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O que é o KARMA?

• A palavra Karma corresponde a um mecanismo que faz o ser humano receber as conseqüências de
seus próprios atos.
• No Ocidente, esse conceito adquiriu um sentido punitivo, porque teve que ser conciliado com a
religiosidade convencional. Isso fez com que a concepção original fosse um tanto deturpada.
• O Karma foi compreendido por um viés personalista: sou o responsável por tudo o que me ocorrerá
em futuras encarnações. Isso é um conceito egocêntrico, onde o ego, o eu, tornou-se o centro. Eu
faço. Eu aconteço. Eu erro. Eu corrijo. Sou o único responsável.
• Sim, você é responsável, mas não o único.
• O ser humano é periférico, embora se imagine o centro. Não é mais do que uma formação
passageira, um composto cuja a responsabilidade é relativa. Com o ego mal-formado e a mente
confusa, manipulando de todos os modos, e sendo em grande parte, produto de seu meio, como você
poderia ser totalmente , absolutamente responsável pelo que faz?
• Não que você não tenha responsabilidade alguma. É claro que tem. Mas sua responsabilidade é
relativa, porque o ser humano não passa de uma pequena formação passageira, em meio a formações
muito maiores. Essas formações, em grande parte, condicionam suas ações. Muitas de suas ações
não passam de respostas e estímulos que vêm de outros, ou de seu ambiente psicológico. Em outro
ambiente e em outras circunstâncias, você não seria exatamente o mesmo.
O que é o KARMA?
• Em alguns aspectos, o Karma é seu . Em outros, você está envolvido num
Karma de formações maiores.
• Há muitas formações maiores – contextos – onde você está inserido. Ortega
Y Gasset dizia que o ser humano é ele mesmo e sua circunstância. Ele queria
dizer que você não depende apenas de si mesmo para ser o que é. Em certa
medida, seus atos apenas refletem suas circunstâncias.
• Mas no Ocidente, o Karma tornou-se personalista. Foi simplificado, para
caber na cultura religiosa convencional, fundamentada em punições e
premiações.
• A questão, porém, pode ser compreendida de modo mais aberto.
• Karma não é punição, mas uma forma da libertação da turbulência interior,
um meio de aquietar seu tumultuado arquivo psíquico.
• Compreenda que isso não tem a ver com punições ou prêmios , mas com
AUTOCONHECIMENTO. Seu karma é um espelho – o maior de todos os
espelhos – onde você poderá se observar. E, observando-se, poderá
conhecer-se.
O que é o KARMA?
• Tudo virá naturalmente , a partir do autoconhecimento. Conhecer-se é o
ponto de partida.
• Mas a melhor forma de conhecer a si mesmo é saber o efeito que suas ações
provocam nos outros. Se algo acontece a você por efeito kármico, não
acontece para puni-lo, mas apenas para que você conheça, em profundidade, o
efeito de suas próprias ações. O karma é um processo de autodescoberta.
• Pode levar muito, muito tempo, para que você se descubra como realmente é.
Talvez muitas vidas sejam necessárias. Por isso o conceito de karma está
diretamente vinculado ao da reencarnação. Não é possível falar de um , sem
compreender o outro.
• Muita coisa repercute dentro de um ser humano. Elos de amor ou de ódio,
desejos, remorsos, memórias, ânsias, sonhos , angustias,. Tudo o que gerou
acontecimentos que permanecem incompletos, e que ainda repercutem no
“eu” mais profundo.
• O interior de um ser pode tornar-se muito, muito barulhento. Cada uma de
suas células pode ser incrivelmente ruidosa. Muitas pessoas precisam fazer
terapias, porque trazem dentro de si um ruído interno que não conseguem
silenciar.
O que é o KARMA?
• Não há como elevar-se a um mundo espiritual sereno, se você não estiver
adaptado. Terapias não são suficientes. Talvez você precise voltar neste
mundo para aquietar tanta turbulência.
• Ninguém prende você a este mundo a não ser você mesmo, por causa da
enorme quantidade de assuntos pendentes que ainda fazem ruído dentro do
seu ser. Você voltará, enquanto seu espírito e sua mente não retornarem à
serenidade original da Criação. Eles não poderão retornar a ela se seu
psiquismo estiver tão tumultuado.
• O fato de voltar a este mundo e voltar novamente, deu origem a expressões
curiosas, como “progredir espiritualmente”, “caminhada espiritual”. Você
volta tantas e tantas vezes , que há certa semelhança com uma caminhada.
Mas essas expressões podem dar uma idéia equivocada das coisas. Elas
passam a sensação de que você precisa ir a algum lugar, mas não precisa,
porque você já está. Você já é tudo o que pode ser, apenas desconhece.
O que é o KARMA?
• A noção da caminhada espiritual pode ser compreendida como um artifício.
Muitos espiritualistas usaram essa expressão apenas porque conhecem bem o
ego humano. Eles sabem que o ego precisa de algo que possa fazer. O ego só
se sente vivo no agir. O ser humano aprecia a sensação de que está
“caminhando espiritualmente” – seja isso lá o que for – em direção a alguma
coisa, qualquer coisa, apenas porque essa idéia traduz ação, movimento. Desse
modo, o ego humano pode se sentir em atividade.
• A noção de caminhada , utilizada como artifício, foi entendida literalmente. A
espiritualidade tornou-se compreendida como um sub-produto do esforço. As
noções de caminhar, pagar dívidas kármicas ou receber créditos, sugerem
esforço. Mas ainda pressupõe uma linearidade.
• A mente humana é linear, então ela só pode compreender a linearidade,
jamais a descontinuidade. Mas grandes mestres espirituais do oriente – Buda,
Bodhidharma, Mansur, Kabir, e muito dos sufis – espirituais do Oriente são
baseados na descontinuidade. Essa é a uma concepção realmente espiritual,
porque não se prende aos limites do ego.
O que é o KARMA?
• Na concepção ocidental de karma, você se preocupa com o pagamento de dívidas
passadas. Isso sugere tempo, faz supor muitas encarnações, e transforma você num
contabilista. Não é uma visão errada, mas é superficial. Os débitos e os créditos são
periféricos no processo kármico. Eles não são o centro da questão.
• Os budistas falam de anular o mal Karma em apenas uma encarnação, porque eles
conhecem a possibilidade do ser, em algum ponto, tornar-se descontínua.
• O avanço espiritual não precisa ser, obrigatoriamente, um processo demorado. Buda,
Mansur, e muitos outros chegaram à iluminação em momentos de profundo insight.
Mesmo no mundo cristão isso aconteceu: o apóstolo Paulo teve uma visão na estrada
de Damasco e seu entendimento mudou. Um instante apenas, e ele se transformou
num ser diferente. Aconteceu também com o místico cristão Jacob Boehme, e com
muitos outros.
O que é o KARMA?
• Karma como um longo percurso, entre débitos e créditos, não é uma
concepção incorreta, mas está contaminada pela noção material de tempo.
Entretanto não há tempo nos assuntos da espiritualidade. Espiritualmente ,
não há tempo nem caminhada, mas descontinuidades.
• Você progride espiritualmente a cada descontinuidade.
• Algo acontece, e sua compreensão muda instantaneamente. Você não é o
mesmo que era minutos atrás. Em determinado ponto de sua vida, há uma
descontinuidade. Nesse ponto, você pode se transformar totalmente, sem
caminhada alguma.
• No fundo, as grandes transformações são sempre imediatas. A noção de
caminhada espiritual gera um paradoxo, porque todo o esforço espiritual
serve apenas para criar condições ao acontecimento instantâneo.
• Para espiritualidade, a continuidade é o único obstáculo. Espiritualidade não
é um subproduto do esforço. Mas o ser humano quer agir, quer esforçar-se,
para que possa receber prêmios. Assim funciona a mente humana. Ela só
compreende o esforço, então concebe a espiritualidade como algo pelo qual
você deverá se esforçar. Espiritualmente, você quer suar.
O que é o KARMA?
• Apenas a continuidade do seu universo psíquico traz você de volta a esse
mundo, nada mais. Seu psiquismo segue com você após sua morte física. Ele
prossegue, e apenas por isso você continua sendo atraído para baixo, para a
matéria.
• Quanto menos ruídos tiver dentro de si, quanto mais espiritualmente
silencioso você conseguir ser , mas próximo estará de se libertar. Mas,
enquanto for um continuum, enquanto os elos com o ontem existirem, por
mais que se aperfeiçoe, terá de voltar a este mundo.
• Todo o problema espiritual humano está na continuidade. Na simplificação do
conceito de karma , a noção de descontinuidade não chegou ao Ocidente, mas
ela é crucial. A linearidade, a coerência, os elos entre o ontem e o hoje são a
grande dificuldade.
• O problema não é tanto o que você fez no passado. O principal problema é
que o passado continua com você. Ele continua vivo e pulsando, no íntimo do
seu mundo psíquico. O karma atua devido a essa coerência, essa linearidade
com o ontem, que prossegue indefinidamente.
• Karma é um mecanismo destinado a criar descontinuidades. Ele dá
origem a situações nas quais você pode perceber com clareza o que
habita no seu mundo psíquico, para que seja desfeita a linearidade com
o passado.
O que é o KARMA?
• Nem todas as estabilidades são adequadas. Você não pode permanecer
eternamente como está. Em algum ponto terá de haver descontinuidade, o
rompimento com o ontem.
• Apenas a descontinuidade fez o ser humano deixar de ser macaco. Em algum
ponto, algo deixou de ser coerente na evolução. Em algum instante, houve
descontinuidade com o momento anterior, e então surgiu o primeiro ser
humano. O ser humano é produto de uma incoerência na linha evolutiva. Em
algum ponto a linearidade foi quebrada.
• Se a natureza tivesse sido absolutamente coerente , você seria macaco até
hoje. Charles Darwin nunca conseguiu explicar isso, mas nos grupos
geneticamente coerentes , nos quais a descontinuidade não aconteceu, os
macacos continuaram macacos.
• A coerência e a linearidade são limitações. Na evolução, coerência é
estagnação. Isso não ocorre apenas entre o macaco e o ser humano.
Também na espiritualidade, elas são o principal problema.
• Na não-coerência, você poderá libertar-se. Por enquanto, você volta a esse
mundo devido à linearidade, à coerência com o ontem, com os muitos elos que
construiu, com as ilusões e desejos insatisfeitos, com as relações de amor e
de ódio, com os sonhos não realizados e com as ânsias íntimas de que nem
você próprio tem consciência.
• Por enquanto você volta a este mundo, e outra vez, apenas porque ainda há
muito por aqui que o interessa ou atrai. Você volta por sua coerência com
elos que construiu, e que , porque não foram descontinuados, talvez estejam
longes de se desfazer.
José Ortega y Gasset
• José Ortega y Gasset (Madrid, 9 de maio de 1883 — Madrid, 18 de outubro de 1955) foi um filósofo espanhol. Também atuou como
ativista político e como jornalista. Famosa frase: "Debaixo de toda vida contemporânea se encontra latente uma injustiça."
• Biografia
• José Ortega y Gasset nasceu em Madrid (Espanha), no dia 9 de maio de 1883. A família de sua mãe, Dolores Gasset, era proprietária
do jornal “El Imparcial”. Seu pai, José Ortega Munilla, era jornalista e diretor desse jornal (um dos familiares do filósofo fundou o
diário El País, dos mais conhecidos da Europa. Quando criança, Ortega y Gasset estudou em Madrid, mas foi enviado logo cedo, pela
família, para cursar o bacharelado em um colégio jesuítas de Málaga, fato ao qual o filósofo atribui uma forte reação sua a esse tipo
de educação e o projeto pessoal de reforma da filosofia (tal qual um outro conhecido estudante de colégio jesuíta, René Descartes, no
século XVII).
• Graduou-se e doutorou-se em Filosofia na Universidade Central de Madri em 1904, após breve passagem pela Universidade de
Deusto, em Bilbao. Dali seguiu para a Alemanha, onde viria a sofrer, na primeira etapa de sua filosofia, influência da escola de
Marburgo, que tinha por figuras principais Hermann Cohen e Paul Natorp com forte inclinação pelo idealismo, o qual Ortega iria
combater fortemente pouco depois.
• Em 1910 obtém a cátedra de Metafísica na Universidade Central de Madri. Em 1914 publica seu primeiro livro Meditaciones del
Quijote. Em 1917 se torna colaborador do jornal El Sol, onde publicaria seus ensaios España invertebrada (1921) e La rebelión de las
massas (1930). Funda a Revista de Occidente em 1923, responsável por traduzir e comentar grandes autores contemporâneos na
Filosofia, como Edmund Husserl, Oswald Spengler, Georg Simmel, Hans Driesch e Bertrand Russell.
• Após desentender-se com a ditadura espanhola (em 1929 chega a demitir-se de sua cátedra universitária), exila-se na Argentina.
Durante seu exílio voluntário da Espanha de 1936 a 1945, em plena Guerra Civil Espanhola, Ortega y Gasset viveu, num longo e famoso
silêncio com relação aos conturbados tempos políticos de seu país, sobre o qual muitos acharam motivos para culpar-lhe. No entanto,
pelo menos para o sociólogo brasileiro Hélio Jaguaribe – um dos mais conhecidos comentadores do autor no Brasil – no prefácio à obra
História como Sistema, de Ortega y Gasset, a maioria do tempo o filósofo espanhol foi uma espécie de educador do seu povo, a partir
de uma profunda convicção de que o que importa, antes de tudo, é a lucidez e a compreensão do mundo para operar nele. Essa
alternância entre o engajamento e o distanciamento crítico configurará as principais fases da existência de Ortega y Gasset. Regressa
à Espanha em 1948 e, em 1955, lhe é diagnosticado um câncer, e ele falece no dia 18 de outubro daquele ano.
• No Brasil existem importantes pesquisadores que se destacaram em estudar Ortega y Gasset como o jornalista Gilberto de Mello
Kujawski; os filósofos José Mauricio de Carvalho e Danilo Dornas que encontram no raciovitalismo orteguiano um conjunto radical para
os desafios brasileiros.

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