
urna comissao de peritos, que investiga as questoes I angadas e prepara a do-
cumentacao adequada ao caso.

4. Conclusao

O próprio Giordano Bruno Guerri confessa que escreveu o seu livro


mais por um preconceito do que por ter argumentos sólidos. Com efeito;
quando certa vez visitava a cidade de Nettuno, viu um santuario que Ihe pa
recía feio;entrou nele e ficou impressionado com "o silencio, a penumbra, o
odor de morte do lugar"; deteve-se diante dos despojos de María Goretti, en
cerrados numa figura de cera que representava a Santa deitada. Sentíu eiitao
o lampejo de urna conversáb " ao contrario": "Com doze anos de ¡dade,
urna camponesa de regiSb pantanosa só podía ser esfomeada, suja, um pobre'
ser de inteligencia diminuida", pensou Guerri.
Foi na base desta ¡mpressao que comecou a colher dados para provar
sua hípótese. E assim redigiu seu lívro, todo perpassado por "parece" e ex-
pressoes congéneres já atrás mencionadas.
Ora tal procedimento nffo é objetivo nem científico. A grande voga do
livro deve-se, em parte, ao fato de que parece colaborar para destruir o
"tabú" da vírgindade heroicamente conservada; o mundo de hoje, penetrado

510
SANTA MARÍA GORETTI 67

pelas idéias de Sigmund Freud, é pouco propenso a estimar tal valor.


A Igreja, mostrando os preconceitos e a falta de bases do livro de
Guerri, reafirma o valor da virgindade consagrada ao Senhor pela virtude da
castídade. Ela nao faz mais do que lembrar as proposicóes do Apostólo SSo
Paulo em ICor 7, 25-35: a vida una ou indivisa é a resposta mais espontánea
que o cristSo possa dar á mensagem de que já chegou o Reino de Deus com
seus valores definitivos; interessa ao cristáo desembaracar-se de todos os afa-
zeres que o possam dividir, ou que o distanciem desses bens eternos presen
tes no tempo.
Ademáis a castidade pré-matrimonial é prescrita pela Moral crista, pois
o uso da sexualidade antes do casamento é prematuro; o sexo vem a ser a ex-
pressao última e mais íntima do amor que vai crescendo através das etapas
do namoro, do noivado e da uniao nupcial. S. María Goretti lembra tal valor
ao mundo de hoje e proclama que o ideal nao é utópico, mas, com a grapa
do Senhor, perfeitamente exeqüível mesmo a urna criatura de doze anos de
idade.

Na confeccSo deste artigo muito nos valemos dos trabalhos de María


Grada Cucco e Fabio Cicerón!, publicados em "Famlgtia Cristiana", 03/05/
85, pp. 28-33.

* * *

ATEN QÁO!

ESTAMOS FELIZES POR PODER COMUNICAR AOS


NOSSOS LEITORES QUE, A PARTIR DE JANEIRO 1986, PR
VOLTARA A SER REVISTA MENSAL. A PERIODICIDADE
AMIUDADA PERMITE MELHOR SERVIR AO PÚBLICO
LEDOR, POIS OCASIONA COMENTAR FATOS E LIVROS
COM MAIS PRONTIDÁO E ATUALIDADE.
PEDIMOS AOS NOSSOS ASSINANTES BENÉVOLA
COMPREENSÁO PARA COM A ELEVACAO DOS PREQOS
DA REVISTA - FATO QUE SE DEVE NAO SOMENTE A
INFLAQÁO VIGENTE NO PAÍS, MAS TAMBÉM A DUPLI-
CApÁO DAS TIRAGENS ANUAIS.
GRATOS PELA COLABORACÁO, ESTAMOS DISPOS-
TOS A RECEBER SUGESTÓES E CRITICAS PARA MELHO-
RAR SEMPRE MAIS O NOSSO TRABALHO. - A TODOS
FELIZ NATAL E PROSPERO 1986!

Estévao Bettencourt O.S.B.

511
Um documento da Santa Sé:

Comunhao na Máo
A S. Congregacao para o Culto Divino publicou a seguinte Notificacáo
a respeito da Comunhao na mao:

Prot. 720/85
A Santa Sé, a partir de 1969, maniendo sempre em toda a Igreja o uso
tradicional de distribuir a ComunhSo, concede as Conferencias Episcopais que
o pecam, e em condicOes determinadas, a faculdade de distribuir a Comu-
nhüo na mío dos fiéis.
Esta faculdade é regida pelas instrucSes Memoriale Domini e Immen-
sae Caritatis (29 de maio de 1969, AAS 61, 1969, 541-546; 29 de Janeiro
1973, AAS 65, 1973, 264-271) assim como pelo Ritual De Sacra Com-
munione publicado aos 21 dejunhode 1973, n? 21. Todavía parece útil cha
mar a atencao para os pontos seguintes:
1. A Comunhao na mao deve manifestar, tanto quanto a Comunhao
recebída na boca, o respeito para com a presen9a real de Cristo na Eucaris
tía. Por isto será preciso insistir, como faziam os Padres da Igreja, sobre a no-
breza do gesto dos fiéis. Assim, os recém-batizados do fim do século IV re-
cebiam a norma de estender as duas míos fazendo "com a esquerda um tro
no para a direita, pois esta devia receber o Reí" (5?Catequese Mistagógica de
Jerusalém, n?21; PG 33, Col. 1125; S. Jo3o Crisóstomo, homilía 47 PG 63
Col. 898, etc.). 1
2. Seguindo ainda os Padres, será preciso insistir sobre o Amém que
o fiel diz em resposta as palavras do ministro: "O Corpo de Cristo". Este
Amém deve ser a afirmacao da fé: "Quando pedes (a Comunháo), o sacerdo
te te diz 'O Corpo de Cristo', e tu dizes 'Amém', 'é isto mesmo'; o que a lin-
gua confessa, conserve-o o afeto" (S. Ambrosio, De Sacramentis 4,25).
3. O fiel que recebe a Eucaristía na mao, levá-la-á á boca antes de vol-
tar ao seu lugar; apenas se afastará, ficando voltado para o altar, a fim de
permitir que se aproxime aquele que o segué.
4. E da Igreja que o fiel recebe a Eucaristía, que é a Comunháo com o
Corpo de Cristo e com a Igreja. Eis por que o fiel nao deve ele mesmo retirar
a partícula de urna bandeja ou de urna cesta, como o faria se se tratasse de pao

1 Na prática, deve-se recomendar aos fiéis o contrario; a mao esquerda


sobre a máo direita, para que tomem fácilmente a hostia com a mao direita
para colocarla na boca.

512
COMUNHÁO NA MÁO 69

comum ou mesmo de pao bento, mas ele estende as m3os para receber a par
tícula do ministro da Comunhao.
5. Recomendar-se-á a todos, especialmente as enancas, alimpezadas
maos, em respeito á Eucaristía.
6. Será preciso previamente ministrar aos fiéis urna catequese do rito,
insistir sobre os sentimentos de adora;So e a atitude de respeito que ele exi
ge (cf. Dominicaecoenaen0 11). Recomendar-se-lhes-á que cuidem de que
ná"o se percam fragmentos de pao consagrado (cf. Congregado para a Dou-
trina da Fé, 2/05 1972, Prot. n989/71, em Notitiae 1972, p. 227).
7. Os fiéis jamáis serao obligados a adotar a prática da Comunhao na
mío; ao contrario, ficario plenamente livres para comungar de um ou de
outro modo.
Estas normas e as que foram recomendadas pelos documentos da Sé
Apostólica atrás citados, tém por finalidade lembrar o dever do respeito para
com a Eucaristía independentemente do modo como se receba a Comunhao.
Inststam os pastores de almas ná*o só sobre as disposicoes necessárias
para a recep$ao frutuosa da Comunhao, que, em ce ríos casos, exige o recur
so ao Sacramento da Penitencia; recomendem também a atitude exterior de
respeito que, em seu conjunto, deve exprimir a fé do crist2o na Eucaristía.
Da sede da Congregacao para o Culto Divino, aos 3 de abril de 1985.

t Agostinho Mayer
Arcebispo titular de Satriano
Pro-Prefeito

t Virgilio Noé
Arcebispo titular de Voncaria
Secretario

Como se vé, esta Notificacáo chama a atencáo para


1} a necessidade de se receber a Eucaristía sobre a palma da mao, e
nao como quem pinca a partícula (suposto que o comungante nao queira
recorrer á maneira tradicional de receber a Comunhao);
2) a postura de quem comunga: estacionaria, de frente para o altar,
deixando espaco para que possa comungar o fiel que vem atrás;
3) o dever, que toca aos ministros, de distribuir a S. Eucaristía, e nao
deixar que déla se sirvam os fiéis como se serviriam de outro alimento;
4) a necessidade de disposicoes espirituais condizentes com a Comu
nhao Eucarística - o que supoe o recurso ao Sacramento de Penitencia em
caso de pecado grave. Nao é licito comungar em estado de pecado grave, co
mo ainda recentemente lembrava a Igreja ao promulgar o canon 916 do no
vo Código de Direito Canónico;
5) o respeito ao SS. Sacramento que, através destas minucias, há de
ser incutido e incrementado.

513
Dois livros sobre

0 Poder da Mente
Em síntese: Os livros referentes ao poder da mente vém-se multipli
cando. . . Multas vezes supóem premissas pantefstas, concebendo o ser hu
mano, Deuse o universo como elementos que possam entrar em grande sinto
nía entre si a fim de propiciar efeitos maravilhosos; a Divindade é, de ceno
modo, concebida como energía física com a qual se integra a energía física
da mente humana; essa integracao é. por vezes, chamada "doacao", á qual
sao atribuidos efeitos potémosos.
Enquadram-se nestes parámetros os livros de José Sometti e Nubia Ma-
del Franca, que analisamos ñas páginas seguintes; cada qual destas obras ten-
dona ser fiel ao pensamento católico, mas ambas falham porcederem a um
linguajar pan teísta, que traduz mentalidade panteísta, da qual, fazemos vo
tos, nem José Sometti nem Nubia Maciel Franca estejam plenamente cons
cientes.
Além disto, registramos que os dois livros, especialmente o segundo,
excitam intensamente a fantasía do leitor — o que nao somente contribuí
para fazé-lo viver num mundo irreal, mas também pode concorrer para a fe-
tar a sua saúde mental.

Multiplicam.se os livros que tencionam incutir ao público o poder de


que é dotada a mente humana. Ensinam maneiras de aproveitar tal forca,
recomendando posicoes corporais e atitudes mentáis que visam a resolver
graves problemas da vida cotidiana: levariam á descoberta de objetos perdi
dos, ao conseno de aparelhos defeituosos, á cura de doencas, etc. Tais obras
fascinam os leitores; todavía me rece m serias restricdes do ponto de vista fi-
losófico-religioso, pois adotam concepcóes panteístas, especialmente quando
abordam aspectos da religiao. Em última análise, dir-se-ia que o poder da
mente resulta de que esta é parcela de um grande Todo divino.com o qual
ela tem que entrar em sintonía; urna vez obtida esta harmonía, a mente go
zaría do poder infinito da Divindade.
Oentre as diversas publicacoes de tal género, vamos, a seguir, comentar
duas, que parecem particularmente significativas.

JOSÉ SOMETTI, Vocé é aquilo que pensa. Ed. Gdade Nova, Rúa Cel.
Paulino Carlos 29, 04006 Sao Paulo (SP), fone 884-3700, 140x207 mm,
157 pp.

514
O PODER DA MENTE 71

1. "Vocé é aquilo que pensa"


por José Sometti
O autor é sacerdote, que se tem dedicado intensamente ao estudo da
Parapsicología, chegando mesmo a fazer parte da equipe do Centro Latino-
Americano de Parapsicología (CLAP), outrora dirigido pelo Pe. Osear Que-
vedo. Tem exercido sua atividade pastoral com grande zelo. O livro que traz
o título ácima, reproduz o texto de conferencias e cursos que o autor tem
ministrado no Brasil e no exterior.
O livro contém, sem dúvida, muitas páginas de valor, que fornecem ao
leitor a explicapao de fenómenos estranhos, nao raro atribuidos á interven-
ca"o de espfritos do além: a psicografia, a pré-cognicao, a percepeáo extra-
sensorial, a telecinesia, etc. So podemos ser gratos ao autor por oferecer
tais esclarecimentos aos seus leitores.
1. Contudo, quando Sometti fala de oracao, parece confundí-la com
urna técnica de aproveitar os poderes da mente para obter efeitos maravi-
Ihosos. É o que se verifica principalmente no capítulo VI I: "O Inconsciente
e a Harmonía Familiar e Universal". Eis algunsdos mais significativos textos
de Sometti:
"Quando vocé pede algo na oracao, veja se o que pede está, antes de
tudo, de acordó com a vontade de Deus.
Em seguida, visualize bem firmemente o seu dese/o, como se o quises-
se materializar, enfeitando-o de características e notas agradáveis; ve/a, por
fim, realizarse concretamente o quanto pediu.
Coloque tudo na mió da infinita Bondade de Deus Pai e sima ¡á
realizado o seu sonho.
Agradeca ñas suas oracóes a realizacáo do seu pedido.
Fique firme no pensamento positivo, na certeza de que tudo se reali
zará, contanto que o objeto do seu pedido esteja de acordó com a vontade
de Deus, de acordó com o plano de amor, paz e harmonía do universo" (p.
95).
Mais adiante ese revé o autor:

"Durante o sonó o seu subconsciente sempre está acordado e trabalha


em seu favor. O que precisa, é programá-lo positivamente.
É portanto. . . útil antes de deitar subtrair quinze minutos ao sonó,
fazendo um bom relaxamento, colocando a mente em contato com a fonte
criadora da vida e da paz, perdoando a todos, abencoando a todos, agrade-
cendo em primeiro lugar a Deus e depois aos seus familiares, aos seus vizi-
nhos..., enfim agradecendo por tudo...
Visualize-se imergindo num globo de luz, protegido pelo poderoso
amor de Deus.
Este exercfdo, antes de deitar, constituí para alguns oracao e sintonía
com as foreas positivas do Bem existentes no Universo.

515
72 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Dormindo bem calmo, bem relaxado, imergindo neste amor de paz e


tranqüilidade, ligado á fonte criadora, transformará o seusono em descanso
abencoado para o seu corpo e em energía vital para o seu espirito" (p. 98).

Mais aínda:

"O nosso inconsciente tudo sabe e tudo pode programar para o nosso
bem, se o solicitarmos.
Antes de trabalhar, ponanto, antes de iniciar algo de novo, é sempre
bom dar algumas sugestoes positivas, com a intencao de chegar a ele e pro-
gramá-lo.
As pessoas sao guiadas muito mais por aquilo que sabem a través da
mente inconsciente do que através do controle consciente de sentlmentos,
pensamentos, decisoes, acSes...

Conheco um grupo de dentistas que todas as vezes que se reunem para


trabalho de pesquisa, para quinze minutos antes de iniciarem, relaxam, re-
zam ao Senhor das leis do universo e depois comecam o trabalho. Os efeitos
sao inumeráveis.

Pessoalmente vejo a oracao do grupo de trabalho sob a perspectiva das


palavras do Divino Mestre, que disse quase dois mil anos atrás: 'Onde dois
ou tres ou mais estiverem reunidos em meu nome, ali estarei no meio deles'"
(p. 97).

Quem lé estes trechos, tem a impressao de que orar, no caso, é dispor


a mente para entrar em sintonía com urna grande fonte emissora de energías
e poderes que, urna vez captados pelo orante, tornarao realidades os seus de-
sejos. A oracao seria urna receita psíquica de efeitos certeiros, desde que rea
lizada segundo as normas prescritas. Ora tal nao é o conceito cristao de ora-
pao: esta é urna elevacao da alma a Deus para adorar, agradecer, expiar e su
plicar; nada mais supoe do que urna atitude filial do orante diante de Deus;
pode ser efetuada em meio as situacoes mais tormentosas. Será atendida se
Oeus, em sua livre e soberana vontade, houver por bem dar a sua grapa á
criatura. A oracao é, pois, urna atitude de fé, que recorre á liberalidade de
Deus sem poder prometer resultados certeiros. Verdade é que nenhuma
orapao é inútil; mas Oeus pode nao conceder ao orante o que pede e, sim,
outro bem, mais condizente com os auténticos interesses de quem reza.

É certo que os mestres de orapao reconhecem o valor de certas técni


cas físicas e psíquicas que facilitam o recolhimento e a lucidez de espfrito:
ambiente semi-escuro, música suave, mobílizacao da memoria, da fantasía,
da inteligencia, da vontade, dos afetos... Estes exercicios podem ser úteis a
quem queíra meditar ou refletir sobre as verdades da fé. Mas nao se identifi-
cam com a própria prátíca da orapao.

516
O PODER DA MENTE 73

Com ¡sto nao queremos negar a eficacia de certa higiene mental nem
do relax. Mas desejamos observar que nao se podem identificar com a ora-
gao.

2. Eis ainda outros textos suspeitos, que tém o sabor de panteísmo:

"A repeticao (de oracóes) calma e tranquila leva ¡nevitave!mente a pes-


soa em nivel mental mais relaxado e conseqüentemente em nivel alfa.
Em geral, a pessoa que está neste ciclo de onda, encontra urna perfeita
harmonía entre os poderes instintivos e a consciéncia, trabalha diante do
Principio de Paz Universal os própriss recalques, as mágoas, os traumas.
Entre os orientáis existe urna prática mi/enar deste tipo de oracao, on
de o fiel orante repete calma e tranquilamente urna palavra ou urna frase ¡n-
cessantemente.

No mundo ocidental existe entre os cristaos um costume parecido,


que foi sempre muito valorizado (sem conhecer toda a riqueza psicológica),
o costume do terco (rosario)" (p. 107).

Ora esta passagem assemelha a oracao do rosario á repeticao dos man-


tras ou maha-mantras do hinduísmo. - Pois bem; os hindui'stas repetem
sempre a mesma palavra (Haré Krisna, Haré Haré Krisna Krisna, Haré Rama,
Rama Rama, OM, OM, OM. . .), porque, percutindo o ar com os seus sons,
os hinduístas julgam que estfo fazendo vibrar a própria Divindade, a qual se
torna mais eficiente e atuante quando assim aclamada.'
O cristao nao repete suas oracoes por tal motivo pantei'sta: a oracao
vocal apenas Ihe oferece o sustento e o ambiente no qual o espirito se eleva
a Deus com seus afetos; Deus é transcendente e nao se identifica com ne-
nhuma onda energética.
Ainda merece atencáo outro trecho em que o panteísmo está subja-
cente:

"Estando perturbada. . . procure entrar em onda alfa, visualizar a sua


viagem ótima, envolvida pela luz protetora de Deus, vendóse amada e acom-
panhada por Ele. Assim pensando, nada de mal poderá acontecer-lhe, por
que o Poder Infinito que está dentro de vocé cria novas siwacoes e rumos
novos...

Acredite que existe dentro de vocé o Poder Infinito que pode intervir
na serie sucessiva dos acontecimentos e pode modificar positivamente o seu
futuro" (p. 122).
Em suma, "existe dentro de vocé o Poder Infinito que pode intervir na
serie sucessiva dos acontecimentos e modificar positivamente o seu futuro"
(p. 138).

Esse Poder Infinito que presumidamente existe dentro do leitor, men


cionado com iniciáis maiúsculas, tem as características da Divindade tal co
mo a concebem os panteístas.

5I7
74 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Estamos convictos de que o Pe. José Sometti conserva íntegra em seu


coracao a fé católica no Deus transcendental Criador de todas as coisas (e,
por conseguínte, nao identificável com alguma délas), mas nao podemos dei-
xar de verificar que a sua linguagem sofreu influencia de autores panteístas
como Joseph Murphy no seu livro "O Poder Infinito da sua Mente" (cf. PR
222/78, pp. 263-270). Seria oportuno que retificasse o seu modo de falare
pensar. De resto, é só numa perspectiva panteísta que se podem atribuir ao
ser humano poderes infinitos, pois, considerada como criatura, a pessoa hu
mana nao goza de poderes infinitos. É certo que o subconsciente tem alcan
ce surpreendente, mas este ná*o faz jus ao qualif¡cativo) de infinito. - Em
conseqüéncia, concluirnos:quem atribuí á mente humana poderes infinitos,
ou está "brincando" com as palavras, nao respeitando o significado rigoroso
e preciso que tém, ou está (consciente ou inconscientemente) aderindo ao
panteísmo. - Ora o panteísmo é urna aberracáo lógica, pois identifica como
facetas da mesma substancia o finito e o Infinito, o relativo e o Absoluto, o
contingente e o Necessário, o temporario e o Eterno... Cf. PR 263/82 p
306.

2. "Relaxe e viva feliz"1


por N ubi a Maciel F ranga e
Pe. Martins Térra S.J.

Este outro livro, que tem a apresentacáo do Pe. Haroldo Rahm S.J.
(pp. 5-12), é,em sua parte principal (pp. 13-150), obra da Ora. Nubia Maciel
Franca, "advogada, socióloga e perita tanto na arte de relaxamento como no
ensinamento de oracáo dinámica" (p. 5). O Pe. Joao Evangelista Martins
Térra S.J. escreve os tres capítulos fináis do livro (pp. 151-171) a partir de
premissas diferentes das da Dra. Nubia. Os capítulos da lavra desta escritora
é que nos háo de interessar a seguir.
1. Em st'ntese, a Dra. Núbia adota o conceito de que a mente humana
goza de enorme poder, que o individuo deve saber utilizar, colocando-se em
alfa ou em relax. Entretanto em tal situacáo, ou quando ora, a pessoa se poe
em sintonía com o Universo e com o Criador, usufruindo dos poderes do
Criador (cf. pp. 97s). Essa sintonizado com o Universo e com a Divindade
tem efeitos portentosos, que consistem na obténgalo de cura de pessoas
doentes (p. 91), na descoberta de objetos perdidos (p. 108), no conseno de
aparelhos quebrados (p. 109), no dominio sobre as plantas (pp. 113-117),
sobre os animáis (pp. 119-123)...
O que chama a atencao neste livro, é, além da promessa de efeitos alta
mente prodigiosos, o subtrato panteísta que a obra deixa transparecer: a ora-

1 Ed. Loyola, Rúa 1822, ifi 347, Cx. postal 42335, 01000 Sao Paulo (SP)
138 x 208 mm, 171 pp.

518
O PODER DA MENTE 75

gao se reduziria a um processo de Física mecánica ou de vibracoes ondula


toria - o que so se pode conceber se toda a relidade existente é urna só subs
tancia com facetas diferentes ou é urna rede cujos nos se condicionam uns
aos outros.

Eis algumas das afirmacdes mais típicas da autora:

"Há muita energía dentro e fora de vocé. Apenas usando-a vocé se


convencerá de sua existencia e de sua efetiva aplicacao " (p. 93).
"Quando o homem espiritual ora ou relaxa, entra em harmonía ou em
sintonía com o Universo e com o Criador" (p.97).
"O relaxamento ajuda a integracao consigo mesmo, com o meio, com
outros homens, com o Universo e com Deus" (p. 99).
"Vocé pode influir osbre as plantas, os animáis, sobre as partes f/sicas
dos seres humanos para a judá-los e pode também entrar em sintonía com o
Criador" (p. 110).

"Sintonía com o Universo e com o Criador". Esta expressao parece


dizer que o ser humano é um aparelho capaz de captar ondas de duas fontes
emissoras justapostas: o Universo e o Criador. Ora Deus nao é um foco de
energía ou de ondulacoes físicas ou elétricas, pois Ele nada tem de quantita-
tivo ou dimensional.
É certo que a Dra. Núbia nao insiste tanto quanto José Sometti sobre
a identidade de oracao e técnica mental. Mantém-se mais no plano da psico
logía do que no da mística. Isto, porém, nao a exime de usar locucoes pan-
teístas.

2. Nao podemos deixar de registrar outrossim que o livro parece ceder


amplamente á imagínacao, apresentando páginas que, oriundas da fantasía
da autora, excitam fortemente a fantasía dos leitores, talvez com o risco de
transtornar (em vez de beneficiar) a saúde mental destes. Eis urna das passa-
gens em que a fantasía interpela a fantasía num plano de piedade:

'"Em verdade, em verdade Ihes 'digo: se dois ou mais concordarem


acerca de alguma coisa que tiverem a pedir, ser-lhes-a dado' .
Entre em seu santuario pelo método de 20 a le saúde os amigos espi-
rituais... Ore com eles...
Na presenca de Deus ofereca seu vazio e permita que sua energía flua
para vocé. . . Imagine urna esfera de luz branco-azulada intensa vindo da da-
raboia ácima de sua cabeca. Veja esta luz tornándose mais intensa. .. ima
gínese um canal vazio para que a energía de Deus flua por vocé...
Imagine-a como urna cachoeira de luz e forca inundando a sua alma,
sua mente, seu coracSo, seu corpo, todo o seu ser...
Concentre a luz principalmente em seu coracao, pois, assim como vocé
pensa no coracao, assim é...

519
76 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Projete saúde e bem-estar a todos os seus entes queridos.. . Projete-


Ihes a luz branco-amarelada e visualizeos felizes...
Projete energía para seus país,... ir/naos... cónjuge... filhos,... pa-
rentes,... amigos,... empregados,... patrio,... projete e ore por todos
aqueles que ¡he pediram...
Assim fique em oracao pelo tempo que quiser e depois saia de seu
santuario contando de 1 a 20" fp. 146).

Para ajudar alguém a superar problemas de saúde física, eis a receita:

"Respire profundamente e relaxe...


Pense numa pessoa com problemas de saúde física... Imagine-a de pé,
de frente para vocé...
Levante as maos e volte as palmas das maos em direcao a ela... Ima
gine que urna luz branco-azulada sai das pontas de seus dedos e das palmas
de suas maos e ilumina o sistema nervoso de... Imagine que os raios de luz
entram no hemisferio cerebral esquerdo de . . . Acompanhe com suas maos
esses raios de luz descendo até o pé direito...
Agora projete a luz branco-azulada para o hemisferio cerebral direito
e acompanhe-a até o pé esquerdo...
Imagine agora essa luz iluminando todo o esqueleto de ...da cabeca
aospés...
Ilumine o sistema circulatorio. . . Irradie a luz branco-azulada para o
coracao.. . e da i para as arterias, veías e vasos sanguíneos de todo o corpo,
da cabeca aos pés...
Se em algum lugar do corpo senté dores, coloque mentalmente urna
dé suas maos sobre o local e anéstesie-o, ao mesmo tempo que vé essa parte
iluminada... Imagínese um instrumento do amor de Deus e ore por...
Deixe que sua última impressao seja a de vé-la saudável, contente e fe
liz. .."(p. 95s).

Estes dizeres nao necessitam de longos comentarios. Sao muitc propi


cios a fazer o leitor viver num mundo fantástico, subjetivo, pertgoso para o
equilibrio psíquico do individuo.
3. Quanto á explanacáo acrescentada pelo Pe. Joao Evangelista Mar
tí ns Térra S.J. (pp. 151-178), procede em termos de teología auténticamente
católica — o que causa ao hitor conhecedordo assunto a impressao de estar
passando de um mundo para outro. Nao se vé a relacao entre a obra da Prof.
Núbia e a do Pe. Térra; verdade é que este aborda "a técnica da concentra-
pao para a contemplagao" (p. 154) e chama a atencao para a necessidade da
disciplina espiritual, do silencio interior, da aplicapab da imaginacao e dos
sentidos, para que haja meditacáo e oragáo. Todavia a cosmovisao a partir da
qual o sabio jesuíta propoe suas observacdes, é bem diversa daquela que ins
pira a Dra. Núbia. Por ¡sto teria sido melhor que o Pe. Térra nao pubticasse

520
O PODER DA MENTE 77

os seus capítulos em continuidade com a obra da psicóloga, pois os contatos


entre aqueles e esta sao periféricos; o leitor menos avisado, porém, poderá
julgar que as mesmas conceppóes panteístas perpassam a obra de ponta-a-
ponta.

4. No tocante á apresentacáb do livro feita pelo Pe. Haroldo Rahm,


parece-nos pouco adequada, pois propicia a confusao de nocoes básicas, co
mo as de Deus, ser humano, mundo material. . ., cuja identidade deve ser
cuidadosamente preservada por todo e qualquer pensador, principalmente
por um mestre católico.
Fazemos votos para que os arautos de técnicas mentáis - hoje em dia
muito numerosos e procurados como "salvadores" - náfo se deixem influen
ciar pela füosofia panteísta do hindú ísmo; saibam, antes, distinguir entre
exerc icios físicos e mentáis (que os hindú ístas cultivaram e que todos os ho-
mens podem cultivar com proveito) e a cosmovisao monista-panteísta que os
mestres hindus costumam adotar, mas que nao está necessariamente ligada
ás técnicas mencionadas e que de modo nenhum se coaduna com a mensa-
gem crista. Esta é monoteísta, professando um só Deus, transcendente. Cria
dor de todas as coisas; embora radicalmente diverso das criaturas, Deus as-
siste a cada urna délas, conservando-a, momento por momento, na existen
cia, sem se identificar com alguma délas.

A propósito ver
PR 263/1983, pp. 299-309 (L. Trevisan, "O Poder Infinito da sua Men
te");
268/1983, pp.260 (ídem, "Os Poderes de Jesús Cristo");
268/1983, p. 261 ("Técnica do Poder da Mente e a SalvacHo", por urna
equipe de médicos);
271/1983, pp. 504-509 (Ídem).

521
Relacoes sexuais e prazer:

"Repressáo Sexual, Essa Nossa


(Des) conhecida"
porMarilenaChauí

Em sfntese: O livro critica toda restricao ao uso do sexo. Para incutir


sua tese, chega a caricaturar normas e costumes inspirados pela religiao. A
autora mostrase mal informada;além do qué, faz afírmacdes gratuitas e des-
providas de documentacaó — o que tira á sua obra o valor de um estudo
científico, reduzindo-a a um trabalho fortemente emotivo e passional, que
pode impressionar pelo seu Hnguajar, mas carece de sólidos fundamentos his
tóricos e de persuasiva argumentado filosófica.

Marilena Chauf, professora de Filosofía na USP, publicou recentemen-


te o livro "Repressáo Sexual, Essa (Des)conhecida"1. Como se pode prever,
a obra critica toda forma de restricao ao uso da sexualidade, proclamando
plena liberdade neste particular.
Abaixo teceremos consideracoes sobre esse escrito, que so em 1984 al-
cancou duas edicSes.
Antes do mais, observemos que se trata de um livro de vulgarizado,
que, por conseguinte, nao apresenta notas de roda-pé nem indicacáo de fon-
tes ou documentos para comprovar as afirmacóes da autora. No tocante as
assercoes relativas á Igreja e á religiao, Marilena Chauf dá pravas de mal in
formada; afirma gratuitamente, como tanbém se deixa guiar por preconcei-
tos e sarcasmo. Esse estilo, pré-científico ou anticientífico como é, nao dei
xa de fazer mal ao leitor desprevenido, pois sempre há algum resultado pa
ra a mentira, como dizia Voltaire: "Mentí, mentí, pois sempre fíca alguma
coisa".
Em particular, ¡nteressa-nos a seccao intitulada "Sexo e Pecado" (pp.
83-113). Nestas páginas salientamos os seguintes tópicos:

1. Condenacao do sexo?

Marilena, quando se refere a Gn 1-3 (pp. 84-86), pergunta: "Se Deus


fez os humanos sexuados, se o prazer sexual existe no Paraíso como urna de

1 Ed. Brasifíense, 2a. edicao 1984. 137x210 mm. 231 pp.

522
"REPRESSÁO SEXUAL..." 79_

suas delicias, . . . como entender a condenacáo do sexo pelo Cristianismo?"


(p. 86).
A pergunta está mal colocada, apoiando-se sobre uní pressuposto
que nao existe. O Cristianismo nao se opoe ao uso do sexo nem á fruicao do
prazer anexo á sexualidade. O que a ética crista propugna, é que a vida se
xual se exerca de acordó com as leis da natu reza, que sao as leis ¡ncutidas
pelo Criador ao homem (leis também que, quando desrespeitadas, costumam
acarretar graves danos para o homem). Ora a experiencia mostra que
— a natureza é unitiva e fecunda. Por conseguinte, nao é lícito ao ho
mem excluir por meios artificiáis a fecundidade decorrente do ato sexual.
Todavía, se a própria natureza, em certos períodos do ciclo feminino, nao é
fecunda, torna-se lícito ao homem usar do sexo, pois em tais casos nao está
mutilando a natureza;
— o prazer é um estimulante que a natureza propicia ao ser humano
para que recorra á sexualidade, em vista de complementado mutua e de
procriacao. Donde se segué que o prazer nao é a finalidade do ato sexual,
mas um adjunto para a mais fácil consecucao de determinados fins. Excluir
artificialmente um destes fins para usufruir mais Mvremente do prazer, é
antinatural e pecaminoso;
— o ato sexual ou a genitalidade, com o possíve! efeito "prole", só
tem sentido se realizado no contexto da uniao estáve I entre o homem e a
muiher ou no casamento; somente este oferece as condicoes necessárias pa
ra que possa haver o fruto do amor e da genitalidade que é a prole. Fora do
casamento, o recurso á genitalidade tem caráter passional, que a sa razio e a
Ética crista nao podem abonar.
Estas observapoes bem mostram que a Moral católica nao julga a se
xualidade e a genitalidade como algo de mau. Também contribuem para
dissipar o equívoco de que "sexo honesto é sexo sem prazer e sem luxúria"
(cf. p. 94). Na verdade, sexo honesto é sexo sem luxúria (entendida como
desmando no sentido airas apontado), mas nao é necessariamente sexo sem
prazer.

2. Casamento e virgindade

A Escritura Sagrada apresenta o matrimonio como instituicSo divina,


abenpoada pelo Criador (cf. Gn 1,28) e elevada á dignidade de sacramento
pelo Senhor Jesús (cf. Ef 6,32). Isto quer dizer que, na perspectiva crista,
toda a vida conjugal do marido e da muiher é comunicacao da grapa e mutua
santif¡cacao; nada ai há de profano. A uniao conjugal nao é indissolúvel por
decreto da Igreja do sáculo XIII, como se lé as pp. 94s. Mas a indissolubili-
dade conjugal, além de ter seu fundamento na própria lei natural, é apregoa-
da pelo Senhor Jesús e por Sao Paulo desde o limiar da era crista; cf. Me 10,
11; Le 16,18; ICor 7,10s; Mt 5,32; 19,9.

523
80 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

A grandeza religiosa do matrimonio nao impediu o Apostólo Sao Pau


lo (seguindo um conselho de Cristo; cf. ICor 7,25) e a Tradicao crista de va
lorizar a vida virginal e o celibato. Com efeito; a vida una e indivisa é a atitu-
de mais lógica que o cristao possa tomar desde que se torne consciente de
que chegou o Reino de Deus ou os bens definitivos se fizeram presentes no
tempo; cf. 1Cor 7,25-35. Sao Paulo chegou mesmo a dizer que a vida una é,
objetivamente falando, melhor ou mais valiosa do que a vida conjugal (cf.
1Cor7,8s. 32-34-38). Esta posicao porém, naosedeveaumavisaomaniquéia
ou dualista da materia e da sexualidade, mas únicamente á consciéncia de
que, se já chegaram os valores definitivos á térra, nada há de mais ínteres-
sante para o cristao do que isentar-se de valores temporais ou provisorios
(na medida do possível) para aderir aos bens eternos presentes no tempo. A
propósito nao há necessidade de ulteriores reflexoes neste fascículo, visto
que em PR 276/84, pp. 368-386 a temática já foi longamente abordada.

3. Ulteriores consideracoes

As pp. 102-109, Mari lena Chauí trata do sacramento da Reconcilia-


cao ou Confissao em termos altamente fantasiosos e irreverentes. O que ela
afirma gratuitamente, sem pravas nem documentacao, nao merece maior
atencao; pode ser rejeitado também gratuitamente, pois toda assercáó que
tenha foro científico é devidamente demonstrada e documentada; os dizeres
que nao obedecam a tal exigencia, nao tém valor científico.
A parte final do livro intitulada "Nao existe pecado ao Sul do Equa-
dor?" (pp. 188-231) vem a ser um conjunto de consideracoes, citacoes de fa-
tos e textos de caráter fortemente provocador. A autora propugna liberdade
total para que a mu¡her use da sua genitalidade e pratique o aborto. Nesse
afa de obter para a mulher tao ampia liberdade, o feminismo se destrói ou
contradiz, pois o que muitas vezes está subjacente a esse anseio de liberdade
sexual é a imagem do homem, ao qual parece que (indevidamente) sao reco-
nhecidos todos os direitos ao uso do sexo. Porque ficaria a mulher atrás do
homem nesse particular? Para que ¡sto nao aconteca, ser-lhe-ia reconhecida
igual liberdade sexual. — A propósito observamos que 1) nem o homem goza
de liberdade sexual fora dos termos indicados no inicio deste artigo; 2) a
mulher que o queira imitar em seus abusos libertinos, torna-se.de novo mo
do, dependente do homem, porque imitadora do homem, em vez de se auto-
afirmar em sua identidade própria, como desejariam os movimentos feminis
tas.
Estas ponderacoes, ás quais outras se poderiam acrescentar, levam-nos
a concluir que o livro de Mari lena Chauí, longe de dignificar a mulher, abre
a esta as portas para que mais e mais venha a ser manipulada por suas pai-
xoes e pelos exploradores das paixoes femininas.

524
Por urna "Erótica crista":

"Sexualidade, Libertado e Fé"


por Rose-Marie Murara (organizadora)

Em síntese: O livro em foco debate questóes de Moral a partir de pre-


missas nSo cristas, como sao: 1) a tese marxista de que os bens económicos
sao decisivos para a formulario dos valores éticos; 2) a Ética da situacáb,
que apregoa a legitimidade das mais contraditórias atitudes, de acordó com
as circunstancias em que se encontré o ser humano; 3) a predominancia do
desejo sobre a razio. - Embora mencione a féem seu título, ao lado da se
xualidade e da libertario, as proposicoes do livro ignoran) por completo a leí
natural e a autoridade do magisterio da Igreja, que a fé católica professa. Em
conseqüéncia, sao abonadas, ao menos dentro do "sistema" (económico}
vigente, práticas como a prostituicao, o adulterio, o homossexualismo., .;
com efeito, nenhum ato pode ser considerado, segundo os autores, como in
trínsecamente mau. A nova Moral nao julgará o comportamento do ser hu
mano, pois isto seria querer exercer onipoténcia, á semelhanca do sistema
sócio-económico vigente1.
A publicafio de tal obra é mais um testemunho de que a sua Editora
- Vozes de Petrópolis - nao segué linhas editoriais católicas, mas pode ser
abertamente anticatólica em suas publicacoes.

* * *

Rose-Marie Murara já militou em Acáb Católica. Hoje simpatiza com a


Igreja na medida em que esta se mostra progressista e voltada para a promo-
cao dos pobres (cf. pp*. 3*cs do livro que estamos para analisar);está, porém,
totalmente desligada da hierarquia e do magisterio da Igreja. Rose-Marie
também tem-se agregado aos movímentos feministas; a "libertacáb da mu-
Iher" é o que mais interessa as suas atividades de estudiosa e pesquisadora.
Publicou a propósito o livro "Sexualidade da Mulher Brasileira: Corpo e
Classe Social no Brasil" (Ed. Vozes, Petrópolis, 1983, 4aedicao). Emconti-
nuidade com o anterior, publica em 1985 "Sexualidade, Ubertacao e Fé.
Por urna Erótica Crista. Prime ira Indagacoes."' Como diz o título, o livro
apresenta debates entre Rose-Marie e pessoas cujo nome é discretamente ve-

1 Ed. Vozes de Petrópolis 1985, 135x210mm, 124 pp.

525
82 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

lado, das quais, porém, se percebe que algumas sao celibatárias. Tais discus-
soes procuram esbocar a formulacao de urna nova Moral para a Igreja Cató
lica, visto que esta até agora tem professado uma Moral burguesa (p. 49).
Quais seríam entao os trapos da nova Moral, que assim se delineia?

1. A "libertagao" da Moral

1.1.0 estilo

Antes de qualquer outra observacáb, convém notar que o livro em fo


co é de estilo pesado, por vezes obscuro, confuso, marcado por erros de lin-
guagem portuguesa. Tenham-se em vista as seguintes passagens, que parecem
retiradas do gravador:
P. 8: "O eixo das discussoes deu-se em relacao á incapacidade dos par
tidos elitistas... serem incapazes de exprimir o desejo..."
P. 94: "Teremos evoluído para que quem, como na Igreja, se casa no
Senhor sem tanta ¡mprovisacáó".
P. 43: "A mulher fala que é dona.do seu corpo".
P. 99: ".. . falo isto. N3o falo istocomo um principio abastrato nao,
falo como uma concretizacao de alguma coisa em favor da vida".
P. 100: "Elas falam que estas reiacóes múltiplas com homem é traba-
Iho".

P. 14: "E o que vamos agora falar... é sobre o problema da sexualida-


de..."
Tais falhas de linguagem, embora explicareis pelo fato de se tratar tai-
vez da reproducao de debates, destoam, de certo modo, dos propósitos cien
tíficos e renovadores da organizadora da obra.

1.2. As linhas-mestras

Em poucas frases, os debates sao caracterizados pelas lirthas de pensa-


mento seguintes:

1. A Moral é essencialmente dependente do económico e do político:


"Precisamos talvez redefinir o que é o político... Estamos desconhe-
cendo os enraizamentos do político dentro da realizacao sexual mesmo eque
realizacdes sexuais envolvem uma dimensio política; ali também a política
tem que ser encontrada. Sim; na'relacao homem/mulher já estése dando uma
realizacao política de dominacao ou de libertacSo, de opressao ou de repres-
sao. Quer dizer, aíé que está o individuo mesmo e ele é político de entrada.
A relacao sexual é política de entrada. Deve-se portanto entender a polfti-

S26
"SEXUALIDADE, LIBERTAQÁO E FÉ" 83

ca como a dimensáo que atravessa toda a retacad social. Agora a questao que
se coloca é: Como é que se recupera a Moral num sentido novo? Como fun
dar urna Moral político-sexual nova? Como realizar urna recuperacao políti
ca da sexualidade ou urna recuperacao sexual da própria política ou como
quiserem. Porque se tem que vencer este dilema de fpermissividadeoure-
pressao" (p. 47;cf. p. 49).
A p. 51 sao mencionados "todos aqueles que consentiram em nos re
velar algo de sua vida e, com ¡sto, descobrir, ao menos em parte, as relacoes
entre o sexual e o económico e, por este fato mesmo, ajudar a todos nos a
transformá-las".
2. Em correlacáo com a premissa anterior, está a constante acusacüo
do "sistema":
"Nao se vé que entre eu e o outro existe a mediacSo do sistema. Eu-
meu filho, eu-minha esposa, eu-relacao sexual, tudo ¡sto está mediado pelo
sistema" (p. 44;cf. pp. 49.81.95. 112).
0 sistema censurado é, á primeira vista, o regime sócio-político-econó-
mico dos países ocidentais. Verdade é que vem condenado também "o so
cialismo de tipo soviético (p. 46) ou "o socialismo autoritario" (p. 111).
3. Se a Moral decorre das premissas económicas e políticas, depreen-
de-se que nenhum ato é intrínsecamente mau ou mau como tal:
"Um sistema essencialista de pensamento... forma um mundo episte
mológico á parte, de onde derivam normas apriorístas completamente dis
tantes da realidade. Esta do 'intrínsecamente mau' é um exemplo: quercolo
car urna predeterminado moral a partir de urna pseudo-ordem estabelecida
por Deus, sem se pecceber a torca da ideología que escrav'tza as normas mo
ráis" (p. 62).
"Nao é multo habitual, em certa área da teología moral... colocarse
em busca. Pártese da afírmalo e de certezas do que pode e do que nao po
de. Inclusive, a título de exemplo, com urna afirmacao que acho difícil de se
sustentar: a afirmacao de intrínsecamente mau. Ai ¡á é um problema muito
grave, do ponto de vista estritamente teológico" (p. 48).
Conseqüentemente a prostituicáb vem a ser legítima, pois o sistema
nao oferece mercado de trabalho para muitas mulheres: seria "paternalismo"
dizer a urna prostituta que abandone o seu tipo de trabalho (cf. p. 100).
Também o adulterio é justificado como "urna fase intermediaria de li-
bertacáo" (p. 88).
O homossexualismo é considerado urna conseqüéncia do sistema (cf.
p. 119); a eclosao do mesmo pode ser urna etapa de reconstrucáb dasocie-
dade económica e da vida sexual sem opressao:
"Acredito que o capitalismo com esta relacaó assimétrica entre o ho-
mem e a mulher cria urna sociedade básicamente homossexual e a reprime"
(p. 119).

527
84 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

"Nao vejo o homossexualismo como um fenómeno de decadencia,


mas sim como um fenómeno de renascimentó e de abertura dos problemas
escondidos numa sociedade de escassez em que a energia toda tinha que ir
para o sistema produtivo; urna vez que este sistema produtivo nao pode mais
agüentar toda a popufacao, explode realmente o homossexualismo" (p. 120).
A masturbacáb é tida como urna etapa legítima e natural do processo
de conhecimento do corpo por que passa alguém: "Nao entender a mastur-
bacáb é nao entender o processo de conhecimento do próprio corpo"
(p.89).
0 celibato, segundo Rose, "deve estar ligado. . . ao projeto do ho
mossexualismo" (p. 121).

4. A nova Moral nao deverá julgar o comportamento das pessoas


(p. 49), nem ditar-lhe normas (isto seria exercer a onipoténcia). A nova Mo
ral deverá procurar descobrir o ser humano em sua profundidade:
"Duvido que naja um moralista mais engajado nos movimentos po
pulares e que sustente que sua fungió é dar normas ou criar normas; esta
nao ésua funcao. As normas, os valores ¡mpoem-se por si mesmos e, se nao
se veiculam, sao ¡moráis. Em outras palavras, é onipoténcia dentro do campo
da Moral querer dar normas; nao; o que se procura, é descobrir o ser huma
no em sua profundidade, como ele pode realizarse, ai é que está a grande
preocupacao. Entao sempre tem um caráter de busca, isto será a primeira
coisa"(p- 106).
£ preciso deixar cada um fazer o que queira, como Deus o deixou:

"Nao posso me añorar em juiz desta pessoa — isto seria moralismo.


Também nSo me posso arvorar em juiz no sentido de dizer 'este é um bom
caminho', quer dizer, é um universo onde nao devemos interferir; deixar a
pessoa fazer sua experiencia e esta me parece a pedagogía divina" (p. 99).
"Nunca o comportamento moral cristao vai ter a simples conformida-
de as normas que Ihe sao exteriores. Deve ser urna capacidade pessoal de dar
urna resposta livre. Portante, quando se pergunta 'O que fazer?', eu acho
que há também um processo de conscientizació aquí, do que seja o próprio
ato de assumir a responsabilidade por fazer isto e nao aquilo. Porque, se nao,
recaímos no modelo facilitador de permitido ou reprimido. Acho que vamos
ter que vigiar muito esta tentacao" (p. 92).
5. A fim de chegar á nova Moral, torna-se necessário "assimilar a
transgressáo da regra"; so assim ''se conseguirá libertar o povo da opressao"
(p. 124).
Como se vé, o livro, aventando diversas teorías psicológicas, psicana-
listas, sociológicas, pedagógicas, religiosas..., toca em muitos pontos de Mo
ral; os pronunciamentos éticos pretendem tomar por base os criterios só-
cio-político-económicos, usando muitas vezes de linguagem obscura. E, as-

528
"SEXUALIDADE, LIBERTA^ÁO E FÉ" 85

sim como Marx prometeu utópicamente uma sociedade nova e morigerada


mediante a revolucao do povo e a ditadura do proletariado, os dialogantes
do livro parecem prever uma nova conduta ética, livre de injuncoes e nor
mas, a partir da transformacáo sócio-económica da sociedade.

2. Que dizer?

Se o livro em foco nao fosse publicado por uma Editora que passa por
católica ("Vozes de Petrópolis") e se nao tivesse a aparéncia de falar em
nome da fé (ver o título "Sexualidade, Libertadlo e Fé. Por urna Erótica
Crista"), seria apenas mais uma obra de falsa filosofía moral no mercado. O
fato, porém, de que a organizadora do livro e alguns de seus interlocutores
tencionam interpretar a mensagem da fé, leva o cristao a uma atitude críti
ca mais severa frente ao mesmo.
Com efeito. Algumas observares decorrem de atenta consideracáo
da obra:

1) A reducao da Moral a um fenómeno (ou superestrutura, em lingua-


gem marxista) das estruturas económicas é tese marxista. Para Karl Marx, o
homem é essencialmente carencia. . . e carencia de bens materiais; por con
seguí nte é na economía que ele encontra as su as respostas e a sua realizacáo.
Com outras palavras: para Marx, a economía e a producao sao estrutura, ao
passo que a Moral, a Religiao, o Direito, a Arte. . . sao superestruturas ou
meras conseqüéncias do económico.

Ora tal proposicao é frontalmente avessa áconcepcao católica, segun


do a qual o homem é um ser essencialmente voltado para a Transcendencia
e o Absoluto: a sua Moral tem base na lei eterna de Deus, que está impressa
na natureza humana (= lei natural). Existem, pois, principios perenes de
Ética, segundo os quais o desrespeito as instituicoes naturais é sempre imoral
desde que cometido com conhecimento de causa e vontade deliberada; por
conseguí nte, a prostituicao, o adulterio, o homossexualismo. . . nao podem
ser reconhecidos como legítimos em funcao de determinadas situacóes eco
nómicas, mas sao intrínsecamente ¡moráis ou pecaminosos.

2) Além de se nortear pelos principios da lei natural, a Ética crista


reconhece no magisterio da Igreja, assistido pelo Espirito Santo (cf. Mt 16,
16-19; Jo 14,24; 16,13), uma instancia a ser fielmente respeitada. O livro em
foco considera a Igreja exclusivamente do ponto de vista sociológico; re-
fere-se ao seu magisterio em sentido relativista ou como sendo algo de ut-
trapassado (cf. p. 92), deixando a decísao moral, em última análíse, a crite
rios estritamente pessoais.

3) Como se vé, além de se inspirar em premissas marxistas, os autores


do livro seguem também as linhas do existenciaiismo ou da Ética da sitúa-

529
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

cao, no sentido mais subjetivo da expressao; muito significativo é o texto da


página 62 do livro transcrito á p. 527 deste fascículo.
A nova conduta ética do homem há de se orientar mais pelo desejo do
que pela razáo. Esta é acerbamente profligada no livro (cf. cap. II: "Religiao
e Epistemología"). Resta saber o que seja o desejo tao preconizado ás pp. 36
e 38s; seria o apetite natural, instintivo, nao sujeito ás normas da racionali-
dade?

4) Positivamente, diremos: a Ética crista, teónoma como é (ou tendo


seu grande referencia! em Deus), longe de diminuir a pessoa humana, engran
dece-a e a nobilita. O homem foi feito para o Absoluto, de modo que, so-
mente ao sair de si para se mergulhar no Infinito de Deus, encontra sua ple
na realizacao. Muito sabiamente dizia Pascal: "O homem foi feito para ul-
trapassar infinitamente a si mesmo". Este programa, que pode parecer duro
e custoso á primeira vista, é o penhor da verdadeira felicidade.
Cíente disto, o cristao professa a validade da lei natural como eco da
lei de Deus, assim como o respeito ao magisterio da Igreja, que Cristo insti
tuí u como auténtico porta-voz da sua mensagem. Disto nao se segué despre-
zo pelas conclusoes das ciencias humanas (economía, política,sociología...);
o cristao, porém, ao reconhecé-las, dá-lhes o valor de subsidios para melhor
compreender o homem e o plano de Deus, sem délas fazer criterio último.
Há certamente situacoes socio-económicas que favorecem o vicio ou a pro
cura de ganha-pfo imoral; ¡sto nao implica, como conseqüéncia, a legitima-
cao (nem mesmo a título provisorio) de tais vicios, mas, sim, a urgencia de
se procurar a conversao dos coracoes, a fim de que a iniqüidade seja removi
da das estruturas sociaís e as pessoas tentadas ao pecado tenham solidez
para dele se afastar. A genuína Moral nao poderá deixar de apregoar o ponto
decisivo de toda a Ética, que é também o mais difícil: a conversao dos cora
coes, a fim de extinguir o egoísmo da face da térra, em favor do auténtico
amor a Deus e ao próximo.

ESCLARECIMIENTO

A PROPÓSITO DE NOTICIAS PUBLICADAS EM PR 282/1985 (2a.


e 3a. CAPAS), COMUNICAMOS O SEGUINTE:
A ASSINATURA ANUAL DE PR 1986 (12 FASCÍCULOS, PERIO-
DICIDADE MENSAL) PICARÁ POR: CrS 80.000, SE PAGA ATÉ 31/12/
85; CrS 100.000, SE PAGA ATÉ 30/06/86.
O ÚNICO PAGAMENTO VALE PARA OS DOZE MESES DO ANO.

530
Em nota:

Jesús: Revolucionario Político?


A extremada Teología da Líbertacao (TL) estabelece, como tese indis-
cutida, a necessidade de transformar a sociedade, ainda que mediante a luta
de classes e o odio. Em conseqüéncia, passa a uma re-leitura do Evangelho, a
fim de adaptar a doutrina de Cristo á acao social transformadora. Entre as
conclusoes dessa re-leitura, está uma nova imagem de Jesús Cristo: "Jesús foi
assassinado como um 'bandido revolucionario', como um zelota revoltado
contra o poder de ocupacao. . . A dimensao política de sua morte parece-
nos indiscutível", afirma o Prof. Benedito Ferrari no livro "A significacao
política e teológica da morte de Jesús". Vozes 1977, p. 241. O mesmo autor
declara que assim "visa á existencia crista de hoje, considerada no contexto
sócio-político onde se encontra engajado o cristao e, de maneíra toda espe
cial, no contexto de instabilidade da América Latina, onde o pensamento
cristao quer e deve enfrentar os problemas da libertacao" (4a. capa do livro
citado).

Tal justificativa é muito reveladora: bem mostra que a conclusao de


um "Jesús 'bandido revolucionario' ou zelota revoltado" nao brota de leitu-
ra serena e objetiva do texto sagrado, mas, sim, da intencao preconcebida
de encontrar nos Evangelhos o apoio necessário para a praxis revolucionaria
marxista. — Vejamos, porém, se a imagem de um "Jesús 'bandido revolucio
nario' "se coaduna com a do Jesús dos Evangelhos lidos objetivamente.

Alegam autores da TL que Jesús morreu crucificado como um sedicio


so político, e nao apedrejado (como deveria morrer um profeta). Por conse-
guinte, a causa de sua morte foi política. Mais:o título "Jesús de N azaré". Re i
dos judeus" colocado sobre a cruz de Cristo revelaría a causa política da mor
te do Senhor.

A propósito observemos: as acusacoes que os fariseus e, em ge ral, os


judeus faziam a Jesús, eram de índole estritamente religiosa: violava o sába
do (Me 2,23-28; 3,1-6), fazia-se igual a Deus (Jo 5,18), expulsava os demo
nios (Mt 12,22-24), censurava as observancias religiosas hipócritas (Mt 15,1-
20)...O motivo decisivo da morte de Jesús foi a blasfemia: Jesús confessara
ser "o Cristo, o Filho do Deus bendito" (Me 14,61-64;cf. Dn 7,13s). Toda
vía tais acusacoes, de foro religioso judaico, nao tinham significado para os
romanos; em conseqüéncia, a fim de obter do Procurador Pdncio Pilatos a
sentenga de morte para Jesús, os judeus tinham que alegar razoes de ordem
política: Jesús foi acusado de "estar agitando o povo, proibindo pagar os
impostos a César e dizendo ser o Messias-Rei" (cf. Le 23,2). Ora na
verdade Jesús, longe de contestar os impostos e a submissao a César, havia
dito: "Dai a César o que é de César e a Oeus o que é de Deus" (Mt 21,21).

531
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

Foi tal alegacáo que moveu Pilatos a entregar Jesús aos adversarios e á
morte (cf. Le 23,23-25).

De resto, evidencia-se por outros testemunhos do Novo Testamento


que os romanos nao queriam tomar partido nos litigios internos dos judeus,
de modo que acusacoes de índole religiosa nao os abalavam: veja-se, por
exemplo, o comportamento de Galiao em Corinto (At 18,12-16), o de Clau
dio Lisias (At 23,26-30), o de Félix e o de Pórcio Festo (At 24,22-27; 25,17
•21). Donde se vé que, se Jesús foi condenado á morte de sedicioso político,
isto se deve ao tipo de acusaedes que os judeus tiveram que forjar contra
Ele para encontrar audiencia por parte dos romanos, e nao ao teor da prega-
cao mesma de Jesús.

Alias, nao é difícil depreender dos Evangelhos a ¡magern de um Jesús


que, sem desprezar o valor das realidades terrestres, rejeitou peremptoria-
mente a perspectiva de ser um líder político. Recordemos asseguintes
passagens:

Interrogado por Pilatos, Jesús respondeu: "A/leu reino nao é deste


mundo; se fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que nao
fosse entregue aos judeus. Mas o meu reino nao é daqui" (Jo 18,36). — Em
outra ocasiao, teve Jesús a oportunidade de ser aclamado rei pela multidao
a quem dera pao, mas retirou-se para a montanha (Jo 6,15). A seguir, decía-
rou que viera trazer um alimento de índole espiritual: a carne e o sangue do
Filho do Homem. Expós-se assim a perder grande número de discípulos (Jo
6,66). — As bem-aventurancas evangélicas apregoadas por Jesús supoem con-
cepcao bem diversa de um Reino político: a proclamado da pobreza (Le 6,
20) ou mesmo tao somente do espirito de pobreza (Mt 5,3) nao se coaduna
com a expectativa de fundacao de um reino terrestre ou com a perspectiva
de urna luta armada pela conquista do poder. — Por último, as tentacoes no
deserto levam Jesús a rejeitar todo messianismo de ordem meramente terres
tre ou humana. Explícitamente Jesús rejeitou "todos os reinos deste mundo
e a sua gloria" (Mt 4,8; Le 4,5), evidenciando que o seu ideal nao era oda
ascensao ao poder político.

Estas passagens do Evangelho bastam para dissipar eventuais dúvidas


sobre as intencoes políticas de Jesús. Criar a imagem de um Jesús revolucio
nario no plano das instituicoes civis é deturpar a figura de Jesús.

Ao lembrar estas verdades, nao queremos dizer que o Cristianismo nao


tenha incidencias sobre as realidades terrestres. Apenas afirmamos que tais
incidencias decorrem da compreensao da mensagem religiosa do Senhor, e
nao vice-versa; a índole teológica e transcendental da figura de Jesús seja
mantida na sua identidade objetiva; ela é suficientemente forte para desper
tar nos cristaos os anseios de um mundo mais justo e fraterno.
Estévffo Bettertcourt O.S.B.

532
ERGUNTE

Responderemos

ÍNDICE de 1985
ÍNDICE

(Os números á direita indicam, respectivamente, fascículo


ano de edicao e página)

ABORTO: novas senten?as 280/1985 p ">54-


E PROGRESSOS CIENTÍFICOS 279/1985 p 154*
ABSOLVICÁO SACRAMENTAL 281/1985, p. 280.
ACASO E DESGRACAS 281/1985, p.350.
"ACLARACÓES ACERCA DE ALGUNS TEMAS
DE TEOLOGÍA" de Leonardo Boff 278/1985 p. 43
ACUSACÁO DOS PECADOS SACRAMENTAL 281/1985, p. 280.
ALBANIA E ATEÍSMO 283/1985. p.473.
"AMADEUS" - filme de Milos Forman 282/1985, p.441.
"A MEUIRMÁO LEONARDO" - carta aberta 279/1985, p. 173
ANÁLISE MARX1STA E TEOLOGÍA DA LIBERTA-
CÁO 278/1985. p. 29.
ANDES, LOS:declaracáo 283/1985, p.480.
ANO INTERNACIONAL DA JUVENTUDE 280/1985. p. 182;
e 282/1985, p. 358.
ANOVULATÓRIOS:debate: 281/1985, p. 314.
ANT1GO TESTAMENTO E SSMA. TRINDADE 283/1985,' p. 487.
APARECIDA: aparases de María SS 279/1985, p. 123.
APOCALIPSE: besta do 280/1985, p. 229.
ARMAS ATÓMICAS PARA IMPEDIR A GUERRA? . . 280/1985^ p. 190.
"A SENHORA APARECIDA" - livro de Aníbal
Pereira Reís 279/1985, p. 123.
ASTROS HABITAVEIS :discussao 279/1985, p. 91.
ATEÍSMO NA ALBANIA 283/1985, p.473.

BATIZADOS NA RÜSSIA 278/1985, p. 68.


BATIZAR O MARXISMO? 280/1985, p. 237.
BESTAS DO APOCALIPSE 280/1985, p. 234.
BÍBLIA: leitura na Igreja 282/1985 p. 385
BILLINGS, MÉTODO DE: 281/1985, p. 325.
BOFF, LEONARDO: "Aclarares" 278/1985, p. 43;
Carta aberta a 279/1985, p. 173;
Notificacao de Roma 280/1985, p. 257.

533
92 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

CAMPO DE CONCENTRAQÁO 281/1985, p.337.


CARISMÁTICA RENOVACÁO 282/1985, p. 372.
CATÓLICO NAO PODE SER MACOM 281/1985, p. 300.
"CEGONHAS DE ALUGUEL" 280/1985, p. 208.
CELIBATO SACERDOTAL: textos bíblicos 279/1985, p. 141.
CHARBONNEAU.P.-E.:"Marxismo e Socialismo Real". 279/1985, p. 101.
CHAUÍ, MARILENA: "Repressáo Sexual" 283/1985, p. 522.
CIVILIZACÁO EM PAÍSES PROTESTANTES 282/1985, p.429.
CLASSES, LUTA DE 280/1985, p.238;
e 278/1985, p. 36.
"COLOQUIO SOBRE A FÉ", por Messori-Ratzinger... 282/1985, p. 402.
COMUNGAR DUAS VEZES AO DÍA: 278/1985, p. 81.
COMUNHÁO NA MÁO: Nova Notificacao 283/1985, p. 512.
COMUNISMO: EXPOSICÁO E CRITICA 279/198S, p. 101;
CONCÍLIO VATICANO II E ARMAS NUCLEARES . . 280/1985, p. 191.
CONTROLE DA NATALIDADE: meios de praticar. . . 281/1985, p. 308.
CONTROVERSIAS TRINITARIAS NO SÉCULOIV. . 283/1985, p.493.
CRISTÁOS DIANTE DO MARXISMO . , 283/1985, p.46S.
CRISTOLOGIA DE LEONARDO BOFF: aclarares .. 278/1985, p. 46.
CRITICA DO NOVO TESTAMENTO (J. Robinson) . . 281/1985, p. 286.
CULTO A NOSSA SENHORA APARECIDA: origem.. 279/1985, p. 133.

DATAS DO NOVO TESTAMENTO 281/1985. p.289.


DECLARACÁO DE LOS ANDES (CHILE) SOBRE A
TEOLOGÍA DA LIBERTACÁO 283/1985, p.480.
DECLARACÓES INTERNACIONAL SOBRE A
ESCOLA 279/1985, p. 1S9.
DECLARACÓES DE CONFERENCIAS EP1SCOPAIS
SOBRE A DISSUASÁO NUCLEAR 280/1985, p. 195.
DEMONIO: existencia 282/1985, p.410.
DESARMAMENTO E ARMAS NUCLEARES 280/1985, p. 190.
DESMENTIDO DO GERAL DOS JESUÍTAS 278/1985, p. 81.
DEVOCÁO A NOSSA SENHORA APARECIDA 279/1985, p. 124.
DIALÉTICA E HISTORIA NO MARXISMO 279/1985, p. 109.
DISPOSITIVO INTRA-UTERINO (DIU) 281/1985, p. 310.
DISSUASÁO NUCLEAR 280/1985, p. 190.
DIVORCIADOS EM NOVA UNIÁO E COMUNHÁO
EUCARISTICA 280/1985, p.253.
DIVORCIO: debate: 28071985, p. 243.

534
l'NDICE 1985 93

DOGMA: imutabilidade 280/1985 n 260


DRAMA DA MORAL 282/1985* p." 413."
E

EDUCACÁO NO BRASIL 279/1985 p 162


EFEITOS DAS PILULAS ANOVULATÓRIAS 281/1985 p 316*
EMANCIPADO CRISTA DA MULHER 280/1985* p 222*
"EM NOME DE DEUS" e outros 278/1985* p 57*
"ESCOLA LIVRE E GRATUITA", por Miguel Nac-
caratto, S. J 279/1985, p. 158.
ESCRITURA: alimento da vida espiritual 282/1985 p 387
ESTADO SOVIÉTICO E EXPRESSÓES RELIGIOSAS . 283/1985* p' 451 '
ESTRELAS E VIDA FI'SICA 279/1985* p' 93~
ESTRUTURA DA IGREJA E.L. Boff 280/1985 p 259
EUCARISTÍA:milagros 278/1985¡ p. 2;
celebrada porleigos 278/1985, p. 54.'
EVANGELHOS: credibilidade 281/1985, p. 284.

F
*

FÉCRISTA EMAQONARIA 281/1985,p.301;


E TEOLOGÍA 282/1985, p.408.
FECUNDACÁO ARTIFICIAL "IN VITRO" (em pro
veta) 280/1985, p. 201.
"IN VIVO" 280/1985, p. 205.
FENÓMENOS DE MEDIUNIDADE 279/1985, p. 147.
FIVETE (Fecundacao "In Vitro" e Transferencia do
Embriao) 280/1985,p.201.
FILOSOFÍA MARXISTA DA HISTORIA 280/1985 p 240
FORMA LITERARIA DOS EVANGELHOS: estudo da 281/1985, p. 287.
FRANCA, N.M. e TÉRRA, J.E.: "Relaxe e viva feliz" . 283/1985, p. 518.
FRANKL, VIKTOR: "Psicoterapia e Sentido da Vida" 281/1985, p. 239.
278/1985, p. 61.

GORETTI, MARÍA: Santa por engaño? 283/1985 p 506


GUERRI, G.B.: "Pobre Santa - Pobre Assassino" 283/1985* p 506
GUILLON E LE BONNIEC: "Suicidio: modo de usar" 281/1985,' p.'34L
H

HABITANTES EM OUTROS PLANETAS? 279/1985, p. 151.


HEREGES E HERESIAS, segundo Card. Ratzinger .. . 282/1985, p. 405.
535
94 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

HOMEMNAURSS 283/1985, p. 447;


278/1985, p. 66;
279/1985, p. 115.
HOMOSSEXUALISMO: lícito? 280/1985, p.248.
HUMANISMO MARXISTA: em que consiste? 278/1985, p. 66;
279/1985, p. 113;
283/1985, p. 447.

IDADE MEDIA E SAGRADA ESCRITURA 282/1985 p.389


"IGREJA: CARISMA E PODER":
Notificado da Sagrada Congregafáo para a Dou-
trinadafé 280/1985, p.257.
"IGREJA: CARISMA E PODER" - Recensáo pelo
Professor Angelo Scola 280/1985, p.264.
IGREJA- casta meretriz? 278/1985, p. 80;
- conceito 282/1985, p.406;
E CIENCIA 279/1985, p. 149;
E ESTADO NA RÚSSIA 278/1985, p. 72;
EMAgONARIA 281/1985, p.300;
E LEITURA DA BIBLIA 282/1985, p. 385;
NA ATUALIDADE BRASILEIRA 278/1985, p. 15;
ORTODOXA E REGIME MARXISTA 283/1985, p.454.
INDULTO PARA USAR O MISSAL ROMANO DE 1972 278/1985, p. 78.
INSEMINACÁO ARTIFICIAL: lícita? 280/1985, p. 252-
HOMOLOGA "IN VIVO" 280/1985, p. 209;
HETERÓLOGA 280/1985, p.210.
INSTITUICAO DA EUCARISTÍA E L. BOFF 278/1985, p. 52.

JARDIM, BR.: "Quem é a Besta do Apocalipse?" .... 280/1985 p 229


JEOVÁOUJAVÉ? 283/1985 p 494
JESÚS CRISTO, O ÚNICO MEDIADOR 279/1985, p. 140-
E CONSCIÉNCIA MESSIÁNICA 278/1985, p. 48-
E JOVEM RICO 282/1985, p.362;
- REVOLUCIONARIO OU POLÍTICO? 283/1985, p. 531.
JOÁO PAULO IIE DESARMAMENTO 280/1985, p. 190;
JOVENS 280/1985, p. 182;
282/1985, p.3S8.
JOÁO XXIII EOS JUDEUS 279/1985, p. 170.
JOVENS EOPAPA 280/1985, p. 189;
282/1985, p.358.

536
IÜDICE1985 95

JUDEUS EJOÁO XXIU 279/1985, p. 170.


JUVENTUDE CRISTA: responsabilidade 280/1985, p. 187.

KOLAKOWSKI, L.: Marxismo CristSo? 280/1985, p. 237.


KOLVENBACH, P-H.: desmentido 278/1985, p. 81.
KUSHNER, H; "Quando coisas ruins acontecem as
pessoas boas" 281/1985, p.437.

LANCIANO: milagre eucarístico 278/1985 p 10


LEIS SOVIÉTICAS ATINENTES Á RELIG1ÁO 283/1985, p. 450.
LEITURA DA BÍBLIA NA IGREJA 282/1985. p. 385.
LEONARDO BOFF: "AclaracSes..." 278/1985, p. 43;
Carta aberta a 279/1985, p. 173;
Notificacáo de Roma 280/1985, p. 257.
UBERDADE NOS ESTADOS SOCIALISTAS 279/1985, p. 117.
LIBERTACÁO E CARD. RATZINGER 282/1985, p. 417
DA MORAL E R-M. MURARO 283/1985, p. 526.
LÓPEZ AZPITARTE: "Praxis Crista II" 280/1985, p. 247.
LOS ANDES: Declaracao 283/1985 p 480
LUTA DE CLASSES E CRISTIANISMO 280/1985, p. 238;
ETEOLOGIA DA LIBERTACÁO 278/1985, p. 36.

MACLAINE, SHIRLEY: "Minhas Vidas" 279/1985, p. 143.


MAgONARIA E CATOLICISMO: incompatíveis 281/1985, p. 203-
"MÁE DE ALUGUEL" 280/1985, p.203;
DOADORA" 280/1985, p. 204.
"MAE DE SUBSTITUIDO" 280/1985 p 206
MANUSCRITOS DO NOVO TESTAMENTO 281/1985, p. 285.
MARÍA GORETTI: santa por engaño? 283/1985, p. 506.
MARÍA, MÁE DE JESÚS; enfoques sociológicos .... 282/1985, p. 436.
MATERIALISMO DIALÉTICO 279/1985, p. 102;
HISTÓRICO 279/1985, p. 103.
"MARXISMO, COMUNISMO E CRISTIANISMO:
DESAFIO OU DIÁLOGO?", por Giuseppe de
Rosa 283/1985, p.461.
"MARXISMO E SOCIALISMO REAL", por Paúl Char-
bonneau • 279/1985, p. 101.
MEDIUNIDADE: explicacao 279/1985, p. 147.

537
96 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

MENSAGEM DE JESÚS, segundo os evangelistas


MENSAGENS DE JOÁO PAULO II SOBRE O DE-
SARMAMENTO 280/198-; n i<n
MESSORI - RATZINGER: «Coloquio sobre a Fé" .'.''. 282 985 p 402
MILAGRES EUCARISTICOS ....... 278/198S n' 1'
"MINHASVIDAS",porShírleyMaclaine ..'.'.'.'." 279/985 I' 143
MISSA SEGUNDO RITO PRÉ-CONCILIAR . ' 278/985 I' 78
MISSÁO DA MULHER NA IGREJA " ' 280/ 985 £" 221
MISSÁO SOCIAL DA IGREJA ''" 278/985 5" 14
MISTERIO DA FÉ: EUCARISTÍA 278/1985 5' 3
DO PECADO 281 9RS n*77i"
MORALECONSCIÉNCIA
KM noten ■
282/985 » «!'
' 1-'OJ» P- joi,
™pScta
MARXISTA
282/1985, p.413;
279/1985 p 107
MORTE DE JESÚS: estudo crítico 281/1985 d 296*
MULHER E SACERDOCIO " 280/1985' o 1\2
NA SOCIEDADE CIVIL E NA IGREJA 282/1985* pA\4.
N

NACCARATTO, MIGUEL: "Escola Livre e Gratuita" 279/1985 p 158


NATHANSON, BERNARD, E ABORTO 279/1985* p 152*
NOVO TESTAMENTO E SSMA. TRINDADE . . . 283/1985* p 489-
CRTtICA MODERNA (John Robinson) 281/1985^ p. 284.'
O

"O ESTADO DO VATICANO" - folheto polémico . 282/1985 p 420


OPRIMIDOS NA RÚSSIA 283/1985' p 459*
"O QUE É AMAR?", por Roberto Grimm 280/1985* p 243'
"O QUE E RELIGIÁO", Rubem Alves 283/1985^ p. 49ó!
ORACÁO A MARÍA - a mais antiga 282/1985* p 444
"ORACÁO DE JOÁO XXIII PELOS JUDEUS"? .. ' 279/1985'p 16o'
ORDENACÁO DE MULHERES: debate 280/1985* p 212*
"O SOCIAUSMO REAL", por Pe. P. Charbonneau . . . 279/1985* p.115.

PANTEÍSMO E REENCARNACÁO • 279/1985 p 144-


papa Ans inví^NICAS °A MENTE
PAPA AOS JOVENS 283/1985' ^ 514-'
280/1985, p. 182;
282/1985, p. 358.
PAPADO: justificativa 282/1985, p.426.

538
ÍNDICE 1985 q7

PARTIDO COMUNISTA ITALIANO: diferente? 283/1985 p 469


PATERNIDADE RESPONSÁVEL: métodos naturais. . 281/1985* p 323*
PECADO MORTAL E PECADO VENIAL 281/1985* n 274*
ORIGINAL 282/1985Íp 4lT
PESSOAL E P. SOCIAL 281/1985 p 272*
PENTECOSTAIS CATÓLICOS 282/1985 » 373
PERDA DO SENTIDO DO PECADO 281/1985' o 277
PERSEGUICÓES NA URSS ][[ \ 278 1985," p! 71.'
PILULAS ANTICONCEPCIONAIS: efeitos nocivos. 281/1985 n 314
PISOTEAMENTO DA CRUZ? 278/1985' o 85*
PLANETAS HABITADOS? ' 279/1985* p 92
"POBRE SANTA. POBRE ASSASSINO", por G.B.Guerri 283/1985* o* 50ó'
"PODEMOS CONFIAR NO NOVO TESTAMENTO?", " '
por John A. T. Robinson 281/1985 p 284
PODER DA MENTE: debate 283/1985' p514"
POSICÓES PRO-MARXISMO ENTRE OS CRISTÁOS. 283/1985 p 466
"PRAXIS CRISTA II" - livro de López Azpitarte e
outros 280/1985, p.247.
PRESENCA REAL DE CRISTO NA EUCARISTÍA. . . 278/1985 p 52
PRIMADO DA PRAXIS E TEOLOGÍA DA LIBERTA-
CAO 278/1985, p. 33.
PROFECÍA E APOCALIPSE:diferen5a 280/1985 p 231
PROFETISMO E HIERARQUIA NA IGREJA 280/1985 p 262
PROVIDENCIA DIVINA: debate 281/1985 p. 347
PSICOGRAFIA:explicacáb 279/1985 p 148
PSICOLOGÍA DO CAMPO DA CONCENTRACÁO. . . 281/1985* p 337*
"PSICOTERAPIA E SENTIDO DA VIDA, por V. R.
Frankl 281/1985, p.329.

"QUANDO COISAS RUINS ACONTECEM AS PES-


SOAS BOAS", por Harold Kushner 281/1985 p 347
"QUEM É A BESTA DO APOCALIPSE", por
Brizolar Jardim 280/1985 p 229
QUESTÁO SOCIAL E TEOLOGÍA DA LIBERTACÁO 278/1985, p. 28.

RATZINGER, J., Card.: "Coloquio sobre a Fé" 282/1985 p 402


"RECONCIUACÁO E PENITENCIA" (Exorta5ao
Apostólica de JoSo Paulo II) 281/1985 p 270
REENCARNACÁO: debate 279/1985 p 145
RELACÓES PRÉ-MATRIMONIAIS: debate 280/1985, p. 251.
539
98 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

"RELAXE E VIVA FELIZ", por Nubia Maciel Franca


e Padre Martins Térra, S.J 283/1985 p. 518.
RENASCIMENTO RELIGIOSO NA RÚSSIA 278/1985, p. 70.
RENOVACÁO CARISMÁTICA: balan$o 282/1985, p. 372.
"REPRESSÁO SEXUAL" por Marilena Chauí 283/1985 p 522
REVOLUCÁO NA IGREJA? 278/1985, p. 23.
RITO EUCARISTICO PRÉ-CONCILIAR 278/1985, p. 78.
ROBINSON, J.: "Podemos confiar no Novo
Testamento?" 281/1985, p. 284.
ROUBO EM EXTREMA NECESSIDADE 278/1985, p. 74.
RÚSSIA SOVIÉTICA: situa9áo atual 278/1985, p. 66;

SACRAMENTO DA RECONCILIACÁO: símese


doutrinária 281/1985, p. 280.
SANTISSIMA TRINDADE: fórmula paga? 283/1985, p.486.
SANTUARIOS EUCARl'STICOS NA ITALIA 278/1985, p. 5;
- que sentido tém? 279/1985, p. 136.
SECULARISMO E TEOLOGÍA DA LIBERTACÁO. .. 278/1985/p. 37.
SENTIDO DA MORTE. 281/1985, p. 332;
DA VIDA 278/1985, p. 61;
281/1985, p. 330;
DAS LIMITACÓES PESSOAIS 281/1985, p.336;
DO PECADO 281/1985, p.277;
DO SOFRIMENTO 281/1985, p. 335.
"SEXUALIDADE, LIBERTACÁO E FÉ", por Rose
Marie MURARO 283/1985, p.525.
SOCIALISMO REAL 279/1985, p. 115.
SOMETTI, JOSÉ: "Vocé é aquilo que pensa" 283/1985, p. 515.
"SUICIDIO: MODO DE USAR", Cl. Guillon e Y.
LeBonniec 281/1985, p. 341.

TÉCNICAS NOVAS DE PROCRIACÁO 280/1985, p. 200;


DA MENTE 283/1985, p. 514;
TEOLOGÍA DA LIBERTACÁO: ambigüidades 278/1985, p. 27;
análise marxista .... 278/1985, p. 29;
Declarafáo de Los Andes 283/1985, p.480.
TERROR NOS PAÍSES SOVIÉTICOS 279/1985, p. 119.
TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SS. TRINDADE 283/1985, p. 494.
TRADICÁO E SACERDOCIO FEMININO 280/1985, p. 224.
TRINDADE EM DEUS: paganismo? ." . 283/1985, p.486.
540
ÍNDICE 1985 99

VATICANO: escritos contrarios tendenciosos 278/1985, p. 57;


282/1985] p. 420.'
VIDA EM OUTROS PLANETAS? 279/1985 p 91
VIDA POSTUMA E JUSTICA DIVINA 281/1985* p 352*
"VIDA PASTORAL" e MARÍA SS 282/1985,' pW
"VOCÉ E AQUILO QUE PENSA", por José Sometti. . 283/1985, p. 515
"VOZES": Editora Católica? 280/198S p 268

YALLOP, DAVID: "Em Nome de Deus" 278/1985 p 57


YURRE, GREGORIO: Homem na URSS 283/1985*. p. 447.

EDITORIAIS

A RODA DA VIDA.. 278/1985, p. 1.


DISCUTE-SE A FÉ 281/1985, p.269.
INTENSA ORACÁO 280/1985, p. 181.
QUEDEVOCRER? 279/1985, p. 89.
QUE NOS DIZ O NATAL? 283/1985, p. 445.
SEMEARECOLHER 282/1985, p. 357.

LIVROS APRECIADOS

AGOSTINHO, Sto.. Confissoes 284/1985, p.442.


BATTISTINI, Fr. Fé e Compromísso 278/1985, p. 87.
CARRÉ, A.M., Mais taide comprenderás 282/1985, p.443.
INSTITUTO DIOCESANO MISSIONÁRIO DOS
SERVOS DA IGREJA. Catecismo Essencial 282/1985, p.444.
CONGRESSO INTERNACIONAL SOBRE O PENSA-
MENTO DO PAPA JOÁO PAULO II. Antropo
logía e Praxis no Pensamento de Joáo Paulo II. . . 282/1985, p. 443.
ELLIS, Peter, F. Os horaens e a Mensagem do Antigo
Testamento 281/1985. p.354.

541
100 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 283/1985

LAURENTIN, Rene, Les EvangÜes de l'Enfance du


Chrisi 279/1985, p. 177.
KLEIN, Pe. Antonio, O que vamos fazer no céu? 279/1985, p. 180.
LUBICH, Gino, Maximiliano Kolbe, n? 16679 281/1985, p.355.
PIERANTONI, D. Estevao, Ciencia e Fé Face a Face . . 278/1985, p. 86.
PROVl'NCIA ECLESIÁSTICA DE ALAGOAS. O
Caminho. Sin tese da Doutrina Crista para
Adultos 278/1985, p. 88.
QUINA, Manoel Ce H. Dalbosco, Missal Cotidiano .. . 282/1982 p.442
REVISTA DO APOSTOLADO DA ORACÁO. Mensa-
geiro do Sagrado Coracáo de Jesús 279/1985, p. 180.
SAMPAIO, Heli de Almeida, Sentido e atualidade de
Cristo 279/1985, p. 180.
STEIN, Edith, Na forca da Cruz 278/1985, p. 87.
TÉRRA, J. E. Martins, Origem da ReligiSo 281/1985, p. 354.
THOMAS, Gordon e Max Moigan Witts, Nos bastidores
do Vaticano 279/1985, p. 178.
TRINDADE, Elizabeth da, Viver de Amor 282/1985, p.443.
VASCONCELOS SOBRINHO, J. A arte de morrer 279/1985, p. 179.
ZEZINHO, Padre e Adriana Suchetto, Viver como'Jesus
viveu 281/1985, p.355.

542
NO PRÓXIMO NATAL

E NO DECORRER DO ANO VINDOURO

TÓRNESE PRESENTE AOS SEUS AMIGOS

DANDO-LHES O PRESENTE DE UMA ASSINATURA DE PR.

É AJUDANDO OS OUTROS A DESCUBRIR

A BOA-NOVA DE JESÚS CRISTO

QUE SOMOS MAIS E MAIS PENETRADOS

POR ESSA BOA-NOVA.

543

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