Você está na página 1de 2

Confesso que até hoje tenho muita mágoa e uma certa frustração por nunca ter tid

o uma festa d vin ma bol na verdade era festa onde se servia bolos variados, refre
sco e uma espécie de sangria! sobretudo o do fim do exame do segundo grau (4.ª c
lasse). Outra mágoa minha é a de não ter tido a festa do fim do 2. ano dos liceu
s nem a Festa de Finalista do Secundário (o 7.º ano)!
Tenho como referência as festas d vin ma bol de alguns amigos meus mais velhos, po
is acompanhei-os nelas vezes sem conta, sempre almejando o meu dia.
Recordo a balbúrdia e a gritaria da criançada (rapazes e meninas) no mês de Julh
o e lembro-me das frases que iam dizendo em voz alta enquanto corriam pelos dife
rentes bairros, de uma casa para a outra (não podiam fazer desfeita a nenhum col
ega!), para tomar às pressas o bol ma vin : Viva sê Pai! (Viva!) Viva sê Mãi! (Viva!
) Viva Menina Isidora! (Viva!) Viva nôs tud! (Viva!) .
Chegados as casas dos aprovados, normalmente estafados e com a língua de fora, s
obretudo as dos que viviam nos subúrbios mais afastados, os vivas e as frases mu
davam de ênfase: Mãizinha dzê,/ ahoje e k é kel dia./ Se bô fká raposa,/ alí bô ka
t entrá./ Porr lí, porr lá,/ 4.ª classe k ê de brinkadera![1]
Antes dos exames do primeiro e do segundo grau, havia os chamados simplesmente ex
ames de passagem (1.ª e 2.ª classes), sem direito a qualquer comemoração pública.
Esses, fi-los na Morada, na Escola de Rei [2], a Escola Camões, e só foram importa
ntes para as pessoas da minha casa. Os outros exames seriam diferentes, especial
mente se eu saísse Distinto na prova da 4.ª classe! Assim, aguardava o meu dia com
muita ansiedade.
O ano da minha 3.ª classe foi marcante e de viragem para a minha vida. Primeiro,
fiquei a saber que já não teria a mesma professora e tinha sido transferido, ju
ntamente com outros colegas, para uma escola lá para a Ribeira Bote. Depois, con
heci o meu pai e, na sequência, fui trazido para a Praia onde fiquei por dois an
os.
Nesse ano, a minha professora, a Menina Lourdes Carvalho Matos Serradas, minha p
rimeira grande paixão, foi viver para Lisboa. A minha nova professora seria uma
senhora de meia idade, com quem antipatizei logo à primeira porque a achava feia
(faltava-lhe um dente à frente e fazia barba e bigode!) e antipática, para quem
transferi toda a minha raiva e frustração.
Em 2004, visitei essa minha ex-professora, a Sra. D. Lurdes Matos Serradas, na s
ua casa em Alvalade (Lisboa), já viúva e com mais de setenta anos. Contei-lhe en
tão esse e outros factos e a minha paixão de criança e rimo-nos com gosto. Ela o
lhava para mim, homem feito e Doutor e dizia-me embevecida: Manel!... (como quem
diz, eu não acredito que sejas aquele menino! Quem diria!... ), ao que eu respondi
a no mesmo tom encantado olhando para a linda avó que tinha à minha frente: Meni
na Lurdes!... E voltávamos a rir!
Como a minha nova escola da Ribeira Bote uma casa alugada situada por trás da Ca
pela Nazarena era distante do nosso bairro e nos deletávamos[3] pelo caminho, ac
abávamos por chegar sempre passado da uma da tarde, depois dos outros terem entr
ado.
No início, a professora ainda ralhava connosco, mas, perante um comportamento si
stemático, passou a castigar-nos, não nos deixando entrar. Foi aí que tive a ide
ia de não irmos para a escola (!), ao que o Nuno Paris, meu colega de caminhada,
aceitou prontamente, tendo nós acabado por perder o ano.
*
Numa manhã, quando tomava conta da casa e cuidava da minha irmã mais nova, como
que saído do nada, aparece-me à porta de casa um homem simpático a perguntar, em
crioulo de badio, pela Xanda e a dizer que... era meu pai! Ainda um tanto ou qu
anto assarapantado com a notícia, lembro-me de apenas ter dito: Ah, sim?! Então
vou dizer à Xanda que o Senhor está cá!
Da conversa entre os dois só soube que a minha mãe tinha aceitado que eu viesse
para a Praia visitar a minha avó paterna, a Nha Romualda, mulher já idosa e bast
ante adoentada, que teria manifestado o desejo de conhecer esse seu primeiro net
o antes de morrer.
A Mãi Liza opôs-se logo à ideia, argumentando que o pai nunca tinha procurado sa
ber do filho, que ela é que o tinha criado sempre debaixo de dificuldades, sem a
juda de ninguém, etc., etc. De nada valeu essa argumentação. A Xanda foi levada
na conversa e lá aceitou que eu viesse, mas, não muito tempo depois, viria a arr
epender-se amargamente dessa decisão. É que, chegada a época da escola, Estêvão
não me deixou regressar a S. Vicente.
Foi assim que os meus estudos primários da 3.ª e 4.ª classes foram feitos na Pra
ia, na Escola da Igreja Adventista do 7.º Dia, sendo meu professor Jaime Schofie
ld. Os exames, esses, foram realizados na velha Escola Grande. Apesar de ter sid
o um aluno sempre aplicado, não tive a ansiada festa d bol ma vin, simplesmente po
rque não era tradição em Santiago!
Com dezassete anos retomei os estudos e, em um ano, fiz o 2.º ano do Ciclo Prepa
ratório, desta vez em s. Vicente. Contudo, voltei a não ter uma festa d vin ma bol
porque estava broken, quebróde c ma Djósa de Maderal [4] tiNha gasto o dobro do meu
magro salário no processo burocrático da emancipação e a inscrever-me ao exame c
omo trabalhador-estudante!
Curiosamente, os meus exames do fim do secundário seriam também feitos na Praia
no Liceu Domingos Ramos, como aluno externo e sendo eu já adulto, razão porque t
ambém não houve festa. Posteriormente, quando Director desse mesmo liceu (1988/1
989), por iniciativa de Gamal Mascarenhas, os finalistas desse ano, depois de po
rem as suas fitas, chamaram-me ao palco e colocaram-me também uma, azul, da cor
da dos alunos de letras! Comovi-me, pois o gesto soube-me à minha festa d vin ma b
ol atrasada.
Satisfação idêntica só voltaria a ter muitos anos depois, em 2005, na minha últi
ma festa d vin ma bol, a cerimónia de imposição das insígnias de Doutor em Antropo
logia pelo Reitor da Universidade Nova de Lisboa!
[1] A Mãezinha disse,/ hoje é que é o dia!/ se ficares reprovado,/ aqui não entr
as./ Cá e lá,/ a 4.ª classe não é de brincadeira!
[2] Forma antiga de designar as escolas públicas, criadas na sequência

Você também pode gostar