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BATENDO NAS PORTAS DO OCO

De nascença, se identificava nominalmente Bartolo Huh. Disso fui saber depois. Mais
precisamente, à revelia do momento mágico em que destrinchava gazes do cocoruto. Segui os rastros
genéticos, malandro, farejando como canino matreiro. Tava na cola do que era meu. Por direito, tá me
entendendo ? Na busca. Fuçando a pressão do prestidigitador cirúrgico. A culpa ? Do excesso. De
sssssssangue. Garganta de Bartolo Huh viperina e degustadora de asma alardeia. Pipocos. Bando de
lambe-lambes amarfanhados no gargarejo nem dá a mínima pra pressão.
Que faz volume nos intestinos das grutas da cabeça. O vagalhão agiganta – naquela cor que eu não
consigo ver – e pressiona a caveira, que não sabe se cede ou se estanca. Palpitações intracranianas, tá me
entendendo, ô ? Vamos de sap, sampleando referências: como se tambores, tambores – porra, que
tambores ? – esses de maracatu, baqueassem na cabeça, mambembando onda de praia grande. Correnteza
bombando entre as orelhas de gente como esse tal Bartolo Huh. Bad trip, bad brain. Resfolega a
carrafunça e balbucia. Simióide que é. Antes de abrir as cortinas, desembrulha novelo do kit, tentando
um xaveco-arromba-impressão no respeitável público. Mas o barato da hora era o kit; que ele desmancha
numa mesinha, como se desfizesse de bamba de carteado. A saber: furadeira elétrica – nada de ditar nome
do fabricante; escatologias à parte, nada de merxandáizim, meu nego – e um outro apetrecho lá de
mutilador que não gravei o nome. Ah, não posso esquecer da agulha hipodérmica — herança do avô. Na
verdade, (sub)traída dum kit que o velho italiano e açougueiro mantinha bem-acondicionado numa
prateleira na parte de baixo do armário do quarto. O avô. Esse sim, um tremendo dum picareta que
merecia ser destrinchado e eviscerado em praça pública – ah, mistérios gozosos.
A função do corta-extrai-revela: aliviar a pressão. Dito assim, graça nenhuma tem. O lance é a
expressão típica do Bartolo Huh, nego véio. Senão vejamos: aliviá a preeesssssão, my baby. De olhos
quase, quase fechados e boca estalando no final da sentença. Espalma as mãos, metacarpos estrilando:
performático – e chato pra caralho – o rapaz. A platéia – sem se saber anti-fórceps e pasma nos sapatos –
relaciona os fatos e decide, em uníssono, considerar a demonstração como um exercício de ego
fragmentado. Há um cheiro de segundo caderno no ar, mas isso passa.

[minha intenção era narrar todo o acontecido como se vomitasse uma corrida de cavalos, cabeça a
cabeça, trincando dentes que não se olham, revirando ânsias nas narinas estufadas, cascos fazendo
marcação cerrada na poeira. mas acabei optando pelas anotações mentais e relatos cara à cara. como
faço agora contigo, nego véio. bota fé no que tô te dizendo, irmão, que eu entendo de treidimárqui.
eletroacéfalo: essa é a marca. o estigma carregado de sal e manjericão.]

Bartolo Huh, em truque de marqueteiro batendo pino, silencia a cacofonia do público, maestro que
procura rolha ou roto-rotter. Desvencilha a cortina de gaze agarrada à cabeçorra. A carapaça do osso da
cabeça: uma rodela cascuda. Que transfigura-se em patuá – evocando a proteção de organo-exús ? –,
agora adorno de pescoço. Momento suspenso na platéia; como se engripasse a sangria – desatada ? ora vá
me lamber, tradução intersemiótica – com torniquete
Pro sucesso não subir à cabeça. A platéia resfolega e escoiceia em palmas; batuques de sensitivos
capados. Na testa – nunca mais franzida – e nos olhos injetados quase pus, o desejo de bandear cabeça na
correnteza esvaída – preeeesssssss ... –, a peraltice sanguinolenta dos fedelhos, a imperícia abaixo dos
catorze. Reviver ? Mas nem fodendo ! Que me livre de ser João Batista: salivo eu. Esgoelado,
bochechando, cavucando espaço entre os fotógrafos atoleimados em pipocos luminosos. O tal do Bartolo
Huh se esbalda nos pipocos balangandãs, mas na dissipação, se pega de calça curta diante do espelho
coletivo, que é o espanto encalacrado nos olhos da multidão. O buraco aberto na testa sugere: o defunto
era maior, rapá. É a deixa, é a deixa. Travo o olho esquerdo – pra melhorar a mira – e disparo: um cuspe
ardido, curtido em chumbo, óleo queimado e azeite de dendê. Bartolo Huh estanca, esgar cadavérico de
oleoduto vazado; um estranho no ninho aproveitou porta de entrada escancarada para metralhar, rima
certeira, petardo de convulsões. Tilt. Uma anomalia pós-operatória em freakshow. Visto que somos
sangue do mesmo sangue. Na levada, driblei pipocos e catei agulha hipodérmica, agitando no ar o
apetrecho como troféu em final de campeonato. Visto que a herança é minha por direito.
Arrivederci, bando de rosca-frouxa !
Jorge Rocha
Março/2003

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