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Sem pressão??

Que a violência é uma realidade cada vez mais freqüente e visível, todos sabem. Mas
tenho certeza que muita gente acha que está muito longe dela. Pois eu era uma delas.
Essa idéia se dissolveu na noite da última quarta-feira do mês de novembro, quando
quase entrei, ou vi minha prima entrar, para a estatística das vítimas de bala perdida.

Linha vermelha, sentido baixada fluminense, 22h15, e lá estávamos nós. Tínhamos


acabado de ter momentos divertidos, ao assistir uma peça de teatro, conversávamos,
ríamos, e, de repente: “POWWWW!!!!”... vidro estilhaçado e no centro um buraco que
tinha o diâmetro de uma bola de gude. Mas estava longe de ser um inocente
brinquedo de criança. Nada disso. Era o formato de um objeto que, infelizmente, está
virando brinquedo de gente grande.

Mas o objeto não foi identificado na hora. Assustadas, atônitas, quase em pânico,
tivemos – principalmente ela, que dirigia o carro – o sangue frio de acelerarmos e nos
dirigirmos a duas viaturas policias mais à frente. O caminho foi de pura apreensão por
dois motivos óbvios: procurar algum machucado em nós duas, e o pior deles, achar a
bala. Sim, até então não tínhamos idéia de onde estava, sabíamos apenas onde tinha
entrado no carro, mas não qual teria sido seu destino final. “Será que a atingiu? Será
que me atingiu? Será que quando somos atingidos por uma bala, nós sentimos na
hora?”. O desespero e a aflição se mantiveram até o momento em que encontramos
os policiais.

Saí do carro e corri ao encontro deles. “Boa noite. Nosso carro foi atingido por alguma
coisa e não sabemos o que é, não conseguimos identificar”, falei, com uma voz que
nunca esteve tão tremula. Logo eles viram o buraco e bradaram: “Foi tiro!”. Nesse
momento a adrenalina, que já estava nas alturas, chegou ao ápice. Quando abriram a
porta da minha prima, lá estava ela. Não, não minha prima, e sim, a bala. “É de fuzil!
Sim, é fuzil, com certeza”, disse um deles. “Mas estava sem pressão, veio de longe”,
afirmou o colega do lado.

Por fim, eles falaram que a bala chegou sem força e, quando houve o impacto no
vidro, ela simplesmente caiu sobre o banco. Jamais tinha ouvido falar sobre essa falta
de poder de uma bala, mas nunca fiquei tão feliz por estar assimilando um novo
conhecimento. Afinal de contas, se ela estivesse a toda força seria muito difícil estar
aqui conta essa história hoje. Mas, a pergunta que fica é: “Sem pressão??”. Esta bala
pode ter perdido o vigor na sua trajetória – e definitivamente agradeço todos os dias
por isso -, mas garanto que a vida de todos está constantemente sob pressão por
estarmos à mercê dessa realidade triste, cruel e cada vez mais longe de ser
solucionada.

Cidadã Indignada

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