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seus membros contra usurpacdo real ¢ agressio dos magnatas). Revivida no século XV, quando a autoridade real se tornou mais centralizada, a Santa Irmandade se subordinava a. um conselho presidido por um representante da coroa. Recebia instrugdes reais, desempenhava fungées policiais e judiciais e fornecia tropas ao rei. Em ambos os periodos, as irmandades se relacionavam diretamente com 0 poder real e ligavam suas cidades constituintes a estrutura politica do Estado, (Puyol y Alonso 1913; Suérez Fernéndez 1951). Pode-se dizer que 0 equivalente da irmandade no Novo Mundo foi a assembiéia procuratéria, Moore (1954:121) estima, indubitavelmente de maneira conservadora, que existiam cerca de quarenta na América colonial espanhola, a maioria delas na primeira metade do século XVI. (Ver também Bayle 1952:238-44). Os delegados as assembléias procuratorias em Cuba, realizadas de 1515 a 1550, foram eleitos pelos vecinos ao invés de serem indicados pelos conselhos da cidade. Suas reunides, portanto, tinham caréter “popular” e davam “representaco legitima a toda a populaggo da ilha”; suas peticdes ao rei podiam ser desvinculadas das decisbes dos conselhos individuais da cidade. Guerra (1921-25:1, 307) sugeriv que 0 prototipo espanhol para a junta era a irmandade medieval, e ndo as Cortes parlamentares. No continente, organizavam-se juntas na Nova Espanha, Peru, Nova Granada, Venezuela, Chile € outros lugares. A junta de 1560 da Nova Espanha incluia representantes de determinados grupos (conquistadores, colonizadores e mercadores) e também das cidades. O cabildo da Cidade do México convocava as reunides, e se a pauta no era de urgente interesse geral, podia formular petigdes em favor de todas as cidades na qualidade de “representante de todo o dominio, jé que era seu chefe”. (Miranda 1952:127-41). No caso chileno, Meza (1958:37-37) salienta que o di de representacao através dos conselhos municipais era uma concesséo da coroa; a vontade real e 0 bem+estar dos vassalos estavam misturados num sistema unitério de poder. “A unidade superurbana constituida para propésitos de administracdo era... um conjunto de cidades e, de acordo com esta idéia, a representacao total dos vassalos do dom{nio igualava-se 4 soma das representacdes. urbanas”. As cidades mais fracas e as vezes abandonadas enviavam representantes a Santiago como “sede do governo”, embora sem renunciar a seu direito de peti¢go individual. O cabildo de Santiago as representava perante o rei ou seus agentes e, em nome do rei, até providenciava 0 juramento de posse no cargo dos governadores nomeados pela coroa. ‘No Brasil, a autoridade de convocar assembléias era reservada aos governadores e, originalmente, participavam as principais autoridades ligadas a coroa e eclesiésticas. Entretanto, as cdmaras usurparam este poder, organizando juntas para cobrar impostos das cidades, assumir poderes interinos na auséncia de um governador e mesmo para estabelecer ligas e aliangas (Zenha 1948:108, 111, 128). As cidades ibéricas e mais tarde as ibero-americanas inseriam-se, pois, numa estrutura de império®, enquanto as cidades do norte da Europa eram palco de inovacdes legais, que assinalavam a transigo do feudalismo para “a lei das unidades territoriais”. Na tradi¢ao posterior, a vida urbana se identificou com mudanga social, oportunidade econdmica, liberdades pessoais e radicalismo politico — e, subseqiientemente, com anomia e decomposi¢ao social. Esses fendmenos também aconteceram nas cidades latino-americanas. Entretanto, as tradigdes patrimoniais de governo e de sociedade, dentro das quais eles se desenvolveram, condicionam os modos pelos quais a inovagdo se produz ou se acomoda nos nicleos urbanos. A organizagdo social latino-americana, as atitudes em relagdo as autoridades, os padrdes de mobilidade social, os empreendimentos e a motivacdo para certas realizages e as relagdes de dependéncia urbano-rural séo moldadas por tradi¢&es que as presses do comercialismo e do industrialismo podem modificar mas nao apagar. E precisamente esta combinacao de compromissos culturais e necessidades de mudanca que merece a atencdo prioritéria na pesquisa urbana da América Latina contempordnea. 2. Caracteristicas dos Nicleos Urbanos Coloniais? Na medida em que atentamos para o proceso de colonizago do Novo Mundo, também deslocamos 0 foco principal de atenco da heranga institucional e cultural ib que as condigdes de vida na América fizeram sobre aquela heranca. Nossa énfase torna-se mai 10 CEBRAP - PERIODICOS funcional do que genética, a0 procurarmos esclarecer as relardes da cidade latino-americana com a colonizag&o da terra e as formas de produgo econémica, HA um gritante contra-senso na historia institucional da América Latina: 0 mais importante trabalho de producao consistia na extragdo de bens do solo e do subsolo, embora os colonizadores, bem como os imigrantes dos séculos seguintes, cruzassem 0 oceano com a idéia de cidade em suas mentes. O nimero de pequenas comunidades rurais européias trasladadas para a América Latina é quase desprezfvel, além de essa trasladacdo néo ter sido bem sucedida, De um modo geral, os emigrantes rurais que vieram para 0 Novo Mundo passaram, de modo suficiente, pela vida citadina, a0 menos nos dois pontos terminais da travessia, mudando, assim, qualquer aparéncia camponesa que pudessem ter tido. Para encontrar na América Latina alguma coisa que se assemelhe @ comunidade campesina & necessério observar principalmente 0 grupos nZo-europeus: os indios das montanhas de certas regiées da América Central e América andina ou os descendentes dos escravos africanos no Caribe inglés e francés. Para um observador versado na historia das cidades européias, com seu crescimento organico e sua lenta sedimentagdo de fungées, o ato de fundar num instante uma cidade nos confins do Novo Mundo parece quase sem fundamento. A cidade européia, observou Terén (1927:305-05), “cresceu como um organismo, de dentro para fora”, 20 passo que as americanas cresceram “como mecanismos, de fora para dentro, como se 0-quartel-general de um tenente se tornasse 0 de um governador, ou como se se transformasse numa audiéncia ou numa diocese”. A ide do Novo Mundo & provisoria; no possui “penates ou pritaneu, pois no vive na memoria de seus filhos”. Nao comemora seu fundador, nem mantém vives as lendas como a da loba romana, das pedras de Deucaliéo ou Cécrope de Atenas. ‘A localizagao das cidades do Novo Mundo nfo era, por certo, escolhida arbitrariamente. As instrugGes reais a Pedrarias Davila, redigidas em 1513, continham muitas especificagdes nesse sentido. Os niicleos haviam de ser bem localizados para protecdo e suprimento dos navios e para a defesa da terra. Os portos marftimos haviam de ser estabelecidos em consideragao a répida expedi¢lo dos carregamentos. Onde néo havia animais de carga, os ntcleos interiores deveriam localizar-se nas proximidades dos rios. Todas as cidades precisavam estar proximas a uma fonte de gua, a montanhas e a solos ricos, e deveriam ser arejadas por ventos favoraveis. (Serrano y Sanz 1918:CCLXXX). A fundacdo de Lima, no Peru, é um exemplo cldssico de escolha cuidadosa do local. A capital anterior era Jauja, a 3300 metros de altitude e 40 léguas da costa. Em 1534, © conselho municipal de Jauja decidiu mudé-la para perto do litoral. O local foi escolhido por seu bom solo, sua proviso de gua e madeira para queima e pelas vantagens comerciais e militares da proximidade do oceano. A regio possufa uma populagdo indigena préspera, consistindo num centro missionério natural. Finalmente, 0 clima moderado e a baixa altitude permitiam a criagdo de animais europeus, 0 que tinha sido praticamente impossivel nas montanhas (Bromley, 1935). ‘Apesar dos célculos cuidadosos e da experiéncia em Jauja, que deu base empirica para a fundagfo de Lima, a capital peruana tem sido chemads de cidade artificial, Jorge Basadre (1928.35) irma: “Lima era naturalmente uma capital por causa das circunstdncias do momento. Mais tarde, com o passar dos séculos, por razdes de ordem cultural, intelectual e hist6rica. Era, porém, uma capital artificial no sentido de que a estrutura politica surgiu antes da estrutura econdmica... As montanhas constitufam o principal centro de popula¢do e riqueza, e Lima no tinha 0 contato que Cuzco tinha mantido com todas as regides do pais”. A principal observagio aqui reside no fato de a estrutura politica preceder 4 econémica Certamente, nem todo niicleo urbano do noroeste da Europa medieval encontrava sua origem no comércio. Muitos eram hist6ricos centros de defesa ou de administragdo civil ou eclesidstica. Houve mesmo casos de aldeias agricolas receberem foros de liberdade. Mas a transformacao de tais nucleos em cidades, no sentido pleno da palavra, em geral pode ser atribuida a localizagao estratégica no cruzamento de duas ou mais rotas de comércio revitalizado. Tornaram-se pontos naturais de cristalizago para uma regio vizinha e para as artérias comerciais de longo alcance. A expanséo dessas cidades foi centripeta, como sugeriu a teoria do faubourg de Henry Pirenne — os incrementos de populacdo e de atividade econdmica da cidade obedeciam até certo ponto a " determinantes comerciais e regionais externos a ela. Sob a luz da historia urbana européia, a cidade latino-americana parece “artificial”, usando o termo de Basadre, na medida em que aspirava ser algo mais do que avancado posto militar, administrative ou missiondrio. A cidade do Novo Mundo se estabelecia num vasto continente em que as rotas do comércio regional e as economias regionais levariam gerages ou mesmo séculos para atingir caracteristicas permanentes. A freqiiéncia com que era abandonada ou transplantada mede as incertezas da implantagdo da cidade no Novo Mundo. 130 ocorria raramente na Europa ocidental depois de 1500, época em que a rede moderna de cidades jé se conformara. Embora as funges da cidade européia possam mudar ou sofrer grave declinio, ela geralmente se ajusta as novas condi¢des sociais e econdmicas (Dickinson 1961:266, 279). Durante toda a época colonial da América Latina, a vida breve e ambulante constituia um trago previs(vel para a cidade (Vila 1966). Buenos Aires, no Rio da Prata, por exemplo, foi fundada, abandonada e fundada novamente quarenta anos mais tarde. Havana localizava'se originalmente na costa sul de Cuba, como ponto de apoio para exploragdes mais distantes. Depois da conquista do México, porém, a rota maritima para exportagdo da prata mexicana deslocou-se para 0 norte, e Havana foi removida para a costa norte, tornando-se finalmente um porto onde as frotas se encontravam (Artiles 1946). Em Nova Granada, até o século XVIII, ocorriam freqiientemente “transplantes en masse de niicleos existentes para novas localizagées, voluntérios ou ordenados pelas autoridades, obedecendo consideracdes de natureza fiscal ou econémica” (Ots Capdequi 1946a:283). Deffontaines (1938:399) conclui a respeito das cidades brasileiras: “A rede urbana é muito mais uma expresso do capricho do homem, dos plantadores de cidades, do que resultado de desenvolvimento natural. A propria instabilidade das cidades é a causa de sua multiplicidade.”” Individualmente, essas transferéncias em geral so explicadas por causa dos ataques indigenas, terremotos ou em virtude de julgamentos erréneos iniciais quanto ao solo e ao clima. Entretanto, tomadas como um todo e analisadas em um periodo de trés séculos ou mais, refletem 0 equilibrio instével de um continente que no era cruzado por trocas e comércio. As cidades hispano-americanas eram individualmente ligadas com Sevilha no além-mar, que servia de mercado e fonte de importages. Se uma regiéo nao produzia para a metrépole, sua economia girava quase que exclusivamente em torno do mercado da cidade local. ““A cidade de Havana, por exemplo, no século XVI, & meramente 0 simbolo e o centro de determinada drea de terra habitada por colonizadores isolados, com problemas de se comunicarem entre sie de nao terem quaisquer relagSes com as demais cidades da itha’ (Domfnguez y Compafiy 1951:143). Charles Gibson (1948:94) descreveu a “‘desuniao incontrolada’” e a “mudanga” corrtinua de énfase” da economia peruana depois da conquista espanhola, O magnifico sistema inca de estradas, centralizado em Cuzco, foi logo fragmentado nao somente porque os espanhdis abusaram e descuidaram de sua manutengdo, mas também porque: “Contrastando com a énfase imposta pelo estado inca, a economia espanhola preferiu as estradas laterais de conexo, na qualidade de saidas das minas para o mar”. Mesmo quando o fluxo principal de trocas com a metropole se transferiu para rotas terrestres no Novo Mundo, a localizacao dessas rotas e sua importéncia econémica foram fortemente influenciadas por decisdes anteriores da coroa. © jogo mituo das restrigdes mercantilistas espanholas, das possibilidades econdmicas locais e das aspiragdes econdmicas das cidades do Novo Mundo foi analisado num estudo sobre Lima e Buenos Aires. Depois da segunda fundagdo de Buenos Aires em 1580, seus habitantes, paupérrimos, passaram muitas vezes sem sal, dleo, vinagre e até mesmo sem vinho para missa. Em 1588 enviaram a Madri seu primeiro representante (procurador). “De qualquer maneira, (a cidade) sempre teria um, porque ser representada na Corte € to essencial para 0 progresso da cidade que esta nao medira esforcos para manter um representante”. (Céspedes del Castillo 1947:16). Em certos momentos, seus habitantes chegaram a enviar petigdes ao rei para que sua cidade fosse abandonada. Entretanto, isto ndo péde realizar-se por razdes politicas e religiosas: era possivel que a estratégica foz do rio fosse tomada por ingleses ou franceses e os indios se convertessem ao paganismo, Qual foi a soluco? Autorizar 0 comércio regional por Buenos Aires, visto que 0 comércio com a Espanha, também um pais pecudrio, teria sido inadmissivel. Usando novamente os termos de Basadre, precisou ser criada uma estrutura comercial ou econdmica como suporte para um projeto de colonizagao jé decidido. O comércio com o alto Peru teria sido dificil por muitas razdes. A Gnica alternativa consistiu em autorizar 0 comércio com o Brasil, que na época estava sob a coroa 12 espanhola e oferecia possibilidades de reciprocidade comercial. Em 1602 foi criado o sistema econdmico Brasil-Plata. Buenos Aires emergiu imediatamente da pobreza. Havia mercado para seu couro cru, carne e sebo, e importava escravos para cuidar do gado e trabalhar no campo. Os mercadores portugueses se estabeleceram nela para ensinar novas técnicas aos criollos. Com o ‘tempo, abusou-se tanto dos regulamentos que o comércio com o Brasil foi suspenso, a0 menos oficialmente, em 1622, e o tréfego anual de Buenos Aires com a Espanha limitado a dois navios de cem toneladas. Nesta época Lima realizava suas pretensdes de ser a rainha comercial do continente. Tinha a seu favor os grupos de mercadores do Peru e da Espanha, cujo interesse era preservar a rota dos galeBes via Panam e fornecer a cidade uma retaguarda comercial mais vasta possivel. As atividades contrabandistas de Buenos Aires eram, entretanto, impossiveis de serem reprimidas, e no fim do século XVII a cidade mostrava sinais de renovada prosperidade. Em 1676 a alfandega de Cérdoba foi mudada mais para norte, para Salta e Jujuy, sinal de que Buenos Aires havia capturado todo o mercado platino. Em meados do século XVIII a cidade estava competindo com Lima pelos mercados do Chile e do Alto Peru. © caso de Lima e Buenos Aires exemplifica como as cidades do Novo Mundo tiveram de lutar, no somente por vantagens comerciais, como também pelo que pode ser chamado de sua propria legitimacao através do comércio, Este caso também mostra as energias econdmicas do Novo Mundo agindo em contradi¢éo com o projeto preconcebido de distribuiggo urbana, Finalmente, ilustra uma fase primitiva do fendmeno, tipicamente americano, de a metrépole chegar a dominar @ vida econdmica de um vasto interior, colonizado de modo esparso e no uniforme e, ademais, mal articulado para 0 intercémbio. Quando atentamos para as. terras adjacentes & cidade, logo percebemos que esta ¢ 0 ponto de partida para a colonizagéo do solo. A municipalidade ¢ de fato “o agente jur(dico autorizado pela coroa a efetuar concess6es e loteamento tanto rural quanto urbano”” (Dominguez y Compafiy 1951:166). Em outras palavras, enquanto a cidade da Europa Ocidental representava uma transferéncia das energias econdmicas dos objetivos extrativos para os de processamento e distribuiggo, a cidade latino-americana era fonte de energia e organizagao para a explorago, dos recursos naturai A colonizagio das Américas ocorreu numa época em que 0 reflorescimento do direito romano havia estabelecido os principios jurfdicos de separacao entre ordem piblica e privada e, especificamente, entre, de um lado, terras possufdas por pessoas que mantinham relagdes feudais ‘com 0 rei como um senhor e, de outro, terras doadas ou cedidas pelo rei na qualidade de chefe de Estado. Na Espanha esses princ/pios estavam sendo aplicados aos diferentes tipos de terras da coroa. Na América, a tradigo romana tornou-se exclusiva e todas as terras foram tidas como propriedade do rei enquanto monarca e ndo enquanto cidadao. Todos os titulos de terras tiveram entéo de encontrar suas origens em concessdes reais, fossem para os colonizadores europeus ou para 08 prOprios indigenas (veja Gibson 1969 e Markman 1972 e 1974) sobre a urbanizacao das comunidades ind(genas). Inicialmente as concessdes foram doadas em nome do rei por conquistadores, vice-reis, governadores e outros representantes. Mas to logo a cidade se estabelecia este poder tornava-se atributo do conselho municipal. Embora as Ordenagées das Indias estipulassem que essas concesses municipais fossem confirmadas pelo vice-rei ou pelo presidente da audiencia, um historiador afirma que “apesar dessa exigéncias, que parecem limitar 0 poder do cabildo, este representava a autoridade americana que exercia mais amplamente 0 poder & certamente controlava a distribuigo das terras” (Dominguez y Compariy 1951:172; também Ots Capdequé 1959:52). Era o poder de distribuir encomiendas, néo o de ceder terras, que 0 poder centralizador da coroa reservava exclusivamente para # mais altas autoridades reais. A politica do governador Ovando, na Espan’ ate era usar a cidade desde 0 comego como instrumento de colonizacdo. Foi a ado dos capi. "@# de Ovando, mais do que os acordos esponténeos entre grupos de colonizadores, a responsivel pela rede de cidades que se espalhou pela ilha, como subcentros de controle politico. Depois disso, e até 0 esgotamento do tesouro dominado Por Filipe Il, atribuiu-se mais valor 4 fungio politica da cidade no sentido de colonizar a terra e a fungao econdmica de cultivé-la, do que a fungao fiscal de servir de fonte de impostos para a coroa. Houve até autorizagao especial para criar cidades por v/a de colonia — a fundacdo de novas cidades pelo conselho municipal de uma cidade jé estabelecida — em oposigdo aos varios tipos de nucleo 13 por via de capitulacién — por autoridade de um oficial designado. O interesse da coroa pela ermanéncia dos nicleos fica patente numa ordem de 1526, que proibia inclufrem-se em expedicdes colonizadoras pessoas que j4 se haviam estabelecido no Novo Mundo, “excetuando-se no mais do que uma ou duas em cada expedi¢ao, como intérpretes e para outras finalidades que fossem necessérias em tais viagens” (Konetzke 1953:89). Havia entdo uma forte dose de lideranga individualista na fundago de cidades pelos espanhéis. © fato de as cidades nascerem do ato de vontade de um cauditho ndo estd claro na literatura referente as fontes e substéncia das ordenacdes colonizadoras, conforme esas se desenvolveram depois de 1514. O elegante cédigo, finalmente compilado em 1573, deveria ser complementado pela Milicia y descripcién de las Indias, manual prético para um “bom caudilho”, publicado em 1599 por quem foi por um longo tempo caudil/o general nas Indias (Vargas Machuca 1892). Se a lideranga personalista numa relagdo de vassalagem com a coroa foi o instrumento das primeiras fundagdes de cidades, os objetivos correntes, como esclarece Machuca, foram a distribuiggo ‘da terra, a apropriagdo da mo-de-obra nativa e a preempcdo dos privilégios pelos pioneiros. © levantamento de Hardoy (1965), sobre as influéncias indfgenas no urbanismo espanhol, conclui que elas eram menos importantes na determinacdo do tragado urbano, zoneamento ou arquitetura do que na escolha do local apropriado. Os centros urbanos principais (Tenochtitlén, Cuzco) e os secundérios (Bogotd, Quito, Tzin Tzun Tzan, Iximché} foram usados pelos europeus como centros de controle militar, prestigio politico, conversao regiliosa, organizac3o adminsitrativa e fiscal, residéncia conveniente e controle de mao-de-obra rural. Em Espanhola, Ovando concentrou os espanhéis nas cidades e arregimentou mao-de-obra ind(gena para auxilié-los. Este sistema, por tratar os ind(genas desperdicadamente, foi a longo prazo mais desastroso do que o mau executado plano anterior de Bartolomeu Columbo, de preservar as tribos ind{genas e usar os caciques como coletores de impostos. As civilizagSes indigenas do continente ofereciam uma base mais duradoura na qual 0 projeto urbano espanhol podia ser inserido. Gibson (1964:32-57) descreve esse processo para o Vale do México. Os conquistadores espanhéis viram a sociedade asteca mais prontamente como um “mosaico de cidades” do que como um sistema de tribos, e impuseram a nomenclatura urbana hierérquica de Castilha (em ordem decrescente: ciudad, villa, pueblo). O estatuto urbano era determinado em parte pelo tamanho e em parte pelo sucesso das petigSes ind/genas dirigidas ao rei para que este distinguisse suas comunidades. Esta hierarquia honorifica coexistia com outra que era politica e economicamente ‘mais funcional: em ordem decrescente, cabecera, sujeto, barrio (bairro urbano) ou estancia (bairro afastado). Para escolher as cabeceras os espanhdis nao se guiavam pelo tamanho urbano nem * pelo projeto imperial anterior dos astecas. Em vez disso, faziam sua classificacéo a “um nivel subimperial ou pré-imperial dentro da sociedade indigena”, sendo que a cabecera se tornava a capital de um chefe ind{gena local (tlatoani). Desta forma, a hierarquia urbana, embora tendo em vista consideracdes ecolégicas locais € consideragdes econdmicas e politicas, enquadrava'se dentro de um maior célculo imperial de privilégios fiscais e polfticos. As Ordenagdes das Indias exigiam que os magistrados respeitassem as doagdes reais de brazées as ciudades, villas e lugares do Novo Mundo, e reservavam ao Conselho das Indias 0 direito de elevar os nucleos espanhdis ou indigenas ao estatuto de ciudad ou villa. Estas categorias lembram a antiga prética romana de classificar as cidades como estipendidrias, livres e federadas, de acordo com os privilégios recebidos por concesso ou tratado (Jones 1954:140-41). De fato, os espanhdis estavam conscientes do exemplo romano. Em 1647, Solérzano, como vimos, lembrou como os imperadores romanos exigiram que 0s povos némades “se unissem e formassern cidades e vilas e se submetessem (que se reduzcan) a vida politica”, comparando esta politica com a espanhola de “congregar” os {ndios para que se civilizassem. A cidade romana ou espanhola serviu, portanto, como ponto de administracdo e controle dentro de um vasto esquema de impéri © mundo, escreveu Solérzano, “que ¢ como uma grande cidade onde todos os homens vive, é dividido em mundos menores”. Ao contrério, a cidade norte-européia do fim da Idade Média é vista, de modo caracteristico, como fonte de ferment e inovagdo, pélo de crescimento, bergo do radicalismo politico, desafio aquilo que Spengler (1939:11, 87-110) chamou de sonoléncia e piedade da vida alded e dos poderes “feudais de sangue e tradicéo”. O fato de as cidades hispano-americanas constituirem cabecas de ponte para a terra, distribuindo colonos diretamente ou através de desdobramentos urbanos, causou uma eroséo 14 continua do modelo urbano inicial. No México central, onde a populagdo da pequena cidade e da aldeia era em grande parte abor{gine, a esmagadora taxa de mortalidade dos indfgenas provocou escassez de mio-de-obra rural e migragdo da cidade para a hacienda. Segundo a andlise de Gibson (1955), 0 equil/brios de meados do século XVI foram logo afetados. A hacienda oferecia aos aldedes a Gnica alternativa para o problema da fome. Enquanto o século XVI presenciara uma concentracdo de pessoas em comunidades com um alto grau de desenvolvimento politico, “as tendéncias contrérias dos séculos XVII e XVIII foram novamente desintegradoras, na medida em que as cidades (ind/genas) eram esvaziadas”. Vadios perambulavam pelos campos, roubando as comunidades instaladas e freqiientemente se dirigindo para a metrépole, a Cidade do México. desenvolvimento urbano era influenciado tanto por fatores econdmicos quanto demogréficos. Moreno Toscano {1972a) analisa trés modelos regionais contrastantes, dentro do alcance hegeménico da Cidade do México: 1) 0 caso tipico de Puebla, que dominava sua retaguarda econdmica, centralizava as fungdes administrativas, religiosas, educacionais, comerciais e produtivas da regio, corrofa a autonomia dos centros menores e atrafa a mao-de-obra ind/gena para seus barrios periféricos (Marin—Tamayo, 1960; Bazant, 1964); 2) 0s casos paralelos de Orizaba e Cérdoba, que cresceram em simbiose separadas por menos de vinte milhas — Orizaba como centro de transporte, transformagdo e manufatura; Cérdoba como centro de comércio e armazenamento de produtos agricolas; 3) 0 caso atipico de Bajio, regio préspera de agricultura e mineragdo que sustentava uma rede ativa de cidades especializadas sem que nenhuma das cidades maiores, Guanajuato ou uerétaro, conseguisse hegemonia. Hé estudos sobre os sistemas urbanos coloniais de outras reas da América Latina, embora neste trabalho no haja necessidade alguma de se esbogar um quadro mais amplo*. Entretanto, devemos ter em mente que, se 0 principio de fases centr(petas e centr{fugas ou do desenvolvimento urbano for generalizado para todo o continente, os termos podem ser mais apropriadamente aplicados a componentes fatoriais do que a estégios consecutivos (Germani 1958:12), ou a uma “‘dialética” no resolvida de centralizagdo-descentralizacdo (Kaplan 1968:19-21). Além disso, 0 caréter “centrifugo” das cidades coloniais 6 freqiientemente melhor descrito como um fluxo de energias (apropriagdo da terra, crescimento de uma aristocracia rural-urbana baseada na hacienda) do que como um declfnio absoluto ou relativo da populacgo urbana. Hardoy e Aranovich (1970) lancaram luz sobre as taxas de urbanizagdo e as fungdes urbanas. Baseados em dois levantamentos coloniais contempordneos, fixam linhas basicas em 1580 e 1630, Para em seguida interpolar aspectos do proceso de urbanizacdo para o meio século contido entre elas. Supdem que a distribuicéo urbana bésica da América espanhola tenha sido conclufda por volta de 1580, 0 loci administrative tendendo ento a corresponder aos centros de importancia produtiva e estratégica. As solugées de emergéncia da conquista tinham dado origem a um perfil de dominio e consolidacdo continental. Dentro deste perfil, os casos de répido crescimento urbano podem ser correlacionados com fatores tais como a disponibilidade de mao-de-obra ind{gena, atividades de mineragdo ou localizacao mar(tima privilegiada. E de notar que, apesar do répido declinio demogréfico em grandes dreas (que causava 0 esvaziamento das cidades ind/genas observadas por Gibson), havia um afluxo de populagdo para as cidades maiores. ‘Além de classificar as cidades pelo tamanho da populacdo (ndmero de vecinos), Hardoy e Aranovich empregam uma escala ponderada de fungdes urbanas agrupadas em quatro categorias: administrativa, eclesidstico-administrativa, religiosa e servigos (hospitais, universidades, colégios). Conclufram que os dois métodos de classificago davam essencialmente 0 mesmo resultado, exceto no caso de certos portos e centros de mineracdo ou de cidades que perderam a populacdo sem perderem as fungées adquiridas em seu perfodo de prosperidade. Os indicadores mais seguros da hierarquia para as cidades coloniais parecem estar ligados as funcdes determinadas ou aprovadas por decisées politico-administrativas da metrépole — hipétese defendida por Kaplan (1968:11), e pela concluséo de Gibson de que “‘somente nas cidades mineiras e nos portos havia uma conexdo bem definida entre o urbanismo e os objetivos principais do império. Um determinista econémico teria dificuldades em explicar qual a finalidade das outras cidades da Nova Espanha (1969:239). Cortés Alonso (1965) em seu estudo sobre Tunja durante o século XVII, ilustra algumas caracter(sticas principais das cidades coloniais. Nas montanhas de Nova Granada, Tunja ocupava um segundo plano somente em relacdo a Bogoté, da mesma forma que tinha sido o segundo bastido mais importante da drea de Chibcha, antes da conquista. A cidade espanhola foi fundada em 1539 15 numa encosta fria onde havia, como especificava 0 ato de fundagdo, “caciques, indios e terra suficiente para sustentar os espanhdis”. A planta da cidade era centrada na praca e na Catedral. Por volta de 1623 havia 476 edif(cios, incluindo-se 20 igrejas e conventos, mas somente sete “ediffcios piblicos ou industriais”. A populacdo chegara a 3300 espanhéis adultos do sexo masculino e um néimero indeterminado de {ndios, negros e mestigos. As familias de 70 ou mais encomenderos constitufam a elite municipal, da qual surgiam os funciondrios municipais. Suas casas eram cobertas de telhas, ocupavam um quarto de quarteirgo cada uma e podiam ter até dois pavimentos, cercando patios internos; exibiam brazSes e contornos de pedras. Os espanhéis mais pobres viviam em apertadas habitages térreas, em geral com telhado de colmo. Entre estes estavam inclufdos mercadores, que importavam da Espanha e outras regides de Nova Granada, artesdes (pedreiros, carpinteiros, ferreiros, pintores, prateiros), que constru‘am e embelezavam a cidade, os alfaiates, seleiros, cuteleiros, sapateiros e 05 negociantes de panos que supriam os residentes. Havia uns poucos encomenderos mestigos e apenas um era indfgena — 0 Unico de sua raga com 0 titulo honorffico de don. Entretanto, a maioria dos ndo-europeus e mesticos executavam trabalhos pesados viviam geralmente em boh/os na periferia da cidade. A atividade comercial de Tunja se dava em trés nfveis. Primeiro, os 15 mercadores mais importantes, com capital de 10.000 a 80.000 pesos cada um, importavam tecidos finos da Espanha (em geral de origem flamenga, francesa ou italiana) e uma variedade de artigos domésticos e religiosos. Segundo, 0 comércio regional, de que participavam esses mercadores e outros menores, @ atingindo cidades distantes como Bogotd, Santa Fé de Antioquia e Caceres. Tunja embarcava para esses lugares produtos agricolas, sandélias e cobertores, e o excedente de seus curtumes e moinhos. transporte era feito pelos 30 grupos de mulas e cavalos da cidade, um negécio lucrative para os encomenderos. Finalmente, Tunja possufa seus tiangues semi-seranais para os produtos locai cobertores de algodio e ceramica feitos pelos (ndios. Apesar da multiplicidade de artérias comerciais que para Ié convergiam, 0 estado rudimentar da indistria € das instituigdes financeiras de Tunja, mais a orientagdo agréria da sua aristocracia indicam que 0 comércio era de importancia secundéria na definigdo funcional da cidade. Ainda mais conclusivas eram as linhas de lealdade e controle das quais Tunja era o ponto de encontro. A hierarquia social, representada fisicamente nos anéis concéntricos de estilos arquitet6nicos, simbolizava outras hierarquias — especialmente mais extensas e também centradas na praca urbana. Os envolvimentos politico-administrativos de Tunja correspondiam aos seus trés niveis de atividades comerciais. Em primeiro lugar, era um ponto de equilfbrio precério entre, de um lado, as reivindicagdes e favores do império hispano-cristéo e, de outro, o separatismo — ou império local — dos encomenderos, muitos dos quais descendiam dos soldados rebeldes de Pizarro. Assim como os edificios religiosos dominavam a paisagem da cidade, nove das encomiendas maiores (aquelas comunidades ind/genas que mais ferozmente haviam resistido 4 conquista) pertenciam coroa. Ao mesmo tempo, os encomenderos de Tunja eram os mais ricos e os mais poderosos aristocratas de Nova Granada; na dltima década do século XVI a eles pertencia 0 nico cabildo da regio que organizou séria resisténcia aos impostos de venda (alcabala). Em segundo lugar, Tunja era a_ capital administrativa das cidades espanholas numa érea circunvizinha de 30 2 100 milhas de raio. Sua lealdade era garantida por sentimentos e também por decreto. As trocas comerciais de Tunja com estas cidades nao eram .-."uma mera transagdo mercantil, porque as ligages e negécios com as cidades vizinhas se baseavam em algo mais elevado do que o lucro de alguns pesos. Este tréfico originou-se na prévia colonizacao e fundagdo de cidades por cidadaos da propria Tunja que se adiantaram, desde 0s primérdios da colonizaggo, no plano do Zaque para explorar e povoar as zonas vizinhas.” Finalmente, Tunja era o centro de controle de 161 encomiendas (em 1610) que, além de serem unidades de producéo agricola, representavam aldeias tributérias de 80 a 2000 indios. Em resumo, as funges administrativas escalonadas da cidade (ponto avancado do império, cidades satélites, aldeias ind{genas tributarias) eram equivalentes 4s fungdes comerciais (comércio Metropolitano, mercados regionais, tiangues indigenas). Ressaltando as primeiras, estamos salientando 16 © papel da cidade como eixo principal da hierarquia e ndo como ponto de produgao e transferéncia. O exemplo de Tunja sugere uma alternativa 4 taxonomia funcional para se caracterizar as cidades coloniais hispano-americanas. Somos levados a considerar a cidade como um palco de tensdo entre reivindicagées de apropriacéo e de acomodacio, isto ¢, reivindicagées feitas por um interior tributério sobre aqueles que se apropriaram do seu produto e de sua méo-de-obra ind/gena, e reivindicacdes (adocadas por recompensas e franquias) feitas pela Igreja e pelo Estado, acomodando a unidade agro-urbana & sua posicéo numa ordem patrimonial de longo alcance. Portanto, os niveis de comércio e manufatura urbanos eram, por um lado, determinados pelas matérias-primas e mao-de-obra disponivel do interior e, por outro lado, pela estratégia mercantilista imperial, que poderia garantir posicdes de “primazia assegurada”, nos termos aplicados a Manila por Reed (1967:132). A forma urbana expressava a confluéncia destas duas orientagdes divergentes: um ‘ousado nucleo de planta quadriculada com suas igrejas elegantes, ao lado de mansées de encomenderos, com sua orla de cabanas dos ndo-europeus e, a distancias variadas, as aldeias satélites ind/genas — um modelo que se propagou em miniatura nas pequenas cidades derivadas da cidade-mae. Esta abordagem das cidades hispano-americanas reaviva a classificagdo funcional com um cdlculo de forcas e tensdes, No caso de niicleos pobres fora do alcance do controle e dos favores reais, 0 apelo da terra pode provocar a retirada dos I{deres municipais e paralisar 0 governo da cidade. Em centros grandes como Tunja, reivindicagées e recompensas do interior podem interagir em equilfbrio dificil com as do império. Numa capital do vice-reinado a riqueza, a sinecura, as distragdes e a permissividade do centro patrimonial criam uma meca para pessoas ambiciosas ou marginalizadas de todos os tipos, desde 0 vagabundo rural até o fidalgo sem recursos. As cidades mineiras, com seus confusos planos de ruas so mais casos especiais do que excecdes do céiculo agrério patrimonial (veja Hartung 1969; Gakenheimer 1973). O mesmo também se aplica aos portos. Havana foi projetada como 0 ponto de encontro para comboios indo para a metrépole, o que fez com que subisse do décimo sétimo para 0 nono lugar na escala de Hardoy-Aranovich (1969:14) entre 1580 e 1630. Entretanto, a coroa recompensou a cidade por servicos como base naval de provisdes, concedendo ao Conselho de Havana a autoridade de distribuir terras na sua jurisdi¢éio sem aprovacao superior. Um Defensorio para Buenos Aires, em 1667, apontava o “bom exemplo” de Havana, que havia fortalecido sua forca militar atraindo cem fazendeiros casados com a promessa de terras cultivaveis livres de impostos (Molina 1961:474). As palavras “tenséo” e “‘célculo” usadas acima sugerem uma relagdo mais complexa do que “antagonismo” ou “conflito” entre as afiliacdes agrarias e imperiais da cidade. A coroa confiava nas cidades como principais agentes de colonizacao, de aglomeracdo de populagdo, de distribuigao de terras e como centro que transformaria os objetivos predatérios dos espanhdis de além-mar em objetivos sedentérios. A criacdo de niicleos urbanos ordeiros, apesar de serem potencialmente ingoverndveis e separatistas, parecia a Gnica alternativa para 0 panorama humano de aventuras e vagabundagem (Martin 1957; Géngora 1966). Visto que as terras da América eram consideradas possesses da coroa mais do que um feudo, era natural que os colonizadores que recebiam terras por concesséo lutassem pela posse imediata. Nas vastas dreas e nas comunidades méveis da América, o status era definido pelo controle da terra, em vez de relacdo com a terra ser uma funcdo do status como na sociedade tradicional. Portanto, a urgéncia com que a terra era apropriada aumentava com o processo de nivelamento social que ocorria no nucleo. Em 1509 0 rei Ferdinando relatava que, na distribuiggo dos lotes urbanos, “ndo sdo feitas distingdes favorecendo-se ou concedendo-se mais a certas pessoas do que @ outras, mas concedendo-se aos fazendeiros e a5 pessoas comuns 0 mesmo que se concede as pessoas importantes” (Coleccion 1864-84:XXXI, 501). A politica inicial da coroa caminhou no sentido de que 0 colono arteséo e agricultor substituisse 0 soldado e o aventureiro. Isto foi diffcil realizar. A Espanha tinha poucos colonizadores para exportar e os aventureiros, ou pelo menos os que dentre eles tinham sorte, coragem ou engenho, logo se afirmavam. O que segue, portanto, a0 proceso nivelatério, & a afirmaco dos poucos privilegiados, os conquistadores, em detrimento dos que vieram depois e dos muitos sem privilégios que freqiientemente encontravam na municipalidade seu lugar de lutas. Em todo o perfodo colonial persistiu a luta entre 0s colonizadores pioneiros e 7 seus descendentes, “que se tinham tornado /atifundistas com o apoio de privilégios reais ou supostos”, e uma série de pessoas necessitadas que queriam terra para cultivo e nao a tinham, em distritos onde havia terra disponivel em quantidades prodigiosas (Ots Capdequi 1946 b: 40). Este choque de interesses foi agudamente articulado quando a coroa tentou regularizar em geral o sistema de titulos de terra. Em resumo, a cidade, que deu o impulso para a utilizacdo tanto da terra quanto da mio-de-obra indigena, poderia ser logo cercada por propriedades privadas, fechando as oportunidades para nticleos posteriores e talvez tendo as terras municipais comuns distribu(des. Discutimos até agora o desenvolvimento urbano da América espanhola. O Brasil é freqiientemente tratado como um caso 4 parte, particularmente por académicos que tomam a forma urbana como seu ponto de partida e salientam o contraste entre as plantas quadriculadas das cidades hispano-americanas e a forma de acrépole irregular que prevalece na América portuguesa (Ricard 1947; Smith 1955). Adotando este contraste, Sérgio Buarque de Holanda (1969:61-66, 76) liga a solugéo urbana dos portugueses e dos espanhdis ao espirito e as motivagées dos seus respectivos empreendimentos colonizadores. Afirma que 0 zelo espanhol por detalhes e previsdes, sua determinacao em reduzir os caprichos da natureza ao abstrato e ao retil/neo, sua preferéncia pelas altas altitudes e ar limpo refletem bem um desejo corajoso de estender 0 controle militar, econdmico e politico através de niicleos de colonizagdo bem ordenados e estéveis. Por outro lado, 05 portugueses, levados pelo interesse comercial, eram fenicios e do romanos. Sua colonizagao abracava a costa; 0 poder social fluia para o dominio rural; as ruas das cidades se desenrolavam através dos acidentes topogréficos; 0 urbanismo, a exemplo da prépria colonizacéo, era marcado pelo abandono tropical ou pelo desleixo, A distingdo, se bem que néo totalmente infundada, é de alguma forma enganadora. De fato, 0s portugueses usaram plantas geométricas na India, e mesmo no Brasil a coroa tentou seriamente controlar a forma das cidades estabelecidas dentro dos dominios reais. Pode-se argumentar que a ingdo entre o planejamento de cidades dos portugueses e dos espanhdis na América consiste mais numa diferenca no ritmo de evoluggo do que em compromisso com diferentes principios — reflexo que pode ser de alguma forma aplicado ao nivel mais elevado das instituicdes. Por isso, em vez de insistir em estratégias urbanas “espanholas” e “portuguesas”, podemos considerar a urbanizago do Brasil como representativa das regides ibero-americanas (tais como 0 México setentrional, a parte da América Central abaixo da 4rea maia, as Antilhas espanholas, ou o Paraguai), onde no havia uma densa populacdo amerindia organizada para produgdo de excedentes ou uma bonanga mineral inicial para causar concentrago de populacdo e apoiar servicos urbanos elaborados. Em tais regides ou se “‘civilizava” e tornava sedentdria a forca de trabalho indigena, ou se importava escravos africanos, ou ainda os europeus eram forcados a tirar eles préprios o seu sustento da terra. Nestas condicdes, as necessidades da terra e a negligéncia das pétrias-mae faziam com que a vida municipal fosse precdria e fracamente interligada. Fora dos raios limitados das poucas cidades brasileiras maiores, a eficiéncia do poder central freqiientemente se evaporava; e, apesar das regras prescritas pelas Ordenacdes manuelinas e filipinas terem sido cumpridas, e 0 ntimero minimo prescrito de cargos municipais terem sido preenchidos, a propria municipalidade quase podia ter sido absorvida pela ordem privada. Durante séculos, em grande parte do Brasil reinava um estado de quase anarquia — no a anarquia turbulenta das jovens repdblicas hispano-americanas, mas a anarquia de uma sociedade em que o poder ptblico fica inteiramente isolado e se estende em detrimento do dominio privado. Somente quando os centros urbanos do Brasil se ordenam de acordo com os binémios piblico-privado, corporativo-familiar ou municipal-grupal é que se pode formular, de modo apropriado, as seguintes quest6es importantes: como era mantida a autoridade, como as coisas eram feitas, como os interesses locais e imperiais eram acomodados numa sociedade onde o poder era tio amplamente distribuido. Ao fazer essas perguntas somos levados a rever os arranjos institucionais que mediavam, ou efetuavam concessGes, entre o poder piblico e privado: a cémara, cujo periodo dureo durou desde 0s primérdios da colonizagao até meados do século XVII, e 0 sistema de milicia do fim do perfodo colonial. Um exame desses sistemas ajuda a reconstituir a trajetéria do governo local do Brasil e, portanto, a definir o contexto institucional dentro do qual, ocasionalmente, se desenvolviam grandes cidades que conquistaram o interior. Esta andlise também seré relevante para as regides da América espanhola que eram econdmica e administrativamente periféricas. 18 i: CEPRAY © primeiro Conselho Municipal do Brasil, ou cémara, foi estabelecido em Sdo Vicente em 1532. Desde aquela data até 1650 foram fundadas cerca de 37 vilas e cidades, das quais cerca de sete pela coroa e as restantes pelos donatérios das cap " mais importantes, como Salvador e Rio, eram populosas, ofereciam uma diversidade ocupacional modesta, exerciam distintas fung&es urbanas (administragdo, defesa da costa), sendo em parte projetadas por engenheiros militares. Entretanto, as areas de controle eram severamente circunscritas, mesmo no caso de Salvador, & sede governamental. O Brasil do principio da época colonial tinha somente rudimentos de estrutura administrativa. A colénia em sua maior parte era um conjunto de vilas fracamente ligadas que exerciam amplos poderes & revelia. As evidéncias de autonomia municipal no Brasil colonial so abundantes. As cdmaras freqiientemente escreviam livremente a governadores e a outras autoridades e ao proprio rei, formulando queixas, propostas e exigéncias. Alguns governadores reais governavam quase sob 0, controle da cémara, e outros eram expulsos por instigacdo de Camaras que agiam como se fossem jufzes itinerantes. Eulélia Lobo (1962) contesta a opinigo mantida por Nestor Duarte (1966), Nunes Leal (1948) e Zenha (1948) de que as cdmaras eram meras criagbes dos potentados da terra: plantadores de cana-de-agiicer e criadores de gado. Citando vérios registros municipais, afirma que os “homens bons” que votavam e ocupavam os postos municipais formavam uma “classe média” constitufda por artesdes, mercadores e pequenos fazendeiros. € dificil de acreditar que existisse distingZo téo clara nas zonas precdrias, pobres e esparsamente povoadas do Sul, do Norte, e do sertdo. As atas municipais registravam sempre falta de quorum nas reunides, porque os conselheiros estavam ocupados em suas propriedades distantes ou em incursdes pelo interior. ‘Nessas pobres ¢ remotas cidades euro-amerindias no se pode tracar uma linha tdo precisa quanto na Espanha, Portugal e na urbanizada América espanhola, entre vizinhos proprietarios simples moradores que eram exclu(dos da prefeitura (Holanda 1966:85). De fato, Zenha (1948:132) afirma que a cidade era "uma extensio da fazenda, do engenho, do curral” e tirava a sua forca do patriarcado e do latifiindio. Também salienta que as proibigdes legais no barravam efetivamente os artesdes, 0s deportados ou os cripto-judeus de servirem como funcionérios municipais. Numa sociedade limitrofe, que ligava seus destinos a escravatura e a expedicdes exploradoras, o simples conhecimento de Iinguas amerindias podia constituir forte qualificagdo para um cargo publico. Em Salvador, sede do governo-geral e porto maritimo principal de uma préspera zona de cana-de-agiicar, a sociedade urbana era mais diversa e diferenciada. (Azevedo 1955; Schwartz 1969). Nesta cidade os funcionérios da cémara eram recrutados principalmente entre os donos de usinas @ 05 arrendatérios abastados. J4 que 0 pessoal era mudado anualmente, o funcionalismo municipal ndo formava uma “oligarquia autoperpetuante”. Em 1641, foram adicionados 4 cdmara um juiz do povo e dois representantes dos offcios e negécios, com direito a votar em assuntos pertinentes a suas profisses e & vida econdmica da cidade. Esta representacdo popular foi abolida depois que um juiz do povo foi acusado de incitar tumultos de rua em 1710-11. Boxer (1965:72-109) conclui que 0 Conselho Municipal de Salvador, embora controlado pela plantocracia, manifestava-se freqientemente a favor do povo, como quando se opés & Companhia para o Comercio do Brasil, que era monopolista. No Rio, uma comisso de trés representantes do povo (procuradores do povo), eleitos pelos trés “estados”” (nobreza, comércio e indistria), servia como consultora do conselho municipal (Zenha 1948:70). Deffontaines (1938:179) disse em uma ocasio que, se as missdes do clero tivessem prevalecido ‘como o principal instrumento de colonizagdo, o Brasil poderia ter adquirido uma verdadeira rede de aldeias tal como foi dada a Franga pelas antigas paréquias. Da maneira como estavam constitu(dos - "08 niicleos brasileiros e a organizagdo da agricultura de exportacdo eram muito complexos para serem identificados com a agricultura de subsisténcia e as aldeias européias, mas excessivamente simples, para serem identificados com a organizacao urbana da Metropole. Como parcelas do proceso de colonizagdo e elementos complementares dos mercados urbanos da Europa, nao conseguiriam encontrar equilfbrio e complementacao entre si, mas apenas com 0 restante da estrutura da qual faziam parte (Reis Filho 1968:101).”" Em questées de urgéncia politica, administrativa ou militar, as cdmaras podiam se reunir em assembléias e assumir os poderes de um governador ausente, estabelecer um imposto ou organizar 19 a defesa. Algumas camaras chegaram mesmo a manter aliangas mais permanentes. A cooperacao politica, porém, no conseguia evitar de maneira definitiva a fragmentacdo econémica. No Nordeste, a expansdo territorial podia ocorrer tanto na economia do a¢icar, escravista, quanto na economia do gado, de modo quantitativo e segmentado, sem provocar mudancas estruturais que afetassem os custos ou a produtividade (Furtado 1963). Pode-se comparar este processo com o do planalto paulista no século XVII, quando as cidades mais antigas deram origem a novos municfpios. A multiplicago de ndcleos de colonizaco nao atendia as necessidades de desenvolvimento econémico e especializagio das sub-regides, mas as presses que se acumulavam 4 medida que as terras acessiveis por transportes primitivos a partir dos centros mais antigos se tornavam previamente ‘ocupadas — um processo de subnucleacgo acelerado por rixas entre clas e pela emigragdo para escapar 4 retribuigdéo por atos de violéncia (Holanda 1966:88-105) O declinio do poder das cémaras depois do meio do século XVII coincidiu com o desenvolvimento comercial e a centralizagdo real. No noroeste da Europa pode-se, a grosso modo, associar os interesses reais com os da aristocracia rural e considerar o interesse comercial urbano como um desafio ao ancien régime. Esta situagdo, seguramente estereotipada, foi praticamente invertida no Brasil, onde a crescente dependéncia econémica de Portugal em relacdo 4 colénia e, depois de 1660, a queda dos pregos do acticar brasileiro no mercado de Lisboa foram os fatores determinantes, que fizeram com que a patria-mée centralizasse 0 sistema de comércio, introduzindo comboios e companhias fretadas. Estas medidas fizeram com que a coroa se aliasse aos grupos mercantis privilegiados nas cidades maiores e expandiram 0 tamanho e 0 poder das elites urbanas. © néimero de brancos de Salvador e arredores manteve-se fixo em dez ou doze mil durante a primeira metade do século XVII, mas dobrou no fim do século. A cidade, muito mais do que interior agricola, se tornou o centro social e comercial da capitania, e enquanto o aciicar e 0 gado tinham até entéo sido a dnica fonte de riqueza, agora, no século XVIII, as especulacdes financeiras e.0 empréstimo de dinheiro ofereciam lucros atraentes (Russel-Wood 1968:355). Ocorreram levantes sintométicos contra os agentes e aliados do mercantilismo real: a revolta de Barbalho no Rio {1660) contra os impostos abusivos; a revolta de Beckman em Séo Lufs (1684) contra o ‘monopélio da Companhia do Maranhdo; a Guerra dos Mascates (1710-11) por causa dos privilégios que os plantadores de Olinda, oprimidos pelo débito, negavam aos mercadores credores da vizinha Recife. As décadas da corrida do ouro em Minas Gerais depois de 1690 deram a coroa razées e recursos para fortalecer seu controle sobre 0 governo local. Entretanto, as novas medidas ndo lograram um sucesso completo. As autoridades municipais de Salvador do século XVIII “mostravam quase tanta iniciativa e independéncia quanto seus antecessores eleitos mais livremente” (Boxer 1965:75); e os ju/zes de fora, que careciam de autoridade e meios para se oporem aos magnatas rurais (mandées), podiam se aliar com importantes proprietérios de terras (Queiroz 1969:25). A autonomia formal das cémaras, encaminhando-se para uma extingdo final, firma-se depois da Independéncia pela lei de 1828, a respeito das municipalidades (Mourdo 1916). Mas, este eclipsé institucional no fez muito para fortalecer a m&o do governo central em suas relagSes com 05 aristocratas locais — os donos de usinas, os fazendeiros, os magnatas do sertéo. As recentes energias do governo real ndo somente depararam com uma continua resisténcia de base, mas foram também dissipadas pela répida expansdo da rede de colonizacdo. Nos dois primeiros séculos da colonizagao, esta girou em torno de uma série de centros costeiros fracamente interligados. Durante o século XVII, 0s bandeirantes exploraram vastas éreas do continente, mas realizaram pouca coloniza¢éo (Morse 1965). A abertura das minas no século XVIII — primeiro em Minas Gerais, em seguida a oeste, em Mato Grosso e Goiés — provocou uma grande migracdo para © interior, atraiu imigrago de Portugal e, por criar riquezas e mercados internos, acelerou a iterligagdo de regides com produgdes complementares. Segundo Furtado (1963:81), que estima em cem mil o ndmero de habitantes de origem européia no Brasil em 1700, havia 300 000 imigrantes no século XVIII, némero igual ou maior do que o nimero dos que foram para a América espanhola durante todo 0 perfodo colonial. A expansio da colonizacao e dos sistemas informais de ordem rural no século XVII desafiavam os esforgos de centralizagéo do governo. Os ordenancas (guardas territoriais ou domésticos), cujos comandantes estabeleciam ligagdo entre os funcionérios da coroa e as paréquias fe pequenas cidades, forneceram os reforgos. Estes capitdes-:mores e mestres do campo eram 20 geralmente os maiores proprietdrios de terras e constitufam os poderosos locais. Além dos deveres militares e policiais, 0s ordenancas prestavam grande variedade de servicos administrativos, recolhiam informagdes em seus distritos, ajudavam a introduzir inovacdes agricolas e forneciam ligagdes para ‘comunicado (Alden 1968:443). O viajante Saint-Hilaire ficou maravilhado com a ubiqiidade e desenvoltura dos capitaes-mores, que 0 hospedaram, forneceram-Ihe ordenancas e alertaram as jurisdigdes adjacentes de sua chegada. O capitdo-mor de Curitiba determinou quanto os fazendeiros deveriam plantar, exigiu que melhorassem a preparacdo do mate e introduziu novas culturas. Em Minas, os capitaes-mores indicavam os comandantes das aldeias, que tinham poderes semelhantes ao de prefeito. vice-rei Lavradio & considerado a primeira autoridade a ter reconhecido inteiramente o potencial da milicia, Em 1779 ele atentou para a crescente massa dos mesticos da colénia, indisciplinados e sem escolarizagao, entendendo os ordenangas como instrumentos para dividir os habitantes em grupos pequenos e subordind-los a Ifderes qualificados. Caio Prado Junior (1967:379) acha razodvel afirmar que os ordenangas tornaram possivel a manuten¢do da lei e da ordem no vasto territério, com sua populacao esparsa e escassez de autoridades adequadas. Concentradas nas capitais e cidades maiores, as autoridades ndo tinham outros meios de controle e supervisio. sistema de milfcia no era imposto unilateralmente, mas negociado entre a autoridade central e local. Os comandantes das milicias, escolhidos entre listas apresentadas pelas cdmaras, constituiam fonte independente de autoridade e organizagao. A extensio do sistema tinha o efeito de imprimir autoridade pUblica as estruturas de comando privado, nas méos dos plantadores e magnatas. A centralizacio caminhava lado a lado com @ delegacao de autoridade. A tenséo inicial entre as prerrogativas formais dos governos municipal e central foi resolvida com a acomodacio de ambos aos sistemas “‘naturais” de autoridade, que intervieram entre eles e serviram de armadura para as cémaras. O caso brasileiro, como foi esbocado neste trabalho, também se aplica 4 América espanhola. Temos em mente que, enquanto as cidades podem ser vistas como agentes impositivos de colonizagéo, administragéo e mudanca econdmica, o fenémeno urbano em seus termos mais amplos também deve ser analisado enquanto ligado aos processos sécio-polfticos da sociedade em geral e por eles condicionado. Nesta perspectiva, freqiientemente desaparece a linha entre “urbano’’ e “rural” 3. Desenvolvimento urbano e transi¢go para a nacionalidade* © periodo compreendido entre 1750 e 1920 é bastante conveniente para 0 estudo do desenvolvimento urbano na América Latina, Até meados do século XVIII, as estatisticas populacionais disponiveis em fontes impressas eram raras e imprecisas, e se referiam mais a0 nmero de chefes de familia do que ao de pessoas em geral. Além disso, as grandes oscilacdes nas estimativas correntes, a respeito das populagdes regionais dos séculos XVI e XVII, tornam probleméticas as taxas relativas de urbanizacdo, mesmo quando se possui bons dados referentes 4s cidades. Por ora, a escala funcional dos lugares urbanos proposta por Hardoy e Aranovich (1970), que néo é puramente quantitativa, parece constituir o indice mais adequado para os perfodos de Habsburg e inicio dos Bourbon. Depois de 1920, quando os recenseamentos nacionais mais freqiientes e modernos facilitam a coleta de dados, tem infcio na América Latina uma nova era de desenvolvimento urbano, marcada por nacionalismo econémico, participacao politica mais ampla, planejamento econdmico centralizado, substituicdo de importagSes, ascensio politico-econdmica dos Estados Unidos e migragdes internas em massa. No perfodo que nos propomos estudar, hé trés tendéncias ou ocorréncias que, particularmente, devem ser relacionadas com a urbanizagdo: crescimento econdmico e demogréfico no fim do perfodo Bourbon®; independéncia nacional; e, no fim do século XIX, a tendéncia a incrementar as exportagées, os investimentos estrangeiros e a unificago nacional. Em meados do século XVIII, a populacdo total da América Latina, que hd cem anos ou mi girava em torno de dez ou doze milhdes, comecou a elevar-se até atingir 22-23 milhdes de habitantes na época da independéncia. Este grande salto jé era parte de uma grande elevaggo na a

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