Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ao Cair Da Noite
Ao Cair Da Noite
cuspir fogo. Logo comeariam a namorar e talvez at se casassem, teriam filhos bonitos os artistas
de circo, Maria e Pierre. Mas uma voz interrompe os planos, uma voz rouca, colrica que grita nos
ouvidos da moa.
Vai trabalhar! Vai logo menina! Mulherzinha folgada e dorminhoca no mora sob meu teto!Ela acorda com os olhos molhados, a cabea di. E, com uma enorme tristeza lembra-se de
que apenas Maria, e no Marie como costumava ser na Frana idealizada em seus sonhos.
Lembra-se de que jamais caminhou por aquelas ruas desconhecidas, de que jamais foi
aplaudida, de que jamais foi entrevistada, de que jamais os olhos opacos possuram brilho ou
felicidade.
Seus nicos nmeros ou atraes nunca lhe renderam mais que algumas moedas, uns
trocadinhos para sustentar o vcio da me. Ela no era contorcionista, nem artista de circo
consagrada. Apenas fazia malabares com limes velhos de mercados e, vez ou outra, arriscava-se
em movimentos ousados com seu corpo no muito elstico, quase sempre mal sucedidos. Pierre na
verdade era Pedro, o menino que morrera atropelado uma semana antes, enquanto tentava soprar
fogo. E o cu que vira nos sonhos, este jamais veria realmente. Pois ali, na Zona Leste de So
Paulo, em meio pobreza e sujeira, o cu noite continuaria a ser escuro e as estrelas, assim
como sua esperana, continuariam a ser escassas. Ou completamente inexistentes, como sempre
haviam sido.
Ana Ferreira