A adolescência é uma fase de mudanças radicais em todos os
aspectos, desde mentais, ou seja, há um amadurecimento de idéias (ao menos na teoria), e físicos: o corpo muda drasticamente (na teoria e na prática, confirmadíssimamente!). Com as mudanças físicas surge a vaidade, algumas vezes egocentrismo, e um emaranhado de dúvidas: conflito interno, na mente nada amadurecida do indivíduo, o que resulta invariavelmente em problemas com choro de criança em corpo quase adulto. Estava eu no auge de meus quinze anos, auge também da adolescência: voz de "frango" desafinado, insignificantes penugens no rosto, as quais eu insistia em chamar de barba e que evitava raspar, pois invariavelmente estava "deixando crescer" ; e no início de algo que julgo um problema: a vaidade excessiva do protótipo de adulto. Acabara de deixar de lado alguns quilos em demasia através de esforço próprio, muito exercício e pouquíssima comida, que me levou embora em dois meses, trinta quilos de iogurtes e sanduíches acumulados pelos dez anos anteriores, mas que me deixaram de brinde alguns desmaios, um ótimo preparo físico, e um gentil princípio de anorexia. Curtindo o novo visual , inaugurando roupas curtas, calças que até dois meses atrás serviriam apenas como forro de travesseiro, e exibindo o murcho tórax em qualquer ocasião, finalmente sentia-me bem, e ágil; perigosamente ágil. E foi numa daquelas tardes ensolaradas de início de férias, clima agradável, que descobri que agilidade e destreza tem limites, e principalmente: bom senso é um dos fatores básicos para saber qual é o momento certo para fazer demonstrações públicas deste gênero. Voltei da aula matutina como de costume, e logo que terminava meus afazeres cotidianos de estudante, percebi a costumeira algazarra ocasionada pelo jogo de bola vespertino no "estádio" da garagem de meu prédio. Aquele som que antigamente fazia-me subir pelas paredes, (em pensamento lógico, pois nem para reclamar eu saía da cama), agora soava como música para meus esbeltos ouvidos, afinal, era mais uma oportunidade para queimar mais algumas calorias pendentes, e outra chance de exibir meu novo porte. Afoito, desci pelas escadas,( aproximadamente umas vinte calorias, ou uma bolacha de água e sal), e no último lance de escadas, conversavam tranqüilamente duas vizinhas, pré-adolescentes , também confusas, também vaidosas, trocando segredos secretíssimos em voz quase inaudível. Deparei-me com a cena e indaguei-me: - Hmm, por que estragar esse segredo tão importante se eu posso passar despercebido , exibir minha agilidade, e ainda por cima ganhar alguns pontos no "ibope"? Afinal, sou magro!! Foi nessa hora que eu tive uma das mais insensatas e estúpidas idéias mirabolantes: - Vou dar um salto mortal triplo em parafuso por cima delas, simultaneamente cantarolando "A flauta mágica" de Mozart . - Achei um pouco pretensioso de minha parte: - Acho que um salto mortal apenas já está de bom tamanho. - Preferi Sem que as pobres meninas soubessem de minha inconveniente presença, preparei em questão de segundos meu vôo sobre suas cabeças, mereceria aplausos após. Voei lindamente, muita impulsão, fantástico cálculo, imaginava como música de fundo "Carruagens de Fogo", eu era uma verdadeira borboleta: leve como a pluma, e estava muito , muito acima das cabeças femininas que continham um aparato que até hoje desconheço chamado cérebro. Esqueci-me de que no meio do caminho havia um pilar, e que havia um pilar no meio do caminho, desculpem-me o plágio à Drummond,. Durante uns quatro milésimos de segundo permaneci desacordado, voltei a mim e encontrei-me ridiculamente posicionado de cócoras no colo das pobres e assustadas meninas, que contundidas pelo leve, (mas nem tanto), corpo flutuante do ser , ensaiavam uma cara de choro infantil, enquanto tentavam entender o que havia acontecido, ou ao menos quem eram: total confusão. Levantei-me trôpego como um beberrão no Domingo, e em menos de um segundo me via de pé encostado à parede com um sorriso furta-cor, ensaiando um olhar a la Don Juan de Marco depois do atropelamento: - Olá, simpáticas! - Como se fosse a coisa mais natural do mundo: O que houve? Pareciam assustadas. Mais do que tonto, deixei imponentemente o local da queda, já as meninas, com os olhos estanhados, continuavam na mesma posição em que eu as havia deixado dois segundos atrás. - Eu estou bem, estou bem!!! - Entrei no "campo" trançando as pernas e falando em alto e bom som pra quem quisesse ouvir , totalmente atordoado pela pancada que, de tão violenta, poderia ter fraturado mortalmente meu crânio, foi aí que compreendi como realmente tenho a cabeça dura, menos mal.