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A nave Orion VII, sob o comando do major

Cliff, passaria por uma terrível prova de fogo...


Desta vez, a missão era destruir o planeta
teleguiado que se chocaria com a Terra. As
dificuldades se tornam gigantescas pois, por
trás dos acontecimentos, estão os poderosos
seres extraterranos.
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HANS KNEIFEL
PLANETA FORA DE CURSO
Tradução de A.F. IMMERGUT

EDIÇÕES DE OURO

Título do original: PLANET AUSSER KURS"

© By ERICH PABEL VERLAG — Rastatt, West Germany


© Da tradução — EDITORA TECNOPRINT S. A., 1977

Todos os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas ou
acontecimentos da vida real é mera coincidência.

HISTÓRIA ou ESTÓRIA?
As Edições de Ouro e o Coquetel grafam a palavra história e não estória
por julgar a primeira forma mais correta, conforme dicionários mais
categorizados, que julgam a segunda forma imitação do inglês story, sem
correspondente com raízes em nossa língua.

EDITORA TECNOPRINT S. A.
1

ERA um espetáculo grandioso, único; mas por trás de sua


estonteante beleza, ocultavam-se perigos mortais. Uma ramificação da
violenta tempestade de radiação que irrompia do sol terrestre estendia-
se pelas trevas formando um ângulo reto com a eclíptica do sistema.
Tinha o aspecto de um cone aguçado; o diâmetro da base não devia
passar de uma unidade astronômica, enquanto que a altura media,
seguramente, mais de quinze dessas unidades, ou seja, pouco mais de
2 bilhões de quilômetros.
Essa protuberância cintilante, entremeada de véus em cores
raramente vistas, apontava para a constelação da Ursa Menor. O cubo
espacial Um/001 estava em alvoroço.
Ganhando em intensidade e alastrando-se cada vez mais, a erupção
tinha se destacado do Sol e atravessava, com velocidade considerável,
o cubo espacial, provocando interferências em todos os comprimentos
de onda. Um turbilhão nas cores do espectro estendia-se, em espirais,
da base do cone até a ponta, branca e incandescente, voltada em
direção à constelação citada. Os poucos astronautas que já tinham
visto este fenômeno não se atreviam a chegar sequer nas proximidades
de uma tempestade de radiação; e aqueles que conheciam este
espetáculo multicolorido tinham razões de sobra para temê-lo.
Retornando do hiperespaço para pousar, a Hydra caiu em cheio
nas garras do cone da morte. Se não acontecesse um milagre, a nave
estava irremediavelmente perdida. E os milagres eram raros nessa
época...
Lydia van Dyke, general das Formações Espaciais Rápidas, estava
sentada diante da grande tela circular.
— Vê alguma outra possibilidade, astronavegador? — perguntou,
em voz alta.
O astronavegador, um homem alto, de cabelos grisalhos e curtos,
mal levantou o olhar e sacudiu a cabeça. Lydia viu o gesto e
compreendeu.
A Hydra estava à mercê do turbilhão como uma folha seca na
ventania do outono. Solicitados ao máximo, os propulsores uivavam
irregularmente. Um cheiro acre escapava do sistema de renovação de
ar: as capas isolantes dos cabos estavam fundindo. Mais outro
tentáculo magnético agarrou o maltratado casco metálico da nave.
Lydia tentou usar, de novo, os comandos, mas os controles não
obedeciam; sabia que a única salvação era conseguir voltar ao
hiperespaço.
Dois homens e uma mulher encontravam-se a bordo do cruzador
rápido Hydra, o astronavegador e o oficial da Vigilância Espacial. E
Lydia van Dyke. Todos os três estavam a par de um segredo do qual
dependia a existência do sistema solar. Um novo impacto fez a nave
estremecer até os anteparos; rebites foram arrancados e estilhaçados os
vidros dos mostradores de vários instrumentos. O cheiro tornou-se
mais intenso; eram poucos os aparelhos ainda não danificados. Sem
rumo, a nave cambaleava pelas ondas da tempestade.
— Vigilância Espacial! — chamou Lydia.
— Pronto! — respondeu o oficial, com a voz embargada pelo
pânico.
— Tente enviar uma mensagem à Terra!
Com um olhar rígido, o oficial examinou seus controles e
instrumentos. Depois virou, cuidadosamente, um botão para a direita.
No mesmo instante, um barulho ensurdecedor invadiu a cabine de
controle; silvos agudos misturaram-se a crepitações secas, abafando,
por completo, o sinal característico da Estação Avançada.
— Não adianta! — disse van Dyke, desalentada. Só a expressão
dos seus olhos traía o que estava pensando.
Os campos magnéticos da tempestade, que variavam de
intensidade a cada instante, não soltavam a nave. A velocidade era
insuficiente para voltar ao hiperespaço. A nave parecia perdida.
— Tente estabelecer uma comunicação hiperradiofônica! — disse
Lydia e soltou o acelerador.
— Está bem — respondeu o telegrafista. — Vou tentar!
Lydia van Dyke tinha uns trinta e cinco anos de idade, mas
aparentava ter cinco anos menos. Sua atitude era reservada,
característica das altas patentes militares. Trajava um uniforme escuro,
e abaixo da clavícula destacava-se a plaqueta de identificação com os
quadradinhos do seu código individual.
— Este tufão está bloqueando todos os comandos! — disse Lydia,
com raiva. — Nossa sorte é que ainda não atingimos o seu centro!
O astronavegador observou, com vagar, as telas destruídas, os
vidros estilhaçados dos instrumentos do painel de controle e o
espetáculo furta-cor no disco circular em frente à mesa de controle;
depois, virou-se para Lydia e disse:
— Infelizmente, isso ainda pode acontecer, general!
Um redemoinho magnético agarrou a nave e a impeliu em direção
à borda da ramificação da tempestade. O delgado disco tombou de
lado, capotou várias vezes e caiu num vazio entre feixes luminosos.
— Estabeleci o contato hiperradiofônico! — avisou o telegrafista.
Lydia reconheceu a pequena chance que ainda tinham e começou a
alterar o curso com auxílio dos poucos instrumentos que continuavam
intactos. Os propulsores arrancaram a Hydra dos tentáculos vorazes e
flamejantes da radiação e conseguiram acelerar a nave bruscamente.
Enquanto a velocidade aumentava, Lydia disse, medindo as palavras:
— Mensagem hiperradiofônica para Terra: D... HS... urgente...
aqui Hydra, general van Dyke falando!
A nave estava conseguindo escapar do alcance das ávidas
protuberâncias luminosas. As mortíferas tenazes não conseguiam mais
fechar-se sobre a Hydra que, a esta altura, já possuía velocidade muito
superior à da radiação, mas suficiente apenas para entrar na escuridão
do entre-espaço.
— Da nave espacial Hydra para todos: Atenção... Um corpo
estranho desloca-se na direção da constelação dos Cães de Caça.
Parece tratar-se de um sol de fraca luminosidade e está seguindo um
curso de colisão com o sistema solar terrano; encontra-se no cubo
espacial Um/Sul 008. A velocidade inicial deste corpo foi calculada
em cento e quarenta e seis mil quilômetros por segundo. Tudo indica
que arrasta consigo uma atmosfera incandescente em contínua
expansão. Nossos aparelhos constataram que esta atmosfera apresenta
todas as características de uma Nova. Dentro de alguns dias o corpo
estranho interceptará a órbita da Terra. Atenção... do general van
Dyke para todos... Chamado de alerta da nave espacial Hydra.
Subitamente, todas as luzes se apagaram mas a iluminação de
emergência entrou em funcionamento numa fração de segundo. O
silvo dos propulsores tornou-se mais intenso e uma violenta pancada
pareceu abrir a nave ao meio. Em seguida, a Hydra mergulhou no
hiperespaço.
No mesmo instante, os três tripulantes ouviram um uivo agudo,
estranho. Depois, só houve silêncio.
Os fenômenos luminosos, muiticoloridos, haviam sumido das
telas. A Hydra encontrava-se no hiperespaço mas parecia que a
instalação eletrônica da nave estava completamente destruída. Lydia
trocou um olhar com os dois oficiais.
— Ao menos escapamos do perigo de sermos esfacelados pelos
dedos magnéticos dessa tempestade!
Resignadamente, o oficial da Vigilância Espacial acenou com a
cabeça.
— Em compensação — continuou Lydia — estamos boiando no
hiperespaço com não sei quantos instrumentos destruídos e
queimados. Corte a energia!
O subcomandante manejou uma série de controles. A nave
deslocava-se lenta mente através do hiperespaço sem qualquer rumo;
os motores silenciavam. A energia nos acumuladores de bordo ainda
era suficiente para manter em funcionamento as instalações de
abastecimento.
— Antes de mais nada — decidiu Lydia — precisamos de um
transmissor hiperradiofônico que funcione. Podemos consertar os
aparelhos com os meios disponíveis a bordo?
— Só se não foi tudo destruído — respondeu o telegrafista.
— Dependemos deste aparelho para pedir socorro; o resto é
secundário.
O subcomandante levantou-se, praguejando. Começou a examinar
os estragos que havia por toda a cabine e perguntou, por cima do
ombro:
— Será que receberam nossa mensagem?
— Pela experiência que tenho, eu diria que sim — respondeu o
telegrafista. — Resta saber se a potência de emissão era suficiente
para alcançar o satélite mais próximo.
— Ao menos — disse Lydia meio pensativa — estamos no cubo
espacial Um, portanto, não longe da Terra. Não demora e uma nave
qualquer nos descobre.
— Bote tempo nisso! — foi a resposta.
— Não conseguiremos fornecer nossas coordenadas!
— E por que não? — perguntou Lydia, aturdida por um terrível
pressentimento.
— Porque as lâmpadas de controle indicam que o nosso
computador digital está pifado; e este nós não conseguimos consertar
de jeito algum!
— E isto significa — prosseguiu o subcomandante — que estamos
sem condições de calcular um único curso sequer; significa, ainda, que
ninguém pode controlar o nosso curso e que o nosso retorno do hiper-
espaço pode se dar em algum ponto totalmente imprevisível. Se
tivermos azar, voltamos ao espaço normal fora dos limites do nosso
domínio.
Seguiu-se um longo e deprimente silêncio. Finalmente, Lydia
levantou-se e disse, com voz controlada e fria:
— Não adianta desesperar. Precisamos pensar menos e trabalhar
mais. Se conseguirmos soltar nosso grito de socorro podem nos
localizar, mesmo se nos encontramos no hiperespaço. Portanto, mãos
à obra! Eu me encarrego dos controles.
Vários cabos estavam derretidos, o que tinha provocado o colapso
quase total dos comandos. Lydia substituiu as partes mais importantes
pelas peças sobressalentes, catalogadas, que encontrou no pequeno
almoxarifado de bordo. Mesmo no espaço normal, seria muito difícil
dirigir a nave com os comandos precariamente consertados, mas o
general van Dyke ainda conhecia meia dúzia de truques que podiam
ser de alguma valia numa situação como aquela.
A nave estava isolada do mundo exterior; todos os aparelhos
radiofônicos haviam sido destruídos. Era totalmente impossível emitir
ao menos um único impulso. O oficial da Vigilância Espacial
procedeu a um exame minucioso das avarias e descobriu que a parte
receptora da instalação estava intacta.
Ligou um segundo cabo alimentador à antena, examinou as
conexões e substituiu uma peça semigasta. Após algumas
manipulações dos controles, constatou que estavam em condições de
captar impulsos do hiperespaço, mas não de responder a qualquer
chamado.
— General van Dyke? — a voz do telegrafista soava cavernosa; a
parte superior do seu corpo estava enfiada no interior do volumoso
aparelho. — Podemos receber sinais hiperradiofônicos, mas o nosso
transmissor não tem mais jeito!
— Por outro lado — respondeu Lydia, laconicamente — existem
algumas coisas que funcionam. Assim, não vamos ser asfixiados, não
vamos morrer de fome e ainda podemos ouvir o noticiário! Quer dizer
que o transmissor não pode ser consertado?
— Acho muito difícil! De qualquer maneira, levaria horas!
— Vou lhe ajudar assim que acabar com os cabos. Desmonte as
peças destruídas!
As horas passavam e a Hydra pairava no hiperespaço. Ninguém
podia precisar a sua posição; ninguém podia localizá-la. Enquanto
isto, um planeta em brasa lançava-se, vertiginosamente, em direção ao
sistema solar.
No setor compreendido entre os 180 e 210 graus do hemisfério
boreal encontram-se as constelações da Ursa Maior, do Boieiro e da
Cabeleira de Berenice. No meio destas, uma outra, a dos Cães
Caçadores, distingue-se por um objeto visível que foi registrado, no
New General Catalogue, com o número 5194: uma nebulosa espiral
de braços bem delineados com um núcleo irradiante e circundada por
algumas estrelas isoladas.
E diante deste expressivo cenário, se bem que mais perto da Terra
e seu sistema, tinha se desenrolado a tragédia de uma catástrofe
cósmica. Sob a linha imaginária que une a Terra à região daquela
nebulosa havia um sol e esse sol tinha liberado um dos seus planetas...
ninguém sabia o nome do sol, nem do planeta. Sabia-se, porém, que o
planeta começou a chamejar e se deslocar com uma velocidade
inacreditável. Os instrumentos da Hydra haviam descoberto este fato,
sem sombra de dúvida. E mais: a sua trajetória interceptaria a órbita da
Terra que, naquele instante, se encontraria exatamente no ponto de
intersecção. O planeta seguia um curso de colisão com a Terra...
Dois fatos contribuíram para tornar ainda mais misterioso o súbito
aparecimento deste perigo mortal que ameaçava de extinção a espécie
humana no nosso planeta.
Cento e quarenta e seis mil quilômetros por segundo... O planeta
deslocava-se com uma velocidade quase cinco mil vezes maior que a
da Terra e apresentava todas as propriedades de um sol em vias de
explodir. Era inconcebível que pudesse atingir tal velocidade no
cosmos sem interferência de forças estranhas. Além disso, ardia em
chamas...
A camada gasosa que o envolvia evidenciava todas as
características físicas de uma Nova, nome com que se designa as
violentas erupções luminosas de um sol, e cujas causas ainda são
desconhecidas.
A erupção de uma Nova realiza-se em questão de horas; no
máximo, de dias. A intensidade luminosa da estrela atinge, em média,
um valor 25 mil vezes maior que o normal e como a erupção é
acompanhada de uma expansão do envoltório gasoso, durante a qual a
velocidade dos gases atinge vários milhares de quilômetros por
segundo, o diâmetro da estrela sofre um enorme aumento, crescendo à
razão da segunda potência.
Se um planeta apresentava tais características, raciocinava a
tripulação da Hydra, isto deixava de ser um fenômeno natural. Era,
seguramente, o resultado de emprego de meios artificiais habilmente
manipulados. Por quem, não se sabia.
Sem um segundo de hesitação, Lydia van Dyke havia comunicado
a descoberta que iria deixar em polvorosa as autoridades competentes
na Terra e teria provocado o pânico entre a população se tivesse sido
divulgada.
Enquanto a Hydra pairava, semidestruída, no hiperespaço, o
estranho planeta seguia em direção à Terra. Aquilo que tinha sido a
sua atmosfera era, agora, uma imensa capa incandescente que
irradiava uma luminosidade ameaçadora. A superfície começou a se
derreter; matéria transformava-se em energia...
A intensidade luminosa do pequeno sol aumentava a cada minuto.
Dentro de pouco" tempo, uma imensa Nova artificial invadiria o
sistema da Terra.
Até o presente momento, poucos tinham tomado conhecimento do
comunicado da Hydra. Um deles era o oficial de dia do Serviço de
Segurança Galático. Leu, estarrecido, a folha que o teletipo acoplado
ao receptor hiperradiofônico tinha fornecido e dispensou,
imediatamente, o encaminhamento pelas vias burocráticas
protocolares. Arrancou a folha e saiu correndo em direção ao gabinete
do coronel Villa. Villa, um homenzinho ágil, de uns sessenta anos,
estava sentado atrás da sua mesa de trabalho e levantou um olhar
surpreso quando o oficial de dia entrou às carreiras. Mal teve tempo de
desligar a barreira eletrônica que o protegia contra intrusos
indesejáveis.
— Qual o motivo da invasão? — perguntou, com sua voz cansada
e irônica.
— Coronel, leia isso aí! — disse o oficial, ofegante.
Villa franziu as sobrancelhas e, por alguns instantes, observou o
rosto pálido e nervoso do homem à sua frente. Em seguida, pegou a
folha da mão do oficial e leu o texto sem mudar de expressão.
— Além de nós dois, quem mais conhece o teor desta mensagem?
— perguntou, calmamente.
O oficial encolheu os ombros.
— Provavelmente os telegrafistas das diversas estações
retransmissoras; tenho certeza apenas de Meyers, da Estação
Avançada-IV. Por que pergunta, coronel?
— Porque, no momento, não podemos divulgar esta notícia. O
pânico seria incontrolável!
— O que eu devo fazer, então? — perguntou o homem após alguns
segundos.
Villa dirigiu-lhe um olhar decidido e disse:
— Nada! Absolutamente nada! Volte aos seus afazeres e mantenha
a boca fechada!
— Mas, coronel! — retrucou o oficial, visivelmente nervoso. —
Esse planeta errante vai se chocar com a Terra!
— Isso não está provado. Além disso, o perigo não é iminente,
ainda temos tempo.
— E o que vamos fazer enquanto ele continua se aproximando? —
perguntou o homem, que estava quase imóvel diante da mesa e não
tirava os olhos do rosto de Villa.
— Vamos empregar todos os meios ao nosso dispor para impedir
que esse petardo cósmico nos destrua — respondeu Villa. — Afinal,
temos algumas frotas não de todo imprestáveis e também homens à
altura da situação. Pode ficar tranqüilo, meu amigo, que não temos o
menor interesse na nossa própria morte.
O oficial bateu continência e deixou o gabinete. Villa recostou-se e
começou a pensar nas possíveis evoluções da situação. Enquanto sua
mente divagava pelo terreno das especulações, seu olhar estava fixado
na projeção do domínio terrano, aquela esfera espacial com um
diâmetro de novecentos parsec e subdividida em dez fatias. Um ponto
luminoso deslocava-se na região inferior, que se assemelhava a uma
esfera quadripartida. Ainda não era visível. Até então os aparelhos de
busca não o tinham enquadrado. Não tardaria, pensou Villa, e um
ponto flamejante iria se aproximar do centro daquela esfera. Em todos
os mapas astronômicos da Terra...
Villa afugentou seus pensamentos e apertou o botão do videofone
que o comunicava com a ante-sala. O rosto do ordenança apareceu na
tela:
— Sim, coronel?
— Entre! Temos que resolver uma situação delicada.
2

GROOTE Eylandt. Era quase meio-dia.


O sol estava a pino e a superfície da piscina reluzia como prata. Na
sombra de um extenso toldo só se via uma enorme espreguiçadeira e
um alto-falante esférico. Trajando apenas um calção branco, Cliff
Allistair McLane tinha se refestelado numa confortável cadeira e
estava consumindo o segundo volume da pilha de livros de bolso, que
havia colocado bem ao alcance da mão.
Uma melodia emanava do globo sonoro que girava lentamente.
Tamara tinha chamado a atenção de McLane para aquele compositor
durante a missão, na qual a Orion VII resolveu o caso de MZ 4. De
Thomas Peter: "Estrelas Perigosas".
McLane deitou a cabeça de lado e olhou para o céu azul. A
calmaria devia ser quase absoluta, pois as nuvens mal se deslocavam.
A ponta setentrional da Austrália, uma das gigantescas bases espaciais
da Terra, jazia sob a inclemência do sol de verão.
Nada havia no ar; nenhuma nave a jato ou espacial em vias de
pousar. Só esta calma sonolenta. McLane e sua equipe estavam
gozando as férias normais entre duas missões; e, como não sabia que
tarefa os esperava, julgou conveniente tratar de fortalecer o sistema
nervoso onde e quando podia. Nervos debilitados não resistiriam
muito tempo a Tamara...
Mas nesta manhã ensolarada, tudo contribuía para uma irresistível
sonolência; a música, o calor, o longo e farto café da manhã, o
repouso na confortável cadeira, a lembrança de uma certa loura, seu
compromisso para a noite... tudo, enfim. Cliff adormeceu.
A música continuava a tocar. Um minuto passou-se.
— Comandante McLane? — perguntou uma voz impessoal.
Cliff abriu os olhos e viu a sombra de dois homens no piso do
terraço a seu lado. Sentou-se, virou a cabeça e analisou os dois
homens. Fitaram-no com olhos rígidos, sem qualquer expressão.
— Sim? O que é?
— Serviço de Segurança Galático. Cliff franziu a testa e retrucou,
com agressividade na voz:
— Alguma vez já ouviram falar em invasão de domicílio?
Um dos dois homens respondeu:
— Quanto a isso, queixe-se a Villa. Cliff começou a prender seu
rádio de pulso e perguntou, desconfiado:
— Serviço de Segurança? Que querem de mim?
— Apenas que nos acompanhe.
Cliff olhou para os dois agentes. Trajavam o uniforme cinza-
escuro da corporação cuja insígnia se destacava no peito: o grande S
inscrito num círculo. Um dos homens era alto, de cabelos escuros; o
outro, de cabelos louros, era um pouco mais baixo que o companheiro.
Pareciam estar desarmados. Com a melhor boa vontade, Cliff não
conseguia se lembrar de ter infringido, nos últimos dias, algum
regulamento.
— Suas identificações! — pediu, bruscamente.
Ambos meteram a mão no bolso superior do jaquetão e exibiram
as plaquetas retangulares com os característicos quadradinhos do
código individual. Debaixo deles, as três letras: SSG.
— E eu devo acompanhá-los? — perguntou McLane, ainda
duvidando que o assunto era com ele. — Para onde?
— Vamos ao quartel-general do SSG.
— O quê?! — exclamou Cliff, surpreso. — O próprio Villa me
espera? Em pessoa?
— Correto! Por favor, entregue-nos o seu rádio de pulso.
McLane recuou dois passos e postou-se atrás da cadeira.
— Os senhores sabem muito bem — disse devagar e sublinhando
as palavras — que estou proibido de entregar meu aparelho a quem
quer que seja!
— Não crie dificuldades, comandante!
— disse o homem de cabelos escuros e lançou um olhar sombrio
para McLane.
— É uma ordem! — lembrou o louro e estendeu a mão, num gesto
imperativo.
McLane hesitou durante alguns segundos; depois retirou o
aparelho do braço e entregou-o ao agente do SSG.
— É só para evitar — explicou este — que entre em contato com
sua equipe.
McLane não estava entendendo mais nada.
— A coisa está ficando cada vez mais misteriosa! — disse. — O
que significa essa trabalheira toda? Afinal, não sou nenhum
criminoso!
Os dois encolheram os ombros.
— Não querem ou não podem dizer de que se trata? — perguntou
Cliff, irritado. — Posso, ao menos, saber para onde vamos?
— Sydney! — foi a resposta. — Venha! McLane torceu os lábios
num sorriso irônico e perguntou:
— Certamente vão permitir que me vista. Ou posso me apresentar
a Villa em trajes de banho?
— Mas ande ligeiro! — disse o louro. Acompanharam McLane até
o bangalô.
Cliff vestiu o uniforme e os três puseram-se a caminho. McLane
começou a sentir uma sensação desagradável...

***
As poucas telas que ainda funcionavam mostravam o aspecto,
sempre igual, do hiperespaço: uma estranha parede, escura e
poeirenta, sem um único ponto luminoso. Não havia estrela, nem
planeta; tudo parecia inerte. As lâmpadas da iluminação de
emergência tremeluziam. Vez por outra, ouviam-se sons emitidos
pelos alto-falantes ou ruídos produzidos pelos instrumentos. Pequenas
chamas clareavam os painéis e conexões dos comandos; finos raios
saltitavam pelos flancos dos condensadores. Os três tripulantes da
Hydra estavam tentando consertar as instalações hiperradiofônicas.
— Como é que está indo, Morris? — Lydia van Dyke ergueu-se
por trás do quadro de controle aberto.
— Mais ou menos — respondeu o telegrafista. — É claro que
ainda tenho que ajustar todas as peças e substituir os tubos e escalas.
Estão todos queimados!
Lydia respirou profundamente.
— Acredita — perguntou, pensativa — que vamos conseguir
consertar a instalação?
— Creio que sua pergunta está superada, general!
Lydia virou-se rapidamente e olhou, surpresa, para o
astronavegador que apontava para a tela circular da Hydra. Estava
fornecendo uma imagem. Lydia aproximou-se mais um pouco, num
misto de incredulidade e euforia. Mal podia acreditar que as três horas
de esforço não tinham sido em vão.
— Transferiu as ligações do radiofoto para a minha tela, Morris?
— perguntou, enquanto analisava, minuciosamente, os detalhes da
imagem.
— Não que eu saiba — respondeu Morris em voz alta.
Sua cabeça já estava, outra vez, entre os componentes mecânicos
do transmissor.
— Provavelmente, a ligação estabeleceu-se por acaso, enquanto
estávamos experimentando — acrescentou Morris, uns dois segundos
depois.
— Estou vendo uma imagem bastante clara e nítida — constatou
van Dyke.
O telegrafista reapareceu e dirigiu-se ao painel dianteiro do
transmissor. Observou os sinais luminosos e os ponteiros que
oscilavam por trás dos vidros estilhaçados.
— Tudo perfeito! — resmungou. — Não há dúvida de que
estamos recebendo impulsos hiperradiofônicos. Uma imagem foi
emitida e os rastreadores conseguiram captá-la. Isto mostra...
— ...que a emissora deve estar a uma distância; enorme, não é? —
interrompeu o astronavegador, excitado.
— Correto! Pode descobrir de onde vem essa emissão? —
perguntou van Dyke.
— Infelizmente, não!
A imagem na tela circular tornava-se cada vez mais nítida. Pouco a
pouco, as linhas difusas e áreas coloridas transformaram-se em traços
firmes, contornos bem delineados e vultos em movimento. Num
pressentimento obscuro Lydia e o astronavegador perceberam que
estavam testemunhando um acontecimento estranho, irreal.
— As ondas desses impulsos vêm de alguma parte da galáxia —
insistiu o telegrafista, e voltou a mexer nos botões dos potenciômetros
e sintonizadores. — Só as captamos porque nossos aparelhos
receptores ainda não foram ajustados. Em condições normais, jamais
usamos ou auscultamos a faixa de ondas na qual estão transmitindo
essa imagem.
A imagem que viam...
Uma superfície escura, azulada, alastrava-se pela tela; parecia o
interior de uma gigantesca caverna. Bem ao centro havia uma
plataforma inclinada, encimada por uma esfera imóvel de cujo interior
emanava a cintilação de minúsculos pontos luminosos. E na frente
desse cenário estavam dois vultos, esbeltos e leitosos. Um deles
apontava para o alto, onde um traço oblíquo atravessava a esfera.
— Ondas de impulsos... — gaguejou o astronavegador. — Mas... e
esta imagem?
— Estes são os extraterranos que a turma de McLane descobriu na
toca — sussurrou Lydia.
— Por um acaso incrível, descobrimos a sua maneira de
comunicação, ou seja lá o que for! — disse o telegrafista, abismado.
— Estamos vendo o interior de uma nave!
— O que estamos vendo, realmente — explicou Lydia van Dyke
— é o mapa do domínio terrano.
O oficial da Vigilância Espacial olhou-a de lado e admirou-se,
novamente, do autocontrole daquela mulher.
— Mas é claro! — disse. — Aquele planeta errante...
Olhou para o astronavegador. Entenderam-se sem proferir uma
única palavra.
— Extraterranos e planetas errantes... — disse Lydia com uma
estranha aspereza na voz. — Os ataques vêm de dois lados. MZ 4 está
no setor Dez/Norte 219 e o planeta desviado vem do sul!
A imagem modificou-se ligeiramente. Os dois vultos, de formas
bem humanóides, estavam, agora, diante da esfera e examinavam a
projeção do fino traço que apontava exatamente para o centro do mapa
astronômico. E nesse centro só havia uma única coisa: a Terra!
— Eu devo estar sonhando! — gemeu o astronavegador.
Fascinados, não tiravam os olhos da imagem. A nave continuava a
errar pelo hiperespaço, sem rumo, sem propulsão e sem meios de
orientação. Por uma casualidade inacreditável, o aparelho
hiperradiofônico, defeituoso, havia interceptado a comunicação dos
estranhos e estava reproduzindo o que tinham a dizer. A conclusão era
óbvia: eram eles que dirigiam o planeta.
Lydia estava atônita; sem ocultar a surpresa na voz, sussurrou:
— Será que a técnica deles não conhece limites? Já mostraram que
são capazes de arrancar um planeta de sua órbita e dirigi-lo, daí em
diante, a seu bel-prazer. E com que precisão incrível! Numa esfera
com novecentos parsec de diâmetro, conseguiram descobrir uma
órbita planetária de apenas duas unidades astronômicas! E ainda
determinaram a posição da Terra no instante da intersecção das duas
trajetórias! Mas o pior de tudo é que conseguiram transformar um
planeta num sol! Isto... beira a loucura total!
Interferências tremiam sobre a tela. Tiveram que esperar alguns
minutos antes que a imagem voltasse a ficar nítida. E tinha-se
modificado mais uma vez.
Agora apareciam as órbitas dos planetas em torno do sol terrano:
Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Uma reta interceptava essas órbitas e,
em três dos pontos de intersecção, encontrava-se um planeta. Ainda
não estavam lá, na realidade, mas já se dirigiam para esses pontos de
encontro...
— Três planetas: Vênus, Marte e a Terra! — disse o telegrafista,
com voz rouca.
— Vão todos três ser destruídos por um planeta em brasas. Um
plano diabólico!
— Não precisa ter receio de que isso vá passar despercebido pelo
pessoal da Terra
— disse Lydia van Dyke. — Sem dúvida, a Central de
Computação vai descobrir o perigo. Mas nós, o que podemos fazer?
Olhou para o rosto sério do astronavegador e depois para Morris.
Ambos encolheram os ombros.
— Vamos tentar consertar nossa aparelhagem. Depois,
informamos nossa posição e damos o alerta geral. Temos que esperar!
Dispomos de água, oxigênio, comida e energia. Só não podemos sair
do hiperespaço.
— OK! — disse Lydia. — E essa imagem?
— Está sendo gravada em fita há quatro minutos. Pode ser que o
resultado não seja uma reprodução de primeira, mas tudo que vimos
na tela foi registrado pela eletrônica — e o telegrafista sorriu.
Lydia lançou-lhe um olhar agradecido.
— Obrigada, Morris! — murmurou. Continuaram a observar a
estranha central de operações dos invasores; notaram as cores
diferentes e os poucos objetos cuja finalidade não sabiam explicar.
Eram, obviamente, produtos de uma técnica que diferia em tudo da
que a Terra conhecia. As próprias concepções básicas já eram
diferentes — e como eram diferentes! Uma nova interferência
extinguiu a imagem de vez.
— Continuamos sincronizados na onda que pegamos por acaso?
— perguntou o astronavegador, analisando o esquema de um circuito.
— Ou vamos prosseguir com o trabalho? Se mexermos em alguma
coisa, modificamos a ligação casual, isso é certo!
Lydia pensou por alguns segundos, com uma expressão de
silenciosa concentração no rosto. Finalmente, decidiu-se:
— Já vimos o suficiente! Vamos continuar!
— Entendido, general! — disse Morris. — Pode me ajudar? —
Lydia fez um gesto afirmativo.
Assim que calibraram e ligaram o primeiro condensador, a tela se
apagou. Trabalharam em silêncio, obstinadamente, tentando consertar
o transmissor. Sabiam que a sua sobrevivência dependia do
funcionamento desse aparelho.
Levaram duas horas para completar as conexões entre a antena e o
primeiro jogo de filtros. A Hydra continuava a boiar, desamparada, no
hiperespaço, envolvida peia matéria sem essência dessa dimensão de
ordem superior.
— Parece que a tempestade de radiação também teve uma boa
dose de culpa nisso! — disse o telegrafista, cansado, e jogou uma
chave de fenda sobre a mesa do transmissor.
— Culpa, em quê? — perguntou o astronavegador, curioso.
Também Lydia lançou um olhar surpreso a Morris. Os três tinham os
dedos e o cabelo chamuscados pelas fagulhas das soldas.
— Culpa no fato de termos conseguido captar aqueles impulsos
hiperradiofônicos. Se empregaram antenas direcionais, é provável que
a radiação tenha desviado as ondas.
Lydia consultou o cronômetro de bordo.
— Já faz seis horas que estamos no hiperespaço — constatou.
Depois, com um sorriso confiante, continuou:
— Morris, será que nossas baterias ainda dão para fazer três
xícaras de café?
— Sem dúvida! — Morris teve que rir. — Quer que eu prepare?
Sentaram-se nos cantos das mesas e tomaram o café quente. Em
seguida, registraram as gravações que Morris tinha feito, numa outra
fita e testaram a instalação radiofônica, o que lhes custou mais meia
hora.
— Será que vamos conseguir? — perguntou Lydia, apreensiva.
— Estou convencido — disse Morris e acenou com a cabeça —
que a estação hiperradiofônica mais próxima vai retransmitir nossa
mensagem; ao menos, até a Estação Avançada-IV.
— Muito bem! — respondeu Lydia. — Vamos lá!
E Morris começou:
— De Hydra para Suprema Comissão Espacial e Serviço de
Segurança Galático... urgente... urgente... por acaso nave conseguiu
captar ondas de impulsos entre duas naves ou estações inimigas...
segue-se registro na nossa fita...
O transmissor separava os impulsos da fita segundo um esquema
que os receptores utilizariam para reconstituir as imagens. Alguns
pontos fracos nos consertos realizados sobrecarregaram a capacidade
do transmissor; em conseqüência, algumas séries de radiofotos saíram
pouco nítidas e com a tonalidade das cores alterada.
— Fim! — disse Morris e desligou algumas chaves no painel.
— Resta-nos a esperança — resmungou o astronavegador — de
que nos localizaram e vêm nos apanhar!
3

MCLANE notou logo que o coronel Villa não era, naquele dia, o
homem ágil e loquaz de outras ocasiões. Falava de maneira ríspida e
lacônica e a expressão tensa do seu rosto mostrava que não conseguia
desviar o pensamento de alguma preocupação muito grave. Algo de
inédito devia ter acontecido. Flanqueado por dois oficiais do SSG,
Villa estava sentado atrás da sua mesa de trabalho, coberta de
documentos que quase escondiam os botões dos aparelhos de
comunicação. Cinco poltronas completavam a mobília do espartano
gabinete. Villa levantou um olhar atento para McLane e rompeu o
silêncio:
— Quais os cubos espaciais que percorreu durante o seu último
vôo de patrulha-mento, McLane?
Cliff virou a cabeça e estudou, por alguns segundos, o perfil de
Tamara. Depois, respondeu:
— O satélite retransmissor encontra-se no cubo Dez/Norte 219. A
Challenger vinha de Dez/Norte 360. Eu me deslocava no primeiro e,
provavelmente, também nos seis cubos adjacentes.
Cliff tinha respondido em tom irritado. Não sabia aonde Villa
queria chegar. A lâmpada cintilante no meio da mesa era prova de que
perguntas e respostas estavam sendo gravadas.
— O senhor não esteve no cubo Sul/ Dois 5112? — continuou
Villa. Os homens que o flanqueavam mantinham-se imóveis, de caras
fechadas, e observavam Cliff e Tamara com uma expressão de
interesse impessoal.
— Não estive nesse cubo! — exclamou McLane, em voz alta e
agressiva.
— Não viu nada de extraordinário, comandante? — perguntou
Villa e fez um gesto impaciente com a mão. Seus dedos começaram,
de novo, a tamborilar sobre o tampo da mesa.
McLane respondeu com a voz um pouco mais controlada:
— Claro que não vi! Sem levar em conta o que aconteceu lá em
MZ 4. Viu alguma coisa, Tamara?
Virou-se na poltrona e olhou para a agente do SSG. Sem alterar
sua expressão calma e reservada, Tamara limitou-se a responder com
um lacônico "não!".
McLane pigarreou e cravou seus olhos nos de Villa. Com voz
baixa, perguntou:
— Afinal, posso saber o que está havendo? Primeiro fomos
arrancados das nossas escassas horas de lazer e arrastados para cá; e
agora estamos sendo interrogados como bandidos com a cabeça a
prêmio... E ninguém se digna me dizer por quê!
Com voz impassível e baixa, Villa disse:
— Duas horas atrás recebemos uma mensagem hiperradiofônica.
Bastante truncada. E o registro magnético de uma radiofoto. Era um
dos dois pedidos de socorro da Hydra, que...
McLane ergueu-se de um salto e os pés da sua poltrona estalaram
no piso.
— Um pedido de socorro! — exclamou, alarmado — da Hydra?
Villa acenou, em silêncio, depois acrescentou: — ...que está
voando sob o comando de van Dyke. Sim, o que é? — olhou para o
videofone.
Tamara também se levantou e postou-se ao lado da poltrona.
— Um momento! — disse Villa e apertou o botão que extinguia a
barreira eletrônica. Um oficial atravessou a moldura, aproximou-se da
mesa do coronel e bateu continência. Villa levantou os olhos e
perguntou, com sua voz disciplinada:
— Já tem os resultados, tenente? Lançando um furtivo olhar em
direção a
McLane, o oficial disse, solícito:
— Examinamos os registros eletrônicos do livro de bordo e
também do tacógrafo.
Cliff estava a ponto de estourar de raiva.
— E os resultados? — perguntou Villa.
— Os informes do comandante McLane estão corretos!
Cliff sentou-se no braço da poltrona, cruzou as pernas e perguntou,
friamente:
— Não vai me dizer, coronel, que esperava por um resultado
diferente?
Villa permitiu-se esboçar um sorriso.
— Não, certamente que não. Afinal, o senhor tinha um oficial do
SSG a bordo, comandante.
— Será que podemos saber agora — disse Tamara, visivelmente
irritada — o que realmente aconteceu?
Villa encarou-a durante um segundo; depois olhou para o oficial e
disse:
— Está bem. Obrigado; é só!
O oficial recuou alguns passos até ficar por trás de Cliff e Tamara.
— Muito bem! — disse Villa, resolvido a falar. — Vou pô-los a
par de tudo.
— Pedimos isso, encarecidamente! — disse McLane.
— Poupe seu sarcasmo — disse Villa, impassível. — A coisa é
muito mais séria do que imaginam. Recebemos duas mensagens
radiofônicas da Hydra, que penetrou no hiperespaço mais ou menos
na altura de Sul/Um ou Dois e, desde então, não temos notícia dela.
As mensagens evidenciaram que um grande planeta está se
aproximando, com uma velocidade enorme, de três órbitas planetárias
do nosso sistema. Sua atmosfera e, obviamente, parte da sua
superfície, estão em total incandescência, como se fosse uma Nova. E
este planeta está sendo teleguiado sem sombra de dúvida. Van Dyke
conseguiu transmitir os registros magnéticos da imagem de uma
estação dos estranhos. Vou-lhes exibir esta fita daqui a alguns
instantes.
McLane olhava, incrédulo, ora para Tamara, ora para Villa e
acabou por sussurrar, atônito:
— Um planeta... transformado numa Nova? Isto não pode ser
verdade!
— Nossas estações de busca já o localizaram. Sua velocidade é
tamanha que, dentro de dez dias, vai alcançar primeiro Marte, depois a
Terra e, finalmente, Vênus. Além disso, seu envoltório gasoso em
brasas alastra-se constantemente, como numa Nova. Primeiro, os três
planetas serão consumidos pelo fogo; depois, vão colidir. Que diz
agora?
— Nada! — Cliff sacudiu a cabeça num gesto de total espanto.
— É claro que unidades da frota estão mantendo o objeto sob
constante observação. Além disso, estamos tentando destruir a
substância básica do planeta por meio dos raios laser. Destacamos
algumas baterias pesadas para essa tarefa. Só que, até agora, não
obtivemos qualquer resultado satisfatório.
— Ninguém acreditava que uma coisa dessas fosse possível,
comandante — disse o homem à direita de Villa. — Mas a realidade é
esta. O estado-maior está em reunião permanente.
— Uma Nova é algo concebível — disse Cliff, falando para si
mesmo. — Um planeta que se desvia da sua órbita, vá lá. Mas um
planeta que se transforma em uma Nova e que, além disso, é
teleguiado!... Isto é inconcebível. E quem é que controla essa
aberração?
— Seus novos amigos de MZ 4. Não estão apenas na fronteira
Norte; este novo ataque vem do Sul. E apontaram uma arma mortal
para o coração do nosso domínio: para a Terra.
— Posso ver a gravação? — perguntou Cliff girando em sua
poltrona.
— Claro! Só um momento, por favor! Na parede dos fundos do
gabinete havia dois objetos que chamavam a atenção: a enorme
projeção do domínio terrano e um anel metálico, gigantesco e vazio,
sem finalidade aparente. De súbito, todas as luzes se apagaram.
Dentro do anel apareceu uma imagem. A projeção do relatório
gravado era realizada no curioso aparelho. Inicialmente, ouviram a
voz de Lydia van Dyke. A maneira como falava revelava o seu estado
emocional e Cliff sentiu que um medo gélido lhe apertava o coração.
Depois, reconheceu as imagens. Lá estavam as cores embotadas, as
silhuetas difusas dos extraterranos... Após o incidente em MZ 4, Atan
havia-os apelidado de sapos; mas, para McLane, eram mais estranhos
que qualquer sapo gigante da Terra. E sua inteligência e recursos
técnicos eram assustadores.
De repente, a superfície no interior do anel-projetor ficou vazia, as
luzes voltaram a se acender e iluminaram seis rostos pálidos e
apavorados. Os três homens do SSG, Tamara e Cliff viraram-se e
concentraram os olhares sobre a face esgotada do coronel Henryk
Villa.
Com um tremor incontrolável na voz, McLane perguntou:
— O general van Dyke foi o meu superior imediato durante seis
anos. Resta ainda uma esperança de salvar Lydia van Dyke?
Villa ergueu-se; parecia um homem velho, alquebrado.
— Não sei dizer, McLane. A nave de van Dyke está no
hiperespaço. Tudo indica que todos os sistemas entraram em colapso,
com exceção do aparelho hiperradiofônico. Não sabemos se podemos
entrar em contato com a Hydra.
— Ainda há esperança para Lydia? — insistiu McLane.
— Esperança, ainda há! — respondeu Villa. — Mas não muito
mais do que isso!
— O que está em jogo é o destino da Terra, Cliff! — disse
Tamara. E olhou para McLane, passando a mão pela testa suada. Villa
parou diante do tenente que tinha entrado por último.
— Sim, coronel? — perguntou o oficial, com voz quase inaudível.
— Chegou a hora! — disse Villa cheio de amargura. — Plano:
DX-Alpha... Salvem a Terra!
As palavras pareciam ecoar no silêncio. Lado a lado, Cliff e
Tamara deixaram o gabinete, atravessaram, calados, a ante-sala e,
minutos depois, pegaram o expresso subterrâneo que os levou para
Wyangala. De lá, retornaram a Groote Eylandt.

***

A Nova estava cada vez mais veloz... O planeta em brasas lançava-


se através das regiões desertas do universo com uma velocidade que
beirava a impossibilidade física para um corpo de tamanho tão
descomunal: 150 mil quilômetros por segundo.
Agora se encontrava no cubo espacial Um/Sul 018, vindo de 008.
Ao menos, foi nesse cubo que a Hydra tinha conseguido localizá-lo e
determinar seu curso. Um corpo com uma circunferência equatorial de
oitenta mil quilômetros projetava-se em direção a Marte, Terra e
Vênus. A atmosfera, transformada na capa irradiante de uma estrela,
alastrava-se incessantemente. Os aparelhos medidores das naves que o
acompanhavam funcionavam sem parar. E forneceram a análise
perfeita da destruição.
Comparações com os resultados das observações feitas em Novas
autênticas permitiram avaliar o seu ciclo de evolução em onze dias.
Além disso, a intensidade luminosa do planeta agonizante ainda
atingiria um valor 50 mil vezes maior que o atual. A velocidade de
erupção tinha sido calculada em 4500 quilômetros por segundo e era
com este valor que a camada de gás flamejante se lançava pelo
cosmos em direção à Terra... E as temperaturas elevavam-se sem
parar.
O envoltório gasoso em chamas possuía uma temperatura de 5 mil
graus Kelvin. Este calor consumiria o que lhe aparecesse no caminho.
Era provável que os estranhos, aqueles sapos das profundezas da
galáxia, tivessem levado a matéria do planeta a um estado que gerava
esse gás. A sublimação era incessante: o material do planeta era
destruído, transformando-se, instantaneamente, em gás chamejante.
As naves que acompanhavam o colosso em seu vôo vertiginoso
através das dimensões do universo penetravam, com audácia, alguns
milhares de quilômetros na névoa cintilante e disparavam os raios
laser. Tencionavam fragmentar a matéria sólida do planeta mas,
invariavelmente, viam-se frustradas nas suas tentativas. Era inútil.
Os cascos externos incandesciam e tiveram que bater em retirada
com avarias diversas. Nada mais podiam fazer a não ser esperar,
observar e enviar as imagens à Terra. O planeta-sol prosseguia,
inexoravelmente, na sua trajetória de morte.
Os cálculos indicavam que, dentro de poucos dias, a enorme bola
de fogo iria atingir Marte. E então, tudo que a civilização humana
havia construído neste planeta seria destruído numa fração de
segundos. E nem era preciso que houvesse uma colisão — bastava que
o monstro chamejante passasse a trinta mil quilômetros de distância
do planeta vermelho para que este fosse estraçalhado por um
gigantesco abalo tectônico. Dias após, o mesmo destino alcançaria a
Terra e Vênus, já que os três planetas se encontravam numa só linha
em relação ao curso do implacável destruidor. Ainda faltavam 239
horas...

***
A reunião estava se realizando sob o signo da indisfarçada ameaça.
Com base nos dados fornecidos pela Central de Computação, havia se
marcado um traço no interior da projeção tridimensional; um dos
pontos extremos aproximava-se do centro da esfera espacial: da Terra.
Os representantes de todas organizações que tinham algum vínculo
com a navegação espacial estavam sentados em volta da mesa de
conferência. A voz incisiva de Kublai-Krim fez-se ouvir:
— Comandante McLane! O senhor afirmou que não viu o planeta,
ou a Nova. Isto corresponde aos fatos?
Cliff encolheu os ombros e respondeu:
— Nem Tamara Jagellovsk, nem eu e menos ainda a minha equipe
ou os instrumentos notamos algo de incomum ou captamos o mais
leve sinal. Por que razão não acredita no que digo?
Um astrônomo, que exercia a função de consultor junto à
Comissão de Defesa, levantou a mão e interrompeu Kublai-Krim com
um gesto brusco.
— Nem o comandante McLane nem outra nave qualquer, que não
se encontrasse, casualmente, no setor Um/Sul 008 poderia ter visto
essa Nova. Foi avistada há exatamente trinta e seis horas pela nave
Hydra. Não falta um único sol sequer nesta região do espaço. Isto nós
verificamos em todos os catálogos existentes.
— E isso leva a que conclusão? — perguntou Kublai-Krim.
Com a empáfia que, em todos os tempos, caracterizou o tratamento
dispensado pelos cientistas aos leigos, o astrônomo respondeu:
— Somente uma estrela pode se transformar em uma Nova.
Acontece, porém, que até uma distância de quatrocentos e cinqüenta
parsec não há um único sol nesta região que tivesse mudado de
posição. Afinal de contas, essas estrelas já permanecem nos seus
lugares há alguns milhões de anos. O que aconteceu foi que
arranjaram um outro planeta e o colocaram lá. Eis a solução do
enigma!
— Outro planeta!... Arranjar um planeta!... Simplesmente
arranjar...! — Sir Arthur gemeu.
— Isso mesmo! — confirmou o astrônomo. — Sem que os nossos
aparelhos de busca o percebessem, os estranhos colocaram um outro
planeta naquele ponto. E um planeta com um diâmetro duas vezes
maior que o da Terra e cuja existência nenhum instrumento acusou...
Não me perguntem como o fizeram; se o empurraram ou puxaram, se
o tiraram à força da sua órbita e, depois, o aceleraram... Eu não sei.
Nenhum de nós sabe. E, em seguida, desencadearam uma reação
atômica que transformou o corpo inteiro em energia pura. Mas, antes
da Hydra, ninguém conseguiu ver o planeta chamejante. Suponho que
não duvidam da minha competência.
Sir Arthur e Kublai-Krim sacudiram a cabeça, mudos.
— Neste caso — prosseguiu o astrônomo — o comandante
McLane deixa de ser suspeito!
O coronel Villa meteu-se na conversa.
— Os registros no livro de bordo e o tacógrafo foram
cuidadosamente analisados. Fizemos o mesmo nas naves de outros
comandantes e nenhum desses homens viu coisa alguma dessa Nova.
E eu não creio que haja um único tripulante em toda a esquadra
terrana que, descobrindo um planeta incandescente, não comunique o
fato imediatamente.
Villa sentou-se e viu o olhar agradecido de Cliff.
Uma infinidade de fotos, diagramas, mapas astronômicos, blocos
de apontamentos e canetas estavam esparramados pela mesa. Os
videofones, ligados, comunicavam os homens com seus gabinetes e
seus secretários. Com o enorme torso inclinado por cima da mesa, o
marechal Wamsler parecia um Buda negro. Estava pensando e os seus
olhos não paravam, analisando as imagens coloridas que estavam
sendo projetadas sobre telas na extensa parede em frente à mesa. E em
todas elas aparecia a mesma coisa: o planeta em chamas.
Tamara estava sentada ao lado de Cliff. Durante o vôo, Cliff havia
lhe explicado porque o mistério parecia tão insolúvel. Agora ela sabia
qual era a diferença entre uma Nova, uma Supernova e um planeta que
ardia. Conhecia, também, o perigo que ameaçava a humanidade. A
voz de Wamsler soava como um trovão distante.
— As nossas intenções eram as melhores possíveis e, até certo
ponto, ainda são válidas. Queríamos tentar estabelecer contatos
amistosos com os estranhos. Tudo indica que eles sabem disso, por
absurdo que possa parecer. Agora, porém, estou convencido de que
eles não têm a menor intenção de manter relações amigáveis com a
Terra. Meu amigo, o coronel Villa, sabe do que estou falando. E,
tenho certeza de que também vai aconselhar a adoção de uma atitude
mais enérgica. Afinal, não se pode considerar planetas em chamas
como saudações intergaláticas. Porém, antes de pensarmos em
vingança, retaliação ou coisa que o valha, precisamos descobrir, e já,
um meio de eliminar o perigo que nos ameaça.
Kublai-Krim fez um aceno de aprovação.
O representante do governo terrano pediu a palavra. Von
Wennerstein era um homenzinho magro, com o corpo de um
adolescente espichado. Um solitário tufo de cabelo grisalho,
cuidadosamente penteado, adornava-lhe a testa calva.
— Não vamos perder tempo com discussões infrutíferas a respeito
da competência deste ou daquele! — disse, quase gritando. — Nossas
preocupações imediatas são de outra natureza. Que vai acontecer,
afinal? Alguma coisa precisa ser feita!
Kublai-Krim largou o punho sobre a mesa.
— Fala como um principiante, Wennerstein! — disse,
asperamente. — É claro que precisamos fazer algo. Mas, o quê,
homem! Até hoje ainda não lutei contra um planeta!
O sangue começou a afluir ao rosto de Wennerstein. Largou o
bloco de apontamentos sobre a mesa e disse:
— O que não podemos é ficar sentados, discutindo, e esperar pela
hora do grande estouro! O governo aguarda, com urgência, as
sugestões do Serviço Secreto e da Suprema Comissão Espacial, sem
falar nos planos das Forças Armadas Espaciais! Villa pigarreou,
sarcástico.
— O governo aguarda estas sugestões com a máxima urgência! —
repetiu Wennerstein. — Com urgência urgentíssima, se me fiz
entender!
Sir Arthur levantou as sobrancelhas e respondeu:
— Até parece que o senhor acredita poder eliminar uma ameaça
cósmica de tais proporções com meia dúzia de tiros de uma pistola
energética! Infelizmente a nossa técnica ainda não atingiu este ponto
de evolução!
Wennerstein deu um sorriso e respondeu, com um ar de
superioridade:
— O seu negócio, meus senhores, é exatamente este: dar tiros e
coisas do gênero. Portanto, o problema é seu! A propósito: pelo que eu
soube, o planeta é teleguiado. E pelos extraterranos, se não me
engano. Como e quando as Forças Espaciais vão lançar um ataque ao
inimigo? Ou será que ninguém sequer cogita de um ataque?
Wamsler fez um gesto desdenhoso com a mão; McLane ia se
manifestar mas não acreditou que sua opinião pudesse ter algum peso
nessa roda. Sir Arthur virou-se para o marechal:
— De quantas naves espaciais dispõe, Wamsler?
Wamsler sabia os números de cor:
— Cinco mil seiscentas e noventa naves: das quais dez só podem
participar de missões de apoio e outras trinta foram avariadas durante
as primeiras ações contra o planeta.
— O que dá um total de cinco mil seiscentas e cinqüenta naves! —
finalizou Sir Arthur.
— E quando podem entrar em ação? — perguntou Von
Wennerstein.
— Pouco menos da metade até hoje de noite. O resto, dentro de
quatro dias, na melhor das hipóteses.
4

— ESTOU pensando seriamente... — disse McLane, voltando-se


para Tamara.
— Em fazer o quê? — perguntou Tamara, em voz baixa.
— Cair fora daqui, decolar e ver se a nossa velha e fiel Orion ainda
é capaz de umas tantas proezas!
— Atreva-se! — Tamara sorriu, com uma surpreendente expressão
de cordialidade.
— Estamos sentados aqui para quê?
Para ouvir um punhado de velhos decrépitos brigarem pelo direito
de dar o primeiro tiro? A esta altura já estaríamos longe, bem no meio
do hiperespaço!
— Tenha mais um pouco de paciência
— disse Tamara. — Não demora e você vai entrar em ação,
McLane, ou eu não conheço Wamsler. Afinal, você conseguiu tornar-
se tristemente famoso na frota.
— Está bem! — disse McLane, sufocando a raiva. — Vamos
esperar pelo que der e vier. — refestelou-se na poltrona, mas estava
possuído por uma impaciência febril.
— O que precisamos — observou Sir Arthur, num tom de voz que
todos ouviram
— é de todas as naves das bases avançadas. E precisamos delas já!
Por que isto ainda não foi providenciado?
Kublai-Krim, o comandante-em-chefe da Forças Armadas
Espaciais, não cedeu.
— Julgo de suma importância manter suficiente liberdade
operacional em torno da Terra, não me importa qual seja a decisão do
governo!
Sir Arthur esforçou-se para não perder o controle. Como
presidente da Suprema Comissão Espacial, cabia-lhe a ingrata e difícil
tarefa de conciliar os pontos de vista divergentes. Contendo, a muito
custo, a impaciência que o dominava, disse:
— O governo aguarda nossas sugestões! Todos nós ouvimos
Wennerstein dizer isso. Muito bem; a minha sugestão é a seguinte:
vamos evacuar a população da Terra! Mas... como posso providenciar
isso, se não disponho de todas as naves espaciais? Será que não
entendem isso?
O astrônomo pediu a palavra.
— Sim, fale, por favor! — disse Villa.
— Se entendi direito, os senhores pretendem levar a população
terrana, e mais os homens e mulheres da base em Marte, bem como as
guarnições em Vênus, para o planeta de Larsen? É isso mesmo? Sim,
porque, no momento, é o único que oferece possibilidade de
sobrevivência!
— Correto! — disse Wamsler. — É o que tínhamos em mente!
Von Wennerstein levantou-se, rápido. Seu dedo indicador
apontava para Sir Arthur.
— E eu crente que estivessem planejando um ataque aos
estranhos! Os senhores estão falando em evacuação?
O marechal Wamsler ergueu-se e colocou as mãos enormes sobre a
mesa. Olhou, com vagar, para os rostos tensos em seu redor e disse:
— Quanto à idéia de uma evacuação, permitam-me observar o
seguinte: mesmo que dispuséssemos de todas as cinco mil naves, só
poderíamos evacuar, no máximo, quinze por cento da população da
Terra, e isto não inclui o pessoal de Marte e Vênus. Como disse:
quinze por cento, na melhor das hipóteses. Conclusão: uma evacuação
está fora de cogitação!
A voz contundente de Wennerstein apoiou as palavras de
Wamsler:
— Perfeitamente, marechal! Não haverá evacuação. Isto, o
governo já decidiu e estou autorizado a comunicar-lhes esta decisão!
A resposta de Sir Arthur era de puro cinismo:
— Ah! Quer dizer que o governo já decidiu? É claro que isto
modifica a situação radicalmente! E então, meu mui estimado senhor
Secretário de Estado, talvez possa me dizer que diabo está fazendo o
Supremo Conselho Planetário em Kallisto, na quarta lua de Júpiter? O
governo se manda, discretamente, e deixa a população entregue à
própria sorte. É um pormenor que vou abordar, com afinco, por
ocasião das próximas eleições, eu lhe garanto!
Kublai-Krim fez um gesto indefinido e observou, com ironia:
— Os políticos sempre encontram algo para governar, mesmo que
os planetas tenham sido totalmente queimados. Estou divulgando
alguma novidade?
A perplexidade geral dominou o ambiente durante alguns minutos.
Finalmente, Von Wennerstein tentou fazer um resumo da situação:
— Isso significa, portanto, que os militares assumem uma posição
de total resignação?
— Significa coisa alguma! — explodiu Sir Arthur. — Parece que o
senhor está confundindo tudo isso com uma inofensiva escaramuça da
segunda guerra interplanetária!
— Se o governo tivesse decidido pela evacuação — respondeu
Wennerstein — não precisava ter consultado os militares. Neste caso,
estamos perdidos: assim ou assado. Isso é tudo que os senhores têm a
propor?
Com voz ferina, Villa observou:
— A retirada do Conselho Planetário para Júpiter foi, realmente,
uma ação precipitada e irrefletida. Se quisermos, podemos até
considerá-la como um ato de covardia. Mas, no fundo, essa atitude do
governo é tão incoerente quanto a pretendida transferência do Alto
Comando para Thetis.
— Por quê? — perguntou Kublai-Krim.
— Não posso garantir que essa... digamos, transferência, das mais
altas autoridades permaneça em sigilo.
— Quer dizer que, se isso transparecer, vai estourar o pânico entre
a população, Villa? — perguntou Wennerstein, alarmado.
— Interpretou corretamente meu raciocínio — disse o coronel
Villa, com voz amargurada. — E o que isso significa, não preciso
explicar a nenhum dos presentes.
— O que propõe, Villa? — perguntou o Secretário de Estado.
— De maneira alguma, a catástrofe iminente deve se tornar do
conhecimento público. Além disso, temos que evitar todo e qualquer
ato que possa fornecer algum indício da existência desse perigo —
disse Villa.
McLane aproveitou a pausa que se seguiu às palavras do chefe do
SSG e fez um sinal para Wamsler.
— Sim, McLane? — perguntou o marechal.
— Quanto tempo nos sobra? — indagou McLane.
Um dos ajudantes de Villa consultou seu relógio, raciocinou por
um instante, e informou:
— Segundo os nossos cálculos, comandante, faltam ainda 235
horas. Determinamos o instante da colisão entre esse planeta e a Terra.
Deve ocorrer dentro desse prazo.
— Portanto, dentro de pouco menos de dez dias.
— Correto! É o tempo que nos separa do choque ou da passagem
do planeta rente à Terra.
— Este será apenas o último ato — disse o cientista, esgotado. —
Antes disso já não vai haver mais vida na superfície terrana. Tudo terá
sido devorado pelas chamas.
Parecia que Von Wennerstein ainda não tinha entendido a natureza
do perigo que os ameaçava.
— E qual a diferença entre essas constatações? — perguntou,
demonstrando insegurança.
O astrônomo voltou a exibir toda a empáfia:
— O planeta desloca-se em direção à Terra. Percorre uma
trajetória muito bem calculada, pois vai passar por três planetas, a
saber: Marte, Terra e Vênus. Acontece, entretanto, que esse planeta
possui um envoltório irradiante, em chamas, que se expande à razão
de quatro mil e quinhentos quilômetros por segundo. Ou seja: a capa
gasosa dessa esfera ígnea aumenta o seu diâmetro de nove mil
quilômetros a cada segundo. Isso pode significar o fim de todo o
sistema solar pois, se houver desequilíbrio entre as forças das órbitas
planetárias, o sistema se desfaz. Resta-nos o triste consolo de que
também as luas de Júpiter não vão poder sobreviver. Dentro das
condições que acabei de expor, podem imaginar o tamanho que a bola
de fogo terá, quando nos atingir, daqui a dez dias.
— Portanto, o prazo está se escoando? — perguntou Sir Arthur.
— E rapidamente! — acrescentou o astrônomo. — A distância que
nos separa do aniquilamento é de aproximadamente 383 bilhões de
quilômetros. A Terra não será atingida diretamente, vai ser
estraçalhada pelas forças gravitacionais. O mesmo destino está
reservado para Marte e Vênus.
— Não há alguma maneira de conter o avanço desse planeta? —
Wamsler estava pensando em voz alta. Procurava, desesperadamente,
uma resposta para a própria pergunta. — Se pudéssemos retardar seu
deslocamento, ou desviá-lo da sua trajetória? Uma coisinha de nada já
seria o suficiente para alterar o seu curso de tal forma que, dentro de
dez dias, passaria ao largo do sistema!
— Isso seria perfeitamente viável — disse o astrônomo.
— Como? — quis saber McLane, em voz alta.
Todos os olhos se dirigiram a ele e Tamara, que estava a seu lado.
— Se soubéssemos de que lado os estranhos estão dirigindo o
planeta!
— O senhor acredita, portanto — continuou McLane — que basta
destruir o posto de controle, ou a central de comando dos invasores
para que o sistema direcional do planeta entre em colapso fazendo
com que passe longe do nosso sistema?
— Isto é possível — respondeu o astrônomo e empurrou um
bilhete para Cliff. — Mas é altamente improvável.
— Então, precisamos descobrir o posto de controle dos estranhos!
— disse Wamsler. — É a nossa única chance!
McLane estudou o bilhete, cheio de cálculos e diagramas
esquemáticos. Começou a raciocinar febrilmente. Precisaria de
algumas coisas: seria necessário captar as ondas radiofônicas dos
estranhos; Atan se incumbiria disso. Mas isto não bastaria; Atan teria
necessidade de um colaborador em outra nave para descobrir essas
ondas de um outro ângulo. Então, por meio de uma triangulação
trigonométrica, poderiam localizar a central de comando. Depois, um
ataque... Mas isto já seria um problema secundário.
— Não! De forma alguma!
Sir Arthur fez a objeção com voz alta e autoritária. Tinha se
levantado e estava apontando para uma das projeções estelares na
parede.
— Não posso assumir a responsabilidade de despachar todas as
naves numa operação de busca aos estranhos sem ter a menor noção
de onde se encontra a maldita estação de controle. Pode estar em
algum ponto da nossa esfera espacial; não o sabemos. E não temos
certeza alguma de que podemos destruir este posto de controle. Posso
refrescar-lhes a memória? Pois bem; graças a intervenção decidida dos
homens de McLane, nos apoderamos daquelas naves em MZ 4. E a
que ponto chegaram, até agora, os nossos técnicos nas suas tentativas
insanas de decifrar a misteriosa técnica dos extraterranos? Não houve
progresso digno de nota. Continuam tateando no escuro. Portanto,
mesmo se descobrirmos a estação de controle, a tentativa de destruí-la
não passa de puro diletantismo. Isto não é estratégia!
— Essa também não é uma guerra normal! — observou Villa,
baixinho.
— Ainda existe a possibilidade, ao menos teórica, de tentar
destruir o planeta com antimatéria — disse o cientista.
— Como? — perguntou McLane, demonstrando um súbito
interesse.
— A cada partícula de um átomo corresponde uma antipartícula.
Podemos determinar a natureza da radiação que emana do planeta. Se
conseguíssemos criar as respectivas antipartículas e aproximá-las uma
das outras, então se destruiriam mutuamente, numa tremenda
explosão. McLane raciocinou com rapidez.
— Se interpreto corretamente as suas fórmulas, a estruturação do
planeta corresponde à de uma estrela jovem mas, bem entendido, de
uma estrela, na qual o carbono intervém na reação termonuclear? —
os participantes da reunião começaram a prestar atenção. — Podemos,
portanto, supor que, para uma determinada temperatura na zona de
reação, um átomo de carbono-12 vai se transformar em nitrogênio-13;
um próton é capturado. Finalmente, na zona externa, irradiante, vão se
formar núcleos de hélio e de carbono-12?
— Foi isso que os nossos cálculos indicaram. Não estamos lidando
com um sol normal mas, sim, com um processo artificial, comandante
— disse o cientista, parecendo satisfeito em poder discutir o assunto
com um especialista.
— Nesse caso, peço-lhe que calcule os valores com os quais
podemos enfrentar hidrogênio a temperaturas entre 4500 e 5000 graus
Kelvin. Após a minha partida, pode entrar em contato comigo através
da Estação Avançada-IV. Está bem assim?
O cientista acenou. Tinha compreendido o plano que Cliff tinha
em mente e sabia, também, como McLane tencionava realizá-lo. A
rapidíssima expansão do hidrogênio em combustão tornava muito
difícil qualquer avaliação do momento exato, em que se efetuaria a
reação. E isto era ainda agravado pelo fato de que todos os processos
se realizariam naquela velocidade enorme com que o planeta,
juntamente com as naves que o acompanhavam, estava se lançando
em direção a Terra. Mesmo que o planeta errante explodisse ou se
dissolvesse ainda podia constituir-se numa ameaça para alguns
planetas.
— Então, chegou a hora de nos decidirmos por um plano ou outro
— disse Villa. — Meu voto é a favor de uma tentativa. Uma tentativa
de descobrir e destruir o posto de controle.
Alguns dos presentes mostraram-se de acordo com a proposição.
Villa dirigiu-se a Sir Arthur:
— Não temos outra alternativa. Peço-lhe que concorde.
Wamsler anunciou, com sua voz grave:
— Proponho que coloquemos em marcha, sob condições especiais,
duzentas naves com a missão específica de descobrir o posto de
controle. As perspectivas de êxito desta operação parecem-me maiores
do que, no momento, talvez possamos admitir. Há uma série de fatores
imponderáveis que entram em jogo.
Sir Arthur baixou a cabeça.
— Muito bem! — disse, com voz decidida. — Pode emitir as
ordens!
— Obrigado! — disse Von Wennerstein, intrometendo-se no
debate. — Com um pouco menos de obstinação já teríamos chegado a
uma definição há muito tempo.
Wamsler levantou-se e chamou Cliff com um gesto do indicador.
— McLane, a Orion é uma das naves mais velozes que possuímos.
Vai partir imediatamente!
McLane fez uma rápida continência e acenou para o marechal.
— Só mais uma pergunta — disse, baixinho. — Ainda temos
contato com a Hydra?
Wamsler encolheu os largos ombros.
— Não temos, não! — disse, suspirando. — Depois que
recebemos a última série de radiofotos, o contato rompeu-se de vez.
Tentamos tudo, mas talvez a antena tenha se derretido. Ou, o que é
mais provável, a tripulação está morta.
McLane conseguiu manter-se calmo.
— Quer dizer que já riscou a tripulação da Hydra do rol dos vivos?
— Infelizmente, sim! — disse Wamsler. — Agora venha! A
senhorita também, Tenente Jagellovsk.
Utilizando o rádio de pulso, McLane convocou a sua equipe. Meia
hora depois estavam todos reunidos e, munidos de uma autorização
especial de Wamsler, fizeram carregar a Orion com uma série de
aparelhos e ferramentas de aspecto incomum. Finalmente, estavam
todos a bordo.
— Muito bem! — disse McLane. — O negócio é diabólico, mas a
Orion vai vencer mais esta parada. Trabalhe direitinho, Mario!
Mario de Monti já estava tratando da programação do curso.
Durante a maior parte da missão, teriam que voar no espaço normal e
com os controles manuais. Helga foi a última a ocupar seu lugar; uma
jovem esbelta, de cabelos negros e vinte e quatro anos de idade.
Carregava um fardo pesado sobre os ombros estreitos: cabia a ela
tentar captar as ondas utilizadas pelos estranhos.
— Tudo pronto? — perguntou Cliff pelo microfone.
Já estavam todos amarrados nas largas poltronas, com os dedos
pousados sobre os teclados dos instrumentos.
— De comandante para livro de bordo — disse Cliff. — Vamos
decolar. Hora: meia-noite.
Receberam a autorização e a estação avançada assumiu o controle.
Mais uma vez apareceu o gigantesco redemoinho no golfo de
Carpentaria — e outra vez, as ondas se erguiam. O diafragma protetor
do enorme cilindro de aço abriu-se e a Orion VII elevou-se em
posição horizontal partindo velozmente em direção às estrelas. Seu
alvo: Um/Sul 008.
Nas telas apareciam os últimos véus da atmosfera luminescente da
Terra; depois, as estrelas emergiram da escuridão da noite. A nave
começou a descrever uma curva e acelerava incessantemente.
— Como pretende agir, comandante? — perguntou Tamara.
— Primeiro, vou tentar localizar aquela estação de controle com o
auxílio de outras naves. Se formos bem sucedidos, vamos atacar. O
SSG tem alguma objeção quanto a esse plano?
Tamara sorriu. Já tinha aprendido alguma coisa. E esta era a
segunda missão em que acompanharia o comandante McLane a bordo
da Orion VII.

***
Tinha chegado a vez dos geradores antigravitacionais. Entraram
em colapso. A imponderabilidade artificial a bordo da Hydra deixou
de existir e os três tripulantes na cabine de controle semidestruída
começaram a escorregar pelo piso agora transformado em parede com
inclinação de noventa graus. Tinha cessado a perfeita ilusão que o
campo de gravitação artificial no interior da nave vinha transmitindo
aos ocupantes, permitindo-lhes ocupar qualquer posição com a
sensação de estarem com os pés no chão. A Hydra e sua tripulação
estavam, novamente, sujeitos à ação do campo gravitacional externo.
O transmissor hiperradiofônico estava em operação, mas não
funcionava a contento. Ninguém conseguia descobrir o defeito,
ninguém sabia por que a Hydra nada ouvia e nada podia emitir. Havia
um vago pressentimento a bordo que também a última mensagem não
tinha alcançado a Terra; aquela mensagem com o relato da descoberta
dos estranhos...
Inúmeros instrumentos estavam quebrados.
— General van Dyke?
Lydia girou sua poltrona com esforço; estava esgotada. Todos três
já vestiam os trajes espaciais.
— Descobriu alguma coisa?
Morris apontou para a tubulação da instalação renovadora de ar.
— Descobri, sim. O casco foi avariado em alguns pontos; por
causa disso houve o rompimento de quatro condutores e a conseqüente
destruição de quatro tanques. O oxigênio escapou, só que para o
cosmos, não para dentro da nave.
— Verificou os manômetros?
— O suprimento dá para oitenta e duas horas. Mas temos uma
certa reserva a bordo. Como último recurso, dispomos das baterias dos
trajes espaciais.
Morris aproximou-se lentamente e observou as escalas coloridas
do transmissor inútil. Depois, olhou para Lydia van Dyke que estava
encolhida na sua poltrona semi-inclinada.
— O que está fazendo? — perguntou Morris.
— Estou tentando determinar a nossa posição — respondeu Lydia,
fazendo algumas anotações num mapa astronômico.
Ao menos a iluminação de emergência ainda estava funcionando,
criando ilhas de luz no meio da escuridão da cabine.
— É muito bom quando a gente pode se ocupar com alguma coisa
— disse Morris. O astronavegador havia espalhado as peças
componentes do comando manual e começou a examiná-las à procura
de algum defeito. Ao fim de alguns minutos, levantou o olhar e
estendeu os braços.
— Estou em condições de consertar tudo — disse, com resignação
— mas, de que adianta isso, se a cada minuto descobrimos novas
avarias na nave?
O telegrafista encolheu os ombros. A Hydra ainda pairava em
algum lugar do hiperespaço. Ninguém sabia quando e em que ponto
podiam sair desse meio. As máquinas estavam desligadas, o nível da
energia caía constantemente. E o fato de conhecerem o terrível perigo
que ameaçava todo o sistema solar tornava a situação mais
desesperadora.
— Não podemos abandonar a Hydra com auxílio de uma das
Lancet e retornar ao espaço normal? — perguntou Lydia van Dyke.
— Não! — respondeu Morris, laconicamente, e caminhou a passos
curtos pelo convés inclinado até que pôde agarrar-se na escora que
prendia o chassis do transmissor ao teto da cabine.
— O que houve? — perguntou o astro-navegador. Morris fez um
gesto com a mão, pedindo silêncio. Um pequeno sinal luminoso
piscava em intervalos irregulares. Era um indício que ondas
radiofônicas estavam alcançando a Hydra. Morris girou o botão de um
amplificador e ligou os alto-falantes.
— General! — disse, com um tom de esperança na voz. —
Impulsos!
Lydia levantou-se e, escorregando em cacos de vidro, cambaleou
até o transmissor, agarrando-se ao braço de Morris para não cair. O
astronavegador juntou-se a eles; trazia um complicado aparelho de
teste nas mãos sujas.
— É a Estação Avançada-IV? — perguntou Lydia.
— Não é, não!
Ruídos emanavam dos alto-falantes; impulsos duros em altas
freqüências. Os sinais eram transmitidos em grupos de três, os
intervalos entre os grupos e entre os próprios impulsos eram variáveis.
— Que barulheira mais esquisita! — exclamou Morris. —
Escutem só...!
Lydia van Dyke e o astronavegador ouviam em silêncio e
aproximaram a cabeça dos alto-falantes. Os estranhos sinais
martelavam o silêncio da cabine destruída como chuva de granizo. O
telegrafista girou o botão do volume; os sinais tornaram-se mais
intensos e mais ameaçadores.
— Não — disse Lydia — não são sinais de um transmissor
terrano. Isto aí são os impulsos dos inimigos! Morris, quer tentar
localizar a emissora deles?
— Provavelmente não está no hiperespaço — respondeu Morris.
— Se esses forem os sinais com os quais dirigem o maldito planeta,
então a emissora não pode estar no hiperespaço; vou tentar localizá-la,
general!
— Por favor! — disse Lydia.
Morris sentou-se e puxou o pequeno computador para perto, ligou
a alimentação de emergência e a máquina começou a funcionar,
emitindo um débil matraquear. Morris estava mais do que descrente.
Ainda faltavam duzentos e trinta e uma horas...
5

COM um estalo quase inaudível, os algarismos saltavam através


de uma das pequenas telas acima do painel de controle do
comandante. Dentro de 300 horas — pouco mais de onze dias — o
planeta teria percorrido a distância que separava a Terra do ponto onde
a Hydra o havia descoberto. Trezentas horas... progredindo à razão de
150 mil quilômetros por segundo... uma hora equivalia a 3600
segundos... portanto,... 1080...
— O que significa este número? — perguntou Tamara, que estava
ao lado de Cliff e acompanhava, atentamente, os cálculos que o
comandante fazia.
— É a distância, em unidades astronômicas, a que se encontrava o
planeta chamejante quando Lydia van Dyke o descobriu.
— Sim, mas que tem isto a ver com a Orion?
— No espaço de uma hora, o planeta percorre 3,6 unidades
astronômicas; unidade astronômica é a distância entre a Terra e o Sol
do nosso sistema.
— Corresponde a quantos quilômetros? — perguntou Tamara.
— A cerca de 150 milhões de quilômetros; mais precisamente, a
149.596.850 quilômetros...
Os propulsores funcionavam perfeitamente, emitindo seu zumbido
característico. A Orion lançava-se em direção ao planeta que, vindo
aproximadamente do sul, se dirigia à Terra. Só umas poucas horas
ainda os separavam do corpo sinistro. Shubashi estava martelando o
teclado da unidade de entrada do computador de bordo.
— Esses grupos de impulsos que Helga está captando —
perguntou Tamara — será que não são os pedidos de socorro da
Hydra, meio truncados?
Cliff sacudiu a cabeça e desligou as pequenas telas.
— Não são, não! — disse. — Por certo não são sinais terranos.
Neste momento, Atan está alimentando o computador com os grupos
de impulsos e vai tentar estabelecer um programa para o elemento
aritmético. Talvez consigamos decifrar o significado do código dessa
maneira; nem que seja parcialmente.
— Impulsos dos extraterranos? — conjeturou Tamara. — Então
esses estranhos devem dispor de amplificadores de campo
tremendamente possantes, comandante.
Na tela circular diante de Cliff estava a imagem da constelação dos
Cães de Caça; em frente à névoa nos fundos, apareceu um pequeno
ponto luminoso. A uma distância de oitocentos e vinte e oito unidades
astronômicas, as energias do sol artificial, da Nova, realizavam a sua
dança macabra no cosmos.
— E por que acha que eles não dispõem de tais aparelhos? —
respondeu Cliff. — Seres que conseguem arrancar um planeta de sua
órbita e depois ainda o aceleram e dirigem para onde querem devem
poder realizar outras coisas que nem imaginamos. Foram até capazes
de transformar a matéria do planeta em hidrogênio incandescente com
uma temperatura de 5 mil graus Kelvin!
— Nesse caso — disse Mario, sentado em frente ao teclado do
computador — não tenho dúvidas de que podemos esperar mais uma
meia dúzia de surpresas por parte dos nossos amigos!
Cliff acenou com a cabeça, depois, disse:
— Quando estivermos nas proximidades da Nova, vamos nos
meter nos trajes espaciais, mas sem os capacetes. Esses, nós
colocamos num instante, se for preciso.
— Entendido!
Helga Legrelle diminuiu o volume dos sinais dos estranhos. Ela e
Atan já tinham conseguido determinar um ponto de referência, mas
ainda faltava o outro. Girou o seu assento e perguntou:
— Cliff, você acha que eles vão nos atacar?
Cliff balançou enfaticamente a cabeça.
— Estou convencido disso. Caso cheguemos perto demais para o
gosto deles.
Cliff ficou observando o misterioso planeta durante mais alguns
segundos. Depois, virou-se para o astronavegador.
— Conseguiu fazer o programa? Sem se virar, Shubashi
respondeu:
— Espere mais um momentinho! Esse negócio não é tão simples
assim, Cliff! Dispomos de poucos valores de comparação para esses
sinais.
Mario de Monti olhou para Cliff e Tamara.
— E se nos atacam...? — perguntou, meio inseguro.
— Temos que nos antecipar a eles — respondeu McLane. — Com
tudo de que dispomos. Começaremos com as armas de longa
distância. Quanto mais perto deles chegarmos, tanto maior número de
armas empregaremos. Só que eu não sei se vai dar certo.
De Monti engoliu em seco.
— O plano não é ruim. Mas o que vamos fazer se eles realmente
são os gênios técnicos que tudo leva a crer que são?
— Na hora, alguma coisa vai nos ocorrer, Mario. Lembre-se, até
hoje sempre tivemos alguma inspiração. Afinal, não é à toa que a
imaginação da equipe da Orion é tão respeitada, não é mesmo,
camarada Jagellovsk?
Tamara manteve-se impassível.
— Chamando-me de "camarada", McLane, provavelmente acredita
ter expressado o máximo em matéria de charme astronáutico, não é?
Quanto à sua pergunta, sei perfeitamente com que letras garrafais se
escreve a palavra imaginação a bordo desta nave!
— Quer dizer que você não tem certeza quanto ao desenrolar desse
encontro, Cliff? — perguntou De Monti.
Cliff sacudiu a cabeça.
— Pretendo aguardar a evolução da situação, que vai nos mostrar
logo o que podemos fazer. As máquinas estão funcionando direito?
O rosto de Hasso estava nas telas dos videofones. Exibiu um largo
sorriso e anunciou, com calma exagerada:
— Estão perfeitas. O sujeito encarregado da manutenção deve ser
um gênio... E ainda dispomos de reservas na ordem de quarenta por
cento!
Cliff arreganhou os dentes num riso malicioso:
— Ótimo!
Atan virou-se, de repente, e disse, meio afobado:
— Cliff... rápido!
McLane reagiu prontamente.
— O que é?
— São os estranhos mesmo. Consegui decifrar a maioria dos
significados pelo computador!
Em três tempos, Cliff ligou o canal de saída do computador digital
a dois dos pequenos alto-falantes acima da tela de imagens. Fortes
pancadas sonoras invadiram a cabine, logo substituídas por estalidos
curtos e agudos. Eram os impulsos decifrados de um código de sinais
que os astronautas utilizavam.
— Isto aí — disse Helga — são os sinais de aparelhos de busca.
As leituras mudam a toda hora.
Cliff já estava calculando os valores correspondentes e registrou-
os no teclado do computador. Tudo se resumia aos dados referentes a
distância, cada vez menor, de um objeto móvel. E este objeto podia ser
tanto o planeta, quanto a Orion...
Outros impulsos tornaram-se audíveis e visíveis.
Formando determinados ângulos entre si, uma série de traços e
circunferências começou a aparecer nas pequenas telas negras. Não
mantinham a posição inicial, mas deslocavam-se constantemente uns
em relação aos outros.
— E isto aí que vocês estão vendo — disse Cliff, com voz dura. —
São as complicadas projeções tridimensionais de um curso. Para ser
mais preciso, do nosso curso!
— Vou checar o nosso, só para efeito de verificação. — disse
Helga e voltou à sua mesa. Rápido, Mario estendeu três mapas
astronômicos cobertos de linhas e valores de referência na frente da
telegrafista que agradeceu e começou a anotar dados.
— Quer dizer que nos descobriram e estão calculando o nosso
curso — constatou Tamara, e apontou para duas longas faixas
luminosas, superpostas, nas quais algarismos eram separados por
sinais de pontuação e símbolos matemáticos. — E aqui está a prova:
as duas linhas são idênticas. O nosso cálculo e o dos estranhos!
— Já calculei a distância — anunciou Helga. — Cem unidades
astronômicas.
— Portanto eles vem seguindo o planeta de perto — disse De
Monti —já que ele está a noventa UA de nós. E nós nos aproximamos
cada vez mais!
— Agora eu só preciso de mais um ponto de referência no espaço
para determinar as coordenadas exatas — lamentou-se Helga.
Durante alguns segundos, os membros da tripulação mantiveram-
se em silêncio. Depois, McLane deu um soco no encosto da sua
poltrona e rosnou, com raiva:
— E onde é que eu vou arranjar outro ponto de referência?
Alguém sabe?
Ninguém respondeu. Helga sugeriu:
— Quer que chame uma das naves que acompanham o planeta?
— Mais tarde, sim! — disse McLane, em tom sombrio. —
Precisamos descobrir essa estação de controle. E como eu conheço os
meus colegas comandantes, eles devem estar muito ocupados,
tentando destruir o planeta. Não têm tempo para recalibrar seus
transmissores.
Mario insistiu:
— E como é que vamos destruir uma estação emissora, se não
temos nem noção das suas coordenadas?
Finalmente, Atan se manifestou:
— Das duas uma: ou uma das naves está correndo atrás do planeta,
ou um minúsculo asteróide está se deslocando na sombra radiofônica
do brutamontes.
Uma distância de noventa unidades astronômicas até o planeta. E
um prazo de duzentas e trinta horas...

***
Um poliedro de rocha negra destacava-se na escuridão da noite do
universo pela fraca iluminação que recebia de uma esfera em brasas a
dez unidades astronômicas de distância... Um bilhão e meio de
quilômetros terranos...
Nove saliências, em forma de cúpulas, erguiam-se de outras tantas
facetas desse corpo de muitas arestas que seguia o planeta
artificialmente incandescido e o dirigia com mão de ferro. Gigante e
anão lançavam-se em direção ao sistema da Terra com uma
velocidade de cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo. Os
sistemas propulsores já tinham sido desligados...
Nove cúpulas... Seu diâmetro media, no máximo, dez metros. Por
cima delas, uma antena parabólica de forma bizarra. Parecia uma flor
metálica provinda de um mundo que olhos humanos jamais
avistariam. Havia luz por trás das abóbadas. Difusas formas azuladas
permeadas de saltitantes impulsos cor de laranja. E ninguém via esta
estação de controle...
Uma vida estranha pulsava no interior do asteróide. Havia sido
capturado para servir de posto de comando e. de lá, os invasores
dirigiam o avanço de sua imensa e devastadora arma. Após o fracasso
da primeira tentativa de abrir uma brecha no cinturão do domínio da
Terra, iniciaram esta nova operação que tinha um só objetivo: eliminar
toda e qualquer resistência e conquistar a esfera espacial terrana. A
infiltração silenciosa em MZ 4 tinha resultado em derrota; agora,
aplicariam a violência.
O asteróide era uma mostra impressionante da técnica daqueles
invasores implacáveis. No seu interior... Numa parede de fraca
autoluminescência estava a projeção bidimensional de um sistema.
Um sol central e nove órbitas planetárias. E três pontos luminosos que
representavam as posições de outros tantos planetas. Se não se levasse
em consideração o centro absoluto do sistema, os três pontos eram
colineares. O traço do curso interceptava duas das órbitas e
tangenciava a terceira. Marte... Terra... Vênus...
A continuação do traço passava ao largo da órbita de Mercúrio e
do Sol e penetrava no espaço interplanetário onde terminava sem
transição. Na frente desse mapa, em toda extensão da sala, havia um
painel de instrumentos e quatro dos estranhos estavam manipulando
os controles...
Seres esbeltos, elásticos, feitos de uma substância leitosa,
transparente e nervurada por veios negros que pulsavam
incessantemente. As cabeças redondas estavam enfiadas em capacetes
que consistiam de uma malha de fios metálicos, coberta por finos
retângulos prateados e eram encimados por uma antena que irradiava
uma ofuscante luminosidade.
Uma segunda projeção encerrava, em escala fortemente reduzida,
o sistema planetário da Terra. Um ponto amarelado deslocava-se,
lentamente, ao longo de uma fina linha: o planeta chamejante. E em
torno desse ponto vagueavam minúsculos pontos luminosos: as naves
espaciais terranas. Mas havia um outro ponto luminoso nessa
projeção. Este movia-se paralelamente àquela reta da destruição, em
direção ao asteróide que seguia o seu escravo flamejante a uma
distância de dez unidades astronômicas. Era a Orion VII.
Grupos ternários de sons estridentes e trancados enchiam o interior
do asteróide com um martelar frenético. Os estranhos deviam se
comunicar por ondas radiofônicas ou alguma onda sonora fora da
faixa dos 40 aos 16000 Hertz. Seu metabolismo era capaz de
armazenar substâncias vitais por longos períodos de tempo, o que os
tornava ainda mais invulneráveis.
O volume das seqüências de sons aumentou de súbito. Talvez
estivessem recebendo uma mensagem... Um dispositivo circular
deslocou-se sobre a projeção e acabou por emoldurar o minúsculo
ponto que se deslocava ao lado da trajetória do planeta: o objeto veloz
havia sido localizado. E a insistência com que se aproximava do
asteróide não deixava dúvidas quanto às suas intenções hostis. Pontos
luminosos começaram a se deslocar sobre as telas, rastejando em
direção ao objeto. A Orion estava sendo cercada...
Uma flagrante inquietação apoderou-se dos cem extraterranos. As
antenas tremiam nervosamente no alto dos estranhos capacetes. Um
adversário decidido havia aparecido no campo de batalha.

***
Apenas dez unidades astronômicas ainda separavam a Orion do
planeta errante. A gigantesca bola de fogo expandia-se no espaço,
aumentando o seu diâmetro à razão de 9 mil quilômetros por segundo
e transformava hidrogênio em chamas com uma temperatura de 5 mil
graus Kelvin. Encolhido na sua poltrona, Cliff observava,
atentamente, o fulgurante espetáculo na tela à sua frente.
— Estamos cada vez mais perto, Cliff — disse o astronavegador.
— E, se não me engano, a estação de controle deles está na esteira do
colosso; visto daqui, é claro! — os olhos de Atan fuzilavam.
— Que armas empregamos primeiro? — perguntou De Monti.
— Os lançadores de energia. Apronte-os, sim?
— Entendido!
Mario levantou-se e atravessou a cabine de comando a caminho do
posto de combate. Observando a gigantesca bola de fogo, Cliff
começou a acreditar que a catástrofe não podia mais ser evitada. A
incontida brasa já estava encobrindo as estrelas. Bem fundo, no
interior da Nova artificial, aparecia o núcleo: o planeta primitivo.
Como a misteriosa energia necessitava de um constante suprimento de
matéria, ela consumia a crosta do planeta de fora para dentro. Helga
Legrelle tinha colocado os audiofones e girava os botões do
transmissor. Estava tentando ouvir alguma coisa na faixa das ondas
longas. De repente: palavras! Truncadas e distorcidas; pouco nítidas e
difusas. Mas indiscutivelmente proferidas por vozes humanas.
— ...sição ignorada... boiamos no hiper-espaço... Hydra...
suprimento de oxigênio... escasseando...
Helga fixou o sintonizador, acoplou os amplificadores e tentou
filtrar os ruídos da estática e da interferência do planeta. Depois, ligou
os alto-falantes.
— Aqui fala a nave espacial Hydra! — ribombava a voz pela
cabine. — Pedimos resposta!
Cliff quis saltar da poltrona, mas foi retido pelo cinto de
segurança. De um só golpe, abriu o fecho e, em um segundo, estava ao
lado de Helga, escutando.
— O general está vivo! — exclamou Helga, atônita. —
Descobrimos a Hydra!
— Ligue o registro de bordo, Atan! Novamente a voz cansada,
mas ainda enérgica, de Lydia van Dyke ressoou dos alto-falantes:
— Aqui fala a nave espacial Hydra. Estamos irradiando no
hiperespaço e esperamos que alguém possa captar o nosso pedido de
socorro. Sofremos pesadas avarias e ignoramos a nossa posição.
Solicitamos resposta imediata.
— Ligue a radiofonia hiperespacial, Helga! — disse Cliff e
agarrou o microfone.
— Pronto, chefe! — avisou Helga.
— Orion chamando nave espacial Hydra! — gritou Cliff.
Seguiu-se uma pausa, durante a qual só se ouviam os ruídos da
estática e o crepitar da irradiação do planeta em chamas. Depois, a voz
de Lydia van Dyke voltou, fraca e distorcida:
— Hydra chamando... quem respondeu, foi a Orion?
— Comandante McLane ao microfone — disse Cliff, nervoso. —
É a senhora, general van Dyke?
— Sim, sou eu. Parece que não estamos longe da Orion, se bem
que no hiperespaço. Não sabemos se nosso transmissor está com
defeito. Aparentemente, está funcionando bem. Qual a sua missão,
McLane?
— Missão de ataque, general — respondeu McLane, falando
rapidamente. — Está correndo sério perigo?
— Ainda não. Aquele... planeta está nas imediações?
Cliff virou-se, lançou um olhar para a tela circular e disse:
— Está, sim. A oito unidades astronômicas.
— Que veio fazer aqui? — a intensidade da voz aumentava para
depois decrescer de novo. A potência de emissão do transmissor
hiperradiofônico da Hydra parecia ser muito fraca.
— Estamos à cata do posto de controle do qual os estranhos estão
dirigindo o planeta.
Silêncio. Mais uma vez a cascata de ruídos do universo lançou
seus silvos e crepitações pelos alto-falantes.
— Prossiga, McLane. Ainda está falando?
— Temos ordens expressas de localizar e destruir o posto de
comando. O estado-maior acredita que aquele monstro possa passar ao
largo do sistema se deixar de ser dirigido.
— Não quero ofender os cavalheiros do estado-maior — disse
Lydia — mas parecem ter esquecido que um corpo com tamanho
impulso cinético a partir deste momento não vai mais errar o alvo.
Mesmo assim, ainda há uma chance.
— Duvido que seja tão simples assim — respondeu McLane. —
Não consegue retornar ao espaço normal?
— Por enquanto, não — disse Lydia. — Acredita que a tal estação
possa ser destruída?
— Não sei dizer, general. Sabe de uma coisa? Vou apanhar a
senhora e sua tripulação.
A voz de Lydia tornou-se gélida.
— Não vai fazer nada disso!
Tamara afiou o ouvido e aproximou-se. Helga olhava ora para
Cliff, ora para Tamara; pressentia a tormenta que iria desabar dali a
instantes. McLane insistiu:
— É claro que vou buscar todo mundo aí... Só leva alguns
segundos, não mais do que isso!
Apesar da recepção mais que deficiente, era possível ouvir que
Lydia van Dyke enrijecia a voz, francamente contrária à proposição de
McLane.
— Proíbo-lhe terminantemente, McLane, de preocupar-se com a
Hydra enquanto não cumprir a sua tarefa. O senhor sabe o que está em
jogo?
McLane não deu resposta. Tamara Jagellovsk parou a um passo do
comandante e disse, em tom severo:
— McLane!
Uma advertência clara e inconfundível. Após alguns segundos,
McLane chamou novamente:
— General van Dyke?
Antes que McLane pudesse proferir outra palavra, Lydia van Dyke
disse:
— Se o estado-maior estiver certo nas suas suposições, então a
única chance de sobrevivência do sistema reside no êxito da sua
missão, McLane. Ou será que isto não entra nessa sua cabeça teimosa?
Contrafeito, McLane respondeu:
— Entendi, sim, general.
A Orion aproximava-se cada vez mais do planeta. Seu aspecto era
aterrador. A incandescência igualava-se à da capa de uma estrela do
tipo G, irradiando uma ofuscante claridade amarela, ligeiramente
alaranjada. Um planeta em brasas...

***
Hiperespaço, eterna penumbra. A nave adernava fortemente. A
instalação antigravitacional estava defeituosa e gerou um campo mais
intenso e, depois, entrou, repentinamente, em colapso. Em
conseqüência disso, todos os objetos tornaram-se, de súbito, mais
pesados e os homens torciam-se nos seus assentos. Um único
movimento irrefletido os levaria até o teto da cabine. Ofegante, Lydia
van Dyke desabou sobre a mesa do transmissor.
— McLane! — sussurrou com dificuldade, os lábios quase colados
ao microfone. — Tem que destruir aquela estação de controle de
qualquer jeito. Não tem um segundo a perder. Com toda certeza está
sendo rastreado por eles!
A voz de McLane ressoou nos maltratados alto-falantes da Hydra.
— Eu sei. Já determinei a distância, mas preciso de um outro
ponto de referência. Ninguém sabe onde essa maldita estação se
encontra. É impossível vasculhar todo o trajeto!
— Escute, McLane... — disse Lydia. — A intensidade do campo
gravitacional começou a baixar — e Lydia agarrou-se no painel. — Eu
também captei aqueles sinais, são audíveis mesmo no hiperespaço.
Vou lhe dar as coordenadas.
— Formidável! — berrou McLane.
O oficial da Vigilância Espacial ergueu-se, desajeitadamente, da
sua poltrona e apanhou a larga fita na qual estavam anotadas as
coordenadas. Depois cambaleou até a mesa do transmissor e estendeu
a fita em frente ao microfone de Lydia.
— Atenção, McLane! — disse van Dyke. — Está pronto?
— Estamos ouvindo! — confirmou McLane. — O gravador está
ligado. — Pode falar!
Uma onda de esperança invadiu a mente de Lydia. Talvez McLane
pudesse destruir o posto de controle dos estranhos e depois salvar a
tripulação da Hydra...
Lydia respirou profundamente. Seus pulmões doíam. Depois, com
voz clara e pausada, começou a ler as colunas de algarismos. Mais um
impacto gravitacional abalou a nave. Lydia foi arrancada da mesa do
transmissor e atirada ao piso. Vidros estalaram e ruídos indefiníveis
vieram de vários pontos na parte inferior do disco. Parecia que o fim
da Hydra era iminente.
***
— Atenção, Atan! — avisou Cliff. — Capriche nessa gravação!
Atan acenou com a cabeça sem desviar os olhos dos instrumentos.
Seus dedos estavam prontos para mexer nos comandos e reguladores.
— Não há necessidade de código — disse a voz distorcida de
Lydia van Dyke nos alto-falantes. — Calculamos o atraso que os
impulsos sofrem no hiperespaço. Atenção que vou dar as coordenadas:
Cubo Um/Sul 008. Quatro M elevado a sete... barra 196... oito gama
vírgula dois... Entenderam? Orion, responda...
Notaram que a energia da Hydra esvaía-se rapidamente. Os dois
pequenos tambores na mesa de Atan giravam lentamente. O
astronavegador controlava o nível de registro dos débeis impulsos que
Lydia ainda conseguia transmitir. Sua voz tornava-se cada vez mais
baixa e distante.
— McLane?... Está me ouvindo?... Minha ordem expressa... atacar
imediatamente... posto... controle... inimigo...
— Primeiro eu vou salvá-los, general! — gritou McLane.
Neste instante, a comunicação com a Hydra foi interrompida. Por
alguns segundos, McLane ficou parado, imóvel, absorto num
profundo pensamento. Depois, entregou o microfone a Helga e
dirigiu-se à sua mesa. Sentou-se e girou uma pequena chave até o
batente.
— Hasso! — chamou, com voz decidida. Olhou para o rosto do
engenheiro na
tela do videofone e ordenou:
— Propulsores com carga total. Aprontar para salto no
hiperespaço. Ativar geradores antigravitacionais!
Tamara Jagellovsk reagiu com rapidez incrível. Agarrando-se com
a mão esquerda numa escora, girou-se em direção a McLane enquanto
a direita arrancava a pesada HM-4 do cinto. Apontando o projetor para
a peça central do painel de controle, Tamara disse, em voz baixa, mas
incisiva:
— Comandante, tente rumar para a Hydra e eu derreto a sua
instalação de comando todinha!
McLane ergueu-se, lentamente, respirando com dificuldade. Com
os olhos quase fechados, avançou para Tamara.
— Está querendo me impedir de salvar a tripulação da Hydra,
sua...
Tamara acenou, impassível.
— É exatamente o que vou fazer! — disse, em tom gélido.
— Eu vou mergulhar no hiperespaço — disse McLane por entre os
dentes cerrados
— e a senhora, tenente Jagellovsk, não vai me impedir de fazê-lo.
— Estou lhe advertindo, comandante!
— disse Tamara calmamente. — Não tenho o menor escrúpulo em
tornar realidade a minha ameaça!
McLane sacudiu a cabeça, estupefato e incrédulo.
— Ficou doida? — conseguiu sussurrar, com voz rouca.
— Doida? Eu? — respondeu Tamara. — Não, comandante, quem
ficou louco não fui eu!
Os olhos de McLane fuzilavam mas Tamara não desviou o olhar
um instante sequer. Apesar de sua raiva, McLane não pôde deixar de
admirá-la: essa moça não tinha medo, nem dele, nem de perigos reais.
Com voz controlada, perguntou:
— Faz idéia do que vai acontecer se derreter meu painel?
— Faço, sim. É suicídio puro, embora meio complicado, eu sei!
6
BAIXO, porém em tom firme, McLane advertiu:
— Não vá longe demais, tenente Jagellovsk!
Tamara encarou-o com uma expressão de indiferença. A ponta da
sua arma não se mexia. Suas palavras chegaram aos ouvidos de todos.
— Nessa altura dos acontecimentos — disse, em voz alta e clara
— não ligo a mais nada. Nada mesmo. Não ligo se morremos porque
a nave ficou sem controles ou se o planeta em chamas destruir o
sistema todo. Para mim, tanto faz que fiquemos boiando no espaço
sem saber quando e onde podemos pousar, ou quando o nosso
oxigênio vai acabar. O resultado é sempre o mesmo. Não estou mais
ligando a nada, comandante.
Uma longa pausa seguiu-se às palavras de Tamara; o clima de
tensão tornava-se insuportável. Enquanto isso, a Orion aproximava-se
cada vez mais daquela bola de fogo...
— Eu vou saber me defender, tenente — disse Cliff, em tom
ameaçador. — E eu tenho tão poucos escrúpulos quanto a senhorita!
Tamara largou a mão esquerda da escora e fez um gesto
conciliatório. Sua voz continuou calma e extremamente controlada.
— Comandante — disse, em tom que denotava decepção. — Que
o senhor é um cabeça-dura, é público e notório! Mas jamais eu poderia
sequer sonhar que o senhor fosse tão simplório, inescrupuloso e
irresponsável. Não está à altura do seu posto.
Cliff deu um passo para o lado. A arma continuou apontada para o
painel.
A luz cintilante do planeta em chamas iluminava o confronto. De
um lado, o comandante, o astronauta que queria salvar o seu superior;
do outro, a agente do Serviço de Segurança Galático, que o obrigava a
obedecer às suas ordens. Como centelhas de uma descarga invisível, o
ódio irreconciliável chispava dos seus olhos. Helga pressentia o
desfecho desse áspero diálogo. No momento, estava determinando a
posição da estação de controle dos estranhos, valendo-se dos dados já
armazenados e daqueles que Lydia havia há pouco fornecido. Não era
uma tarefa fácil, uma vez que os dois sistemas de referência estavam
em movimento: tanto a Orion quanto a estação dos inimigos.
Aproximavam-se com velocidade um pouco inferior à da luz.
— E tem a coragem de me dizer isso na cara, com a arma na mão?
— perguntou Cliff, tentando sufocar sua raiva.
Tamara respondeu, com voz amarga:
— Recebeu, claramente, uma única missão: tentar salvar a Terra e
seu sistema mediante a destruição da estação de controle. Mas não
recebeu ordem alguma de salvar a Hydra. O sistema solar vale mais
que a vida de três seres humanos. Não há opção; a escolha é óbvia!
— Mas... — começou Cliff, procurando as palavras certas.
— Enquanto estiver empenhado nessa missão, pode continuar com
seus gracejos bobos; não me atingem. Mas, de qualquer forma, leve a
sua missão a cabo. É o que eu tenho que exigir do senhor como
tenente do Serviço de Segurança Galático.
— Mas, o general van Dyke... — disse Cliff.
Tamara cortou-lhe a palavra.
— Está querendo contornar o problema, comandante. Acabamos
de determinar a posição daquele posto de controle e a sua obrigação,
agora, é destruí-lo. No momento, não tem a menor importância o que
acontece com a tripulação da Hydra.
— Mas...
Cliff estava cada vez mais na defensiva e começou a se
conscientizar disso.
— A Terra corre perigo. Não lhe resta muito tempo, comandante.
Cliff engoliu uma imprecação expressiva e baixou a cabeça.
— A propósito: pretende continuar aí, em pé, a... discutir comigo?
Porque, nesse caso, está se arriscando a ser aniquilado pelos estranhos
antes de emitir uma única ordem. É isso que quer?
Cliff cravou os olhos em Tamara; sua mente desanuviou-se.
Raciocinou por um instante e deu-se por vencido. Ela tinha razão.
— Guarde sua arma, tenente! — disse, baixinho.
— Com prazer! — respondeu. Tamara em tom normal. — Se fizer
o que pedi.
Com passos lentos, Cliff deu a volta pela sua mesa e tornou a
sentar-se. Seus dedos trabalharam mecanicamente, prendendo o cinto
de segurança.
— Já calculei as coordenadas da estação, Cliff! — disse Helga e
conectou o painel do comandante à sua mesa.
— Obrigado, garota! — disse McLane e começou a analisar os
valores. — Caramba!
— exclamou. — Só estão a doze unidades astronômicas de nós; e
dez UA atrás do planeta!
Com auxílio do comando manual, mudou o curso da nave. A Orion
não mais se dirigia diretamente àquele sol, mas passava ao largo,
longe da perigosa camada ígnea.
— Do comandante para máquinas — disse Cliff. — Tudo pronto?
— De máquinas para comandante — respondeu Hasso, com um
sorriso confiante.
— Tudo na mais perfeita ordem!
— Ótimo! Do comandante para posto de combate: pronto para
disparo dirigido?
— Tudo pronto, comandante! — respondeu Mario. — Fogo
cerrado?
— Vamos atirar até destruir a estação. Só tem uma coisa...
Precisamos, primeiro, encontrá-la!
Lembrou-se da sua guardiã, sorriu meio encabulado e perguntou:
— Está satisfeita agora?
Sem mudar de expressão, Tamara murmurou:
— Inteiramente, comandante! — e prendeu o cinto de segurança.
O capacete estava no piso, ao lado do assento.
Em constante aceleração, o disco descreveu uma curva, voltando a
se aproximar do gigantesco planeta chamejante. E algo mais apareceu
nas telas de radar.
— Vejam só isso aí! — exclamou Cliff, apontando para sua tela
circular.
Diante do fundo estrelado do universo, pairava uma minúscula lua,
um asteróide. Pouca coisa distinguia-se dentro daquele contorno
irregular. Os instrumentos determinaram a velocidade e o diâmetro do
objeto poliédrico. Todavia, segundos mais tarde, Cliff viu a grade da
antena parabólica apontada para o planeta errante.
— Aí está o nosso alvo! — exclamou Cliff e apertou uma série de
botões. Os minimotores, espalhados por toda a nave, se acenderam,
reproduzindo a imagem que se apresentava na grande tela do
comandante. Hasso e Mario também viam o bólido.
— Vou iniciar a manobra de aproximação e dar as ordens! —
avisou Cliff. — O registro de bordo está ligado?
— Ligado! — confirmou Helga Legrelle.
Os minutos passavam lentamente, enquanto Cliff mantinha
constantes a velocidade e o ângulo de ataque da Orion.
— Do comandante para todos — disse. — Espero encontrar forte
resistência.
— Anteparos protetores estabilizados — respondeu Hasso,
calmamente. Por um momento Cliff pensou em como apreciava a
presença a bordo de Hasso, sempre alerta, sempre prudente... Não
conseguia imaginar uma missão sem a companhia do amigo. Agora a
distância era de apenas uma UA. E faltavam 229 horas...
Os estranhos tinham cometido um único erro. Observaram a
mudança de curso daquela nave solitária e pressentiram, vagamente,
que representava uma ameaça muito maior que todas aquelas outras
que circulavam incessantemente em torno do planeta tentando destruir
a sua matéria. O minúsculo ponto aproximava-se cada vez mais.
Provido de um forte escudo magnético, que o deveria defender de
ataques e casuais encontros com pequenos meteoros, o asteróide-guia
não dispunha, porém, de qualquer arma ofensiva. E não conheciam as
armas do inimigo. Os estranhos tinham confiado na rapidez da sua
operação. Apesar disso a gigantesca bola de fogo continuava no seu
inexorável e mortal avanço. Ao mesmo tempo, os estranhos
trabalhavam, nervosamente, nos seus instrumentos. Reforçaram o
anteparo magnético e viram que o adversário estava cada vez mais
perto.
Crepitações e zumbidos emanavam dos incontáveis aparelhos do
bólido. Um dos seres levantou-se e dirigiu-se, com movimentos
felinos, a uma das projeções nas paredes. Efetuou uma série de
manipulações num estranho painel e mais uma vez um dispositivo
circular enquadrou o ponto luminoso que se aproximava. Neste
instante, um possante aparelho começou a emitir intermináveis
seqüências de sons, sempre em grupos de três impulsos. Um estridente
alarma ressoou pelo asteróide.
Uma expectativa febril apossou-se dos seis ocupantes da Orion.
Observavam os números constantemente alterados que indicavam a
distância, cada vez menor, entre a nave e o asteróide.
— Comandante para posto de combate — disse Cliff, em voz alta
e controlada, apesar dos nervos tensos. — Objeto claro e nítido.
Atenção, Mario!
— Alvo enquadrado! — respondeu Mario, calmamente.
O bólido deslocava-se, veloz, em linha reta; e a Orion ia
diretamente no seu encalço. Ao calcular o curso a seguir, Cliff tinha
levado em consideração uma possível manobra de desvio dos
estranhos. Colocariam em ação seus agregados? Por que não
atiravam? As objetivas da tela central já focalizavam o objeto sem
necessidade de qualquer ampliação e forneciam uma imagem nítida no
disco fosco.
— Hora H menos 20 segundos, Mario! — disse Cliff, com o olhar
cravado naquele pedaço de rocha negra que parecia se lançar em
direção à Orion.
— Grupos de lançadores Um e Dois prontos! — comunicou
Mario.
— Hasso? Daqui a dezoito segundos, ativar neutralizadores do
campo gravitacional. O curso vai seguir por uma curva um bocado
apertada ou por uma linha senoidal, ainda não sei!
— Unidades em ordem; prontas para ativação! — respondeu o
engenheiro.
— Só mais quatorze segundos!
Os dois corpos aproximavam-se num segundo um curso de
colisão. Se um deles não mudasse de direção, o choque frontal seria
inevitável. Os dedos de Mario estavam pousados sobre os botões dos
disparadores. As linhas nos dois dispositivos de mira cruzaram-se
sobre a imagem do bólido. Um silêncio irreal alastrou-se pela Orion.
Tamara mal ousava respirar.
— Mario... fogo!
Mario de Monti apertou os botões. Grossos jatos de fogo jorraram
dos dois projetores na parte superior da Orion. Os jogos giratórios dos
canhões energéticos lançaram os raios contra o bólido. Um espetáculo
pirotécnico formou-se sobre o asteróide quando seu anteparo desviou
a torrente de energia projetada pela Orion. Segundos depois, o escudo
protetor rompeu-se e uma língua de fogo penetrou pela fenda e
derreteu a possante antena parabólica. Os dois corpos enfrentavam-se
a uma distância de nove mil quilômetros, que se reduzia a cada fração
de segundo. Mario não tirou os dedos dos disparadores até que o
bólido se desfez num turbilhão de escombros negros, descargas
ofuscantes e extensas tochas energéticas. Por fim, uma violenta
explosão estraçalhou a central de energia alojada em um dos
fragmentos. Cliff puxou o manete. A Orion passou por cima dos
pedaços de rocha em brasa, inclinou-se ligeiramente e entrou numa
curva apertada. Logo, os dispositivos antigravitacionais entraram em
ação, neutralizando os efeitos da atração aumentada.
— Não consigo mais captar qualquer impulso — disse Helga.
— É o que eu esperava — respondeu Cliff. — Destruímos o bólido
e o planeta deixou de ser controlado pelo inimigo. Talvez ele agora
mude de curso.
— Pode ser! — disse Mario, que estava ao lado da mesa de Cliff e
esfregava as mãos. — É possível, mas altamente improvável. Em todo
caso, o bólido já era!
— Temos que voltar e tentar deter, desviar ou destruir o planeta —
disse Cliff. — Só que a Orion VII não tem poderio suficiente para
realizar qualquer dessas três alternativas.
— Hiperespaço? — sugeriu Mario.
— Sim. Programe um curso que nos leve até 3,6 UA do seu
envoltório gasoso. Entre o planeta e a Terra, compreende?
— Atan, por favor, os dados para a nossa posição! — pediu Mario,
já sentado diante do teclado da unidade de entrada do computador.
Em questão de segundos, os dois homens calcularam as
coordenadas. A velocidade da nave era ainda suficiente para arriscar o
grande salto. Instantes após, a Orion mergulhou no hiperespaço.
— Vamos permanecer vinte minutos no hiperespaço — disse
Mario. — Será que o nosso tenente do SSG arruma um café? Parti em
jejum esta noite e não estou sendo pago para fazer regime alimentar a
bordo... Já que estamos salvando a Terra...
— Pare com essas piadas de mau gosto, tenente! — disse Tamara,
abrindo o fecho do cinto de segurança. — Ainda estamos longe disso!
— No entanto — disse Cliff, e recostou-se confortavelmente —
fizemos uma estréia auspiciosa. A estação de controle foi-se para todo
o sempre.
— Pode contar com os efusivos agradecimentos de Wamsler —
retrucou Tamara; e recebeu um contundente olhar de Helga. — Isto, se
ele conseguir sobreviver! — finalizou Tamara e pôs-se a caminho para
tratar do café.
— E agora, o quê, Cliff McLane? — perguntou Helga Legrelle.
"Não sei!", pensou Cliff, atormentado. "Mas tenho que dar a
impressão de que tenho a resposta."
Começou a raciocinar febrilmente. Voltaram ao espaço normal e lá
estava aquele sol artificial, visível a olho nu... Ainda longe, mas com
uma auréola branca.
— Vou calcular o curso desse monstro — disse Atan e pôs-se a
trabalhar. Alguns minutos depois, atirou a caneta para longe e soltou
um palavrão.
— Essa maldita Nova... Não se ressentiu da falta de controle; a
massa e o impulso cinético são grandes demais. Mantém o curso sem
o menor desvio. Está se dirigindo direitinho para a órbita de Marte!
Tamara estava removendo as xícaras vazias. Parou entre as mesas
e arriscou um palpite:
— Como pode ter tanta certeza disso, Atan? Afinal, para se desviar
da sua rota, o planeta não precisa dar uma guinada violenta.
Atan lançou, para Tamara, um olhar que exprimia muitas coisas.
Lembrou-se das suas respostas e retrucou:
— Também me incluiu no rol dos idiotas?
— Não fiz nada disso! — disse Tamara.
— Não entendi sua observação.
— É que nem desconfia da quantidade de cursos que já calculei na
minha vida! É maior que o número de planetas que a senhorita vai
conseguir ver na sua!
— Portanto você não notou qualquer alteração no curso, Atan? —
perguntou Cliff, calmamente.
Atan sacudiu a cabeça e franziu as sobrancelhas. Apontou para a
tela em frente a Cliff e disse:
— Absolutamente nada!
— Helga? — disse Cliff. — Chame a Estação Avançada-IV! Tente
estabelecer contato com aquele astrônomo que prometeu verificar a
possibilidade de produzirmos antimatéria, entendido?
— Entendido, chefe.
— Muito bem! Confio em você!
A nave estava numa posição de espera, deslizando em baixa
velocidade. Dentro de sessenta minutos, o planeta atingiria o ponto
onde agora se encontrava o reluzente disco hipermoderno. Mario fitou
o rosto de Cliff com olhos alarmados.
— Chefe, quanto tempo você pretende... — perguntou.
A face sulcada de Cliff estava pálida, o suor cobria-lhe a testa.
— Por favor, Mario, fique quieto! Estou pensando!
Mario ignorou o apelo e prosseguiu:
— Quanto tempo você ainda pretende ficar aí, sem fazer nada?
Tem que compreender que a nossa ação, em si, foi um sucesso, mas
não serviu ao fim proposto! O planeta continua a se lançar contra o
sistema solar e é preciso que alguma idéia nova nos ocorra. Se não, era
uma vez Terra, Cliff!
— Helga? — perguntou McLane e acenou para Mario. —
Estabeleceu a comunicação?
Helga virou-se e apontou para uma faixa luminosa.
— Estou falando com a Estação Avançada, mas ainda estão
tentando localizar o cientista.
— Está bem! — respondeu McLane. — Continue, por favor. Eu
vou empregar tudo que temos: bombas, lançadores e barreiras
magnéticas. Só que... vai dilapidar um bocado nossas reservas de
energia!
— Se está tão descrente assim — perguntou Tamara — por quê,
então, vai empregar todo este arsenal? — estava olhando, pensativa,
para a imagem na tela.
— Quer que eu assista de braços cruzados ao avanço daquele
monstrengo? — Cliff pegou um bloco de apontamentos e começou a
rodar a caneta entre os dedos. — Ou tem algo melhor a propor,
Tamara? — perguntou, em tom agressivo.
Tamara baixou a cabeça.
— Não tenho, não! — respondeu.
— Infelizmente, eu também não tenho! — disse a voz de Hasso do
videofone.
— Então me deixem pensar um bocadinho — disse Cliff, com voz
baixa e meditativa. — Não temos alternativa! Precisamos correr o
risco.
Começou a desenhar. Primeiro, um ponto dentro de um círculo: o
planeta e sua capa incandescente", depois, traçou uma reta oblíqua,
passando pelo ponto.
— Este é o planeta e seu curso em direção a Terra — explicou.
Desenhou mais três circunferências, com o ponto por centro e que
interceptaram a reta.
— Cada circunferência eqüivale à distância de um minuto-luz —
continuou a explicar pacientemente e anotou os respectivos valores.
— São três minutos-luz do planeta até a linha mais próxima, tempo de
sobra para aprontar as armas.
Desenhou um asterisco numa das extremidades da reta.
— A grosso modo, esta é a nossa posição atual. Vamos designar a
linha extrema por alfa, a do meio por beta e a mais próxima ao planeta
por gama.
Atan Shubashi observou o desenho esquemático com ar pensativo.
— Está tudo muito bem — disse. — Mas para que as três zonas de
distância?
— Vamos empregar quinze bombas de Theknita ao longo da linha
alfa! — elucidou McLane e marcou as quinze posições.
"Vamos espalhá-las e esperar que o planeta as atinja. Não vamos
ativar a ignição porque são capazes de resistir algum tempo ao
hidrogênio incandescente e com isto, é possível que algumas só
detonem rente à superfície, o que aumenta nossas chances de êxito."
— Aliás — disse Mario de Monti. — De qualquer forma, será o
hidrogênio incandescente que vai se encarregar da ignição.
— Certo! — respondeu Atan. — E o que vamos empregar na linha
beta?
Um pouco inseguro, Cliff disse:
— Uma barreira energética. A mais potente que as máquinas
podem gerar. Talvez os projetores fiquem inutilizados, mas isso já não
vai fazer a menor diferença. — desenhou a extensão da barreira junto
à linha central. — E Hasso vai erigir um campo magnético em posição
oblíqua à linha alfa.
— Com o maior prazer! — disse Hasso e exibiu um sorriso
sombrio.
— Vamos tentar desviar o planeta por meio dessa barreira. Talvez
possamos alterar ligeiramente o seu curso, o que já seria o suficiente.
Se formos bem sucedidos, repetimos a história toda em conjunto com
algumas outras naves. Entenderam a coisa?
Cliff girou a poltrona e examinou, uma por uma, as expressões da
tripulação. Os homens mostraram-se decididos, calmos e confiantes,
sem entusiasmo exagerado; e mesmo Tamara e Helga só deram
mostras de uma ligeira inquietação.
— O que vocês acham desse plano? — perguntou Cliff,
preocupado. Tinha um forte pressentimento de que nenhuma das três
medidas traria o resultado almejado.
— É o melhor que podemos fazer! — disse a voz de Hasso nos
alto-falantes. — E talvez possamos contar com um pouco de sorte.
Atan Shubashi finalizou, em tom peremptório:
— Seja como for, vamos tentar tudo isso!
Cliff deu uma risada seca, sem alegria.
— E se nada disso der certo, perdi o meu latim! Completamente!
Entreolharam-se em silêncio. Depois, quase ao mesmo tempo,
levantaram o olhar e fitaram a estrela alaranjada que aparecia na tela
do comandante. Distava apenas 3,3 unidades astronômicas.
A Orion parou, girou cento e oitenta graus e disparou no sentido
contrário com velocidade pouco inferior à da luz.
— Se entendi direito, comandante McLane — disse Tamara,
baixinho — pretende, primeiro, voltar para espalhar as bombas?
Cliff respondeu com um aceno da cabeça.
— Mas as duas barreiras exigem a presença da nave, não é? E isto
aumenta o perigo?
— É isso mesmo — respondeu McLane, lacônico.
— E qual o curso que a Orion vai seguir após a linha alfa? —
insistiu Tamara.
— Lançamos mão do que nos resta de energia e tentamos escapar
da camada gasosa.
Tamara empalideceu; sabia o que significavam estas poucas
palavras.
— Não receia que trechos do casco possam ser afetados pelo
tremendo calor?
— Claro que receio isso! — respondeu McLane. — Mas se não
tentarmos pôr em prática o nosso plano, acabamos com a única chance
de sobrevivência do sistema solar, por ínfima que seja!
Atan estava furioso e largou a palma da mão sobre a mesa.
— Calculei e recalculei e o diabo do curso desse planeta não
mudou um milímetro sequer! A destruição daquela estação de controle
não teve a menor influência.
Com voz calma e quase fatalista, McLane perguntou:
— Tem certeza absoluta disso, Atan? Não há a mais remota
possibilidade de um erro?
— Não, Cliff, não há!
Cliff encolheu os ombros, sem saber o que dizer. Reparou que
Helga estava olhando para eleja há alguns segundos.
— Sim? O que é, garota? — perguntou e fitou o rosto deprimido
da telegrafista.
— Mantive contato com o astrônomo. Ele analisou todas as
possibilidades mas só chegou a conclusões negativas. Não há
condições de carregar a Orion a ponto de transformá-la em
antimatéria. E isto é ponto pacífico, disse ele.
Os lábios de McLane estreitaram-se numa expressão dura,
amargurada.
— Muito bem! — disse. — Então vamos tentar o que propus.
Nada mais nos resta a fazer.
A Orion parou diante do planeta em brasas. Na linha gama. E só
faltavam 228 horas...
7

A LINHA gama: uma linha imaginária que distava um minuto-luz


da torrente luminosa do planeta avassalador. Um tenso silêncio
reinava a bordo, pouco afetado pela atividade febril que Cliff, Mario e
Atan exerciam. Os seis ocupantes da Orion sabiam o que estava em
jogo. E... o general van Dyke ainda estava esperando ser salvo. "Se
Lydia e sua tripulação ainda estivessem vivos", pensou Tamara,
esgotada. Ninguém havia solicitado sua ajuda. Para não ficar inativa,
dirigiu-se à pequena cozinha da Orion e preparou uma grande
quantidade de sanduíches. Depois, levou uma bandeja cheia para a
sala de máquinas.
Poucos minutos antes, enquanto o interior da nave estava sendo
iluminado pela claridade ameaçadora do mortífero planeta, Cliff havia
declarado a Hasso que as bombas teriam que ser dispostas, ao longo
da linha, com a maior precisão possível.
— Para isto — respondera Hasso — é necessário adaptar o
dispositivo de lançamento no poço. Um trabalho que três homens
realizam em dois minutos. Chame Mario, por favor.
Agora, os três trabalhavam, suando em bicas. Enquanto Cliff e
Mario seguravam a pesada e comprida placa do dispositivo, Hasso
ajustava os parafusos dos elementos lançadores esféricos. O
lançamento das bombas seria efetuado segundo um ângulo menor,
com menor dispersão.
Tamara colocou a bandeja sobre a mesa de controle de uma
máquina e disse:
— Se alguém estiver com fome, está servido!
Mario riu, meio encabulado, e respondeu:
— Mulher... o eterno enigma! Ora irredutível, até o suicídio; ora
terna, como uma mãe com não sei quantos filhos. É de endoidecer
qualquer um! Eu jamais... ai! — enfiou o dedo machucado na boca,
passando a língua pelo ferimento, depois completou a exposição:
"Eu jamais vou conseguir entender tamanha contradição. Por isso
vou continuar solteiro. Não me agrada a idéia de estar casado com
uma esfinge!"
— O quê? — fez Hasso, e olhou para Mario com uma expressão
de profundo conhecedor do assunto. — Você se engana! No fim, fica
tudo transparente!
Cliff agradeceu a Tamara com um aceno de cabeça. A agente do
SSG retirou-se e levou uma bandeja de sanduíches para Atan e Helga.
A superfície flamejante tinha crescido assustadoramente e já não
cabia nos limites da tela. Cliff retornou da casa de máquinas. Parecia
esgotado, sonolento e distraído. Largou-se na sua poltrona e, de
repente, mostrou-se refeito e novamente cheio de energia.
— Do comandante para máquinas! — disse. — Vou levar a Orion
para o início da linha imaginária. A cada ordem, solte apenas uma
bomba!
— Máquina para comandante! — respondeu Hasso. — Entendido!
A Orion estava parada. Subitamente, deu um salto para a direita
que a levou a uma distância de meia unidade astronômica.
— Lançar bomba Um, Mario! — ordenou Cliff.
Com auxílio do transportador automático, Mario já havia
carregado o poço de lançamento com um mortífero torpedo de
Theknita. Apertou, então, os dois botões do disparador: primeiro um,
depois o outro. O fecho central do tubo ejetor abriu-se em seguida e o
dispositivo eletromagnético impeliu o torpedo para a frente. O projétil
emergiu da nave e afastou-se lentamente pelo espaço.
— Bomba Um colocada!
Cliff acelerou o disco. A Orion deslocou-se dez milhões de
quilômetros para a esquerda e foi brutalmente contida.
Mario lançou a segunda bomba.
Dez milhões de quilômetros, a décima quinta parte de uma unidade
astronômica, era este o afastamento entre as quinze bombas que a
Orion colocou no caminho do planeta sinistro. Em condições normais,
seriam suficientes para transformar um planeta gigante em gás
radioativo. Quinze torpedos pairavam no espaço, como um colar de
pérolas mortais, aguardando a aproximação do planeta chamejante...
Após o lançamento da última bomba, Cliff fez a Orion girar cem
graus e projetou-a em direção à linha beta.
— Comandante para máquinas! — gritou em meio aos ruídos das
máquinas supersolicitadas. — Hasso, preste atenção! Da linha beta,
temos que partir, em alta velocidade, através do gás incandescente. E
isso, dentro de segundos! Entendeu? Agora quero saber quantos graus
Kelvin o nosso casco agüenta antes que sofra sérias avarias?
— A temperatura do gás é de mais ou menos cinco mil graus
Kelvin — disse Hasso. — Se aumentarmos o potencial dos nossos
anteparos, podemos permanecer, no máximo, noventa segundos
naquele inferno, Cliff. Não mais do que isso! Aí temos que partir
senão explodimos. E mesmo durante esses noventa segundos vamos
sofrer algumas avarias. É certo que as instalações externas vão ser
consumidas ou, ao menos, parte delas.
— OK! — respondeu Cliff. — Noventa segundos!
Enquanto Atan Shubashi controlava curso e velocidade, Helga
escutava, com os audiofones, as conversas entre as naves espaciais.
Aquelas que, há horas, estavam tentando, em vão, destruir o planeta.
— Quanta energia pode empregar para a primeira barreira, Hasso?
Hasso fez uma avaliação rápida:
— Talvez um terço de todas as reservas, mas nem um único
kilowatt-minuto a mais!
— Vou me lembrar disso, Hasso! — prometeu Cliff e consultou o
cronômetro de bordo.
— Dentro de quatro segundos estamos na linha beta, chefe! —
disse Atan guardando seus mapas astronômicos.
Cliff empurrou uma série de manches. A nave começou a perder
velocidade. No momento exato, o comandante freou. A Orion estava,
de novo, parada.
— E daqui a dez segundos o planeta está na linha alfa!
Cliff acoplou um outro jogo de lentes. A imagem do planeta em
chamas reapareceu na tela. Todos, com exceção de Hasso, tinham o
olhar cravado no monstro. Ninguém falava. O pequeno triângulo
luminoso que marcava os segundos avançava inexoravelmente pelo
mostrador.
— Doze segundos!
A bola de fogo tinha atingido a linha alfa. A camada limítrofe do
hidrogênio varreu por cima dos quinze torpedos e o planeta, a
superfície em chamas, continuou a se deslocar com alucinante
velocidade. O material das bombas tinha-se aquecido: agora,
incandesceu-se numa brancura ofuscante e quinze círculos vermelhos
apareceram em meio ao hidrogênio amarelo, crescendo sem parar...
— Um segundo antes da hora, mas todas detonaram — disse Cliff
baixinho, quase sussurrando. — Mas nada aconteceu!... Nada!
A velocidade do planeta manteve-se inalterada e o envoltório
gasoso dessa Nova sintética continuava a se alastrar: 4500 quilômetros
em cada segundo... Nada tinha se modificado, absolutamente nada...
— Não houve reação alguma! — anunciou Atan. — Nossa
primeira operação foi um fracasso!
Cliff estendeu os braços e deixou-os cair, num gesto de profunda
decepção.
— Bem, vamos tentar deter o planeta errante com a barreira
energética.
A linha beta... 227 horas e 45 minutos... Ao fim deste prazo, a
Terra seria aniquilada. A penumbra reinava na cabine de comando. A
luminosidade que emanava da tela de imagem e se refletia no teto
metálico era suficiente. Ainda não haviam erigido o anteparo protetor
em torno da nave, mas os projetores da bateria energética já estavam
de prontidão.
— Quanto tempo falta? — perguntou Mario. Nas últimas horas,
tinha perdido sua expressão fleumática. A preocupação havia-lhe
gravado profundos sulcos no rosto largo; um tique nervoso repuxava-
lhe, sem cessar, os cantos da boca; estava altamente agitado.
— Falta exatamente um minuto para sermos envolvidos pelo gás!
Tinham todos colocado o cinto de segurança. Ninguém sabia se a
nave resistiria às ações violentas que enfrentaria dali a instantes.
Hasso observava, preocupado, os indicadores do nível de energia e os
instrumentos das máquinas.
— Primeiro, a barreira! — disse Cliff. — Dez segundos depois, o
nosso anteparo. Em seguida, oitenta e cinco segundos de projeção e,
finalmente, fuga em direção à linha alfa. Entendido?
Helga não via sentido em ouvir apenas interferências e crepitações
e girou a chave geral da aparelhagem radiofônica. A instalação estava
desligada e a longa antena telescópica recolheu-se automaticamente.
— Silêncio radiofônico! — comunicou Helga secamente e
recostou-se. Por alguns instantes, manteve os olhos fechados.
— Hasso, quarenta e cinco segundos! Cliff tinha falado baixo.
Apesar disso, parecia que havia soltado um berro pela silenciosa
cabine.
— Entendido! — confirmou Hasso.
Os dedos de Cliff estavam pousados sobre teclas e manetes. Hasso
tinha conectado uma série de controles à mesa do comandante. Cliff
podia verificar, de relance, a temperatura e a velocidade do gás, a
distância do planeta sólido e a intensidade da radiação. O seu campo
de visão abrangia, também, o grande contador regressivo dos
projetores de energia. A contagem havia sido ajustada para oitenta e
cinco segundos. E o tempo se escoava... rápido demais.
— Atenção, Hasso! — alertou Cliff. — Está quase na hora. Daqui
a cinco segundos, carga total nos projetores. Está pronto?
— Estou, Cliff! — Hasso nem levantou os olhos.
— Três segundos... dois... um... agora! Hasso virou uma pesada
chave e um terço da energia total acumulada jorrou dos projetores na
parte inferior da nave. A treze mil quilômetros de distância, já bem
próximo do gás incandescente, uma substância avermelhada formou
uma barreira no universo. Era matéria pura, não saturada, que absorvia
imediatamente todo átomo que contra ela se chocava. Um muro feito
de cor vermelha e alicerçado em nada...
E o hidrogênio flamejante chegou, esbarrou no muro energético,
pareceu hesitar e foi tragado. Brechas apareceram na torrente
luminosa. Lá, onde se encontrava a barreira, uma larga fenda
atravessava a esfera da Nova. Nas bordas da barreira, os ávidos
átomos se saciaram.
— Os dez segundos já passaram! — disse Mario. — Nosso
anteparo!
Cliff manipulou alguns controles e um campo magnético envolveu
a Orion protegendo-a do calor e das radiações. A imagem do planeta
ficou mais difusa. Já não irradiava aquela insuportável claridade
ofuscante. A nave pairava, imóvel, em meio do hidrogênio e lançava
torrentes de preciosa energia no meio hostil que a cercava.
— A barreira ainda está firme! — disse Helga, quase incrédula e
observou os cintilantes mostradores do painel de comando. — É
assombroso!
A velocidade do planeta era de 150 mil quilômetros por segundo.
Por seu lado, os gases expandiam-se à razão de 4500 quilômetros por
segundo. E com a soma dessas velocidades, a Nova artificial se
projetava em direção à barreira e se chocava com ela. O muro
energético resistia, mas nas suas bordas já apareciam os primeiros
sinais de um incipiente esfarelamento...
— Já se passaram quarenta segundos! — alertou Hasso, em voz
alta.
— Entendido! — respondeu Cliff, que estava atento ao espetáculo
que aparecia na tela e que muito poucos homens deviam ter
presenciado antes dele. Talvez fosse ele o último homem a poder
observar coisas dessa natureza. A lacuna que o gás absorvido pela
barreira tinha deixado não se fechava mais. Era como se um vale
retangular tivesse sido rasgado na substância da Nova; e neste vale
não havia mais nada: nem chamas de cinco mil graus, nem
hidrogênio... nada. E então, subitamente, a barreira desmoronou: tinha
sido sobrecarregada. A projeção pulverizou-se num gigantesco
espetáculo pirotécnico no cosmos, perdeu-se no hidrogênio, foi
tragada pela poderosa torrente energética.
— Cliff! — ouviu-se o grito lancinante de Atan. — Nossa nave!
Premido pela urgência, Cliff tentou fazer várias coisas ao mesmo
tempo. Empurrou os manches para a frente, ajustou a direção e
acelerou a nave ao máximo. A Orion lançou-se verticalmente para
cima, atravessando a camada de hidrogênio. Os teletermômetros
indicavam as temperaturas na vizinhança e do casco da nave. Os
valores estavam subindo rápida e assustadoramente.
Segundos após, a nave passou por cima da esfera da Nova e
inclinou-se um pouco. Cliff levou-a a alguns milhares de quilômetros
de distância, até notar que a temperatura estava começando a baixar.
Livre do perigo iminente, a nave ultrapassou a Nova, deixou-a para
trás e dirigiu-se para a linha alfa.
— Eu tinha chegado à conclusão que as nossas chances de êxito
eram boas — disse Cliff, como que se desculpando. — Pena que as
coisas não deram certo.
Hasso anunciou-se pelo intercomunicador de bordo.
— Acabei de fazer uns cálculos. Para aniquilar toda a massa de
hidrogênio em chamas, seria preciso empregar a capacidade conjunta
de dois milhões de naves do tipo Orion. Portanto, você não tem nada
de que se repreender, Cliff.
— Não estou me repreendendo, Hasso! — disse ele. — Lamento,
apenas, que fracassamos mais uma vez.
— E se aumentarmos a capacidade dos projetores magnéticos,
quando erigirmos a segunda barreira na linha alfa? — perguntou
Tamara que, pálida, sentada ao lado de Cliff, roia as unhas.
— Nesse caso, ficamos sem a reserva mínima de que precisamos
para cair fora! — disse Mario.
— Nossas ações estão limitadas a tentativas; nada mais podemos
fazer — disse Cliff e reduziu a velocidade. — Estamos perto da linha
alfa.
Mais uma vez, a nave pairava no espaço, tranqüila, reluzente,
aparentemente sã e salva. E pronta para realizar uma terceira tentativa,
ainda mais perigosa. Mesmo que a barreira magnética desviasse o
planeta apenas de um nada da sua trajetória, isto já seria justificativa
suficiente para empreender uma nova tentativa com as forças reunidas
de todas as naves disponíveis.
Cliff dirigiu-se a Atan e disse, com voz grave e séria:
— Atan, as leituras que você vai fazer agora têm que ser as mais
precisas que você já efetuou em toda sua vida. Basta conseguir desviar
o curso do planeta de uma fração de grau para que a barreira
magnética se constitua num êxito completo. Entendido?
— Perfeitamente! — respondeu Atan Shubashi, considerado um
dos melhores astronavegadores de toda a frota. — Vou ligar todos os
aparelhos de teste ao mesmo tempo!
Cliff acenou e levou a Orion a uma posição de espera.
A linha alfa... Cliff baseou um resto de esperança de êxito na
suposição de que muito pouco era preciso para romper o estado de
equilíbrio. O planeta que se aproximava da posição da nave possuía
um impulso cinético extremamente elevado. McLane estava longe de
pensar que pudesse conter ou desviar o planeta errante; acreditava,
porém, que poderia influir na trajetória retilínea, por menor que fosse
essa alteração. Talvez a centésima parte de um grau fosse o suficiente.
Considerando as enormes distâncias cósmicas, isto equivaleria a uma
acentuada modificação na trajetória. Uma nova tentativa, realizada por
cinqüenta ou mais naves, poderia afastar a ameaça em definitivo, já
que o planeta não podia mais ser dirigido pelos estranhos.
— Vamos tentar! — disse Mario.
— Na pior das hipóteses, também viramos gás incandescente! —
observou Atan, sarcástico. Mas, neste estágio dos acontecimentos, os
quatro homens pouco se importavam se alguma observação vinha
revestida de humor negro ou não.
— Tem razão — murmurou Cliff. — Ainda temos quatro minutos.
Hasso apareceu na tela do videofone, de mão erguida.
— Sim...? — perguntou o comandante.
— Como você quer a barreira? Em ângulo reto ou com inclinação
menor?
Cliff pensou durante alguns instantes, depois disse:
— A quarenta graus. Creio que é a melhor inclinação para as
forças defletoras. O que você acha?
— Eu teria sugerido trinta graus — opinou Hasso. — Afinal, só
queremos alterar a direção da trajetória.
— Está bem! — concordou Cliff. — Então calibre os projetores
para este ângulo. Estou pronto dentro de segundos.
Deu uma curta acelerada e parou a Orion novamente. Após
algumas manobras corretivas, constatou que o disco se encontrava
bem sobre a trajetória do planeta.
— A nave está imóvel — disse o comandante. — Vamos proceder
como na linha beta: primeiro, os projetores magnéticos; depois, o
nosso escudo protetor. De acordo?
— Perfeitamente! — respondeu Atan e começou a aferir seus
instrumentos.
— Entendido! — murmurou Mario, sentado junto à unidade de
entrada do computador.
A voz de Hasso veio da casa de máquinas:
— Durante um instante, tive a impressão de que havia uma
solução muito mais simples. Mas não consigo me lembrar dela. Pode
ser que eu tenha me enganado, desculpem!
— Não se preocupe, Hasso! — disse Cliff. — Podemos começar?
— Agora mesmo!
Hasso verificou que as dobradiças das portinholas tinham sido
derretidas apesar do anteparo protetor. Teve que aplicar toda a força
dos servomotores para içar os projetores retrateis dos recessos na parte
inferior da nave.
Dirigindo os raios-guia exatamente sobre a linha de fuga, Hasso
gerou um campo magnético defletor que se estendia para ambos os
lados da trajetória do planeta. O esquema defensivo estava montado.
Agora, era preciso esperar que o monstro ígneo se chocasse contra a
barreira...
Em seguida, Hasso desligou os aparelhos e controlou o nível das
reservas de energia. Momentaneamente condenada à passividade, a
tripulação voltou o pensamento para o destino que estava reservado ao
sistema solar dali a umas duzentas horas... Seria a extinção de toda
vida humana, o fim da cultura, o ponto final da civilização tão
laboriosamente construída... Se não acontecesse algo... Algo parecido
com um desses raros milagres...
Mario estava com os nervos à flor da pele e não pôde se conter.
— Maldita droga! — gritou.
Tamara e Cliff levaram um susto.
— O que há, Mario? — perguntou Helga, calmamente.
— O que há?... O que há? — perguntou, gritando. — Não há nada!
Estamos boiando aqui na maior tranqüilidade esperando aquele
mastodonte chegar e não podemos fazer nada! Absolutamente nada!
Esbanjamos a nossa energia e ninguém, naqueles três planetas,
desconfia que só tem duzentas horas, ou menos, de vida. Fico doente
só de pensar nisso... Eu não agüento mais!
Nesse instante, Tamara pôde mostrar que era uma boa psicóloga.
— Tenente De Monti? — perguntou, em tom sereno.
— E logo a senhora tem alguma coisa a me dizer? — berrou
Mario. — Logo a senhora, que por nossa vontade não estaria
participando desse drama!
— É curioso! — disse Tamara, impassível. — Eu sempre o
considerei um homem corajoso e um bom oficial. Ao menos quando
namora as moças nas ante-salas dá a impressão de um autêntico herói.
E agora o senhor perde as estribeiras de uma maneira... Já viu como
Helga e eu ficamos decepcionadas com seu autocontrole?
— O quê...? — berrou Mario. Mas, depois, conscientizou-se do
significado dessas palavras.
Evitou olhar para Tamara e disse, em voz baixa:
— Desculpem-me, não pude evitar. Essa maldita espera me tritura.
— A nós também! — respondeu Cliff. — Faltam sessenta
segundos.
Pela terceira vez, o planeta em chamas aproximou-se. Atan mediu
o núcleo: aquela matéria que uma inconcebível reação atômica
transformava incessantemente em hidrogênio incandescente. Atan
estava atento como nunca; notaria o menor desvio, o mais leve abalo
daquele planeta.
Hasso estava controlando as reservas de energia. Com a testa
sulcada pela preocupação, não tirava o olhar vigilante das escalas e
dos ponteiros. Todos os instrumentos que não eram estritamente
necessários haviam sido desligados.
— Só mais vinte segundos! — alertou Cliff.
E também esses segundos se passaram. A nave pairava, imóvel,
em meio àquele inferno gasoso... um inferno de 5 mil graus Kelvin...
A torrente ígnea parou diante da frágil linha dos anteparos. Hasso
acionou os projetores.
E, mais uma vez, os olhos da tripulação acompanharam a formação
de uma barreira; uma linha que, oblíqua à trajetória do planeta, se
estendia por milhares de quilômetros pelo universo. Por trás dela, o
gás começou a borbulhar e redemoinhar. Enquanto isto, o núcleo
sólido aproximava-se. Cada vez mais. Uma enervante expectativa,
silenciosa, apossou-se das seis pessoas a bordo da Orion VII. Em que
resultaria esta nova tentativa? Os segundos escoavam-se rapidamente.
Oitenta e cinco segundos, não mais um único sequer, poderiam
permanecer naquele inferno. Então, o planeta tocou em uma das
extremidades da barreira.
Uma violenta pancada abalou a nave. O uivo das máquinas tornou-
se mais intenso; combatiam a força que ameaçava lançar a nave a
distância. O planeta chocou-se frontalmente com a barreira e a
rompeu. Não sofreu o menor tremor. Uma cacofonia de ruídos e
estalos invadiu a nave, os instrumentos de Atan registraram valores
inteiramente loucos. Os projetores tinham resistido à tremenda
sobrecarga; agora, estouraram.
— Cliff! Partida rápida! — gritou Hasso. — Estamos derretendo!
Cliff empurrou os manetes e arrancou o disco, em posição
horizontal, da trajetória do planeta. Com uma velocidade alucinante, a
Orion atravessou o hidrogênio em brasas e alcançou a liberdade do
universo no exato instante em que os anteparos entraram em colapso.
Abaixo dela, majestosa e imperturbada, a Nova artificial corria pelo
espaço. Uma calma ilusória alastrou-se na cabine. O ruído das
máquinas reduziu-se.
— Atan? — perguntou Cliff.
Atan Shubashi sacudiu a cabeça, mudo.
— Nada? — o sussurro de Cliff ressoou como um grito no silêncio
amedrontador.
— Nada! — confirmou Atan. — Esse cão não se mexeu um
mícron sequer!
— Esta foi a nossa última chance! — declarou Cliff. — Não temos
mais nada que possamos empregar.
Tamara Jagellovsk perguntou, inquieta:
— E o que vai ser da Terra?
Cliff olhou para a tela. Lá estava a Nova, afastando-se e tornando-
se cada vez menor. Então, o comandante encolheu os ombros e disse,
controlando a voz:
— Pó... cinzas!
***
226 horas. Com passos lentos, Kublai-Krim entrou na sala, olhou
de relance para os rostos perplexos dos demais membros do estado-
maior e dirigiu-se ao seu lugar. Cravou as unhas no espaldar da
cadeira e disse, em tom resignado:
— Até agora, nenhum aviso de missão cumprida.
Depois, sentou-se, com um gemido. A sua frente estava a projeção
do sistema solar e do cubo espacial Um/Sul. O traço tinha-se
prolongado e continuava apontado para os três planetas.
— Todavia — continuou Kublai-Krim — podemos registrar um
pequeno êxito.
— O que houve com McLane? — perguntou o marechal-do-
espaço Wamsler.
— Enviou um comunicado — explicou Kublai-Krim; falava como
se economizando palavras. — Conseguiu destruir o posto de controle
do planeta.
— Fabuloso! — disse Wamsler. — Onde o encontrou?
Kublai-Krim levantou as densas sobrancelhas, estendeu os braços
e prosseguiu:
— Meu ordenança falou com Helga Legrelle — disse,
visivelmente esgotado. — A telegrafista informou que a Hydra tinha
fornecido as coordenadas que faltavam para poderem localizar a tal
estação de controle. Era um bólido com uma enorme antena
parabólica. E McLane destruiu a estação com os lançadores de energia
logo no primeiro ataque.
Wamsler bateu com o punho sobre a mesa e declarou, em voz alta:
— Esse sujeito tem o diabo no corpo! Ao menos, temos alguém
em quem podemos confiar! E como continua a história?
— Silêncio radiofônico! — disse Kublai-Krim. — Depois do
comunicado, McLane só entrou em contato mais uma vez para saber
das chances. Quero dizer, quis saber se havia possibilidade de
abastecer a Orion com antimatéria. Disseram-lhe que qualquer
tentativa era inútil.
Wamsler deu um aceno cansado com a enorme cabeça. O estado-
maior estava em sessão permanente... E a Nova aproximava-se, veloz.
Sir Arthur virou-se para Wamsler.
— Eu não devia ter dado ouvidos às suas ponderações — disse,
com uma expressão de profunda fadiga. — Era um empreendimento
fadado ao fracasso.
Os participantes da reunião estavam obviamente esgotados devido
às noites em claro. Profundas olheiras marcavam-lhes os rostos
pálidos, contraídos; seus gestos eram lentos, sem vida.
Alem dos quatro membros do estado-maior, a reunião contava com
a presença do Secretário de Estado Von Wennerstein e do astrônomo-
chefe que, juntamente com sua equipe, havia sido convocado para
assessorar as Forças Armadas Espaciais. Falando lentamente,
Wamsler respondeu a Sir Arthur:
— Estamos fazendo tudo que está em nosso poder. Mais do que
isso é impossível! Nem podemos exigir mais das nossas tripulações.
Kublai-Krim acenou.
— Parece que tínhamos razão, não é, Wennerstein?
— Onde está esse planeta agora? — perguntou o Secretário de
Estado, nervoso.
O astrônomo-chefe levantou-se e se dirigiu à projeção estelar
esférica.
— Está aqui! — disse e apontou para o ponto terminal do longo
traço. — A passagem dos dois corpos deve se realizar daqui a
duzentas e vinte e seis horas. É o que revelam os últimos cálculos.
— Nove dias e dez horas! — disse Von Wennerstein.
— O hidrogênio chega primeiro! — observou Wamsler. — Daqui
a sete dias.
Sir Arthur girou a poltrona em direção ao Secretário de Estado e
perguntou, em tom incisivo:
— Ainda não quer iniciar a evacuação, Wennerstein?
Com obstinação, o Secretário de Estado respondeu:
— Ainda não! Resolvemos esperar mais um pouco. Afinal, ainda
deve haver uma chance, ou não?
A paciência de Kublai-Krim estava chegando ao fim. Em voz
baixa e resignada, perguntou:
— Resolveram esperar mais um pouco? Posso saber quanto?
Wennerstein encolheu os ombros estreitos.
— Tenho a ligeira impressão — continuou Kublai-Krim, com
indisfarçada ironia — que o senhor não tem a mais rudimentar noção
da envergadura de uma operação dessa natureza. Parece pensar que se
trata de um alarme-alfa das Forças Armadas Espaciais: em trinta
minutos, meio milhar de naves está no espaço!
Com um ar de menosprezo, o secretário respondeu:
— Imaginei que tivesse nervos mais fortes e, acima de tudo, maior
coragem pessoal!
O coronel Villa, que vinha mantendo silêncio o tempo todo,
meteu-se na conversa.
— Meus senhores! — foi quase um grito, todos viraram a cabeça
em sua direção. — Creio que escolheram o momento mais inadequado
possível para trocarem as suas gentilezas!
Uma pausa embaraçosa seguiu-se às palavras de Villa. Foi
Wennerstein quem rompeu o silêncio:
— Uma frota inteira foi posta em marcha. Além disso, McLane
está participando da operação. Acredito que todos podemos concordar
em esperar mais um dia. Lembrem-se do pânico que vamos provocar
se decretamos a imediata evacuação. Poupemo-nos a esse desgosto!
Wamsler disse a Villa:
— McLane vai dar um jeito. Já destruiu a estação de controle e vai
descobrir um meio de desviar o planeta. Confio na sua capacidade e na
dos outros comandantes.
Villa ergueu os ombros.
— Acha que consegue?
— Estou convencido disso. Até agora McLane nunca me
decepcionou. Exceto quanto a sua indisciplina inata.
— E neste ínterim, nós fazemos o quê?
— quis saber Wennerstein.
Villa permitiu-se um sorriso e espalmou as mãos num gesto
inconfundível.
— Nós vamos esperar mais um pouco...!— disse.
8

HASSO arrastou-se, cansado, pela cabine de comando e largou-se


na poltrona do comandante. Esticou as longas pernas e soltou, com
toda nitidez, um conhecido palavrão.
— Cliff McLane! — disse, depois, com voz preguiçosa. — Parece
que esgotamos todos os nossos recursos, não é?
A tripulação rodeava a poltrona, comendo e bebendo.
— Infelizmente, você tem razão! — murmurou Mario; seu rosto
trazia as marcas do cansaço e da resignação.
— Pois é! — continuou Hasso. — E é exatamente aí que todo
mundo está enganado!
— Como é? — perguntou Cliff, sentindo a esperança renascer.
Quando Hasso Sigbjörnson se dispunha a encetar longas palestras,
isso não se devia apenas a uma súbita vontade de monologar.
— Aceito sim, obrigado! — disse Hasso, pegando a xícara de café
quente que Tamara lhe oferecia. — Bem, agora eu só continuo a falar
depois de uma farta distribuição de bebidas alcoólicas de qualquer
tipo!
— Hasso! — sussurrou Atan, atônito. — Você ficou maluco?
Estamos quebrando a cabeça tentando descobrir um meio de destruir o
planeta e você solta piadas de mau gosto!
— Atan Shubashi! — disse Hasso, sem o menor traço de humor ou
alegria na voz. — Você já me conhece há não sei quantos anos.
Alguma vez teve motivos para duvidar das minhas faculdades
mentais?
Shubashi sacudiu a cabeça, mudo.
— Você se lembra do caso MZ 4? — indagou Hasso, tranqüilo.
—- Se me lembro! — exclamou Atan. — Quase morremos de
medo naquele maldito asteróide!
— Pois é! — disse Hasso, acenando com a cabeça. — Medo! E
nós estávamos com medo de quê, Atan?
A pancada de McLane quase quebrou o ombro de Hasso.
— Garotão! — berrou.
As duas moças se assustaram. Hasso e Cliff estavam rindo às
gargalhadas. Atan sacudiu a cabeça, estupefato.
— Dois loucos! — murmurou. — Completamente varridos!
McLane sentou-se na sua mesa e fitou os rostos dos tripulantes.
— Nós vamos sustar o avanço do planeta! — anunciou. — E
devemos isso única e exclusivamente a Hasso. Ele teve uma idéia que
só ocorre a alguém a cada cem anos!
Shubashi empertigou-se diante do comandante e disse em voz alta
e exaltada:
— Eu estive com Hasso em MZ 4! E daí? Remodelamos o
aparelho hiperradiofônico e aguardamos a chegada da Challenger...!
Neste instante, compreendeu e o sangue lhe afluiu ao rosto.
— É a salvação! — balbuciou, tomado de uma eletrizante emoção.
Naquela ocasião, McLane havia sido transferido, em caráter
punitivo, para o Serviço de Patrulhamento Espacial. E logo na
primeira missão, Atan e Hasso iriam descobrir os estranhos seres no
asteróide, defendendo-se deles com sucesso. Mas o cruzador-
laboratório Challenger deslocava-se através do hiperespaço em
direção ao satélite num curso de colisão...
Um choque entre dois corpos em meios diferentes: um no
hiperespaço e o outro no espaço normal, libertaria forças e emissões
de energia de tal magnitude que, numa vasta extensão, a estruturação
cósmica seria destruída. No último segundo, Atan e Hasso tinham
conseguido evitar a catástrofe. Comandada pelos impulsos que
emitiram, a Challenger retornou ao espaço normal e espatifou-se
contra o anteparo dos estranhos. Explodiu sem causar maiores danos.
— Compreenderam o que temos que fazer? — perguntou Hasso.
Cliff acenou com a cabeça.
— Transpomos a Orion para o hiperespaço e a apontamos em
direção ao planeta. No choque, a Nova e a Orion serão destruídas.
Mas, e nós?
— Acho que ninguém aqui está cansado da vida!
— Certamente que não! — disse Tamara. — Ainda temos as
Lancet, só que, pelo que eu sei, não se prestam para vôos
hiperespaciais!
— Podemos fazer o seguinte — começou a explicar Hasso. —
Desmontamos os dois pequenos computadores de uma das Lancet,
levando-os para a outra juntamente com os respectivos suprimentos.
E, na primeira, instalamos um dos propulsores da Orion.
— Boa idéia! — disse Mario, num tom alegre. — Claro que vamos
ter que dar duro. As máquinas são pesadas, mas ainda transportáveis
dentro de uma nave.
Hasso prosseguiu:
— Depois, quando tudo estiver preparado, chamamos a Hydra e
pedimos a eles para ejetarem uma das suas Lancet a fim de desocupar
o poço de pouso. Em seguida, nos dirigimos à Hydra pelo
hiperespaço, lançamos a Orion contra o planeta e aguardamos o nosso
resgate. Que tal?
— Seria um plano, Hasso! — disse Cliff, pensativo. — Quanto
tempo levamos para fazer tudo isso?
— Assim, por alto, creio que umas três horas — respondeu Hasso.
— Então, meu caro — disse Cliff e arrancou Hasso da poltrona do
comandante — saia daqui, que eu vou levar a Orion para bem longe
deste lugar!
Dentro de segundos, a Orion estava acelerada e projetou-se em
direção à Terra, seguindo a mesma trajetória do planeta. Cliff só a
parou depois que percorreram quatorze unidades astronômicas. Atan
sugeriu:
— Escute, Cliff, você, Mario e eu podíamos começar a desmontar
uma das máquinas hiperespaciais sob orientação de Hasso, é claro.
Enquanto isso, as senhoritas tratariam de equipar uma das Lancet!
— Vou desmontar os computadores da Lancet I! — avisou Helga.
— Dentro de uma hora está tudo pronto.
— De acordo! — disse Cliff. — Tamara, por favor, encarregue-se
do abastecimento da nave auxiliar: oxigênio, comes-e-bebes, trajes
espaciais, aparelhagem radiofônica, etc.!
O plano infundiu-lhes uma nova esperança. A Terra poderia ser
salva por este truque, mas a tarefa era laboriosa e, na última fase, mais
que perigosa. Começaram a equipar a Lancet II. Auxiliada por
Tamara, Helga desmontou os computadores da Lancet I e, juntas,
carregaram-nos para a outra nave auxiliar. Depois, Tamara trouxe as
baterias de oxigênio, dois aparelhos radiofônicos de reserva e os
outros suprimentos que Cliff tinha especificado. Enquanto isso, os
quatro homens estavam trabalhando na casa de máquinas da Orion.
Desmontaram um dos propulsores hiperespaciais e transportaram as
peças para a Lancet. Hasso indicou o lugar onde a possante máquina
devia ser instalada e começou a pensar na melhor maneira de ligá-la
ao sistema geral da nave auxiliar. Uma outra questão era o suprimento
de energia.
— Não se esqueçam! — advertiu Cliff. — Temos que ter
condições de dirigir a Orion!
— Fique tranqüilo — disse Hasso, sorrindo ligeiramente. — Isso
eu não esqueço de jeito algum!
Instalaram uma bateria suplementar de energia a bordo da lancet.
— Vamos aos testes, Mario. As comportas e a partida automática
do ejetor magnético.
Mario testou as vedações da câmara de lançamento e os ímãs: a
Lancet estava em condições de ser catapultada.
— Contatos radiofônicos — lembrou Cliff. — Será que podemos
ser ouvidos pela Hydra ou por outras naves?
— Podemos, sim! — resmungou Helga, enfronhada em estudar
circuitos e conectar cabos. — Já estou tratando disso!
— Ótimo!
Continuaram a trabalhar denodada-mente e em silêncio.
Cento e setenta minutos mais tarde, a tripulação já tinha vestido os
trajes espaciais e calçado as luvas; os capacetes estavam ao alcance da
mão.
— Helga — disse Cliff — chame a Hydra e peça a posição deles...
Se Lydia estiver em condições de fornecê-la. Depois, ponha-os a par
do nosso plano.
Helga sentou-se diante do transmissor. Subiu a antena telescópica,
conectou o dispositivo hiperespacial e chamou a Hydra. Segundos
depois, ouviu-se a voz de Morris. A recepção era péssima; as
interferências da Nova, que se aproximava, distorciam as palavras e
tornavam-nas quase inaudíveis.
— Aqui fala a Orion VII! — disse Helga e explicou o plano de
Hasso. — Pode determinar sua posição?
— É impossível, Orion! — veio a resposta, fraca e difusa. — Tudo
que podemos fazer é emitir um sinal-piloto constante, se bem que a
nossa reserva de energia já está quase no fim.
Helga virou-se para o comandante.
— Cliff, quanto tempo falta até o desembarque?
— Uns vinte minutos — respondeu McLane.
— Comece a emitir o sinal-piloto daqui a vinte minutos — avisou
Helga. — E ejete uma das Lancet. Vamos precisar do poço de pouso.
— Entendido; e boa sorte! Espero que a continuidade das
dimensões não atrapalhe em nada!
— Todo mundo a bordo da Lancet! — ordenou Cliff. — Vou
colocar a Orion num curso de colisão.
— Vou esperar na câmara de lançamento da Lancet — disse De
Monti e retirou-se. Os outros o seguiram.
223 horas...
Cliff estava só no recinto escuro da cabine de comando e
observava os instrumentos e as numerosas ligações que conectavam a
Lancet à rede de bordo. Mario já tinha ocupado seu lugar na câmara
de lançamento; o resto da tripulação encontrava-se na segurança
ilusória da nave auxiliar. Cliff acionou os propulsores. A Orion
moveu-se.
Devagar, mas ganhando velocidade a cada segundo. Mario havia
programado um curso que conduziria a Orion, inevitavelmente, ao
centro do planeta; ou melhor, ao ponto no qual a Nova incandescente
se encontraria no espaço normal. Assim que a tripulação tivesse
abandonado a nave, o piloto automático a dirigiria ao alvo. A Orion
descreveu um gigantesco arco de circunferência, aumentando sempre
a velocidade.
— Comandante para livro de bordo — disse Cliff, com voz dura.
— O instante da transição aproxima-se... Hora do salto: menos trinta
segundos... Piloto automático sincronizado.
Na tela, a imagem do planeta em brasas: ameaçador, ominoso...
Cliff sabia que estava jogando a última cartada. Dentro de segundos, a
sorte da Terra estaria decidida. E também a da tripulação, se tudo não
decorresse na maior perfeição. Bastava que houvesse a menor falha no
plano para que... Cliff arrepiou-se ao pensar nas conseqüências dessa
alternativa, mas manteve-se firme no seu intento. A nave já estava
com velocidade suficiente para mergulhar no hiperespaço. A voz de
Atan veio dos alto-falantes acoplados à Lancet modificada:
— Todos os aparelhos estão sincronizados, Cliff!
— Ligue o piloto automático! — respondeu o comandante.
— Já está ligado!
O som metálico do piloto automático que era controlado pelo
computador digital assemelhava-se ao zumbido de um marimbondo
gigantesco. Em seguida, a Orion desapareceu no hiperespaço.
Silêncio. Através das minúsculas vigias e nas poucas telas ligadas
só se via aquele cinza isento de qualquer coloração. A partir deste
instante, a tripulação de McLane dispunha de quatrocentos segundos
para abandonar a nave. Cliff observou, atentamente, os instrumentos.
Estava tudo perfeito. O plano estava em andamento.
Os movimentos e gestos de McLane eram rápidos, precisos e
objetivos, evidenciando a prática adquirida em longos anos de
navegação espacial. Cliff colocou o capacete, ajustou os dispositivos
de abastecimento do traje e entrou no elevador que o levou ao convés
inferior. Rápido, juntou-se a Mario na câmara de lançamento. Agora, a
conversa tinha que ser feita através dos fones do capacete.
— Comandante para todos. Podemos produzir vácuo espacial?
Todos responderam à chamada nominal.
— Muito bem! — ouviu-se a voz de McLane. — Mario, abra a
comporta da câmara de ejeção da Lancet.
Mario virou uma alavanca e a comporta recolheu-se, liberando o
acesso ao poço, de uns nove metros de diâmetro, no qual se
encontrava a Lancet. Ao longo dos seus flancos enxergava-se o
universo, o hiperespaço. E, agora o hiperespaço estava sendo
inundado por urna intensa luminescência púrpura, ameaçadora!
— Ajustou o contador regressivo, Mario? — perguntou Cliff.
— Está ajustado para cinco segundos. Quando eu apertar este
botão teremos cinco segundos para entrar na Lancet e fechar a
escotilha.
Cliff ainda hesitou por alguns instantes.
— As naves que estavam vagueando em torno do planeta ouviram
o nosso aviso de alerta, Helga?
— Ouviram, sim! Pode ficar sossegado! — respondeu a
telegrafista.
— Então, aperte o botão! — disse Cliff. Mario acionou o
dispositivo automático destinado a catapultar a nave auxiliar para fora
da Orion e galgou a escada que levava à câmara de pressurização da
Lancet seguido de perto por Cliff. A câmara fechou-se e os seis
tripulantes esperaram pela forte compressão da manobra de ejeção. Os
cinco segundos se passaram. Cliff e Mario entreolharam-se, os rostos
banhados em suor.
— Alguma coisa... na ligação... estava com defeito!... — balbuciou
Mario.
Olharam para fora.
A parte central da instalação da câmara de lançamento estava ao
rubro. Os vidros protetores dos instrumentos derreteram-se e, um após
o outro, os fusíveis de praládio estouraram. Um medo mortal apossou-
se de McLane.
— Para fora! — arquejou. — Ativar instalação de emergência!
A escotilha escancarou-se. Cliff, Hasso e Mario desceram a escada
aos pulos. Imperturbável, a Orion seguia a sua rota de colisão. E com
os tripulantes presos a bordo. Segundos preciosos passaram-se em
total passividade.
9

OS cinco homens estavam profundamente desalentados. Kublai-


Krim estava acocorado num banquinho em frente ao teletipo e não
tirava os olhos cansados da boca de Sir Arthur. O chefe do estado-
maior fazia a larga fita deslizar entre os dedos e lia, mecanicamente,
as notícias que se sucediam sem parar.
— Será que esse governo vai resolver-se a tomar uma decisão? —
perguntou Kublai-Krim.
— Se Wennerstein expor a situação com clareza e for capaz de dar
as explicações necessárias, e isto com muita ênfase, talvez! Mas tenho
minhas dúvidas. Pessoalmente, não acredito nisso. — Sir Arthur
encolheu os ombros num gesto fraco e desanimado. O marechal
Wamsler andava, inquieto, de um lado para o outro; as mãos largas
entrelaçadas nas costas. Vez por outra lançava um olhar preocupado
sobre a projeção estelar.
— Ouçam bem isto! — disse Villa, desta vez sem o tom sarcástico
que todos conheciam. — O parecer da Central de Computação é
inteiramente contrário à evacuação!
Quatro olhares de indagação dirigiram-se ao homem grisalho que,
de alguma maneira, ainda conseguia manter-se calmo e controlado. O
coronel Villa deu repetidos acenos de cabeça.
— E isto tem as suas razões — comentou, baixinho. — Eu lhes
pergunto: quem são aqueles privilegiados quinze por cento da
população, com direito à sobrevivência? Vão ser escolhidos a dedo?
E, se for o caso, quem vai querer arcar com a responsabilidade dessa
seleção?
Villa não recebeu resposta.
— E o que vai acontecer depois que a notícia da pavorosa
catástrofe se espalhar?
Acreditam, seriamente, que os outros oitenta e cinco por cento da
humanidade vão ficar de braços cruzados? E como imaginam que essa
operação possa ser realizada? Vai estourar um pânico de tal magnitude
que, muito antes do aparecimento do planeta, a Terra já estará arrasada
e a ordem do mundo inteiramente perturbada. Já pensaram nisso?
— Provavelmente — disse Wamsler, sem interromper a sua
caminhada irrequieta — não fazemos outra coisa há dias.
— Se o tivessem feito — continuou Villa, impassível — ninguém
entre nós, neste círculo restrito, teria sequer cogitado uma evacuação.
Não faz sentido! Não sei o que seria mais desastroso: o pânico ou o
aniquilamento pelo planeta. E esses quinze por cento de
sobreviventes... Não pensem os senhores que eles vão dar pulos de
contentamento pelo simples fato de ainda estarem vivos! Vivos, para
quê? Sem a Terra sob os pés e o céu por cima, desterrados em algum
planeta primitivo! Repito: não faz o menor sentido!
Kublai-Krim levantou-se e largou a fita do teletipo no chão.
— Está ficando sentimental, coronel! — constatou.
— Claro. Mantive-me calado o tempo todo enquanto aqui se
discutia e eu invejo homens como McLane que estão no campo de
operações e podem, ao menos, tentar fazer alguma coisa de útil. Os
senhores são todos inacessíveis a um certo tipo de argumentação!
"E tem mais! — disse o chefe do Serviço de Segurança Galático,
em tom contundente. — Von Wennerstein não é tão ingênuo quanto
parece. Na minha opinião, mostrou uma habilidade fora do comum ao
conseguir que os senhores acabassem joguetes nas mãos dele!"
O astrônomo levantou-se e postou-se ao lado de Wamsler que
observava a projeção da trajetória do planeta. O longo traço
continuava apontando para o centro do sistema.
— Onde está o planeta agora? — perguntou Wamsler.
O cientista indicou o ponto terminal da linha.
— Está aqui. Por assim dizer, a 222 horas de distância. Não, a
quase 223 horas — disse, depois de consultar seu relógio.
— Alguma notícia de McLane? — perguntou Wamsler.
Kublai-Krim agachou-se e apanhou a fita do teletipo. Analisou os
últimos trechos e disse:
— Nada!
— Seu ídolo... esse McLane! — comentou o astrônomo. — Dá a
impressão de ser um homem decidido.
Wamsler não respondeu de imediato. Depois, disse:
— Só me resta desejar boa sorte. A ele e a nós. Fora disso... nada!
Wamsler retomou sua caminhada irrequieta.
Trinta minutos mais tarde, a cena tinha mudado.
Uma verdadeira multidão de oficiais e ordenanças rodeava os
cinco homens solitários. Um tenente entregou uma folha datilografada
a Kublai-Krim. Era um comunicado.
— Novidades, senhores! — gritou Krim. Não conseguiu, porém,
despertar maior interesse entre os presentes. Ninguém acreditava que,
a esta altura, ainda pudesse surgir alguma notícia auspiciosa; muito
pelo contrário...
— Sim, o que há? — perguntou Wamsler. — Leia em voz alta!
— As naves que estavam tentando desviar o planeta mantiveram
contato radiofônico com a Orion VII.
— O quê?! — exclamou Villa, estupefato. — McLane?
— O oficial de segurança a bordo da Orion, tenente Jagellovsk —
e um longo e significativo olhar foi dirigido a Villa, que fez uma cara
da mais completa consternação — emitiu uma ordem grau alfa:
ordenou a retirada imediata de todas as naves. Parece que McLane tem
algo em mente que quer experimentar.
Villa possuía um extraordinário poder de percepção.
— Meu Deus! — disse, atônito. — Ele pretende causar o choque
entre um objeto no hiperespaço e outro no espaço normal! Lembrem-
se do caso MZ 4! E isto não passa de puro suicídio! — continuou
Villa, quase sussurrando. — Além disso, nem sabemos se a massa da
Orion é suficiente! Vai ser uma catástrofe! Uma catástrofe
inimaginável!
— As naves se retiraram? — perguntou o astrônomo ao oficial que
havia trazido o comunicado.
Kublai-Krim estremeceu e dirigiu o olhar irrequieto ao tenente,
que fez um movimento afirmativo com a cabeça.
— Mesmo numa situação confusa como esta — disse — uma
ordem grau alfa não deixa de ser obedecida. As naves praticamente
fugiram.
Um vozerio emanou de algum lugar e, de repente, uma gritaria
confusa invadiu o gabinete.
— O que está havendo? — berrou Wamsler. Sua voz estentórea
impôs-se à barulheira. Com empurrões resolutos, um oficial abriu
caminho pela multidão e parou diante de Wamsler.
— Marechal!... Marechal! — gaguejou, trêmulo.
— Controle-se, homem! — berrou Wamsler.
— Recebemos um comunicado da Estação Avançada-IV! —
conseguiu exclamar o oficial, ofegando.
Wamsler olhou-o de alto a baixo. Num segundo, os presentes
tinham formado um anel compacto de curiosos em torno de Wamsler
e o oficial.
— Continue!... — animou Wamsler.
— A imagem do planeta sumiu de todas as telas, Marechal!
Já estava em condições de fazer um relato coerente:
— Inicialmente, os telescópios de Jodrell Banks registraram um
alastramento do hidrogênio interestelar. Uma súbita expansão tornou a
Nova dez vezes maior. A radiação, captada na freqüência dos 1420
Megahertz e na faixa de onda de 21 centímetros, intensificou-se e
depois se extinguiu completamente, afora alguns restos desprezíveis.
— Isto significa — disse o astrônomo, numa voz que até os mais
afastados puderam ouvir — que a Nova artificial inflou-se e, depois,
desabou.
— Correto! — respondeu o oficial. — É o que diz no comunicado.
Em seguida, constataram que, no local daquele sol brilhante, não havia
mais nada além de fragmentos voando em todas as direções e um resto
de hidrogênio incandescente. O planeta foi destruído por uma
explosão. E, neste mesmo local, o espaço fendeu-se: uma parte da
massa do planeta deve ter desaparecido no hiperespaço. Desde aquele
instante, toda a comunicação radiofônica na nossa esfera espacial de
novecentos parsec entrou em colapso.
— Isto — disse Villa, num tom de infinito alívio — não vai tirar o
sono de ninguém. Ademais, noventa por cento das mensagens
trocadas na nossa esfera espacial não passam de besteira mesmo.
Por um instante, o silêncio no gabinete era total. Mas, então, o
verdadeiro significado daquele comunicado penetrou nas mentes
martirizadas e fatigadas dos presentes. E o gabinete de Wamsler
transformou-se num pandemônio de júbilo e alegria incontida. Villa,
Wamsler e o oficial que havia trazido a boa nova permaneceram
juntos. A expressão de Wamsler continuava séria.
— E... tem alguma mensagem de McLane?
O oficial sacudiu a cabeça, em silêncio. Estava pensando que fim
teria levado seu colega. Depois, respondeu:
— Nenhum contato com McLane, Marechal Wamsler.
— Meu melhor homem — murmurou Wamsler. — Sacrificou-se
pela Terra!
Sir Arthur aproximou-se do grupo e viu-se diante de semblantes
frios, controlados. Arthur segurava um copo quase vazio na direita e
deu um tapinha no ombro de Wamsler. Villa estremeceu, indignado.
— Estamos salvos, Wamsler! — gritou Sir Arthur. — A Terra está
salva!
— Isso mesmo — disse Wamsler, em tom formal e frio. — E a
equipe de McLane está morta.
— Sabe... — disse Arthur, num falsete estranho e com uma
expressão de alegria quase infantil — ...sabe, eu já não acreditava
mais que fosse possível. Entende? Não conseguia mais visualizar essa
catástrofe. Perdi a noção do perigo. Era monstruoso demais. Mas o
fato de que conseguimos escapar mais uma vez... Wamsler, o que é
que há?
Em voz baixa, o marechal-do-espaço respondeu:
— Estou preocupado com McLane! É isso o que tenho!
— Preocupado com McLane? O senhor? Logo o senhor, Wamsler?
— perguntou Sir Arthur, num tom cínico e condescendente.
— Não vai acreditar, mas é verdade! — respondeu Wamsler.
Sir Arthur tornou-se mordaz:
— Que eu me lembre, nunca subestimou McLane antes. Vai ver
que nada lhe aconteceu.
Villa intrometeu-se com sua temida ironia.
— Meu caro senhor — disse — não se trata propriamente de
McLane. Trata-se, isto sim, do fato de que um homem sacrifica a si
mesmo, sua tripulação e uma nave para salvar a vida de gente como o
senhor e eu. Isto aconteceu. E, na minha humilde opinião, isto deveria
ser respeitado.
Villa virou-se abruptamente e abandonou o grupo. Por alguns
segundos, Sir Arthur permaneceu parado, indeciso. Finalmente,
resolveu retirar-se, não sem ter dado mais um tapinha no ombro de
Wamsler. O astrônomo dirigiu-se ao marechal:
— Sir Arthur está ficando velho, não acha?
Wamsler acenou lentamente com a cabeça enorme e disse,
enquanto se postaram diante da projeção da esfera espacial:
— Todos esses sujeitos aqui estão festejando o êxito da operação
como uma vitória pessoal. Na realidade, só houve um único vitorioso:
McLane! Aliás, por que não deu certo aquela história de carregar uma
nave com antimatéria? Afinal, teria sido uma maneira eficaz... ou
estou enganado?
O cientista sacudiu a cabeça.
— A razão é muito simples: a nave não tem condições de produzir
essa antimatéria. Eliminada essa possibilidade, só restava uma última:
e foi essa que McLane aproveitou!
Juntos, saíram do ambiente barulhento e agitado do gabinete de
Wamsler.
— E tinha que ser logo o comandante punido que vislumbrou o
último recurso! — comentou o astrônomo.
Wamsler não respondeu. Não havia mais nada a dizer. McLane
estava morto. Morto, como Jagellovsk, Legrelle, Monti, Sigbjörnson e
Shubashi.

***
— Com mil diabos! — gritou Mario. — A instalação magnética
está emperrada!
Estavam nervosos diante da instalação que se deformava e retorcia
em brasas. Hasso agarrou a alavanca do disparador e puxou-o para
baixo. Imediatamente, sua luva começou a derreter, fumegando. O
rosto de Hasso contorceu-se numa careta de dor.
— Partida manual! — gritou Cliff. — Arranquem os ímãs!
Virou-se apressadamente e agarrou um dos pesados pés-de-cabra
do encaixe na parede. Correu em direção ao mais próximo dos três
ímãs que ligavam a Lancet aos trilhos do poço de partida. O primeiro
golpe separou o ímã do casco da nave, mas o ímã já estava soldado ao
trilho. Cliff reparou que o pequeno trecho do hiperespaço, visível no
alto do poço, irradiava agora uma luminosidade bem mais intensa. Ao
que parecia, também esta dimensão era afetada pelas forças capazes de
transformar matéria sólida de um planeta em hidrogênio. O segundo
ímã despencou.
Como não havia atmosfera no ambiente, tudo se processou no mais
absoluto silêncio. Somente a respiração ofegante dos homens e as
palavras que trocavam eram transmitidas pelos fones dos capacetes.
Conseguiram arrancar o terceiro ímã. Hasso estava por baixo da
Lancet e arrancou o selo de uma pequena alavanca. Uma dor
lancinante atravessou-lhe as mãos queimadas quando empurrou a
alavanca para a frente. Conseguiu encaixá-la na endentação do
dispositivo de ignição e, então, uma labareda, envolta em fumaça
branca, lançou-se para o interior da câmara. Os foguetes
convencionais arrancaram a Lancet para o alto. A nave elevou-se,
cambaleante, atritando as arestas contra os trilhos. A chama reduziu-
se. A Lancet estava livre.
Um registro na tubulação de óleo sob alta pressão começou a
vibrar. Instantes após, a carcaça estourou e um jato de óleo fervente
impeliu Cliff contra a parede. Só o traje espacial salvou-o da morte
certa.
— Liguem os ejetores individuais! — gritou Mario.
Ficou parado no meio do poço, até certificar-se de que Cliff estava
firmemente agarrado por Hasso. Em seguida, ligou a ignição do
pequeno ejetor nas costas do traje e foi projetado para cima com uma
aceleração de 5 g que parecia dilacerar os músculos e nervos. Uma dor
aguda varou-lhe o peito. Segundos depois, Mario emergiu da Orion e
desapareceu no meio amarelado do hiper-espaço, a exemplo da
Lancet. Cliff e Hasso estavam sozinhos no piso do poço de
lançamento e a Orion prosseguia rumo ao planeta que já estava bem
perto. Perto demais!
— Cliff — gritou Hasso. — Ligue seu ejetor individual!
Os dedos de Cliff procuraram o botão de ignição no cinto.
Encontraram-no. Juntos, os dois homens foram projetados para fora
do poço; a mão de Hasso firmemente agarrada ao cinto de Cliff.
Pouco depois, estavam livres. Abaixo deles, a Orion afastava-se
velozmente, dirigida pelo computador. Quatro corpos flutuavam na
difusa escuridão: a Lancet e três membros da tripulação. Helga
mostrou, então, que sabia agir com rapidez e decisão. De súbito, os
três homens ouviram uma voz nos fones do capacete:
— Aqui fala Helga, na Lancet. Vejo vocês três na tela.
Respondam, por favor!
— Até que enfim! — ofegou Mario De Monti. — Está na horinha
de nos apanhar, garota! Daqui a segundos, um pedaço do universo vai
explodir e vai ser aqui por perto! Depressa!
— Hasso falando! — disse Sigbjörnson com sua calma
costumeira; apesar de um ligeiro tom de apreensão na voz. — Agarrei
Cliff pelo cinto. Parece que vai desmaiar.
— Desliguem os ejetores individuais! — comandou Helga. —
Vamos buscar vocês! Hasso e Cliff primeiro.
As minúsculas chamas dos três propulsores extinguiram-se. As
esferas de vidro na parte superior da Lancet aproximavam-se através
da luminosidade difusa. A comporta estava escancarada. Hasso
agarrou-se a um travessão e içou-se para dentro, sem largar o cinto de
Cliff, apesar da mão queimada.
— Estamos a bordo! — disse Hasso e sentiu que Helga acelerava a
Lancet.
Instantes depois, Mario alçou-se para dentro da câmara e fechou a
comporta, empurrando os trincos de segurança com as duas mãos.
— De Monti a bordo! — anunciou em voz alta. Imediatamente, a
comporta interna foi aberta. Hasso reparou que Atan já estava sem o
capacete e começou a desatarraxar o de Cliff. O rosto do comandante
estava lívido. Seus lábios estavam ficando azulados.
— Oxigênio! — disse Atan, que reconheceu logo os sintomas da
asfixia.
— Mas foram apenas alguns segundos! Hasso abriu a válvula do
seu pequeno tanque e enfiou a extremidade do tubo na boca de Cliff.
Os pulmões do comandante encheram-se de oxigênio puro.
— Vamos, garota! — disse Mario. — O negócio agora é cair fora
o mais depressa possível!
O propulsor da Orion acelerava a Lancet sem cessar. Atan tinha
calculado em que direção teriam que fugir e Helga manteve a nave
auxiliar nesse rumo. A explosão ainda não havia ocorrido, mas a
qualquer momento iria rachar aquela esquisita penumbra. Cliff
recobrou os sentidos. Ao abrir os olhos, viu o rosto preocupado de
Hasso.
Enquanto Cliff estava desmaiado, Hasso descobriu que o jato de
óleo fervente havia destruído o tanque de oxigênio do comandante.
— Onde é que estamos? — perguntou Cliff, respirando
profundamente.
— Estamos na Lancet e fugindo a todo vapor! — explicou Mario,
também já sem o capacete.
E, de repente, desapareceu aquela cintilação clara que tinha
inundado o cinza do hiperespaço. A Lancet ainda se encontrava nesse
meio sem limites e sem estrelas e se deslocava com uma velocidade
que não podia ser medida com os instrumentos disponíveis. A fuga
transcorria em profundo silêncio. Quase não ousavam respirar. Seis
olhares aflitos furavam as pequenas cúpulas de Plexol, tentando
enxergar alguma coisa naquele meio insondável...
Nada estava resolvido. Tudo ainda podia acontecer. A Lancet seria
atingida pela violenta explosão? E também a Hydra, que estava
vagando pelas proximidades? Ninguém o sabia. E os últimos segundos
se passaram...
***
Cento e cinqüenta mil quilômetros por segundo...
Esta era a velocidade de uma esfera constituída de matéria
planetária que possuía uma circunferência equatorial de uns 80 mil
quilômetros e, aproximadamente, a densidade do planeta Terra. E
estava envolta num halo de hidrogênio. Hidrogênio luminoso e
quente. Hidrogênio com uma temperatura de 5 mil graus Kelvin. E
esta esfera se projetava através do espaço tridimensional. Um sol
irradiante que se expandia 9 mil quilômetros em cada segundo. O gás
incandescente alastrava-se sem cessar. Nas telas das estações de
controle e nos telescópios da Terra o sol crescia sem parar. E
representava o fim do sistema terrano.
Duzentos e sessenta mil quilômetros por segundo...
Esta era a velocidade de um disco feito de aço, vidro e matéria
plástica e repleto de máquinas, aparelhos e suprimentos de todos os
tipos. E este disco cruzava o hiperespaço, dirigido pelo piloto
automático, em direção a um ponto fixado por cálculos matemáticos.
Para o mesmo ponto dirigia-se, também, aquele sol... ou planeta.
Aquela Nova. Era o ponto de encontro de dois objetos, provenientes
de mundos com sistemas de referência diferentes.
O planeta errante e a Orion VII...
Caso se chocassem, um destruiria o outro. E era isso que se
almejava. Mas ninguém sabia quais seriam as conseqüências
secundárias. O universo seria estraçalhado? Ou o hiperespaço seria
consumido pelas chamas? O choque libertaria forças cósmicas
inconcebíveis? Ou aniquilaria outras? E o diâmetro da explosão, que
magnitude alcançaria? Só mais quatro segundos... só mais três... dois...
um segundo... E então um relâmpago ofuscante rompeu a escuridão.
Um tremendo trovão parecia percorrer o universo de ponta a ponta
através do hiperespaço. A fenda luminosa fechou-se novamente e uma
esfera rubra apareceu no local do choque. Como num movimento em
câmara lenta, a esfera esfacelou-se em centenas de pedaços, alguns
dos quais permaneceram no espaço normal, enquanto outros
mergulharam no hiperespaço, vagueando em todas as direções e
soltando descargas fulgurantes. E todas as naves que se encontravam
no hiperespaço, num raio de cem anos-luz, sofreram as mais variadas
avarias. Eram poucas, mas a Hydra e a Lancet contavam-se entre elas.
E, como todas as regiões do universo desembocavam,
simultaneamente, no hiperespaço, ocorreram fatos inacreditáveis no
sistema solar, no setor da Terra. Porém, estes só foram constatados
depois de algum tempo e causaram a maior estranheza.
Assim, verificou-se que Phobus, uma das duas luas de Marte,
estava coberto por uma camada vitrificada de Samarium. A camada
tinha uma espessura de 192 mícrons e era ligeiramente radioativa.
A energia da detonação estendeu seus tentáculos em direção à
Lancet...
O pequeno esferóide começou a balançar e arfar ao mesmo tempo.
A violência da explosão estava começando a fazer sentir seus efeitos.
— Mario! — alertou Helga, que operava os manetes da direção
manual. — Os estabilizadores!
Mario calcou uma série de botões vermelhos. O propulsor que
tinham retirado da Orion começou a uivar numa cadência irregular.
Uma tela fosca e alguns mostradores estouraram, flamejando. Os
tripulantes agarraram-se aos assentos. Um relê foi expelido do suporte
e atravessou a cabine, zumbindo, arrancando uma apara metálica junto
ao encaixe de uma das cúpulas no teto. Mario inclinou-se sobre o
velocímetro e recuou bruscamente. No mesmo instante, a lâmpada
estalou e um estilhaço da rosca metálica atingiu o rosto do
subcomandante, cortando a pele da têmpora ao queixo. Mario soltou
um forte gemido, cobriu o rosto com as duas mãos e desabou. Helga
recorreu a um método simples para minimizar os efeitos da explosão:
determinou a direção das ondas de choque e manobrou a Lancet até
que o seu deslocamento coincidisse com essa direção. Agora, a
pequena nave era impelida para a frente pelos sucessivos impactos e
os esforços verticais eram absorvidos com facilidade.
— Que droga, também! — gritou Cliff e levantou-se de um só
pulo para socorrer Mario. Mas cambaleou sob o efeito do abalo
seguinte.
— Acelere, Helga! Acelere! — gritou Hasso, agitado.
A Lancet deu mais um salto. A força normal voltou a atuar de
repente, anulou-se e não retornou. Mas uma tremenda compressão
vertical imprensou os seis tripulantes contra as poltronas e os
pequenos painéis. Fenômenos luminosos apareceram nas telas,
instrumentos fundiram-se e vários ponteiros estavam loucos. Por cima
do caos pairava um gemido cavernoso, animalesco.
— Desligar a propulsão! — ordenou McLane, apressadamente. —
Fechar registros das baterias! Cortar energia latente... ou a nave vai
explodir!
Um novo impacto lançou Helga contra o braço da poltrona. Ela
ficou sem fôlego, incapaz de se mexer. Num esforço sobre-humano,
Hasso ergueu-se, espalmando as mãos queimadas e, com duas
pancadas do cotovelo direito, empurrou as duas teclas largas para
dentro do painel. Imediatamente, o gemido das máquinas
sobrecarregadas transformou-se num silvo estridente cuja intensidade
diminuía aos poucos. Gradativamente, a pressão normalizou-se. Ainda
havia tinidos de vidros. Depois, silêncio!
McLane lançou um olhar cansado para sua equipe e para Tamara
que estava sentada ao lado de Atan e Helga e tinha observado aquele
inferno com olhos apavorados. O olhar de McLane exprimia, ao
mesmo tempo, resignação, esgotamento e a euforia do vencedor.
Com voz grave, Tamara perguntou:
— Que foi que aconteceu, Major? Cliff baixou as mãos.
— Estávamos perto demais do local da explosão para escapar
ilesos. Um pouco mais de distância e tudo teria sido mais brando.
Atan desatarraxou o capacete de Hasso, enquanto Helga mexia na
bateria de oxigênio para aumentar a concentração na cabine. O rosto
de Mario estava ensangüentado. Havia sangue, também, em algumas
telas e em trechos do painel de controle. McLane virou-se.
— Eu tive culpa, Cliff? — perguntou Mario, falando com
dificuldade. — Eu me refiro à fracassada ejeção da Lancet!
McLane deu um sorriso cansado e respondeu:
— Não teve, não, Mario! Ninguém podia prever que a energia
invadisse o hiperespaço. Menino! Desconfio que a Orion estava
pertinho do núcleo do gigante! Depois, descreveu aquele arco enorme
e colidiu. Nós só sofremos os efeitos do gás.
Tamara abriu o estojo de primeiros socorros e retirou um objeto
em forma de pistola. Depois, umedeceu um tufo de algodão com
desinfetante e aproximou-se de Mario, que fez um gesto de
inconfundível desaprovação, olhando desconfiado para o objeto.
Impassível, Tamara limpou a extensa ferida. A pistola emitiu um leve
zumbido e uma tênue película transparente cobriu toda a parte
atingida que parou de sangrar na hora. Uma agradável sensação de
frescor fez o resto. Mario exibiu um sorriso de agradecimento.
Tamara virou-se para Cliff e perguntou:
— E a Terra? Que fim terá levado?
— Suponho — respondeu McLane, bastante preocupado — que o
nosso planeta foi estraçalhado.
Nas imediações, mas a uma distância que não oferecia perigo,
flutuava um dos escombros azulados, girando lentamente. A Lancet
deslocava-se em vôo calmo. Só vez por outra algum vidro tinia ou
uma interferência crepitava nos alto-falantes.
— E a Hydra! — quis saber Hasso e olhou para as mãos
queimadas. Tamara pôs-se a medicá-las.
— Os pobres-diabos! — disse Atan. — Se a nave deles já não
estava intacta e teve que permanecer no hiperespaço, essa tempestade
deve ter acabado com eles de vez. Devíamos tratar de encontrá-los.
— É exatamente isto que vamos fazer agora — disse Cliff, em tom
decidido. — Eu assumo os controles, Helga, e você vai procurar
estabelecer contato com Lydia van Dyke.
Helga fez um gesto afirmativo e entregou os controles a McLane.
10

O ASPECTO era o de um naufrágio. O casco da Hydra estava


corroído pelas energias do hiperespaço revolto. No lugar dos dois
diafragmas na curvatura superior que tampavam os poços das Lancet,
havia apenas duas enormes aberturas com bordas irregulares e
retorcidas. As duas naves auxiliares tinham sido arrancadas dos poços.
As antenas estavam derretidas e os projetores quebrados. Com
exceção de uns poucos dispositivos de emergência, a instalação
interna havia sido totalmente destruída. O pedaço da antena
hiperespacial ainda emitia uma seqüência contínua de débeis
impulsos. E era só. Nem uma única lâmpada-piloto estava acesa.
A pilha atômica tinha explodido...
A parte inferior da nave era uma paisagem radioativa de vigas
rompidas, escoras entortadas e chapas retorcidas, em formas bizarras.
Metal havia derretido, escorrendo pelas peças de aço destruídas. E,
solidificando de novo, formava estranhos pingos que brilhavam de
maneira ameaçadora. As cabines estavam devastadas e os depósitos,
vazios. Ligeiramente à deriva, a Hydra afastava-se do sol, no
hiperespaço. Somente a cabine de comando ainda estava intacta ou,
melhor, estanque e dispunha de alguns recursos. Ainda havia calor no
recinto e umas poucas luzes, fracas, continuavam acesas por trás dos
mostradores estilhaçados. Três luminárias auxiliares, amareladas,
difundiam uma claridade irreal. O general van Dyke estava dormindo.
Lydia estava refestelada na poltrona, a cabeça recostada no
espaldar. O capacete encontrava-se ao alcance da mão, em cima da
tela inutilizada. Ainda havia oxigênio na cabine mas a qualidade do ar
piorava a cada minuto.
Morris, o oficial da Vigilância Espacial, estava sentado, desolado,
em frente ao aparelho radiofônico. Nem por um passe de mágica,
conseguiria operar a instalação semidestruída, mas tinha quase certeza
de que impulsos hiperespaciais ainda estavam sendo emitidos pelo que
sobrou da antena. Aferrava-se à idéia de que McLane tinha
conseguido destruir o planeta e estava, agora, à procura da Hydra,
conforme havia prometido. Afinal, McLane era um ás. Saberia como
proceder. Mas e essa detonação ainda agora?... Morris sacudiu a
cabeça. Quem teria explodido? O planeta? Ou a Orion VII? Ninguém
o sabia.
— Morris? — sussurrou o astronavegador.
— Sim, Kensigtoon? O que é?
— Quanto tempo acha que ainda agüentamos? — perguntou o
astronavegador, mantendo a voz baixa para não acordar Lydia.
— No mínimo, mais vinte e quatro horas — afirmou Morris. —
Está com medo?
— Estou. Será que McLane foi bem sucedido?
— Não tenho a menor idéia, mas espero que sim. Pessoalmente,
acredito que Cliff vem nos buscar.
Alguns segundos se passaram. Em algum lugar, metal rangia,
vidros estalavam. Lydia acordou.
— Morris... Kensigtoon? — chamou, em voz alta.
— Aqui, General! — veio a resposta.
— Então ainda estamos todos vivos! — constatou Lydia,
secamente. Morris teve que admirar o sangue-frio daquela mulher.
— Ainda! — enfatizou Morris.
— Sabem — disse Lydia, como que falando consigo mesma —
desde o momento em que McLane descobriu os estranhos em MZ 4,
eu me pergunto qual o sentido que tudo isso faz. Esses extraterranos e
nós humanos... É óbvio que não temos interesses comuns. Eles não
conseguem sobreviver em atmosferas que contêm oxigênio. Conosco,
acontece o contrário. Por que razões eles nos atacaram duas vezes e a
última com indisfarçadas intenções de nos eliminar de vez?
Morris refletiu por alguns instantes. Depois, respondeu:
— Seria muito elementar, defini-los apenas como hienas do
cosmos ou como seres belicosos. Talvez a explicação se encontre no
fato de possuírem uma mentalidade bastante diferente da nossa.
— Acredita, então, que o código de ética deles diverge
fundamentalmente do nosso? — perguntou Lydia, em tom des.-crente.
— Mas eu não consigo admitir que uma raça, com o nível de perfeição
técnica deles, possa agir cega e agressivamente, só porque descobriu
outros seres dotados de inteligência.
Morris deu um sorriso cansado.
— Eu também não consigo conceber isso — respondeu. — Mas,
parece ser a realidade. A senhora quer um café quente?
Lydia fez que sim.
— Esse sono me fez bem — admitiu. — Suponho que a nave virou
sucata.
— Não está supondo, acertou em'cheio! — respondeu o
astronavegador. — Há pouco tentei passar pelos corredores. O aspecto
é desolador. Está na hora de McLane aparecer.
— Ou algum outro comandante — observou Morris.
Lydia ergueu-se e movimentou os braços para ativar a circulação.
— Não, Morris! — disse, em tom enérgico. — Espero ser salva
por McLane em pessoa!
Morris entregou-se à única tarefa que ainda prometia algum êxito
naquele amontoado de destroços: esquentar o café. Depois,
continuaram a espera angustiada.
***
Cliff estava pensando em como deviam proceder, a fim de
encontrar a Hydra o mais rapidamente possível.
— Tamara — chamou, manipulando uma série de controles.
— Sim, major? — perguntou a agente do SSG, que estava
arrumando o estojo de primeiros socorros.
— Já tratou das mãos de Hasso?
— Já. Acabei de aplicar os curativos necessários.
— Ótimo! Então, Hasso, quer ir às máquinas, por favor?
Equipada com um dos possantes propulsores e duas baterias de
energia da Orion VII, a Lancet possuía grande mobilidade no
hiperespaço, mas não podia retornar ao espaço normal porque não
dispunha das instalações para o vôo de transição entre os dois sistemas
de referência. Além disso, o casco fraco da Lancet não tinha sido
projetado para a realização deste salto.
— Helga, procure captar algum impulso!
Helga estava girando os botões do transmissor, verificando toda a
gama de freqüências.
— Já estou fazendo isso há dois minutos, Cliff!
McLane agradeceu e começou a acelerar a Lancet, enquanto Helga
continuava à cata de algum sinal. Quando a nave seguia numa
determinada direção, a variação na modulação dos impulsos
significava que esta direção levava à fonte emissora... ou não. Helga
precisava prestar bastante atenção.
— Provavelmente a Hydra foi destruída — comentou Mario.
Hasso acenou com a cabeça e procurou não olhar para as mãos.
Tamara havia removido os restos das luvas queimadas e aplicado um
lenitivo, mitigando as dores que Hasso sentia nas palmas das mãos.
— Está certo! — respondeu. — Mas não se esqueçam que a Hydra
é da mesma série da Orion VII. Portanto, a célula da cabine de
comando possui uma estabilidade fora do comum, e está apoiada em
amortecedores a prova de abalos fortíssimos. Se os três não estavam
nas câmaras das Lancet ou na casa de máquinas, tiveram muitas
chances de sobreviver.
— Isso me tranqüiliza, Hasso — disse Cliff e iniciou uma outra
manobra. Helga sacudia a cabeça, em silêncio.
— Nenhum sinal?
— Até agora, nada!
***
A detonação ocorreu nas imediações do sistema solar terrano e
fatos inexplicáveis, além do ocorrido em Phobos, aconteceram, no
mesmo segundo, em todos os pontos. Na Terra, entre o Japão e a costa
russa, uma lombada ergueu-se do mar. Três dos mais produtivos poços
de petróleo secaram de uma hora para outra. No satélite da Terra,
Luna, o solo fendeu-se. Na cratera lunar Bullialdus, uma agulha
rochosa elevou-se a cento e dez metros do centro. O cone afilado
media noventa metros de altura e a base tinha um diâmetro de doze
metros. A agulha consistia de elementos cristalóides que desabaram
no decorrer de três noites lunares, formando um anel em torno da base
da agulha. Um funcionário do Laboratório de Ensaios do
Departamento de Material Bélico estava passando pelo local no seu
veículo lunar e descobriu a estranha configuração. A análise do
material revelou que se tratava de carbono cristalino, ou seja, de
diamantes. A divulgação desta descoberta ocasionou uma violenta
flutuação nos preços dos diamantes naturais e industriais.
***
A tensão nervosa tornava-se insuportável. As horas passadas em
claro, os perigos, a imprevisibilidade das situações que balançavam no
fio da navalha tinham deixado profundas marcas nos seis tripulantes.
Cliff mantinha-se num silêncio total, alternando, constantemente, as
manobras da Lancet. Helga havia acoplado todos os amplificadores
disponíveis e procurava, sem cessar, captar algum impulso da Hydra.
Tamara estava recostada na poltrona lutando contra o sono. Atan
Shubashi mantinha-se ocupado com seus cálculos, cobrindo folha
após folha do bloco de apontamentos com fórmulas matemáticas e
desenhos. Estava tentando determinar as chances que tinham de
encontrar a Hydra e quando. Hasso estava dormindo. Roncava
baixinho mas a esta altura dos acontecimentos ninguém se
incomodava. Mario de Monti, ainda com um tique nervoso a
contorcer-lhe os cantos da boca, estava atrás de Cliff, observando as
manobras do comandante.
— Cliff... — sussurrou Helga — creio que captei alguma coisa!
Os homens estremeceram. Cliff estabilizou a nave no curso que
tinha acabado de adotar.
— Tem certeza? — perguntou Cliff, em voz alta.
Helga esticou o braço para cima e fez um gesto giratório com a
mão. Todos sabiam o que significava.
— Transfira o sinal para os alto-falantes! — ordenou Cliff,
passando o dorso da mão pela barba crescida. Estalos emanaram dos
alto-falantes. Depois, todos ouviram. Hasso acordou.
Um zumbido trêmulo, surdo. Durou um segundo. Seguiu-se uma
pausa de três segundos.
— São eles! — gritou Atan. — Analise os impulsos, Helga!
Helga já estava tentando determinar a direção da qual vinham os
sinais. Em questão de segundos, determinou a distância a que a Hydra
devia estar flutuando e entregou os dados ao comandante. Cliff
acelerou a nave e controlou a direção. Injetou pouca energia no
propulsor para não ter que frenar depois com violência excessiva.
— Esse aparelho está funcionando com fita gravada — informou
Helga. — Nenhum telegrafista conseguiria manter intervalos tão
precisos. Quanto a isso, não há dúvidas!
Um frio gélido subiu pela espinha de Cliff.
— Isto pode significar... — sussurrou; e deixou a frase por
terminar.
"Podia significar," pensava Hasso, "que não havia mais ninguém
vivo a bordo da outra nave e somente uma fita magnética se
desenrolando. Um aparelho funcionando alimentado por uma fonte em
vias de se esgotar..."
Arrancou-se, bruscamente, das suas divagações e disse, em tom
rude:
— Besteira! Foi Lydia van Dyke quem ensinou o nosso jovem
herói aí. Tudo que ele faz, ela faz melhor!
Cliff deu um sorriso fraco.
— Quer que eu dê um sinal luminoso? — perguntou Atan.
— Não! — respondeu Cliff. — Vamos poupar energia. Você podia
ligar o radar e vasculhar na direção do vôo para evitar uma colisão
com a Hydra.
— Entendido, Cliff.
Atan pôs-se a manipular os comandos do aparelho de radar. A
extensão do hiper-espaço criou uma cintilação verde na tela circular.
Ainda não se via qualquer ponto, qualquer silhueta em forma de disco.
— Vou continuar — disse Atan e girou as antenas. Lentamente, a
Lancet flutuava em direção ao alvo. Uma sensação de incerteza
apossou-se dos seis tripulantes. Todos, com exceção de Tamara que
era leiga no assunto, sabiam o que estava em jogo. O espaço cósmico
e, em especial, o hiperespaço ofereciam perigos redobrados a quem
não estivesse devidamente preparado ou suficientemente equipado. E
tanto a Hydra destroçada quanto a Lancet, com suas instalações
improvisadas, não dispunham do equipamento adequado. A
sobrevivência seria obra do acaso ou questão de pura sorte.
— Ecos no radar! — avisou Atan. — Objeto em forma de disco a
uma distância que corresponde a mil e trezentos quilômetros no
espaço normal.
— Entendido! — disse Cliff. — Vou manter a direção.
— O disco está exatamente sobre nossa trajetória! — respondeu
Atan, alarmado. — Não observo qualquer movimento, afora uma
ligeira derivação.
A Lancet prosseguia na rota. Cliff desligou as máquinas.
— Daqui a pouco — disse Mario — vamos ver se todo esse
esforço valeu a pena. Espero que sim!
11

— Meu Deus! — exclamou Mario De Monti, abalado. Estava ao


lado de Tamara, olhando para fora, através de uma das cúpulas
hemisféricas. A dez metros de distância, boiava a Hydra. Atan
manejava o holofote e o jato de luz iluminou as bolhas e os orifícios
no casco da nave em ruínas.
— Ali não ha mais nada que se possa ser salvo! — murmurou
Tamara.
— Nada de conclusões precipitadas! — gritou Hasso. — Como
vamos proceder agora?
Cliff estava refletindo e foi interrompido por Atan que tinha
dirigido o jato do holofote para dentro de uma das aberturas de bordas
lascadas, antes fechada pelo diafragma de vedação. O poço de
lançamento da Lancet estava vazio.
— Foi catapultada! — observou Atan, laconicamente.
— Isso me dá uma idéia — disse Cliff. — Pousamos nesse poço,
abrimos caminho através dos corredores e forçamos a entrada para a
cabine de controle. Se necessário, destruímos qualquer obstáculo com
as HM-4. De acordo?
— De acordo, Cliff! — disse Hasso. — Pode funcionar. E
levantou-se. Cliff barrou-lhe o caminho:
— Você vai ficar aqui, Hasso! — explicou. — Pense nas suas
mãos!
— Estou pensando mais no general van Dyke! — corrigiu Hasso.
Cliff tornou-se categórico.
— Só Atan, Mario e eu vamos sair da Lancet após o pouso! E isto
é uma ordem!
Atan acendeu mais um holofote.
— Vai tentar mesmo? — perguntou.
— Vou, sim!
O perigo em nada tinha diminuído. Estava a espreita naquela nave
destroçada que podia explodir a qualquer momento.
— Fechar trajes, calçar luvas e ligar fones! — comandou Cliff. —
Vou iniciar a manobra de pouso!
Cautelosamente, com reduzida velocidade, a Lancet aproximou-se
da superfície destruída da nave espacial. Atan controlava o
afastamento lateral que, em condições normais, era mantido constante
por um engenhoso sistema de pequenos campos antichoque. Mas este
dispositivo também havia sido destruído.
— Pode descer direto! — avisou Atan. — Os afastamentos estão
certos!
A Lancet baixou no poço a intervalos mínimos. Segundos após,
pousou. Os elementos de suporte ainda existiam.
— Atan, Mario... estão prontos? — perguntou Cliff.
O astronavegador e o subcomandante já estavam à sua frente e
ajudaram-no a fechar o traje e colocar o capacete. Cliff calçou as luvas
e examinou a carga do projetor. Depois, ligou os fones e perguntou:
— Estão com as armas prontas? Colocaram carregadores novos?
Responderam que sim. Afinal, eram astronautas experimentados.
Entraram na câmara de pressurização e fecharam a comporta
interna. Não cabia mais ninguém no apertado compartimento. A
escotilha externa recolheu-se num recesso da parede externa da nave.
Acenderam as lanternas dos cintos. Os cones de luz revelaram um
quadro desolador. O fogo e a destruição tinham grassado à vontade.
— Conforme a disposição na nossa nave, de saudosa memória,
esta deve ser a câmara número um — disse Atan, que caminhava
quatro passos à frente de Cliff. Atrás do comandante, Mario tropeçava
através da escuridão de arma na mão.
— Portanto, temos que seguir em frente até o primeiro
cruzamento. Depois, é só virar para a direita e subir o poço ao lado do
elevador! — resmungou Cliff que se sentia imensamente cansado e
moído.
A HM-4 de Atan flamejou. Um fino raio atingiu a chapa de aço
retorcida, que pendia perigosamente do teto. Esta despencou,
silenciosamente, em meio a um chuviscar de fagulhas. O baque
inaudível propagou-se pelo piso.
— Adiante!...
Seguiram os feixes de luz. Tropeçaram em cabos arrebentados e
pisaram em algum material elástico. Suas botas estalavam no chão,
mas ninguém ouvia os ruídos porque não havia meio gasoso para
propagá-los. Chegaram ao primeiro cruzamento e pararam.

***
— Estou ouvindo algo! — gritou Kensigtoon. No mesmo instante,
uma breve pancada abalou a nave. Os cacos de vidro no piso tiniram.
O ar na cabine já estava quase irrespirável e malcheiroso. A instalação
renovadora também tinha entrado em colapso.
— Alguém acostou à Hydra! — disse Lydia van Dyke. — Quando
repararem o aspecto da nave vão tentar abrir caminho até aqui. Vamos
fechar os trajes e ligar os rádios.
Auxiliaram-se mutuamente. Depois, os alto-falantes estalaram e no
mesmo momento ouviram a voz de McLane:
— O que eu vejo dá até para desanimar! Ajude-me aqui, Mario!
— Não tenha receios, major! — disse Lydia, com voz áspera e
controlada. — O conteúdo desta lata ainda está intacto!
Durante três segundos só se ouvia a respiração ofegante dos três
homens. Depois, McLane respondeu:
— Estou cansado demais para gritar.
Não acreditava mais em encontrar alguém com vida nessa
desgraça. Quantos são?
— Somos três, McLane. Onde você está?
— No pé do acesso ao lado do elevador. Ainda tem oxigênio?
— Temos, sim!
— Mas acabamos de fechar os trajes — disse Morris. — Vamos ao
seu encontro. Aqui nada mais nos prende!
A voz de Atan soava rouca. O alívio havia lhe secado a garganta.
— Então, desçam! — disse. — Pousamos a Lancet no poço um.
Os tripulantes da Hydra levantaram-se e dirigiram-se a um alçapão
rente à porta circular do elevador. Morris acionou uma válvula de
compensação e levantou a tampa que vedava a abertura. Viram um
túnel circular com uma escada vertical. E, sete metros abaixo, luzes
que se mexiam.
Morris foi o primeiro a descer. Atan e Mario receberam-no ao pé
da escada, sorrindo. Três homens fatigados entreolharam-se.
— Atenção, lá vem a chefe! — murmurou Morris.
Lydia pulou do último degrau e apertou a mão de McLane.
— Obrigada, Cliff! — disse, controlando a emoção. — Vocês são
formidáveis!
— É uma constatação que eu aceito! — respondeu Cliff, não
menos emocionado. — Há mais alguém na escada?
— Tem sim; eu! — disse Kensigtoon e saltou.
— Então, vamos depressa! — ordenou o comandante. — E já para
dentro da Lancet! Não estou me sentindo nada bem a bordo desse
balde furado. Pode acontecer algo a qualquer momento!
Corram o mais que podiam. Era um verdadeiro milagre que os
dispositivos antigravitacionais ainda estivessem funcionando. De
outra forma, haveria mais um empecilho a vencer. Por fim, a comporta
interna da Lancet fechou-se pela última vez e Cliff ligou a ignição. A
Lancet projetou-se para fora da nave destruída e estava novamente no
hiperespaço. Imediatamente, Helga começou a emitir uma série de
comunicados. Um minuto mais tarde chegou a resposta.
— Aqui fala Wamsler das F.R.E.T. Vamos resgatá-los
imediatamente. Dez naves estão recebendo, neste momento, ordem
grau alfa para se dirigirem para sua posição. Favor emitir sinal-piloto
nítido. Ao que parece, encontram-se nas imediações da Estação
Avançada-III. Desempenho magnífico, McLane. Tripulação, idem.
Volto a falar mais tarde.
Cliff desligou todas as máquinas.
— Muito bem! — disse. — Meu papel nesse drama acabou. A
partir deste momento considero-me apenas um passageiro
necessitando demais de repouso.
Lydia van Dyke não desviava o olhar dos olhos de Cliff.
Finalmente, disse:
— Eu não tinha certeza, comandante, de que ia obedecer à minha
ordem.
Com total falta de respeito, Cliff pendurou as pernas por cima do
braço da poltrona.
— A que ordem se refere, general? — perguntou, já bastante
distraído.
— De se preocupar com a Hydra somente após ter levado a cabo
sua tarefa, desde que ainda houvesse oportunidade para isso.
Cliff apontou um dedo acusador em direção a Tamara.
— Nisso, eu contei com a colaboração eficaz do tenente
Jagellovsk. Senão teria buscado a senhora antes. E, nesse caso, teria
tido a oportunidade de participar das fantásticas aventuras da nave
espacial Orion. Mas, por razões notórias, ficou privada desse
privilégio. Não é mesmo, camarada Tamara?
— Tamara basta, camarada comandante, poupe sua ironia! —
respondeu Tamara com voz gélida.
— Agora, posso voltar a ser alegre e contente! — resmungou Cliff.
— Uma nave virá e aí eu vou me deitar e dormir até dizer chega!
— Aquele episódio — disse Tamara — foi a pior coisa que já
passei com você!
— Coisas piores virão! — prometeu Atan, arreganhando os dentes.
Seu auditório tinha aumentado.
— E nunca falei mais sério na minha vida — continuou Tamara.
Lydia van Dyke divertia-se com o diálogo. — Porque, se eu não
tivesse interferido, aquela estação de controle ainda existiria.
Cliff acenava com a cabeça a cada palavra de Tamara; no
momento, tudo aquilo o deixava indiferente.
— Esta foi a sétima Orion, que o senhor conseguiu transformar em
sucata — disse Lydia van Dyke. — Agora, deve ter chegado a vez da
oitava.
— Se soubesse o quanto isso me emociona! — respondeu Cliff,
lentamente. A força de vontade que o tinha mantido em pé até este
momento começou a se evaporar.
"Se ao menos as pessoas não falassem tanto" — pensou McLane
— "principalmente as mulheres... Parecem gravadores defeituosos!"
— Provavelmente será a primeira vez que ninguém vai censurá-lo.
— É, parece!
A resposta de Cliff não passava de reflexo condicionado. E como
se tudo isso não bastasse, Helga também entrou na conversa. A
pequena cabine da Lancet não oferecia o menor conforto. Fazia calor e
o ar, apesar de filtrado, cheirava mal.
— O que é, Helga? — perguntou Cliff.
— Mensagem do Comando Operacional — disse Helga.
— Não estou a bordo! — disse Cliff. — Diga que eu saí!
Helga balançou a cabeça, num aceno compreensivo.
— Deve ser para você — disse van Dyke, com extrema
cordialidade. — As primeiras congratulações estão chegando.
— É! — disse Cliff.
Atan soltou uma gargalhada.
— Vai ver que é o chefe do Departamento de Logística exigindo
uma comunicação de perda total em dez vias manuscritas e assinada
por toda a tripulação...
— ...e com um extraterrano servindo de testemunha! — completou
Hasso.
— Nada disso! — avisou Helga. — São os nomes das naves que se
dirigem para cá. Quer que leia em voz alta?
Cliff levantou a cabeça um centímetro da tela na qual havia
estendido os braços.
— Não! — gritou com o que lhe restava de força.
— Pobrezinho! — disse Tamara. — Deve estar muito cansado,
não é?
Cliff arregalou os olhos para Tamara, espantado.
— Cansado? Eu? De forma alguma! — respondeu. — E logo a
senhorita achou isso?
A gargalhada das oito pessoas quase abalou as paredes da Lancet.
Trinta minutos depois, a primeira das dez naves apareceu na
monotonia cinza do hiperespaço. Todas as luzes de pouso estavam
acesas.
— Assumimos a manobra, McLane! — disse a voz do telegrafista.
— Por favor, imobilize a Lancet.
Cliff já estava a sono solto.
— Entendido! — disse Mario e soltou o microfone.
A Lope de Vega colocou-se por baixo da pequena nave auxiliar,
abriu o poço de pouso e acionou os campos magnéticos. A Lancet foi
sugada para dentro do poço e baixou suavemente até o fundo. De
repente, os nove tripulantes estavam envoltos em claridade, calor e
vozes.
A segunda nave a chegar tinha ordens de destruir a Hydra. Um
destacamento de sapadores ativou uma reação atômica retardada.
Depois, as dez naves partiram em formação rumo à Terra. Distância:
três unidades astronômicas.
Cliff enganou-se redondamente ao supor que a operação estivesse
encerrada. Nos próximos dias, ainda iria se aborrecer com ela.
12

POR ocasião da detonação, um corpo de forma cúbica apareceu


entre os anéis A e B do planeta Júpiter. Sua aresta media um
quilômetro de extensão e tornou-se o mais novo satélite daquele
planeta, efetuando uma revolução completa a cada 11 horas,
acompanhando Mimas, Enceladus e Thetis, os outros satélites.
Verificou-se que o cubo consistia de americium sem qualquer
impureza. Este elemento era um metal considerado, até aquele
momento, um superelemento artificial. As teorias que se ocupavam
com os três fenômenos descritos e com uma série de outros
acontecimentos iriam proliferar durante os meses seguintes como
cogumelos em solo úmido.
Mas isto McLane desconhecia e, no momento, estava observando
os seus convidados. Não chegavam a superlotar seu confortável
bangalô em Groote Eylandt, mas a música e o tinir dos copos, os
uniformes coloridos e os cintilantes vestidos das senhoras, trouxeram
vida à calma do seu lar. Certamente alguém cairia na piscina esta
noite. O marechal Wamsler baixou o volume do som estereofônico
para ouvir melhor o que Tamara estava lhe contando. Helga Legrelle
conversava com Lydia van Dyke.
Mario de Monti estava acompanhado por uma das belas moças do
gabinete de Wamsler e, no momento, parecia fazer um relato completo
de uma das suas numerosas façanhas audaciosas. Hasso e Ingrid
também estavam presentes. Atan Shubashi, meio tristonho, bebia
uísque, recostado numa das poltronas. Wamsler aproximou-se de
McLane, um braço paternal nos ombros de Tamara.
— Como é, Cliff? — disse o marechal, em voz altíssima. — Está
se sentindo como um verdadeiro herói da galáxia?
— Hein?! Hein?! — fez o comandante. — Tenho motivos para
isso? É verdade que salvei a Terra e, de tabela, mais dois outros
planetas mas continuam me prendendo ao Serviço de Patrulhamento!
Que bela gratidão!
— Está esquecendo uma coisa! — objetou Tamara. E mostrou os
dentes naquele sorriso falso que McLane conhecia tão bem.
— Estou? O quê? — perguntou Cliff e aspirou o cheiro do seu
copo, quase vazio.
— Aquela caixa de madeira legítima com as doze garrafas de
autêntico, legítimo e garantido usige beatha, cortesia das F.R.E.T.
— Certo! — concedeu Cliff. — Já é alguma coisa!
As Formações de Reconhecimento Espacial da Terra, ou F.R.E.T.,
tinham-se mostrado bastante generosas, presenteando Cliff com uma
dúzia de garrafas de uísque autêntico, o que o motivou a dar aquela
recepção.
— Uma pergunta, marechal — disse Cliff, com uma expressão
insondável. — Aqueles estranhos... Descobriu-se, afinal, por que nos
atacaram com tamanha violência sem que tivesse havido a menor
tentativa de um entendimento?
— Não descobrimos nada. Só podemos supor que têm uma
concepção de vida ou de civilização inteiramente diversa da nossa.
Estamos nos preparando para coisas piores nesse sentido. Não
sabemos de nada.
Cliff encolheu os ombros no bem talhado uniforme.
— Também não sei nada a esse respeito! — disse, pensativo. —
Só sei que me fizeram correr através do cosmos como um cadete
qualquer, expondo-me, sem a menor contemplação, aos mais
inenarráveis perigos. E ninguém se lembra de me devolver o meu
lugar na gloriosa frota. E essa mágoa eu não consigo afogar nem num
navio-tanque cheio de uísque, marechal Wamsler!
Wamsler arreganhou os dentes num sorriso largo.
— Uma punição tem sua vez, meu caro McLane! Se você fosse um
astronauta comportado, que não criasse problemas, ninguém jamais
teria dito coisa alguma. Não é por nada, mas, anteontem, conseguiu
registrar a sétima perda total de uma nave!
— Faço tudo isso por vingança! — explicou Cliff.
— Além disso — disse Tamara e estendeu-lhe seu copo vazio —
seu comportamento continua abaixo da crítica!
— Sua taxa de ouro no meu caixão! — exclamou Cliff,
reabastecendo o copo. — Logo quem vem me dizer isto!
— Parece-me que ainda não estão morrendo de amores um pelo
outro — comentou Wamsler, seus olhos negros fitando ora Cliff, ora
Tamara.
— Prefiro ficar noivo de um robô! — declarou Cliff,
categoricamente. Dirigiram-se, lado a lado, para o espaçoso salão de
estar.
Hasso e Ingrid estavam junto do bar e divertiam-se com a inscrição
acima da prateleira das garrafas.
O TRABALHO É A MALDIÇÃO DA CLASSE ALCOÓLATRA,
dizia a inscrição.
— Boazinha, não é? — perguntou Cliff, distraído; quase não ouviu
a campainha da porta. Decididamente, a composição de Thomas Peter,
"Canção do Astronauta Bêbado", estava sendo tocada muito alto. Cliff
apertou um botão no bar e um videofone iluminou-se, mostrando a
imagem de um funcionário das F.R.E.T.
— Comandante McLane? — perguntou. Cliff baixou o volume da
música.
— Sim. O que deseja?
— Preciso da sua assinatura num relatório. Posso entrar?
Wamsler recebeu um longo e desconfiado olhar de McLane. Sorriu
e devolveu o olhar, firme.
— Entre! — disse Cliff, reservado. — Não há nada como mais um
convidado alegre.
Acionou o controle remoto da porta. Um olho mágico examinou o
funcionário, classificou-o e decidiu que era, sem sombra de dúvida, do
sexo masculino. Por causa disto, não houve os toques de clarim que,
em outras circunstâncias, davam as boas-vindas a quem chegasse. O
funcionário apresentou-se ao seu chefe e, depois, pediu que Cliff o
acompanhasse para algum recanto mais calmo. Cliff ofereceu-lhe um
copo.
— Nem um golezinho sequer? — perguntou Cliff, estupefato.
Entre os seus conhecidos, não havia um único que dissesse "não". E
este homem não aceitava um drinque! A desconfiança de McLane
triplicou.
— Tem certeza de que não quer um uísque? — perguntou, mais
uma vez.
— Não, obrigado! — respondeu o homem. — Agradeço, mas
estou de serviço.
Os convidados aproximaram-se, aos poucos, e rodearam os dois. O
funcionário apontou para uma mesa e encolheu os ombros, algo
encabulado. Cliff entendeu e sentou-se em frente ao outro. O homem
abriu o canudo que vinha tentando ocultar o mais que podia e retirou
onze folhas de papel.
— Sua assinatura, comandante — pediu.
Cliff levou um susto e começou a examinar, com cuidado, a
primeira folha. Era uma declaração de perda, já preenchida, relativa a
"uma nave espacial, em operação, da série 3000 Bardy, Reg. n."
0789/11, n." de catálogo 16 — Orion VII — Perda total ocasionada
por adoção de curso arbitrário e voluntarioso através do hiperespaço
em direção a um planeta..." etc., tudo redigido na melhor burocracia.
McLane tirou o grampo diamagnético da plaqueta de identificação e
pressionou-a sobre o quadrinho demarcado na folha. O funcionário
tirou a folha e apontou para a primeira cópia.
— Esta aqui, também, por favor! — disse e lançou um olhar
furtivo para o marechal Wamsler, que se tinha plantado perto da mesa,
firme como uma rocha.
McLane assinou a segunda cópia e mais a terceira. Quando chegou
à quarta e quinta, sua equipe já estava rindo e Lydia também.
Impassível, dedicou-se à sexta e sétima. As outras estavam no chão.
Assinou a oitava.
— Se não for incômodo, comandante — disse o funcionário
sentindo-se, de repente, inteiramente deslocado no ambiente e
esquecendo a presença do seu chefe — eu gostaria de tomar um
golezinho daquele uísque!
— Com prazer, meu caro! — disse McLane e levantou-se.
Abriu caminho por entre rostos risonhos, pegou a garrafa e encheu
dois copos. Ergueu o seu e assinou a nona cópia.
— É para o senhor ver! — explicou ao aturdido funcionário, que
lhe estendia a décima e última cópia. — Um pobre comandante de
nave só ganha um uísque dessa qualidade uma vez na vida. É um
presente da entidade para a qual o senhor trabalha. Permitiram que eu
mesmo escolhesse o presente, imagine só! Podia ser algo fora do
comum. E, pela primeira vez na vida, o seu chefe conseguiu vencer a
sua avareza.
O funcionário nem ousou olhar para Wamsler.
— E por que pediram que o senhor escolhesse um presente?
Cliff contemplou Wamsler com um longo olhar. O sorriso do
marechal congelou um pouco mas Wamsler ainda não sabia onde Cliff
queria chegar.
— Por quê? Porque eu destruí a Orion VII! — disse Cliff.
— E isto é recompensado?
— É, sim! — respondeu Cliff, com a maior seriedade. — É que na
F.R.E.T., as coisas são feitas segundo um esquema bastante curioso.
Se a gente dá um espirro fora do tom, digamos, em lá sustenido, perde
o emprego. Agora, quando se transforma em sucata uma nave que
custa milhões, a gente é recompensada com uísque e menções
especiais. Não sabia disso?
O funcionário sacudiu a cabeça, mudo, e acabou entrando na risada
geral sem saber por quê. Wamsler não estava rindo. Finalmente,
McLane liquidou a décima cópia. O funcionário levantou-se,
grampeou as folhas e enfiou-as no canudo.
— Posso saber, major — perguntou — qual foi a verdadeira razão
para a destruição intencional da nave?
— Escreva isto: na tentativa de salvar a nave Hydra, McLane teve
que abandonar a nave Orion VII no hiperespaço. Aceita esta versão,
McLane? — perguntou Wamsler. Estava sério e pensativo.
— Aceito a versão! — disse McLane. — Desde que o general van
Dyke concorde.
Lydia acenou, afirmativamente.
— Nesse caso — disse Cliff — eu lhe desejo uma noite agradável,
general, assinando não sei quantos formulários, pois a senhora
também perdeu uma nave. E lembre-se: o marechal recompensa cada
nave destruída com doze garrafas, ou seja, exatamente 8400
centímetros cúbicos de uísque! É um direito seu, líquido e
insofismável. Vou ser convidado?
Lydia deu uma gostosa gargalhada.
— É exatamente o que pretendo fazer! Wamsler, McLane, Lydia e
o funcionário já estavam diante da porta, quando Cliff se virou para o
homem, dizendo, em tom confidencial:
— Pode espalhar a notícia entre os pilotos da frota. Cada nave
perdida é paga em uísque. Uma nave, uma caixa! Vai se lembrar
disso?
— Prometo que sim! — balbuciou o homem e saiu, apressado.
McLane dirigiu-se, radiante, a Wamsler.
— Marechal! — disse. — Viu alguma outra possibilidade de
ocultar do conhecimento público o fato de que um planeta em chamas
estava avançando em direção a Marte e Vênus?
— A maioria dos meus funcionários — respondeu Wamsler, com
voz séria e serena — desconhece a diferença entre planetas
flamejantes e Novas. Quanto mais a diferença entre o espaço normal e
o contínuo riemanniano.
— E não são os únicos! — McLane ergueu seu copo. — A parte
oficial da noite acabou? Então posso pensar em manter uma
encantadora discussão com meu oficial de segurança.
Tamara retribuiu com um sorriso gélido.
— O que o senhor deve fazer — respondeu, calmamente — é
encher meu copo. A não ser que ache o seu uísque de herói muito caro
para uma dama.
Wamsler virou-se para Lydia e murmurou:
— Falam como se estivessem casados!

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