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1.

0 Introdução
O estágio docente de 40 horas que será descrito nessas páginas, por meio do
componente curricular Metodologia e Pratica do Ensino de Ciências Sociais II, foi
realizado na Escola Estadual Deputado Manoel Novaes, nas proximidades da Faculdade
de Educação da UFBA, na modalidade do ensino médio regular. Constou no estágio
docente um encontro semanal de orientação com a professora orientadora Adriana
Franco de Queiroz, na UFBA, assim como observação, coparticipação e regência na
Escola Estadual Deputado Manoel Novaes. Houve também o interesse em produzir
dados qualitativos no intuito de vincular estagio e pesquisa, partindo do pressuposto que
esse encontro é significante na formação do docente.

O estágio buscou contribuir com a formação dos alunos de licenciatura em


Ciências Sociais da UFBA, assim como, a partir do processo de troca de saberes e
fazeres, contribuir com a escola em sua pratica diária, na promoção e dialogo de novos
olhares e perspectivas, e na formulação de dados quantitativos e qualitativos que
possam contribuir com a sua inovação e auto-refelxão. Buscou também ser um espaço
de aproximação da universidade com a escola, fortalecendo um vínculo institucional de
imensa importância para democratização da educação

Assumiu-se a turma de 2ª A do Ensino Médio para regência, com duas aulas


semanais de 50 minutos, as segundas-feiras 10:10 da manhã e as quintas-feiras 8:10 da
manhã. O estágio iniciou-se no fim da primeira unidade, na data de 20/04/2022, na
condição de observação, e após o fim da primeira unidade, iniciou-se a regência, na data
de 02/05/2022, concomitantemente ao início da segunda unidade, cuja o tema foi:
Trabalho, Tecnologia e Mudanças Sociais. O período em regência finalizou-se no dia
13/05/2022.

Para além das aulas, das observações e das coparticipações, houve também a
formulação de um projeto chamado: Fotografando o Trabalho e o Cotidiano dos
trabalhadores informais do entorno do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes da cidade
de Salvador-BA, feito em parceria com outra estagiaria da mesma disciplina, Beatriz
Azevedo, no intuito de pensar a fotografia como possibilidade pedagógica, promovendo
oficinas e discussões sobre teoria fotográfica, assim como uma exposição final, feita a
partir dos trabalhadores do entorno da escola. O projeto será melhor descrito nas
próximas sessões desse relatório.
É preciso dizer que todo este estágio foi viabilizado com a ausência da
observação e participação previsto na disciplina Metodologia e Pratica do Ensino de
Ciências Sociais I, devido a pandemia e a exigência de mudança das aulas presencias
para remotas

Por hora, vamos a uma introdução refletindo sobre o papel do estágio na


formação docente, e suas especificidades com a licenciatura em ciências sociais,
apresentarei também a perspectiva teórico-pedagógica que o estágio buscou orientar-se,
contextualizando-a no tempo presente, e por fim, falarei rapidamente acerca da
presença/ausência do ensino de sociologia na educação brasileira, tendo em vista as
transformações oriundas da reforma do ensino médio de 2017, ancorada na lei
13.415/2017.

Fundamentação Teórica - Da importância do estágio em um mundo


capitalista

O desenvolvimento dos meios de produção nos levam hoje a uma experiência de


mundo pautada na globalização e nos fluxos globais de informação e cultura. Esse
processo, acirrado com o advento da internet no fim do século XX, tem mudado
consideravelmente a forma de pensarmos os processos educativos, a gestão do tempo,
assim como as metodologias e práticas, toda via é preciso situar tal contexto tento em
vista os desenvolvimentos do sistema capitalista, para não deixarmos de lado a
historicidade da educação, e sua relação constante em fazer e ser feita pelo mundo
social que a rodeia.

O desenvolvimento das forças produtivas, após a queda do murro de Berlim e o


avanço da globalização, impuseram um ritmo de flexibilização do trabalho, no intuito de
diluir fronteiras garantindo uma expansão do comercio global e assim aumentar a taxa
de lucro, tudo isso levado a cabo pela expansão de uma ideologia neoliberal.

A escola está inserida também nesse contexto, com vias de engendrar nos alunos
um novo habitus, assentado em um universo de signos atrelados a meritocracia, ao
desenvolvimento pessoal, e a preceitos holistas de conhecimento e trabalho. Esse sujeito
global e moderno se coaduna com princípio do mercado como orientador onisciente da
vida social, porque individual, centrado em uma ética do trabalho como mérito, e não
critico ao estado das coisas, haja visto que o recaimento do culpa é interno, como nos
lembra Byung-Chul Han

“O sujeito de desempenho pós-moderno não está submisso a


ninguém. Propriamente falando, não é mais sujeito, uma vez
que esse conceito se caracteriza pela submissão (subject to,
sujet à, sujeito a). Ele se positiva, liberta-se para um projeto. A
mudança de sujeito para projeto, porém, não suprime as
coações. Em lugar da coação estranha, surge a autocoação,
que se apresenta como liberdade. Essa evolução está
estreitamente ligada com as relações de produção capitalistas.
A partir de um certo nível de produção, a autoexploração é
essencialmente mais eficiente, muito mais produtiva que a
exploração estranha, visto que caminha de mãos dadas com o
sentimento da liberdade. A sociedade de desempenho é uma
sociedade de autoexploração. O sujeito de desempenho explora
a si mesmo, até consumir-se completamente (burnout). (HAN,
Byung-Chul. 2015. p. 101.)”

Assim, as transformações que vem acontecendo em âmbito global, a partir da


ação de órgãos internacionais, no intuito de transformação e modernizar a educação,
carregam um conjunto de convicções que sustentam a manutenção do sistema
capitalista. Portando, é dentro dessa lógica que o docente precisa pensar o seu fazer
educacional, compreendendo as contradições históricas e sociais da vida real, suas
implicações mais amplas e as articulações que elas alimentam ou transformam.

Toda via é preciso pensar que a escola se transforma e é transformada, em um


jogo dialético-histórico, e portanto, é e continuará a ser um espaço de disputas e
transformação. Como nos sugere os autores do livro Educação Escolar: Politicas,
Estrutura e Organização.

“A tensão em que a escola se encontra não significa,


no entanto, seu fim como instituição socioeducativa ou o início
de um processo de desescolarização da sociedade. Indica,
antes, o início de um processo de reestruturação dos sistemas
educativos e da instituição tal como a conhecemos. A escola de
hoje precisa não apenas conviver com outras modalidades de
educação não formal, informal e profissional, mas também
articular-se e integrar-se a elas, a fim de formar cidadãos mais
preparados e qualificados para um novo tempo.’ (LIBANEO e
FERREIRA e TOSCHI; 2012)

É preciso de antemão situar historicamente o processo educacional no mundo, e


no brasil hoje, pois o estágio em questão foi construído com base na corrente
pedagógica histórico-critica, que compreende a educação em seu contexto político e
social, econômico e cultural. Mais adiante entraremos nas descrições dessa corrente,
antes vamos a importância do estágio supervisionado na construção de um docente
crítico e antenado, consciente de seu papel social e das contribuições da educação para o
entendimento do mundo.

O ensino de ciências sociais no ensino básico pode ser compreendido com base
em dois termos, estranhamento e desnaturalização, esses são dois princípios norteadores
que devem seguir o docente nesse espaço especifico da escola. (MORAES e
GUIMARÃES, 2010)

Estranhar entendido aqui enquanto ato de espanto, ato de deixar os olhos e o


juízo um tanto de tempo em algo, em alguém, em sí mesmo. Estranhar também como
inconformar-se, ser tocado, deixar-se tocado pelo mundo. Enfim, ousar perguntas
inúmeras, como uma criança que conhece o mundo. Cultura é esse universo
efervescente de signos que o mundo nos provem, na nossa história de sujeito que vive,
olhamos através dele, talvez estranhar seja ter consciência desse universo, e do processo
continuo de transformação do mesmo, em si e no outro. Essa é uma potência das
ciências sócias, estar no mundo com vistas para o mundo.

Desnaturalizar no sentido de compreender os fenômenos sociais como


amparados em uma historicidade e não simplesmente soltos no ar, reificados eternos.
Fugir das respostas prontas que o mundo das informações rápidas nos dá, e
simplesmente agir no sentido de questiona-las e pensa-las como produtos sociais,
engendrados em uma processo de disputa de poder, de gente, interesse, classe, amor e
ódio. O social não existe por si só, ele é disputado e construído diariamente, ademais, é
perpassado por hegemonias simbólicas e desigualdades de acesso a bens materiais e
imateriais.
“É essa a propriedade das Ciências Sociais –
olhar para além da realidade imediata –, que
possibilita a dessacralização e desnaturalização dos
fenômenos sociais, ao submetê-los a critérios
científicos de análise: pois os fenômenos sociais não
participam do sagrado – não são obras divinas –, nem
da natureza – não são regidos por leis naturais –: são
humanos.” (MORAES e GUIMARÃES, 2010)”.

Portanto é essa ponte entre o estranhamento e a desnaturalização que entendo


aqui como um dos percursos possíveis para formulação didática e metodológica de uma
pratica educacional. Estranhar para desnaturalizar, criticar e compreender o mundo
como um processo de transformações, e o seu papel nesse processo.

‘’Procurando fazer uma ponte entre o estranhamento e


a desnaturalização, pode-se afirmar que a vida em sociedade é
dinâmica, em constante transformação; constitui-se de uma
multiplicidade de relações sociais que revelam as mediações e
as contradições da realidade objetiva de um dado período
histórico. É representada por um conjunto de ações que se
caracterizam pela capacidade de alterar o curso dos
acontecimentos, e provocar transformações no processo
histórico’’ (MORAES e GUIMARÃES, 2010)”.

Tomemos esses dois pontos como essenciais para o fazer pratico do docente:
estranhamento e desnaturalização, e seguimos ao papel do estágio na formação desse
futuro professor imbricado no mundo

Antes é preciso dizer que é no estágio docente onde o contexto educacional


neoliberal e a prática do ensino de ciências sociais se encontraram pela primeira vez, no
fazer prático, no chão da escola, nos contatos com os alunos-sujeitos de seu tempo,
estruturas e gestões escolares filhas do seu tempo, perpassados eles todos por discursos
neoliberalizantes e agentes também da transformação dialética do mundo. Enquanto
primeiro momento do fazer professoral é de imensa valia termos em mente esse
contexto político, social, econômico e cultural, para assim agir de um modo ético,
crítico e reflexivo. Seguimos
O estágio docente é por excelência o espaço de mediação entre a escola, a
universidade e a sociedade, um espaço de encontro de práticas distintas, suas logicas e
valores, lugares e papeis sociais. O discente em formação adentra um novo meio, ou
seja, uma nova cultura, com contradições e implicações distintas, e é nesse novo meio
que precisa trabalhar, a partir do processo de troca de saberes e fazeres, para se fazer
docente.

Esse adentramento é muito enriquecedor para o discente, partindo do ponto de


vista que o conhecimento é fruto da materialidade do processo vivido, os confrontos e
encontros; as percepções dos diferentes papeis sociais que circulam a escola; o
reconhecimento do próprio espaço da escola e do fazer educacional em sala de aula;
contribuíram para a formação de uma identidade professoral, para além dos
conhecimentos metodológicos e didáticos que o discente manejará, com as observações,
coparticipações e regência, e a vivencia ao lado da professora orientadora e supervisora.

Para além, o estágio docente é também, para os alunos graduandos em


licenciatura, um espaço para alimentar a pesquisa. Exercitando a observação
antropológica qualitativa na pratica da etnografia escolar (ANDRÉ, 1995), assim como
trabalhando com aglutinação de dados quantitativos na utilização de questionários, bem
como entrevistas e conversas informais. Assim o aluno pode, por meio desse processo,
ao fim do estágio, refletir criticamente sobre os dados, buscando um reflexão crítica do
ambiente escolar e das práticas didáticas e metodológicas e o perpassaram, buscando
avaliar essa reflexão em forma de artigos, conceitos e/ou pesquisas futuras.

É nessa interpenetração de fazeres que o aluno se faz, e se enxerga enquanto


futuro professor, buscando compreender as logicas sobrepostas nos discursos, entre a
teoria e a pratica, no escrito e no vivido, entre o dito e o feito (LIMA, 2008, p. 197).
Observando o funcionamento e a gestão de uma escola no seu dia a dia, os professores
nas salas de aula, e ele mesmo enquanto agente escolar cumprindo um papel social
naquele espaço, se compreende as nuances que permeiam a profissão. O estágio se
torna assim o ambiente de construção de uma identidade profissional, e ademais, o lócus
da sistematização da pesquisa sobre a prática, no papel de realizar a síntese e a reflexão
das vivências efetivadas. (LIMA, 2008, p. 198).

Portando o estágio pode propiciar ao aluno, para além de um meio privilegiado


para frutificar e produzir conhecimentos professorais, éticos e críticos, uma
possibilidade de investigação do seu meio social, gerando assim consciência crítica-
reflexiva e ademais, histórica, compreendendo o mundo como algo feito socialmente em
disputas de poder e inter-relações sociais.

“Acreditamos no Estágio como lócus de formação do


professor reflexivo-pesquisador, de aprendizagens
significativas da profissão, de cultura do magistério, de
aproximação investigativa da realidade e do seu contexto
social. Reafirmamos o nosso conceito de Estágio, como campo
de conhecimento, que envolve estudos, análise,
problematização, reflexão e proposição de soluções sobre o
ensinar e o aprender, tendo como eixo a pesquisa sobre as
ações pedagógicas, o trabalho docente e as práticas
institucionais, situadas em contextos sociais, históricos e
culturais (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 61).”

A pedagogia Histórico-critica – Por uma educação dialógica e


emancipatória

Dado o contexto da educação nos idos do século XXI, e a reflexão acerca da


importância do estágio na formação docente, e suas imbricações com esse contexto,
seguimos a uma pequena descrição da pedagogia histórico-critica, universo teórico que
norteou a construção da metodologia desse estágio, assim como sua aplicação pratica.

A pedagogia histórico-crítica é fundamentada no materialismo histórico, ou seja,


compreende a história e as transformações sociais com base na determinação das
condições materiais da existência humana, sua reprodução, as disputas que a tencionam
e sustentam. Portanto, para tal pedagogia, é a existência social dos homens que gera o
conhecimento, pois este resulta do trabalho humano, no processo histórico de
transformação do mundo e da sociedade, através da reflexão sobre esse processo.
(GASPARIN,2005)

A natureza humana não é dada ao homem mas é por


ele produzida historicamente sobre a base da natureza
biofísica. Consequentemente, o trabalho educativo é o ato de
produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens (SAVIANI, 2008, p. 7).
Podemos pensar que é histórica porque compreende a educação como
ferramenta de transformação social, assim modificando e influindo na história, e critica
pois compreende as contradições e determinações que conduzem o fazer educacional,
reconhecendo a sua ideologia e sua capacidade de reproduzir desigualdades e conservar
a ordem, assim como sua capacidade emancipadora de superação dessa mesma ordem.

Sua prática docente é comprometida com o processo de ensino-aprendizagem no


sentido que alimenta a formulação do conhecimento de forma dialética, a partir da base
material e social dos sujeitos, levando em conta suas experiências históricas, suas vidas,
venturas e desventras, são elas a base do fazer educacional, são delas que se tira o guia
para iniciar um processo de troca potente.

Pautada na pratica dialógica da escuta ativa e na compreensão da importância


da troca de saberes, a pedagogia histórico-critica parte da pratica social a ser aprendida
e suas problematizações instrumentaliza-se o sujeito com a teoria, para por fim, chegar a
uma catarse seguida de uma nova pratica social. (GASPARIN,2005)

Portando, dialética e dialógica, socialmente comprometida e emancipatória, essa é a


pedagogia que norteou o estágio em questão

Por fim trataremos rapidamente sobre as ausências e presenças do ensino de


ciências sociais no brasil, tendo em vista as transformações oriundas da reforma do
ensino médio de 2017, ancorada na lei 13.415/2017.

As Presenças e ausências do ensino de sociologia na educação


brasileira

A presença do ensino de sociologia no brasil é marcado por intermitências,


desde a sua ausência completa, de 1942 até 1971, passando por sua presença limiar em
componentes curriculares como Educação Moral, Noções de Sociologia e Direito Usual,
em 1916, até sua dita obrigatoriedade, garantida, nos tempos mais presente pela lei
Federal nº. 11.684de 2008.

A história da Sociologia escolar está


fortemente marcada pelas reformas educacionais
do ensino secundário brasileiro, as quais impactam
de diferentes formas, ora tornando-a obrigatória,
ora optativa. Trata-se de uma disciplina com
obrigatoriedade intermitente e com formas de
presenças variadas. (BODART, C. N., FEIJÓ, F.
2020).

De 2008 até 2017 o ensino de sociologia era considerado obrigatório nas escolas,
tornando-se concreta a presença da disciplina no cotidiano escolar. Essa lei proveu-se de
uma série de lutas em defesa do ensino de ciências sociais, por meio de pressões de
movimentos sociais ao legislativo à época. Após a aprovação a disciplina de sociologia
ganhou corpo institucional, participando de iniciativas de fomento, tais como o Plano
Nacional do Livro Didático (2012, 2015 e 2018), o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (PIBID) (2009-2020) e, recentemente, a Residência Pedagógica
(2019-2020). ((BODART, C. N., FEIJÓ, F. 2020). Houve também um avanço nas
pesquisas sobre o ensino de sociologia no intuito de garantir uma formação docente de
qualidade.

Toda via, após a aprovação do novo ensino médio, ancorado na lei 13.415/2017,
houve uma fragilização da presença da sociologia, haja visto que a reforma não garante
a curricularização da disciplina e sim versa sobre a “obrigatoriedade de estudos e
práticas de sociologia e filosofia” a ser diluída no ensino das Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas, porém não apresenta detalhes sobre como a Sociologia deverá ser
apresentada nos currículos estaduais.

A impressão que temos é que vivenciamos


um retrocesso aos debates que pareciam ter sido
superados em 2008, voltando à visão de
“desdisciplinarização” do currículo, sendo a
Sociologia uma das “vítimas” desse processo
(juntamente com Filosofia, Artes e Educação
Física) por sua falta de tradição no interior do
currículo obrigatório nacional e pela fragilidade de
sua presença, marcada pelo preconceito, pela
reduzida carga-horária e pelo fato de que a grande
maioria dos professores que a lecionam o fazem
como forma de complementar sua carga-horária de
trabalho ((BODART, C. N., FEIJÓ, F. 2020).).

A presença do ensino de sociologia no ensino médio hoje, no que diz respeito a


sua carga horaria, assim como sobre a definição dos seus conteúdos, passando ainda
pela curricularização da disciplina, depende de uma relação de pressão com as
secretarias estaduais de educação, uma luta política na tentativa de fazer presente seus
principais temas, na contramão da diluição dos seus autores, teorias e práticas.

O descaso vivido pela educação pública brasileira, pensada a partir da ideia de


projeto e não de crise, como nos ensina Darcy Ribeiro (Ribeiro, 1984), acentua-se na
desvalorização dos professores e rebate também nas sua presença em sala de aula, na
desvalorização da disciplina de sociologia, tanto para com os alunos quanto para as
gestões, que por vezes sedem a disciplina para fechamento de carga horaria para outros
professores.

É portando, através da luta política, da pressão através dos meios democráticos


institucionais e das ruas que podemos agir na contra hegemonia da ordem capitalista,
que não perde de vista a disputa no âmbito da cultura, da ideologia, das ideias. É
descontruindo sentidos, mediando conflitos, e propondo pedagogias emancipatórias que
caminharemos para um norte de equidade social, e a sociologia tem parte fundamental
nesse processo.

2.0 Identificação dos Espaços

Identificarei agora a escola em que realizei o estágio e os motivos deste mesmo


estágio, passando pela minha vinculação a Universidade Federal da Bahia, a descrição
da escola, seus espaços e sociabilidades, sua gestão e sua estrutura. Penso que a partir
daqui esse relatório se torna um tanto mais pessoal, digo o que digo a partir do meu
olhar, sem pretensões de falsa neutralidade cientifica. Minha posicionalidade define a
minha apreensão do mundo, todo fazer cientifico é também um fazer de um lugar, não
há sujeito universal, orador realista que descreve o tempo, há sim sujeito históricos,
construídos com olhos de seu próprio chão, engendrados em relações de poder.

O estágio em questão é referente ao meu último semestre no curso de

Licenciatura em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia, vinculado a


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Faço-o como caráter avaliativo da

disciplina Metodologia e Pratica do Ensino de Ciências Sociais II, vinculada a

Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Etnografando o chão da escola – O campo onde o jogo acontece.

A Escola Estadual Deputado Manoel Novaes, inaugurada em 1992 e reformulada em


2006, onde foi realizado o estágio, está situada no Bairro do Canela, nas proximidades
do Campo Grande, na Av. Araújo Pinho, sendo, portando, uma escola central. É
também próxima a Faculdade de Educação da UFBA e de boa parte do campus
universitário. Foi escolhida como espaço privilegiado para realização do estágio
supervisionado justamente pela proximidade dos discentes e docentes, gerando assim
maior relação e intercomunicação entre aluno e professora orientadora.

A Escola Estadual Deputado Manoel Novaes é conhecida, também, pelo seu


curso técnico profissionalizante de música, este já formou grandes músicos, que
participam de orquestras, fazem carreiras em bandas conhecidas na cidade, e também se
apresentam ao lado de artistas famosos.

O bairro do Canela é um bairro de classe média e média alta, rodeada de clinicas


e laboratórios, assim como prédios residenciais, a UFBA o IFBA e também a Escola
Estadual Deputado Manoel Novaes. Bairro de grande circulação de estudantes, haja
visto a sua proximidade com grandes polos universitários. Há, toda via, uma
centralidade, para além do bairro de classe média/alta, vinculada ao movimento e ao
trabalho da cidade, pois perto do campo grande, miolo central de salvador, onde passam
inúmeras linhas de ônibus, e ademais perto do centro, espaço de compras, trocas e
vendas.

O portão da escola fica defronte um grande supermercado, nas ruas que


prescindem o portão se vê inúmeros vendedores ambulantes, hortifrútis e geladinhos,
chaveiros, vendedores de salgados, quebra queixos e guarda chuva. Uma movimentação
constante existe na frente do colégio, as calçadas sempre cheias de transeuntes de
histórias e encontros.
Uma barraca que vende salgados a 1 real, mesmo defronte o portão, estabelece
uma relação direta com a escola, o ambulante em questão, M, é um velho conhecidos
dos alunos, passei algum tempo conversando com ele para realização do projeto de
fotografia que realizou-se no estágio, as estórias são inúmeras, e até mesmo sua moto e
sua barraca de salgados são guardados dentro da escola. O porteiro faz a mediação das
compras, não sendo permitido sair. Um certo aglomerado começa por ali a partir das 9
horas. O portão permanece sempre fechado e é preciso justificar seus motivos
ultrapassar o portão fora do horário convencional.

A escola se situa no antigo prédio do HGE, assim me foi dito pela minha
professora supervisora. Tem três andares, muitas turmas, chegando a ter um terceiro ano
K, ou seja, são ao menos onze turmas de terceiro ano. Os anos são divididos por
andares, no térreo ficam os alunos do primeiro ano, no primeiro andar do segundo e do
terceiro ano, e no segundo andar os alunos do terceiro ano, já no terceiro andar se
encontra a escola técnica de música, com ensino regular de sociologia, ministrado
inclusive pelos mesmo professores das turmas de ensino médio regular.

Uma escada liga todos os andares, e em cada portão, que anuncia o andar, está
uma “porteira”, a “tia da escada”, como os alunos a chamam, quando não pelo nome. As
porteiras lidam com as saídas, idas e vindas dos alunos, numa relação tensa, por vezes,
numa tentativa legitima de manutenção da ordem e da presença em sala. É para ela que
me dirijo quando preciso de algo, álcool, pinceis, apagadores, tudo fica com ela, seus
olhos são os olhos da direção, segundo ouvi pelos corredores, um transito de
informações entre o “chão da escola” e a gestão.

Existem muitos espaços na escola, desde biblioteca, sala de estudos, laboratório


de química, quadra, sala de eventos, sala de dança, sala de música, salão de
apresentações, pátio. A qualidade dos espaços, principalmente em sua quantidade, é
interessantes, mas a falta de manutenção também é evidente.

Alguns espaços, como a biblioteca e a sala de estudos não são utilizados, em


uma conversa informal foi me dito que não havia funcionários para poder dar vasão a
seu uso, não havia quem ali ficasse caso fosse aberto. Toda via a biblioteca é bem
equipada, muitos livros didáticos para alunos e professores, de vários anos, que por
ventura foram esquecidos pelos alunos e professores, contrastam com literatura nacional
e latino americana, Gabriel Garcia Márquez, Jorge Amado.

Certa feita subi ao terceiro andar para conhecer a escola de música, havia uma
goteira grande com um balde no chão acumulando água. Há banheiros em todos os
andares, não notei a presença de sabão, somente no banheiros dos professores e da
gestão, que fica trancado e só se pode entrar pedindo a chave a um administrador, as
salas são espaçosas, a maioria tem ventiladores barulhentos que refrescam o calor. Há
um certo tom de descaso na voz dos profissionais da educação, que acusam o estado de
deixar a escola aos maus bocados, queixumes sempre ouvidos na sala dos professores,
ou nos corredores da escola.

Notei também que não há muitos recursos para os professores, consegui um


pincel com uma das administradoras, com auxílio da minha professora supervisora, toda
via não me foi garantido um, minha amiga estagiaria comprou o seu. Não há internet em
toda escola, e nas salas não há datashow ou coisa do gênero. Na feitura do nosso projeto
de fotografia tivemos que pedir um datashow emprestado, toda via, ao chegar na escola,
descobrimos que havia um, talvez para momentos especiais. Assim como o uso da
impressora, que não se faz sempre, e sim para as provas. Foi me dito também que havia
um notebook para as aulas, mas ao que me parece não é uma pratica dos professores dar
aula com ele.

Os corredores vivem cheios e dificultam bastante a aula, apesar do esforço


constante das porteiras. Devido ao fato da sala ser muito grande, e dos ventiladores
serem um tanto barulhentos, perco um pouco da minha capacidade de comunicação com
os alunos que sentam no fundo da sala, dificultando a pedagogia. Preciso me
movimentar bastante para conseguir me fazer ouvido. Certa feita utilizamos a sala de
eventos para fazer uma oficina de fotografia, parte do nosso projeto, ela fica no terceiro
andar e o barulho era muito menor, conseguimos falar bem, captar a atenção dos alunos.
Pensei comigo mesmo que o silencio é um privilégio.

O grande pátio coberto, que faz jus a grande escola, e a inicia, é muito
movimentado, cheio de cartazes de trabalhos, cartolinas, quadros de projetos e gente,
muita gente. Os alunos que estão vagos, ou “filando”, ficam ali. Quando passava para
dar aula logo olhava se não tinha algum aluno meu, para logo chama-lo. Um barulho
tremendo. Fica ali também a cantina, onde é servido o almoço, as 9:50 da manhã e o
café, as 7:00 da manhã, os quais, pelo que vi e ouvi, infelizmente não experimentando,
são bons e caprichados.

Há também, mais adiante, após o pátio e a escada que liga aos andares, um local
onde no intervalo os alunos se concentram, seria como um pátio externo. Ali, jogam
“altinha”, conversam, tiram fotos, comem, socializam-se. No canto direito desse pátio
externo há um vendedor de pastel, sucos e salgados. Amigo dos alunos, fica
completamente ocupado das 9:00 as 11:00 da manhã, muitas pessoas, desde alunos
funcionários, vão chegando para comprar e conversar. Amigo da gestão escolar, U,
vende, dentro da escola, seus lanches, mesmo sem licença para tal.

Antes de entrarmos no pátio grande, a esquerda, fica a gestão da escola. Sala dos
professores, da coordenação da direção e dos funcionários. A sala dos professores é o
local mais desalentador da escola. Sempre que ali entro ouço reclamações tremendas,
desejos de férias e aumentos salariais, lamúrias pedagógicas, ausências e apatia. Me
questiono sempre se desejo ou não estar ali, ao mesmo tempo que gosto, haja visto que
“ser professor” é o requisito de estar presente, e eu, nos fins de minha formação, não
desgosto da alcunha. Toda via a energia é realmente densa, sempre penso sobre as
condições de trabalho dos professores da escola pública brasileira, sua estafa, cansaço e
desvalorização. Acho eu que a sala dos professores é a praça pública da reclamação,
como também da manutenção dos laços de apoio, das histórias que se acumulam, e das
saídas possíveis que tantas vezes ouvi, para ir adiante, levantar e seguir em frente.

É gritante a precarização do trabalho dentro da realidade escolar, todos os


professores reclamam tanto das altas cargas de trabalho quanto da baixa remuneração,
dizem sempre sobre descaso em sala de aula, sobre não conseguir manter a autoridade
com os alunos, da falta de interesse e de animo, generalizada, tanto deles quanto dos
estudantes para com as aulas. Grita em meu ouvido que “a crise da educação pública
brasileira não é uma crise; é um projeto” (Ribeiro,1984)

Algumas palavras sobre a Gestão Escolar – É crise na educação?

Creio que a gestão escolar é atuante, dentro dos seus limites, haja visto a crise
estrutural da educação brasileira, creio assim que há uma tentativa constante de manter a
ordem dentro do caos, pós pandêmico e pós reforma do ensino médio, que hoje reina.
Posso dizer que a coordenadora sempre me apoiou e conversou comigo sobre o ato de
dar aulas, e também que encontrei nos meus futuros colegas de profissão uma boa base
de apoio. Toda via reconheço o cansaço dando dos professores, metaforizado na grande
sala de reclamação onde reuniam-se, e também da coordenadora, que inclusive vive um
processo burocrático na tentativa de realocamento escolar, como me foi relatado por ela.

Houve um momento tenso na minha estadia como professor estagiário que conta

um pouco sobre a gestão. Certo dia, um burburinho correu os grupos dos professores e

alunos da escola, era de que haveria, naquela manhã, um “acerto de contas” entre os

alunos, por, em algum outro dia, ter havido um roubo de celular. A gestão mandou

recado para os professores e alunos, toda via não cancelou as aulas, chamou a polícia e

aumentou a segurança. Nesse dia poucos alunos foram, inclusive eu também não fui.

Foi um tanto enérgica a reação da diretora, e segura.

Haveria, no dia 13/06/2022, um projeto interessante em homenagem aos 30 anos

da escola, com temática junina entrecortada por questões ambientais. Que trazia, para

cada turma, uma cidade famosa pelo seu São João, tal qual Campina Grande, por

exemplo, como tema. Toda via, o nível de insegurança que reina nas escolas

soteropolitanas, somado a provável aglomeração que o evento acarretaria, fizeram com

que fosse cancelado. O caso do burburinho dito acima também foi base para essa

decisão. Seria ele interdisciplinar, e todos os professores e professoras, de todas as

disciplinas, deveriam avaliar, com notas da unidade, a participação dos alunos no

projeto.

O evento aconteceu de forma reduzida e mais amplamente na parte da tarde,

algumas apresentações artísticas ocorram na parte da manhã, como rodas de capoeira e

apresentação de quadrilhas juninas. Não tive aula nessa semana, somente os três

primeiros horários foram mantidos, ficando assim sem minha aula de segunda-feira, que

seria no quarto horário, e na quinta-feira, que tinha aula no segundo horário, foi feriado.
A gestão me parece presente, recebe sempre os alunos e mantem regularmente

reuniões com professores, alunos e pais. Há uma preocupação constante com a

segurança e com a manutenção da ordem, toda via me parece difícil que haja um embate

de fato entre os administradores e a gestão, para com os alunos, pois há no ar um certo

medo, somado a um “não há jeito de se resolver”, como me foi dito. Toda via os alunos

que “desejam aprender” são bem recebidos, apesar das dificuldades do processo

pedagógico, das ausências de professores, das aulas vagas e do pouco incentivo geral

aos estudos.

A autoridade suscitada pela gestão nos professores, funcionários e alunos

também me parece bastante relevante, minha professora supervisora, na tentativa de

aprovação do nosso projeto de fotografia, sempre se referia a diretora como alguém com

competência e onisciência das questões da escola, citando situações onde não foi dito a

diretoria o que viria a ocorrer, seja em um evento, uma reforma, um projeto, e que as

implicações foram um convite aos envolvidos para ratificar a necessidade de que tudo

chegasse antes a diretoria.

As aulas são divididas por horários de 50 minutos, começando 7:20, com

intervalo de 10 minutos, entre 9:50 e 10:00, retornando as 10:00, até as 12:30. A

disciplina Sociologia, a qual ministrei, tem dois horários semanais. Por vezes juntos, por

vezes separados. Há alguns professores de Sociologia no colégio, porem somente dois

são licenciados, os outros utilizam as aulas ministradas na disciplina para fechar sua

carga horaria. Algo que gera tensão nas salas de professores, principalmente com a

professora supervisora do meu estagio, que tem todo um discurso sobre o assunto, e

escancara também certa hierarquização de disciplinas que faz parte tanto do imaginário

dos alunos quanto dos professores, onde a sociologia não reserva um bom lugar.

É preciso dizer que a minha aula das 10:00, na segunda-feira, estava muito mal

colocada na escala de tempo da escola. Pois o intervalo começava as 9:50 e termina as

10:00, sendo um tempo ínfimo para os alunos almoçarem. A fila do refeitório era grande
e nem mesmo se eles quisessem conseguiriam chegar a tempo, por isso as aulas eram

esvaziadas. Só ficavam mesmo os alunos que traziam lanches de casa. Poucos voltavam

do intervalo para as aulas, ficavam no pátio. Em conversas com outras estagiarias foi

relato que as aulas pós intervalo eram sempre vazias. Isso indica que a gestão não tem

controle sobre o retorno desses alunos à sala de aula, e que o pequeno intervalo

atrapalha acintosamente os professores do horário posterior a ele. Inclusive certa feita

foi me dito que a aula começaria as 10:10, porém sem reajuste das outras aulas

posteriores. Perdi assim 10 minutos da aula, que já começava muitíssimo tarde devido

ao agito e atraso no retorno.

Digo também que inicialmente os horários transitaram muito, tive dificuldades

em confirmar o meu estagio pois sempre haviam mudanças e nem mesmo a professora

da disciplina sabia me informar sobre os horários. A mudança do novo ensino médio

também está sendo digerida vagarosamente pela escola, poucos são os professores que

usam o novo livro. Nem me foi indicado que usasse, minha supervisora nem a gestão

me informaram que a turma já estava nesse modelo. Usei o livro do antigo ensino médio

e trabalhei com algumas passagens do novo livro. A indicação feita pela professora

supervisora era a do novo ensino médio, por mais que existe autonomia na nossa

relação, não pude sair totalmente dos temas, pois havia uma certa pressão dela sobre a

continuação posterior do assunto, nas aulas pós recesso junino, onde o meu estagio já

haveria terminado.

Finalizo aqui essa segunda parte do relatório, espero ter deixado claro o chão

que me fiz estagiário, passo agora ao fundo de minhas experiências, minhas tensões e

minhas alegrias na arte performática de ser professor. E claro, haverá um pouco de

burocracia também.

3.0 Desenvolvimento do Estagio

Panorama Geral do Estágio – Conteúdos e Projeto Fotográfico


Fui supervisado pela professora RP, licenciada em ciências sociais pela
Universidade Federal da Bahia e professora de Sociologia a mais de 20 anos, ao menos
12 anos no Colégio Deputado Manoel Novaes. Minha carga horaria foi de 4 horas por
semana, em um total de 40 horas, assumiu-se a turma de 2ª A do Ensino Médio para
regência, com duas aulas semanais de 50 minutos, as segundas-feiras 10:10 da manhã e
as quintas-feiras 8:10 da manhã. O estágio iniciou-se no fim da primeira unidade, na
data de 20/04/2022, na condição de observação e coparticipação, e após o fim da
primeira unidade, iniciou-se a regência, na data de 02/05/2022, concomitantemente ao
início da segunda unidade, cujo o tema foi: Trabalho, Tecnologia e Mudanças Sociais.
O período em regência finalizou-se no dia 13/05/2022. Ao total somaram-se doze
regências, e quatro aulas de observação e coparticipação, com mais alguns encontros
para formulação do projeto de fotografia que foi elaborado conjuntamente ao estágio.

É preciso dizer que dividi a unidade dois com minha professora supervisora, pois
o meu semestre não coincidiria com o fim da unidade escolar, portando ela continuará
as aulas pós recesso junino. Me foi delegado cinco pontos de avaliação, dos dez
estabelecidos por unidade. Os outros cinco pontos serão trabalhados por ela no pós
recesso. Houve uma cobrança por parte da professora na manutenção dos conteúdos já
trabalhados comumente por ela, para que ela não “perdesse o controle da turma” na
volta as aulas.

Nas doze aulas de regência assumiu-se o tema: Trabalho, Tecnologia e


Mudanças Sociais. Houve uma conversa inicial com a professora supervisora RP para
formulação dos possíveis planos de aula. Fui informado sobre como ela gostaria que
fosse trabalhado o tema nas aulas em que assumira, assim como a acompanhei em uma
das suas aulas para pensar sobre meu processo pedagógico. A partir desse processo de
observação e muita pesquisa sobre o tema elaborei meus planos de aula. A temática
principal, vinculada tanto ao livro que o colégio utilizava quanto aos assuntos propostos
por minha supervisora, seria as transformações tecnológicas, a racionalização e a
flexibilização do trabalho no século XX, ou seja, a restruturação produtiva do capital,
assim como as consequências nas relações trabalhistas da implementação de novos
modelos flexíveis de trabalho oriundos dessas transformações: Uberização do trabalho;
Trabalho Intermitente; Terceirização.

Segue um resumo da unidade feito por mim para apresentar aos alunos:
“Entender como, no contexto das inovações tecnológicas, as empresas reestruturam sua
produção, introduzindo novas formas de gestão da mão de obra. Compreendendo a
flexibilização da produção, do processo de trabalho e da legislação trabalhista trazida
pelas políticas neoliberais nas últimas décadas do século XX e seus desdobramentos.
Assim como as novas formas de contratação e de relações de trabalho. A terceirização e
suas consequências nas condições da vida do trabalhador, na maior intensificação, e na
instabilidade e aumento do desemprego.”

Transversalmente a esses temas principais busquei trazer discussões acerca da


implementação do assalariamento no brasil, propondo um diálogo com os alunos na
busca das razões históricas que explicam os dados de racismo e machismo nas
diferenças de qualidade de emprego e salário na classe trabalhadora brasileira.
Explorando tanto o passado escravista como a imigração europeia do fim do século XIX
e início do século XX. Pude explorar esse tema por meio da pesquisa do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre trabalho informal, relacionada ao
PNAD, (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) referentes aos meses de abril e
junho de 2020. Assim como através do artigo de Laís Abramo: Desigualdades de
Gênero e Raça no Mercado de Trabalho Brasileiro (ABRAMO, 2006).

Pude trabalhar com os alunos a teoria da dependência, junto ao conceito de


superexploração do trabalho cunhados por Ruy Mauro Marini (MARINI, 1973). Na
tentativa de explicar os baixos salários reservados ao países do sul global, como o brasil,
aproximando os alunos da temática do trabalho informal e de suas potencialidades de
remuneração por vezes acima do salário mínimo estipulado pela CLT (Consolidação das
Leis de Trabalho). Fato de difícil explicação no caminhar do estágio, haja visto a
negação de muitos ao trabalho com carteira assinada, vendo no empreendedorismo ou
em outras carreiras não convencionais, tais como esporte ou nas mídias sociais, as
possibilidades de ascensão financeira.

Utilizei também dos escritos e dos vídeos de Ricardo Antunes, professor doutor
da UNICAMP, referência da área de sociologia do trabalho. Em principal seu livro:
Uberização, trabalho digital e indústria 4.0 (ANTUNES, 2020) e um vídeo especifico,
disponível no Youtube, que foi base para as minhas discussões em sala (RICARDO
ANTUNES: TRABALHO INTERMITENTE E O TRABALHADOR NO BRASIL
HOJE, 2019).
Os planos de aula estão disponíveis em anexo no fim do corpo do texto, para
melhor aprofundamento dos temas.

No decorrer do estagio um projeto foi construído coletivamente com os alunos,


ideia incialmente pensada pela professora supervisora e repensada por mim e Beatriz
Azevedo, estagiaria da mesma disciplina na UFBA e companheira de estágio no mesmo
colégio. O projeto intitulou-se: Fotografando o Trabalho e o Cotidiano dos trabalhadores
informais do entorno do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes da cidade de Salvador-
BA, e teve o intuito de pensar a fotografia como possibilidade pedagógica, conciliando
teoria e pratica no fazer educacional, promovendo oficinas e discussões sobre teoria
fotográfica, assim como uma exposição final, feita coletivamente com os trabalhadores
do entorno da escola.

O projeto foi realizado em três momentos, nas aulas de quinta-feira, três


semanas consecutivas. No primeiro encontro houve uma oficina de fotografia
ministrada por mim, que incluiu tanto a minha turma quanto a turma de Beatriz,
segundo ano A e segundo ano B, respectivamente, assim como apresentamos a proposta
do projeto. No segundo momento trouxemos algumas fotos dos trabalhadores do
entorno do colégio, produzidas no decorrer da semana, em uma troca afetiva e
interessante, no intuito de contar suas histórias e assim aproximar o conhecimento
teórico a pratica dos estudantes. Alguns desses trabalhadores são bastante conhecidos no
colégio, pois estabelecem uma relação direta com os alunos, por vezes até mesmo
dentro da escola, como é o caso de U, e outros na frente do portão principal, nas ruas
que compõem os percursos diários do alunos.

No terceiro encontro promovemos a exposição, construída coletivamente com os


alunos das duas turmas e de outros estudantes que se engajaram na montagem, tendo os
trabalhadores como convidados, dois deles falaram, M, amigo de muitos dos alunos e
antigo conhecido da gestão escolar, a 28 anos na frente do portão do Colégio Deputado
Manoel Novaes e V, a dois anos trabalhando no estorno do colégio, muito mais novo, e
também conhecido dos alunos. Ao todo foram 19 trabalhadores, 30 imagens. O
momento de abertura contou com a presença da diretora e da coordenadora da escola, da
professora supervisora da disciplina e de outros professores, assim como dos alunos de
toda escola.
Na sessão dificuldades e “Invenções Didáticas – Meu corpo no mundo”
debaterei mais amplamente algumas percepções produtivas da exposição.

Etnografando em escrita de fluxo - A sala de aula e o corpo em


movimento

Gostaria agora de propor uma pequena etnografia (ANDRÉ, 1995) dos meus
dias na escola, colocando assim meu corpo no mundo e no texto, depois iremos para
uma reflexão didática envolvendo teoria, pratica, práxis e fotografia.

Moro a 5 minutos do Colégio Deputado Manoel Novaes, isso deve ser dito, haja
visto as dificuldades ter emendas de mobilidade urbana na capital baiana. Nas segundas
meu horário era de 10:00 as 10:50, toda via o intervalo da escola era as 9:50, sendo este
de apenas 10 minutos. Tinha bastante dificuldade de dar aula nesse horário, haja visto a
dispersão dos poucos alunos que ficavam na sala. O almoço era dado nesse horário,
entre 9:50 e 10:00, porem as filas eram grandes e meus alunos, mesmo se quisessem,
não tinham tempo para comer e voltar para a aula. Ficavam assim os que não
almoçavam, dispersos pelo pouco tempo de folga mental das aulas anteriores. As aulas
de quinta-feira eram mais dinâmicas, pois o segundo horário, das 8:10 as 9:00, é
segundo a maioria dos professores, o melhor, pois a maioria dos alunos já chegaram e
ainda não estão tão agitados para o intervalo.

Minha sala estava situada no primeiro andar da escola, com a porta de frente a
escada que liga todos os andares, tinha 39 alunos matriculados, toda via a frequência era
de mais ou menos 20, e nas segundas tendia a ser menor. A sala era bem grande, uma
retângulo de lados extensos. Três ventiladores altos eram meu concorrentes vocais, um
quadro branco bem grande, uma mesa e uma cadeira do professor. Defronte a mesa as
boas cadeiras dos alunos, ao lado um grande janela com vista para um supermercado e o
mar de prédios da capital.

A disposição da turma era uma tanto constante, um grupo a esquerda, uma dupla
a direita, mais dois grupos no fundo, um em cada canto, e um núcleo de amigos no meio
da sala. Dispersos na grande sala, com os ventiladores soprando barulho, as conversas
entrecortando o espaço, os sonidos do corredor entrando pelas janelas, dar aula me
pareceu um desafio. Tentei num primeiro momento fazer um círculo, mas na segunda
aula todos já estavam um tanto reticentes, e por ter tantos alunos o círculo se tornou
muito grande e assim eles não se ouviam, e a tentativa perdeu sentido. Tive mesmo que
me movimentar muito em sala, ir de grupo em grupo e tentar envolve-los no processo,
numa dança performática que me lembra uma peça de teatro. A luta era conquistar a
atenção dos alunos, como me dedicava a isso, suava, acabava minha aula cansado.

A funcionária que ficava nos corredores, muito amigável, sempre perguntava se


eu deseja utilizar o apagador. Consegui meu pincel com o auxílio da minha professora
supervisora, mas me disseram que era melhor comprarmos. Não havia possibilidade de
usar um datashow, ou coisa do gênero. As aulas eram mesmo na cara, na dança e na
voz. Trouxe uma caixa de som de casa certa feita, e utilizei para trabalharmos uma
música. Em um dos momentos da oficina descrita mais acima utilizamos um datashow
emprestado de uma amiga, fomos a uma outra sala onde o silencio se fazia presente, e
com as imagens do data show, o silencio e o tema que tanto apeteciam os alunos a aula
foi muito interessante. Me sentia também mais à vontade quando o tema é fotografia,
tive dificuldades para condensar o conteúdo da minha unidade, dificuldades de me
inteirar a ponto de sentir confiança, mas falaremos sobre didática e conteúdos daqui a
pouco. Portanto utilizei mesmo o pincel e a garganta como ferramentas didáticas.

As aulas eram de algum modo difíceis, por vezes o desanimo era evidente,
principalmente nas aulas de segunda feira. Toda via tentava me aproximar da turma da
melhor forma, sempre conversando com eles antes e depois das aulas, tentando criar um
laço que me permitisse pedi-los, respeitosamente o silencio e a atenção necessárias para
minhas aulas. Consegui na maioria das vezes convence-los a participar. Tinha o auxílio
da líder da sala nos pedidos de silencio, e uma certa filiação do grupo a esquerda, mais
atentos e perguntadores. Por vezes me cobrava em locomover-se para não deixar a
atenção somente nesse grupo. Nesses vai e vens, guiados por perguntas aos outros
grupos distantes, conseguia um pouco da atenção deles. Retomava o pensamento que
havia elaborado e dizia-los novamente, dessa vez numa tentativa de ratificar o que havia
dito. Nessas saídas percebia também que perdia atenção dos outros grupos, pelo barulho
e pelo tamanho da sala, de fato a atenção era um corpo em movimento, era uma dança
de meus pés.

As aulas de quinta fluíam melhor, o silencio era mais presente, os corredores


mais quietos, toda via a dinâmica era a mesma, movimento. Senti que a didática que
utilizava tinha efeitos sobre a atenção dos alunos, mas que em alguma medida não havia
aula que tomasse de todo a atenção deles. Esse é um dos primeiros chãos que você
acaba por perder, nem sempre você é o centro das atenções, e no estágio, no primeiro
momento da pratica enquanto professor, é muitas vezes isso que você intui. É preciso
sair de si e adentrar o mundo do outro, do aluno, buscar nele a pratica que orientará a
teoria dada em sala.

Tive bons alunos, principalmente os do referido grupo a direita, mais presentes e


mais falantes. Trouxe respostas que me foram feitas por eles como ganchos das aulas
posteriores, e por vezes, ao fim das aulas, ficávamos conversando, normalmente sempre
esse mesmo grupo, três ou quatro alunos desse grupo mais especificamente. Tentava
traze-los para a aula, mas muitos perguntavam somente no fim, e sentia que quando
abria para a perguntas a atenção se perdia, a autoridade ao silencio me parecia ser
construída através da minha voz, na ausência dela todos conversam. Tive dificuldade de
fazer uma aula dialogada, somente no início conseguia puxar o assunto, para depois me
manter um tanto falando e abrir no fim para perguntas. Toda via nesse processo de fala
usava sempre insights e exemplos vindo da realidade dos alunos.

Não sei bem de onde vinha a pouca autoridade que consegui com alunos, talvez do
carisma como me foi dito um certo dia, ou da “beleza” como minha professora
supervisora sempre dizia. Havia barulho, conversa, desatenção, mas algo de respeito
existia ali, e sentia que eles buscavam fazer silencio quando realmente o barulho me
incomodava, e eu, silenciando, deixava claro. Percebi na feitura dos trabalhos, o esforço
dos mesmos. Nas conversas pós aula, nos encontros na cidade.Na aula em que a minha
professora orientadora estava até aplausos aconteceram, fiquei feliz e me senti que valeu
todo aquele esforço.

Penso que a disciplina de sociologia existe dentro de uma certa “hierarquia das
disciplinas” que tanto alunos como professores, e até mesmo a gestão escolar,
mobilizam. A sociologia não está lá muito bem colocada nessa hierarquia e penso que é
realmente difícil lidar com um conjunto de estudantes que não tem o conteúdo da
disciplina como algo valorativo. Para além a própria educação pública vive um
momento de ataques e o espaço da sala de aula, do “chão da escola” é sem dúvida um
espaço de luta e resistência criativa.

Como exemplo digo que na minha última aula havia uma professora na sala, no
meu horário, aplicando uma prova. Ela, depois de muito esperar que eu desistisse de dar
a minha aula, no meu horário, cedeu, e pediu para os alunos entregarem a atividades
depois, toda via a atenção já estava perdida, e muitos ficaram com os rostos no pedaço
de papel entregado pela professora. Acho que Biologia está melhor colocado nesse
hierarquia do que Sociologia.

Por fim digo que as aulas foram me mostrando estratégias pedagógicas distintas,
ouvi, falei, senti e vivi esse percurso. Sinto que cada sala é uma sala e a dinâmica aluno-
professor é construída em relação, a escola é, em alguma medida, sempre um estudo de
caso, para além das estruturas que condicionam todo processo educativo há a agencia
dos sujeitos. Algumas transformações e experimentações aconteceram na minha
didática e estas implicaram diretamente na atenção dos alunos, na fluência das aulas e
nas trocas significativas que vieram a ser construídas. Tentarei descreve-las agora, em
conjunto com meus métodos de avaliação.

Dificuldades e invenções didáticas – Meu corpo no mundo e as


histórias de vida.

Digo inicialmente que uma certa disjunção didática me foi exposta logo nos primeiros
dias, explico-me. Creio que enquanto sujeito socializado em uma lógica universitária de
troca de conhecimentos, onde certas construções argumentativas são dadas como
primordiais para estabelecer o ensino de um conteúdo, tais como historicidade,
referencialidade, espetro teórico amplo, tive imensa dificuldades de entender como me
colocar em uma sala de aula do segundo ano do ensino médio.

O que quero dizer é que na universidade me parece que a teoria precede a


pratica, o falar alongado sobre a posicionalidade do tema a ser trabalhado, e a nuances
históricas que fundam o argumento são a norma da didática por mim vista e revista
nesses últimos anos de graduação. Toda via me parece imensamente difícil trabalhar
assim em uma sala de aula do ensino médio.

Como dito na fundamentação teórica, a intenção didática do estágio em questão


era trabalhar com as bases da teoria histórico-critica, buscando uma pedagogia dialética
e dialógica, socialmente comprometida e emancipatória, ou seja, era por assim dizer, ir
nas práticas dos alunos, nas venturas e desventuras que perpassam os fazeres diários,
para depois propor uma teoria, uma práxis e posteriormente uma nova pratica social
(GASPARIN,2005).
Toda via, como conciliar uma tentativa de partir da pratica para a teoria, pensada
previamente no projeto do estágio, com uma socialização acadêmica pensada da teoria
pra pratica? Essa é a disjunção que digo. Na sala de aula isso se exemplifica em como
começar a aula: Se por um perpassar pela história da ideia ser debatida; ou com uma
pergunta que fala sobre a vida dos alunos? O que está em jogo aqui é a mediação
pedagógica vinculada a necessidade de reter a atenção dos alunos, e principalmente a
escolha das estratégias didáticas para propulsionar essa mediação.

Inicialmente busquei por meio dos círculos de debate ouvir os alunos para iniciar
as aulas, toda via a minha autoridade se perdia no barulho, os alunos não se ouviam,
todos falavam ao mesmo tempo. Ouvi-los mas não consegui a partir dali puxar um
assunto. Percebi nesse primeiro momento que uma aula dialogada precisava de uma
introdução teórica, para silenciar os ânimos e propor um caminho para as intervenções
dos alunos. Lembro-me que por vezes penso comigo mesmo que o professor deve ser
um facilitador, um ajudante no caminho do conhecimento, e lembro de Paulo Freire e
seu eu e tu.

O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado,


conquistado num mero “isto”. O eu dialógico, pelo contrário, sabe que
exatamente o tu que o constitui. Sabe, também, que, constituído por
um tu – um não-eu – esse tu que o constitui se constitui, por sua vez,
como eu, ao ter no seu eu um tu. Desta forma, o eu e o tu passam a
ser, na dialética destas relações constitutivas, dois tu que se fazem dois
eu. (FREIRE, 1983, p. 196).

Assim mudei a abordagem no segundo encontro. Nas outras aulas abdiquei do


círculo e fui para o quadro, escrevi um percurso em palavras e iniciei falando
teoricamente sobre o assunto, tentava falar por 15 minutos no máximo e depois ficar
livre para fazer associações com os temas a serem trabalhados.

Inicialmente era muito difícil fazer as associações pois não tinha domínio do
conteúdo. O tema sociologia do trabalho me era muito difícil, pela ausência desse
componente curricular na minha caminhada na graduação, fato que me pareceu um
equívoco imenso na minha matriz curricular obrigatória. Como uma das disciplinas
principais do ensino médio não é ensinado para um futuro professor de sociologia do
ensino médio? Não posso deixar de perguntar: Somos formados, no curso de
licenciatura em Ciências Sociais da Universidade federal da Bahia, para sermos
professores do ensino médio regular? Soma-se a isso a minha ausência de observação e
coparticipação na disciplina Metodologia e Pratica do Ensino de Ciências Sociais I,
ministrada de modo remoto devido a pandemia.

Modifiquei consideravelmente meu planejamento de ensino inicial, pois no


intento desesperado de dar conta de tantas coisas, principalmente no início do estágio
onde minha insegurança em relação aos conteúdos falava mais alto, tentei falar sobre
todos os temas de modo aprofundado. Sinto que por vezes deveria ter falado menos e
escutado mais. Em algum momento me dei conta que não havia necessidade de tantos
conteúdos e fui transformando as aulas menos em monólogos e mais em diálogos,
buscando atentar-me ao que tocava os sujeitos a minha frente, não ao conteúdo em sua
totalidade, e a partir daquele fio que lhes tocava, passei a tentar criar as associações.

Com o tempo, essas associações vieram com mais facilidade. Essa é a grande
malicia que me faltava: A sabedoria da relação teoria-pratica na vida do aluno e como
maneja-la para convence-los que vale a pena aprender. Como o tema era trabalho
procurei usar os trabalhos por eles mais conhecidos, como o trabalho informal, objeto
do projeto de fotografia implementado na escola, e buscava a todo momento relacionar
o tema com histórias de vida, fato que me pareceu demasiadamente interessante como
proposta pedagógica, ou com possíveis associações correntes. Como por exemplo falar
sobre uma bola que tanto marcou a minha infância, que era fabricada na Paquistão, para
debater divisão internacional do trabalho, ou conversar sobre o preço da gasolina para
pensar o valor agregado nas cadeias de produção, ou ainda pensar no Mcdonalds e no
Subway como duas possíveis aproximações dos modelos de organização da produção
fordista e toyotista respectivamente. Lembro de uma frase que li certa feita, que me
remete também ao Paulo Freire: A gente só sabe aquilo que a gente conhece; ou:

Só na medida em que o educando se torne sujeito


cognoscente e se assuma como tal, tanto quanto sujeito
cognoscente é também o professor, é possível ao educando
tornar-se sujeito produtor da significação ou do conhecimento
do objeto. É neste movimento dialético que ensinar e aprender
vão se tornando conhecer e reconhecer. O educando vai
conhecendo o ainda não conhecido e o educador
reconhecendo, o antes sabido (FREIRE, 1993b, p. 119).
Mantive o seguinte esquema no meu estagio: Cinco minutos escrevendo no
quadro; dez minutos de revisão das aulas anteriores; dez minutos de explanação sobre o
assunto novo; vinte minutos de associações, perguntas e respostas. Sempre trazia para
aula os assuntos anteriores, por vezes colocava todas as aulas no quadro e falava
rapidamente sobre o caminho que havíamos feito até aquele momento. Tocava logo
depois o tema novo e abria para perguntas no fim, sempre tentando trazer algumas
associações e respostas das perguntas anteriores. Também, por meio do grupo de
Whatsapp da turma, disponibilizava um conteúdo para as aulas, todos baseados no livro
didático, acrescido de algum artigo, vídeos no Youtube e perguntas elaboradas com base
nas ultimas aulas.

Os planos de aula me foram muito uteis, embora somente no meio do estágio


percebi a referencialidade que a boa feitura deles representava. Ao todo elaborei quatro
planos, que constavam de dois encontros cada. Quero contar sobre o plano de aula
quatro, que foi ao meu ver o principal momento em sala, devido ao grau de organização
e ampliação das teoria propostas e organizadas no plano de aula.

Com a feitura do plano de aula quatro pode elaborar perguntar essenciais para
serem trabalhadas com os alunos, referenciando cada um dos conteúdos com os
objetivos. Pude acima de tudo refletir mais amplamente sobre o tema, trazendo a teoria
da dependência (MARINI) para a sala de aula e também um debate sobre as tecnologias
possíveis para o futuro.

Sendo o último plano por mim elaborado já sentia uma diferença tremenda do
primeiro momento do estágio. Tinha firmeza sobre as bases do meu conteúdo e já
vislumbrava maiores aproximações teóricas com outros autores, a carga de leitura se
acumulou e pude pensar fora do simples que me foi proposto pelo livro didático. Minha
ansiedade em sala havia diminuído significativamente e tinha muito mais exemplos na
manga para tentar aproximar a teoria a pratica dos alunos, foi nesse momento que surgiu
a ideia da bola da minha infância, que me pareceu interessante enquanto possibilidade
pedagógica.

Os alunos pararam para ouvir pois iniciei falando não simplesmente da bola, mas
de como brincava na minha infância, no fundo da minha casa, em uma grande trave de
cano com ela, disse também como meu quintal era grande e havia muitas frutas, sobre a
cor da bola, e somente depois falei que ela era feita no Paquistão. A humanização da
teoria, levada na pratica pela contação da estória, aproximou os alunos. Lembro que li
certa vez, em um certo livro que a autoria se perdeu no tempo, que os seres humanos
tem mais facilidade de aprender algo através da contação de uma história. Talvez isso
tenha me levado a refletir, mesmo que dificilmente e já no fim do estágio, em uma
pedagogia através da história de vida.

O projeto de fotografia, feito no fim no período de estagio, foi uma amplificação


dessa perspectiva da história de vida como possível ferramenta pedagógica. A utilização
da fotografia para dar vazão a esse projeto também foi intencional, pois para além de ser
fotografo sempre concordei que a fotografia é suficientemente aberta para não fechar
conclusões, provocando sentimentos mais do que induzindo verdades.

“Diria que tanto a fotografia como a narrativa tem


esta capacidade [...] de acolher a experiência de quem
contempla ou ouve. Acolhimento que desperta em quem
ouve ou contempla novas reflexões sobre suas próprias
experiências. Por acolhimento da fotografia quero dizer
que ela é suficientemente “aberta” para que o observador
possa mergulhar em seu interior e, paradoxalmente,
perceber em si mesmo o que a foto desperta. Ao vermos
algo, vemos não apenas a aparência da coisa que a imagem
nos mostra, mas igualmente a relação que mantemos com
esta aparência. [...] Quando o observador se permite um
mergulho na imagem está evoca e desperta nele
sentimentos, lembranças e sensações sobre os quais
começa a falar. Dificilmente um texto acadêmico se abre e
acolhe quem o lê dessa maneira.” (CAIUBY, 2014).

A aula anterior a montagem da exposição, onde levei aos alunos as fotos dos
trabalhadores do entrono do colégio, me parece um bom exemplo para pensar esse
processo da história de vida como possível ferramenta pedagógica. Contei a história de
um desses trabalhadores, um bem conhecido entre os alunos. Tentei nesse processo
aproximar teoria e pratica e falar sobre o tema da aula em questão: Trabalho informal.
Contei sobre o desejo dele de continuar a trabalhar como informal, ou seja, sem carteira
de trabalho assinada, assim pude, a partir desse desejo, falar sobre o conceito de
superexploração do trabalho (MARINI).
Busquei uma dança entre o real e o abstrato, entre a história de vida dos
trabalhadores e a literatura acadêmica sobre trabalho informal, atrelando teoria e pratica.
A exposição buscou aproximar o Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes com o
bairro, trazendo as fotografias de mais de vinte trabalhadores e trabalhadoras para
dentro do pátio principal da escola. Buscando também a extensão dos conhecimentos
acadêmicos e a formulação de um fazer educacional alicerçado nas relações reais, de
trabalhadores e trabalhadoras, que entrecortam a vida da comunidade escolar. Por fim
falo sobre minhas avaliações.

As avaliações – Erros e Acertos

Me foi dado 5,0 pontos dos 10,0 utilizados na unidade, inicialmente decidi
democraticamente como seriam avaliados esses pontos, os alunos só me disseram que
gostariam de fazer um trabalho em grupo sobre um dos temas a serem trabalhados.
Disse que acataria se o trabalho fosse apresentado para a turma, eles concordaram e eu
acatei. Separei portando em 2,5 para a apresentação e 2,5 para participação, participação
essa que envolveria algumas atividades que eu iria ainda elaborar.

Toda via no processo mesmo das aulas houve uma modificação significativa do
meu planejamento. Conto ai os atrasos e o pequeno tempo de aula, além da minha
inexperiência em dosar a quantidade de assuntos a serem trabalhados, minha
insegurança que me fez tanto falar nas primeiras aulas, sempre tentando dar conta do
mundo. Por fim, acertei com eles que a apresentação valeria 2,0 e o outros 3,0 viriam
das atividades. Uma dessas atividades foi uma resposta a uma pergunta, com no mínimo
cinco linhas. E outra foi um comentário sobre a exposição: Fotografando o Trabalho e
o Cotidiano dos trabalhadores informais do entorno do Colégio Estadual Deputado
Manoel Novaes da cidade de Salvador-BA, contendo as impressões a respeito da
exposição e também um conteúdo sobre trabalho informal, tema da mesma.

Nem todos os alunos entregaram o material, houve uma taxa de adesão de no


máximo 50%, tanto a resposta à pergunta quanto comentário sobre a exposição. Em
relação a apresentação houve uma adesão maior, por volta de 70%.

Penso que a pergunta, respondida por mim em sala, foi uma boa forma de
avaliação. Disse-lhes que caso me entregassem receberiam o ponto, que não “avaliaria
de fato”, e sinto que isso incentivou os alunos a fazerem. Apesar de muitas respostas
estarem desconexas com o tema em si, copiadas de um outro lugar, e outras estarem um
tanto vagas, sinto que pude averiguar a participação dos alunos. Devolvi todas as
perguntas com correções individuais e eles me agradeceram. Infelizmente não pude
fazer o mesmo com os comentários a respeito da exposição pois as aulas entraram em
recesso e só pude receber por e-mail ou via whatsapp.

Dois alunos responderam de fato bem, um deles, João, é dedicado, me entregou


e participou de todas as atividades, mesmo falando pouco em sala, já Rafael é
comprometido com a sala, senta sempre na frente e é o que mais pergunta, ele
respondeu em oralmente, pois havia permitido a quem ainda não tivesse me entregado
em sala essa forma de resposta, toda via nas atividades para casa não costuma se
comprometer, apesar das críticas de seu amigo João.

A apresentação foi um tanto complicada de avaliar, tomei cuidado para que os


alunos não reproduzissem certos discursos que estava criticando em sala afirmando que
deviam olhar os temas por uma ótica especifica, critica, porém não foi bem assim que
aconteceu. Tive que reduzir em 0,5 a nota de todos os grupos e disse na sala sobre os
perigos de reprodução daqueles discursos. Nesse momento senti algo interessante, em
alguma medida ruim. O professor as vezes precisará descordar dos seus alunos, e nem
sempre isso vai ser bem digerido por eles. Faz parte do processo educativo o
apontamento de novos rumos, caminhos e saídas.

Seguimos as conclusões da aventura, o sofrido e amado estagio docente. Deixo


aqui algumas críticas ao meu estagio, assim como alguns êxitos, retifico a importância
desse momento na formação docente e agradeço a todos e todas que me incentivaram e
ajudaram nesse processo árduo e bonito.

4.0 Conclusão - É o fim de uma das tantas curvas da vida

Tomemos que a crise da educação pública não é uma crise; é um projeto


(Ribeiro, 1984), concordemos também que há inúmeros interesses neoliberais na
disputava do fazer escolar, vide suas tentativas constantes de acirramento das pressões
internas para manutenção e promoção de suas ideologias e os ataques a centralidade da
educação pública de qualidade como esfera de transformação social, tudo em razão da
saudosa reprodução incessante do capital.

Toda via acatemos também que não há coisa mais bonita que uma conversa
sincera, um diálogo que conserva sua razão de ser na troca, no outro, no conhecimento.
A educação é uma beleza e o estágio é o momento inicial de tudo isso. Repleto de
inseguranças e primeiros passos, estratégias e reinterpretações, êxitos e equívocos, o
estágio é primordialmente um espaço de formação docente e de promoção de uma
identidade professoral.

Sinto que dentro desses tropeços e acertos pude me vê como professor, digo isso
pelo gosto da alcunha, o nome define em alguma medido o sujeito, e ser chamado de
professor me alegrou. Entre felicidades, tensões e tristezas o estágio se fez vivo, pra
mim, positivo. É nesse momento que colocamos a prova nossa formação, eu que sempre
me vi professor tive a oportunidade de escorregar e levantar nesse ato artístico de dar
aula. Pude buscar dentro de mim as tantas conversas noturnas, os pedidos de explicação
que tocaram minha vida, os momentos em que estive nessa suposta posição, as aulas na
faculdade de educação da UFBA, os livros que li, e utiliza-los, toda minha história, no
ato de se inventar professor.

Participei ativamente do estágio, estando mais vezes do que me era esperado na


escola, devido a formulação da oficina de fotografia e da exposição, conheci também os
professores e estagiários que por lá passavam, fiquei algumas horas na sala dos
professores fazendo certa etnografia das escutas, enfim, dediquei-me.

Acho eu que poderia ter ouvido mais meus alunos nesse processo, toda via a
insegurança com os conteúdos e a inabilidade de compreensão do valor das associações,
ou seja, da compreensão do fio que conduz a teoria à pratica, me fizeram por demais
falar. No fim consegui compreender esse processo, levei a cabo a exposição, assim
como a aula com as fotografias, onde o foco foi as histórias de vida, ou seja, um desses
fios que presumo ser os alicerces para uma boa mediação pedagógica. Apostei assim nas
associações, como na história da bola de minha infância, ou na eterna relação que
sempre buscava fazer com o supermercado, que se apresentava completo na janela
direita dos meus olhos.

E senti-me muito grato com a exposição, é preciso dizer. Pude ouvir tanto dos
trabalhadores e trabalhadoras, assim como da direção e dos alunos, como era importante
a visibilidade que o evento propôs. A aproximação da comunidade com a escola,
concomitante a extensão dos saberes, são defesas que sempre tive no meu norte político,
enquanto universitário e futuro professor. Aprender através da vida, das experiências
concretas de sujeitos reais, certamente é uma boa forma de transformar, por meio da
educação, a realidade palpável.

Creio também que poderia tentar impor mais autoridade ao processo, mas não
autoridade vazia, e talvez deixar as decisões inicias menos abertas, exigir um tanto mais
dos meus alunos. Acho eu que a promoção da escuta qualitativa por ventura promoveria
maior autoridade por vias não coercitivas, forma mais concisa de lidar com a
autoridade. O excesso gera descontrole e perda da atenção, é preciso saber dosar a
escuta e a troca com a necessidade de demonstração teórica do tema.

A utilização da música como uma dessas ferramentas didáticas também poderia


ter isso uma boa possibilidade, trouxe somente uma vez a caixa de som e não tratei,
naquele momento, o aluno como sujeito ativo. Pois não havia tempo, a aula estava
reservada para a montagem da exposição. Assim usei a música somente como
fechamento, toda via, percebo que pode ser uma boa ferramenta para abrir diálogos e
adentrar a pratica dos estudantes.

Em relação aos conteúdos penso que poderia pensar um tanto mais


decolonialmente, sinto que ter tomado o livro como base, mesmo que trazendo assuntos
por fora, não será, no futuro, uma boa ideia. Toda via o tema, assim como o pouco
tempo para trabalhar na feitura das aulas e a natural inexperiência professoral,
dificultaram esse processo, todavia é uma certeza futura: repensar os currículos
decolonialmente, de olhos abertos a América Latina.

Por fim digo que me sinto grato por ter feito todo esse percurso de licenciado
dentro de uma universidade federal, em um momento onde não há intuição que sofra
mais ataques. Defendo e defenderei sempre o ensino público de qualidade como saída
aos desmantelos do lucro privado e da gana do capital, e como caminho possível para
um pais mais justo, igualitário e feliz.

Concluo agradecendo a todos e todas que me incentivaram nesse processo.


Primeiramente a saudosa participação da minha professora orientadora, sempre me
incentivando e me propondo reflexões importantíssimas sobre o tema por min regido,
assim como sua atuante escuta ativa e compressiva. Agradeço também a todos os
trabalhadores e trabalhadoras que participaram da exposição fotográfica, aos alunos que
tanto me fizeram crer na simpatia como ferramenta pedagógica, a gestão escolar pelas
dicas e repressões. Também a minha professora supervisora, pelo incentivo nos atos
novidadeiros, como ela mesmo sempre diz.

Referencias

ANTUNES, Ricardo (org.). 2020. Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. 1. ed. São
Paulo: Boitempo. 333 pp
Ribeiro Darcy Edição brasileira (1º): Editora Salamandra, Rio de Janeiro, 1984

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