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Urdidura de Sonhos e Assombros: Poemas

Escolhidos (2003-2007), de Marcos Freitas

APRESENTAÇÃO

Marcos Freiras chega, precocemente, à primeira antologia de poemas (2003-


2007), num percurso de produção intensa e constante. Engenheiro como o
nosso Joaquim Cardoso (calculista das obras de Niemeyer, na mesma Brasília
em que agora, no ano de seu cinquentenário de fundação, vive Marcos
Freitas). Cientista e poeta, uma combinação que vem das origens da poesia,
quando o verso era também o curso e o discurso do saber científico, da
poiesofia, da techné. Também o grande João Cabral de Melo Neto reclamava
ser a poesia um exercício de engenharia, de engenho e arte. Marcos Freitas
também é nordestino e atua na criação poética com suor e destreza, como
queria o modernista Cassiano Ricardo:

POÉTICA

1
Que é a Poesia?

uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.

Que é o Poeta?

um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.

(De Jeremias Sem-Chorar. São Paulo: José Olympio, 1964)

Marcos Freitas, no entanto, é um poeta lírico, mas também tem raízes sociais,
e em versilibrismo avança no domínio de sua técnica, reconhecendo "um
poema / tão denso e pequeno / que não cabe em si", que é o desafio. Síntese,
amálgama, fusão de idéias e sentidos, e — por que não? — de mementos e
sentimentos.

Poesia como um exercício de vida. Poesia e vida: "em letras garrafais/ te


sinto/ e / te desejo/ como a uma botelha de absinto." Botelha, com origem
no francês (bouteille), mas em português seleto, como o próprio absinto que o
poeta evoca. Poesia é também estas coisas que vem das coisas, mas que são
outras coisas, coisas que só existem na poesia, e que o leitor também aprecia,
no caso, da própria garrafa-poema lançada ao universo.

Não é um poeta narcisista e ensimesmado. É um poeta da noite, das relações,


dos acasalamentos. "Um jeito meio assim", casual, jovem, de um propósito
construído na circunstância. Tátil. Verso solto, que é contido, mas também
desprendido e sutil, que é um registro sensorial e ao mesmo tempo mental,
recursivo, pois o poeta sempre volta à solidão e ao espelho. Os tais
"momentos-intantes" de que nos fala Marcos em um de seus poemas.

Nordestino desterrado, levado a terras distantes. A outras línguas e


experiências, guarda um tanto a aparência de um passado que ele mantém
vivo —não apenas porque conserva a vasta cabeleira dos rebeldes, mas por
manter uma dialética questão com o tempo: "o tempo passado,/ passado sem
os meus. /o tempo futuro/ futuro para os seus?", diz no poema da
Irreversibilidade.

Queiramos ou não, a poesia nos remete sempre à autobiografia, ao


memorialismo, que não é apenas do poeta, mas sobretudo do leitor, que se
identifica e se reconhece.
FOTO TABOCA

Quem não deixou


sua alma aprisionada
em 3X4
no lambe-lambe
do Seu Chiquinho
na Praça da Bandeira?

A poesia de Marcos flui e reflui. É relicário e é ofertório, como a sua/nossa


Cajuina que é "pura, cristalina/ do Piauí, genuína". Ah, Marcos viveu na
Alemanha, escreve seus poemas em várias línguas, mas tem um retrato
ovalado na parede que ele trouxe do seu Piauí, naquela "difusa fronteira de
tua (dele, nossa) verve fantasia."
De carne e sonho, de beijos e coices de amor, como queria Oswald de
Andrade.

Antonio Miranda

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