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Jorge ROCHA2
Centro Universitário UNA
Resumo
Este artigo trata das novas possibilidades da edição para ambientes digitais, em suas relações com a
edição de impressos, tendo como base a produção e a publicação de uma reportagem jornalística em
formato hipermidiático. Trata-se da matéria intitulada “Crônica de uma catástrofe ambiental”, de
autoria de dois jornalistas brasileiros, publicada na revista Fórum. Toda a concepção e realização da
reportagem têm as possibilidades das tecnologias digitais como base, o que torna seu processo de
produção também diferente de processos mais ligados ao impresso. Conclui-se que o campo da edição
passa por um momento de rearticulação entre suas possibilidades, sendo possível observar mudanças
importantes na forma de tratar o material a ser editado, assim como nos modos de recepção da matéria
“pronta”.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Muito embora o campo da produção editorial pareça bem-delimitado em seus temas e
interesses, os objetos de estudo e pesquisa a ele pertinentes estão sempre se reconfigurando,
dado que respondem a mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, para dizer o mínimo.
Se há algumas décadas só era possível tratar de livros e objetos impressos, atualmente,
pode-se tratar da edição em diversos tipos de ambientes digitais, para bem além do e-book,
que seria a primeira aproximação entre livros e alguma produção eletrônica “metafórica”. Os
processos de confecção desses produtos, no entanto, não raro em muito se parece com
processos editoriais conhecidos e tradicionais. Sobre a produção de livros digitais, Giassetti e
Corci, em Ribeiro (2009), explicam que, para publicar MojoBooks, utilizam “os mesmos
mecanismos que norteiam uma publicação em papel”, embora tudo tenha sido pensado para o
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Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão Edição e Novas Tecnologias, no III Encontro Nacional sobre
Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
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Mestre em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Coordenador da pós-
graduação Produção em Mídias Digitais do IEC – PUC Minas. Professor do Centros Universitário UNA.
jorgerochaneto@gmail.com
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Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do mestrado em Estudos de
Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Ex-coordenadora dos cursos de
especialização em Revisão de Textos (PUC-Minas) e Projetos Editoriais Impressos e Multimídia (UNA).
anadigital@gmail.com
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ambiente digital. Em relação aos jornais, Moherdaui (2005) mostra o aparato que envolve a
produção de dois periódicos digitais, A Tarde e Último Segundo, admitindo que, entre muitas
outras coisas, “a estrutura hierárquica é a mesma da mídia tradicional - com redatores, chefe de
reportagem, repórteres, tradutores, editores, redator-chefe e diretor de jornalismo, além de
colaboradores, colunistas, freelancers” (p. 17). Em alguns casos, há a deliberada intenção de
fazer com que os sistemas se pareçam com objetos impressos, como é o caso de jornais e
revistas que optam pela programação de flips (ver RIBEIRO et al., 2009, no prelo), ou seja,
simulações de páginas impressas que se podem “folhear”.
O que se depreende disso é que não é fácil produzir objetos de leitura em meio digital
sem algum nível de ancoragem nas técnicas e nos modos impressos de produção. Neste
trabalho, apresentaremos a produção editorial de uma reportagem hipermidiática que, por suas
características de produção e disponibilização (outro apelido para “publicação”), nos parece
bastante diferenciada dos modos impressos de produção, muito embora ainda traga aspectos
ligados a eles. Iniciaremos nosso trajeto pelo produto e, então, abordaremos o processo.
Infelizmente, dadas as limitações do propósito comunicativo deste trabalho, não poderemos
nos aprofundar. É, no entanto, importante que a discussão que porventura se levante possa
existir para além destas páginas.
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Disponível em http://www.revistaforum.com.br/casoservatis/site
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Os autores escreveram um making of da reportagem em seus respectivos blogs. Ver
http://www.andredeak.com.br/2009/03/21/making-of-cronica-de-uma-catastrofe-ambiental e
http://narua.org/new/2009/03/27/cronica-de-uma-catastrofe-ambiental-making-of-2
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formas de conteúdos da comunicação” (KUNCZIK, 2002, p. 208), embora a expressão “novas mídias”
possa ter outra conotação neste trabalho. Desse modo, adotamos a definição de Kunczik (2002, p. 208)
segundo a qual os novos meios de comunicação configuram-se como “extensões técnicas e
jornalísticas dos meios e formas de comunicação comprovados”.
A despeito de um planejamento que apagava, em grande medida, a concepção da
produção editorial em “cadeia”, transformando-a em uma rede de ações (MARTINS, 2005),
após a coleta do material para a reportagem em hipermídia, os jornalistas tomaram a decisão
de formatar a página inicial do site da “Crônica...” seguindo parâmetros de uma publicação
impressa (FIG. 1). Segundo eles,
Fizemos algumas conversas sobre como seria o layout do site da reportagem, e decidimos que
seria mais parecido com a paginação de uma revista (o abre em página dupla, e a reportagem
apresentada depois). O abre cumpre a função de introdução, e poderia ser em flash, se
tivéssemos tempo e recursos pra isso. (DEAK, 2009).
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escrito referente àquela subdivisão. Há ainda uma galeria de fotos (FIG. 3), um mapa que expõe o
percurso do veneno que poluíra o Rio Paraíba do Sul (a tal “catástrofe ambienal”), um vídeo (que leva
para a área onde toda a produção audiovisual foi disponibilizada) e caixa de comentários aberta aos
leitores (FIG. 4).
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Tal configuração foi adotada depois de discussões sobre se a divisão do contéudo deveria ser
feita por mídia ou por assunto. A segunda opção foi a escolhida pelos jornalistas, uma vez que
consideraram que “o formato é secundário em relação à história” (DEAK, 2009). Desse modo,
as únicas divisões acabaram sendo os links “A História” e “Os Envolvidos”, colocados no
canto superior esquerdo da “área índice” (FIG. 2).
Deak (2009), relata ainda, em seu blog, que os boxes da revista impressa foram
transformados em posts no site, fazendo com que toda a reportagem acabasse assumindo essa
forma. Outro ponto a ressaltar nessa organização editorial em hipermídia é que “cada
personagem ganhou uma página específica, com fotos, transcrição da entrevista, áudio e vídeo na
íntegra” (DEAK, 2009).
A tomada de decisões na construção da matéria foi tão necessária quanto é em um
veículo impresso, no entanto, apropriou-se de maneira vantajosa de pelo menos três elementos
permitidos e possíveis em ambientes digitais: o espaço “infinito” (muito embora os jornalistas
não tenham criado links “para fora” do texto), a convergência multimodal (áudio, vídeo, texto
escrito, etc.) e a interação ágil (ainda que assíncrona) com o leitor.
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http://www.wordpress.com
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http://blip.tv
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http://umapper.com
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meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas , etc.) que possibilita a transmissão
de informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço, no
tempo, ou em ambos” (p. 78). Desse modo, atentaremos para o conceito de interação mediada
por melhor contemplar as especificidades comunicacionais de ambientes digitais, sem deixar
de lado funções dialógicas.
Essa “ação à distância”, seja entre a audiência e os produtores de conteúdo ou entre a
audiência entre si, conforme pontua Thompson (1998, p. 92), possui características
responsivas e orientadas a “ações ou pessoas que se situam em contextos espaciais (e talvez
também temporais) remotos”. Se transpusermos essa conceituação para a elaboração e o
desenvolvimento do produto digital que é objeto deste estudo, podemos considerar também
que André Deak e Paulo Fehlauer, em seu planejamento editorial, trabalharam com a noção
de hipermídia como elemento que contempla não só a agregação de várias mídias para um
ambiente digital, como também potencializaram a participação da audiência em vários planos.
Embora os receptores não estejam fisicamente presentes na esfera de produção e não interfiram
diretamente no curso e no conteúdo da representação, os produtores orientam o próprio
comportamento para os receptores. A orientação que o receptor exerce sobre o comportamento
do produtor é parte constitutiva da ação em si mesma, embora isto possa ocorrer de várias
maneiras. (THOMPSON, 1998, p. 92)
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que tornam as mensagens recebidas como matéria para alimentar a discussão ou o debate
entre eles e com os outros”.
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REFERÊNCIAS
DEAK, André. Making of: crônica de uma catástrofe ambiental. 21.03.2009. Disponível em
<http://www.andredeak.com.br/2009/03/21/making-of-cronica-de-uma-catastrofe-ambiental/>.
Acessado em 1º de junho de 2009.
FEHLAUER, Paulo. Crônica de uma catástrofe ambiental: making of 2 twit it. 27.03.2009. Disponível
em <http://narua.org/new/2009/03/27/cronica-de-uma-catastrofe-ambiental-making-of-2/>. Acessado
em 1º de junho de 2009.
KRESS, Gunther; LEUWEEN, Theo Van. Multimodal discourse. The modes and media of
contemporary communication. London: Hodder Arnold, 2001.
MARTINS, Jorge Manuel. Profissões do livro. Editores e gráficos, críticos e livreiros. Lisboa: Verbo,
2005.
RIBEIRO, Ana Elisa. Livro eletrônico e música impressa para download. Entrevista com Ricardo
Giassetti e Danilo Corci. Letras, ano IV, n. 30, Belo Horizonte, p. 4-5, março de 2009.
RIBEIRO, Ana Elisa et al. Folheando de mentira: leituras de jornais impressos na web. (2009) No
prelo.
SILVA JÚNIOR, José Afonso da. Do hipertexto ao algo mais: usos e abusos do conceitos de
hipermídia pelo jornalismo on-line. In: LEMOS, André; PALÁCIOS, Marcos. Janelas do
ciberespaço: comunicação e cultura. Porto Alegre: Sulina, 2001.
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