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Ps-Histria
Vinte instantneos e um modo de usar
Vilm Flusser
Livraria Duas
Cidades
virtualidades, na medida em que a histria vai-se desenrolando. Por isto a pergunta diante da qual Auschwitz nos
coloca no : como foi que isto aconteceu? Pouco adianta
"explicar" Auschwitz. A pergunta fundamental : como
era possvel isto? Porque o que est em questo no o
campo de extermnio, mas o Ocidente. Dai a outra pergunta: como viver em cultura destarte desmascarada?
Tudo o que aconteceu depois, ressoa com tal pergunta,
com tal vacuidade. Todos os eventos econmicos,
sociais, polticos, tcnicos, cientficos, artsticos, filosficos
so corrodos por tal pergunta indigesta. A distncia que
nos separa do evento no mitiga o abismo, escava-o ainda
mais. Porque a distncia vai dissolvendo a aura de horror
que encobre o evento, e vai abrindo a viso da cena. Vai
revelando que l todas as nossas categorias, todos os
nossos modelos, sofreram naufrgio irreparvel. Auschwitz foi evento revolucionrio, no sentido de ter derrubado a nossa cultura. Na medida em que procuramos encobrir tal revoluo por viagens Lua ou por manipulaes
genticas, somos contra-revolucionrios: estamos invertendo o curso da histria para encobrir o passado.
O inaudito em Auschwitz no o assassinato em
massa, no o crime. a reificao derradeira de pessoas em objetos informes, em cinza. A tendncia ocidental
rumo objetivao foi finalmente realizada, e o foi em
forma de aparelho. Os SS eram funcionrios de um aparelho de extermnio, e suas vtimas funcionaram em funo
do seu prprio aniquilamento. O programa do campo de
extermnio, uma vez posto em funcionamento, se foi desenvolvendo de maneira automtica, autnoma de decises
dos programadores iniciais, at se, como efetivamente o
fez, contribuiu para a derrota dos programadores. Os SS
e os judeus funcionavam uns em funo dos outros em
engrenagem. Os modelos de tal funcionamento provinham
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