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Juiz de Fora – MG
2013
Maria Carolina Figueira
Juiz de Fora
2013
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Resumo
O tema liberdade sempre esteve em pauta na vida dos homens e em seus escritos e
discussões, desde o início do pensamento crítico, fomentando grandes
manifestações e até mesmo grandes batalhas. No entanto, apesar de parecer tão
procurada, a liberdade também é temida. No presente artigo, analisaremos o medo
da liberdade sob a ótica do oprimido de Paulo Freire e do homem-massa constante
nos estudos de José Ortega y Gasset.
Abstract
The theme of freedom has always been on the agenda in human life and in his
writings and discussions since the beginning of critical thinking, fostering large
demonstrations and even large battles. However, despite seeming so sought,
freedom is also feared. In this paper, we analyze the fear of freedom from the
perspective of the oppressed Paulo Freire and man-constant mass in studies of José
Ortega y Gasset.
3
1. INTRODUÇÃO
Busca por Ser Mais, que confronta a cultura do Ser Menos. A sociedade
industrial e burguesa trouxe consigo um falso ideal de igualdade, que, dada a
impossibilidade de sua realização, visto que cada indivíduo guarda suas
características e aspirações próprias, conduziu ao fenômeno conhecido como
massificação. Esse movimento traduziu-se pelo nivelamento da sociedade ao grau
da mediocridade, procurando sufocar qualquer ânsia criativa que se deslocasse do
padrão instituído. Levou o homem a uma acomodação, a uma preguiça intelectual,
ao desperdício de sua potência transformadora. Nos dizeres de José Ortega y
Gasset, “já não há protagonistas, só coro”2.
Se o homem teme a escravidão desde o início dos tempos, se esta sempre foi
a pior das humilhações sociais, a liberdade não é buscada de maneira tão
expressiva. Se a escravidão de corpos parece cada vez mais incomum e repulsiva, a
escravidão de mentes e almas passa despercebida, e não é tão combatida quanto
deveria pela sociedade atual. Se a descoberta de um foco de trabalho escravo
1
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (Saraiva de Bolso), p.80.
2
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(WWW.jahr.org),2002, p. 43.
4
mobiliza organizações diversas e domina os noticiários, a libertação da escravidão
mental é interior, íntima e silenciosa.
Cansativo por que a liberdade não cai dos céus: tem que ser buscada. “A
liberdade, portanto, é risco e é conquista. É risco enquanto, pelo seu próprio
indeterminismo, deixa ao homem, não só a glória de optar pelo bem
voluntariamente, mas também o tremendo poder de optar pelo mal. É conquista
enquanto exige do homem um esforço contínuo de luta contra todas as forças
internas e externas que comprometem a realização de sua plenitude”3. Ser livre é ter
o poder e o ônus de escolher entre a imensidão das possibilidades e responder por
suas escolhas. É uma luta constante contra o imã que atrai de volta aos grilhões,
estejam eles no mundo ou no próprio interior do indivíduo.
2. O OPRIMIDO
Se a liberdade atemoriza o opressor, pois representa a quebra de seu poder
hegemônico, a situação não é muito diferente para o oprimido. Destaca-se nisso o
fato de o oprimido ter o opressor hospedado em si, numa existência dual em que
ser, para o homem comum, é ser como o opressor: adotar seus valores, seus
costumes, seu modo de agir. Isto se deve ao fato de o oprimido estar imerso na
situação de opressão desde o seu nascimento; por diversas fontes, é convencido a
cada momento da superioridade de seu opressor. Através da mitificação da
realidade, o patrão, o senhor é “endeusado”, tido como onipotente; a situação de
3
ÁVILA, Padre Fernando Bastos. Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. Fundação Nacional de Material
Escolar, 1975, 2ª ed., 2ª tiragem, p. 420.
5
dominação é vista fatalisticamente, como vontade irremediável de Deus, um destino
irrevogável, ao qual só lhes resta acomodar-se, ajustar-se.
4
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (Saraiva de Bolso), p. 64.
6
Essa concepção bancária da educação, juntamente com o assistencialismo,
são os grandes responsáveis pelo ajustamento do oprimido à situação vigente. Os
programas assistencialistas, tão difundidos pelos governos chamados populistas, na
realidade não melhoram a vida do indivíduo, só o fazem acomodar-se à sua
carência, à sua necessidade de assistência, à sua miséria, já que qualquer pequena
melhora de vida ou ínfimo (às vezes somente virtual) aumento salarial faz com que o
trabalhador se sinta privilegiado e não queira lutar por melhores condições. E –
questão mais importante – apóie os nobres e caridosos donos do poder.
Então, “de tanto ouvirem de si mesmos que são incapazes, que não sabem
nada, que não podem saber, que são enfermos, indolentes, que não produzem em
5
Idem, p. 27.
7
virtude de tudo isto, terminam por se convencer de sua „incapacidade‟ 6”. E por isto
têm medo. O temor à liberdade, que impede o homem comum de seguir em busca
de sua vocação de Ser Mais, situa-se na crença de sua incapacidade de assumir o
risco de libertar-se. Esse homem, que acostumou-se toda uma vida a ter sua
existência nas mãos de indivíduos mais “capacitados”, não vê como pode ter a
competência de transformar a si mesmo e ao mundo em que sobrevive, mas onde
não parece estar, na acepção fenomenológica do estar no mundo. Desde seu
nascimento, esteve reduzido a uma quase coisa: nunca foi ouvido, pois nunca teve
direito de ter sua visão de mundo respeitada; foi proibido de ser, de dizer sua
palavra, dada a sua aderência ao universo do opressor.
a) Como já dito no início desse capítulo, o oprimido tem o opressor impresso em si.
A forma como vê o mundo é a forma mítica apresentada pelo opressor. Não
conhece a vida fora dessa situação, já que a vê legitimada em todos os cantos,
por todos os meios, em destaque a educação e a mídia, principalmente nos
veículos de difusão da cultura de massa e da ideologia do governo presente.
Logo, o oprimido está tão imerso no opressor que separar-se dele é uma
experiência muitas das vezes tão traumática quanto a própria opressão. Como
6
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (Saraiva de Bolso), p. 55.
7
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 (Saraiva de Bolso), p. 38.
8
Freire destaca em outro trecho, “os oprimido são dependentes emocionais”8.
Muitas vezes não querem ser como o opressor, mas, o que é mais grave, querem
ser dominados por ele, depender dele, pois o vêem como merecedor do poder
que possui. Quando percebem a opressão, não reclamam dela com o patrão,
mas descontam na família e/ou se entregam aos vícios, mais comumente a
bebida (mais barata e acessível).
8
Idem, p. 57.
9
temor imenso da reação do outro. Outro que não representa só o opressor, com o
qual o conflito traria represálias legais e até emprego de violência, na ânsia deste
último por manter todo o seu poder. Mas o outro, nesse caso, também está no
companheiro, assustado com a possibilidade da repressão.
3. O HOMEM-MASSA
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mundo‟, e, entretanto, não se angustia, sente-se à vontade ao sentir-se idêntico aos
demais”9.
Mas isso não é tudo. Ao contrário do oprimido de Freire, que muitas vezes
não tinha acesso à educação e, quando conseguia essa oportunidade, tornava-se
presa de um instrumento da opressão, o homem-médio caminha entre os
intelectuais. Produto da educação do fim do século XIX, deslumbrada pelo progresso
industrial, recebeu toda a técnica para que fosse capaz de frutificá-lo e expandi-lo, e
junto com o saber teórico herdou uma arrogância de quem poder realizar qualquer
empreendimento. É intelectualmente mais esperto, mais capaz do que o homem de
qualquer época anterior, mas a sua capacidade não tem uso; pelo contrário, a
sensação de possuí-la só serve para fazê-lo se fechar em si mesmo, em sua
prepotência e arrogância.
9
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(www.jahr.org),2002, p. 63.
10
BITTENCOURT, Renato Nunes. O advento do homem-massa. In: Filosofia. Ed. Escala, Ano V, número 52, p.
24.
11
satisfazer-se com suas limitações, com a consciência de não precisar ser um grande
sábio dos tempos antigos, não ser um Leonardo da Vinci ou um René Descartes,
mas também o fez sentir-se poderoso. E apesar de dominar somente um pequeno
setor do conhecimento humano, se vê no direito, graças à sua erudição, de palpitar
e intervir em áreas fora de sua alçada. Presenciamos a todo instante na atualidade,
ainda mais com o grande avanço dos meios de comunicação em massa e
principalmente com a expansão da Internet, a pronunciamentos desses
“especialistas”: economistas dissertando sobre educação, físicos discutindo ciências
políticas... E por serem considerados sábios, suas opiniões muitas vezes
equivocadas são tomadas como verdade e equivocadamente disseminadas aos
quatro ventos.
11
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(www.jahr.org),2002, p. 27.
12
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(www.jahr.org),2002, p. 62.
13
Infelizmente, porém irremediavelmente, a esfera política é atingida pela
preguiça e pela massificação da sociedade herdeira do século XIX. Discutiremos
esses pontos a seguir.
a) Massificação
Como dissemos a pouco, a massa não tolera nada que escape ao seu senso-
comum, esmagando as minorias. Feita essa observação, ressaltamos o fato,
explicitado pelo autor no capítulo VIII da Primeira Parte de A Revolução das Massas,
intitulado Porque as massas intervêm em tudo e porque só intervêm violentamente,
de que a maioria dos países já não possui um grupo de oposição política. Apesar de
praticamente todos denominarem-se democráticos, majoritariamente uma massa
homogênea domina as esferas do Poder Público e sufoca a minoria opositora,
impondo seus projetos e normatizações. O pluripartidarismo, que a primeira vista
parece um avanço na liberdade política, por permitir que grupos diversos
manifestassem suas idéias e sua proposições políticas e fossem capazes de
modificar a esfera do Poder Público, na verdade não oferece grande contribuição,
não por culpa de sua teoria, mas pela aplicação prática. Se no Brasil, para citar o
exemplo mais próximo, temos uma enormidade de legendas partidárias, o ideário
político continua homogêneo; se no papel ou no nome os partidos parecem diversos,
em suas ações confundem-se uns com os outros, manifestando sempre a mesma
ânsia por manter-se no poder e atacar quem ameace essa hegemonia (manifestação
própria do opressor, mesmo usando muitas vezes no nome os termos democrático,
libertador,entre outros), além de manter a opressão dominante. Apesar de
aparentemente oferecer mais opções ao eleitor, não faz diferença, pois na maioria
das vezes qualquer um dos grupos que chegue ao poder manterá a estrutura
vigente.
b) Mentes preguiçosas
14
“onipotente e efêmero”13. A ação mais comum nas democracias contemporâneas é a
implantação, pelos governos de todas as esferas, de medidas paliativas, através de
programas assistenciais, em vez de buscar reais soluções para os problemas. Em
vez de melhorar a educação, facilita-se a aprovação dos alunos para melhorar os
índices educacionais; no lugar de melhorar a condição econômica dos cidadãos,
com maior oferta de empregos e valorização de seus salários, os governos oferecem
uma infinidade de “bolsas”, ação enormemente ridicularizada em programas
humorísticos e redes sociais, que nada mais faz do que alimentar a miséria. Essa
ação especificamente traz grande impacto na sociedade de massa, já que esses
auxílios governamentais, que deveriam ser um benefício, passam a ser vistos pelos
assistidos como direitos adquiridos, motivo de arruaças e protestos caso haja atraso
ou suspensão destes. Não bastasse o absurdo, como no caso do brasileiro Bolsa
Família, que paga um benefício a famílias que comprovam baixa renda
(comprovação esta envolta por inúmeras fraudes) por cumprirem uma obrigação
constitucional (matricular os filhos em idade escolar em uma instituição de ensino),
fica cada dia mais comprovado que o assistencialismo só estimula a acomodação e
a manutenção da pobreza. Além do fato de que dificilmente o valor do benefício é
empregado para o fim que é pago (no caso do Bolsa Família, a educação da criança
cadastrada).
A massa, um bloco sem identidade, pensa que o Estado lhe pertence e, pior,
confunde o estado com ela mesma. E apesar de toda a sua prepotência, sua idéia
de que não depende de ninguém, a massa não caminha sozinha, com as próprias
pernas: o Estado é a sua muleta. Confunde-se com ele por vê-lo como uma coisa
anônima, assim como ela, massa, e admira-o como entidade que mantém sua vida.
Ao surgimento de qualquer problema, apela e interpela o Poder Público para
resolvê-lo (o que já vimos que não acontece, por ser este também massificado). E
esse ciclo dificuldade→ assistencialismo→manutenção do problema parece não ter
fim.
O homem do início do século XX, tratado por Ortega y Gasset (que, infelizmente,
parece-se muito ainda com homem desse nosso início de século XXI) tem a
potência, mas não tem a força. Tem todas as ferramentas, mas não sabe usá-las, ou
quando sabe, não quer fazê-lo. Permanece da forma como está, preso, sem
interioridade, sem individualidade, por pra acomodação, por puro comodismo. Não
vê a necessidade da mudança, justamente por ter tanto poder. Como disse o próprio
autor, “de tanto se mostrarem abertos mundo e vida ao homem medíocre, a alma
fechou-se para ele”14.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
14
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(www.jahr.org),2002, p. 130.
16
Começamos então a perceber como esses homens são iguais. Igualmente
conduzidos por uma minoria pensante, uma minoria que se arrisca, que afronta e
confronta e impõe sua vontade. Porque a massa é medíocre, e mesmo com toda a
cultura que herdou, tem preguiça de pensar por conta própria, não por crê na sua
incapacidade, como o homem comum de Paulo Freire, mas pelo contrário, por crer
numa perfeição inexistente, que isenta-o da necessidade de criar e aperfeiçoar-se, já
que vive numa época e numa sociedade que alcançaram o cume da evolução.
Deixa-se conduzir no mesmo rebanho do oprimido, seguindo o arbítrio dos donos do
poder e amparando-se no Poder Público para obter a esmola de cada dia.
15
GARCIA, Alexandre. Mentes Preguiçosas. Disponível em:
http://www.sonoticias.com.br/artigos/13/153607/mentes-preguicosas. Acesso em 20 de fevereiro de 2013.
17
consistem, na grande maioria, de “letras idiotizantes em músicas com um máximo de
três notas”16. Tudo isso num tempo em que liberdade de expressão é altamente
divulgada.
16
Idem.
17
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Morais
(www.jahr.org),2002, p. 104.
18
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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