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Centro de Formação Intermunicipal

do
Douro Superior

O Desassossego

Trabalho de Reflexão Realizado no Âmbito da Acção de Formação

A (RE)DEFINIÇÃO DA PROFISSÃO DE PROFESSOR


ÉTICA E CIDADANIA

Abril 2005

O Formando

A. T.
(Martex)

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A concepção de educação tem sofrido, ao longo dos tempos, alterações
profundas. Tais alterações devem ser vista e entendidas em estreita
ligação com as transformações - umas apenas desejadas e não
alcançadas, outras conseguidas - dos modelos sociais.

Educação e sociedade estabelecem uma relação simbiótica inquebrável.


Quem promove a alteração a quem? Isto é, a educação é o motor da
mudança social ou é a sociedade que determina o modelo educacional
que melhor lhe permita reproduzir os valores em que se apoia e deseja
manter?

Alongando o olhar para além do detalhe e entendendo a realidade nas


suas múltiplas, complexas e interligadas facetas, vemos o conceito de
educação avançar, degrau a degrau: da simples transmissão de saberes,
passando pelo saber fazer, pelo ensinar a viver, até culminar no
paradigma que sustenta, sem concessões, o ensinar a ser.

Perceber hoje a educação implica a aceitação do seu carácter abrangente


e pluridimensional, conducente à criação de um equilíbrio entre todos os
domínios do desenvolvimento e da aprendizagem: domínio cognitivo,
afectivo, emocional, físico, espiritual e estético.

Desta visão decorre, justamente, a necessária reorganização da escola


numa perspectiva, repito-o, pluridimensional, onde haja espaço para
todas aquelas dimensões.

Ora, a reorganização da escola não é exequível sem a “reorganização”


dos professores. Parece-me profundamente injusto insistir que os
professores são primeiros e os grandes responsáveis pelo fracasso
educativo, mas parece-me justo aceitar que sem o envolvimento destes,
não há reorganização possível.

Assim, a complexidade de tarefas e funções hoje exigidas ao professor,


distanciam-se de forma quase dramática daquelas que outrora lhe eram
solicitadas. Do mestre transmissor e reprodutor de conhecimentos e

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saberes, passa ao actor interveniente, atento e capaz de se aperfeiçoar e
auto regular a cada dia que passa.

Esta passagem de funcionário rotineiro, repetitivo para profissional


autónomo, criativo e sobretudo reflexivo, envolve um conjunto vasto de
competências e interacções que geram, inevitavelmente, alguma
angústia, algum mal estar.

Muito se tem escrito sobre o mal estar docente. Muitas são as causas
apontadas para tal. Uma coisa é certa: o mal estar existe e enquanto
persistir poderá comprometer qualquer tentativa de impulsionar
definitivamente o ensino para o real sucesso que, creio, todos desejam.

Sejam quais forem as causas aceites como válidas para explicar esse mal
estar, importa olhar em frente e assumir o paradigma emergente sobre o
papel e o perfil do professor enquanto profissional com características
pluridimensionais.

Pluridimensionais mas não universais! Isto é, ao professor são exigíveis


múltiplas competências. Mas urge definir quais são, balizar os seus
limites de actuação.

A ética e a deontologia serão instrumentos imprescindíveis neste


processo de mudança. Creio que ninguém coloca reservas se afirmar que
os professores não têm falta de ética. Têm, isso sim, a necessidade
urgente de, apoiados na ética, definir um código deontológico que
garanta sustentabilidade às mudanças profissionais atrás referidas.

Na verdade é a deontologia, entendida como um conjunto de normas que


regulamentam uma conduta, que estabelece a distinção profissional dos
professores.

Seria, contudo, ingénuo assumir que a definição de um código


deontológico é aceite por todos sem reservas. Seria ainda mais ingénuo
sustentar que no código deontológico residirá a solução única e final para
os problemas da escola, o impulso decisivo para unir ensino,
aprendizagem e cidadania.

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Mas parece-me razoável sustentar que poderá contribuir decisivamente
para a mudança. O peso que lhe é atribuído na alteração do paradigma
educativo não gera consenso. Os modelos de educação multidimensional
consideram o código de conduta um instrumento essencial de promoção
da educação moral na escola. Os modelos de orientação construtivista
aceitam, embora com reservas, a existência de um código de conduta e
consideram-no um instrumento entre outros.

Em qualquer doa casos importa relevar que os códigos deontológicos têm


por base as grandes declarações universais e esforçam-se por traduzir o
sentimento ético expresso nestas, adaptando-o às particularidades de
cada país e de cada grupo profissional. Também no ensino tal deverá ser
verificado, garantindo que o código ofereça uma reserva moral ou uma
garantia de conformidade com os Direitos Humanos.

Em traços largos desenhei o que colhi desta acção de formação. A


passagem do professor de funcionário repetitivo a profissional reflexivo
assenta justamente na capacidade de questionar, reflectir, reajustar
comportamentos, posturas, atitudes.

Parafraseando, de cabeça descoberta e chapéu na mão, o grande Pessoa


daria a esta acção de formação o cognome de “Acção do Desassossego”.

Desassossego porque nos levou a reflectir, questionar, a reequacionar, a


ponderar, a apontar pistas e caminhos, a inquietar o pensamento.

Não será este o primeiro passo para qualquer mudança?

Torre de Moncorvo, Abril de 2005.

A. T.

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