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CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL E HISTÓRIA DA LUTA Durante todo o período colonial, que vai aproximadamente de 1500 a 1900,

PELA EDUCAÇÃO o nosso território foi explorado para produzir bens agrícolas de clima tropical ou
temperado, que a metrópole necessitava e não conseguia produzir. Assim,
implantaram-se por aqui os cultivos de cana-de-açúcar e algodão (trazidos da
1) A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL Índia), a pecuária, trazida das Ilhas Canárias e da Madeira, com o objetivo de
produzir couro. Aproveitou-se a existência do tabaco e do cacau para transformá-los
“a educação superior brasileira é um produto de uma sociedade que se adaptou,
em plantações comerciais. Mais tarde, trouxeram o café, a pimenta e a seringa.
estrutural e historicamente, a uma situação de dependência cultural imposta de fora
para dentro. Os interesses e os valores sociais que orientaram o apontado Por outro lado, um setor capitalista passou a investir na mineração, para se
crescimento institucional do ensino superior nasciam dessa situação de apropriar do ouro, prata, diamantes e levá-los para a Europa.
dependência, mobilizando a expansão do ensino, na direção da continuidade da
dependência educacional e cultural.” (Florestan Fernandes) Esse modelo de organização da produção e do comércio imposto pelo
capitalismo comercial-colonial se chamou de modelo “agroexportador”. Estima-se
O Brasil colonial e monárquico: a origem do ensino superior que 85% de tudo o que se produzia no país era exportado para a Europa.

O território brasileiro foi ocupado, ao longo de aproximadamente 40 mil As unidades de produção mineral e agrícola foram organizadas em todo
anos, por povos que vieram da Ásia e aqui se reproduziram em agrupamentos território seguindo as seguintes características: a) concessão de grandes extensões
sociais, clãs familiares e tribos que se constituíram como povos originários. Eles de território a investidores capitalistas europeus; b) utilização das mais modernas
povoaram quase todo território, em especial a região litorânea e margens dos rios, e técnicas de exploração agrícola; c) utilização da mão-de-obra escrava para o
viveram durante esses anos todos sob a formação socioeconômica do comunismo trabalho nas minas, na agricultura e nos serviços domésticos da “casa-grande” e da
primitivo. Alguns se mantiveram nômades, outros se consolidaram em territórios vida urbanizada. Essa forma de organização foi chamada mais tarde de plantation,
definitivos. Em 1500, quando esse território foi invadido pelos capitalistas europeus, como um modelo especifico de organizar a produção dentro do modelo
havia aproximadamente cinco milhões de pessoas, divididos em aproximadamente agroexportador. E foi sustentada por um intenso tráfico de mão-obra escrava,
300 povos diferentes, com idiomas e culturas distintas. trazida de povos aprisionados na África, comercializados por capitalistas europeus,
que também acumularam muito dinheiro com o comércio de mão-de-obra escrava.
A chegada dos colonizadores europeus ao nosso território foi resultante da
Durante muito tempo foi a atividade mais lucrativa do território. Estima-se que nesse
necessidade de expansão do nascente capitalismo comercial que se desenvolvia na
período foram trazidas mais de 07 milhões de pessoas da África, para sustentar
Europa, como um novo modo de produção baseado na acumulação de riquezas por
esse modelo.
meio do comércio de mercadorias. As navegações eram financiadas por capitalistas
comerciantes, ávidos pelas altas taxas de lucro desse comércio de mercadorias. Quando os europeus aqui chegaram, havia uma população nativa estimada
Espoliavam os novos continentes em busca de produtos que pudessem ser em 05 milhões de pessoas e, no transcorrer de quase quatro séculos, foram
transformados em mercadorias na Europa. trazidas aprisionadas outras 07 milhões de pessoas. No entanto, em meados do
século 19, quando entrou em crise a escravidão, havia no território brasileiro uma
Para atender a essas necessidades, as monarquias européias se somaram
população estimada em apenas 05 milhões de pessoas, sendo que metade delas
aos novos investidores capitalistas, a burguesia nascente da época, e usaram seu
vivia como escravos. Isso nos permite afirmar que o modelo de plantation, durante
poderio militar para transformar esses territórios – na Ásia, África e América – em
esse período colonial do capitalismo comercial, promoveu um verdadeiro genocídio
colônias comerciais sob seu controle político, jurídico e econômico. Nosso território
dos povos que aqui habitavam ou para cá foram trazidos.
foi dominado e se transformou numa colônia de Portugal. E as riquezas naturais e
os povos que aqui viviam passam a ser dominados pelas regras do capitalismo. As Durante esse período, em função do modo de produção existente, a
regras da lógica capitalistas buscaram: a) subordinar o povo e transformá-lo em sociedade estava formada por diversas classes sociais. Havia uma classe de
mão-de-obra passível de exploração; b) usar o território, as riquezas e essa mão- nobres, de origem européia, que viviam nababescamente ao redor da Coroa, sem
de-obra para produção de bens necessários à metrópole. nada produzir. Em reduzido número, uma burguesia agrária e comercial. A ampla
maioria do povo vivia como escravo. Os mestiços sobreviviam com qualquer Porém, na época em que se dá a instalação da Corte e a elevação do Brasil a
trabalho, em especial relacionados com serviços. E os povos originários haviam se Reino Unido, a estrutura da sociedade brasileira revelava ao máximo as limitações
embrenhado sertão adentro. Essa formação socioeconômica marcou do regime colonial português. Assim, mesmo os estamentos senhoriais não
profundamente a sociedade brasileira até os dias atuais. possuíam condições e motivações, especificamente intelectuais, para imprimir
densidade à experiência da educação superior. Por conseguinte, o modelo
Os jesuítas foram os responsáveis pela instrução nos primeiros séculos de educacional transplantado sofreu desde o início, simultaneamente, dois tipos de
colônia, e implementaram duas categorias de ensino no Brasil: a instrução simples empobrecimentos. Primeiro, ocorreu uma espécie de segmentação. Motivos
primária, as escolas de primeiras letras para os filhos de portugueses e dos índios; políticos, relacionados com a defesa das prerrogativas da Coroa e do fortalecimento
e a educação média, colégios destinados aos filhos de portugueses que formavam da dominação portuguesa, e razões práticas, ligadas à dispersão demográfica,
mestres em artes / bacharéis em Letras. Sendo que em todas as escolas era inspiraram uma política educacional estreita e imediatista. Como conseqüência, o
proibida a freqüência de crianças negras, mesmo livres. Com uma educação tão que se implantou no Brasil não foi a Universidade portuguesa da época, mas as
elitizada, na metade século XVIII o número de letrados no Brasil não ultrapassava unidades intermediárias, as “faculdades” e “escolas superiores”, isoladas. Segundo,
0,5% da população. o que se montou foi uma escola superior despojada de funções culturais criadoras,
estritamente orientadas para servir de elo entre a elite brasileira e o “progresso
Ademais, a história da implementação da educação superior no Brasil
cultural” no exterior. Sob esse prisma, o eixo de sua atividade construtiva gravitava
revela desde o início, uma considerável resistência. Seja por parte de Portugal,
em torno de uma polarização cultural dependente, heterônoma. A escola superior
como reflexo de sua política de colonização, seja por parte de brasileiros, que não
possuía apenas uma função: através do ensino magistral e dogmático, preparar
viam justificativa para a criação de uma instituição desse gênero na Colônia,
certo tipo versátil de letrado, mais ou menos apto para o exercício de profissões
considerando mais adequado que as elites da época procurassem a Europa para
liberais, relacionadas principalmente com a advocacia, a medicina e a engenharia.
realizar seus estudos superiores. Desde logo, negou-a a criação de escolas de
ensino superior aos jesuítas que, ainda no século XVI, tentaram criá-la na Colônia. O ensino superior no modelo de industrialização dependente
Assim, os estudantes graduados nos colégios jesuítas iam para a Universidade de
Coimbra ou para outras universidades européias, a fim de completar seus estudos. No final do século 19 instalou-se a crise do modelo escravocrata.
Todos os esforços de edificação de um sistema universitário nos períodos colonial e Contribuíram para essa crise: a) as revoltas dos escravos que fugiam e formavam
monárquico foram malogrados, não houve densidade as propostas implantadas, o os quilombos, causando grandes prejuízos às fazendas; b) a pressão internacional
que denota uma política de controle por parte da Metrópole de qualquer iniciativa do império inglês, que proibiu o comércio de trabalhadores escravizados na África;
que vislumbrasse sinais de independência cultural e política da Colônia. c) e o próprio desenvolvimento do capitalismo industrial na Europa, assentado sobre
a exploração do trabalho assalariado fabril, como principal fonte de acumulação de
Em 1808, após a chegada da família real ao Brasil foram criados os riquezas. Com o fim legal da escravidão em 1888, o modelo atingiu sua crise
primeiros cursos e academias de ensino superior no Brasil, destinados a formar terminal.
profissionais para o Estado, essencialmente. Neste ano, foram criadas as escolas
de Cirurgia e Anatomia em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade A transição de modelo de produção abrangeu o período de 1850 até 1930,
Federal da Bahia), a de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de quando, então, as elites se reorganizaram e implementaram um novo modelo: o
Medicina da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Até a modelo de industrialização dependente. Esse modelo representou a prioridade do
proclamação da república em 1889, o ensino superior se desenvolveria muito investimento nas fábricas, na indústria e o surgimento de uma nova aliança de
lentamente, seguindo o modelo de formação dos profissionais liberais em classes sociais, entre a nascente burguesia industrial, a velha oligarquia rural e os
faculdades isoladas, e visando assegurar um diploma profissional com direito a capitalistas industriais de capital internacional que vieram dos Estados Unidos e da
ocupar postos privilegiados em um mercado de trabalho restrito. Europa implantar suas fábricas, em busca de mão-de-obra barata. O Brasil oferecia,
então, de novo, condições essenciais para o desenvolvimento do capitalismo
Devemos observar que o nosso ensino superior, ao se constituir, lançou industrial: matérias-primas em abundância e mão-de-obra barata.
suas raízes históricas, culturais e pedagógicas em modelos institucionais europeus.
A implantação da indústria no Brasil, realizada tardiamente em relação à período colonial e monárquico. A desagregação do sistema escravista e senhorial
revolução industrial inglesa (meados do século 18), foi resultado de investimentos não interferiu na alta concentração da renda, do prestígio social e do poder. Apenas
de três formas básicas de capital. Primeiro, a transformação do capital da oligarquia os velhos privilégios se desnivelaram socialmente, aos poucos, intensificando a
rural, originário das exportações agrícolas, que foram investidos em fábricas. gradual ascensão das classes médias em formação às profissões liberais e aos
Segundo, o Estado brasileiro utilizou grande parte dos recursos públicos para papéis intelectuais políticos, burocráticos ou técnicos que elas abriam. Assim, as
realizar investimentos na indústria, seja na indústria básica, como siderúrgicas e transformações econômicas, associadas à transição para o século 20 e à expansão
transportes, seja associado a outros capitalistas privados na indústria de bens de do regime de classes, não repercutiram no antigo padrão de escola superior. No
consumo. E, terceiro, foram os capitalistas estrangeiros que trouxeram suas momento em que deveriam entrar em crise, com o advento da industrialização, ele
indústrias e investiram sozinhos ou associados com os outros capitalistas acima conheceu o clímax de sua influência histórica. É que então se iniciou uma nova
descritos. etapa do desenvolvimento quantitativo do ensino superior, necessária ao
desenvolvimento industrial. Durante a primeira República, foram criados 64
A expansão da indústria para o Brasil obedeceu a uma lógica de associação estabelecimentos de ensino superior, de 1930 a 1949, fundaram-se 160 desses
subordinada dos interesses dos capitalistas brasileiros com o capitalismo estabelecimentos. A rápida multiplicação e a disseminação da escola superior
internacional, que agora já se encontrava em sua fase imperialista. As empresas processavam-se, porém, em conformidade com o antigo padrão cultural. Primeiro,
transnacionais vinham ao Brasil como uma necessidade para seguir ampliando de maneira direta: os estabelecimentos mencionados nasciam e cresciam como
seus mercados, em busca de mão-de-obra barata, para depois reexportar seus escolas superiores típicas. Em seguida, quando a idéia de “universidade” passou a
produtos para a metrópole e obter assim maiores taxas de lucro. E transferiam prevalecer (especialmente depois da revolução liberal de 1930), de forma mais
também, para as fábricas no Brasil, as máquinas e ferramentas, capital constante, complexa e tortuosa: as escolas superiores agregadas entre si, mantidas e
já obsoletos tecnologicamente em seus países e já amortizados nos processos fortalecidas sua estrutura tradicional e suas tendências autárquicas pela
produtivos anteriores. E, pior, essas máquinas usadas entravam como investimento conglomeração, passaram a ser chamadas de Universidades.
estrangeiro e geravam uma dívida externa das filiais, resultando em mais uma
forma de transferir riquezas, às suas matrizes, através do pagamento desses Houve resistências à manutenção deste modelo educacional. Na década de
empréstimos. 1920 surgiu no Brasil um movimento em defesa da ampliação do acesso à escola
pública (os “pioneiros da escola nova”). O objetivo desse movimento era o de
Assim, num primeiro período, o país recebeu investimento estrangeiro na adequar a educação ao ritmo da industrialização-urbanização em curso no país.
forma de máquinas, equipamentos, tecnologia, para posteriormente se transformar Este movimento pautado em uma perspectiva liberal defendia que a
em transferidor de capital liquido para os pólos de desenvolvimento capitalista dos democratização do acesso à educação era condição básica para a modernização
países que já tinham alcançado a etapa imperialista. Estes, por sua vez, usavam os autônoma da sociedade. Os pioneiros eram a favor de uma educação pública,
investimentos no exterior como forma de seguir acumulando e realizando suas gratuita, mista, laica e obrigatória. Isto queria dizer que o Estado deveria se
taxas de lucro, restringidas pelo tamanho do mercado local. Nesse novo modelo de responsabilizar pelo dever de educar o povo, responsabilidade esta que era, a
produção, o pólo central de acumulação capitalista passou a ser a indústria. Ou princípio, atribuída à família. O Estado, para este fim, deveria proporcionar uma
seja, a exploração do trabalho operário e a ampliação do mercado local de bens e escola de qualidade e gratuita, possibilitando assim a concretização do direito dos
serviços. Assim, a agricultura passou a se subordinar a esse pólo hegemônico de indivíduos à educação e, tendo em vista os interesses dos indivíduos em formação
acumulação do capital. A indústria passou a produzir os insumos para a agricultura, e a necessidade de “progresso”, consideravam que esta educação deveria ter
gerou um grande mercado interno de alimentos formado pela nascente classe caráter obrigatório. Na questão do ensino superior, o movimento chamava a
operária fabril e pelo desenvolvimento da urbanização acelerada da sociedade atenção para um problema fundamental, o de que uma das características da
brasileira. universidade é a de ser um lócus de investigação e de produção do conhecimento
novo. E uma das exigências para a efetivação desse projeto era o exercício da
No período da industrialização dependente, como forma de se manter a
liberdade e a efetivação da autonomia universitária. A atuação destes pioneiros se
continuidade da dependência cultural em relação ao exterior, manteve-se a conexão
estendeu pelos anos seguintes, porém sob fortes críticas. E apesar de situarem
básica da escola superior com a transplantação de conhecimentos, como ocorria no
suas formulações num horizonte de progresso capitalista, de adequação da
educação às perspectivas burguesas de desenvolvimento industrial, a idéia de um da democratização da educação brasileira. Naquele momento, artigos e
ensino mais democrático, de acesso gratuito e obrigatório aos indivíduos de todos mobilizações defendiam a escola pública, a destinação de recursos públicos
os grupos sociais, e a criação de uma universidade autônoma, voltada para a exclusivamente para estas e conclamavam dos diferentes setores da sociedade
produção de conhecimento novo, com vistas ao desenvolvimento de um capitalismo para participarem da campanha, cujo eixo central consistia na compreensão de que
autônomo, não era agradável às elites, já essencialmente subordinadas ao a democratização do ensino era condição indispensável para a democracia da
imperialismo. sociedade, visto que não haveria democracia sem educação que formasse os
homens para o exercício democrático. Para o movimento, construir a democracia no
Por sua vez, no bojo do processo de crescimento quantitativo apresentado Brasil seria preciso para eliminar a situação do ensino como um privilégio social.
nas décadas iniciais do século XX, e na total inadequação ao desenvolvimento
industrial que passava a sociedade brasileira, a escola superior entrou em colapso. A Campanha em Defesa da Escola Pública de 1960 estava relacionada
Com o avançar da industrialização e urbanização, o referido processo já não fortemente com a educação básica e “surgiu como produto espontâneo das
respondia as necessidades educacionais. E especialmente a partir da década de repulsas provocadas, em diferentes círculos sociais, pelo teor do projeto de lei
1950, as comunidades urbanas dotadas de funções metropolitanas requeriam um sobre Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovado em janeiro de 1960 pela
tipo de ensino superior que fosse capaz de responder às exigências intelectuais, Câmara dos Deputados” (Florestan Fernandes). O projeto de lei aprovado era um
sociais e culturais da civilização urbano-industrial. Isso acarretava: a expansão do substitutivo elaborado pelo deputado Carlos Lacerda, identificado por Florestan
ensino, da ciência e da tecnologia científica; a intensificação da contribuição da como “o inimigo público número 1” do ensino público. A iniciativa de Lacerda
escola superior ou da universidade à produção de conhecimentos originais (em coroava a “imensa conspiração retrógrada contra o ensino público, nascida do
particular, no terreno da investigação científica e da pesquisa tecnológica); a estranho conluio dos proprietários de escolas privadas leigas e os mentores das
formação de uma nova mentalidade, de orientação pragmática e, ao mesmo tempo, escolas mantidas por iniciativa do Clero Católico”. Florestan ressaltava naquela
“científica” e “universitária”, que libertasse o pessoal docente dos papéis Campanha que a democratização do ensino só se realizaria quando fossem
secundários e marginais dos profissionais liberais. No plano especificamente abolidas as barreiras extra-educacionais que restringiam o direito à educação
institucional, o rápido crescimento quantitativo havia provocado conseqüências de convertendo o ensino em privilégio social das classes dominantes. Destacava
duas ordens. Primeiro, pôs em evidência a incapacidade do velho padrão de escola também a histórica escassez de recursos financeiros destinados à educação.
superior de crescer, diferenciar-se e adaptar-se à situação nova. O
Entretanto, diante das pressões dos setores privatistas, o governo João
congestionamento quantitativo serviu para demonstrar a rigidez da instituição e sua
Goulart garante a vitória do conservadorismo, mais uma vez, e promulga uma LDB
inexeqüibilidade nos novos tempos. Além disso, revelou as fontes congênitas de
(dezembro de 1961), absolutamente subordinada aos princípios defendidos pelos
sua impotência cultural: adaptada ao ensino magistral e dogmático, a escola
interesses das escolas particulares católicas e leigas - o direito de as famílias
superior tradicional não possuía condições internas para evoluir no sentido do
escolherem a educação que desejassem dar aos filhos e, em conseqüência, o
ensino pluri-dimensionado, nos moldes de concepções científicas, democráticas e
financiamento das escolas particulares pelo Estado, através de empréstimos, bolsas
utilitárias de educação escolarizada. O seu teor arcaico e os seus dinamismos
de estudos; a não expansão das escolas públicas, com a justificativa de que o
arcaizantes chocavam-se com as exigências da situação histórico-social emergente.
Estado não deveria monopolizar a educação, etc.
No final da década de 50, o sistema educacional no país apresentava uma Porém, todo o conflito que desencadeou a “Campanha em Defesa da
crescente demanda de crescimento, desde a criação e a ampliação de um novo Escola Pública”, encampada pelos estudantes, movimentos populares, e
modelo de universidade a uma maior integração de crescentes massas da intelectuais, se seguiu em a um dinamismo criativo desses setores na busca de
população aos níveis básicos de ensino. Num país de crescente industrialização, a respostas para os dilemas da educação brasileira. São dessa época diversas
ampliação do acesso à escola passava a ser condição para acelerar o processo de experiências de inovações para educação e cultura, como: Centros Populares de
modernização. Começa-se, em fins dos anos de 1950 e nos anos de 1960, a Cultura da UNE, o Movimento de Educação de Base da CNBB, o Método de
primeira grande mobilização popular na questão educacional, a campanha em Alfabetização de 40 horas de Paulo Freire, entre outras iniciativas.
defesa da escola pública, com a participação de estudantes, educadores,
Ditadura militar: a “modernização conservadora” da educação
movimento sindical e correntes políticas de esquerda, fizeram reaparecer a questão
Ao longo do período de 1930 a 1980, o modelo de industrialização que resultou num regime militar durante o período de 1964-1984. De fato,
dependente conseguiu fazer a economia crescer a uma taxa média 7,6% ao ano, o pressionadas pelas mobilizações populares em favor de um projeto democrático-
que produziu enormes mudanças sócio-econômicas na sociedade brasileira. Houve popular que ampliasse direitos elementares (reformas de base), as débeis
um processo de crescimento da riqueza nacional que praticamente dobrava o burguesias locais associaram-se mais uma vez, e dessa vez de forma mais estreita
patrimônio da riqueza instalada a cada 10 anos. Gerou muitos empregos industriais, ao imperialismo, aliança que viabilizou o golpe militar no Brasil e em diversos países
com um enorme contingente de classe operária fabril, que conseguia ascensão latino-americanos. No caso da América Latina e, particularmente, do Brasil, os
social, em relação à sua condição anterior de migrantes, camponeses etc. Gerou-se militares, articulados com setores empresariais desprovidos de projeto autônomo,
uma nova classe média vinculada aos serviços e ao comércio, resultantes desse conformados “com as ‘as vantagens relativas’ da associação com as nações
boom de crescimento. Urbanizou a sociedade brasileira, que passou de 20% da capitalistas centrais e sua superpotência” (Florestan Fernandes), foram escolhidos
população na cidade para 80%, nesse período. pelos Estados Unidos, por meio da Aliança para o Progresso, e pelos frágeis
setores da burguesia nacional para conduzir um novo processo de modernização.
Porém, na década de 1960, o modelo de industrialização dependente
enfrentou sua primeira crise. Caíram os níveis de produção e emprego. A inflação A modernização requerida pela nova situação teria de dar-se rapidamente,
alcançou níveis elevados. Acarretando um processo de debate na sociedade e ao alcançando a infra-estrutura da economia, a tecnologia, o sistema de educação, os
mesmo tempo um processo de mobilização de massas. Esse clima de crise e serviços públicos, o papel do Estado na segurança, a expansão do setor privado, a
mobilização das massas populares foi beneficiado por um contexto internacional de comunicação de massa e as orientações de valor das classes dominantes. Em
uma correlação de forças favorável às classes trabalhadoras de todo mundo, que resumo, um novo padrão de dependência teria que ser engendrado a partir do golpe
haviam produzido processos revolucionários em vários países da periferia do militar de 1964.
capitalismo. Havia um clima internacional de mudanças gerado pela ofensiva da
classe trabalhadora e dos povos oprimidos, que levaram às revoltas populares e Durante a ditadura militar, o capital internacional fez grandes investimentos
vitórias na China (1949) na Guerra do Vietnã (1950-1975), nos processos de na infra-estrutura econômica e social do país, na construção de estradas, portos, e
libertação nacional das colônias africanas durante o período de 1960-1975. E, na também nas indústrias, gerando então um novo ciclo de crescimento econômico do
América Latina, também havia um ascenso dos movimentos de massa, com teses país. Mas, como conseqüência do aprofundamento da subordinação da nossa
revolucionárias, que levaram a revoltas populares na Bolívia (1950-1954) economia ao imperialismo, resultou num maior domínio das empresas
Guatemala (1954), Cuba (1956-1959), República Dominicana (1963-1964) e em transnacionais nos setores mais lucrativos da economia e numa enorme dívida
outros países. externa, que saltou de 3 bilhões para 100 bilhões de dólares em apenas 15 anos. O
capital internacional encontrou, agora, uma nova forma de explorar nossa
Esse contexto nacional e internacional produziu, no período de 1960, um sociedade como um todo. Não era apenas através dos baixos salários pagos à
amplo de debate na sociedade e agitação nas classes trabalhadoras acerca da mão-de-obra nas fábricas, mas, agora, se exigia que o governo transferisse para o
saída para a crise brasileira. De um lado, setores nacionalistas e de esquerda, exterior, em especial aos bancos privados e públicos, em nome de toda a
influenciados pelas idéias da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e sociedade, vultosos recursos na forma de pagamento de juros, amortizações e
o Caribe), defendiam teses sobre a necessidade de se desenvolver a royalties para as empresas transnacionais.
industrialização de bens de consumo, interiorizando as fábricas, mas combinando
com distribuição de renda e reforma agrária, para ampliar o mercado consumidor Se a educação superior no Brasil nasceu com a marca de um intocável
nacional. Do outro lado, setores mais radicalizados da população defendiam privilégio social, cuja “democratização” começava e terminava nas fronteiras da
propostas mais socializantes e de rompimento com o imperialismo, nas teses que burguesia, com o desenvolvimento do capitalismo monopolista, durante a ditadura,
foram aglutinadas pela Teoria da Dependência. a ampliação do acesso à educação passou a ser uma exigência do capital. A
necessidade de qualificação da força de trabalho para o atendimento das alterações
E, finalmente, nesse embate, as classes dominantes brasileiras, que produtivas, e a necessidade de difusão da concepção de mundo burguesa, sob a
consolidaram sua aliança com o capital estrangeiro, em especial dos Estados imagem de uma política inclusiva faz surgir, na década de 60, o debate em torno da
Unidos, articularam-se com as Forças Armadas e aplicaram um golpe de Estado, reforma universitária. Para os movimentos sociais, o debate da reforma universitária
entra em pauta, enquanto uma importante “reforma de base” e discussão sobre um A que foi respondida pelo governo com a criação, pelo Decreto nº 62.937, de
novo modelo de Universidade. 02.07.1968, do Grupo de Trabalho encarregado de estudar, em caráter de urgência,
as medidas que deveriam ser tomadas para resolver a “crise da Universidade”. De
A reforma universitária na década de 1960 foi como uma espécie de ponto acordo com o decreto que o instituiu, o Grupo de Trabalho, tinha-se por objetivo
de partida para as lutas empreendidas no campo da educação. A UNE realizaria “(...) estudar a reforma da Universidade brasileira, visando à sua eficiência,
uma série de encontros e seminários, debatendo o tema. Dos seminários e de suas modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto
propostas, fica evidente a posição dos estudantes: de combater o caráter arcaico e nível para o desenvolvimento do país”.
elitista das instituições universitárias. Nesses seminários são discutidas questões
como: a) autonomia universitária; b) participação dos corpos docente e discente na No Relatório Final do Grupo de Trabalho aparece registrado que a crise da
administração universitária, através de critério de proporcionalidade representativa; Universidade brasileira havia sensibilizado diferentes setores da sociedade, não
c) adoção do regime de trabalho em tempo integral para docentes; d) ampliação da podendo deixar de “exigir do Governo uma ação eficaz que enfrentasse de imediato
oferta de vagas nas escolas públicas; e) flexibilidade na organização de currículos, o problema da reforma universitária, convertida numa das urgências nacionais”. E
etc. acrescenta o relatório “o movimento estudantil, quaisquer que sejam os elementos
ideológicos e políticos nele implicados, teve o mérito de propiciar uma tomada de
De intelectuais, como Florestan Fernandes, vieram as propostas de uma consciência nacional do problema e o despertar enérgico do senso de
“universidade integrada e multifuncional”. Os estudos de Florestan Fernandes sobre responsabilidade coletiva”.
a formação da universidade brasileira, em especial, a respeito do caráter estrutural
do modelo universitário, conduzem à conclusão de que “a conglomeração de Entre as questões levantadas, o Relatório chamava a atenção para o fato
escolas superiores é um fator de desorganização, de desperdício e de atrofiamento de a universidade brasileira estar organizada à base de faculdades tradicionais que,
da expansão do ensino”. Segundo suas análises, é na passagem da escola superior apesar de certos progressos, em substância, “ainda se revela inadequada para
isolada para a universidade conglomerada (período que se situa entre a década de atender às necessidades do processo de desenvolvimento, que se intensificou na
30 e o início da década de 60) que se consolida a formação do grave impasse década de 1950, e se conserva inadaptada às mudanças dele decorrentes”. A
produzido pelas forças conservadoras, tanto externas quanto internas à própria vida respeito da expansão das instituições de ensino superior, ressalta-se que ela ocorre
universitária, complicando “sobremaneira o processo de reconstrução da “por simples multiplicação de unidades, em vez de desdobramentos orgânicos”.
universidade brasileira”. Tal processo, para Florestan, deveria compreender o Complementando: “A universidade se expandiu mas, em seu cerne, permanece a
alcance de um modelo então designado como “universidade integrada e mesma estrutura anacrônica a entravar o processo de desenvolvimento e os
multifuncional”, fundado na sua capacidade em “exprimir novas concepções germes da inovação”. E acrescenta: “podemos dizer que o sistema, como um todo,
educacionais, uma nova mentalidade intelectual e uma compreensão das relações não está aparelhado para cultivar a investigação científica e tecnológica”, pois, “(...)
da universidade com a sociedade brasileira”. mantendo a rigidez de seus quadros e as formas acadêmicas tradicionais, faltou-lhe
a flexibilidade necessária para oferecer produto universitário amplamente
A partir das disputas instauradas na sociedade sobre quais seriam os rumos diversificado e capaz de satisfazer às solicitações de um mercado de trabalho cada
da educação brasileira, e das mobilizações de massas que passaram a ocorrer vez mais diferenciado”.
sobre o tema, especialmente advinda do movimento estudantil, a burguesia, então,
tomou para si a tarefa de condução do processo de reforma universitária. E Florestan Fernandes observa que o material produzido pelo Grupo de
implementou aquilo que Florestan Fernandes denominou de a “reforma universitária Trabalho continha “(...) o melhor diagnóstico que o Governo já tentou, tanto dos
consentida”. Pois ao tomar uma bandeira que não era e não poderia ser sua, problemas estruturais com que se defronta o ensino superior, quanto das soluções
corrompeu a imagem da reforma universitária e moldou-a a sua feição. que eles exigem. Se a questão fosse de avanço ‘abstrato’ e ‘teórico’ ou verbal, os
que participam dos movimentos pela reforma universitária poderiam estar contentes
No início de 1968, a mobilização estudantil, caracterizada por intensos e ensarilhar suas armas. Entretanto, o avanço “abstrato” e “teórico” esgota-se (...)
debates dentro das universidades e pelas manifestações de rua, vai exigir do como se ele fosse uma verbalização de circuito fechado”. Desta forma, as medidas
Governo medidas no sentido de buscar “soluções para os problemas educacionais”. propostas pela Reforma, com o intuito de aumentar a eficiência e a produtividade da
universidade foram restritas, e moldaram um novo padrão de dependência. As ditadura, por eleições diretas, nova constituição e pela anistia, somadas às greves
mudanças localizaram-se basicamente na implementação do sistema operárias do ABC paulista vinham alterando a correlação de forças. Quando a
departamental, do vestibular unificado, do ciclo básico, do sistema de créditos e da período de democratização se estabeleceu no Brasil, com o enfraquecimento da
matrícula por disciplina, bem como a carreira do magistério e a pós-graduação. ditadura militar, os dilemas sociais e políticos brasileiros constituíram o ponto de
Sendo que o criticado sistema departamental, passou a constituir a base da partida de várias lutas e debates travados na sociedade. Esperava-se, inicialmente,
organização universitária. que a ruptura do quadro instituído no país viria de um movimento político que
surgisse ainda durante o processo de ditadura e que abarcasse um amplo conjunto
Em relação ao significado político-acadêmico da reforma universitária de de expectativas, por vezes conflitantes. Em seguida imaginou-se que essa ruptura
1968, Florestan afirmava que a ditadura concentrou-se em três ações fundamentais: se daria a partir da Assembléia Nacional Constituinte. Entretanto, a “nova república”
“A primeira foi preparar uma reforma universitária que era uma anti-reforma, na qual esvaziou essas expectativas, pois as forças políticas dominantes expurgaram as
um dos elementos atacados foram os estudantes, os jovens, os professores críticos propostas mais ousadas da Constituição, resultando em um texto híbrido e
e militantes. (...) Além disso, a ditadura usou outro truque: o de inundar a ambíguo, que ora acenava em perspectivas de um projeto popular, mas ao mesmo
universidade. Simulando democratizar as oportunidades educacionais no nível do tempo, e no essencial, mantinha os intactos os interesses das classes dominantes.
ensino de terceiro graus, ela ampliou as vagas no ensino superior, para sufocar a Ademais, nos anos que se seguiram viu-se uma nova ofensiva da classe
rebeldia dos jovens, e expandir a rede do ensino particular (...) por fim, um terceiro dominante, a partir de um novo modelo de desenvolvimento, e de uma nova aliança
elemento negativo foi introduzido na universidade: a concepção de que o ensino é entre os setores capitalistas.
uma mercadoria. O estudante não saberia o valor do ensino se ele não pagasse
pelo curso. Essa idéia germinou com os acordos MEC-USAID, com os quais se A crise do modelo de industrialização dependente gerou uma nova
pretendia estrangular a escola pública e permitir a expansão do ensino rearticulação de classe e a gestação de uma nova aliança da burguesia brasileira,
comercializado”. que passaram a ser, mais estreitamente, parceiras associadas e subordinadas ao
capital financeiro internacional. A partir da década de 1990, as classes dominantes
A burguesia brasileira acelerou, por um lado o crescimento econômico e, brasileiras aceitaram a subordinação da economia brasileira ao capital internacional
por outro, ampliou o acesso e “modernização” da educação, ambos viabilizados financeiro. O controle do capital internacional se aprofundou e se ampliou por meio
através do estrangulamento do sistema público de ensino e do aprofundamento da dos bancos internacionais, das empresas transnacionais, dos acordos
privatização, seja via financiamento público para as instituições privadas ou da internacionais, dos organismos controlados pelo capital internacional, como Banco
autorização de abertura de novos cursos privados. Com a reforma universitária Mundial, FMI e Organização Mundial do Comércio. Essa nova aliança, da burguesia
conduzida pelo regime militar são realizadas mudanças organizacionais e brasileira com o capital financeiro internacional, se chamou de “neoliberalismo”.
institucionais que não alteraram o padrão dependente de educação superior, mas
ao contrário, o reforçaram, em novos marcos. Em 1989 Collor vence as eleições e inicia a aplicação das políticas
neoliberais, o que provoca uma grave crise no movimento sindical, que vinha se
Neoliberalismo: a Universidade Pública dilacerada reconstituindo como força social desde a década anterior, e enfrentará pela frente
um longo período de reestruturação produtiva, e de estagnação das suas lutas e
No inicio dos anos de 1980, o modelo de industrialização dependente
conquistas.
entrou em crise. A produção diminuiu. Surgiu o desemprego em níveis alarmantes,
que passaram a marginalizar enormes contingentes de trabalhadores, acima de O novo patamar de acumulação do capital internacional, engendrado a
15% da população economicamente ativa. A economia não conseguia mais gerar partir do neoliberalismo, subordinou a economia brasileira e se apoderou das
excedentes exportáveis para pagar os serviços da dívida externa. As reservas principais empresas estatais e privadas. Desnacionalizaram-se os principais setores
caíram. As dívidas externas e internas se multiplicaram, tanto para o setor público, estratégicos, da indústria, do comércio e serviços. E passou-se também a controlar
quanto para as empresas capitalistas. Muitas empresas quebraram. a agricultura brasileira.

No âmbito social, em finais dos anos de 1970 e durante a década de 1980


assistíamos a uma etapa de ascenso das mobilizações no Brasil. As lutas contra a
Os movimentos do capital internacional e financeiro sobre a agricultura toda lógica do sistema. Em 2006, passados 15 anos de modelo neoliberal, a dívida
operaram basicamente sobre a compra de ações das empresas que atuavam na pública interna do governo federal saltou de 60 bilhões de reais (no governo Collor,
agricultura. Isso gerou um movimento de concentração das empresas, diminuindo 1990) para mais de um trilhão (governo Lula 2006), e o governo transferiu mais de
seu número e formando verdadeiros oligopólios, em cada ramo da produção: 120 bilhões de reais por ano dos cofres públicos para o sistema financeiro. O
fertilizantes, agrotóxicos, comércio agrícola, agroindústria etc. Produziu-se uma mecanismo da dívida pública interna e as altas taxas de juros se tornaram um dos
centralização do capital, em que uma única empresa transnacional passou a principais pólos de acumulação do capitalismo brasileiro. No período da década de
controlar vários ramos de produção, gerando uma maior dependência internacional, 1995 a 2005, o pagamento de juros da dívida pública representou uma transferência
pois as empresas transnacionais passaram a controlar o comércio dos produtos, o de capital equivalente a 14% do PIB por ano, dos cofres públicos para o sistema
mercado e os preços agrícolas. Passaram a fornecer os insumos de que os financeiro.
fazendeiros necessitavam para produzir, assumindo compromisso de lhes entregar
o produto. Hoje, dez grandes grupos internacionais controlam praticamente todos os As mudanças no pólo hegemônico de acumulação capitalista, engendrada
segmentos de insumos para a agricultura, do comércio agrícola internacional e do pelo neoliberalismo, acarretaram modificações na composição das classes
beneficiamento da matéria-prima agrícola nas agroindústrias instaladas no Brasil. dominantes, como também desnudou a natureza da burguesia brasileira. Hoje,
Do ponto de vista de classe, isso gerou uma nova aliança entre os grandes pode-se dizer que, a rigor, não temos uma burguesia industrial brasileira com
proprietários de terra, fazendeiros capitalistas e as empresas transnacionais. Essa projeto nacional. Na década de 1960, na primeira crise do modelo de
aliança recebeu o nome de “agronegócio”, e representou uma nova forma de industrialização dependente, parte das forças políticas da classe trabalhadora
organizar a produção agrícola, com as seguintes características: unidades apostou na possibilidade da existência de uma burguesia de natureza e interesses
produtoras em grandes extensões de terra, produção em monocultura, prioridade nacionalistas. Porém, o que existia em realidade era uma burguesia brasileira, que
para o mercado externo, uso intensivo de mecanização, despedindo mão-de-obra tinha seus interesses capitalistas implantados no território brasileiro, mas que não
para aumentar a produtividade do trabalho agrícola e uso abusivo de agrotóxicos. possuíam força social e interesse com o desenvolvimento autônomo do país, como
a nação. Ao contrário, já naquele momento, seus interesses se mesclavam com os
O Estado brasileiro sempre foi instrumento do poder das classes do capital internacional; grande parte de seus lucros eram depositados ou
dominantes para viabilizar e garantir seu processo de acumulação de capital e suas investidos no exterior. O neoliberalismo solidificou essa premissa, levando-a ao
elevadas taxas de exploração e lucro. Em todo o processo de desenvolvimento extremo. Hoje podemos afirmar com todas as letras de que não há uma burguesia
capitalista nesses cinco séculos, e mais ainda a partir do século 20, percebe-se o nacional no Brasil, apenas uma burguesia brasileira, associada e subordinada ao
papel fundamental do Estado brasileiro como pólo central de acumulação capital internacional.
capitalista. O Estado não se restringiu a normatizar o processo de desenvolvimento
capitalista, ele utilizou sempre de seu poder concentrador de capital, de aglutinador Na questão do ensino superior, nos anos que seguiram ao neoliberalismo a
da mais-valia social, arrecadada da população por meio dos impostos, para Universidade brasileira enfrentou uma nova e profunda crise. Uma crise gerada
repassar parte desses recursos como capital para as empresas. Repassando na pelas alterações na configuração da luta de classes e da dominação econômica
forma de financiamento subsidiado para investimentos, utilizando-se do sistema imperialista que passou a exigir uma total privatização de setores estratégicos do
bancário público, Banco do Brasil, BNDES, BNB, Sudene. Assim como o Estado foi país. A ideologia neoliberal argumentava que o Estado deveria deixar de ser o
o gestor da transferência de renda nacional para o capital internacional, a partir da responsável pelo desenvolvimento econômico e social por intermédio da produção
década de 1970, no pagamento da dívida externa. de bens e serviços, e teria que ter fortalecida a sua função de promotor e regulador
do desenvolvimento. Sendo que essa função estaria circunscrita a uma ação re-
A partir do neoliberalismo, o Estado se transformou no principal fiador e distributiva dos bens sociais e ao cumprimento do clássico objetivo de garantir a
viabilizador do novo modelo. Na crise do modelo de industrialização dependente, o ordem interna e a segurança externa, além é claro de garantir os pagamentos das
capital internacional utilizou o mecanismo das privatizações das estatais como dívidas estatais. Tornava-se necessária, então, a transferência para o setor privado
“explicação pública” para a necessidade de o Estado auferir recursos e pagar suas das atividades que pudessem ser controladas pelo mercado. A privatização e a
dívidas. No modelo neoliberal, argumentaram que o Estado precisava honrar seus constituição do setor público não-estatal seriam os grandes instrumentos de
compromissos com o pagamento da dívida interna sob pena de colocar em risco execução dos serviços que não demandariam o exercício do poder do Estado, mas
apenas o seu subsídio. Nesse campo, por exemplo, junto com os serviços de saúde recursos junto à iniciativa privada, cobrando mensalidades dos estudantes, enfim,
e cultura, estariam a educação (especialmente o ensino superior) e o orientando-as para o mercado.
desenvolvimento da produção de ciência e tecnologia.
Em termos ideológicos, como justificativa ao desmonte que avizinhava da
As diretrizes para o ensino superior na América Latina, no período do educação pública superior, as classes dominantes utilizaram um discurso simples e
neoliberalismo, foram definidas pelo Banco Mundial. A premissa de suas propostas dualista, porém eficaz: contraposição entre o ensino fundamental (voltado para o
partia-se na seguinte concepção: se um país submetido às orientações do Banco conjunto da população) e o ensino superior (destinado às elites privilegiadas que,
devia abdicar da construção de um projeto de nação independente, um sistema de embora não necessitassem do ensino público, desfrutavam da maior parcela do
ensino superior dotado de autonomia relativa frente ao Estado e às instituições orçamento educacional). Este discurso foi repetido por intelectuais e em editoriais
privadas soava como anacrônico. Desta forma não seria necessário aos países dos principais jornais brasileiros durante todo o governo Fernando Henrique
latino americanos produzirem conhecimento novo, operação de custo Cardoso. Os defensores do ensino público superior foram desqualificados como
extremamente elevado. Podendo o sistema produtivo destes países, adquirirem elitistas, abrindo-se assim, ideologicamente o campo para as reformas educacionais
pacotes tecnológicos das nações hegemônicas. Isto não queria dizer, contudo, que do neoliberalismo.
o Banco sugerira que toda pesquisa devesse ser extinta. Apesar de a lógica do
processo indicar que a produção de conhecimento novo deva se dar nos centros As universidades, durante o neoliberalismo, foram re-conceituadas como
mais avançados, notadamente nos EUA, países como o Brasil, face à amplitude de instituições desvinculadas da pesquisa, preferencialmente privadas e “autônomas”
seus parques produtivos, teriam de ter alguns poucos núcleos de excelência (isto é, capazes de caminhar com os próprios pés, inclusive quanto a seu
capazes de adequar os pacotes tecnológicos à realidade local. Bem emblemáticas financiamento) e, sobretudo, orientadas para atender as necessidades de um
são as palavras do ministro da educação Paulo Renato, durante o governo mercado configurado pela polarização da economia mundial. De uma forma geral as
Fernando Henrique Cardoso: “a ênfase no ensino universitário foi uma expansões das instituições de ensino superior privado mostravam sua face cruel,
característica de um modelo de desenvolvimento auto-sustentado que demandava com a multiplicação de instituições que não eram acompanhadas do esperado
criar pesquisa e tecnologias próprias (...) hoje este modelo está em agonia investimento em infra-estrutura, salário docente e condições de permanência aos
terminal”. A ideologia da globalização fornecia ao ministro argumentos para estudantes. Os resultados: multiplicação de cursos de baixíssima qualidade (de
sustentar que “o acesso ao conhecimento fica facilitado, as associações e joint acordo com o próprio sistema de avaliação governamental); professores com
ventures se encarregam de prover as empresas de países como o Brasil do know- atrozes condições de trabalho (salários atrasados, número exacerbado de aulas,
how que necessitam. A terceirização das universidades, como fez a Coréia, faz vários vínculos empregatícios); e, estudantes humilhados pelas estratégias de
mais sentido do ponto de vista econômico” (Exame, 10/06/96). combate à inadimplência.

Os documentos do Banco Mundial apregoavam uma maior diferenciação no Na seqüência das mudanças neoliberais veio as do governo Lula, que
ensino superior, com o intuito de se separar o ensino da pesquisa e da extensão, também seguiam o aprofundamento do padrão dependente de educação no Brasil,
através da criação de instituições de ensino superior não-universitários. Sendo que além de completar o ciclo de reformas neoliberais. Analisando as medidas
o núcleo duro das recomendações do Banco estava direcionado contra o que implantadas até o momento é possível constatar que as políticas dos organismos
definiam de “modelo europeu” de universidade, que associa pesquisa e ensino, internacionais seguem guiando as ações do governo brasileiro, não houve rupturas.
alegando que este modelo “tem demonstrado ser custoso e pouco apropriado ao Com efeito, a modernização proposta pelo Ministério da Educação coincide no
mundo em desenvolvimento”. O Banco Mundial também direcionava a atuação na fundamental com a agenda do Banco Mundial para as instituições de educação
criação de cursos de curta duração (cerca de dois anos, como os cursos superior públicas. No ensino superior público houve a difusão de um
seqüenciais), direcionados para a formação rápida e barata de profissionais ao posicionamento ideológico de modo a conformar a universidade pública em um
mercado de trabalho. No caso das instituições superiores públicas, os documentos setor mercantil balizado pelos valores liberais. A assimilação desses elementos que
do Banco Mundial propunham que a política educacional criasse as condições para compõem a matriz da concepção do Banco Mundial, presentes nas propostas
que as instituições públicas obtivessem fontes alternativas de renda, buscando apresentadas pelo governo, desenharam uma instituição que hoje dificilmente
mereceria o conceito de “pública”.
As medidas já aprovadas no governo Lula são: o SINAES (Sistema pelo PROUNI. O PROUNI foi um mecanismo – uma modalidade de parceria
Nacional de Avaliação do Ensino Superior), o “Programa Universidade para Todos" público-privada – encontrada pelo governo para repassar recursos públicos às
(PROUNI), o decreto que regulamenta a relação entre as fundações privadas ditas instituições privadas em crise. Pois desde as alterações instituídas no Decreto nº
“de apoio” e as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), a Lei de Inovação 2.207, de 5/04/1997 que regulamentou o Sistema Federal de Educação, e por meio
Tecnológica e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação das Universidades do qual se admitiu de forma definitiva a possibilidade de instituições privadas com
Federais – o REUNI. fins lucrativos, o setor privado cresceu rapidamente. Mas já em 2004 contava com
uma inadimplência da ordem de 35 a 40% (de acordo com as entidades patronais).
A Lei de Inovação Tecnológica desprestigiou a função social da pesquisa Elas não tinham mais como ampliar o número de estudantes, pois os jovens das
nas universidades federais, na medida em que abriu os laboratórios das classes trabalhadoras não possuíam poder aquisitivo para comprar os serviços
universidades, cedendo seu quadro de docentes a pesquisas a interesses educacionais, evadindo as instituições nos meses iniciais dos cursos. O PROUNI foi
estritamente privados, deixando de considerar as necessidades do desenvolvimento uma operação de salvamento para o setor privado, onde especialmente as
do conhecimento em cada região e em benefício do povo. O decreto que instituições de ensino de pior qualidade, que contavam com um alto índice de
regulamenta a presença das Fundações ditas de apoio nas universidades públicas inadimplência, passaram a se beneficiar diretamente dos recursos públicos. E
garantiu por sua vez, que a maioria destas fundações administrasse recursos apesar do incremento de participação de setores populares no ensino superior, há
adicionais, e captasse recursos privados, sem o controle da comunidade acadêmica um nítido aspecto antidemocrático no PROUNI, que se encontra no fato de que
de suas operações, o gerou a formação de verdadeiras “caixas pretas” nessas estudantes de classes populares terem acesso a um ensino superior onde se
operações. O sistema de avaliação institucional, por sua vez, não é garantidor de acentua cada vez mais sua baixa qualidade, fornecida por instituições que são
um acompanhamento eficaz dos elementos que compõe a formação, além de verdadeiras fábricas de diplomas, sem nenhum compromisso com a qualidade da
permitir uma valorização excessiva do Exame Nacional de Avaliação do Ensino educação oferecida. Ademais, através do PROUNI explicita-se outra face
(ENADE), o “ranqueamento” das instituições avaliadas e a vinculação dos antidemocrática de sua lógica, a de que o Estado deslocar recursos públicos a
resultados ao repasse de verbas públicas. O Sistema Nacional de Avaliação do entes privados para executar aquilo que deveria ser bem ofertado pelo próprio
Ensino Superior (SINAES), embora contenha avanços em relação a outras Estado.
experiências, acabou favorecendo interesses dos grupos privados de educação,
que se beneficiam com a divulgação dos resultados da avaliação, e se utilizam Crise Capitalista: novo palco para as “contra-reformas” educacionais
disso para garantir a sua fatia no mercado. Em 2007, foi lançado um novo PDE, que
entre as medidas continha o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Conforme esclareceu Marx, a crise capitalista tem uma lógica interna. O
Expansão das Universidades Federais (REUNI), que objetivava “criar condições capital é uma riqueza que só tem sentido, só sobrevive se aumentar continuamente,
para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de empurrada pela concorrência inter-capitalista. Esse processo leva ao
graduação”, utilizando-se do “melhor aproveitamento da estrutura física e dos desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho.
recursos humanos atualmente existentes” nessas instituições. O objetivo traçado no O ápice desse processo traz consigo a super-acumulação de capitais, então se dá a
REUNI, apesar de seu conteúdo avançado, era notoriamente incompatível com as crise. Onde se agrava rapidamente a desproporcionalidade entre a produção social
perspectivas de financiamento que vinham em seu bojo. Onde as já precárias e a superprodução de mercadorias postas à venda, acabando por provocar uma
condições em que se encontravam as universidades públicas brasileiras, tanto em insuficiência catastrófica de demanda e crise aguda de realização, sobretudo de
termos de sua infra-estrutura, quanto de insuficiências em seus quadros docentes e bens de produção. Tal insuficiência de demanda não constitui, portanto, causa, mas
técnico-administrativos, não permitiam uma ampliação do acesso à educação conseqüência da superprodução, entendida, antes de tudo, como superprodução de
superior com garantia de permanência e qualidade na instituição como proposto capital. A expansão da produção além das barreiras erguidas pelo próprio capital
pelo REUNI. A qualidade da educação e das instituições superiores como incide na esfera do crédito e termina por suscitar drástica retração das
promotoras de pesquisas sofrerá um novo rebaixamento. disponibilidades líquidas, o que, por sua vez, agrava à retração dos investimentos.
Assim, embora as primeiras manifestações da crise tenham se produzido na esfera
O ensino privado também se beneficiou com essa segunda geração de do crédito, estávamos perante uma crise de superprodução. Na essência, tratava-se
reformas neoliberais através da transferência direta de recursos públicos, realizada da tendência do capitalismo de produzir um desenfreado aumento da capacidade
produtiva na busca de lucro, ultrapassando seus próprios limites e engendrando 2) A CRISE DO MOVIMENTO ESTUDANTIL
contraditoriamente o declínio da taxa de lucro, implicando na diminuição do ritmo de
acumulação, no desemprego dos trabalhadores e na própria destruição e “Entre mitos e circunstâncias: eis o dilema fundamental ao qual pode ser resumida
desvalorização de capital como remédio. a experiência política estudantil no Brasil nas últimas décadas. De um lado, as
circunstâncias de um movimento com enormes dificuldades de envolver sua base
Existem dois importantes elementos que deram singularidade a crise. Um social. De outro, as representações romantizadas de 1968, hoje convertidas num
primeiro elemento foram os drásticos efeitos sobre a imensa massa de recursos sob mito ressuscitado por esparsas e efêmeras manifestações de protesto. A
a forma de capital fictício (títulos de dívida, ações etc.), estimulada em grande parte incapacidade do próprio movimento e da esquerda em superar esse dilema é algo
pela mudança no sistema monetário internacional nos anos de 1970, que manteve a que perturba, ou deveria perturbar, aqueles que ainda hoje reivindicam a atualidade
moeda americana como meio internacional geral de pagamento, mesmo com seu do projeto socialista e que identificam nos estudantes como agentes potencialmente
vínculo ao ouro tendo sido rompido. Essa massa de capital fictício sofreu um relevantes nesse processo”.
processo drástico de desvalorização e destruição, não só na forma do capital
bancário, mas também nas formas dos chamados investidores institucionais Carlos Henrique Menegozzo
(seguradoras, fundos de Investimento, fundos de pensão etc.). Um segundo
elemento é que a fase neoliberal do capitalismo, enquanto projeto de O desenvolver do movimento estudantil dos últimos anos, mais
desenvolvimento, vem se esgotando, dado que sua hegemonia ideológica de duas precisamente após os anos de 1960 e 1970, quando desempenharam um papel
décadas contribuiu não só para engendrar as bases da atual crise, mas também importante no cenário político brasileiro, apontam que o movimento estudantil
não conseguiu dar respostas satisfatórias ao atual momento. entrou em profunda crise. Desde a década de 1980, raros foram os momentos em
que manifestações estudantis vieram à tona, e quando ocorreram se deram em
Hoje, decorridos dois anos do início da crise econômica internacional torno de uma articulação circunstancial sobre uma pauta comum, porém em uma
deflagrada nos países do centro capitalista, um grande número de analistas passou base objetiva marcada pela diversidade de experiências estudantis fragmentadas,
a defender a superação da mesma. No Brasil, esta avaliação otimista do cenário onde não se mantive ou se estabeleceu novos marcos para o movimento estudantil.
internacional vem ganhando força pela influência do relativamente estável ambiente Foi o que ocorreu em 1992, no “Fora Collor” com o tema da “ética na política” e em
econômico e político interno. Porém, apesar do otimismo disseminado pela grande 2007, quando o movimento se tornou coeso em torno das ocupações, tomadas
imprensa, devemos ter claro que as conseqüências da crise não desapareceram em como forma de protesto. Estes movimentos, tão explosivos quanto efêmeros, não
um passe de mágica, como muitas das análises dão a entender. O que estamos conseguiram manter uma maior adesão dos estudantes às lutas, à formação política
presenciando é um processo de alteração no caráter da crise, que parcialmente vai e às estruturas organizativas do movimento estudantil. Os fatos têm nos mostrado
mudando de uma crise de acumulação de capital para uma crise fiscal dos Estados que, apesar das expectativas existentes em relação à emergência de um “novo
Nacionais, através do intenso conjunto de políticas de ajuda e salvamento movimento estudantil”, nos últimos anos, o que hoje se impõem é uma profunda
direcionadas as mais diversas frações da burguesia. O relativo sucesso dessas “crise do movimento estudantil”.
políticas estatais, primeiro, minorou a destruição e desvalorização de capitais
inerentes aos momentos de crise e, segundo, consolidou uma onda de aumento da Rápido olhar sobre a história: das lutas estudantis na década de 60 aos dias
dívida pública pelo mundo, um problema político e econômico a ser enfrentado pela atuais
burguesia (e pago pelos trabalhadores). O Brasil não esta imune a esse processo.
A década de 1960 representou um período de muitas ações com objetivo de
Ademais, tais movimentações colocam no horizonte um período de nova
mudanças no sistema educacional e de efervescência política para o movimento
reestruturação dos aparatos estatais para fazer frente ao pagamento dos serviços
estudantil. Uma das últimas reformulações do ensino superior brasileiro ocorreu em
da dívida, o que poderá afetar diretamente os serviços públicos. É provável que nos
1968. Tendo como antecedente um significativo movimento de estudantes e de
próximos anos se desenhem novas “contra-reformas” dos serviços públicos
professores, que desde o início da década, vinham se mobilizando para imprimir
estatais, o que poderá encadear novas mudanças na educação brasileira.
novos rumos à vida acadêmica nacional. Esse período também foi marcado pela
ação das forças repressoras oriundas do governo militar; contrárias a quaisquer
manifestações que ameaçassem as idéias e a política implantada pela ditadura.
O debate sobre a reforma do ensino superior, no início da década de 1960, entidades estudantis (incluindo a UNE) ficariam sujeitas ao controle do Estado. No
atuava como ponto de partida para as lutas estudantis. A UNE, em 1960, teve seu meio secundarista, os Grêmio Livres foram substituídos pelos Centros Cívicos, sob
primeiro contato com o tema, durante o 1º Seminário Latino-Americano de Reforma controle da diretoria dos colégios.
e Democratização do Ensino Superior, realizado na Bahia, que trouxe propostas
que seguiam linhas para a educação superiores já amplamente debatidas no resto Em setembro de 1966, mesmo ante toda repressão, a questão estudantil
da América Latina, e com fortes influências das movimentações estudantis de explodiu na forma de protestos de rua. No dia 22 de setembro de 1966, o
Córdoba no início do século XX. movimento estudantil convocou o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura, o que
ocasionou vários conflitos com a polícia nas principais cidades do país. Ao longo de
Uma série de novos encontros e seminários, debatendo o tema, aconteceria 1967 e 1968, os estudantes radicalizariam suas palavras de ordem e suas formas
nos anos seguintes no Brasil. O II Seminário Nacional de Reforma Universitária foi de protesto. Os temas estudantis específicos, referentes à questão universitária,
realizado em Curitiba, no Paraná, em 1962, e produziu o documento, a Carta do foram abrindo espaço também para o protesto contra a ditadura. Um episódio do
Paraná, onde já se via a reivindicação de representação dos estudantes em um confronto entre estudantes e ditadura teve como palco o Calabouço, restaurante
terço dos órgãos colegiados das universidades. Em 1963, um ano antes do golpe freqüentado por estudantes, situado no centro do Rio de Janeiro. Em fins de 1967, o
militar, o III Seminário Nacional referendou a Carta do Paraná. Dos seus seminários restaurante havia sido citado no relatório militar sobre a questão estudantil, como
e encontros evidenciava-se a posição dos estudantes, através da UNE, frente ao ponto de encontro e organização de “subversivos”. Em março de 1968, prestes a
sistema educacional: de combater o caráter arcaico e elitista das instituições ser fechado, o Calabouço foi ocupado pelos estudantes, que protestavam contra a
universitárias. Tendo basicamente como propostas estudantis ao ensino superior: a) decisão. No conflito que se seguiu entre estudantes e policiais, o secundarista
a autonomia universitária; b) a participação dos corpos docente e discente na Édison Luís Lima Souto foi baleado e morreu, tornando-se o primeiro mártir da luta
administração universitária, através de critério de proporcionalidade representativa; estudantil.
c) a adoção do regime de trabalho em tempo integral para docentes; d) a ampliação
da oferta de vagas nas escolas públicas; e) a flexibilidade na organização de Porém, longe de arrefecer, a morte de Édison Luís ampliou ainda mais o
currículos. movimento e a solidariedade para com os estudantes, pois o fato gerou grande
comoção na sociedade. A seqüência de conflitos entre soldados e estudantes
Por outro lado, enquanto os estudantes e suas entidades ingressavam na atingiu seu ponto máximo em 21 de junho de 1968, na chamada "sexta-feira
Campanha da Reforma Universitária, o Congresso Nacional discutia e aprovava, em sangrenta", onde a cidade do Rio de Janeiro foi palco de um violento conflito de rua,
1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A LDB foi integralmente condenada no qual morreram quatro manifestantes, e mais de vinte foram feridos a bala. A
pela UNE, posição expressa por meio de carta aberta que tocava em pontos resposta estudantil à repressão foi eloqüente. No dia 26 de junho de 1968, com a
básicos, e que foram amplamente repetidos pelo movimento estudantil nos anos presença de políticos, artistas, intelectuais, trabalhadores e, obviamente, uma
seguintes. A LDB previa entre outras coisas que, até 27 de junho de 1962, as grande massa estudantil, organizou-se o evento que ficou conhecido como
faculdades enviassem seus estatutos reformulados ao Conselho Federal da "Passeata dos Cem Mil". Esse evento atingiu tais proporções que foi formada uma
Educação. Essa reivindicação gerou uma grande ação da UNE no ano de 1962 com comissão (escolhida durante a manifestação) para ter uma audiência com o próprio
a organização da greve do um terço, que paralisou 40 universidades no Brasil marechal Costa e Silva, ditador da época, visando negociar a libertação dos
sendo 23 federais, 14 particulares e três estaduais. estudantes presos nos dias anteriores e a reabertura do restaurante Calabouço.

O desencontro entre estudantes e Estado se acentuou nos anos que se Nos dias 02 e 03 de outubro, aconteceria novo conflito público envolvendo
seguiram ao regime militar. No ano de1964, a ditadura militar incendiaria a sede a estudantes, de um lado estavam os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências
UNE, como forma de intimidação e invadiria as instalações da Faculdade Nacional e Letras da Universidade de São Paulo, identificados com a esquerda, e de outro os
de Direito, apreendendo documentos e acervos históricos do Centro Acadêmico alunos da Faculdade Mackenzie, sede do Comando de Caça aos Comunistas
Cândido de Oliveira, que tratavam das atividades da UNE. O Prédio da Faculdade (CCC). Os dois prédios, vizinhos, localizados na Rua Maria Antônia, no centro da
foi cercado por tanques e grupos paramilitares, que metralharam a fachada do capital paulista, se transformaram em verdadeiros quartéis. O conflito entre os
prédio. Em 9 de novembro edita-se a Lei Suplicy, que estabelece que todas as
estudantes terminou com a ocupação policial, deixando como saldo a morte de um evitavam o confronto. A ordem passou a ser fazer manifestações pacíficas, não
estudante secundarista e dezenas de feridos. entrar em confronto com a polícia, e mostrar que a violência era fruto das ações
policiais, e não das manifestações estudantis.
Nos episódios que marcaram 1968, por fim, merece destaque o dia 12 de
outubro, quando a polícia invadiu um sítio em Ibiúna (SP), onde se realizava, O ano de 1977 também foi marcante no processo de reconstrução das
clandestinamente, o XXX Congresso da UNE, prendendo cerca de setecentas entidades estudantis, em particular a UNE. Com o objetivo central de reconstruir a
lideranças estudantis. Depois desse golpe, e a UNE posta na clandestinidade, o entidade máxima dos estudantes, foram realizadas algumas tentativas de realização
movimento estudantil de massas perdeu sua força e capacidade organizativa. Com do III ENE (Encontro Nacional dos Estudantes). O Encontro inicialmente deveria ter
o endurecimento da ditadura muitos estudantes acabaram optando pela luta acontecido na Faculdade de Medicina da UFMG, mas foi impedido pelos militares e,
armada. No início da década de 1970, com quase todas as lideranças presas ou depois de algumas tentativas, ocorreu na PUC São Paulo. O encontre teve como
exiladas, o movimento estudantil realizava apenas atos isolados. Não havia desfecho um acontecimento bastante conhecido na história do movimento
condições de permanência para o Movimento estudantil enquanto força nacional estudantil: a invasão da universidade por policiais, comandados por Erasmo Dias,
organizada. que prendeu 700 estudantes, e feriram outros tantos, deixando alguns em estado
grave após a operação policial. Ainda nesse ano, foi reconstruída a UEE/SP.
Os estudantes somente voltariam a intensificar as lutas nas Universidades e
nas ruas, num desenho mais sólido de reorganização do movimento, a partir de Depois do III ENE, que criou a Comissão pró-UNE, o próximo passo do
1975. Tal processo corria já na esteira do ascenso social que começava a se movimento estudantil seria realizar seu congresso para, efetivamente, reconstruir a
desenhar com as greves operárias do ABC paulista. As manifestações estudantis União Nacional dos Estudantes. O que se concretizou em maio de 1979, em
reivindicavam mais verbas para as universidades públicas, o rebaixamento de preço Salvador, com a participação de cerca de 10 mil pessoas. Durante o congresso de
das mensalidades nas universidades privadas, a libertação dos estudantes e reconstrução, os oradores se sucederam e apresentaram a visão das tendências e
trabalhadores presos e a redemocratização do país. dos setores independentes. Entre as várias resoluções aprovadas no Congresso,
uma das mais disputadas foi a carta de princípios da UNE, que ao final ficou
O ano de 1977 marcaria, definitivamente, a retomada das lutas estudantis. redigida assim: “1. A UNE é a entidade máxima dos estudantes brasileiros na
O movimento voltou a realizar manifestações massivas, saiu às ruas e iniciou defesa dos seus direitos e interesses; 2. A UNE é uma entidade livre e
passos para a reconstrução da UNE. Episódio símbolo desse período ocorreu em independente, subordinada unicamente ao conjunto dos estudantes; 3. A UNE deve
maio de 1977, onde alguns estudantes foram presos fazendo panfletagem do “1º de pugnar em defesa dos direitos e interesses dos estudantes, sem qualquer distinção
maio” na região do ABC paulista. Poucos dias depois, em várias universidades do de raça, cor, nacionalidade, convicção política, religiosa ou social; 4. A UNE deve
país, foram convocadas assembléias. A prisão dos militantes deu ensejo a que os manter relações de solidariedade com todos os estudantes e entidades estudantis
estudantes se levantassem contra a tortura e contra as prisões ilegais. A luta contra do mundo; 5. A UNE deve incentivar e preservar a cultura nacional e popular; 6. A
a ditadura voltava a mobilizar estudantes, universitários e secundaristas. Ficou UNE deve lutar por um ensino voltado para o interesse da maioria da população
conhecido o ato público da PUC do Rio de Janeiro, que protestava contra a prisão brasileira, pelo ensino público e gratuito, estendido a todos; 7. A UNE deve lutar
dos estudantes. O ato contou com milhares de estudantes e entrou para a história contra toda forma de opressão e exploração, prestando irrestrita solidariedade à
como o “ato público dos 05 mil”. Nada comparável com as manifestações de 1968, luta dos trabalhadores de todo o mundo”.
mas foi a primeira vez, depois do AI-5 que tantos estudantes se reuniram para um
ato político. Como irradiação daquele movimento na PUC, a UFRJ também O congresso havia sido anunciado como XXXI Congresso da UNE, para
começou a se organizar. Em São Paulo, os protestos contra a prisão dos demarcar um sentido de continuidade as lutas e a maior organização brasileira de
estudantes no 1º de maio também voltaram a levar os estudantes às ruas, sendo estudantes. Porém, apesar de toda movimentação gerada pela reconstrução da
organizada uma manifestação que ficou conhecida como a “passeata do Viaduto do entidade, o movimento estudantil e a UNE já não seriam os mesmos nos anos que
Chá”. E assim foi em outras capitais. Nessa fase o movimento estudantil produziu se seguiram.
uma nova maneira de fazer manifestações políticas: em vez de passeatas
demoradas, manifestações-relâmpagos que driblavam o esquema policial e
Os anos de 1980, 1990 e 2000 marcam a extrema fragmentação do progressivamente em termos de regime pedagógico e administrativo; entre suas
movimento e uma substancial perca de referencial político junto à sociedade. unidades constituintes, que se isolam tanto do ponto de vista espacial como
Nestes períodos, raros foram os momentos em que manifestações nacionais curricular; e no nível das turmas, em função do estabelecimento do sistema de
estudantis vieram à tona, e quando ocorreram se deram em torno de uma matrícula por crédito”.
articulação circunstancial sobre uma pauta comum, porém em uma base objetiva
marcada pela diversidade de experiências estudantis fragmentadas, e onde não se A ditadura também foi hábil em construir o que se poderia chamar de um
mantiveram e não se estabeleceu novos marcos organizativos para o movimento “presente de grego” para a democracia nas Universidades, ao possibilitar a
estudantil, entrando o movimento novamente em refluxo, logo em seguida. Esse participação desproporcional dos estudantes nos órgãos colegiados das
dilema, de movimentações explosivas, porém efêmeras, longe de ser um traço instituições. Nos anos que se seguiram, os estudantes passaram a se utilizar dos
específico das manifestações recentes, marcaram o movimento estudantil nas conselhos e demais órgãos colegiados como um dos principais meios para
últimas três décadas, sendo o movimento pelo “Fora Collor!” e as “ocupações de apresentarem as suas demandas. O resultado disto foi que, em um sistema de
reitorias” os exemplos mais conhecidos dessa dinâmica. Muitos viram nas ações de participação completamente desproporcional, criou-se o engodo de que nascia um
1992 e 2007 sinais da emergência de um “novo movimento estudantil”, mas em importante espaço de disputa, e que em realidade sempre serviu como instrumento
ambos o que se seguiu foi o refluxo do movimento. Por sua vez, as origens da de cooptação da organização estudantil.
fragmentação e do refluxo do movimento estudantil estão em diversos fatores.
A formulação política dos estudantes na década de 60 sobre a democracia
Assinalaremos aqui, dois destes fatores, que a nosso ver, adquirem maior
universitária debatia a necessidade da paridade nos conselhos, como forma de
relevância e submetem os demais.
garantir uma maior democracia e controle social na universidade, diferentemente da
As origens da fragmentação e do refluxo do movimento estudantil estão fórmula que se implantou. O entendimento estudantil era o de que a sociedade civil
tanto nas mudanças realizadas na estrutura do ensino superior brasileiro, organizada, estudantes e docentes deveriam ser maioria, para terem condições de
introduzidas pela reforma universitária de 1968 e pelas reformas educacionais do avançar a universidade para uma concepção mais social. Porém, as medidas
neoliberalismo; como pela crise da esquerda vivenciada a partir da década de 1980. implementadas pela reforma de 1968 traçavam para o movimento estudantil uma
perspectiva imobilista. Um dos seus objetivos, de engessar o movimento dentro da
Os impactos das reformas do ensino superior no Movimento Estudantil estrutura institucional das universidades, nos anos que se seguiram, especialmente
depois da década de 1970, foi conseguido com êxito.
A reforma universitária de 1968 trouxe uma nova configuração das
instituições de ensino superior no Brasil, como a criação do sistema departamental, No aspecto pedagógico, a reforma universitária de 1968, manteve o
do sistema de créditos, da matrícula por disciplina, da participação (ainda que dogmatismo, onde professores deveriam se manter como inalcançáveis. Novas
reduzida) dos estudantes nos conselhos universitários, e da rápida expansão do teorias e práticas pedagógicas, como as defendidas na época pelo educador Paulo
ensino privado. Modificações que provocaram efeitos sobre as organizações Freire, foram rechaçadas. Concepções, como as implantadas pela ditadura,
estudantis. realçaram entre os estudantes o academicismo, que possui como desdobramento
no interior do movimento estudantil, uma profunda simpatia deste pelas questões
A reforma diferenciou internamente a Universidade, através de mecanismos estritamente acadêmicas, interpretadas como necessidades do movimento e dos
como o sistema departamental, o que reforçaria em anos subseqüentes a estudantes. O resultado disso foi a consolidação de um ineficiente movimento
diferenciação do próprio corpo estudantil, tornando-o menos homogêneo em termos corporativista no movimento estudantil, com tênue e resumido compromisso com a
de expectativas e identidades coletivas. Como nos explica Menegozzo, sociólogo e luta de classes.
estudioso da questão estudantil na Fundação Perseu Abramo, “(...) as
transformações das universidades em nosso país a partir de 1968 provocaram o No período neoliberal, por sua vez, seguindo no essencial as linhas de
fracionamento das redes de sociabilidade estudantil, em diferentes níveis: entre a mudanças implementadas pela ditadura militar, se consolidou uma série de
sociedade e a comunidade universitária, concentrada em áreas isoladas dos transformações no ensino superior brasileiro. Todas elas guardando alguns sentidos
grandes centros urbanos; entre estabelecimentos distintos, que se diferenciam comuns: fortalecimento do ensino privado e enfraquecimento do ensino público;
fragmentação da Universidade alicerçada no tripé Ensino/Pesquisa/Extensão; e Enfrentamos nos últimos anos um período longo de uma conjuntura
consolidação de uma visão mercantil nas instituições públicas. extremamente adversa para a classe trabalhadora. A partir dos anos de 1980, em
todo o mundo, entramos num período de refluxo das lutas de massas. O acúmulo
Nesse período, várias foram várias as mutações no perfil do corpo dos muitos problemas internos e a ofensiva do imperialismo norte americano,
estudantil. Como exemplo: no início da década de 1960 o ensino superior alcançava fizeram com que o chamado bloco socialista entrasse em crise, e se desagregasse.
pouco mais de cem mil estudantes, hoje, depois de muitos anos e de várias O ponto culminante deu-se no final da década de 1980 com a queda do Muro de
“reformas” no ensino superior, temos um universo de mais de cinco milhões de Berlim. Com a derrota do chamado socialismo real, a hegemonia da economia e da
estudantes, dos quais 90% se aglomeram nas instituições privadas de ensino política passou a ser do sistema capitalista. A partir de 1980 até hoje, vivemos um
superior (dados do último censo da educação, referentes ao ano de 2008). longo descenso das lutas da classe trabalhadora no mundo e de crise da alternativa
Implementou-se também fortemente o ensino superior à distância, em 2003 socialista. Sendo as lutas que acontecem na atualidade caracterizadas como de
registrava-se uma oferta de 24.025 vagas nessa modalidade de ensino, em 2008 foi resistência, pois se restringirem em vitórias pontuais que não afetam
registrada a impressionante marca de 1.699.489 vagas ofertadas, uma variação de significativamente a hegemonia do capital.
mais de 70 vezes num curto período. No que diz respeito à organização acadêmica,
as faculdades isoladas, na maioria das vezes desprovidas de pesquisa e extensão, No Brasil, nos anos 70 e 80, tivemos uma curta etapa de ascenso social,
passaram a representar a maior parte das instituições no Brasil, 86,4% do total, porém seguida de um trágico período de desmobilização, acompanhando a
enquanto as universidades (mesmo centrados na lógica departamental) e centros dinâmica que ocorria em todo o mundo. As lutas contra a ditadura e pela
universitários respondem apenas por 8,1% e 5,5%, respectivamente. Sendo que o democracia, somadas às greves operárias alteraram a correlação de forças nas
maior número de faculdades (93,1%) e de centros universitários (96%) está décadas de 1970 e 1980. A Igreja progressista, refúgio dos lutadores nos anos da
vinculado ao setor privado, enquanto as universidades estão distribuídas em ditadura, e seu trabalho de base, somados ao contexto histórico vivido, permitiram a
proporção aproximada entre setor público e o privado, 53% e 47% respectivamente. construção de grandes instrumentos de luta dos trabalhadores. Fortaleceram-se os
Outro dado emblemático é o de que 53% dos alunos de graduação presencial sindicatos urbanos, foram disputados vários sindicatos de trabalhadores rurais;
estudam em universidades, e apenas 33% em faculdades e 14% nos centros ressurgiu a UNE, e surgiram a CUT, o PT e o MST. Porém, o nosso ascenso foi
universitários. curto, de meados dos anos 70 até o final da década de 80. Em 1989 Collor vence
as eleições e inicia a aplicação das políticas neoliberais (já presentes em todo o
Chegamos ao final do ciclo de mudanças neoliberais na educação com uma mundo), provocando uma crise no movimento sindical e uma estagnação das lutas
ampliação desconcertante nas instituições privadas. E, por outro lado, e conquistas nas cidades. Contrariamente ao momento vivido no meio urbano, no
presenciamos na década de 1990 uma grande mudança qualitativa no conceito de campo, os trabalhadores rurais continuaram a crescer. O marco mais importante foi
instituição privada, que impactará fortemente o problema estudantil. Os estudantes a Marcha de 1997. Porém, depois disso, já com Fernando Henrique, a luta no
foram redefinidos como clientes nos marcos de uma educação que não é mais um campo também começa a estagnar e, apesar de alguns momentos de
direito social, mas sim um serviço. As instituições privadas, a partir de 1997, enfrentamentos mais acirrados, hoje também se encontra em crise.
passaram a assumir a figura jurídica de instituições com fins lucrativos, fato
inexistente até aquele momento. As transformações no ensino superior em nosso O marxismo, enquanto instrumental teórico que dá viabilidade histórica ao
país, além de um grande aumento do número de estudantes, provocaram um socialismo, também sofreu um processo de estagnação a partir da década de 1980.
fracionamento ainda maior das redes de sociabilidade estudantil, através da O esforço de compreensão dos mecanismos de reprodução do capitalismo, colado
extrema fragmentação das próprias instituições de ensino superior, e da ao compromisso de superá-los, viu-se reduzido a pequenos grupos. Parte da
diferenciação dos estudantes, agora tidos como clientes, qualificados pelo seu intelectualidade marxista (a que restou) se refugiou nas Academias. E mesmo hoje,
poder aquisitivo. em geral esses intelectuais possuem imensas dificuldades de leitura e de
integração às lutas e organizações sociais. Por outro lado, os lutadores se
A crise da esquerda e seu reflexo no movimento estudantil deparavam com uma realidade em contínuo movimento, cujas análises marxistas,
não renovadas continuamente, apresentavam defasagens históricas e oportunismos
de todo tipo. As derrotas e as vitórias parciais obtidas ao longo desse percurso
suscitaram novas situações e desafios, que se fizeram necessárias redobrar o Em segundo lugar, é preciso que não situemos nem o movimento socialista
esforço prático e investigativo, na maioria das vezes, não acompanhada pelas nem os partidos no vácuo. Eles são realidades históricas, existem dentro de uma
formulações marxistas. Desta forma, como conseqüência da desestruturação das sociedade capitalista. Por isso, acaba sendo necessário pensar sobre qual é o grau
experiências socialistas, e da conjuntura de descenso social, viveu-se também outra de amadurecimento e de diferenciação do regime de classes num dado território.
crise, uma crise da teoria socialista, instrumental teórico e perspectiva histórica de Pois quanto mais diferenciado for o regime de classes, de uma forma estrutural-
superação do capitalismo para os trabalhadores. funcional e histórica, mais forte é o padrão de partido socialista, que corresponde,
na situação histórica, a esse movimento. Quer dizer que há uma interdependência
Em termos de análise, quando as pessoas visualizam o momento atual da entre movimento e partido, mediada, naturalmente pela realidade histórica
luta de classes, partem, em sua maioria, de uma reflexão que localiza nas condicionante, que o regime de classes, o qual é dinamizado por meio de conflitos
organizações, e em particular nos partidos políticos o ponto de referência, ou de de classes. Os conflitos de classes alimentam tanto o movimento, quanto os
partida, de onde derivam todos os entraves e explicações para superação da crise partidos. Se o regime de classes não é diferenciado, não é forte ou desenvolvido, o
da esquerda. E passa-se a apontar a “não-legitimidade” das organizações que é que acontece? O espaço político para a existência de um movimento
partidárias ou a substituição de umas por outras (“crise de direção”), como possíveis socialista é reduzido e, em conseqüência, os partidos são mais ou menos
fatores dinâmicos para emergência de um novo ciclo de ascenso social. Tais incongruentes. Passando, por vezes, a representar mais fins psicológicos do que
reflexões são parciais, porque não partem de um ponto de referência correto, políticos e, às vezes, respondendo mais à alienação moral de grupos privilegiados,
perdem o elemento estrutural e histórico, que serve de baliza para que se entenda que à impulsão coletiva das pressões proletárias. Em determinados momentos
não só o presente, mas o fluir desse presente na direção do futuro. Por isso são podem mesmo vir a figurar como elementos contrários ao desenvolvimento das
parciais, capturando apenas um momento do movimento da realidade. Para próprias lutas dos trabalhadores.
entendermos as estruturas organizativas de classe e seus comportamentos é
necessário entendermos a relação dinâmica existente entre as classes sociais, o Assim, quando o movimento socialista é fraco ou não tem muita densidade,
movimento socialista e os partidos. a esse movimento socialista fraco correspondem partidos socialistas débeis ou
corrompidos. Para visualizarmos isso basta que pensemos sobre o Brasil hoje. É
Em primeiro lugar, comecemos definindo o que é movimento socialista e o notório que nós não temos um movimento socialista vigoroso. Onde apesar de
que é partido. Quando falamos em movimento socialista devemos entendê-lo como fervilhar contradições potenciais entre as classes, não há densidade
a confluência de todas as forças sociais anti-capitalistas. Dentro de uma sociedade correspondente no movimento socialista. O que nos traz como conseqüência que
capitalista surgem forças antagônicas ao capitalismo, que buscam acabar com o também não tenhamos partidos socialistas fortes, que possam exercer funções
modo de produção capitalista, o regime de classes, o Estado nacional, o sistema de aglutinadoras; capazes de criar uma efervescência política e coordenar movimentos
poder da burguesia. E esse movimento tanto pode assumir uma forma “gradualista”, de reforma social ou de revolução. A organização política e o movimento socialista
reformista, quanto uma forma revolucionária. Então, o movimento socialista é uma possuem uma relação de influência mútua, de interdependência, onde, porém, o
confluência das forças, de todas as forças que se voltam contra a ordem existente. ponto de partida para se analisar a conjuntura, a correlação de forças não são as
Ou para introduzir reformas anti-burguesas dentro dessa ordem; ou para alimentar organizações, mas as classes sociais e o grau de autonomia e densidade do
uma revolução contra a ordem e organizar a sociedade, a economia, o sistema de movimento socialista. Derivar exclusivamente da movimentação das organizações
poder em novas bases. Já o partido é a forma de organização institucional dessas partidárias explicações sobre a conjuntura é um erro, pois parcial, e pode trazer
forças, que buscam subverter o sistema. Essas forças sociais se organizam conseqüências graves para a atuação.
institucionalmente através de partidos e é através destes que buscam a aglutinação
de força política para intervirem na sociedade. Por sua vez, é por meio do conflito Nos últimos anos no Brasil, conseqüência do desenvolvimento da luta de
entre classes que se tem o sistema de referência que ordena a concentração classes, da ofensiva da burguesia por sobre a classe trabalhadora, da debilidade do
institucional (ou partidária) das forças sociais que são contra a ordem capitalista. movimento socialista e dos partidos, forjou-se duas posições, duas respostas entre
Naturalmente, dependendo do grau de receptividade da sociedade para com o as organizações políticas, que a primeira vista podem parecer de oposição ao
movimento socialista, os partidos poderão ter uma função de desagregação da capitalismo, mas que em realidade são ineficazes. Uma delas é o “possibilismo”, ou
ordem mais ou menos intensa. o “reformismo sem reformas”, a adequação relativa, a sujeição rigorosa às regras
do jogo da dominação, até se tornar o paladino das mesmas, e a redução ao própria incapacidade das organizações políticas de reconhecê-los e superá-los,
mínimo possível das diferenças com a ordem em vigor e suas conseqüências. Esta num constante desencontro entre as esquerdas, os estudantes e a realidade
rendição pode ser dissimulada de diversas maneiras, como a oposição declaratória concreta.
a algumas das formas que assume o capitalismo, ou erigir-se em consciência moral
do sistema. O colaboracionismo de início de século propõe "novidades", como a Os efeitos da política educacional do governo Lula no movimento estudantil
formação de uma aliança de centro-esquerda, na qual tanto o centro como a
O governo federal timidamente explicita nos documentos e nos debates
esquerda deixem de ser o que se pressupõe que foram e fique cada vez mais
oficiais qualquer conotação no sentido de projeto político-ideológico que defende
parecidos um com o outro. A outra posição consiste no “esquerdismo”, em se
para a educação, dando lugar às frases de efeito, a partir da simbolização do
manter dentro do dogma, da seita e da saudade do passado. Permanecer dentro de
debate público, com o uso indiscriminado de termos tais como “sociedade”,
uma casa — ou de uma caverna —, não sair ao ar livre, parecendo acreditar: não
“qualidade”, “democracia” etc. A simbolização do debate na educação está
importa que sejamos poucos e que ninguém nos perceba, mas assim não.corremos
presente, por exemplo, no título de um dos projetos: “Programa Universidade Para
o risco de perder nossa (suposta) virgindade. O pior é que sua soberba
Todos. Democratizando o acesso na universidade”. Esta é a marca do
"materialista" ou "proletária" não está presente apenas em clérigos ultrapassados ou
aprofundamento do senso comum, porque joga com as expectativas de milhares de
interesseiros, também afeta um grande número de jovens companheiros esforçados
jovens excluídos da universidade criando a impressão de que se está efetivamente
que querem rejeitar ativamente o capitalismo, lista posição provoca muita confusão,
democratizando o acesso quando, em verdade, se está efetivando uma política
porque parece ser a oposição verdadeira e radical: entretanto, além de ineficaz, ela
deformada de ampliação de vagas, pois baseada na transferência de recursos
favorece a hegemonia da burguesia, que assim exige um "inimigo" tolerado como
públicos a iniciativa privada, e no oferecimento de uma educação de baixa
inócuo. Na verdade, ambas as posições, apesar de terem conteúdos tão opostos,
qualidade aos trabalhadores e seus filhos (isso, segundo os critérios de qualidade
são funcionais com relação à dominação capitalista.
propostos pelo próprio governo). Ademais, todo ano cerca de três milhões de jovens
O movimento estudantil também seguiu o cenário de crise da esquerda. do ensino médio fazem o ENEM (exame nacional do ensino médio) sonhando em
Sendo notório que o debate público acerca da condição estudantil e da educação entrar na Universidade através do PROUNI, porém nesses quatro anos, o PROUNI
superior no Brasil hoje é marcado pela debilidade dos partidos políticos que atuam ofertou apenas 400 mil vagas.
no movimento em compreenderem a realidade sobre a qual atuam e em proporem
Frente à simbolização do debates, que causa dúvidas, e a formação
estratégias adequadas. Distorções como “possibilismo” e “esquerdismo” se
histórica do atual governo, lastreado em diversos setores de esquerda, as
reeditam no cenário do movimento estudantil.
divergências em torno da política educacional do governo federal acabaram
Os partidos existem nas universidades, mas a estes faltam formulação acentuando a profunda divisão e dispersão do movimento estudantil. Prevaleceu,
estratégica e capacidade de levarem o movimento a se pensar no quadro geral, ou em amplos setores, uma intervenção pautada pelo imediatismo, calcada
em outras palavras, apesar dos partidos na universidade, falta atuação partidária exclusivamente na necessidade em responder de imediato às ações
consistente. Desta forma, a crise do movimento estudantil é também uma crise da governamentais. Sendo que para alguns a opção era a de se portar contrário a toda
esquerda, e tem sua origem ligada à crise das organizações políticas, conformada a e qualquer proposta vinda do governo, assumindo a tática de tentar desestabilizá-lo
partir da década de 1980, e que se reflete na incapacidade dos partidos políticos a todo custo. Por essa perspectiva, a universidade aparece como um mero
atuantes no movimento estudantil em apreender o momento objetivo da luta de subterfúgio, um pretexto para “fazer oposição ao Governo”, este sim o objetivo
classes, assim como em compreender as práticas e valores presentes no meio central, e quem não pensa em cumprir a risca essa tática “é governista” e “traidores
estudantil, e de projetá-los estrategicamente. As lideranças estudantis partidárias, do movimento”. Por outro lado, há aqueles que assumiram a posição de manter a
em sua maioria, desconhecem as condições sobre as quais atuam na Universidade “governabilidade” do presidente, eleito sobre base “popular”, fazendo críticas
e no movimento estudantil e vêm se mostrando incapazes de cumprirem uma pontuais, mas defendendo no geral as propostas do governo para a educação. O
função específica dos partidos, de ajudar o movimento estudantil a se pensar no argumento é que se posicionar de maneira contrária as mudanças propostas
quadro geral. Por sua vez, a principal causa da ausência de estratégias partidárias implicaria fazer oposição ao governo, e na medida em que “não há alternativa a
não se dá pela passividade dos partidos ante aos desafios conhecidos, mas pela este Governo”, não se pode ser contra suas propostas. É por isso que, por esse
ponto de vista, aqueles que se posicionam contrários as propostas do governo, ou
fazem críticas excessivas a estas, “fazem o jogo da direita”.

Essa divisão do movimento, em realidade, desvelou o que já havia se


instaurado no movimento estudantil desde há muito, uma profunda crise do
movimento e dos partidos políticos que nele atuam. Revelando também um dos
aspectos dessa crise, a da ausência de uma proposta consolidada no movimento
sobre a Universidade Brasileira. Fatores que impediu nos últimos anos uma
intervenção que debatesse e mobilizasse os estudantes e a sociedade brasileira em
torno de propostas para o ensino superior no Brasil, e não ficasse o movimento
estudantil refém de intervenções marcadas pelo imediatismo.

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