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O tratado de Versalhes

Após uma guerra devastadora que se descolou de qualquer tipo de objetivo estratégico
superior que não a vitoria da própria guerra, os países aliados se uniram em Paris, no simbólico
palácio onde Bismarck proclamara a unificação germânica, para estabelecer os termos da paz.
Os diversos interesses antagônicos dificultavam um acordo que satisfizesse a todos.

Woodrow Wilson, presidente norte americano, conseguiu com que seu país saísse de seu
isolamento e, apesar de sua abominação pelo modus operandi das relações internacionais
européias, cruzaram o atlântico motivados pela missão messiânica de disseminar pelo mundo
as instituições e valores norte americanos. No pós-guerra, Wilson propôs uma nova maneira
de entender as interações estatais, não mais baseada no cálculo de força ou na busca de
interesses nacionais egoístas, mas uma nova ordem erigida sobre firmes valores morais. Ele
endereçou às nações uma carta contendo 14 pontos nos quais estavam contidos
subjetivamente os fundamentos deste novo ordenamento, tais como: os povos deveriam se
autodeteminar extinguindo assim a dominância de um povo sobre outro; fim da diplomacia
secreta, fim das barreiras econômicas; desarmamento; liberdade de navegação; e segurança
coletiva. Estes pontos pressupunham que com a ampliação das democracias pelo mundo os
países não mais entrariam em guerra já que a opinião publica empoderada não empreenderia
guerras. Para institucionalizar esse processo deveriam criar uma organização supranacional, a
Liga das Nações. Essa organização deveria ser um fórum de decisão sobre os quais os países
submeteriam suas desavenças sem a necessidade de ir à guerra. Além disso, ela seria o bastião
da defesa dos valores democráticos e de liberdade dos povos e na situação de um ataque ao
sistema uma coalizão dos países zelosos pela paz deveria defender conjuntamente esses
valores.

Essa proposta não agradava a França que foi brutalmente enfraquecida durante o conflito e
buscava o enfraquecimento alemão, pois já percebia que não mais poderia fazer frente à
inevitável ascensão econômico-militar de seu vizinho. Neste sentido, queria a criação de um
estado tampão na região do Reno ou um compromisso de defesa mútua entre os países
aliados. Seu primeiro pedido foi sumariamente rejeitado pela delegação americana que
defendia o principio da autodeterminação dos povos. A idéia de uma aliança permanente para
fins abstratos era inconcebível para as diplomacias anglo-americanas e apesar de terem
aceitado esse compromisso durante a convenção não ratificaram internamente o acordo. A
preocupação francesa era bastante plausível, pois com independência polonesa a Rússia ficaria
impedida de atacar diretamente a Alemanha em defesa francesa sem desrespeitar a
neutralidade da Polônia, sem dizer que o grande eslavo estava fora do sistema internacional
ocupado com sua própria guerra civil, enquanto a Grã Bretanha e os EUA estavam
geograficamente protegidos do ataque de uma potência hegemônica na Europa continental. O
ônus, portanto, da estabilidade da ordem internacional e de fazer à ascensão e expansão
alemã acabaria caindo nos ombros franceses que vinham perdendo sua proeminência no
cenário europeu desde a unificação alemã.

A Alemanha insatisfeita por não ter conseguido seus objetivos revisionistas na guerra, mais
que estava forte ainda para enfrentar um de seus inimigos ou até mesmo dois deles
combinados, percebia a convenção de paz como um processo de humilhação absurdo.
Paradoxalmente ao objetivo dos aliados de sobrepujar a força alemã eles conseguiram colocá-
la em uma posição geopolítica virtualmente mais favorável do que no início da guerra. Os
fracos e recém criados estados tampão seu redor não apresentavam ameaça ou obstáculo à
sua expansão enquanto a França enfraquecida não configurava um inimigo a altura.

Com uma paz de reconciliação impossibilitada pelas altas punições impostas à Alemanha que,
no entanto não foram suficientes para garantir sua não recuperação o que se conseguiu gerar
foi um grande ressentimento no povo germânico que culminaria em uma nova busca pela
revisão do mapa europeu na segunda guerra. Ao ter que combinar a adoção de valores
“universais” às expectativas por reparações e por espólios territoriais a convenção de Paris
acabou por gerar uma paz ruim talvez ainda pior do que a guerra, na qual a política de
desarmamento era desrespeitada pela Alemanha. Os valores propostos pela Liga das Nações
não incentivavam a sua efetiva realização e a idéia de basear o trato internacional na defesa
pura de valores e na resolução eminentemente jurídica dos conflitos era extremamente
estranha à tradição diplomática européia.

Ao excluídos da ordem internacional, Rússia e Alemanha, os dois maiores países europeus


passaram a minar o tratado de Versalhes e após a convenção de Genova o fizeram de modo
conjunto. A inevitável aliança dos improváveis regimes diametralmente distintos se deu por
sua busca desesperada por fugir do isolamento infligido pelos aliados, que pagavam o preço de
não repetir os preceitos do congresso de Viena que incluiu a derrotada, mas ainda poderosa
França.

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