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0 Introdução
O estágio docente de 40 horas que será descrito nessas páginas, por meio do
componente curricular Metodologia e Pratica do Ensino de Ciências Sociais II, foi
realizado na Escola Estadual Deputado Manoel Novaes, nas proximidades da Faculdade
de Educação da UFBA, na modalidade do ensino médio regular. Constou no estágio
docente um encontro semanal de orientação com a professora orientadora Adriana
Franco de Queiroz, na UFBA, assim como observação, coparticipação e regência na
Escola Estadual Deputado Manoel Novaes. Houve também o interesse em produzir
dados qualitativos no intuito de vincular estagio e pesquisa, partindo do pressuposto que
esse encontro é significante na formação do docente.
Para além das aulas, das observações e das coparticipações, houve também a
formulação de um projeto chamado: Fotografando o Trabalho e o Cotidiano dos
trabalhadores informais do entorno do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes da cidade
de Salvador-BA, feito em parceria com outra estagiaria da mesma disciplina, Beatriz
Azevedo, no intuito de pensar a fotografia como possibilidade pedagógica, promovendo
oficinas e discussões sobre teoria fotográfica, assim como uma exposição final, feita a
partir dos trabalhadores do entorno da escola. O projeto será melhor descrito nas
próximas sessões desse relatório.
É preciso dizer que todo este estágio foi viabilizado com a ausência da
observação e participação previsto na disciplina Metodologia e Pratica do Ensino de
Ciências Sociais I, devido a pandemia e a exigência de mudança das aulas presencias
para remotas
A escola está inserida também nesse contexto, com vias de engendrar nos alunos
um novo habitus, assentado em um universo de signos atrelados a meritocracia, ao
desenvolvimento pessoal, e a preceitos holistas de conhecimento e trabalho. Esse sujeito
global e moderno se coaduna com princípio do mercado como orientador onisciente da
vida social, porque individual, centrado em uma ética do trabalho como mérito, e não
critico ao estado das coisas, haja visto que o recaimento do culpa é interno, como nos
lembra Byung-Chul Han
O ensino de ciências sociais no ensino básico pode ser compreendido com base
em dois termos, estranhamento e desnaturalização, esses são dois princípios norteadores
que devem seguir o docente nesse espaço especifico da escola. (MORAES e
GUIMARÃES, 2010)
Tomemos esses dois pontos como essenciais para o fazer pratico do docente:
estranhamento e desnaturalização, e seguimos ao papel do estágio na formação desse
futuro professor imbricado no mundo
De 2008 até 2017 o ensino de sociologia era considerado obrigatório nas escolas,
tornando-se concreta a presença da disciplina no cotidiano escolar. Essa lei proveu-se de
uma série de lutas em defesa do ensino de ciências sociais, por meio de pressões de
movimentos sociais ao legislativo à época. Após a aprovação a disciplina de sociologia
ganhou corpo institucional, participando de iniciativas de fomento, tais como o Plano
Nacional do Livro Didático (2012, 2015 e 2018), o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID) (2009-2020) e, recentemente, a Residência Pedagógica
(2019-2020). ((BODART, C. N., FEIJÓ, F. 2020). Houve também um avanço nas
pesquisas sobre o ensino de sociologia no intuito de garantir uma formação docente de
qualidade.
Toda via, após a aprovação do novo ensino médio, ancorado na lei 13.415/2017,
houve uma fragilização da presença da sociologia, haja visto que a reforma não garante
a curricularização da disciplina e sim versa sobre a “obrigatoriedade de estudos e
práticas de sociologia e filosofia” a ser diluída no ensino das Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas, porém não apresenta detalhes sobre como a Sociologia deverá ser
apresentada nos currículos estaduais.
A escola se situa no antigo prédio do HGE, assim me foi dito pela minha
professora supervisora. Tem três andares, muitas turmas, chegando a ter um terceiro ano
K, ou seja, são ao menos onze turmas de terceiro ano. Os anos são divididos por
andares, no térreo ficam os alunos do primeiro ano, no primeiro andar do segundo e do
terceiro ano, e no segundo andar os alunos do terceiro ano, já no terceiro andar se
encontra a escola técnica de música, com ensino regular de sociologia, ministrado
inclusive pelos mesmo professores das turmas de ensino médio regular.
Uma escada liga todos os andares, e em cada portão, que anuncia o andar, está
uma “porteira”, a “tia da escada”, como os alunos a chamam, quando não pelo nome. As
porteiras lidam com as saídas, idas e vindas dos alunos, numa relação tensa, por vezes,
numa tentativa legitima de manutenção da ordem e da presença em sala. É para ela que
me dirijo quando preciso de algo, álcool, pinceis, apagadores, tudo fica com ela, seus
olhos são os olhos da direção, segundo ouvi pelos corredores, um transito de
informações entre o “chão da escola” e a gestão.
Certa feita subi ao terceiro andar para conhecer a escola de música, havia uma
goteira grande com um balde no chão acumulando água. Há banheiros em todos os
andares, não notei a presença de sabão, somente no banheiros dos professores e da
gestão, que fica trancado e só se pode entrar pedindo a chave a um administrador, as
salas são espaçosas, a maioria tem ventiladores barulhentos que refrescam o calor. Há
um certo tom de descaso na voz dos profissionais da educação, que acusam o estado de
deixar a escola aos maus bocados, queixumes sempre ouvidos na sala dos professores,
ou nos corredores da escola.
O grande pátio coberto, que faz jus a grande escola, e a inicia, é muito
movimentado, cheio de cartazes de trabalhos, cartolinas, quadros de projetos e gente,
muita gente. Os alunos que estão vagos, ou “filando”, ficam ali. Quando passava para
dar aula logo olhava se não tinha algum aluno meu, para logo chama-lo. Um barulho
tremendo. Fica ali também a cantina, onde é servido o almoço, as 9:50 da manhã e o
café, as 7:00 da manhã, os quais, pelo que vi e ouvi, infelizmente não experimentando,
são bons e caprichados.
Há também, mais adiante, após o pátio e a escada que liga aos andares, um local
onde no intervalo os alunos se concentram, seria como um pátio externo. Ali, jogam
“altinha”, conversam, tiram fotos, comem, socializam-se. No canto direito desse pátio
externo há um vendedor de pastel, sucos e salgados. Amigo dos alunos, fica
completamente ocupado das 9:00 as 11:00 da manhã, muitas pessoas, desde alunos
funcionários, vão chegando para comprar e conversar. Amigo da gestão escolar, U,
vende, dentro da escola, seus lanches, mesmo sem licença para tal.
Antes de entrarmos no pátio grande, a esquerda, fica a gestão da escola. Sala dos
professores, da coordenação da direção e dos funcionários. A sala dos professores é o
local mais desalentador da escola. Sempre que ali entro ouço reclamações tremendas,
desejos de férias e aumentos salariais, lamúrias pedagógicas, ausências e apatia. Me
questiono sempre se desejo ou não estar ali, ao mesmo tempo que gosto, haja visto que
“ser professor” é o requisito de estar presente, e eu, nos fins de minha formação, não
desgosto da alcunha. Toda via a energia é realmente densa, sempre penso sobre as
condições de trabalho dos professores da escola pública brasileira, sua estafa, cansaço e
desvalorização. Acho eu que a sala dos professores é a praça pública da reclamação,
como também da manutenção dos laços de apoio, das histórias que se acumulam, e das
saídas possíveis que tantas vezes ouvi, para ir adiante, levantar e seguir em frente.
Creio que a gestão escolar é atuante, dentro dos seus limites, haja visto a crise
estrutural da educação brasileira, creio assim que há uma tentativa constante de manter a
ordem dentro do caos, pós pandêmico e pós reforma do ensino médio, que hoje reina.
Posso dizer que a coordenadora sempre me apoiou e conversou comigo sobre o ato de
dar aulas, e também que encontrei nos meus futuros colegas de profissão uma boa base
de apoio. Toda via reconheço o cansaço dando dos professores, metaforizado na grande
sala de reclamação onde reuniam-se, e também da coordenadora, que inclusive vive um
processo burocrático na tentativa de realocamento escolar, como me foi relatado por ela.
Houve um momento tenso na minha estadia como professor estagiário que conta
um pouco sobre a gestão. Certo dia, um burburinho correu os grupos dos professores e
alunos da escola, era de que haveria, naquela manhã, um “acerto de contas” entre os
alunos, por, em algum outro dia, ter havido um roubo de celular. A gestão mandou
recado para os professores e alunos, toda via não cancelou as aulas, chamou a polícia e
aumentou a segurança. Nesse dia poucos alunos foram, inclusive eu também não fui.
da escola, com temática junina entrecortada por questões ambientais. Que trazia, para
cada turma, uma cidade famosa pelo seu São João, tal qual Campina Grande, por
exemplo, como tema. Toda via, o nível de insegurança que reina nas escolas
que fosse cancelado. O caso do burburinho dito acima também foi base para essa
projeto.
apresentação de quadrilhas juninas. Não tive aula nessa semana, somente os três
primeiros horários foram mantidos, ficando assim sem minha aula de segunda-feira, que
seria no quarto horário, e na quinta-feira, que tinha aula no segundo horário, foi feriado.
A gestão me parece presente, recebe sempre os alunos e mantem regularmente
segurança e com a manutenção da ordem, toda via me parece difícil que haja um embate
medo, somado a um “não há jeito de se resolver”, como me foi dito. Toda via os alunos
que “desejam aprender” são bem recebidos, apesar das dificuldades do processo
pedagógico, das ausências de professores, das aulas vagas e do pouco incentivo geral
aos estudos.
aprovação do nosso projeto de fotografia, sempre se referia a diretora como alguém com
competência e onisciência das questões da escola, citando situações onde não foi dito a
diretoria o que viria a ocorrer, seja em um evento, uma reforma, um projeto, e que as
implicações foram um convite aos envolvidos para ratificar a necessidade de que tudo
disciplina Sociologia, a qual ministrei, tem dois horários semanais. Por vezes juntos, por
são licenciados, os outros utilizam as aulas ministradas na disciplina para fechar sua
carga horaria. Algo que gera tensão nas salas de professores, principalmente com a
professora supervisora do meu estagio, que tem todo um discurso sobre o assunto, e
escancara também certa hierarquização de disciplinas que faz parte tanto do imaginário
dos alunos quanto dos professores, onde a sociologia não reserva um bom lugar.
É preciso dizer que a minha aula das 10:00, na segunda-feira, estava muito mal
10:00, sendo um tempo ínfimo para os alunos almoçarem. A fila do refeitório era grande
e nem mesmo se eles quisessem conseguiriam chegar a tempo, por isso as aulas eram
esvaziadas. Só ficavam mesmo os alunos que traziam lanches de casa. Poucos voltavam
do intervalo para as aulas, ficavam no pátio. Em conversas com outras estagiarias foi
relato que as aulas pós intervalo eram sempre vazias. Isso indica que a gestão não tem
controle sobre o retorno desses alunos à sala de aula, e que o pequeno intervalo
foi me dito que a aula começaria as 10:10, porém sem reajuste das outras aulas
posteriores. Perdi assim 10 minutos da aula, que já começava muitíssimo tarde devido
em confirmar o meu estagio pois sempre haviam mudanças e nem mesmo a professora
também está sendo digerida vagarosamente pela escola, poucos são os professores que
usam o novo livro. Nem me foi indicado que usasse, minha supervisora nem a gestão
me informaram que a turma já estava nesse modelo. Usei o livro do antigo ensino médio
e trabalhei com algumas passagens do novo livro. A indicação feita pela professora
supervisora era a do novo ensino médio, por mais que existe autonomia na nossa
relação, não pude sair totalmente dos temas, pois havia uma certa pressão dela sobre a
continuação posterior do assunto, nas aulas pós recesso junino, onde o meu estagio já
haveria terminado.
Finalizo aqui essa segunda parte do relatório, espero ter deixado claro o chão
que me fiz estagiário, passo agora ao fundo de minhas experiências, minhas tensões e
burocracia também.
É preciso dizer que dividi a unidade dois com minha professora supervisora, pois
o meu semestre não coincidiria com o fim da unidade escolar, portando ela continuará
as aulas pós recesso junino. Me foi delegado cinco pontos de avaliação, dos dez
estabelecidos por unidade. Os outros cinco pontos serão trabalhados por ela no pós
recesso. Houve uma cobrança por parte da professora na manutenção dos conteúdos já
trabalhados comumente por ela, para que ela não “perdesse o controle da turma” na
volta as aulas.
Segue um resumo da unidade feito por mim para apresentar aos alunos:
“Entender como, no contexto das inovações tecnológicas, as empresas reestruturam sua
produção, introduzindo novas formas de gestão da mão de obra. Compreendendo a
flexibilização da produção, do processo de trabalho e da legislação trabalhista trazida
pelas políticas neoliberais nas últimas décadas do século XX e seus desdobramentos.
Assim como as novas formas de contratação e de relações de trabalho. A terceirização e
suas consequências nas condições da vida do trabalhador, na maior intensificação, e na
instabilidade e aumento do desemprego.”
Utilizei também dos escritos e dos vídeos de Ricardo Antunes, professor doutor
da UNICAMP, referência da área de sociologia do trabalho. Em principal seu livro:
Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 (ANTUNES, 2020) e um vídeo especifico,
disponível no Youtube, que foi base para as minhas discussões em sala (RICARDO
ANTUNES: TRABALHO INTERMITENTE E O TRABALHADOR NO BRASIL
HOJE, 2019).
Os planos de aula estão disponíveis em anexo no fim do corpo do texto, para
melhor aprofundamento dos temas.
Gostaria agora de propor uma pequena etnografia (ANDRÉ, 1995) dos meus
dias na escola, colocando assim meu corpo no mundo e no texto, depois iremos para
uma reflexão didática envolvendo teoria, pratica, práxis e fotografia.
Moro a 5 minutos do Colégio Deputado Manoel Novaes, isso deve ser dito, haja
visto as dificuldades ter emendas de mobilidade urbana na capital baiana. Nas segundas
meu horário era de 10:00 as 10:50, toda via o intervalo da escola era as 9:50, sendo este
de apenas 10 minutos. Tinha bastante dificuldade de dar aula nesse horário, haja visto a
dispersão dos poucos alunos que ficavam na sala. O almoço era dado nesse horário,
entre 9:50 e 10:00, porem as filas eram grandes e meus alunos, mesmo se quisessem,
não tinham tempo para comer e voltar para a aula. Ficavam assim os que não
almoçavam, dispersos pelo pouco tempo de folga mental das aulas anteriores. As aulas
de quinta-feira eram mais dinâmicas, pois o segundo horário, das 8:10 as 9:00, é
segundo a maioria dos professores, o melhor, pois a maioria dos alunos já chegaram e
ainda não estão tão agitados para o intervalo.
Minha sala estava situada no primeiro andar da escola, com a porta de frente a
escada que liga todos os andares, tinha 39 alunos matriculados, toda via a frequência era
de mais ou menos 20, e nas segundas tendia a ser menor. A sala era bem grande, uma
retângulo de lados extensos. Três ventiladores altos eram meu concorrentes vocais, um
quadro branco bem grande, uma mesa e uma cadeira do professor. Defronte a mesa as
boas cadeiras dos alunos, ao lado um grande janela com vista para um supermercado e o
mar de prédios da capital.
A disposição da turma era uma tanto constante, um grupo a esquerda, uma dupla
a direita, mais dois grupos no fundo, um em cada canto, e um núcleo de amigos no meio
da sala. Dispersos na grande sala, com os ventiladores soprando barulho, as conversas
entrecortando o espaço, os sonidos do corredor entrando pelas janelas, dar aula me
pareceu um desafio. Tentei num primeiro momento fazer um círculo, mas na segunda
aula todos já estavam um tanto reticentes, e por ter tantos alunos o círculo se tornou
muito grande e assim eles não se ouviam, e a tentativa perdeu sentido. Tive mesmo que
me movimentar muito em sala, ir de grupo em grupo e tentar envolve-los no processo,
numa dança performática que me lembra uma peça de teatro. A luta era conquistar a
atenção dos alunos, como me dedicava a isso, suava, acabava minha aula cansado.
As aulas eram de algum modo difíceis, por vezes o desanimo era evidente,
principalmente nas aulas de segunda feira. Toda via tentava me aproximar da turma da
melhor forma, sempre conversando com eles antes e depois das aulas, tentando criar um
laço que me permitisse pedi-los, respeitosamente o silencio e a atenção necessárias para
minhas aulas. Consegui na maioria das vezes convence-los a participar. Tinha o auxílio
da líder da sala nos pedidos de silencio, e uma certa filiação do grupo a esquerda, mais
atentos e perguntadores. Por vezes me cobrava em locomover-se para não deixar a
atenção somente nesse grupo. Nesses vai e vens, guiados por perguntas aos outros
grupos distantes, conseguia um pouco da atenção deles. Retomava o pensamento que
havia elaborado e dizia-los novamente, dessa vez numa tentativa de ratificar o que havia
dito. Nessas saídas percebia também que perdia atenção dos outros grupos, pelo barulho
e pelo tamanho da sala, de fato a atenção era um corpo em movimento, era uma dança
de meus pés.
Não sei bem de onde vinha a pouca autoridade que consegui com alunos, talvez do
carisma como me foi dito um certo dia, ou da “beleza” como minha professora
supervisora sempre dizia. Havia barulho, conversa, desatenção, mas algo de respeito
existia ali, e sentia que eles buscavam fazer silencio quando realmente o barulho me
incomodava, e eu, silenciando, deixava claro. Percebi na feitura dos trabalhos, o esforço
dos mesmos. Nas conversas pós aula, nos encontros na cidade.Na aula em que a minha
professora orientadora estava até aplausos aconteceram, fiquei feliz e me senti que valeu
todo aquele esforço.
Penso que a disciplina de sociologia existe dentro de uma certa “hierarquia das
disciplinas” que tanto alunos como professores, e até mesmo a gestão escolar,
mobilizam. A sociologia não está lá muito bem colocada nessa hierarquia e penso que é
realmente difícil lidar com um conjunto de estudantes que não tem o conteúdo da
disciplina como algo valorativo. Para além a própria educação pública vive um
momento de ataques e o espaço da sala de aula, do “chão da escola” é sem dúvida um
espaço de luta e resistência criativa.
Como exemplo digo que na minha última aula havia uma professora na sala, no
meu horário, aplicando uma prova. Ela, depois de muito esperar que eu desistisse de dar
a minha aula, no meu horário, cedeu, e pediu para os alunos entregarem a atividades
depois, toda via a atenção já estava perdida, e muitos ficaram com os rostos no pedaço
de papel entregado pela professora. Acho que Biologia está melhor colocado nesse
hierarquia do que Sociologia.
Por fim digo que as aulas foram me mostrando estratégias pedagógicas distintas,
ouvi, falei, senti e vivi esse percurso. Sinto que cada sala é uma sala e a dinâmica aluno-
professor é construída em relação, a escola é, em alguma medida, sempre um estudo de
caso, para além das estruturas que condicionam todo processo educativo há a agencia
dos sujeitos. Algumas transformações e experimentações aconteceram na minha
didática e estas implicaram diretamente na atenção dos alunos, na fluência das aulas e
nas trocas significativas que vieram a ser construídas. Tentarei descreve-las agora, em
conjunto com meus métodos de avaliação.
Digo inicialmente que uma certa disjunção didática me foi exposta logo nos primeiros
dias, explico-me. Creio que enquanto sujeito socializado em uma lógica universitária de
troca de conhecimentos, onde certas construções argumentativas são dadas como
primordiais para estabelecer o ensino de um conteúdo, tais como historicidade,
referencialidade, espetro teórico amplo, tive imensa dificuldades de entender como me
colocar em uma sala de aula do segundo ano do ensino médio.
Inicialmente busquei por meio dos círculos de debate ouvir os alunos para iniciar
as aulas, toda via a minha autoridade se perdia no barulho, os alunos não se ouviam,
todos falavam ao mesmo tempo. Ouvi-los mas não consegui a partir dali puxar um
assunto. Percebi nesse primeiro momento que uma aula dialogada precisava de uma
introdução teórica, para silenciar os ânimos e propor um caminho para as intervenções
dos alunos. Lembro-me que por vezes penso comigo mesmo que o professor deve ser
um facilitador, um ajudante no caminho do conhecimento, e lembro de Paulo Freire e
seu eu e tu.
Inicialmente era muito difícil fazer as associações pois não tinha domínio do
conteúdo. O tema sociologia do trabalho me era muito difícil, pela ausência desse
componente curricular na minha caminhada na graduação, fato que me pareceu um
equívoco imenso na minha matriz curricular obrigatória. Como uma das disciplinas
principais do ensino médio não é ensinado para um futuro professor de sociologia do
ensino médio? Não posso deixar de perguntar: Somos formados, no curso de
licenciatura em Ciências Sociais da Universidade federal da Bahia, para sermos
professores do ensino médio regular? Soma-se a isso a minha ausência de observação e
coparticipação na disciplina Metodologia e Pratica do Ensino de Ciências Sociais I,
ministrada de modo remoto devido a pandemia.
Com o tempo, essas associações vieram com mais facilidade. Essa é a grande
malicia que me faltava: A sabedoria da relação teoria-pratica na vida do aluno e como
maneja-la para convence-los que vale a pena aprender. Como o tema era trabalho
procurei usar os trabalhos por eles mais conhecidos, como o trabalho informal, objeto
do projeto de fotografia implementado na escola, e buscava a todo momento relacionar
o tema com histórias de vida, fato que me pareceu demasiadamente interessante como
proposta pedagógica, ou com possíveis associações correntes. Como por exemplo falar
sobre uma bola que tanto marcou a minha infância, que era fabricada na Paquistão, para
debater divisão internacional do trabalho, ou conversar sobre o preço da gasolina para
pensar o valor agregado nas cadeias de produção, ou ainda pensar no Mcdonalds e no
Subway como duas possíveis aproximações dos modelos de organização da produção
fordista e toyotista respectivamente. Lembro de uma frase que li certa feita, que me
remete também ao Paulo Freire: A gente só sabe aquilo que a gente conhece; ou:
Com a feitura do plano de aula quatro pode elaborar perguntar essenciais para
serem trabalhadas com os alunos, referenciando cada um dos conteúdos com os
objetivos. Pude acima de tudo refletir mais amplamente sobre o tema, trazendo a teoria
da dependência (MARINI) para a sala de aula e também um debate sobre as tecnologias
possíveis para o futuro.
Sendo o último plano por mim elaborado já sentia uma diferença tremenda do
primeiro momento do estágio. Tinha firmeza sobre as bases do meu conteúdo e já
vislumbrava maiores aproximações teóricas com outros autores, a carga de leitura se
acumulou e pude pensar fora do simples que me foi proposto pelo livro didático. Minha
ansiedade em sala havia diminuído significativamente e tinha muito mais exemplos na
manga para tentar aproximar a teoria a pratica dos alunos, foi nesse momento que surgiu
a ideia da bola da minha infância, que me pareceu interessante enquanto possibilidade
pedagógica.
Os alunos pararam para ouvir pois iniciei falando não simplesmente da bola, mas
de como brincava na minha infância, no fundo da minha casa, em uma grande trave de
cano com ela, disse também como meu quintal era grande e havia muitas frutas, sobre a
cor da bola, e somente depois falei que ela era feita no Paquistão. A humanização da
teoria, levada na pratica pela contação da estória, aproximou os alunos. Lembro que li
certa vez, em um certo livro que a autoria se perdeu no tempo, que os seres humanos
tem mais facilidade de aprender algo através da contação de uma história. Talvez isso
tenha me levado a refletir, mesmo que dificilmente e já no fim do estágio, em uma
pedagogia através da história de vida.
A aula anterior a montagem da exposição, onde levei aos alunos as fotos dos
trabalhadores do entrono do colégio, me parece um bom exemplo para pensar esse
processo da história de vida como possível ferramenta pedagógica. Contei a história de
um desses trabalhadores, um bem conhecido entre os alunos. Tentei nesse processo
aproximar teoria e pratica e falar sobre o tema da aula em questão: Trabalho informal.
Contei sobre o desejo dele de continuar a trabalhar como informal, ou seja, sem carteira
de trabalho assinada, assim pude, a partir desse desejo, falar sobre o conceito de
superexploração do trabalho (MARINI).
Busquei uma dança entre o real e o abstrato, entre a história de vida dos
trabalhadores e a literatura acadêmica sobre trabalho informal, atrelando teoria e pratica.
A exposição buscou aproximar o Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes com o
bairro, trazendo as fotografias de mais de vinte trabalhadores e trabalhadoras para
dentro do pátio principal da escola. Buscando também a extensão dos conhecimentos
acadêmicos e a formulação de um fazer educacional alicerçado nas relações reais, de
trabalhadores e trabalhadoras, que entrecortam a vida da comunidade escolar. Por fim
falo sobre minhas avaliações.
Me foi dado 5,0 pontos dos 10,0 utilizados na unidade, inicialmente decidi
democraticamente como seriam avaliados esses pontos, os alunos só me disseram que
gostariam de fazer um trabalho em grupo sobre um dos temas a serem trabalhados.
Disse que acataria se o trabalho fosse apresentado para a turma, eles concordaram e eu
acatei. Separei portando em 2,5 para a apresentação e 2,5 para participação, participação
essa que envolveria algumas atividades que eu iria ainda elaborar.
Toda via no processo mesmo das aulas houve uma modificação significativa do
meu planejamento. Conto ai os atrasos e o pequeno tempo de aula, além da minha
inexperiência em dosar a quantidade de assuntos a serem trabalhados, minha
insegurança que me fez tanto falar nas primeiras aulas, sempre tentando dar conta do
mundo. Por fim, acertei com eles que a apresentação valeria 2,0 e o outros 3,0 viriam
das atividades. Uma dessas atividades foi uma resposta a uma pergunta, com no mínimo
cinco linhas. E outra foi um comentário sobre a exposição: Fotografando o Trabalho e
o Cotidiano dos trabalhadores informais do entorno do Colégio Estadual Deputado
Manoel Novaes da cidade de Salvador-BA, contendo as impressões a respeito da
exposição e também um conteúdo sobre trabalho informal, tema da mesma.
Penso que a pergunta, respondida por mim em sala, foi uma boa forma de
avaliação. Disse-lhes que caso me entregassem receberiam o ponto, que não “avaliaria
de fato”, e sinto que isso incentivou os alunos a fazerem. Apesar de muitas respostas
estarem desconexas com o tema em si, copiadas de um outro lugar, e outras estarem um
tanto vagas, sinto que pude averiguar a participação dos alunos. Devolvi todas as
perguntas com correções individuais e eles me agradeceram. Infelizmente não pude
fazer o mesmo com os comentários a respeito da exposição pois as aulas entraram em
recesso e só pude receber por e-mail ou via whatsapp.
Toda via acatemos também que não há coisa mais bonita que uma conversa
sincera, um diálogo que conserva sua razão de ser na troca, no outro, no conhecimento.
A educação é uma beleza e o estágio é o momento inicial de tudo isso. Repleto de
inseguranças e primeiros passos, estratégias e reinterpretações, êxitos e equívocos, o
estágio é primordialmente um espaço de formação docente e de promoção de uma
identidade professoral.
Sinto que dentro desses tropeços e acertos pude me vê como professor, digo isso
pelo gosto da alcunha, o nome define em alguma medido o sujeito, e ser chamado de
professor me alegrou. Entre felicidades, tensões e tristezas o estágio se fez vivo, pra
mim, positivo. É nesse momento que colocamos a prova nossa formação, eu que sempre
me vi professor tive a oportunidade de escorregar e levantar nesse ato artístico de dar
aula. Pude buscar dentro de mim as tantas conversas noturnas, os pedidos de explicação
que tocaram minha vida, os momentos em que estive nessa suposta posição, as aulas na
faculdade de educação da UFBA, os livros que li, e utiliza-los, toda minha história, no
ato de se inventar professor.
Acho eu que poderia ter ouvido mais meus alunos nesse processo, toda via a
insegurança com os conteúdos e a inabilidade de compreensão do valor das associações,
ou seja, da compreensão do fio que conduz a teoria à pratica, me fizeram por demais
falar. No fim consegui compreender esse processo, levei a cabo a exposição, assim
como a aula com as fotografias, onde o foco foi as histórias de vida, ou seja, um desses
fios que presumo ser os alicerces para uma boa mediação pedagógica. Apostei assim nas
associações, como na história da bola de minha infância, ou na eterna relação que
sempre buscava fazer com o supermercado, que se apresentava completo na janela
direita dos meus olhos.
E senti-me muito grato com a exposição, é preciso dizer. Pude ouvir tanto dos
trabalhadores e trabalhadoras, assim como da direção e dos alunos, como era importante
a visibilidade que o evento propôs. A aproximação da comunidade com a escola,
concomitante a extensão dos saberes, são defesas que sempre tive no meu norte político,
enquanto universitário e futuro professor. Aprender através da vida, das experiências
concretas de sujeitos reais, certamente é uma boa forma de transformar, por meio da
educação, a realidade palpável.
Creio também que poderia tentar impor mais autoridade ao processo, mas não
autoridade vazia, e talvez deixar as decisões inicias menos abertas, exigir um tanto mais
dos meus alunos. Acho eu que a promoção da escuta qualitativa por ventura promoveria
maior autoridade por vias não coercitivas, forma mais concisa de lidar com a
autoridade. O excesso gera descontrole e perda da atenção, é preciso saber dosar a
escuta e a troca com a necessidade de demonstração teórica do tema.
Por fim digo que me sinto grato por ter feito todo esse percurso de licenciado
dentro de uma universidade federal, em um momento onde não há intuição que sofra
mais ataques. Defendo e defenderei sempre o ensino público de qualidade como saída
aos desmantelos do lucro privado e da gana do capital, e como caminho possível para
um pais mais justo, igualitário e feliz.
Referencias
ANTUNES, Ricardo (org.). 2020. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1. ed. São
Paulo: Boitempo. 333 pp
Ribeiro Darcy Edição brasileira (1º): Editora Salamandra, Rio de Janeiro, 1984