Você está na página 1de 3

O mar e o canavial

O que o mar sim ensina ao canavial:


o avanar em linha rasteira da onda;
o espraiar-se minucioso, de lquido,
alagando cova a cova onde se alonga.
O que o canavial sim ensina ao mar:
a elocuo horizontal do seu verso;
a gergica de cordel, ininterrupta,
narrada em voz e silncio paralelos.

O que o mar no ensina ao canavial:
a veemncia passional da preamar;
a mo-de-pilo das ondas na areia
moda e mida, pilada do que pilar.
O que o canavial no ensina ao mar:
o desmedido do derramar-se da cana;
o comedimento do latifndio do mar,
que menos lastradamente se derrama.


Tecendo a Manh
1

Um galo sozinho no tece uma manh:
ele precisar sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manh, desde uma teia tnue,
se v tecendo, entre todos os galos.

2
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manh) que plana livre de armao.
A manh, toldo de um tecido to areo
que, tecido, se eleva por si: luz balo.


Catar feijo

1.

Catar feijo se limita com escrever:
joga-se os gros na gua do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiar no papel,
gua congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijo, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

2.

Ora, nesse catar feijo entra um risco:
o de que entre os gros pesados entre
um gro qualquer, pedra ou indigesto,
um gro imastigvel, de quebrar dente.
Certo no, quando ao catar palavras:
a pedra d frase seu gro mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
aula a ateno, isca-a como o risco.


O Sol em Pernambuco

(O sol em Pernambuco leva dois sis,
sol de dois canos, de tiro repetido;
o primeiro dos dois, o fuzil de fogo,
incendeia a terra: tiro de inimigo).
O sol ao aterrissar em Pernambuco,
acaba de voar dormindo o mar deserto
dormiu porque deserto; mas ao dormir
se refaz, e pode decolar mais aceso;
assim, mais do que acender incendeia,
para rasar mais desertos no caminho;
ou ras-los mais, at um vazio de mar
por onde ele continue a voar dormindo.

Pinzn diz que o cabo Rostro Hermoso
(que se diz hoje de Santo Agostinho)
cai pela terra de mais luz da terra
(mudou o nome, sobrou a luz a pino);
d-se que hoje di na vida tanta luz:
ela revela real o real, impe filtros;
as lentes negras, lentes de diminuir,
as lentes de distanciar, ou do exlio.
(O sol em Pernambuco leva dois sis,
sol de dois canos, de tiro repetido;
o segundo dos dois, o fuzil de luz,
revela real a terra: tiro de inimigo).

Você também pode gostar