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Cidade Maravilhosa?

Já é tarde para se andar na rua, pelo menos aqui na Rocinha.

Mau relógio marca quatro horas da tarde, e acho que é sorte eu ainda olhar o passar dos
segundos.

A vida nos morros é muito perigosa, os “donos” destas áreas são os traficantes que mandam e
desmandam aqui. Eles montam um esquema de mensagens e organizações para saber da
entrada ou permanência de policiais na favela.

Aqui na Cidade Maravilhosa, a minha situação, a situação das pessoas que vivem nas favelas
não é tão maravilhosa assim.

Nós de pés descalços vamos alimentando a fome, vivendo já sem esperanças de algo melhor.
Em meio à violência e ao contrabando, vamos seguindo, e nosso único guia é a luz do bem, que
se apaga a cada madrugada.

E nosso mundo não dá tantas voltas, se você nasce aqui certamente morrerá aqui.

A íngreme subida lembra o caminho para os céus, e sem asas subo a pé, me falta também à
certeza de que no dia seguinte irei acordar com toda vida que tenho.

Passo por casas e lojas e chego no meu lar não tão cansado quanto pensava. Minha mãe já
preparava o jantar, pois meu pai logo chegaria, e com muita fome. Meu irmão assistia à TV, um
daqueles programas de assaltos e mortes que eu não gosto.

Vivíamos uma vida tranqüila apesar da vizinhança. Mamãe sempre me ensinou a lutar pelos
nossos sonhos e a termos respeito por todos.

Ela ficou brava comigo por eu ter deixado a minha mochila em cima da mesa quando cheguei,
pois ela estava preparando o jantar e logo iria arrumá-la.

Viu então que faltavam verduras.

“Júnior, vá até o Seu Chico e traga alguma verdura. Tome aqui o dinheiro”, disse mamãe.

E levantando-se do sofá, um pouco irritado pela obrigação, meu irmão pegou aquelas pratas, e
foi comprar as verduras. Ele não queria ir, mas ele não conseguiria dobrar mamãe.

Naquele momento senti algo muito estranho, algo desconfortante, não sabia exatamente o
que era, mas nunca tive uma sensação tão ruim assim.

Segundos depois, ouvi um tiro, e o desespero invadiu a alma de nós dois, eu e minha mãe,
saímos correndo, movidos pelo medo, e vimos ao longe um corpo juvenil estirado na rua. A
aflição que nos acompanhava, tomou conta de nós quando percebemos que quem estava ali,
atirado na rua era o Júnior, meu irmão.

Corremos até ele que ainda gozava de um fio de vida e tentava dizer algo.

“Mãe, eu te amo”, sussurrou no seu último segundo de vida.


E falando isto fechou os olhos e esperou a morte chegar.

Mamãe e eu o abraçamos e choramos, um choro de súbita infelicidade, que as palavras do


homem não podem contar.

E a violência não para e a paz fica cada vez mais distante de nossos dias.

Larro Ribeiro Junqueira

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