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Páscoa Travessia e Travessuras da Humanidade

Hermes C. Fernandes

A Páscoa é celebrada por duas das principais religiões monoteístas do mundo, a


saber, o judaísmo e o cristianismo.

Para os judeus, é comemoração de sua saída do Egito, depois de mais de 400 anos
de escravidão.

Para os cristãos é a comemoração da morte e ressurreição de Cristo, através das


quais somos libertos da escravidão do pecado e da morte.

Gostaria de sugerir uma interpretação que englobasse ambas as celebrações,


baseada no sentido original da palavra. “Páscoa” (Pesach, em hebraico) significa
literalmente “Passagem”, ou “Travessia”.

Desde os primórdios da civilização, a humanidade tem sido desafiada a atravessar


fronteiras que delimitam não apenas sua morada, mas também sua compreensão de
Deus, da vida e da realidade como um todo (cosmovisão). Esta “travessia” tem sido
instigada pelo próprio Deus, e patrocinada pelo Cordeiro cuja vida foi entregue antes
da fundação do Mundo. É este “Cordeiro” o elo entre ambras celebrações, a judaica e
a cristã.

O cordeiro que cada família hebréia teve que sacrificar antes de deixar o Egito
tipificava o Cordeiro de Deus que remove o pecado do mundo, e que, para os cristãos,
é ninguém menos que Jesus de Nazaré, Unigênito de Deus, engendrado pelo Espírito
Santo no ventre de uma virgem judia chamada Miriam (Maria).

Foi Sua entrega anterior ao start da história que garantiu que Ele mesmo seria o guia
da humanidade em sua travessia rumo à maturidade. Deus sabia que nesta travessia,
o homem faria muitas travessuras. Somente o sangue de Seu Unigênito seria capaz
de impedir que tais travessuras nos fizessem atolar em nossa travessia.

João refere-se a isso ao declarar:”Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram sobre ela (…) A luz
verdadeira que ilumina a todos os homens estava vindo ao mundo” (Jo.1:4-5,9).
Apesar das trevas que insistem em cobrir os povos, Cristo tem sido o farol que tem
guiado a civilização humana nesta travessia. Não há sociedade em que não
encontremos Seus rastros de luz. No dizer de Paulo, ainda que Deus “nos tempos
passados”, tenha deixado andar todas as nações “em seus próprios caminhos”,
“contudo, não deixou de dar testemunho de si mesmo”(At.14:16-17). Em outro sermão,
desta vez pregado no centro do saber filosófico, Paulo diz que Deus, “de um só fez
todas as nações dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra,
determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua habitação.
Deus fez isto para que o buscassem, e talvez, tateando, o pudessem achar, ainda que
não está longe de cada um de nós” (At.17:26-27).

Podemos encontrar lampejos de Sua presença entre os povos pré-colombianos nas


Américas, entre os ameríndios nas ilhas do pacífico, e até entre os esquimós nas
geleiras. Se Deus nos houvesse entregues à própria sorte, há muito teríamos nos
auto-extinguidos.

Esta “travessia” tem sido feita em etapas, nas quais a humanidade tem sido
conduzida a uma compreensão mais madura acerca de Deus.

No início da saga humana, nossa busca primordial era por sobrevivência. Nesta


etapa de nossa travessia enxergávamos Deus como oSupremo Provedor. A Terra
era um jardim de onde coletávamos aquilo de que necessitávemos para sobreviver.
Não tínhamos ideia de quão vasta era a Terra para além do território em que vivíamos.
Aquele era o nosso jardim, nosso lar, cenário da comunhão entre nós e Aquele Ser
que nos havia criado. Tão logo comemos daquele fruto que nos tinha sido vetado,
vimo-nos expulsos do conforto daquele jardim, e partimos em nossa peregrinação pelo
mundo. Expostos a todo perigo, nossa busca passou a ser porsegurança.
Desenvolvemos clãs, tribos, e mais tardiamente, nações. Nossa compreensão de
Deus atribuiu-Lhe o caráter de Protetor, guerreiro, e não apenas provedor. Daí surgiu
o politeísmo. Cada tribo desenvolveu sua compreensão particular acerca da divindade.
E quando guerreavam, era como se seus deuses também guerreassem. Quando
perdiam uma batalha, achavam que seu deus não estava satisfeito e deveria receber
algo em troca, alguma oferta, para que lhes garantisse o êxito da próxima batalha.
Surgia a religião. Não demorou para que pessoas se destacassem como mediadoras
entre a divindade e os demais.

Quando algumas tribos resolveram se reunir, somar forças contra um inimigo comum,


surgia uma nação. Com isso, também surgia o sincretismo, reunindo elementos de
ambas as religiões numa teologia e cosmovisão únicas. Nesta etapa da travessia,
nossa busca passou a ser porPoder. Surgiam os impérios e sua sede de domínio.
Povos menores eram conquistados e assimilados. O deus territorial adorado por cada
tribo era substituído por panteões, onde os deuses disputavam a lealdade de seus
povos. Cada deus passou a ser visto como responsável por uma área específica da
realidade. Surgiram deuses da agricultura, da fertilidade, da guerra, etc. Entretanto,
sempre havia um lugar de honra dedicado ao “Deus dos deuses”, tivesse o nome que
fosse. Esta visão de Deus nos ajudou a estabelecer a ordem civil, impedindo-nos de
sermos dissolvidos num caos social. O rei era visto como o representante dos deuses,
e às vezes era identificado como um deles. Seus decretos tinham peso de ordens
divinas, que não podiam ser contestadas. Logo, surgiram os abusos. Povos
dominados eram escravizados. Impostos insuportáveis eram exigidos de seu próprio
povo. Isso nos empurrou para uma próxima fase de nossa travessia. Os injustiçados e
dominados passaram a buscar Independência. Ninguém mais suportava o jugo dos
dominadores. Havia um clamor que subia incessantemente ao céu. A compreensão de
Deus evoluiu mais uma vez. Ele agora era visto não apenas como o Soberano, Rei
dos reis, mas também como o Juíz da causa dos oprimidos, e o seu Libertador. Um
Deus que desdenha dos panteões criados pela imaginação humana, e intervém em
favor dos desprezados. Um Deus que não se dobra aos caprichos dos dominadores,
mas que pauta Suas ações na justiça. Um Deus que promulga leis as quais até os
maiorais dentre o povo devem se submeter. Um Deus que nos convida à liberdade
consciente, assistida pela responsabilidade. Foi, de fato, um grande salto na
compreensão da humanidade acerca de Deus. Porém, a travessia não terminou.

Continua amanhã…

Hermes Fernandes é um dos mentores da Santa Subversão Reinista no Genizah

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