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Ano III nº5 Jul.

Dez 2004 ISSN 1678-1252

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Ano III nº5 Jul.Dez 2004 ISSN 1678-1252
Editorial
A mudança como vetor de desenvolvimento.
Este é o novo paradigma que começa a permear o
Diretoria momento atual da SETREM.
Presidente A transição de 2004 para 2005 trouxe muito
Ademar Eichelberger mais do que uma mudança de calendário, traz na
Vice-presidente essência uma grande mudança na liderança na
Ronaldo Wendland instituição. Mudança que virá carregada de
1º secretário novas concepções de dirigentes e de um novo
Lori Lauer Cecatto tempo na Instituição.
2º secretário
Se por um lado a mudança gera insegurança,
instabilidade, dúvida, por outra, traz novas
Luiz Pereira
perspectivas que podem incrementar uma nova
1º tesoureiro
energia para a continuidade do desenvolvimento
Waldemar Blum
da instituição.
2º tesoureiro
Cada tempo tem a característica e a visão de
Franz Roedel
lideranças e participantes que o constroem. Por
isto, cada tempo é diferente do anterior ou do
Direção posterior. Neste sentido ninguém substitui
Diretor Geral ninguém, mas imprime uma característica própria
Seno Leonhardt de valores, de visão, de paradigmas e de
Vice-diretor Ensino Superior estratégias. Embasadas fortemente numa
Paulo Renato Aires história única de vida e relações com pessoas e
Vice-diretora Ensino Ensino Médio instituições.
Zenaide Tesche Heimerdinger Portanto, se uma mudança gera
Coordenadora Administrativa preocupações, por outro, rejuvenesce as
Quedi Sônia Schmidt instituições, criando espaço para novos
pensamentos, novas iniciativas e novos projetos.
É a esperança de continuar crescendo.
Comissão Editorial: Adalberto Lovato, O ano de 2005 terá esta característica, da
Cláudia Viegas, Gilberto Caramão, Maria transição madura, da implantação de um novo
Cristina Pansera de Araújo, Liliana Ferreira, sistema gerencial, da esperança dos valores
Mário Luiz Evangelista, Vera Lúcia Lorenset profissionais esquecidos e projetos relegados.
Benedetti, Cristiano Antonelli da Veiga, Jorge Mas este ano também será o da precaução,
Antônio Rambo, Roque Ismael da Costa do controle e da otimização. Se a região vive a
Gullich, Martinho Kelm, Luciano Zamberlam. pior crise agrícola de todos os tempos, por outro
lado terá a grande oportunidade de refletir sobre
Conselho Editorial: Adalberto Lovato, o seu modelo de desenvolvimento e criar
Cláudia Viegas, Gilberto Caramão, Liliana mecanismos mais sólidos e justos para todos os
Ferreira, Mário Luiz Evangelista, Roque Ismael cidadãos.
da Costa Gullich, Valmir Heckler, Vera Lúcia É neste contexto que se apresenta a primeira
Lorenset Benedetti. edição da REVISTA SETREM DE 2005, com um
conjunto de artigos das grandes áreas de atuação
Editoração e Capa: Carlos M. T. Borges da instituição, desenvolvidos por profissionais
Revisão: Carla Matzembacher especializados nas áreas referenciadas.
Ano III nº5 Jul.Dez 2004 ISSN 1678-1252
Revista SETREM: revista de ensino e pesquisa/Sociedade Seno Leonhardt
Educacional Três de Maio Diretor Geral SETREM
Três de Maio: Editora SETREM.
N° 5 V.1 Jul/Dez/2004
Publicação Semestral
Sumário

Administração
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum
04
ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA
SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista
12
O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO
ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista
19
Educação
A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: ANTAGONISMOS E FABRICAÇÕES
Cristiana Callai de Souza1
27
Informática
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO
NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti
31
Saúde
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo
37
ESTABELECER AS BASES PARA O PROJETO DE UM
EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA
EM INCINERADORES DE RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Vilson Bernardo Stollmeier
46
ÍNDICES E CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES DO
TRABALHO REGISTRADOS NO INSS DE TRÊS DE MAIO
Marli de Fátima Pereira Meurer - Jacira Bombardelli - Clélia Bogorni - Márcia Filipin - Cristiano
Henrique Antonelli da Veiga
57
IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) :
PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
Roque Ismael da Costa Güillich - Paulo Fábio Pereira - Gilberto Souto Caramão 63

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


03
Administração

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ADMINISTRADOR
NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum1
Alajuiara dos Reis Brum2

Resumo 1. INTRODUÇÃO
Em 11 de janeiro de 2003
O presente estudo tem por objetivo realizar algumas observações sobre a entrou em vigor o novo Código Civil
responsabilidade civil do administrador frente à lei nº10.406/02. Com esse intuito, Brasileiro, originário do Projeto
busca-se trazer à tona inicialmente algumas informações sobre o Novo Código Civil
para depois informar o gênero e as espécies societárias. Em continuidade, trata de
nº634-C/75 que, desde a década
algumas considerações sobre a responsabilidade civil para depois entrar no assunto de 70, vinha sendo revisado e
específico da responsabilidade do administrador, principalmente na sociedade debatido e, após vinte e sete anos
limitada.
Palavras-chave: Responsabilidade civil Administrador Novo Código Civil de tramitação, foi aprovado pelo
Congresso Nacional, resultando
em 2.046 dispositivos que tratam
Abstract dos mais variados aspectos da vida
civil dos brasileiros.

The present study has for objective to accomplish some observations about the O presente artigo objetiva
civil responsibility of the administrator face to the law nº10.406/02. With this purpose, it
searches to bring to light initially some information about the New Civil Code, to later informar algumas alterações que
inform the gender and the society species. In continuity, it deals with some surgiram com o Livro II1 da Parte
considerations on the civil responsibility, to later get into the specific subject of the
responsibility of the administrator, mandy in the limited society.
Especial do Novo Código Civil, e
Keywords: Civil responsibility - Administrator - New Civil Code que vem produzindo significativas
mudanças nos procedimentos
empresariais do país.
Especificamente, será abordada a
responsabilidade do administrador
frente à nova legislação civil.

Antes de adentrar ao tema


específico, é importante dizer que a
atividade empresarial na
atualidade é concebida dentro de
uma nova esfera global, com
valores muito diferentes daqueles
previstos no primeiro Código Civil
Brasileiro (1916); esse, inspirado
nos princípios do Código
Napoleônico (1804). Hoje, as
1 - Advogado, Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS e
professor da Faculdade Três de Maio – SETREM. E-mail: blum@abinet.com.br
2 - Advogada. 1 - O livro II do Novo Código Civil trata do “Direito
de Empresa”.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

atividades do empresário e do administrador brasileiro posteriormente sancionado pelo Presidente da


têm relação direta com valores e direitos que foram República, no último dia 10/01/2002. Pode parecer
um período de tramitação demasiado longo. Não
surgindo ao longo da história. A concepção moderna da
para um Código! Nenhum Código se faz do dia para
atividade empresarial está ajustada dentro de noite. O da Prússia levou 48 anos para ser
parâmetros de responsabilidade social que englobam a promulgado. O da Áustria 58 anos. O único código
preocupação com a ética, o meio ambiente, o que foi concluído rapidamente, isto por razões
consumidor, as ordens tributária e econômica, o históricas muito específicas, foi o CODE CIVIL
sistema financeiro, as propriedades intelectual e francês, o chamado Código Napoleônico, que do
primeiro esboço até a promulgação pelo legislativo
industrial, a livre concorrência e, também, as questões
levou apenas 04 anos. Daí podermos,
trabalhistas. tranqüilamente, concluir que o novo Código Civil
não está defasado como alguns propagam”.
Nessa linha, bem salienta COMPARATO: (FIUZA, 2003).
"A instituição do Estado social impôs, no entanto,
duas conseqüências jurídicas da maior importância Atualizado ou não, o Novo Código Civil está
para a organização das empresas. De um lado, o regulando as relações sociais e empresariais e tem de
exercício da atividade empresarial já não se funda
ser obedecido por todos.
na propriedade dos meios de produção, mas na
qualidade dos objetivos visados pelo agente; sendo
que a ordem jurídica assina aos particulares e, A primeira parte do Código Comercial (Lei nº556,
especialmente, aos empresários, a realização de 25 de junho de 1850), que tratava do “Comércio em
obrigatória de objetivos sociais, definidos na Geral” foi revogada, passando a matéria sobre
Constituição". (COMPARATO, 1983, p.296). sociedades a fazer parte do novo diploma legal. O livro
dedicado ao Direito de Empresa, reserva 129
O caráter social da atividade empresarial pode
dispositivos sobre o tema, onde aborda a
ser reforçado pela transcrição do artigo 154 da Lei
caracterização do empresário, os diferentes tipos de
nº6.404 de 1976, Lei das Sociedades Anônimas ou por
sociedades, nome social, objeto, registro de sociedade,
Ações, que dispõe: “o administrador deve exercer as
administração, etc.
atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para
lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas
A responsabilidade do Administrador,
as exigências do bem público e da função social da
principalmente da sociedade limitada, está
empresa”.
contemplada nos artigos 1060 a 1065 do Novo Código
Civil. Deve ser observado que os deveres e
Dessa forma, a empresa congrega atribuições
responsabilidades dos administradores de sociedades
dentro de um sistema em que gravitam direitos e
anônimas continuam regidos pela Lei 6.404/76, que
responsabilidades àquele que assume o controle
sofreu alterações em alguns artigos devido à edição da
administrativo, visando a concretização eficiente de
Lei 10.303/01.
sua atividade no mercado e sua contribuição para o
desenvolvimento econômico e social do país.
3. GÊNEROS E ESPÉCIES SOCIETÁRIAS
2. O NOVO CÓDIGO CIVIL E O “DIREITO
A sociedade se constitui através de um contrato
DE EMPRESA”
entre duas ou mais pessoas que se obrigam a combinar
esforços ou recursos para atingir fins comuns. Uma das
A Lei nº10.406 foi promulgada na data de 10 de
características que as diferencia é a forma de
janeiro de 2002 e colocou em vigência em 11 de janeiro
responsabilidade de seus sócios pois, conforme o tipo
de 2003, o Novo Código Civil. O novo regramento
de sociedade, respondem eles ou não com seus bens
trouxe muitas inovações ao direito brasileiro,
particulares pelas obrigações sociais. (FÜHRER, 2003,
inobstante o Conselho Federal da OAB e alguns
p. 34).
juristas como, por exemplo, Rolf Madaleno,
entenderem que ele já nasceu defasado.
Nos termos do novo Código Civil, considera-se
empresária a sociedade que tem por objeto o exercício
Sobre essa discussão, o relator do Projeto afirma:
de atividade própria de empresário sujeito a registro e
“O projeto de lei nº 634 que institui o novo Código simples, as demais.
Civil foi enviado à Câmara dos Deputados pelo
Poder Executivo em 1975, vindo a ser aprovado e As sociedades se dividem em sociedades não
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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

personificadas (sem personalidade jurídica) e também há sociedades não empresárias com


sociedades personificadas (adquirem personalidade escopo lucrativo, tais as sociedades de advogados,
as rurais sem registro na junta, etc.
jurídica própria, distinta da dos sócios).
O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa
jurídica de direito privado não-estatal como
As não-personificadas se dividem em: Sociedade sociedade simples ou empresária será o modo de
em Comum (sociedade irregular ou de fato, ou ainda explorar seu objeto. O objeto social explorado sem
em formação; art. 990 CC) e a Sociedade em Conta de empresarialidade (isto é, sem profissionalmente
Participação (possui um sócio oculto e um sócio organizar os fatores de produção) confere à
sociedade o caráter de simples, enquanto a
ostensivo; art. 991 CC).
exploração empresarial do objeto social
caracterizará a sociedade como empresária”.
As sociedades personificadas se dividem em (ULHOA COELHO, 2003, p.110-111).
dois gêneros:
Logo, a identificação de uma sociedade
a) Sociedades Simples - que equivalem às empresária pode ser facilmente feita por um conceito
sociedades civis do antigo Código Civil e que deverão negativo, pois aquilo que não fizer parte do rol das
ser registradas no Cartório de Registro de Pessoas sociedades simples será considerado sociedade
Jurídicas; enquadram-se nessa situação as empresária. É muito importante a distinção do gênero
cooperativas que, por exceção, devem societário, pois a partir dele é que se fixará o regime
necessariamente ser registradas na Junta Comercial. jurídico a que irá se submeter.

b) Sociedades Empresárias - que deverão ser 4. BREVES COMENTÁRIOS SOBRE


registradas na Junta Comercial e se constituem por um
RESPONSABILIDADE CIVIL
dos tipos regulados nos artigos 1.039 a 1.092 e são as
que exercem atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços; inclui Com o Novo Código Civil em vigor e os contratos
a indústria, o comércio e a prestação de serviços, sociais de sociedades sendo revisados, a
podendo também abranger a atividade rural (arts. 966 e responsabilidade dos administradores foi ampliada,
971 CC). gerando muitas dúvidas e insegurança às empresas
que se enquadram nos diferentes tipos societários da
DINIZ (2002, p. 584) leciona que a sociedade legislação brasileira.
empresária é aquela que visa ao lucro, mediante
exercício de atividade econômica organizada exercida Em primeiro plano, é importante fixar que a
por empresário, sujeito a registro, com o escopo de sociedade é uma pessoa jurídica que, para contrair
obter a produção ou circulação de bens ou de serviços. obrigações em nome e por conta da sociedade, precisa
As suas espécies podem ser: sociedade em nome ser representada, isso se dá através do administrador
coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade que recebe poderes formais conferidos pelo contrato
em comandita por ações, sociedade limitada e social ou por outro instrumento, para agir no interesse
sociedade anônima ou por ações. Refere, ainda, da sociedade e atingir o objetivo social.
DINIZ (2002) que a sociedade será simples se não
exercer atividade econômica, técnica e organizada, A pessoa jurídica, ao realizar suas atividades,
mesmo que venha a adotar quaisquer das formas assume compromissos e pode incorrer em
empresárias, como permite o artigo 983, 2º parte, do responsabilidades por atos e omissões de seus
Código Civil, exceto se for por ações que, por força de administradores. O Código Civil consubstancia a partir
lei, será sempre empresária. do artigo 1.022 a responsabilidade dos sócios perante
a própria sociedade e perante terceiros.
Sobre o tema leciona ULHOA COELHO:
No sistema de responsabilidade civil adotado
“A distinção entre sociedade simples e empresária pelo ordenamento brasileiro coexistem a
não reside, como se poderia pensar, no intuito responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, e a
lucrativo. Embora seja da essência de qualquer objetiva, fundamentada no risco. A regra geral, porém,
sociedade empresária a persecução de lucros -
é que o dever de ressarcimento de danos pela prática
inexiste pessoa jurídica dessa categoria com fins
filantrópicos ou pios - este é um critério insuficiente de atos ilícitos, fundamenta-se na culpa, na
para destacá-la da sociedade simples. Isto porque responsabilidade ou na censurabilidade da conduta do

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

agente. alegação, por parte do administrador, de


desconhecimento das normas legais e estatutárias.
Responderá ele por excesso ou abuso de poder,
VENOSA afirma que a responsabilidade objetiva
sendo dispensável a prova de culpa do
não pode ser a regra geral, mas quem dirá isso será o administrador, presumindo-se esta em face da
Poder Judiciário: natureza da infração”.(PAES, 2003, p. 301)
“A teoria da responsabilidade objetiva não pode,
portanto, ser admitida como regra geral, mas
A teoria da responsabilidade civil tem suas
somente nos casos contemplados em lei ou sob o
do novo aspecto enfocado pelo novo código. origens históricas no princípio do neminem laedere,
Levemos em conta, por outro lado, que a que na tradução de SANSEVERINO (2002, p.202)
responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na justifica-se em “toda pessoa tem o dever geral de
jurisprudência. A cada momento estão sendo cuidado ao se conduzir na vida social de modo a não
criadas novas teses jurídicas como decorrência causar prejuízos a outrem”. A violação desse dever
das necessidades sociais. Os novos trabalhos
enseja o nascimento da obrigação de indenizar os
doutrinários da nova geração de juristas europeus
são prova cabal dessa afirmação. A admissão danos causados, sendo uma imposição, portanto, da
expressa da indenização por dano moral na própria natureza das coisas.
Constituição de 1988 é tema que alargou os
decisórios, o que sobreleva a importância da TASCA (2000, p.29) citando Maria Helena Diniz,
constante consulta à jurisprudência nesse tema, refere que a responsabilidade civil é um dos temas
sobretudo do Superior Tribunal de Justiça,
mais palpitantes e problemáticos da atualidade
encarregado de uniformizar a aplicação das leis.
Desse modo, também em relação à definição da jurídica, face à sua surpreendente expansão no direito
responsabilidade objetiva no caso concreto, há que moderno, bem como seus inúmeros reflexos nas
se aguardar o rumo dos julgados nos próximos atividades humanas e no prodigioso avanço
a n o s . ” ( V E N O S A , 2 0 0 4 ) . tecnológico.

Em atenção, portanto, à mudança de visão no


A responsabilidade civil está prevista
direito brasileiro, torna-se importante analisar o efeito
basicamente nos artigos 186, 187 e 927 do Novo
do Novo Código Civil no tocante à responsabilidade
Código, que dispõe que haverá obrigação de reparar o
dos administradores.
dano, independentemente de culpa, nos casos
específicos previstos em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, 5. RESPONSABILIDADE E LIMITE DE
por sua natureza, risco para os direitos de outrem ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES
(obrigatoriedade do fornecedor de bens e serviços de
alertar o consumidor para os riscos envolvidos na É importante que empresários e profissionais do
atividade prestada). E que aquele que por ação ou direito atentem para as novidades sobre o Direito de
omissão voluntária, negligência, imprudência, violar Empresa, principalmente para que possam se proteger
direitos e causar dano a outrem, ainda que dos riscos que envolvem a atividade empresarial nos
exclusivamente moral, comete ato ilícito. dias de hoje, com reflexos sobre bens pessoais,
evitando a desconsideração da pessoa jurídica e
Sobre o ato ilícito, a doutrina e a legislação também infrações na área penal.
asseguram de que é aquele praticado em desacordo
com a ordem jurídica, violando direito individual. Seus DINIZ (2003, pg. 602) assegura que o poder de
elementos essenciais são o fato lesivo voluntário, administração da sociedade se dá através da
causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, nomeação de um administrador, a quem se delegam os
negligência ou imprudência, ocorrência de um dano poderes de administração através de cláusula
patrimonial ou moral e o nexo de causalidade entre o contratual ou em ato posterior. O investido na gerência
dano e o comportamento do agente. A conseqüência poderá praticar todos os atos que não excederem os
jurídica do ato ilícito é a obrigação de indenizar. limites normais da administração (p. ex., pagar dívidas,
movimentar somas, cobrar devedores, receber ou dar
É importante que se diga que não é possível o quitação, admitir empregado, locar, etc), até mesmo
administrador alegar o desconhecimento da lei como sem autorização dos demais sócios, desde que não
forma de se livrar de sua responsabilidade, conforme proceda dolosamente, visto que deverá no exercício de
PAES: suas funções ter todo o cuidado e diligência que
“Ademais, não se admite como desculpas a
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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

qualquer pessoa proba e ativa costuma empregar ao Se o administrador for nomeado em ato posterior
administrar seus próprios negócios. ao contrato social, em instrumento em separado do
pacto social, esse ato de nomeação deverá ser
A empresa não tem agir próprio, nem o averbado à margem da inscrição da sociedade. E, se
empresário pode atuar em nome dela na prática de atos antes dessa averbação o administrador vier a efetivar
que não contemplam o seu objetivo. Daí depender de negócios, responderá por eles pessoal e
órgãos que agem (agentes) sob o nome empresarial e, solidariamente com a sociedade. Para DINIZ (2003, p.
dessa forma, possibilitam a criação de obrigações a 605), os administradores respondem solidariamente
serem suportadas pela empresa, por intermédio de seu perante a sociedade e terceiros pelos prejuízos que
patrimônio (o estabelecimento, imóveis, numerário culposamente lhe causarem com o proceder no
disponível e outros bens patrimoniais). exercício de suas atribuições ou funções. E, se o
administrador, sem autorização escrita dos sócios, fizer
Dessa forma, a sociedade é constituída de vários aplicações de créditos ou de bens sociais em benefício
órgãos que permitem sua presença no mundo exterior próprio ou de terceiros, deverá devolvê-los à
e que executam a vontade da pessoa jurídica. Para sociedade, ou, se impossível for a restituição in natura,
REQUIÃO (1995, p.312) são esses órgãos, pagar o equivalente, com todos os lucros obtidos e,
exemplificativamente: a assembléia geral como órgão ainda, uma indenização pelas perdas e danos, se
de deliberação e da vontade; o conselho fiscal, como ocorrerem prejuízos.
órgão de controle e fiscalização; e o diretor, gerente ou
administrador de qualquer sociedade personificada, Ao administrador também é vedado fazer-se
como órgão de execução da vontade social. substituir no exercício de suas funções, sendo-lhe
facultado, nos limites de seus poderes, constituir
Assim dispõe caput do artigo 1.011 do CC: “O mandatários da sociedade, especificados no
administrador da sociedade deverá ter, no exercício de instrumento os atos e operações que poderão praticar.
suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem Nesse caso, trata-se de um mandato especial relativo a
ativo e probo costuma empregar na administração de uma ou mais operações determinadas que exorbitam
seus próprios negócios”. Ao administrador se aplica, os poderes de administração ordinária e que devem ser
conforme o parágrafo segundo do citado artigo, no que expressamente consignados no instrumento, sendo
forem cabíveis, as normas alusivas ao mandato, por ser ineficazes em relação àquele em cujo nome foram
representante da sociedade. Se vier, por exemplo, a praticados se o mandatário não possuir o mandato ou
alienar bens, destituído de poderes para tanto, esse ato não tiver poderes suficientes para praticá-los, salvo se
será anulado, e o adquirente terá direito de exigir o mandante ratificar o negócio realizado por aquele,
perdas e danos contra o administrador que exorbitou conforme dispõe o artigo 662 do Código Civil.
seu mandato, e não contra a sociedade, porque esta
não se obrigou. Enquanto não vencer o prazo avençado no
contrato social, os poderes de administração no qual foi
O sócio administrador, que em regra é indicado investido o administrador são irrevogáveis, exceto se
pelo contrato social, é encarregado da administração advier justa causa, reconhecida judicialmente, a pedido
da sociedade, excluindo com isso a administração dos de qualquer dos sócios. DINIZ (2003, p. 606)
demais, que não poderão interferir na gerência ou exemplifica dois motivos de justa causa: a moléstia
representar a sociedade, embora possam se informar grave prolongada e infração aos deveres legais ou
dos negócios sociais, tendo acesso aos livros e contratuais. Se não houver prazo estipulado,
conhecendo o estado do patrimônio comum. O subentende-se vigente enquanto durar a sociedade,
administrador tem o dever de prestar contas de sua mas se o poder de administração foi outorgado a um
gestão, justificando todas as operações feitas através dos sócios em separado, após o contrato social, será
do inventário e do balanço patrimonial do seu ativo e revogável a qualquer momento, como o de simples
passivo, contendo bens móveis, imóveis, valores mandato. Se o administrador não tiver a qualidade de
recebidos, débitos pagos ou a vencer, os valores de pro sócio, seu poder poderá ser revogado a qualquer
labore, etc. e o dos resultados econômicos, ou lucros tempo, mesmo se investido na administração por
obtidos. E se agir com excesso, assume a obrigação de cláusula contratual.
cumprir o pagamento de dívidas e encargos não
somente com a parte que lhe coube na contrato social,
mas também com os recursos pessoais.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

6. O ADMINISTRADOR DA SOCIEDADE desempenhado com confiança.


LIMITADA
Ao ser investido na função de administrador da
empresa, o gerente também está autorizado, quando a
No caso de sociedade limitada, o próprio contrato lei não exigir poderes especiais, a praticar todos os atos
social, ou em documento separado, deverá conceder a necessários ao exercício dos poderes que lhe foram
administração somente a sócio ou a sócios. Se o outorgados. Competindo-lhe poderes de direção,
contrato permitir, a gerência pode ser entregue a disciplina e controle sobre empregados e bens
terceiros, previamente qualificados. Se por ato em materiais e imateriais que constituem o
separado (extra-contratual), a escolha se dará em estabelecimento comercial. Havendo dois ou mais
reunião ou assembléia geral de quotistas, devidamente gerentes, na falta de estipulação em sentido contrário,
convocada para esse fim. Orienta DINIZ (2003, p. 630) serão solidários nos poderes a eles conferidos. E
que a nomeação deve se dar sobre aqueles que quanto à responsabilidade, o preponente responderá,
realmente contribuíram para a formação do capital juntamente com o gerente, pelos atos que, à sua custa,
social, não sendo conveniente que a gerência ou este vier a praticar em seu próprio nome.
representação da sociedade se dê a quem não seja
titular de quotas. Depois da investidura do Reforçando o que já foi exposto, o administrador
administrador, este deverá requerer que sua da sociedade limitada, ou aquele também denominado
nomeação seja averbada no registro competente de “gerente”, no exercício de suas funções, deverá ser
contendo sua qualificação, o ato, data da nomeação, diligente e probo, ainda mais porque sobre ele também
prazo de gestão e identidade do gerente nomeado. O incide a responsabilidade pelos atos praticados na
término da administração também será averbado no administração da sociedade, seja de forma restrita ao
registro competente. A exigência legal do registro se valor da sua quota (art. 1.052 CC), seja da forma
deve ao fato de que as limitações contidas na outorga ilimitada se houver infringência à lei ou ao contrato
de poderes para serem opostas a terceiros dependem social (arts. 1.010 e 1.080) ou, ainda, solidariamente
do arquivamento e averbação do instrumento junto ao perante a sociedade e terceiros prejudicados, por culpa
Registro Público de Empresas Mercantis ou Civis, no desempenho de suas funções (1.016 e 1070).
salvo se provado que aquelas restrições eram do
conhecimento da pessoa que tratou com o gerente. Há que se diferenciar de forma clara a
responsabilidade do sócio e do administrador. As
Para CLETO (2004) a denominação “gerente” situações possíveis são as seguintes:
utilizada comumente é distinta da função que lhe é a)Com relação ao SÓCIO:
atribuída no artigo 1172: “Considera-se gerente o a1 Sócio quotista apenas, sem participação na
preposto permanente no exercício da empresa, na administração.
sede desta, ou em sucursal, filial ou agência”; sendo a2 Sócio com poderes de administração.
tão somente um preposto permanente, no exercício de b)Com relação ao ADMINISTRADOR:
atividades autorizadas da empresa, pode ser b1 Administrador sem participação societária.
exemplificado como o funcionário que hoje exerce b2 Administrador sócio.
funções como gerente de compras, gerente de vendas,
suprimentos, etc., e que, em geral, realiza as O sócio que não possui atividade administrativa,
transações mercantis. Isso significa que as limitações via de regra, responde civilmente até o limite do seu
de poderes, estando o termo registrado e averbado no capital social. O sócio com poderes de administração
órgão de registro competente, poderão ser opostas a responde com o valor de suas quotas e também com o
terceiros e também nos casos em que se prove que a seu patrimônio pessoal, em caso de agir com
limitação de poderes era conhecida e/ou se tratar de infringência ao ordenamento legal.
operação estranha ao objeto da sociedade. Do
contrário, poderão ser considerados inválidos os atos O administrador que não for sócio, não responde
praticados. subsidiariamente nem supletivamente pelos débitos
contraídos pela sociedade; isso caso não tenha
Na opinião de DINIZ (2003, p. 688), o gerente é o infringido o ordenamento legal. Em caso de atividade
preposto permanente que administra e exerce administrativa em desrespeito às normas legais, os
atividade econômica da empresa, na sede desta, ou bens particulares do administrador poderão ser
em sua sucursal, filial ou agência, sendo um cargo utilizados para reparar o dano ocorrido, seja ele sócio

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


09
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

ou não. essencial para o administrador, pois nela é que serão


discutidas e aprovadas as contas do exercício anterior.
Para que ficasse nítida a responsabilidade do Ademais, “a aprovação, sem reserva, do balanço
administrador, o NCC trouxe algumas inovações: patrimonial e do de resultado econômico, salvo erro,
dentre elas, a necessidade de reunião ou assembléia dolo ou simulação, exonera de responsabilidade os
dos sócios. A reunião ocorre em sociedades com membros da administração e, se houver, os do
menos de 10 sócios, e a assembléia em sociedades conselho fiscal.” Isso significa que a sociedade que não
que ultrapassem esse número. Tal regra está realizar a reunião ou assembléia anual e, portanto, não
estabelecida no art.1072 do NCC: aprovar o balanço patrimonial e o de resultado
econômico, está descumprindo uma obrigação legal,
“Art. 1072. As deliberações dos sócios, obedecido o trazendo à tona a responsabilidade subsidiária e até
disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião
solidária do administrador.
ou em assembléia, conforme previsto no contrato
social, devendo ser convocadas pelos
administradores nos casos previstos em lei ou no É importante ressaltar que a obrigação da
contrato. realização de reunião ou assembléia não vale apenas
§ 1º A deliberação em assembléia será obrigatória para sociedades com mais de 10(dez) sócios, mas sim
se o número dos sócios for superior a dez. para qualquer sociedade limitada, conforme redação
...omissis...”
do art.1071 do NCC:

A reunião ou assembléia é um momento de “Art. 1071. Dependem da deliberação dos sócios,


fundamental importância para o administrador, pois é além de outras matérias indicadas na lei ou no
nesse instante que ele terá oportunidade de cumprir contrato:
algumas de suas obrigações e exonerar-se de algumas I - a aprovação das contas da administração;
responsabilidades. O art.1078 relata com ...Omissis...”
especificidade o objetivo das assembléias:
Portanto, TODAS as sociedades limitadas
“Art. 1078. A assembléia dos sócios deve acontecer devem realizar reunião ou assembléia nos quatro
ao menos uma vez por ano, nos quatro meses meses seguintes ao término do exercício social, onde
seguintes ao término do exercício social, com o terão de apresentar BALANÇO PATRIMONIAL e DE
objetivo de: R E S U LTA D O E C O N Ô M I C O , s o b p e n a d e
I - tomar as contas dos administradores e deliberar
responderem civilmente por essa omissão.
sobre o balanço patrimonial e o de resultado
econômico;
II - designar administradores, quando for o caso; A nova exigência se aplica inclusive aos
III - tratar de qualquer outro assunto constante da administradores das micro-empresas e pequenas
ordem do dia. empresas, enquanto não houver legislação expressa,
§ 1º. Até trinta dias antes da data marcada para a isentando-as desse ônus. Aparentemente, a nova
assembléia, os documentos referidos no inciso I
exigência tem mais cunho político do que jurídico e,
deste artigo devem ser postos, por escrito, e com a
prova do respectivo recebimento, à disposição dos conforme BLUM(2001, p.327), espera-se que o NCC
sócios que não exerçam a administração. concretize uma das características da sociedade
§ 2º Instalada a assembléia, proceder-se-á à leitura moderna, qual seja, a do Direito de aprender com o
dos documentos referidos no parágrafo descrédito de sua própria normatividade, no sentido de
antecedente, os quais serão submetidos, pelo evitar a sua utilização pelo sistema político como mero
presidente, à discussão e votação, nesta não
instrumento de implementações burocráticas. Ao
podendo tomar parte os membros da
administração e, se houver, os do conselho fiscal. administrador diligente, enquanto não mudar a lei,
§ 3º A aprovação, sem reserva, do balanço cabe se prevenir e cumpri-la.
patrimonial e do de resultado econômico, salvo
erro, dolo ou simulação, exonera de
responsabilidade os membros da administração e,
se houver, os do conselho fiscal. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
§ 4º Extingue-se em dois anos o direito de anular a
aprovação a que se refere o parágrafo A introdução do “Direito de Empresa” como uma
antecedente.” parte do Novo Código Civil e a revogação parcial do
Código Comercial de 1850, ocasionaram um grande
Ao fazer uma breve análise do artigo supracitado, avanço na legislação pátria, pois a modificação havida
é possível observar que a assembléia ou reunião é
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADMINISTRADOR NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
Carlos Waldemar Blum - Alajuiara dos Reis Brum

exige uma nova leitura das espécies societárias e


também da forma de agir do administrador. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 8º ed.,
São Paulo: Saraiva, 2002.
As sociedades empresárias e simples não são
mais tão-somente um agrupamento de indivíduos que FIUZA, Ricardo. Um mandato dedicado ao Código
se reúnem para objetivar o lucro, mas sim, reunião de Civil, http/www.intelligentiajuridica.com.br, em
22.03.2004.
pessoas que, além do lucro, devem proporcionar a
concretização da função social da pessoa jurídica. E
FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Direito
esta concretização deve ser possibilitada pelo
Comercial, 30º ed.,São Paulo: Malheiros, 2003.
administrador, sócio ou não, que deve atuar dentro da
economia moderna, objetivando resultados positivos,
PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e Entidades
mas também contribuindo para a melhoria da vida em de Interesse Social, Brasília: Editora Brasília Jurídica,
sociedade. 2003.

Pela primeira vez o Código Civil, em seu REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, São
art.1011, afirma que “O administrador da sociedade Paulo: Saraiva,1995.
deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a
diligência que todo homem ativo e probo costuma SANSEVERINO, Paulo de Tarso. Responsabilidade
empregar na administração de seus próprios Civil do Consumidor e a Defesa do Fornecedor, São
negócios”. Com essa redação, traz à tona a exigência Paulo: Saraiva, 2002.
do cumprimento de uma série de Princípios
estabelecidos em Direito mas, acima de tudo, diz que o TASCA. Flori Antônio. Responsabilidade Civil - Dano
administrador que descumprir esses cuidados em sua extrapatrimonial por abalo de crédito, 2º ed.,
atividade, em caso de culpa ou dolo, responde Curitiba: Juruá, 2000.
integralmente pelos seus atos. Essa é a redação do art.
1016: “Os administradores respondem solidariamente VENOSA, Sílvio Sálvio. A Responsabilidade Civil
Objetiva no NCC, http/www.societario.com.br, em
perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por
17.03.2004.
culpa no desempenho de suas funções”.

O fato do administrador ter de responder


solidariamente já era consagrado em várias decisões
judiciais, mas nunca havia ficado tão claro como agora,
com a aprovação do Novo Código Civil. Trata-se, sem
dúvida, de uma inovação positiva, que obriga a todos
os administradores um maior cuidado e zelo em sua
forma de agir.

REFERÊNCIAS

ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Direito


Comercial Autonomia ou Unificação, São Paulo:
editora Jalovi, 1989.

BLUM, Carlos Waldemar. Observações sobre a


Teoria da Sociedade, in Revista de Pós-Graduação
em Direito, Cruz Alta: Editora UNICRUZ, 2001.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial,


São Paulo: Saraiva, 2003.

COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na


Sociedade Anônima, 3º ed., Rio de Janeiro: Forense,
1983.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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Administração

ESTADO E TERCEIRO SETOR:


PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E
IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista1
Fundação Educacional Macho de Assis - FEMA2
Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI3

1. INTRODUÇÃO

Resumo O surgimento do Terceiro


Setor á ainda é um fenômeno novo
O artigo estabelece as origens do Estado moderno, sua crise de na sociedade contemporânea. O
identidade e a sua inoperância frente aos problemas da sociedade estabelecimento a sua
contemporânea. Neste contexto, levanta-se a sociedade civil através conceituação e de seu papel na
dos movimentos reivindicatórios e de ações assistenciais, que servem sociedade ainda não estão
de berço para o surgimento do Terceiro Setor. Ao lado do Estado e do
instituidos de forma definitiva,
Mercado, o Terceiro Setor vem provocar uma mudança na estrutura
social a partir da participação ativa de seus membros. A parceria entre sendo objeto de estudos
o Estado e o Terceiro Setor se apresenta como estratégia capaz de acadêmicos tanto de cunho jurídico
provocar as mudanças necessárias para a concretização de uma como social.
sociedade mais justa e igualitária.
Palavras-chaves: Estado, Terceiro Setor, Parceria A reflexão que cerca o
Terceiro Setor considera em
primeiro lugar o Estado e seu papel
Abstract dentro da sociedade
contemporânea, procurando
identificar os motivos da
This article establishes the origins of the modern State, its identity emergência de um novo ator social,
crisis and its inoperative front to the problems of the contemporary
ao lado do Estado e do Mercado.
society. In this context the civil society elevates through the movements
claiming and of actions protected, that serve as cradle for the
appearance of the Third Section. Beside the State and the market, the O Terceiro Setor emerge com
Third Section comes to provoke a change in the social structure starting força e se firma com independência
from the active participation of its members. The partnership between para compartir com o Estado e o
the State and the Third Section comes as strategy capable to provoke Mercado o poder e o compromisso
the necessary changes for the materialization of a fairer and com o bem comum. Muito mais que
equalitarian society.
isso, vem exigir que cada um
Key words: State, Third Sector, Partnership
cumpra seu dever para o
estabelecimento de uma
sociedade mais justa e igualitária.
Neste sentido, estabelecer uma
parceria entre estes três atores
1 - Professora da Fundação Educacional Machado de Assis (FEMA), Mestranda em sociais é, sem dúvida, um legado
Desenvolvimento, Direito e Cidadania (UNIJUI), Rua das Rosas 135 Santa Rosa -RS, e-mail
debora@fema.com.br importante do Terceiro Setor.
2 - FEMA- Rua Santos Dumont 920, Santa Rosa- RS, www.fema.com.br
3 - UNIJUI Campus Ijui, Rua do Comércio Bairro Universitário, Ijui-RS. www.unijui.tche.br

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ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista

2. METODOLOGIA de uma nova conjuntura social, resultante


principalmente do fenômeno da globalização que
O artigo é construído a partir de vasta pesquisa estabelece um momento de crise existencial do
bibliográfica sobre o tema pretendido. A partir de textos Estado-nação. De acordo com Farias (1996), essa
publicados em revistas científicas, livros e em sites crise demonstra que os mecanismos sociais,
oficiais da Internet é possível estabelecer uma econômicos e jurídicos existentes não correspondem
abordagem dedutiva sobre o Estado, a Sociedade Civil às reais necessidades da sociedade, tornando-se
e o Terceiro Setor, dentro do cenário brasileiro e latino- inoperantes frente à complexidade e à intensidade dos
americano. De outra ordem metodológica, usou-se, novos conflitos sociais.
também, uma dinâmica histórica para o
estabelecimento de uma linha de raciocínio lógica para Segundo Moraes (2003), o Estado passa por
as deduções auferidas. várias crises interconectadas, denominado-as de crise
conceitual, estrutural, institucional e funcional.

3. O ESTADO A crise conceitual é estabelecida a partir da


redefinição do conceito de soberania que surge por
Estado moderno surge progressivamente a partir exigência da globalização e da conseqüente
do século XIV para substituir a sociedade feudal e interdependência dos Estados. Observa-se que há um
garantir, a partir da filosofia liberal, a dominação política esvaziamento ou ainda, uma transformação do papel
de uma classe social emergente. Sua evolução se da soberania como elemento caracterizador do poder
divide em Estado liberal e Estado Social ou Estado de do Estado tradicional.
Bem-Estar-Social.
A crise estrutural é a crise do modelo de Estado
O Estado Moderno - dito liberal - é oriundo das do Bem-Estar-Social intervencionista que não mais
Revoluções Burguesas dos séculos XVIII e XIX, correspondem às expectativas neoliberais, partindo
estruturando-se a partir do pensamento liberal e, por para um rearranjo das relações intersubjetivas
isso, favorecendo o desenvolvimento do capitalismo. calcadas no consenso democrático e na idéia de viver
Centra-se nos princípios da não intervenção do Estado em comunidade, onde existem benefícios e prejuízos
na economia, na liberdade do indivíduo e na crença da compartilhados ( MORAES, 2003).
auto-regulação espontânea da sociedade. Neste
modelo, segundo Farias (1996), o Estado tem sua A crise institucional é estabelecida pelo jogo de
função limitada ao monopólio da violência física e do tensões e de poderes que envolvem a Constituição
poder judiciário, sendo concebido como garantidor da enquanto documento jurídico-político de um Estado. É
liberdade do indivíduo contra qualquer forma de vital o seu papel como conjunto de regras para o
corporativismo tendo, por isso, a imagem de protetor exercício do jogo democrático, principalmente numa
dos direitos individuais. nova ordem sem limites geográficos e de conteúdos
flexíveis que evolui para o pluralismo jurídico
O Estado Moderno - dito social ou providência - desconstitucionalizante e para uma flexibilização
emerge da Revolução Industrial no final do Século XIX, generalizada do direito. Afirma Moraes (2003), que o
perdurando até 1970. Surgiu da incapacidade de auto- constitucionalismo precisa colocar à disposição da
regulação da sociedade e se caracteriza pela sociedade o que ele tem de melhor, ou seja, a sua
intervenção do Estado em todos os setores com o capacidade de estabelecer parâmetros dentro de
objetivo de promover o crescimento econômico e social bases democráticas para o convívio social.
coletivo.
Por outra via, mas de fundamental importância,
Neste sentido, assevera Corrêa (2003) que a Magalhães (2003), atenta para o fato de que não é o
transformação mais visível ocorrida no Estado- Estado constitucional que está em crise, mas sim os
providência foi a alteração do seu papel, que passa de modelos sócio-econômicos consagrados nos textos
simples regulador do funcionamento do mercado para constitucionais, sendo pacífica a necessidade de
um interventor, assumindo a responsabilidade pela sua regras claras para o convívio social. Contudo, a crise
organização, através da criação e da manutenção de do modelo acaba por ser identificada como crise do
um novo tipo de estrutura capitalista, denominada de próprio Estado constitucional, ameaçando a sua real
capitalismo organizado. existência.
A partir da década de 70, verifica-se a existência
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ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
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Por derradeiro, a crise funcional trata da perda da todos, fazendo surgir de um lado o Estado, e de outro a
exclusividade das funções estatais para os setores Sociedade Civil, ou seja, o que não fosse Estado
privados, marginais, nacionais, locais e até pertenceria automaticamente a Sociedade Civil,
internacionais, demonstrando a fragilidade do Estado conforme Wöhlke (2004).
nas suas diversas expressões que culminam com a
perda da capacidade de resolver, através da lei, os Durante os regimes militares, esta dicotomia
conflitos existentes. ficou ainda mais evidente pela supremacia do Estado-
militar contra os movimentos sociais oriundos da
O grande desafio é recuperar o papel central do Sociedade Civil brasileira em prol de temas sociais
Estado e da política como mecanismo para promoção importantes, como os movimentos pelos direitos das
de intervenções inovadoras na esfera pública, de modo mulheres pela liberdade de expressão, pela saúde
a estabelecer um novo equilíbrio pelo qual um Estado coletiva, pela anistia, pela redemocratização do país
mais enxuto e forte e um mercado eficientemente que teve sua consolidação com o movimento pelas
regulado se complementem reciprocamente no diretas e tantos outros. Entretanto, esses movimentos
contexto global. por si só, não bastavam para garantir uma legitimidade
frente ao poder estatal; por isso, evidenciou-se a
É primordial uma concepção mais radical de necessidade da sua instumentalização através da
democracia a partir da participação ampla e criação de personalidades jurídica, constituindo-se
estruturada por parte de uma sociedade civil como organização detentora de deveres, mas
fortalecida, menos estatizada e burocratizada, mas principalmente de direitos e de reconhecimento
capaz de desempenhar funções públicas e público, de acordo com Wöhlke (2004).
representativas, principalmente em prol dos grupos e
setores mais fracos da sociedade conforme Sunkel Em termos conceituais, a Sociedade Civil
(apud BRESSER PEREIRA, 1999). segundo Houtart (2004), considera três grandes
orientações: uma concepção burguesa de sociedade
Isso não significa a substituição do Estado por civil, uma concepção chamada de “angélica” e uma
outros organismos, mas aponta para uma redefinição concepção popular. A concepção burguesa de
do papel do Estado na sociedade contemporânea que, sociedade civil valoriza-a enquanto estratégia de
dentre outras funções, continuará tendo a de defender classe, sendo o “lugar do desenvolvimento das
a própria estrutura social democrática frente aos potencialidades do individuo e o espaço do exercício
grandes grupos econômicos e financeiros das liberdades” (HOUTART, 2004, p.1), principalmente
internacionais (CASTRO MEIRA, 2003). o da liberdade empresarial considerada como pivô da
sociedade civil. Nesta concepção, a empresa se
articula com as instituições de caráter ideológico e
4. SOCIEDADE CIVIL
então passa a reproduzir um papel social. Ao estado
cabe apenas o estabelecimento de regras jurídicas
É neste contexto, onde o Estado se vê inoperante
para garantir a propriedade privada e o livre exercício
para enfrentar com êxito os problemas sociais oriundos
da atividade empresarial, ou seja, reforçar a sociedade
do modelo de produção capitalista globalizado, que a
civil é favorecer a liberdade da empresa dinamizando
Sociedade Civil passa a atuar como um novo e
os atores sociais empreendedores e reduzindo o lugar
importante ator social, capaz de assumir um papel
do Estado com o objetivo de manter a dominação de
decisivo na complexa relação entre Sociedade, Estado
classes existente.
e Mercado. Neste sentido, a Sociedade Civil se torna
essencial para a democracia contemporânea e
A concepção “angélica” da sociedade civil é
responsável pelas reformas, tanto do Estado como do
composta por organizações geradas a partir dos
mercado, deixando de ser passivamente dominada,
movimentos sociais, pelas ONGs, pelo setor não-
para ser elemento de mudança social.
mercantil da economia, pelas instituições de interesse
comum ou em última análise, pela organização de
Didaticamente, para compor a idéia de
cidadãos de todas as matizes, imbuídas no desejo por
organização da Sociedade Civil, parte-se dos filósofos
uma sociedade mais justa e igualitária. A partir desta
contratualistas que remontam o surgimento da
concepção de sociedade civil os movimentos sociais
sociedade a partir do pacto contratual entre os homens,
denunciam os abusos do sistema, mas não produzem
onde cada um cederia uma parcela da sua liberdade
uma crítica consistente do próprio sistema e, por isso,
em fator de um convívio pacífico e harmonioso ente
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ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
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são facilmente manipuladas pelas ideologias e se esfera privada se encontram as diferenças de cada
esvaem na sua ineficiência. individuo.

Já a concepção popular de sociedade civil Assim, o espaço público é resultado da ação dos
engloba a análise, a leitura da sociedade civil a partir membros da sociedade, encerrado num conceito
das relações sociais, enquanto lugar de desigualdades jurídico e político, não significando simplesmente um
sociais e de instituições que representam interesses de espaço territorial ou geográfico. Para entender este
classes divergentes. No seio da sociedade civil, processo conflituoso, Correa (2002), reconstrói a
multiplicam-se as lutas de grupos sociais por interesses noção de Estado explicando politicamente as
particulares, perdendo-se a noção da luta pelo todo. contradições da sociedade capitalista e propiciando
Essa fragmentação geografia ou setorial favorece aos condições teóricas da estratégia de luta para a
grupos dominantes e a Sociedade Civil acaba por ser construção da cidadania.
forjada pelo mercado que monopoliza o espaço público
através da (FALTA UMA PALAVRA) utilizados dos Desta forma, entende o Estado capitalista como a
Estados que servem de controladores sociais. representação idealizada do espaço público
materializado pelos aparatos repressivos, simbólicos e
Destas três concepções, conclui-se que para econômicos que legitimam e expressam a relação de
Houtart (2004), é o mercado que “manda e desmanda” forças dos poderes sociais. Portanto, o Estado deve ser
no Estado, nos órgãos da ONU e controla a Sociedade visto como uma dimensão simbólica do espaço público,
Civil, mantendo uma forma capitalista de produção. embora muitas vezes não concretizada e sempre
Mas é, sem dúvida, a partir da concepção popular de sujeita à ambivalência da dominação ou da libertação,
Sociedade Civil que é possível estabelecer novas ou seja, “tanto serve de ideologia justificadora do status
relações sociais, tendo em vista a promoção desta quo como de utopia subversiva e emancipatória” (
sociedade civil popular definida como “anti-sistêmica” e CORREA, 2002, p. 222).
capaz de rearticular os domínios da vida coletiva para
uma nova economia, uma nova política e uma nova Assim, o espaço público adquire sentido quando
cultura. se materializa em medidas concretas e/ou políticas
públicas estruturadas a partir da relação de forças dos
É imperioso ressaltar que é a Sociedade Civil poderes em conflito. É reconhecer que embora o
popular que tem o poder de servir de canal condutor da aparelho estatal seja hegemonicamente das classes
esperança de cada membro da sociedade, não se dominantes, não é irrelevante ao segmento dos
esgotando utopicamente, mas servindo de sinalizador excluídos, que de forma organizada se articulam,
da existência dos desejos coletivos, caracterizando-se pressionam e estabelecem um significativo jogo de
pela busca de alternativas para a melhoria da vida compromissos.
como um todo, considerando os interesses locais e
globais. É aqui que se situa a representação idealizada do
espaço público, colocando o homem não apenas como
Na visão de Vieira (2002), a noção de Sociedade sujeito de direito, mas como sujeito político ativo. Esse
Civil transcende a oposição ao mercado e ao Estado, é o avanço pretendido com a re-conceituação do
sendo um espaço diferenciado de ambos, onde impera Estado, conscientizando para o fato de que somente
a solidariedade, aproximando-se da noção anglo- através da compreensão da força deste sujeito
saxônica de terceiro setor. Neste contexto, cabe político, que se consolida a partir da organização dos
analisar o que é efetivamente este espaço público e a movimentos populares emancipatório, será possível
sua estreita e una relação com a cidadania ativa alterar o controle das regras da construção do espaço
propriamente dita. público favorecendo a maioria em detrimento da
minoria hegemônica.
Correa (2002), aponta a necessidade de
estabelecer um nexo fundamental entre a cidadania e o Como acentua Oliveira (2004), a participação
espaço público, uma vez que aquela se vincula com a cidadã faz dos membros ativos da sociedade os
participação ativa do cidadão na comunidade política, protagonistas de dois fenômenos contemporâneos: “o
trazendo à baila a questão da dicotomia entre o público extraordinário crescimento e diversidade da
e o privado. Ressalta que a espera pública se refere à participação cidadã” (OLIVEIRA, 2004, p. 11) e, o
igualdade construída pela cidadania, enquanto na reconhecimento de que os problemas que afetam a

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ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista

humanidade são muito maiores do que a competência recreativas, as iniciativas das igrejas e o voluntariado
e a capacidade dos estados nacionais. Estes dois individual e muitos outros que tenham a finalidade de
fenômenos se tornam pilares para a construção de um melhorar a qualidade de vida da população.
consenso internacional baseado em valores, princípios
e normas de natureza universal, tais como a luta pelos Toma fundamental importância o caráter público
direitos humanos, pela proteção do meio ambiente e a das organizações do Terceiro Setor que, para
busca constante pela proliferação uma solidariedade Fernandes (1996), ultrapassam a noção de Estado,
internacional. englobando as organizações da sociedade civil e as
ações dos cidadãos, compartilhado da mesma idéia de
A idéia de Sociedade Civil serviu historicamente espaço público, referida por Correa (2002).
na América Latina para destacar um espaço próprio,
fora do arcabouço estatal, de participação popular nas Incluem-se no terceiro setor, um número
causas coletivas, integrando indivíduos e instituições significativo e infindável de instituições que têm em
particulares no exercício da cidadania de forma direta comum: a) não fazem parte do aparelho estatal; b) não
e autônoma. Assim, a Sociedade Civil se caracteriza têm fins lucrativos; c) constituem-se de grupos de
pela promoção de interesses coletivos, marcando um cidadãos na sociedade civil como pessoas de direito
espaço de integração cidadã distinta do Estado e da privado; d) são de adesão, ou seja, a participação é de
lógica do mercado e formando o “terceiro Setor” , no caráter bilateral, e nunca de caráter uni ou obrigacional;
entender de Wolfe (1992). e) produzem bens ou serviços de uso coletivo.
Entretanto, há organizações do terceiro setor que não
atendem a um ou mais dos cinco itens apresentados,
5. TERCEIRO SETOR
mas fazem parte igualmente.
O Terceiro Setor surge nos anos 70 e se
Os principais membros do Terceiro Setor são:
desenvolve com mais força nos anos 80 e 90,
abarcando uma infinidade de organizações sem fins
a) as Fundações: que, além de financiar o setor,
lucrativos e não governamentais com atuação de
através das doações às entidades beneficentes,
caráter público. Nessas três décadas, o Terceiro Setor
também executam projetos sociais próprios;
já assume um status de novo segmento de articulação
social, sem ter ainda uma definição científica
b) as entidades Beneficentes: que estão
propriamente dita.
diretamente ligadas à prestação de serviços sociais, a
exemplo de entidades que cuidam de idosos, meninos
O Terceiro Setor, que nasceu dos movimentos
de rua, drogados, preservando o meio ambiente,
reivindicatórios da Sociedade Civil por uma sociedade
promovendo os direitos humanos, incluindo-se
democrática, supera, nos anos 90, a oposição ao
também as associações de bairros, clubes sociais e
Estado e, através da parceria, estabelece uma relação
tantas outras;
de colaboração e complementaridade com o Estado e
também com o Mercado. A superação das dificuldades
c) os Fundos Comunitários: muito difundidos nos
iniciais passam pela aceitação tanto do Estado como
Estados Unidos, que arrecadam e depois distribuem o
do Mercado, da existência de um terceiro e importante
dinheiro conforme prioridades pré-estabelecidas pelos
setor. O Estado passa a reconhecer que as
doadores, a exemplo da Federação das Entidades
Organizações Não Governamentais - ONGs têm
Assistenciais de Campinas em São Paulo; d) as
recursos, capital e experiências para enfrentar com
Entidades Sem Fins Lucrativos: que exercem de fato
estratégias inovadoras dos problemas sociais. O
uma atividade social de interesse coletivo público,
Mercado, por sua vez, é atingido pela noção de
excluindo-se as entidades que sem fins lucrativos
responsabilidade social passando a ver nas
beneficiam seus próprios usuários como os clubes
organizações sem fins lucrativos canais importantes
esportivos;
para investimentos nas áreas sociais, ambientais e
culturais.
e) as ONGs - Organizações não governamentais:
são organizações que lutam por causas específicas, na
Neste momento, o conceito de Terceiro Setor,
sua maioria em caráter assistencial e são mais de 250
que de certa forma estava vinculado às ONGs,
mil em todo o Brasil, movimentando R$ 12 bilhões/ano,
estende-se a outros atores e serviços, incluindo-se a
que corresponde a 1,2% do PIB nacional (KANITZ,
filantropia empresarial, as associações beneficentes e
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ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista

2004); 2004).
Contudo, o grande desafio do terceiro setor não é
f) as Empresas com Responsabilidade Social: mais obter o reconhecimento dos outros setores, mas
empresas que vão além da produção de seus produtos dar resposta a quatro questionamentos básicos: o
e o fazem a partir de uma administração responsável primeiro, é produzir e disseminar informações sobre o
socialmente de seus negócios, colaborando para uma que é e o que faz o terceiro setor; o segundo, é melhorar
sociedade mais justa; a qualidade e a eficiência das organizações e
programas sociais que abarcam; o terceiro, é aumentar
g) as Empresas Doadoras: empresas que doam a base de recursos e a sustentabilidade de suas
parte de seus rendimentos e ajudam sustentar o organizações e, por fim, estabelecer condições para o
Terceiro Setor. No Brasil, a maioria das doações são aumento da participação voluntária (Rede de
efetuada por empresas de médio e pequeno porte, Informações para o Terceiro Setor, 2004).
sendo que apenas 100 empresas das 500 maiores do
País são parceiras e das 250 multinacionais apenas
20 são admiradas pelo seu trabalho social (KANITZ,
CONCLUSÃO
2004);
Resgatar o papel do Estado na sociedade
contemporânea é, sem dúvida, reconhecer que a
h) Elite Filantrópica: são as pessoas físicas
sociedade é dividida em classes e que o papel
“ricas” parceiras do Terceiro Setor. No Brasil, apenas
fundamental do Estado é garantir um equilíbrio que
Jorge Paulo Lehman e a família Ermírio de Moraes são
permita uma vida digna para todos os cidadãos. Cabe
considerados bons parceiros, os demais pertencem à
ao Estado estabelecer uma relação próxima e
classe média, e a tendência que se verifica é que
igualitária entre as classes, favorecendo a
quanto mais pobre, maior a percentagem de renda
possibilidade de gradativamente extingüi-las. Trata-se
doada. As empresas contribuem apenas com 10% da
de reinventar o Estado a partir de um comprometimento
verba filantrópica global e as pessoas físicas com os
com o bem estar coletivo e não com a mantença de uma
outros 90% (KANITZ, 2004);
classe dominante no poder.
i) Empresas Juniores Sociais: são empresas de
O surgimento do chamado Terceiro Setor,
estudantes que prestam serviços de assessoria a
concebido como parte da sociedade que de forma
ONGs e outras entidades.
organizada procura sanar as deficiências deixadas
pelo Estado, evidencia um novo fenômeno social, a
Observa-se que o crescimento do Terceiro Setor
participação ativa de todos os membros da sociedade,
no Brasil está relacionado ao surgimento e à
abrindo novos espaços de discussão, exigindo e
proliferação das ONGs, associações civis e fundações,
provocando mudanças sociais significativas.
donde é possível verificar que a expansão se dá em
dois campos básicos, o assistencial e o reivindicatório.
Não há de se confundir o papel e a importância do
Segundo o Instituto Brasileiro de ONGs, as pesquisas
Estado com o papel e a importância do Terceiro Setor,
mostram que o Terceiro Setor representa 1,5% do PIB
ambos são imprescindíveis para a concretização da
brasileiro e emprega 1,3 milhões de pessoas
democracia participativa e a diminuição das mazelas
apresentando fortes tendências à expansão,
sociais. É a parceria desses dois setores que será
considerando que nos países desenvolvidos a média é
efetivamente capaz de humanizar o Mercado e garantir
de representação de 5% do PIB.
a transformação da sociedade, tornando-a mais justa e
igualitária.
O Terceiro Setor enfrenta a superação da sua
caracterização legal que apesar da edição em 1999
com a Lei 9.790 conhecida como a Lei das OSCIPs REFERÊNCIAS
(Organização da Sociedade Civil de Interesse CORREIA, Darcisio (Org). Direito Espaço Público
Público), que estabelece a finalidade e os critérios de e Transformação Social. Ijuí: Unijui, 2003.
transparência para as atividades desenvolvidas pela
______. A Construção da Cidadania Reflexões
Sociedade Civil, ainda permanece juridicamente sem
Histórico-Políicas. Ijui: Unijui, 2002.
regras claras e objetivas. Por isso, a permanência do
movimento da “Reforma do Marco Legal” que busca
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos, Wilhein, Jorge e
estabelecer leis mais claras neste sentido (WÖHLKE,
Sola, Lurdes, organizadores. Sociedade e Estado em

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


17
ESTADO E TERCEIRO SETOR: PARCEIROS POR UMA SOCIEDADE JUSTA E IGUALITÁRIA
Deborá Cristina Thomaz Evangelista

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Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


18
Administração

O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE


DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E
A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo1
Mário Luiz Santos Evangelista2
Sociedade Educacional Três de Maio – SETREM3
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM4
Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ5
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC6

1. INTRODUÇÃO
Resumo Ao se discutir sobre o
pensamento estratégico, surge
O presente artigo refere-se à aplicação e desenvolvimento de um modelo de
gestão baseada no pensamento estratégico, conciliando o planejamento estratégico uma questão intrigante entre os
com a avaliação institucional. Essa abordagem parte do seguinte questionamento: analistas e estrategistas: Quais são
Quais são os fatores de sucesso de uma Instituição? Quais fatores internos ou externos os fatores de sucesso de uma
que interferem no êxito desse sucesso? Um dos requisitos indispensáveis para o
sucesso de qualquer instituição, seja ela pública ou privada é o desenvolvimento de um Instituição? Quais fatores internos
pensamento estratégico por parte das lideranças, pautado nas atitudes e objetivos ou externos que interferem no êxito
estratégicos da organização. Para o desenvolvimento desse modelo de gestão,
existem várias metodologias, sendo que para este estudo, optou-se por adotar uma desse sucesso? Para serem bem
metodologia baseada em estratégias para retratar um ambiente institucional, além de sucedidas em um mundo de
sugerir um sistema de avaliação permanente, com critérios e parâmetros baseados na mudanças cada vez mais rápidas,
realidade de um mercado educacional competitivo, como forma de acompanhamento e
retroalimentação do sistema. as organizações necessitam
Palavras-chaves: Planejamento estratégico, Avaliação Institucional e inovações constantes e um modelo
Pensamento Estratégico
estratégico de gestão que seus
dirigentes sejam criativos,

Abstract habilidosos e com foco no


pensamento estratégico. Isso pode
ser de grande valia no
The present article refers to the application and development of an
administration model based on the strategic thought, reconciling the strategic planning desenvolvimento de cenários mais
with the institutional evaluation. That approach leaves of the following to question: confiáveis à redução da incerteza
Which are the factors of success of an institution? What do internal or external factors
interfere in the success of that success? One of the indispensable requirements for the
no momento da tomada de
success of any institution public or private is the development of a strategic thought on decisões. Além disso, é necessário
the part of the leaderships, ruled in the attitudes and strategic objectives of the desenvolver a habilidade para o
organization. For the development of that administration model, there are many
methodologies, and for this study, a methodology based on strategies was opted to pensamento estratégico que
adapt to represent an institutional ambient, besides suggesting a system of permanent possibilite a inovação ou operação
evaluation, with criteria and parameters based on reality of a competitive educational
em ambientes altamente
market, as accompaniment form and feedback of the system.
Keywords: Strategic planning, Institutional Evaluation and Strategic Thought competitivos, onde é difícil e até
mesmo impossível, desenvolver e
sustentar vantagens competitivas,
pois estas ações podem ser
1 - Professor SETREM, Mestrando de Eng. de Produção (UFSM).
2 - Professor SETREM, Doutorando de Eng. de Produção (UFSC). imediatamente imitadas ou
3 - SETREM – Avenida Santa Rosa, 2405 – Três de Maio – RS – www.setrem.com.br 4 - UFSM copiadas pela concorrência.
– Campus Santa Maria, Bairro Camobi – PPGEP - Santa Maria – RS
5 - UNIJUÍ – Campus Santa Rosa, rodovia RS 344, km 39 – www.unijui.tche.br
6 - UFSC – Campus Universitário Trindade – PPGEP - Florianópolis – SC Por tudo isso, entende-se

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


19
O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

que há uma grande necessidade de preparar os literatura (teorias), embasada em autores que abordam
líderes para a capacitação da gestão com o temas sobre planejamento estratégico, avaliação
pensamento estratégico. Na maioria das vezes, a institucional e pensamento estratégico. A análise se
dificuldade está exatamente na prática de um deu mediante a visualização da realidade do setor
pensamento voltado apenas para a realidade educacional a fim de que se possa traçar um plano.
quotidiana, ou seja, no curto prazo, esquecendo-se Assim, esses dados foram subsídios primordiais para a
que o pensamento estratégico é mais abrangente, realização do presente artigo.
sempre a longo prazo e que exige uma capacidade de
aprendizagem total.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
O Artigo divide-se em três etapas, iniciando com
Estratégia não é um assunto novo. Segundo a
a contextualização do estudo através da introdução,
história, desde os primórdios o homem se organizou
objetivos e metodologia. A segunda etapa aborda o
em tribos para defender a sua espécie e conquistar o
referencial teórico sobre planejamento estratégico,
que não lhe pertencia. O próprio conceito da palavra é
pensamento estratégico e métodos de avaliação
originária do grego strategia, que significa a arte ou
institucional. A terceira etapa é composta pela
ciência do general, segundo Zaccarelli (2002). Os
discussão e apresentação de resultados do estudo,
generais gregos organizavam seus exércitos para se
seguida pelas considerações finais e referências
protegerem contra as investidas de seus inimigos e
bibliográficas.
conquistar novos territórios.

2. OBJETIVOS Com o passar do tempo, o conceito de estratégia


migrou do campo bélico para o das organizações, pois
O presente artigo tem por objetivo geral sempre esteve ligado a planejamento e tomada de
apresentar um modelo de gestão que contemple a decisão, mas foi somente no início do Século XX que os
integração do planejamento estratégico e a avaliação pioneiros da administração começaram a aplicar esta
institucional através do pensamento estratégico. E, ciência como se conhece hoje, através da efetivação
como objetivos específicos, discutir os métodos de estudos sistemáticos sobre seus conceitos e fatos.
planejamento, estratégias, avaliação institucional e
pensamento estratégico, além de sugerir alternativas Especificamente nos últimos vinte anos, as
de sistemas de avaliação para as instituições de empresas têm buscado definir suas estratégias. Os
ensino. estudiosos passaram a desenvolver e aprofundar
conceitos que hoje não são mais novidade e fazem
3. METODOLOGIA parte da vida empresarial de muitas organizações.
Welch (apud ANSOFF,1990) diz: “administração
estratégica é tentar compreender onde você estará
De acordo com Vergara (1998), existem dois
amanhã e não onde você espera estar, avaliar onde
critérios básicos para classificar os mais diferentes
você será capaz de estar e decidir onde você deseja
tipos de pesquisa: quanto aos fins e quanto aos meios.
estar”. Quem acompanha o desenvolvimento das
O presente artigo pode ser classificado quanto aos fins
organizações pôde perceber o quanto evoluíram os
como uma pesquisa exploratória e metodológica, uma
conceitos de estratégia. Atualmente, a preocupação
vez que é realizada em área na qual há um acúmulo e
maior está orientada para uma visão prospectiva do
sistematização de conhecimento e, também, por ser
ambiente e da organização para a obtenção de
um trabalho que se refere à captação da realidade,
vantagens competitivas.
associada a caminhos, formas e procedimentos a fim
de atingir um objetivo. No entanto, quanto aos meios,
No entender de Evangelista; Rambo; Dutra
pode-se classificar como sendo uma pesquisa
(2004), planejar estrategicamente significa raciocinar
bibliográfica uma vez que se baseia em material
para longo prazo, ou seja, envolve a capacidade de
publicado, caracterizando a coleta de dados.
enxergar as prováveis possibilidades de uma decisão a
ser tomada. Afirmam, ainda, que o planejamento
Após a realização da coleta de dados, deu-se
estratégico é uma técnica que, através da análise do
início a análise e interpretação dos mesmos, os quais
ambiente de uma organização, cria-se a consciência
possibilitaram a integração dos dados práticos com
para a descoberta futura de oportunidades e ameaças,
informações levantados no decorrer da revisão da
de pontos fortes e fracos. Chiavenato (1997), afirma
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

que planejamento estratégico é amplo e abrange a orientar o comportamento de uma organização”. A


instituição como um todo, projetando o longo prazo em estratégia exige uma continuidade de ações, requer
termos de seus efeitos e conseqüências, buscando investimentos que possam diferenciar a organização
atingir os objetivos no nível organizacional. Já Faria no mercado. Aquele que estiver preocupado apenas
(1996), concentra-se mais na finalidade do com o curto prazo dificilmente utilizará estratégias
planejamento, afirmando que o planejamento consistentes.
estratégico pode colocar a organização de forma
vantajosa sobre as demais do mesmo ramo de Estratégia pode ser considerada como uma
atividade, considerando os pontos fortes e fracos, a ferramenta de gestão para alcançar os objetivos da
visão completa externa e detalhada. organização. Nesse sentido, Evangelista; Awad
(2004), informam que a busca da melhoria de um
Ter estratégia é fazer opções. Definir o que a desempenho global e setorial, pode fortalecer a
organização quer e onde pretende chegar. Ela imagem da organização e representar oportunidades
expressa os objetivos a serem alcançados e como para todos os setores de atividades da mesma pois,
utilizar seus pontos fortes para conquistar as como diz Senge (2002), as equipes que aprendem a
oportunidades ou superar barreiras para alcançar seus aprender, aprendem em conjunto.
propósitos.
No que se refere à estratégia de penetração de
Através do exame da história das empresas e mercado, baseado em Mintzberg; Quinn (2001), a
das motivações individuais das pessoas que nela estratégia de penetração funciona a partir de uma base
trabalham, constata-se que muitas vezes, elas não de produtos e mercados existentes, nos quais a
possuem uma gestão estratégica, embora utilizem organização procura aumentar a sua participação.
estratégias para desenvolver seus negócios decidindo, Essa estratégia se torna possível através da expansão
às vezes, de maneira empírica. direta, ou seja, aumentar sua participação e sem uma
alteração fundamental no bem ou serviço no mercado.
Ganham cada vez maior importância as Conforme Mintzberg; Quinn (2001), existem
competências essenciais dos gestores, as atividades estratégias deliberadas e estratégias emergentes. As
de cooperação, parcerias com fornecedores, deliberadas são aquelas planejadas, enquanto que as
atendimento às necessidades e expectativas do emergentes são aquelas que acontecem ao longo do
cliente, o respeito ao meio-ambiente e a desenvolvimento do plano.
responsabilidade social das organizações. Tavares
(1991), afirma que o macro ambiente proporciona as As organizações se encontram inseridas dentro
influências mais amplas e significativas na de um contexto macro e as mudanças são inevitáveis.
organização, onde derivam as oportunidades e Aquelas que não se adaptarem à nova realidade
ameaças, a capacidade ou incapacidade de prever e podem perder mercado e sucumbir.
lidar adequadamente com os sinais que precedem a
maioria das grandes modificações que daí ocorrem; A evolução do planejamento, que teve início com
isso pode explicar o sucesso e as dificuldades com que a contribuição de teóricos e práticos da administração,
a organizações se deparam. caracterizou-se pelo desenvolvimento de fórmulas
quase sempre elaboradas por consultores externos
Percebe-se que o ambiente tem passado por para a solução dos problemas empresariais, ocorrendo
mudanças significativas. Essas mudanças se tornam muitas vezes uma dissociação entre o planejamento e
cada vez mais freqüentes, rápidas e complexas. sua implantação. Dessa forma, Mintzberg; Ahlstrand;
Dentro desse cenário, observa-se que as organizações Lampel (2000), dividem as estratégias em dez escolas,
buscam constantes adaptações para se manterem em três agrupamentos: as de natureza prescritiva
competitivas dentro do mercado, adotando novas (design, planejamento e posicionamento); as de
posturas e implementando estratégias pois, nos natureza descritiva (empreendedora, cognitiva,
últimos anos, as prioridades das decisões estratégicas aprendizado, poder, cultural e ambiental); e, a natureza
foram alteradas e invertidas, conforme Zaccarelli integrativa, que reúne todas as demais escolas, na
(2002). escola da configuração.

Ansoff (1990, p. 95), conceitua: “Estratégia é um No entender de Ferreira (1997), a gestão


dos vários componentes de regras de decisão para estratégica tem por finalidade desenvolver os valores

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O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

da corporação, capacitando as pessoas a pensarem existe uma “receita de bolo” pronta, pois, como salienta
estrategicamente, orientando-as para a mudança de Ribeiro (2004), que só entende avaliação institucional
comportamento dos tomadores de decisão. como um instrumento de desenvolvimento humano.
Vasconcelos Filho; Pagoncelli (2001), afirmam que a Huguet (apud Suanno, 2004), afirma que a auto-
estratégia competitiva visa criar uma posição defensiva avaliação é um processo interno, com padrões próprios
contra as forças competitivas, aproveitando as e específicos de cada instituição. Cabe às instituições
oportunidades, protegendo-se frente às ameaças, construir uma forma de avaliação contemplando os
reforçando os pontos fortes e diminuindo os pontos principais indicadores econômicos e mercadológicos,
fracos, a fim de se manter no mercado. que permitam avaliar aspectos relevantes e que
possibilitem ter uma visão sistêmica da instituição.
No Brasil, com a globalização e a abertura dos Suanno (2004), ainda conceitua que a auto-avaliação
mercados mundiais, as organizações passaram a ter deve levar em consideração os indicadores internos e
cada vez mais necessidade de pensarem externos da instituição. Nesse sentido, Takashima;
estrategicamente para se tornarem competitivas. Flores (1996), explicam que indicadores são formas de
Nesse sentido, Mintzberg; Ahlstrand; Lampel (2000), representação quantificáveis das características de
argumentam que o pensamento estratégico deve ser produtos e processos. Podem ser utilizados pelas
entendido como visão, onde o estrategista deve olhar organizações para controlar e melhorar a qualidade e o
para trás, para cima, para baixo, adiante, ao lado, além desempenho ao longo do tempo e estão associados às
e, principalmente, através. características da qualidade dos bens e serviços
julgados pelos clientes. Tavares (1991), afirma ainda
É de fundamental importância que a empresa que esses indicadores relativos à freqüência,
identifique os fatores chave de seu sucesso e consiga permanência e da origem da informação, podem ser
se posicionar de modo a conseguir vantagem utilizados como indicadores para compor os cenários
competitiva frente a seus concorrentes e, da organização. A avaliação de um gerenciamento é
conseqüentemente, ganhar mercado. A dinamização medida através de seu desempenho, seja ele bom ou
do processo de tomada de decisão no contexto mau. Existem diversos parâmetros para comparar os
organizacional pressupõe conhecimento do ambiente resultados obtidos pela organização. Nesse
através de um diagnóstico correto dos pontos fortes e entendimento, Kaplan; Norton (1997), descrevem que
os pontos fracos da organização (oportunidades de a medição é importante, pois aquilo que não se
melhoria), vislumbrando, também, as ameaças e consegue mensurar não pode ser gerenciado.
oportunidades atuais e potenciais do ambiente e Entretanto, nesta ótica, Anthony; Govindarajan (2002),
projetando cenários desafiadores. A organização pode relatam que o controle gerencial é um dos vários tipos
selecionar e implementar as melhores estratégias e de atividades de planejamento e monitoramento que
caminhar a passos largos rumo ao seu ocorrem em uma organização que se encaixa entre a
desenvolvimento. Para Mintzberg (2004), há dois tipos formulação da estratégia e o controle de tarefas.
de planejadores: os de mão direita que são analíticos, Consiste em planejar o que a organização deve fazer,
próximos da imagem do planejador estratégico, que coordenar as atividades de várias partes da
trazem consigo a ordem e a organização e os de mão organização, comunicar, e avaliar a informação, decidir
esquerda que pensam criativamente, que gostam de se deve ser tomada uma decisão ou que decisão tomar
procurar estratégias em lugares estranhos e que e influenciar as pessoas para que alterem seu
encorajam outros a pensar estrategicamente. Estes comportamento.
utilizam processos intuitivos, menos convencional
entre as organizações. Para Kaplan; Norton (1997) o Balanced
Scorecard traduz a missão e a estratégia das
Ao se estudar a avaliação institucional, em empresas num conjunto abrangente de medidas de
primeiro lugar, é necessário se analisar o ambiente, e desempenho que serve de base para um sistema de
este deve ser composto por um sistema de informações medição e gestão estratégica. Nesse sentido, Prado
consistentes e eficientes. Segundo Porter (1989), a (2002), esclarece que o Balanced Scorecard é uma
revolução da informação está passando de roldão por ferramenta de apoio para acompanhar e monitorar as
toda a economia. Nenhuma empresa escapa de seus evoluções das decisões das organizações, centradas
efeitos. em indicadores chaves, onde cada pessoa na
organização deve entender cada aspecto ligado à
Para realizar uma avaliação institucional não estratégia para que o sucesso seja pleno.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

envolve a instituição, o processo avaliativo e as inter-


A Figura 1 a seguir, tem como objetivo principal relações humanas. Para Trigueiro (2004), a avaliação
apresentar o Balanced scorecard como uma estrutura institucional, surge como membro integrante da gestão
para ação estratégica nas organizações. O Balanced de estratégias e combinada com o planejamento;
scorecard está focado em quatro perspectivas: a constitui-se num processo, bem mais que um conjunto
aprendizagem, os processos, os clientes e a financeira. de resultados. No entender de Carvalho; Ronchi;
Bertoldi (2004), um processo de transformações deve
Esclarecendo e Traduzindo a ser constituído por um processo altamente
Visão e a Estratégia
- esclarecendo a visão diversificado, que resulte em desdobramentos e
- esclarecendo o consenso
utilidades para a sociedade. Por isso, Senge (2002),
argumenta que se deve utilizar o pensamento
Comunicando e
Feedback Aprendizado e sistêmico para analisar essas inter-relações entre as
Estratégia
Estabelecendo Vinculações
- comunicando e educando
- articulando a visão partes envolvidas no sistema.
Balanced compartilhada
- estabelecendo metas Scorecard - fornecendo feedback
- vinculando recompensas a estratégico
medidas de desempenho - facilitando a visão e o Na Figura 02, pode-se verificar um modelo de
aprendizado estratégico
inter-relação entre a avaliação e o planejamento
estratégico.
Planejamento e
Estabelecimento de Metas
- estabelecendo metas
- alinhando iniciativas
estratégicas
- alocando recursos Tomada de
- estabelecendo marcos de Decisão
referência

Fonte : Kaplan; Norton (2001 )

Qualidade
Figura 1: O Balanced Scorecard como estrutura para ação
Àrea problemática Àrea problemática
estratégica Avaliação da avaliação do Planejamento Planejamento
Institucional institucional Estratégico Estratégico

No Quadro 1, verificam-se alguns indicadores de


desempenho para facilitar o entendimento do BSC com
um quadro equilibrado de indicadores e que venham a Correção de
Rumos e
contribuir com a construção do BSC. Mudança
Organizacional

Fonte: Trigueiro (2004)


Figura 02 Avaliação institucional, planejamento estratégico
e qualidade

Ao se observar a Figura 02, percebe-se que há


uma interação entre planejamento estratégico e a
avaliação institucional. E um dos fatores importantes
nesse contexto é a realização de um diagnóstico ou
análise de ambiente para que a instituição perceba
onde está inserida, que rumo se direcionar, tomar
decisões, encaminhar as mudanças, enfrentar
desafios e planejar efetivamente o seu futuro.

5. DISCUSSÃO E APRESENTAÇÃO DE
RESULTADOS

Tentando contribuir com o questionamento sobre


Fonte: Adaptado de Edvinsson et al. (1998) e Ribeiro a interação entre os fatores ambientais das instituições
(http://www.milenio.com.br/mascarenhas) e sua relação com o sucesso, existe uma pré-
Quadro 1 Indicadores de desempenho disposição para o pensamento estratégico que concilia
o planejamento estratégico e a avaliação institucional
Suanno (2004), entende a auto-avaliação permanente. Nesse sentido, entende-se que uma das
institucional como um instrumento de produção, primeiras medidas a serem tomadas seja a propensão
desenvolvimento científico e de juízo de valor, que
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O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
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para perceber que as mudanças que ocorrem no Planejamento


Planejamento Avaliação
Avaliação
Estratégico
Estratégico Institucional
Institucional
ambiente são constantes e necessitam de ações para
pensar e repensar sobre o futuro da instituição.
Visão
Visão
Missão
Missão Estratégias Deliberadas
Estratégias Deliberadas
Internaee
Interna
Negócio
Negócio
Externa
Externa
Para tornar possível uma ação concreta e efetiva, Princípios
Princípios
Macro-Políticas
Macro-Políticas
torna-se necessário buscar subsídios que contribuam

Estratégias Emergentes
Análisede
Análise de
para um diagnóstico real. Entende-se que a escola do

Estratégias Emergentes
Ambiente
Ambiente

futuro necessita ser compreendida, concebida, Interno Externo


Interno Externo

planejada e executada de forma eficaz para atender as


Objetivos
Objetivos
necessidades ainda não percebidas pelos clientes ou
usuários; por isso, precisa utilizar corretamente as Estratégias
Estratégias

informações coletadas nos ambientes interno e Planos de


Planos deAção
Ação

externo para gerir seus negócios ou suas atividades.


Sistema Estratégico Feedback
Feedback
Feedback Feedback
de Acompanhamento
A instituição precisa ter a coragem e a e Avaliação Pensamento Estratégico
Pensamento Estratégico

capacidade de olhar para dentro de si mesma, com


olhar crítico, visualizando as causas de seus sucessos Figura 03 - Modelo de integração entre pensamento
estratégico e avaliação institucional
e insucessos, verificar ao seu redor o que está
ocorrendo no ambiente externo, ser capaz de
contornar as ameaças e aproveitar as oportunidades O modelo de integração entre o planejamento
que o mercado oferece. Neste lógica, o processo de estratégico e avaliação institucional necessariamente
interação tanto dos administradores quanto dos perpassa pelo sistema de gestão de avaliação a ser
educadores, deve ser através do comprometimento de utilizado pela instituição que utiliza o pensamento
ambas as partes para a consecução de seus estratégico como arcabouço para gerir e acompanhar a
propósitos. funcionalidade do processo. No sistema de avaliação
institucional proposto, existem alguns parâmetros que
O método proposto para a interação entre o servem de indicadores de desempenho e que são
planejamento estratégico e a avaliação institucional, considerados essenciais para as instituições de
necessariamente passa pelo pensamento estratégico, ensino, de acordo com os seus níveis estruturais, graus
que só terá efeitos se conseguir reunir instrumentos de de complexidade e posicionamento no mercado, que
avaliação relevantes, através de uma conscientização estão representados no Quadro 02.
coerente, eficiente e eficaz de seus membros,
destacando-se alguns indicadores, tais como:
indicadores econômicos, taxa de escolaridade do
município ou região, pesquisa de satisfação dos
clientes, avaliação dos aspectos administrativos da
instituição, pesquisa do clima organizacional e
levantamento sobre a qualidade do ensino.

O modelo sugerido e desenvolvido para o


referido estudo sobre o pensamento estratégico e da
avaliação institucional, está representado na Figura 03.

Quadro 02 Indicadores de desempenho para avaliação


institucional
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O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

ser, cada vez mais, aplicados nas instituições


educacionais e utilizados para a tomada de decisão de
forma organizada e planejada. Ao mesmo tempo,
verifica-se que a análise de ambiente, tanto interno
como externo, é imprescindível para se conhecer a
organização e, só a partir daí, rumar para traçar os
objetivos e estruturar as estratégias.

Por isso, é indiscutível que as instituições


pensem e ajam de forma pró-ativa, prospectando o
futuro e projetando novas estratégias para enfrentar os
novos desafios que surgirem ao longo do tempo e
competir num mercado onde as mudanças são
permanentes e, a única certeza que se tem, é a da
incerteza desses ambientes.

O segmento de instituições educacionais não


difere dos demais, exige organizações enxutas,
financeiramente saudáveis, que ofereçam serviços
diferenciados e de qualidade, com um custo adequado
e compatível com a realidade do mercado. Nesse
sentido, o diagnóstico enseja um passo, talvez mais
ousado e difícil de ser empreendido pelas instituições,
para que possam tomar decisões, encaminhar as
mudanças, enfrentar desafios e planejar efetivamente
o futuro que está por vir.

O modelo de integração sugerido entre o


planejamento estratégico e avaliação institucional,
para ser concebido como tal, necessita passar por um
processo de gestão de avaliação que utilize o
pensamento estratégico como elemento chave e que
seja utilizada de elo de ligação entre eles, através do
instrumento denominado aprendizagem. Por isso, foi
proposto um sistema de acompanhamento para
algumas variáveis, onde foram criados indicadores de
desempenho que sirvam de parâmetro para avaliar,
corrigir e validar o modelo no âmbito de algumas
instituições de ensino.
Para que a avaliação seja eficaz, é importante
que a instituição tome algumas medidas como:
avaliação permanentemente, de forma periódica, tanto REFERÊNCIAS
internamente como externamente. Que essas ações
de avaliação sejam monitoradas para que haja o ANSOFF, Igor. A nova estratégia empresarial. São
acompanhamento entre os valores orçado e o realizado Paulo: Atlas, 1990.
efetivamente. E, que as ações corretivas possam ser
implementadas para que a instituição retorne aos ANTHONY, Robert N.; GOVINDARAJAN, Vijay.
rumos de seus objetivos estratégicos planejados. Sistemas de controle gerencial. São Paulo: Atlas,
2002.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS CARVALHO, Carlos Eduardo; RONCHI, Carlos César;


BERTOLDI, Werner José. Mudança cultural
Percebe-se que os termos que antes eram organizacional e o desenvolvimento integrado em
usados somente no contexto empresarial, passaram a IES. Artigo. Anais. SLADE Florianópolis SC. Abril

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


25
O PENSAMENTO ESTRATÉGICO COMO BASE DE INTEGRAÇÃO ENTRE O PLANEJAMENTO E A AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL
Jorge Antonio Rambo - Mário Luiz Santos Evangelista

2004.
RIBEIRO, Célia Maria. Avaliação Institucional: uma
CHIAVENATO, Idalberto. Administração: Teoria, questão de desenvolvimento humano. Artigo.
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SUANNO, Marilza Vanessa Rosa. Auto-avaliação
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estudo. 2.ed. São Paulo: Pioneira, 1996. Estratégico: A opção entre Sucesso e Fracasso
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Como as Empresas que adotam o Balanced VASCONCELLOS FILHO, Paulo de.; PAGNONCELLI,
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do planejamento estratégico. Nivaldo Montingelli Jr. ZACCARELLI, Sérgio B. Estratégia e sucesso nas
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Criando e Sustentando um desempenho Superior.
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PRADO, Lauro Jorge, Série Empresarial Balanced


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Paulo: Atlas, 2003.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


26
Educação

A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: ANTAGONISMOS E


FABRICAÇÕES
Cristiana Callai de Souza1

INTRODUÇÃO

Resumo Há uma progressiva


valorização do lugar da criança em
Vive-se em um momento histórico de intensas transformações, num mundo em nossa sociedade. Do anonimato
que novas representações culturais emergem diariamente. Nesse contexto, a infância emergiu para o centro das
se afirma em uma dimensão, a da super valorização, diferente daquela do final do
século XVII, onde o infanticídio era tolerado e não havia qualquer percepção da atenções. A infância é colocada no
identidade infantil. A criança na modernidade ocupa o centro das atenções familiares e centro das práticas discursivas,
é objeto dos mais variados discursos e observações. Esta trajetória foi longa e é mobilizando um complexo sistema
desconhecida de muitos; nesse sentido, é pertinente refletir sobre os significados da
infância nos diversos períodos históricos e os pressupostos que sustentam este de saberes sobre esta etapa da
discurso. A pesquisa foi de caráter etnográfica, tomando como análise os aspectos vida, constituindo esforços que
fenomenológicos em contexto escolar da Educação Infantil. Ao findar a pesquisa,
observa-se a busca de uma identidade social amparada pela ideologia do consumo e a visam produzir subjetividades
necessidade de corresponder a uma demanda constituída nas redes de poder. infantis.
Palavras-chave: Infância Representação Indústria Cultural
Hoje, a infância é um dos

Abstract alvos preferenciais no discurso da


indústria cultural, referenciando
particularmente a televisão e sua
This is a historical moment of intense transformations, where people live in a difusão massiva, que pelo seu
world in which new cultural representations emerge daily. In that context, childhood is
affirmed in a dimension, the one of super valuing, different from that of the end of the hibridismo de recursos e
XVII century, where the infanticide was tolerated and there was not any perception of the tecnologias seduzem o
infantile identity. The child in the modernity occupies the center of the family attentions
and he/ is the object of most varied speeches and observations. This trajectory was long telespectador de tal maneira que
and it is ignored of many; in that sense, it is pertinent to contemplate on the meanings of acabam inventando identidades,
childhood in several historical periods and the presuppositions that sustain this speech. regulando comportamentos e
The research was of character ethnographic, taking as analysis the fenomenologics
aspects in school context of the Infantile Education. To the end the research, the search fabricando subjetividades.
of a social identity is observed aided by the ideology of the consumption and the need of
corresponding to a demand constituted in the nets of power.
Key Words: Childhood - Representation - Cultural Industry
Considerando que as
representações da infância têm
diferentes interpretações que
dependem do momento histórico
ao qual pertencem, da autoridade
de quem as pronuncia, da classe
social a qual é representada e dos
interesses que as proclamam como
verdades e estas se disseminam
no senso comum. Cabe-nos refletir
sobre os significados da infância e
1 - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências UNIJUÍ os discursos que fabricam o sujeito
Especialista em Educação Infantil UNIFRA Santa Maria moderno.
Pedagoga - UNIJUÍ
Criscallai@bol.com.br

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


27
A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: ANTAGONISMOS E FABRICAÇÕES
Cristiana Callai de Souza

A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: sentimento de infância como ele é conhecido na idade


moderna. As pessoas foram gradativamente
ANTAGONISMOS E FABRICAÇÕES
percebendo que as crianças eram diferentes dos
adultos e não apenas uma miniatura deles. Essa
O sentimento de infância surgiu em nossa
evolução da família medieval para a família do século
sociedade de forma muito lenta. Na sociedade
XVIII e para a família moderna durante muito tempo se
medieval, o sentimento de infância não existia, o que
limitou aos nobres, aos burgueses, aos artesões e aos
não quer dizer que elas fossem negligenciadas. O
lavradores ricos.
sentimento da infância não significa o mesmo que
afeição pelas crianças: corresponde à consciência da
O sentimento da infância apareceu lentamente
particularidade infantil, essa particularidade que
como significativo, surgiu o despertar para o interesse
distingue essencialmente a criança do adulto. Essa
da criança e de cuidados especializados. O fato de a
consciência não existia. Por esta razão, assim que a
criança, a partir do século XVIII, ter emergido e
criança tinha condições de viver sem solicitude
ocupado um lugar determinado, fez com que ela
constante de sua mãe ou ama, ela ingressava na
desocupasse os lugares antes ocupados na
sociedade dos adultos e não se distinguia mais destes (
comunidade, limitando-se ao seu confinamento em
Ariès, 1981).
escolas e colégios, que a expulsou da vida social
adulta. A sociedade perdeu as ruas e as praças, pois
No século XVI surge um novo sentimento da
estes se tornaram lugar de trânsito (Ariès, 1981).
infância, em que a criança, por sua ingenuidade,
gentileza e graça, tornava-se uma fonte de distração e
Arendt (1979) enfatiza que sob o pretexto de
de relaxamento para o adulto, um sentimento que
respeitar a independência da criança, ela é excluída do
poderíamos chamar de “paparicação”. Esse
mundo dos adultos e mantida artificialmente no seu
sentimento provocou reações críticas no fim do século
próprio mundo. Essa retenção da criança é artificial
XVI e, sobretudo, no século XVII algumas pessoas
porque extingue o relacionamento natural entre
rabugentas consideravam insuportável a atenção que
adultos e crianças, o qual, entre outras coisas, consiste
se dispensava às crianças.
do ensino e da aprendizagem, e porque oculta ao
mesmo tempo o fato de que a criança é um ser humano
Os moralistas não concebiam a paixão que faz
em desenvolvimento, de que a infância é uma etapa
com que as pessoas beijem as crianças recém
temporária, uma preparação para a vida adulta.
nascidas, que não têm ainda nem movimento na alma,
nem forma reconhecível no corpo pela qual se possam
Os pais não apenas trouxeram os filhos à vida,
tornar amáveis. Não admitiam a idéia de se amar as
mas simultaneamente introduziram-lhes em um
crianças como passatempo, como se fossem
mundo. Eles assumem na educação a
macacos, nem de se achar graça em seus
responsabilidade, ao mesmo tempo, pela vida e
sapateados, brincadeiras e bobagens. Recusavam-se
desenvolvimento da criança e pela continuidade do
a considerar as crianças como brinquedos
mundo. Essas duas responsabilidades de algum modo
encantadores, pois viam nelas frágeis criaturas de
coincidem, com efeito podem entrar em mútuo conflito.
Deus, que era preciso ao mesmo tempo preservar e
A responsabilidade pelo desenvolvimento da criança
disciplinar. Esses dois sentimentos eram novos, o da
se volta em certo sentido contra o mundo: a criança
paparicação e o da exasperação (Ariès, 1981).
requer cuidado e proteção especiais para que nada de
destrutivo lhe aconteça. Porém, também o mundo
No século XVIII, encontram-se na família esses
necessita de proteção para que não seja derrubado e
dois elementos associados a um elemento novo: a
destruído pelo assédio do novo que irrompe sobre ele
preocupação com a higiene e a saúde física. Os pais se
a cada nova geração (Arendt, 1979 ).
preocupavam com tudo que dissesse respeito à vida
dos filhos, desde a paparicação até a educação, saúde
A infância, na modernidade, tornou-se o centro
e higiene. Tudo que se referia às crianças e à família
das atenções e foi promovida a idade fundadora da
tornara-se um assunto sério e digno de atenção. Não
vida, considerada a época da aquisição subjetiva e
apenas o futuro da criança, mas também sua simples
sócio-cultural da identidade humana, na relação com o
presença e existência eram dignas de preocupação, a
mundo, na descoberta de si e na apropriação
criança havia assumido um lugar central na família.
significativa da cultura. Consolida-se uma nova
representação da infância (Betts, 1999).
A sociedade viu surgir no século XVIII o
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
28
A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: ANTAGONISMOS E FABRICAÇÕES
Cristiana Callai de Souza

sustenta desde o surgimento das várias análises sobre


Segundo Silva (1999), a representação é a a indústria cultural a partir da obra clássica de Adorno e
relação entre, de um lado, o real e a realidade e, de Horkheimer (1986).
outro, as formas pelas quais esse real e essa realidade,
se tornam presentes para nós re-presentados. A Para estes representantes da Escola de
representação é um sistema de significação. Utilizando Frankfurt, a indústria cultural nega aos consumidores
os termos da lingüística estruturalista, isso quer dizer: aquilo que lhe promete. Ela é uma fábrica de ilusões e
na representação está envolvida uma relação entre de consumo superficial (Adorno & Horkheimer, 1986).
significado (conceito, idéia) e um significante (uma
inscrição, uma marca material: som, letra, imagem, Todo este processo reproduz os interesses da
sinais, manuais). O vínculo que se estabelece entre classe dominante. A indústria cultural produz uma
significante e significado é sempre resultado de uma padronização e manipulação da cultura, reproduzindo
construção social; isto é, esse vínculo nunca é natural, a dinâmica de qualquer outra indústria capitalista, a
sobretudo naquilo que interessa à nossa compreensão busca do lucro, mas também reproduzindo as idéias
da representação, os signos são o que são e significam que servem para sua própria perpetuação e
o que significam porque nós o fizemos assim. legitimação e, por extensão, a sociedade capitalista
como um todo.
Há quem, como Baudrillard (1991), por exemplo,
faça uma afirmação, “vivemos num cenário pós- Os processos midiáticos2, por abrangerem a
moderno de proliferação incontrolável de signos e de maior parte da população, utilizam os mais eficientes e
imagens, o vínculo com o real teria chegado ao fim”. incisivos instrumentos de dominação, possuem
Não há mais referentes na extremidade da cadeia de elementos que interferem na representação singular e
significação: apenas signos e imagens que simulam o pessoal, dimensionando-a para uma vida permeada de
real. Perdida qualquer conexão dos signos com seus símbolos e de ações que sedimentarão a
referentes, a paisagem contemporânea está povoada "personalidade" de cada um junto ao contexto no qual
por simulacros: representações de representações. No se está inserido. Concebidos inicialmente como meios
simulacro não há mais representação, estamos em de divulgação e de entretenimento, esses instrumentos
pleno reino da hiper-realidade. assumiram vida própria e hoje concorrem entre si na
busca da atenção de espectadores e interferem na
A indústria cultural1 diariamente se confronta condução da vida de todos nós.
com uma grande massa de informações, dessas,
muitas provêm da televisão. Busca-se compreendê- A televisão é, pela própria presença, o controle
las, aproximando-as daquilo que se conhece, usando social na casa de cada um. A televisão apresenta
palavras que fazem parte do repertório. Isso possibilita mensagens elaboradas por uma elite de especialistas
que novas representações vão sendo produzidas e que estão a serviço da classe dominante. Estes, criam
comunicadas, passando a fazer parte não mais como a representação idealizada do mundo infantil,
simples opiniões, mas como verdadeiras teorias do seduzindo o telespectador a se entregar às promessas
senso comum. de felicidade que estão associadas ao consumo dos
produtos anunciados.
A indústria cultural está presente na vida
cotidiana da população e exerce uma forte influência As crianças estão tão envolvidas pela mídia do
sobre ela. A visão ingênua da indústria cultural que a consumo, que desde pequenas escolhem o que
julga uma manifestação dos interesses do conjunto da querem comer, vestir e calçar. Os pais, por medo de
sociedade, um produto dela e, por isso, um meio de criarem conflitos e pela culpa de estarem ausentes
comunicação que exerce uma ação benéfica sobre a trabalhando, acabam cedendo aos apelos de seus
população, reproduzindo o que ela quer ver, não se filhos e sendo coniventes com a ideologia do consumo.

1 - A expressão indústria cultural foi empregada por Adorno e Horkheimer na obra escrita por ambos, Dialética do Iluminismo, datada de 1947.
Adorno chama de indústria cultural ao que anteriormente concebia-se como "cultura de massas". Não é um tipo de cultura que surja
espontaneamente do povo; tampouco o que se pode conceber como cultura popular. A indústria cultural é uma produção dirigida para o consumo
das massas.
2 - Os processos midiáticos, entendidos como a comunicação humana mediada pelos meios de comunicação de massa (televisão), constituindo-
se de instâncias produtoras e receptoras, com os respectivos sujeitos envolvidos e os cenários amplos e restritos que os enformam, dos próprios
meios impregnados na produção e circulação das mensagens, dos suportes que permitem essa circulação, dos produtos midiáticos frutos desse
processo, e da complexa relação entre as diferentes linguagens empregadas na manifestação de tais produtos. (DUARTE, Elizabeth Bastos.
2000. Considerações sobre a produção midiática. In: Mídias e Processos de Significações. São Leopoldo, Unisinos.)
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
29
A INVENÇÃO DA INFÂNCIA: ANTAGONISMOS E FABRICAÇÕES
Cristiana Callai de Souza

Há um ideal de felicidade proposto pela indústria O antagonismo da representação da infância, do


cultural, particularmente pela televisão, dirigido ao anonimato ao centro das atenções, é produzido pelos
público infantil, que coloca os pais em dificuldades para discursos e pelos interesses nesta etapa da vida. A
defrontar seus filhos com regras e limites. Isso parece infância é uma fabricação da modernidade.
ser conseqüência da fragilização da função paterna3
em nossa sociedade. A infância, neste contexto, busca uma identidade
social amparada pela ideologia do consumo e a
Segundo Arendt (1979), a vida pública penetra as necessidade de corresponder a uma demanda
quatro paredes e invade o espaço privado das constituída nas redes de poder. A criança que não se
crianças, trazendo consigo, sobretudo nas condições enquadrar nas representações idealizadas do mundo
de hoje, o clarão implacável do mundo público, infantil, proposto pelos processos midiáticos, é
inundando tudo nas vistas privadas de tal maneira que excluída, marginalizada de sua própria condição.
as crianças não têm mais um lugar seguro onde
possam crescer. Permanece o fato de que as crianças
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS
são seres em processo de formação, porém ainda não
acabados, são assim forçadas a se exporem à luz da ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. 1986. Dialética do
existência pública. Esclarecimento. 2ª edição, Rio de Janeiro.

Arendt (1979), considera que, por mais grave que ARENDT, Hannah. 1979. Entre o Passado e o Futuro.
possam ser as violações das condições para o São Paulo. Perspectiva.
crescimento vital das crianças, é certo que elas não
foram de todo intencionais, o objetivo central de todos ARIÈS, Philippe. 1981. História Social da Criança e
os esforços foi o bem estar da criança, fato este que da Família. Rio de Janeiro. Guanabara.
nem sempre promoveu o bem estar da maneira
esperada. BAUDRILLARD, Jean. 1991. Simulacros e
Simulações. Lisboa. Relógio d'Água.
Fernandes (1997), enfatiza para o narcisismo
dos adultos que passaram a investir sua prole como um BETTS, Jaime. 1999. Missão Impossível?: Sexo,
bem a ser cuidado e protegido. Sentimento que Educação e Ficção Científica. In: CALLIGARIS,
necessita um mínimo de condições materiais que lhe Contardo. Educa-se uma criança? Porto Alegre: Artes
dêem sustentação: “Gostava delas. Mas ainda bem e Ofícios.
que Deus levou. Como eu ia sustentar tantas bocas.
DUARTE, Elizabeth Bastos. 2000. Considerações
Confesso, nunca chorei em enterro de filho meu. Não
sobre a produção midiática. In: Mídias e Processos
vou me rebelar contra a vontade de Deus. E, se morrer
de Significações. São Leopoldo, Unisinos.
mais um, é menos uma cruz para eu carregar. Bocas
para alimentar, cruzes para carregar, é como pensa FERNANDES, Heloísa Rodrigues. 1997. Infância e
Iracema, quinze filhos, nove dos quais mortos”, Modernidade: doença do olhar. In: GHIRALDELLI,
residente em Teotônio Villela, Alagoas, em 1995 (Folha Paulo. Infância, Escola e Modernidade. São Paulo.
de São Paulo, 12 de fev. 1995, p 1-8). Cortez

CONSIDERAÇÕES FINAIS MOREIRA, Daniel Augusto.2002. O Método


Fenomenológico na Pesquisa. São Paulo. Pioneira.
A concepção de criança é uma noção
SILVA, Tadeu Tomaz. 2001. O Currículo Como
historicamente construída e, conseqüentemente, vem
Fetiche: a poética e a política do texto curricular.
mudando muito. É possível que em uma mesma cidade
Belo Horizonte. Autêntica.
existam diferentes maneiras de se considerar as
crianças pequenas dependendo do contexto cultural a
qual pertencem.

3 - Função Paterna, é a função de interdição sobre a qual repousa a cultura, interdição fálica de um gozo que seria ilimitado se a morte não viesse
antes e estragasse a chance de desfruta-lo. Em nossa cultura ocidental, essa função recai sobre o pai simbólico, que interdita o que no registro do
real é o impossível e no registro do imaginário é vivido como impotência. (Betts, Jaime Alberto. Educa-se uma criança? Porto Alegre, Artes e
Ofícios, 1999. P.61)
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
30
Informática

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS


DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti 1

1. INTRODUÇÃO

Resumo Embora a Informática tenha


trazido grandes contribuições para
a área da saúde, ainda existem
Uma análise feita através dos resultados de uma pesquisa pode auxiliar no muitos desafios a serem vencidos.
aprimoramento da modelagem de Sistemas de Informação, adequada à realidade
regional, contribuindo com a qualidade de serviços de informações na saúde. Neste A organização de um centro de
artigo é apresentada uma pesquisa realizada nos hospitais que serviu para levantar o saúde é um assunto que instiga o
histórico dos sistemas de informação utilizados na região Noroeste do Estado do Rio propósito de se obter um ambiente
Grande do Sul - Brasil, bem como as necessidades existentes.
Palavras-chave: Hospital, Sistemas de Informação. informatizado. Criar esses
ambientes informatizados sabendo
escolher o melhor programa,
Abstract integrá-lo ao equipamento
adequado, qual base de dados
An analysis made through the results from a research can assist in the utilizar, além da arquitetura de rede
improvement of the modeling of Systems of Information, adjusted to the regional reality, a ser usada. Tudo isso exige um
contributing with the quality of information services in health. In this article a research is apanhado abrangente de
presented, carried out in hospitals that serve to raise the description of the use of
systems information in the region of the Northwest of the State of Rio Grande do Sul - conhecimento do profissional que
Brazil, as well as the existing necessities are presented. deve estar preparado para tantos
Keywords: Hospital, Systems of Information.
desafios.

O estudo desses Sistemas de


Informações regionais permite uma
abertura de oportunidades para
desenvolvimento de trabalhos na
área tanto por acadêmicos como
por toda a comunidade que
poderão se utilizar futuramente dos
dados obtidos para melhorar os
serviços prestados e utilizados por
essas instituições, tanto na área
administrativa quanto na parte
clínica da organização. Isso mostra
a relevância dessa pesquisa para a
abertura de portas aos acadêmicos
1 - Mestre em Ciências da Computação em 1998 pela UFSC. Professora e Coordenadora do no mercado de trabalho.
Curso Bacharelado em Sistemas de Informação da Faculdade Três de Maio SETREM. E-
mail: vllben@setrem.com.br

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


31
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti

Para realizar este estudo foi feita uma pesquisa encontrados na Região, mas subutilizados.
em hospitais da região (dentre eles, os mais
estruturados e procurados aplicando um questionário 2.1. Setores Hospitalares
elaborado para a coleta de informações durante o mês
de junho do ano de 2004. Esta pesquisa ofereceu uma Os itens sugeridos foram organizados com base
visão das condições destes Sistemas de Informações e na pesquisa realizada e comparada com alguns
identificou quais as deficiências existentes, como sistemas que já existem em empresas de outras
também o que pode ser mudado ou melhorado nesses regiões com sistemas mais utilizados na região e
sistemas. requisitados por estas instituições.
Isso mostra a relevância dessa pesquisa para a
abertura de portas no mercado de trabalho, pois 2.1.1. Internação
observa-se que a região Noroeste do Estado do RS tem
uma carência de profissionais que atuam O sistema realiza o cadastro único do paciente
especificadamente nesse mercado como também de com dispositivos que alertam sobre a duplicidade da
empresas que produzam e forneçam programas informação para buscas rápidas por nome, data de
específicos dessa área e atuem na implantação e nascimento e nome dos pais. Também deve propiciar
manutenção desses sistemas, como também na facilidade, segurança e rapidez na alocação de leitos
instalação de equipamentos computacionais podendo conter a planta física (layout) do hospital na
apropriados, além da consultoria necessária antes de tela do computador e permitindo que toda a
se aplicar um trabalho desse porte. Isso permitiria maior movimentação de paciente seja feita de forma visual.
facilidade para a prestação de serviços e agilizar o
atendimento, buscando-se as soluções na própria Deve gerenciar visualmente a ocupação do
região. hospital permitindo ao administrador saber, em tempo
real, qual é a ocupação efetiva do mesmo e quais leitos
estão em manutenção ou em limpeza, além de permitir
2. SISTEMAS DE INFORMAÇÃO a integração com os setores de farmácia e faturamento
HOSPITALARES com os quais tem ligação. [PersonalMed] [WebLabs]

A modelagem é uma técnica de engenharia 2.1.2. Prontuário Eletrônico


aprovada, que serve para a melhor visualização,
controle da arquitetura e melhor compreensão do Sistema para informatizar o histórico do paciente.
sistema que está sendo elaborado, muitas vezes Seu objetivo principal é permitir a integração dos
expondo oportunidades de simplificação e sistemas departamentais. Deve fornecer ao médico
reaproveitamento, além do gerenciamento dos riscos informações imediatas e de simples entendimento a
[Pressman]. respeito das condições de saúde atuais e passadas do
paciente com a finalidade de permitir uma adequada
Os itens a seguir sugeridos para o assistência médica.
desenvolvimento de um Sistema de Informação
Hospitalar adaptado à realidade da Região Noroeste do Fornecer ao pesquisador uma base de dados
RS servirão de apoio para o aprimoramento dos organizada, consistente e completa sobre a população
softwares (suprir o que falta nos sistemas) que já atendida, visando permitir a realização de
existem nestas instituições. Estes itens serão descritos levantamentos epidemiológicos, pesquisa clínica e
na forma textual. avaliação da assistência médica prestada.

Os sistemas hospitalares existentes hoje na Simplificar a administração dos registros


maioria dos hospitais da região são sistemas médicos, substituindo o prontuário médico tradicional
departamentais conforme os setores da instituição por sistemas computadorizados, reduzindo custos de
[Moura]. A idealização, conforme a pesquisa com os armazenamento e gerenciamento. [[PersonalMed]]
profissionais dessas instituições, é que os setores [Sissi]
sejam informatizados e que tenham uma integração
entre si. Os sistemas mais encontrados são os de: 2.1.3. Ambulatório
internamento, clínicos, faturamento e laboratorial, além
dos administrativos. Há uma preocupação com a falta O Sistema Ambulatorial é responsável pelo
da utilização do sistema para o histórico do paciente,
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
32
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti

agendamento e controle de consultas. Deve permitir a


montagem de agendas tanto por médico quanto por O Sistema de Farmácia e Estoque tem duas
especialidade, gerar o registro das fichas de funcionalidades principais. A primeira é de funcionar
atendimento ambulatorial, fornecendo condições para como um controle de estoque normal para
operar com o prontuário único do paciente e almoxarifado. A segunda é voltada especialmente
ferramentas para impressão e separação de pastas para atender todas as necessidades de uma farmácia
dos pacientes. funcionando com dose unitária, identificando
lote/validade dos produtos, disponibilizando saldos,
O sistema também deve fornecer diversas movimentações e relatórios por princípio ativo e/ou
estatísticas e relatórios, organizando e agrupando nome comercial, podendo filtrar as informações por
informações por médico, especialidade, CID (Código tipo de produto, grupo farmacológico e portaria de
Internacional de Doenças), faixa etária, sexo, região controlados (psicotrópicos). [PersonalMed]
geográfica, etc.
O sistema deve permitir controle de saldos por
2.1.4. Laboratório sub-estoques, movimentação através de código de
barras, agrupamento de informações dos produtos
O Sistema tem o objetivo de agilizar e aumentar a pelo nome genérico, emissão de relatórios de consumo
qualidade dos procedimentos. O pedido é controlado por departamento e paciente, além dos relatórios
desde a solicitação até a emissão do laudo que é feita normais de um controle de estoque, como curva ABC e
utilizando modelos predeterminados pelo usuário e requisição de reposição automática.
consistindo os resultados através de valores de
referência. O faturamento dos pedidos é automático, 2.1.8. Financeiro
gerando os procedimentos na conta do paciente.
[PersonalMed] [WebLabs] O sistema organiza todas as informações
existentes nos outros módulos e mais algumas
2.1.5. Faturamento informações digitadas pelo usuário para montar o custo
hospitalar. Este módulo deve dar duas visões de
O Sistema de Faturamento deve proporcionar custos: o custo do paciente e a comparação com a
facilidade e agilidade para tratamento (geração) das receita gerada e o custo de cada departamento,
faturas com base em tabelas de taxas e serviços do fornecendo indicadores para avaliar quais são os
hospital relacionadas com as tabelas utilizadas pelos pontos críticos da organização.
convênios.
2.1.9. Emergência
Outra característica importante é o controle das
contas em cada fase em que ela se encontra: digitação, O sistema mantém o registro das Fichas de
fechamento, auditoria, envio e recebimento, Atendimento de Emergência, fornecendo condições
fornecendo um controle completo sobre as contas e para operar com o Prontuário Eletrônico Único do
reduzindo as perdas. Paciente e ferramentas para impressão e gestão de
pastas dos pacientes. Fornece estatística e relatórios,
2.1.6. Compras organizando e agrupando informações por médico,
especialidade, CID, faixa etária, sexo, região
O Sistema de Compras fornece recursos que geográfica, etc. [WebLabs]
proporcionam velocidade e segurança no Processo de
Compra. O sistema deve manter um histórico de 2.1.10. Recepção
negociações com os fornecedores, tornar disponível
ao comprador informações e ferramentas tanto para Sistema onde são armazenados os dados do
compras de urgência como para compras em grande paciente, como por exemplo, se o paciente foi
quantidade com entrega programada. O sistema, além transferido de ala, se recebeu alta ou necessita da
de receber as requisições dos setores via terminal, presença de um familiar. Fornece todas as informações
pode também ser integrado com as requisições sobre os pacientes no caso de procura de familiares
automáticas do Sistema de Estoque e Farmácia. e/ou amigo. Este é o primeiro setor a ser procurado.

2.1.7. Estoque Farmácia/Almoxarifado 2.2. Desenvolvimento dos Sistemas

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti

Informações Administrativas em hospitais da região


Estes sistemas descritos acima podem ser que atualmente já conta com diversos setores
desenvolvidos pelos acadêmicos e demais informatizados (farmácia, recepção, internamento,
profissionais de informática. Alguns sistemas são estoque, contabilidade, faturamento, departamento
complexos, mas outros mais simples podem ser pessoal, compras e paciente), sendo que há projetos
desenvolvidos inicialmente como protótipos para para a interligação em rede destes setores.
serem usados na avaliação em trabalhos dos alunos.
Observa-se que a variação no que diz respeito ao
Com base nestes dados, uma incubadora de tempo em que cada instituição hospitalar começou a se
software poderá desenvolver programas que informatizar varia de dez a quatorze anos, sendo que o
posteriormente possam evoluir para programas último hospital a iniciar a sua informatização foi no ano
comerciais. Uma incubadora de software é o início para 2000.
a criação de uma empresa que possa suprir a demanda
de mercado existente nesse setor. Aprofundando esta
pesquisa, a incubadora e/ou os acadêmicos podem
identificar quais os programas e sistemas hospitalares
estudados na região ou ausentes que podem ser
interessantes para serem construídos com grande
possibilidade de exportá-los a outras regiões do país, a
exemplo de outras cidades do estado como Caxias do
Sul e Porto Alegre.
Gráfico 1: Ano de início da informatização dos hospitais da Região
3. RESULTADOS OBTIDOS Noroeste do Estado RS.

Também o número de setores informatizados


O desenvolvimento de Sistemas de Informação varia de acordo com o porte e os recursos de cada
para a área médica tem uma história de várias décadas hospital. Com a pesquisa, pode-se observar que esta
sobrepondo-se à própria história do desenvolvimento informatização ocorre com sistemas que são
da computação eletrônica, conforme [Hogarth] e desenvolvidos nos pólos de informática da Capital do
[Sabbatini]. Os primeiros sistemas desenvolvidos para Estado do RS ou em outros pólos de informática do
esta área conseguiram muitas realizações na país. Por exemplo, São Paulo e Brasília. Para
construção de sistemas hospitalares, notadamente os hospitais que têm pequeno investimento para a
ligados à área administrativa. Desta forma, tem-se hoje informática, pequenos sistemas são requisitados e
bem conhecidas as tecnologias e metodologias para a desenvolvidos em empresas de software da região.
implantação de sistemas como o Prontuário Eletrônico
de Pacientes, controle de admissões e altas,
faturamento e até mesmo alguns sistemas
exclusivamente de interesse médico, como o de
laboratório clínico.

É importante investir em pesquisa porque


através dela, podem-se detectar falhas e deficiências,
além de encontrar a situação real e atual sobre o
assunto investigado. Com o objetivo de analisar as Gráfico 2: Número de Computadores existentes nos Hospitais da
instituições hospitalares regionais, foi realizada uma Região.
pesquisa durante o mês de junho do ano de 2004, onde
foi aplicado um questionário para auxiliar a Outra avaliação realizada é que a maioria dos
identificação de como se encontra a informática hospitais tem um pequeno número de computadores
hospitalar na região Noroeste do Estado RS. (gráfico 2), estes utilizados principalmente pelos
sistemas administrativos, por exemplo, sistema de
Pelo Gráfico 1, pode-se observar que a faturamento dos hospitais. Observa-se uma relação
Informatização Hospitalar na Região Noroeste do entre o número de computadores existentes no hospital
Estado do RS teve início entre os anos de 1986 e 1990, com o número de setores informatizados. Quanto
com as primeiras implantações de Sistemas de maior o número de máquinas, maior o número de

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti

setores informatizados com distribuição de máquinas hospital. São exemplos de sistemas departamentais
igualmente em cada setor (não havendo a todos os sistemas da área hospitalar-administrativa e
concentração de computadores em apenas alguns sistemas como o de laboratório. Quando o sistema é
setores). departamental, geralmente não oferece uma visão
completa do prontuário do paciente e dificilmente
permite a integração com outros sistemas. A definição
de sistema de prontuário eletrônico surge em oposição
às características dos sistemas departamentais.
O prontuário médico eletrônico deve fornecer
uma visão única e integrada das informações médico-
hospitalares do paciente. Esta conceituação não
implica na existência de um sistema fisicamente
centralizado, mas deve prever a continuação dos
sistemas departamentais autônomos, acrescidos de
Gráfico 3: Número de Hospitais que têm profissionais de informática um controle lógico central que permita a integração de
atuando na instituição.
informações geradas localmente, proporcionando uma
visão completa e uniforme das informações médicas
Outro item observado é que na maioria das do paciente.
instituições hospitalares há a atuação de um De todos os hospitais em que houve a aplicação
profissional qualificado na área de informática do questionário, todos afirmaram ter um sistema que
trabalhando internamente (gráfico 3), ou para englobe as informações do tratamento e evolução do
desenvolver pequenos sistemas, ou para solucionar paciente, ou seja, um histórico detalhado do paciente,
pequenos problemas ligado à área. Dentre os mas muito pouco utilizado. A justificativa é de que cada
hospitais que têm algum profissional da área da cliente deve e quer ser atendido com atenção exclusiva
informática, ou que precisam da atuação indireta de e rápida, não havendo a possibilidade de colocar as
algum profissional, percebe-se que a grande maioria informações no sistema, da forma que ele exige.
são funcionários do hospital (gráfico 4). Outras
instituições hospitalares já estão optando por serviço
terceirizado, trazidos de fora da região, o qual faz o
treinamento inicial para o pessoal que irá trabalhar no
sistema, como também é a mesma empresa que faz a
manutenção quando necessário. Neste ponto,
percebe-se a dificuldade destas instituições quando
surgem problemas, pois a distância certamente
prejudica a rapidez e os custos desta manutenção.

Gráfico 5: Departamentos informatizados em hospitais.

Observa-se que a grande maioria dos setores


informatizados dos hospitais da região são os setores
administrativos, seguidos dos setores clínicos e,
posteriormente, os setores epidemiológicos (gráfico 5).
Outros setores específicos, um ou outro hospital tem
informatizado, não sendo de número relevante para ser
Gráfico 4: Número de profissionais da informática efetivos em citado no gráfico.
instituições hospitalares.
O gráfico que apresenta as necessidades
encontradas pelos Hospitais está demonstrado no
Observou-se, também, que a maioria dos
gráfico 6. A maioria dos hospitais necessita
sistemas informatizados nos hospitais da região é um
informatizar mais setores, principalmente os
objeto departamental, sendo que quando
epidemiológicos, e gostaria de ter maior número de
implementados, procuram atender às necessidades de
treinamentos dos sistemas. Outra grande
um grupo específico de usuários, não se relacionando
necessidade é a integração dos sistemas nos
e/ou comunicando com outros sistemas/setores do
diferentes setores hospitalares.
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM HOSPITAIS DA REGIÃO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
Vera Lúcia Lorenset Benedetti

setores do hospital e interligação dos sistemas. Estas


necessidades podem ser supridas por prestação de
serviços de acadêmicos, realização de estágios e
consultorias, organização da Empresa Júnior ou por
organização de empresa incubada, já que se percebe a
ausência de empresas na região que investem
especificadamente em sistemas da saúde.

REFERÊNCIAS

Gráfico 6: Maiores necessidades encontradas nos hospitais da


HOGARTH, M. Informática médica Um Pouco de
região. História. Informática Médica, São Paulo. Disponível
e m :
4. CONCLUSÃO <http://www.epub.org.br/informaticamedica/n0105/ho
garth.htm >. Acesso em: junho. 2004.
Uma pesquisa foi feita em hospitais da região
Noroeste do Estado do RS que permitiu a coleta de MOURA, L. Projeto de Desenvolvimento de
dados e a análise dos mesmos com a realidade da Sistema de Prontuário Médico Eletrônico.
região, identificando a história dos Sistemas de Disponível em: < www.hcnet.usp.br/projetos/pe.htm >.
Informação na saúde na região, como também as Acesso em: junho de 2004.
necessidades existentes.
PERSONAL MED. Sistema Hospitalar Integrado.
Disponível em:< www.personalmed.com.br> .Acesso
Uma dificuldade encontrada para se realizar este
em: maio/2004.
trabalho é que em cada município há hospitais com
diferentes níveis de informatização, o que também
PRESSMAN, R. Engenharia de Software. São Paulo:
depende do porte físico de cada instituição.
Makron Books, 2002.

De todos os hospitais que fizeram parte do SABBATINI, R. Tecnologias de Informação e o


questionário, todos os administradores dos hospitais Hospital Moderno. Informática Médica, São Paulo.
entendem que os sistemas de informação são de D i s p o n í v e l e m :
fundamental importância e que contribuem para a < h t t p : / / w w w. e p u b . o r g . b r / i n f o r m a t i c a m e d i c a
melhoria do funcionamento do mesmo, mas que, /n0203/sabbatini.htm> Acesso em: junho de 2004.
devido aos poucos recursos que os hospitais
disponibilizam, não é possível haver maior índice de SISSI, M. S. F. P. SIHOSP Um Sistema de
informatização do que o apresentado. Conforme vai Informação Hospitalar. Anais do IV FNCTS, Curitiba:
havendo sobra financeira e as necessidades de outros 1998.
setores e áreas são supridas, então sim, poderá haver
um investimento maior na área da informática. WEBLABS Tecnologia Ltda. Sistema Integrado
Hospitalar. Apresenta textos sobre sistemas
Outra necessidade é de que nos hospitais onde hospitalares. Disponível em:
há o sistema de prontuário, este deve ser adequado à <www.weblabs.com.br/sih/index.htm>. Acesso em:
melhor forma de utilizá-lo, a pedido do cliente (usuário junho/2004.
do sistema hospitalar). Para os hospitais onde não
existem estes sistemas, estes devem ser
desenvolvidos e implantados dentro das próximas
previsões financeiras, pois é dentro deste sistema que
pode haver todo o histórico da saúde de cada paciente
do hospital, havendo um melhor controle de cada um,
independente de qual setor ele irá ser atendido.

Este artigo apresenta algumas necessidades na


área da informática em hospitais da região, como
treinamentos, produção de softwares para os diversos
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Saúde

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO


DA ÁGUA Dinara Bortoli Tomasi1
Maria Cristina Pansera de Araújo2

INTRODUÇÃO
Resumo Reconhecendo a
importância da água para a
A água é um recurso natural garantidor da vida. A espécie humana, ao longo do
tempo, tem alterado o ambiente, provocando, muitas vezes, impactos que sobrevivência das diferentes
comprometem a sobrevivência dos seres vivos. A quantidade e a qualidade dos espécies, urge que as pessoas
recursos naturais que sustentam a vida estão ameaçadas de extinção, prova disso é a
escassez de água potável no mundo. A sociedade humana construiu a relação que aí percebam a necessidade de uma
está e só ela poderá mudá-la. Partindo-se do pressuposto que a consciência do ser mudança brusca nos hábitos de
humano se constitui nas interações que estabelece consigo, com os outros e com o consumo, pois a água é um recurso
ambiente, num processo histórico-cultural, é imprescindível para a superação dos
discursos ditos ambientalistas e das práticas de Educação Ambiental momentâneas, natural finito, de valor inestimável e
investir em ações construídas coletivamente, envolvendo diferentes segmentos da sua qualidade depende da nossa
sociedade para a preservação da água potável. Urge a prática de uma Educação
Ambiental que promova uma ação ética do cidadão frente aos recursos naturais que ação enquanto cidadãos,
são de uso comum do povo e essenciais à sadia qualidade de vida das presentes e habitantes deste Planeta.
futuras gerações. O professor, como agente interativo, é capaz de sensibilizar seus
alunos para serem disseminadores, na sociedade, de uma nova relação política, social,
econômica e ambiental, tão necessária para a garantia da vida no planeta. Acreditando na possibilidade
Palavras-chaves: Água. Vida. Educação Ambiental. Sociedade Humana. de uma Educação Ambiental que
promova uma ação ética frente aos

Abstract recursos naturais, especialmente a


água potável e os banhados, os
quais estão desaparecendo aos
Water is a natural resource that guarantees life. The human species, along the
time, has altered the atmosphere, provoking impacts that commit the survival of the nossos olhos e são de uso comum
living beings. The amount and the quality of the natural resources that sustain life are do povo e essenciais à sadia
threatened of extinction, proved by the shortage of drinking water in the world. The
human society has built the relationships existents and only it will be able to change this. qualidade de vida das presentes e
Starting from the presupposition that the human being conscience is constituted by the futuras gerações, realizou-se esta
interactions that he establishes with himself, with the other ones and with the pesquisa.
atmosphere, in a historical-cultural process, it is indispensable for the surmounting of
the speeches called ambientalists and of the momentary practices of Environmental
Education, to invest in actions collectively built, involving different segments of the Partindo-se do pressuposto
society for the preservation of drinking water. It urges the practice of an Environmental
Education that promotes an ethical action of the citizen front to the natural resources that que o ser humano se constitui nas
are from common usage of people and essential to the healthy quality of life of the interações estabelecidas consigo,
present and future generations. The teacher, as interactive agent, is capable to sensitize com os outros e com o ambiente,
his/her students to be circulators, in the society, of a new political, social, economical
and environmental relationship, so needed for the warranty of life in the planet. num processo histórico-cultural,
Key words: Water. Life. Environmental Education. Human society buscou-se compreender a
evolução e a transformação da
paisagem e as relações que se
estabeleceram entre a sociedade e
a natureza.
1 - Graduada em Biologia, com especialização em Biologia Geral e Currículo: Teoria e Prática
Educativa; Mestre em Educação nas Ciências; Professora do INSA e da URI Universidade
Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, de São Luiz Gonzaga (RS).
A efetivação de uma nova
2 - Licenciada em Ciências Biológicas, Mestre em Genética, especialista em Educação, relação da sociedade e a natureza
Doutora em Genética e Biologia Molecular, Professora da UNIJUI Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, de Ijuí (RS). só acontecerá se os sujeitos

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

sociais interagirem entre si, estabelecendo outros Natureza, iniciado com o aperfeiçoamento da mão,
com o trabalho, ampliava o raio de percepções do
níveis de consciência, ou seja, forem capazes de
homem, a cada novo progresso. Nos objetos
romper com as formas tradicionais de ação. Acredita- naturais, descobria ele constantemente outras
se que uma maneira eficaz de sensibilizar a sociedade qualidades até então desconhecidas. Por outro
humana da necessidade de preservação dos recursos lado, o aperfeiçoamento do trabalho, contribuía
naturais é conhecer mais a história dessa relação. para aproximar, cada vez mais, os membros da
sociedade.

Considerando a escola como uma instituição


social, não se concebem práticas docentes isoladas, O domínio da natureza, constitutivo da
abordagem de conceitos ecológicos humanidade e das suas relações sociais, parece ter
descontextualizados, imposição de atitudes começado, segundo Lumley-Woodyear (2001, p.210),
preservacionistas, campanhas ambientalistas quando
momentâneas..., como forma de resolver as questões
o homem domesticou o fogo numa época
ambientais. A escola poderá desenvolver atividades
relativamente recente de sua história, já que o fogo
coletivas, construídas dentro de um contexto, na data apenas de 400.000 anos. [...] O homem não
perspectiva de superação da unidisciplinaridade para a inventou o fogo. Ele o domesticou. Ele já o vira
interdisciplinaridade. A educação formal, não formal antes: incêndios de florestas, vulcões etc. Mas veio
e/ou informal desempenha um papel importante na o dia em que ele o domesticou. E isso foi um
(re)construção do conhecimento dos sujeitos sociais formidável motor da humanização. Em volta do
fogo desenvolveu-se a convivialidade. Em volta do
no que diz respeito à preservação dos recursos
fogo contam-se histórias. O fogo permitiu ao grupo
naturais, em especial a água potável e os banhados. tornar-se concreto, ter uma tradição, ter uma
cultura, ter um ancestral comum. O fogo
A E D U C A Ç Ã O A M B I E N TA L E A transformou completamente a humanidade.

PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
A transformação da humanidade se
complementa à medida que o ser humano aprendeu a
Desde os primórdios da existência do ser
se alimentar de tudo quanto é comestível, a viver em
humano, este interagiu com a natureza, provocou
diferentes climas e espalhar-se, autonomamente, por
alterações como qualquer ser vivo mas, a medida que o
toda a superfície habitável da Terra (ENGELS, 1985).
tempo foi passando, o impacto no ambiente foi
aumentando. As evidências fossilíferas indicam que há
No começo da história, os seres humanos viviam
mais de 400.000 anos a linhagem dos hominídeos se
em grupos. Primeiro em bandos, depois em tribos,
iniciou, mas de 200.000 anos para cá, esses fósseis
transladavam de um lugar para outro e a alimentação
apresentam características modernas, constituindo o
se baseava na caça de animais fáceis de capturar,
Homo sapiens. Conforme Futuyma (1992, p.542), “a
pescar, na coleta de fragmentos de vegetais, frutos e
linhagem que deu origem ao homem atual divergiu
raízes. Interagiam com o ambiente de forma
daquela que originou os grandes macacos pelo menos
respeitosa, retirando apenas o necessário para sua
de 3,5 a 4 milhões de anos, com a evolução para uma
sobrevivência. As florestas, os rios e os lagos eram
postura bípede precedendo grandes alterações na
usufruídos coletivamente.
mão e no crânio”.
O manuseio dos utensílios e ferramentas, que
O uso da mão facilitou aos hominídeos
eram de uso pessoal, permitiu a cada indivíduo o
segurarem os alimentos, colherem os frutos e, ainda,
desenvolvimento da linguagem, do cérebro e da
transformarem pedaços de sílica em faca, adquirindo,
comunicação entre os sujeitos, formando uma
assim, novas habilidades que podiam ser herdadas e
sociedade capacitada para a realização de novas e
melhoradas de geração em geração, como afirma
mais complexas atividades.
Engels (1985, p.217):
O animal apenas utiliza a Natureza, nela
A mão não é apenas o órgão do trabalho: é também
produzindo modificações somente por sua
um produto deste. [...] Mas a mão não estava só.
presença; o homem a submete, pondo-a a serviço
Era uma parte apenas de todo um organismo
de seus fins determinados, imprimindo-lhe as
altamente complicado. E o que era proveitoso para
modificações que julga necessárias, isto é, domina
a mão era igualmente útil para o corpo, a cujo
a Natureza. E esta é a diferença essencial e
serviço ela se encontrava. E essa atividade era
decisiva entre o homem e os demais animais; e,
duplamente proveitosa. [...] O domínio da
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38
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

por outro lado, é o trabalho que determina essa de se dedicar apenas à colheita de frutos, à caça e ao
diferença. [...] Os homens que na Mesopotâmia, na pastoreio, para trabalhar a terra, alterando, assim,
Grécia, na Ásia Menor e noutras partes do mundo
ainda mais, os ecossistemas e o próprio modo de vida
destruíram os bosques, para obter terra arável, não
podiam imaginar que, dessa forma, estavam dando
da humanidade, que se tornou sedentária. Isso tudo
origem à atual desolação dessas terras ao despojá- provocou um acúmulo de pessoas num mesmo local,
las de seus bosques, isto é, dos centros de levando alguns seres humanos a se preocuparem com
captação e acumulação de umidade. (ENGELS, as questões ambientais, especialmente com a
1985, p.223-224) qualidade das águas1, o destino dos esgotos e do lixo.

A humanidade como parte da Natureza, por muito A vida sedentária começou provavelmente nas
tempo, acompanhou o ciclo dos seres numa relação proximidades dos grandes rios: na Mesopotâmia (entre
interdependente e dialética (FUTUYMA, 1992). No Tigre e Eufrates), no Egito (às margens do Nilo), na
procedimento inicial, o ser humano, o grupo e a Índia (às margens do Indo) e na China (às margens do
natureza se confundiam como seres idênticos. Esse Hoangô) (CHASSOT, 2000).
primeiro modelo de relação entre Natureza e Cultura,
segundo Castells (1999, p.505), Para aumentar a produção agrícola, a sociedade
humana começou a construir instalações para
...foi caracterizado, há milênios, pela dominação da
captação e eliminação de águas, implicando em
Natureza sobre a Cultura. Como a antropologia nos
ensinou, remontando os códigos da vida social às
derrubada de matas. A água potável era transportada
raízes de nossa identidade biológica, os códigos de de longa distância e os dispositivos utilizados para o
organização social expressaram quase transporte, das montanhas para as cidades, assumiam
diretamente a luta pela sobrevivência diante dos a forma de aquedutos que eram construídos de arcos
rigores incontroláveis da Natureza. de pontes que sustentavam inúmeros canais, abertos
ou cobertos (LIEBMANN, 1976).
Até então, a natureza era entendida como uma
reserva de beleza e verdade que garantia aos Na Antigüidade, especialmente a civilização da
humanos a sua subsistência. Essa fase caçadora- região mediterrânea, havia três preocupações em
coletora se estendeu até cerca de 15 a 10 mil anos relação à preservação ambiental: a erosão do solo, os
atrás, quando se desenvolveu a agricultura. Esta foi recursos hídricos e a prática da higiene. “...nas
responsável pelo início da transformação humana na civilizações antigas, as preocupações com a água
face da Terra (FUTUYMA, 1992). foram, desde os seus primórdios, um fator econômico
predominante. As primeiras leis da humanidade,
Conforme Morin (2001, p.45), fixadas por escrito, são códigos que regulam o uso da
água” (LIEBMANN, 1976, p.84).
Os indivíduos são produtos do processo reprodutor
da espécie humana, mas este processo deve ser
ele próprio realizado por dois indivíduos. As
Nessa época, os cursos de água e as fontes
interações entre indivíduos produzem a sociedade, mereciam a veneração da população, como
que testemunha o surgimento da cultura, e que demonstrado no Antigo Testamento, no livro de
retroage sobre os indivíduos pela cultura. Cada um Ezequiel:
desses termos é ao mesmo tempo meio e fim: é a
cultura e a sociedade que garantem a realização Então o homem disse-me: “Você viu, criatura
dos indivíduos, e são as interações entre os humana?” E me faz voltar para a margem da
indivíduos que permitem a perpetuação da cultura torrente. Quando voltei, havia nas margens, de um
e a auto-organização da sociedade. Entretanto, lado e de outro, árvores abundantes. Ele me disse:
podemos considerar que a plenitude e a livre “Essa água que escorre para o lado oriental desce
expressão dos indivíduos-sujeitos constituem para a Arabá e entra no mar. Ao entrar no mar, a sua
nosso propósito ético e político. água se torna potável. Por isso, em todo lugar por
onde passar a torrente, os seres vivos que povoam
O ser humano, inserido na sociedade, começou a terão vida. Haverá abundância de peixes, pois
provocar mudanças significativas no ambiente; deixou onde quer que essa água chegue, ela levará vida.
De modo que haverá vida em todo lugar que a

1 -“A palavra Água refere-se ao elemento natural desvinculado de qualquer uso ou utilização, e nos três estados físicos fundamentais: sólido,
líquido e gasoso”. Recursos Hídricos referem-se à água enquanto bem dotado de valor econômico, portanto destinado a um ou outro uso ou
finalidade. A água destinada ao consumo humano é um recurso hídrico sendo classificada, em âmbito mundial, como doce (- de 1.000 mg/1, de
sólidos totais dissolvidos ou salinidade inferior a 0,5%). (Maria Lígia Cassol PINTO. De água a vontade a águas controladas. In: Brasil 500 Anos A
construção de uma nova nação. Ijuí: UNIJUÍ, 2000. P.173.)

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

torrente atingir. Nas suas margens existirão Essa relação passou a ser competitiva, individualista e,
pescadores, e desde Engadi até En-Eglaim haverá sobretudo, exploratória, dominada pelo sistema
lugares para jogar as redes. Haverá muito peixe,
econômico capitalista. O ser humano passou a ser
das mesmas espécies de peixes do mar
Mediterrâneo. Contudo, os brejos e pântanos não
consumidor desenfreado de materiais e energias,
serão de água potável; serão deixados como produtor de maior quantidade de resíduos e de
reservas de sal. Nas margens da torrente, de um poluentes e, conseqüentemente, os ecossistemas
lado e do outro, haverá toda espécie de árvores passaram a sofrer alterações alarmantes.
com frutos comestíveis, cujas folhas e frutos não se
esgotarão. Essas árvores produzirão novos frutos
Segundo Callai (1993, p.44),
de mês em mês, porque a água torrente provém do
santuário. Por isso, os frutos servirão de alimento e
as folhas de remédio”. (Antigo Testamento, a história da natureza e a história relacionam-se a
EZEQUIEL, 47, 6-12) escalas de análise diversas, com diferentes
dimensões de tempo. Embora seja um pequeno
ponto dentro da escala da natureza, a história do
Com relação à qualidade da água, havia uma homem e de sua busca pela sobrevivência através
preocupação maior, porém isso não se repetia em do trabalho determina profundas mudanças na
relação à preservação das florestas. A derrubada de ordem de relações que se estabelecem entre ele e a
matas era praticada para a construção de moradias, de natureza, passando-se da integração e da
navios e também para a expansão das lavouras, de cooperação para a dominação e a subordinação. O
homem, com a consciência de que pode alterar o
trincheiras e de caminhos em tempos de guerras.
seu espaço, tende a se diferenciar dos outros
Como conseqüência, as florestas diminuíam e perdiam animais. Quebra-se, pois, a harmonia; homem e
cada vez mais o seu papel de armazenadoras de água. natureza se distanciam; de fora da natureza o
O solo, sem vegetação, era carregado pela chuva para homem passa a agir sobre ela.
os estuários dos rios, levando nutrientes, contribuindo
para o seu assoreamento. O ser humano, agindo Conforme a descrição realizada por Thomas
assim, começou a não respeitar a escala do tempo da (2001, p.302), em seu estudo sobre a mudança das
natureza, o que comprometeu a relação dos seres atitudes em relação aos seres vivos entre 1500 e 1800,
vivos entre si e destes com o ambiente. Essas “para os propagandistas agrícolas dos séculos XVI e
primeiras atitudes dos seres humanos em relação às XVII, as charnecas, montanhas e pântanos não
florestas registraram o início de uma relação lavrados, eram o símbolo vivo do que merece ser
desarmônica com o ambiente. condenado”. Entretanto, louvava-se o solo que fora
limpo e conquistado frente às matas e aos arbustos.
O abastecimento de água à população humana e
a eliminação dos esgotos desempenharam importante Nessa época, a paisagem cultivada se
papel no planejamento das construções urbanas. caracterizava por formas cada vez mais regulares. De
Exemplo disso é Roma, que por volta dos anos 50 d.C, acordo com Thomas (2001, p.304), “a prática de plantar
já contava com grandes canalizações para o cereais ou vegetais em linhas retas não era apenas um
abastecimento de água potável, perfazendo mais de modo eficiente de aproveitar espaços escassos;
400 Km, o que possibilitava, a cada romano, a também representava um meio agradável de impor a
disponibilidade de 95 litros de água potável por dia ordem humana ao mundo natural desordenado”. A
(LIEBMANN, 1976). simetria e a regularidade eram traços essenciais da boa
agricultura que caracterizaram o início do período
Com o aumento da produção agrícola e a moderno, marcado pelo predomínio da sociedade
domesticação de alguns animais, o ser humano humana sobre o mundo da natureza.
percebeu que a estocagem dos alimentos era possível,
garantindo o seu sustento e a comercialização do O ser humano moderno intensificou a
excedente. Movidos por interesses e/ou necessidades, transformação dos recursos naturais em mercadorias
os humanos conceberam novas técnicas e construíram ou produtos voltados ao lucro. Em determinados
novos instrumentos que são utilizados cada vez mais momentos, tem-se a impressão de que a natureza é um
para modificar o mundo natural. manancial ilimitado de recursos à disposição dos seres
humanos e a maioria destes desconhece que o tempo
O projeto sociocultural da modernidade da natureza difere do tempo social. A dinâmica do
influenciou o relacionamento dos seres humanos entre Universo demorou anos para ser construída e o ser
si, bem como com os demais elementos do ambiente. humano é capaz de destruí-la, sem escrúpulo, em

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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

questão de minutos ou até mesmo de segundos. 1991, p.31)

De todos os problemas enfrentados pelo sistema


Atualmente, o espaço produzido pelos seres
mundial, a degradação ambiental é talvez o mais
humanos exige um conhecimento cada vez maior, não intrinsecamente transnacional e, portanto, aquele
apenas para poder operar com diferentes aparelhos que, consoante o modo como for enfrentado, tanto
que necessita para realizar suas atividades vitais, tais pode redundar num conflito global entre o Norte e o
como: trabalhar, estudar, deslocar-se, comunicar-se, Sul, como pode ser a plataforma para um exercício
divertir-se..., mas, também, para perceber a política do de solidariedade transnacional e intergeracional. O
futuro está, por assim dizer, aberto a ambas as
neoliberalismo, em que a globalização, calcada na
possibilidades. (SANTOS, 1994, p.256)
competitividade e não na interdependência, gera uma
fragmentação do espaço-tempo, numa posição
A realidade constatada nesse início do terceiro
autoritária dos países ricos que dominam uma periferia
milênio mostra que a quantidade e a qualidade dos
pobre sem poder de discussão sobre a disponibilidade
recursos naturais que sustentam a nossa vida estão
e consumo dos recursos naturais do globo. Isso
ameaçadas, como prova disso é a escassez da água,
significa que invariavelmente o fato local está quase
pois nos próximos vinte e cinco anos um contingente de
sempre atrelado a um global mais distante. (THOMAS,
2,8 bilhões de pessoas viverá em regiões de seca
1998)
crônica (ONU). Os recursos hídricos são os mesmos
desde o início do mundo e a população só vem
Segundo Castells (1999, p.505), “estamos
aumentado (NOVAES, 1999). Conforme Chomenko
entrando em um novo estágio em que a Cultura refere-
(1998, p.7), “cabe destacar que o elemento ÁGUA será
se à Cultura, tendo suplantado a Natureza a ponto de a
o fator limitante para o desenvolvimento mundial, já em
Natureza ser renovada, 'preservada' artificialmente
poucos anos, sendo que hoje muitas regiões no mundo
como uma forma cultural: de fato, este é o sentido do
sofrem graves conseqüências decorrentes da
movimento ambiental, reconstruir a Natureza como
falta/escassez da mesma”.
uma forma cultural ideal”. Para Morin e Kern (1995,
p.186) chegou a hora do ser humano “não mais
O Brasil é o maior detentor de água doce do
dominar a Terra, mas cuidar da terra doente, habitá-la,
mundo (dispõe de 8% das reservas mundiais) e a
arrumá-la, cultivá-la”. Considerando esses aspectos é
sociedade brasileira, até hoje, pouco se preocupou em
que deverá ser construída uma nova relação com o
economizar água, pois este recurso sempre foi
ambiente e, portanto, faz-se necessária uma educação
considerado inesgotável pela maioria da população.
que promova e cultive tais valores sociais, bem como
Porém, a distribuição geográfica desigual (70% das
novas atitudes.
águas estão concentradas na bacia Amazônica, onde
residem apenas 7% da população, e os 30% restantes
Nesse contexto, as idéias apresentadas por
abastecem os outros 93% da população) e a poluição
Bressan (1991) e Santos (1994), citadas a seguir,
dos mananciais, causada pelos dejetos industriais e
servem como fundamento para uma reflexão que
domésticos, forçam os brasileiros a pensar sobre o uso
permita compreender melhor a relação sociedade
racional e a conservação da água. (NOVAES, 1999;
humana-natureza que foi construída ao longo da
ÁGUA está..., Correio do Povo de 28/08/2001, p.8)
história e que, a continuar como está, levará a um
colapso. É, portanto, um dever tentar modificar essa
A agricultura consome o maior volume de água
relação de modo a proporcionar uma melhor qualidade
(69%), no Brasil, seguida da indústria (23%) e 8% para
de vida para todos os seres vivos, sem privilegiar o
o uso doméstico. Os atuais índices de desperdício são
consumo ambiental extremado.
alarmantes. Segundo dados fornecidos pelo Ministério
do Meio Ambiente Secretaria Nacional dos Recursos
A crescente deterioração do meio ambiente, um dos
problemas cruciais para o futuro da civilização, Hídricos, citados por Novaes (1999, p.16),
adquire uma dimensão política incontornável. O
tratamento da problemática ambiental como (...) na agricultura, por exemplo, apenas 40% da
fenômeno social, a amplitude sem precedentes que água destinada à irrigação cumpre seu papel. Os
esta questão assume nas sociedades outros 60% são desperdiçados pela quantidade
contemporâneas, especialmente no capitalismo e a excessiva empregada, pela aplicação fora do
compreensão dos recursos naturais como bem período de necessidade das plantações, pela
público constituem elementos imprescindíveis para irrigação em horários impróprios, como nos de
uma análise que busque estabelecer relações de maior evaporação, pelo uso de técnicas
cooperação entre homem e natureza. (BRESSAN, inadequadas ou falta de manutenção nos sistemas

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41
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

de irrigação. natureza, a água das chuvas corre para os canais de


drenagem e destes rapidamente para os rios, causando
É indispensável que as pessoas percebam a um substancial aumento do seu volume e a
necessidade de uma mudança nos seus hábitos de conseqüente inundação de suas margens.
consumo, pois os recursos da natureza são finitos e
interdependentes e a qualidade destes depende da Para Palazzo Jr. [19..],
nossa ação enquanto cidadãos, habitantes deste
Planeta. preservados os banhados, não apenas haveria
suprimento permanente de água e regularização
Entre tantos problemas ambientais, uma das climática, mas também a fauna silvestre disporia de
abundante alimento natural e abrigo, não invadindo
preocupações fundamentais é com a preservação da
nem danificando as plantações, antes contribuindo
água, um dos fatores naturais indispensáveis à vida.
para o controle das pragas agrícolas.
Esse recurso hídrico pode ser encontrado nos rios,
lagos, lençóis freáticos, mares, geleiras... e aflora nas Silva (1997, p.2) afirma:
nascentes de várias formas, entre as quais os
banhados. Estes, normalmente, constituem-se de Os banhados são naturalmente ambientes de
áreas planas e alagadiças. elevada produtividade biológica, proporcionando
suporte a diversas comunidades vegetais e
Conforme Irgang (1996), “o mundo enfrentará um animais. Representam importante papel na
manutenção da qualidade das águas, depurando-
sério problema de água potável no próximo século,
as, regulando vazões à montante devido ao
com os banhados significando uma fonte de reserva
armazenamento proporcionado por suas áreas
importante”. O autor ainda ressalta que no início do inundáveis, e sua existência é fundamental para
século XX, os banhados ocupavam 15% do território garantir a manutenção da dinâmica dos níveis
gaúcho e hoje representam apenas 1% da área total. freáticos. Costumam ser considerados Ecótonos,
Sendo que o recente Inventário Florestal Contínuo do ou seja, ecossistemas de transição, entre
ambientes de terra firme e corpos d'água
Rio Grande do Sul (2001) destaca que esse percentual
permanentes de águas profundas. Esse caráter de
caiu para 0,6. A diminuição na área dos banhados torna
transição é demonstrado tanto em termos espaciais
os rios irregulares, provocando cheias ou períodos de quanto em termos qualitativos. Sendo Ecótonos,
estiagens, acarretando desequilíbrios climáticos, de alguns autores os consideram sistemas de baixa
fauna e flora, degradando muitas vezes, estabilidade, estando os mesmos submetidos a
irreversivelmente, o ambiente, pois o banhado é uma constante tensão. Sendo a água o constituinte que
define esses sistemas, é de se esperar que a
fonte de reserva de água. As principais causas do
preservação dos mesmos esteja baseada na
desaparecimento dos banhados são a expansão das
manutenção de níveis adequados das lâminas
áreas residenciais e o cultivo do arroz. d'água ao longo do tempo.

O banhado na natureza desempenha um Os banhados precisam ser preservados, mas


importante papel que é o de garantir a sobrevivência de para isso é necessário conhecê-los. O espaço ideal
seu ecossistema vizinho, normalmente as lagoas. para “sensibilizar” as pessoas da importância desses
Quando há uma seca, o banhado fornece água para os ecossistemas é a escola. É urgente que se pense em
córregos e quando há cheia retém, fazendo o papel de ações concretas garantidoras do abastecimento de
uma esponja. Como essas nascentes são muito ricas água para as presentes e futuras gerações. E, nesse
em matéria orgânica, em decorrência da sentido, é fundamental conhecer as leis que
decomposição de juncos e gramíneas, também têm regulamentam e dispõem sobre os recursos naturais,
uma biodiversidade extremamente rica. (CHOMENKO, seu uso e preservação. No caso específico da água,
1992) existe uma legislação vigente, tanto no âmbito estadual
quanto federal. Alguns artigos das referidas leis: nº
Antes mesmo dos conservacionistas 10.350, de 30/12/1994 e nº 9.433, de 08/01/1997, bem
proclamarem a utilidade e a beleza dos banhados, a como o Código das Águas Decreto nº 24.643/1934.
maioria das pessoas só via neles áreas horríveis, locais A gestão dos recursos hídricos passa a ser
fétidos. (THOMAS, 2001) Esses ambientes deveriam descentralizada, contando com a participação do Poder
ser drenados para serem recuperados. No entanto, os Público, usuários e comunidades, a partir da Lei nº
banhados são áreas importantes por reterem enorme 9.433, de 08/01/1997.
quantidade de água que depois é escoada lentamente.
Sem esses ecossistemas, verdadeiras esponjas da
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

Tendo em vista que a educação continua sendo


um dos melhores meios para a propagação da A educação formal, não formal e/ou informal
informação, Assmann (1997, p.3) ressalta: desempenha um papel importante na (re)construção
do conhecimento dos sujeitos sociais, no que diz
A resolução definitiva da chamada problemática respeito à preservação dos recursos naturais, em
ambiental não depende unicamente do conjunto de especial a água potável e os banhados.
normas, regras, leis, ou qualquer outro instrumento
compulsório que seja. Por uma razão muito singela:
os homens fazem as leis, mas as leis não fazem os CONCLUSÃO
homens. É uma solução que passa,
fundamentalmente, pela tomada de consciência da
Diante dessas referências à Educação
ação do homem sobre o meio que habita. E não há
outro caminho eficaz a percorrer que não seja o da
Ambiental, os educadores sentem-se desafiados e
educação. mais responsáveis pela preservação local, numa
perspectiva global, das gerações presentes e futuras.
Sabedores da importância da afirmação acima, Daí a necessidade da Educação Ambiental ser
enquanto educadores, preocupados com as fontes de incorporada numa dimensão que considere os
água que, lamentavelmente, encontram-se aspectos biopsíquico e sociocultural, que constroem as
ameaçadas de extinção e reiterando que uma das relações indivíduo/sociedade/natureza/cultura, de
maneiras mais eficazes de preservar os banhados é modo a atingir um pensar global a partir do local.
através da educação, faz-se necessário o Buarque (2000, p.22), ao afirmar que “temos
envolvimento da sociedade humana para que se preocupações universais sem perder a perspectiva do
realize, na prática, o previsto na Constituição Brasileira local”, inspira e reforça a proposição defendida nesse
de 1988, no capítulo VI, artigo 225, intitulado Do Meio texto, assim como as palavras de Castells (1999,
Ambiente: p.440): “As elites são cosmopolitas, as pessoas são
locais. O espaço do poder e riqueza é projetado pelo
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente mundo, enquanto a vida e a experiência das pessoas
ecologicamente equilibrado, um bem de uso ficam enraizadas em lugares, em sua cultura, em sua
comum do povo e essencial à sadia qualidade de história”.
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade
o dever de defendê-lo para as presentes e futuras
gerações.
É imprescindível uma ação educativa capaz de
contribuir para a constituição de um cidadão consciente
Considerando a necessidade urgente de de suas potencialidades, comprometido com a
preservar os recursos naturais que ainda restam e performance organizacional, com a vida e com o bem-
repor os que foram devastados, foi instituída a Política estar da sociedade na qual está inserido. Segundo
Nacional de Educação Ambiental pela Lei nº 9.795, de Vigotsky (1999, p.73), “o controle da natureza e o
27/04/1999, que dispõe sobre a Educação Ambiental: controle do comportamento estão mutuamente ligados,
assim como a alteração provocada pelo homem sobre
Cap. I: Da Educação Ambiental a natureza altera a própria natureza do homem”.
Portanto, as atividades mediadas e as relações
Art. 1º- Entendem-se por educação ambiental os humanas, somadas às suas condições de existência e
processos por meio dos quais o indivíduo e a historicidade, desempenham um papel importante na
coletividade constroem valores sociais, constituição/formação da consciência humana.
conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do
A Escola continua, neste tempo e espaço
meio ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua
vivenciado, com seu diferencial, ser uma instituição
sustentabilidade. preocupada com a interação pessoal, em que a prática
docente se fundamente em ações de solidariedade,
Art. 2º- A educação ambiental é um componente construídas através da Educação Ambiental. Esta deve
essencial e permanente da educação nacional, visar uma mudança nas relações humanas, que inclui,
devendo estar presente, de forma articulada, em
entre outras alterações, a conversão da competição em
todos os níveis e modalidades do processo
educativo, em caráter formal e não-formal.
cooperação, do desperdício em otimização do uso e da
irresponsabilidade social em participação ativa para a
Art. 3º- Como parte do processo educativo mais melhoria da qualidade de vida (VASCONCELLOS,
amplo, todos têm direito à educação ambiental. 1994).
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
Dinara Bortoli Tomasi - Maria Cristina Pansera de Araújo

Janeiro: Garamond, 2000.


Diante da atual realidade constatada, a prática da
Educação Ambiental em determinadas ocasiões e CALLAI, Helena Copetti. A cidade e a (re)criação da
locais não surte o efeito esperado, visto que a relação homem-natureza. Ciência & Ambiente.
motivação é apenas momentânea. Tomada a iniciativa Universidade Federal de Santa Maria. Coordenação do
de realização de alguma ação relacionada ao meio Curso de Engenharia Florestal, Universidade de Ijuí.
n.7, ano IV. Santa Maria: UFSM; Ijuí: UNIJUÍ, 1993.
ambiente (por exemplo o plantio de árvores para a
reposição da mata ciliar), não há o acompanhamento
CASTELLS, Manuel. A era da informação, economia,
posterior necessário, estabelecendo-se ações
sociedade e cultura: espaço e tempo entrelaçados
meteóricas. Isso se repete, a cada ano, de modo que a
na natureza das sociedades. São Paulo: Paz e Terra,
mudança de atitudes e valores esperados pela teoria 1999. V.1.
da Educação Ambiental não se concretiza. Almejando,
então, uma ação ética do cidadão frente aos recursos CHASSOT, Attico. A ciência através dos tempos. São
naturais, especialmente a água potável e os banhados Paulo: Moderna, 2000. 191p.
(nascentes de rios e arroios), que estão
desaparecendo aos nossos olhos e que são de uso CHOMENKO, Luiza Banhado. Ecossistema
comum e essenciais à sadia qualidade de vida das ameaçado pelo arroz. Zero Hora, Porto Alegre (RS),
presentes e futuras gerações, faz-se necessário p.14, 26 jun. 1992.
repensar a atual relação sociedade humana-natureza, ______. Sistemas agrícolas irrigados e suas
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A EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA
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Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


45
Saúde

ESTABELECER AS BASES PARA O PROJETO


DE UM EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM
INCINERADORES DE RESÍDUOS DE SERVIÇOS
DE SAÚDE Vilson Bernardo Stollmeier 1

1. HISTÓRICO
Resumo 1.1 Histórico da poluição
do ar
Este artigo inicia com a preocupação do uso de incineradores inadequados que
não possuem condições regulamentadas pelas normas ambientais no controle de
poluentes atmosféricos. O trabalho consiste em pesquisas e a fonte principal das No momento em que o
informações técnicas é uma indústria de incineradores hospitalares, localizada em homem descobriu o fogo teve início
Panambi, Rio Grande do Sul, Brasil. Para o desenvolvimento do produto foram
realizadas coletas de dados, no próprio incinerador, dando início a estudos do sistema a poluição do ar. Naturalmente, a
de incineração em relação aos poluentes atmosféricos gerados. O produto chamado atividade do homem primitivo não
“Lavador de Gases com Torre de Absorção” proporciona uma condição de tratamento
final dos gases após a incineração de resíduos hospitalares para futuras avaliações de pode ser comparada à atual.
instalação e operação conforme normas ambientais vigentes. A metodologia consiste Porém, não resta dúvida que
na forma de análises e pesquisas e, conseqüentemente, o trabalho dividido em cinco muitos de nossos antepassados
capítulos: os objetivos do trabalho, o conhecimento do resíduo, a definição para
análise, a proposta de projeto de produto para lavador de gases com torre de absorção remotos tiveram problemas ao
e as conclusões e recomendações. Assim, a proposta de fusão de duas tecnologias, acender uma fogueira em uma
inclusive a incineração, objetiva um produto de alta eficácia com a lavagem e absorção
de gases.
caverna mal ventilada.
Palavras-chaves: Incinerador hospitalar, lavador de gases, resíduo de serviço
de saúde. As queimadas - feitas
propositalmente em matas e
Abstract campos naturais a fim de limpar a
terra para o cultivo - também
constituem uma das mais antigas
This article starts with a concern about the use of inadequate incinerators,
presenting no conditions regulated by environmental norms on control of atmospheric fontes de poluição do ar
pollutants. The work is based on research and the main source of technical information provocadas pelo homem. Quando
is an industry of nosocomial incinerators located in Panambi, Rio Grande do Sul, Brazil. a sociedade passou a se organizar
For the development of the product data were collected on the proper incinerator,
launching studies of the incineration system related to generation of atmospheric em cidades, começaram a surgir
pollutants. The product called “Gas Washer with Absorption Tower” provides a final problemas mais sérios de
treatment condition for gases after nosocomial residues incineration basic for future
assessment of installation and operation according to current environmental norms. contaminação atmosférica, em
Methodology consists of analysis and research dividing the article in five chapters: geral ligados ao asfalto. Os fossos
objectives; the residues knowledge; analysis definitions; the proposal of product's que cercavam os castelos da idade
project for gas washer with absorption tower and the conclusion and recommendations.
So the proposition of fusion of two technologies, including the incineration, aims a média, por exemplo, além de sua
product of high efficacy with washing and absorption of gases. finalidade de defesa, recebiam os
Key words: nosocomial incinerator, gas washer, health service residue.
esgotos produzidos no seu interior;
isso os tornava extremamente
fétidos. Também não havia
1 - Engenheiro Industrial Mecânico, Mestre em Projeto de Produto, Professor de Engenharia da qualquer sistema de recolhimento
Produção Agroindustrial da SETREM. chinula@profnet.com.br

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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ESTABELECER AS BASES PARA O PROJETO DE UM EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM INCINERADORES DE
RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Vilson Bernardo Stollmeier

de lixo. Os detritos eram simplesmente lançados na combustíveis, no entanto, começaram a ser lançados
rua, onde se decompunham, produzindo odores elementos muito nocivos à saúde. Com isso, a poluição
bastante desagradáveis. Havia, ainda, os matadouros do ar deixou de ser um problema básico de bem-estar,
e curtumes, onde não prevalecia qualquer passando a representar, também, um risco real à
preocupação de ordem higiênica. Eles também poluição.
representavam grandes fontes produtoras de odores
fétidos, bem como os currais e cavalariças, sempre No início, esse risco estava quase limitado aos
localizados dentro das cidades. trabalhadores locais, como por exemplo os operários
das minas de carvão. Eram freqüentes entre esses
Hoje, nos grandes centros urbanos, embora operários mortes em acidentes de trabalho ou
tenhamos de respirar um ar bastante contaminado, intoxicações pelo ar insalubre do interior das minas.
responsável por muitos problemas de saúde, Com a intensificação da atividade industrial, esses
conseguimos eliminar em parte muitos dos problemas episódios deixaram de ser localizados tendo, assim,
que existiam nas primeiras formações urbanas dos uma abrangência maior, e passaram a atingir toda a
séculos passados. Podemos dizer que respirar numa população das cidades.
cidade moderna é mais perigoso, mas menos
desagradável que uma cidade da Idade Média. Já neste século, os centros urbanos adquirem
um novo panorama, tornam-se cada vez maiores e
1.2 A Revolução Industrial mais populosos. A utilização de veículos automotores é
crescente. Com isso, surgem os chamados episódios
A poluição do ar passou a ser considerada um críticos de poluição do ar em diversas partes do mundo,
problema mais abrangente, ligado à saúde pública, a alguns dos quais fazem muitas vítimas.
partir da Revolução Industrial, quando teve início o
sistema urbano atual. Nos séculos XVIII e XIX, Os mais antigos episódios críticos de poluição do
desenvolve-se a técnica industrial, inicialmente na ar conhecidos ocorreu muito antes da Revolução
Inglaterra e, depois, em outros países. Uma delas no Industrial, no ano de 1283. Nessa época, em algumas
setor da metalúrgica, como por exemplo, na Alemanha cidades da Inglaterra, a lenha se tornou escassa. A fim
em 1556, em algumas fundições possuíam câmaras de de substituí-la, era comum o uso de carvão mineral
sedimentações para retenção de particulados. A partir para aquecimento. Acontece que ao ar livre, esse
de 1769, com a invenção da máquina a vapor, o homem combustível fóssil não atinge uma queima completa,
finalmente consegue obter energia mecânica para produzindo grande quantidade de fuligem. Naquele
movimentar os mais variados artefatos, sem ter de ano, na cidade Nottingham, a quantidade de fumaça
recorrer à força animal. Julga-se poderoso com isso e negra era tão grande que a rainha, Eleanor de Castela,
passa, então, a usar indiscriminadamente essa nova esposa do rei Eduardo I, viu-se obrigada a abandonar a
técnica, através da queima de grandes quantidades de cidade. O rei Eduardo decretou, então, leis que
carvão, lenha, depois óleo combustível. Com isso, a proibiam a queima de carvão mineral. Consta nos
atmosfera dos centros industriais que vão se arquivos históricos que um homem chegou a ser
desenvolvendo se torna insalubre, perigosa para a decapitado por desobedecer a esse edito real.
saúde. Havia uma grande quantidade de fuligem em
suspensão e compostos de enxofre, nocivos ao 2. ESTRUTURAÇÃO DO PROBLEMA
sistema respiratório e à saúde em geral.
2.1. Definição do resíduo
Em 1829, surge a primeira locomotiva e, com ela,
as estradas de ferro. A partir daí, para se chegar ao Denomina-se resíduo os restos das atividades
sistema de transportes atual, foi uma contínua evolução humanas, considerados pelos geradores como inúteis,
tecnológica. Nasce, então, um grande grupo de indesejáveis ou descartáveis. Normalmente,
poluidores do ar, os veículos automotores. apresentam-se sob estado sólido, semi-sólido ou
semilíquido.
1.3 A poluição do ar é perigosa
2.2. Classificação do resíduo
Embora muito desagradável, os odores
existentes nas cidades medievais não eram, por si só, São várias as formas possíveis de se classificar o
tóxicos. Com a intensificação da queima de resíduo. Por exemplo:
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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ESTABELECER AS BASES PARA O PROJETO DE UM EQUIPAMENTO DE CONTROLE DE POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM INCINERADORES DE
RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Vilson Bernardo Stollmeier

- Por sua natureza física: seco e molhado. Também, outra classificação do resíduo quanto à
origem (processo de geração), ou seja, domiciliar,
- Por sua composição química: matéria orgânica comercial, público, serviços de saúde, industrial,
e matéria inorgânica. portos, aeroportos e terminais ferroviários e
rodoviários, agrícola e entulho.
- Pelos riscos potenciais ao meio ambiente:
perigosos, não inertes e inertes. 2.3. Resíduos sólidos de serviços de saúde
(RSS)
Assim, a classificação dos resíduos sólidos
quanto à periculosidade pode ser: Até há muito pouco tempo e ainda atualmente
os resíduos sólidos de serviços de saúde eram
- Classe I (perigosos) - apresentam risco à saúde denominados resíduos hospitalares, numa referência
pública ou ao meio ambiente, caracterizando-se por explícita aos resíduos gerados por aquele tipo de
possuir uma ou mais das seguintes propriedades: estabelecimento. Verificou-se, porém, que outros tipos
inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade de estabelecimentos também geravam os resíduos
e patogenicidade. com características similares aos dos resíduos
gerados em hospitais e que estes geradores eram, em
- Classe II (não-inertes) - podem ter propriedades sua maioria, os estabelecimentos prestadores de
como: combustibilidade, biodegradabilidade ou serviços de saúde, seja humana ou animal. Assim,
solubilidade, porém, não se enquadram como resíduo I criou-se a denominação aceita no meio técnico de
ou III. Resíduos Sólidos de Serviço de Saúde (RSSS). Assim,
além dos hospitais, outros estabelecimentos, tais como
- Classe III (inertes) - não têm constituinte algum farmácias, laboratórios de análises clínicas,
solubilizado em concentração superior ao padrão de consultórios médicos e odontológicos, clínicas e
potabilidade de águas. hospitais veterinários, bancos de sangue e congêneres
também podem gerar RSSS. Para se conhecer a
O conceito da classificação da geração do potencialidade de risco dos RSSS, a Associação
resíduo é dividido em: produção do produto de capital, Brasileira de Normas Técnicas ABNT estabeleceu
produção do produto de consumo e produção do uma classificação, a NBR 12807 (1993) que auxilia
produto de serviço. nesse tipo de avaliação. Fazse necessário, portanto,
conhecer as atividades desenvolvidas pelos
O esquema (Fig. 1) abaixo demonstra o processo estabelecimentos de serviços de saúde para conhecer
de geração dos resíduos: o resíduo ali gerado (FORMAGGIA, 1995).

2.4. Histórico e processo da incineração

Desde os primórdios da civilização humana, a


incineração de resíduos vem sendo praticada e o
primeiro incinerador que se tem notícia foi construído
na cidade de Nottingham, Inglaterra, em 1874. No
Brasil, a primeira unidade foi instalada na cidade de
Manaus, em 1896, vinte e dois anos depois da
implantação da primeira unidade inglesa. Na cidade de
São Paulo, o primeiro incinerador para resíduos sólidos
municipais, utilizando lenha para auxiliar a combustão
dos resíduos e a alimentação era feita manualmente.
Ele operou por 27 anos, até 1940, quando foi
desativado, por sua capacidade ter ficado abaixo da
necessária e por se encontrar próximo a regiões
residenciais.

Fig. 1 Processo de geração de resíduos A incineração é o processo mais antigo e o mais


Fonte: Disciplina de Projeto de Produto, 2000.
empregado de tratamento térmico de resíduos sólidos

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municipais e de serviços de saúde, sendo feita a - esterilização dos resíduos: a incineração destrói
temperaturas acima de 800°C. Os gases de combustão bactérias e vírus presentes nos resíduos devido às
devem ser mantidos a 1200°C por cerca de 2 elevadas temperaturas atingidas no interior dos
segundos, com excesso de ar e turbulência elevados a incineradores, sendo amplamente utilizada no
fim de garantir a conversão total dos compostos tratamento de resíduos de serviços de saúde;
orgânicos presentes no resíduo sólido municipal e no
resíduo de serviço de saúde a gás carbônico e água. - desentoxicação: empregando boas técnicas de
combustão, produtos orgânicos tóxicos, como óleo
As desvantagens da incineração de resíduos ascarel e produtos aromáticos, podem ser destruídos,
consiste em: razão pela qual a incineração é amplamente utilizada
para o tratamento de resíduos industriais e
- custo elevado: a incineração apresenta custos descontaminação de solos contendo produtos
elevados de instalação e de operação; no entanto, este químicos orgânicos tóxicos.
custo, nas grandes metrópoles com baixa
disponibilidade de áreas adequadas, está se O tratamento térmico de RSSS, do ponto de vista
aproximando do custo de disposição em aterros de um sistema de gerenciamento integrado de
sanitários; resíduos, deve estar associado à implantação prévia de
políticas de redução e reciclagem de resíduos.
- exigências de mão-de-obra qualificada: os
processos de incineração, independente do porte da Os tratamentos térmicos podem ser classificados
unidade, exigem pessoal qualificado para garantir a como sendo de alta ou baixa temperatura. Os
qualidade da operação; tratamentos a alta temperatura normalmente ocorrem à
temperatura acima de 500°C e objetivam,
- presença de materiais nos resíduos que geram principalmente, a destruição ou remoção da fração
compostos tóxicos e corrosivos: alguns materiais, orgânica presente no resíduo, com redução
como pilhas, alguns plásticos, etc., liberam compostos significativa da sua massa (70%) e volume (90%), bem
tóxicos e ácidos que não podem ser eliminados por como a sua assepsia. A energia contida nos resíduos,
boas técnicas de combustão, exigindo a instalação de nesses processos, pode ser parcialmente aproveitada,
sistemas de limpeza de gases. podendo gerar energia elétrica, água quente e vapor,
ou combustíveis alternativos, auxiliando na redução do
As vantagens da incineração de resíduos custo operacional do tratamento térmico
consistem em:
Segundo Vilhena (2001), os tratamentos a baixa
- redução drástica de massa e volume a ser temperatura ocorrem a temperaturas em torno de
descartado: a taxa de redução média em massa é de 100°C e visam, principalmente, a assepsia do resíduo
70% e de volume 90%, diminuindo o volume destinado sólido, razão pela qual são empregados somente para
para aterro; o tratamento de resíduo sólido de saúde. Nesses
processos, a massa dos resíduos e o conteúdo de
- recuperação de energia: parte da energia matéria orgânica praticamente não se alteram, mas
contida nos resíduos pode ser recuperada para pode-se obter uma redução significativa no seu
geração de energia elétrica e /ou vapor de água; volume.

- redução do impacto ambiental: com as novas


tecnologias de limpeza de gases de combustão, os 2.5. Problematização
níveis de emissão de poluentes podem ficar abaixo dos
observados em processos de combustão 2.5.1 Definição de variáveis do problema
convencionais, bem como contribuir para a
minimização do “efeito estufa”, devido à combustão de Como o problema principal está focando uma
materiais de fontes renováveis (papéis, restos de situação inicial, é uma grande dificuldade que
alimentos e de produtos de origem vegetal) e à redução apresenta o controle dos poluentes atmosféricos no
na emissão de gás metano e contaminação de lençóis sistema de incineração, o que exige um estudo em
freáticos observados em aterros; relação à Norma Técnica nº 02/99 (FEPAM, 1999, p.13)
para adaptação de um equipamento auxiliar. Para o

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andamento da pesquisa, foi necessário fazer um Há necessidade de projetar um novo produto que
questionário no ano 2000 para quatro usuários de considere como fator primordial o controle atmosférico
incineradores distintos em relação a sua eficiência de no próprio sistema de incineração que, acoplado ao
incineração, praticidade de uso e capacidade ideal para incinerador, possibilite lavagem e absorção dos gases
incineração. no mesmo sistema.
Quadro 1 Comparativo entre equipamentos:
Os antigos equipamentos de controle da poluição
do ar possuem etapas evolutivas conforme as
necessidades ambientais da época, seus projetos
contêm componentes estranhos e rústicos, de baixa
tecnologia para comprovar sua eficiência no controle
Critérios: dos poluentes, como exemplos, tecidos convencionais
· · · · · Muito bom · · · · Bom · · · Regular · · Ruim · Péssimo para retenção de pó, telas sem resistências à
Fonte: Rego, R.; Fernandes, P., 1995 velocidade dos gases, exaustores com força máxima
para expelir os gases na chaminé e outros.
A análise destes primeiros dados permitiu
formular as variáveis da segunda parte dos problemas,
As tecnologias foram aparecendo como soluções
ficando assim a definição do problema:
a esses sistemas, em formas estruturais, materiais
“Análise de produto industrial (situação inicial)
diferenciados e adequando suas características
para controle de poluição atmosférica em
técnicas ao desenvolvimento do projeto, conforme os
incineradores de resíduos de serviços de saúde
desenhos de cada fabricante.
(situação final)”.
Como fonte de pesquisa, foram compilados
Então:
modelos dos equipamentos de controle dos poluentes
“Análise de produto industrial para controle de
atmosféricos com finalidade de esclarecer algumas
poluição atmosférica em incineradores de resíduos de
características mais importantes, como mostra a Figura
serviços de saúde”.
2, diferenciadas das demais, em relação à sua forma,
materiais e outros.
2.6. Análise dos produtos

2.6.1 Análise Diacrônica

Desde os primórdios da civilização humana, a


incineração de resíduos vem sendo praticada,
introduzindo um sistema poluidor ao ar livre apesar da
redução de volume do material queimado, conforme
mostrou-se anteriormente.

Com a eliminação do resíduo, o ser humano tem


a possibilidade de manter o seu habitat limpo e
organizado nos agrupamentos das comunidades,
como forma de convivência.

Com a vinda da consciência ambiental, mesmo


em fases de discussão da sua forma de aplicação,
percorrem-se anos de pesquisas de tecnologias em
análises de controles ambientais, nos aspectos
atmosféricos, com a incineração.

A padronização transforma a norma em um


desafio, em termos de controles atmosféricos, para a
qualidade dos equipamentos e para o desenvolvimento
de sistemas. FIG. 2 Evolução do desenho dos equipamentos de controle da
poluição do ar
Fonte: Macintyre, A. J., 1990.

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50
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2.6.2 Análise Sincrônica Os resultados da pesquisa (Fig.3) dos usuários


relacionam um fator importante em relação a sua
Como existem vários tipos de equipamentos de funcionalidade juntamente com a manutenção, onde
controle de poluição de ar, a ênfase no que se refere à caracteriza a preocupação com a queima e seus
Norma Técnica nº 02/99 (FEPAM, 1999, p. 13), à sua resultados de problemas atmosféricos em locais de
eficiência, corresponde a um lavador de gases com operação e correspondem, respectivamente, aos
torre de absorção e juntamente como uma forma de fatores de funcionalidade e manutenção (30%),
avaliação em porcentagem comparativa. durabilidade e eficiência (15%) e custo (10%).

Tabela 1 Equipamentos de controle da poluição


do ar e suas eficiências estimadas conservativamente,
no controle de metais tóxicos.

Fig. 3 Hierarquização dos requisitos do produto Lavador de Gases


com Torre de Absorção.
Fonte: Modificado de Bonfim et alli (1977).

3.1.2 Definição do produto lavador de gases


com torre de absorção

A pesquisa teórica e a coleta de dados foram


feitas durante o período de março de 2000 a novembro
de 2002 pelo próprio pesquisador sob a orientação de
(*) - Foi assumido que o fluxo gasoso foi pré-resfriado em um um professor doutor na área ambiental, utilizando-se
resfriador e condicionador de gases. Se os gases não são resfriados
adequadamente, a recuperação de mercúrio diminuirá, assim como
de literatura nacional e internacional mais recente
cádmio e arsênico. sobre meio ambiente.
(**) - O lavador ionizante é quase sempre usado com um resfriador e
condicionador de gases a montante e lavador horizontal de recheio.
C - Ciclone As informações obtidas através de literatura
L - Lavador
LP - Lavador de Projeto Patenteado (um número de lavadores pesquisada (nacional e internacional), encontram-se
patenteados tem sido oferecido no mercado, nos últimos anos, descritas no item Referências Bibliográficas desse
apresentando alta eficiência tanto para particulados quanto para
gases ácidos. Duas dessas unidades são as da Calvert trabalho, forneceram os seguintes subsídios:
Environmental Equipment Co. e da Hydro-Sonic Systems, Inc.). - Levantar um histórico da poluição do ar em
LV-20 - Lavador Venturi; perda de carga 20 30” H2O
LV-60 - Lavador Venturi; perda de carga 60” H2O relação ao homem e o fogo e sua evolução no aspecto
PE-1 - Precipitador Eletrostático; 1 estágio
PE-2 - Precipitador Eletrostático; 2 estágios ambiental.
PE-4 - Precipitador Eletrostático; 4 estágios
PEU - Precipitador Eletrostático Úmido
LI - Lavador Ionizante - Conhecer as origens dos resíduos hospitalares
LS - Lavador Seco e a legislação para limites estabelecidos dos poluentes
FT - Filtro de Tecido
LS - Lavador Spray (seco ou úmido) atmosféricos.
Fonte: Dempsey, C. R., 1994.
- Conhecer os problemas que desencadearam a
3. GERAÇÃO DE ALTERNATIVAS conscientização das pessoas relacionados ao meio
ambiente.
3.1 Metodologia
- Traçar uma analogia entre incineradores
existentes no Brasil.
3.1.1 Transformação da situação inicial em
final
- Conhecer os impactos da poluição atmosférica

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sobre os setores econômico e social. MODELO


- Entender a incineração e a formação do 4.1 Desenhos do produto
ambiente atmosférico no comportamento dos
poluentes orgânicos e inorgânicos quando Esta seção é dedicada aos desenhos que foram
introduzidos no mesmo. utilizados nos detalhes construtivos do modelo.

- Esclarecer os danos que esse tipo de poluição 4.1.1 Requisitos de uso


pode trazer à saúde e ao meio ambiente.
Necessidades: Projeto de um lavador de gases
- Dessa forma, pode-se criar uma linha de com eficiência de controle nos poluentes atmosféricos,
raciocínio tal que, ao cruzar essas informações com as com praticidade no uso e capacidade de vazão ideal.
Normas Ambientais existentes, consolida-se uma
análise e definição da necessidade de um processo Fator determinante: Controle total dos poluentes
após a incineração. atmosféricos.

De acordo com o levantamento realizado sobre a Fator determinado: Dispositivo acoplado no


necessidade de um desenvolvimento de um projeto de incinerador com aparência de um cone.
produto, realiza-se uma descrição de critérios:
- Elaborar uma lista de verificação para a Sub parâmetros: Altura e diâmetro.
caracterização do projeto do “Lavador de Gases com
Torre de Absorção” com o objetivo de simplificar as Quantificação: Valores aproximados: altura =
análises do produto. 3500 mm e diâmetro = 1000 mm

- Pesquisar uma coleção de material histórico 4.1.2 Requisitos de função


para demonstrar as mutações desse produto no
transcurso do tempo (análise diacrônica). Necessidades: Considerações com respeito à
minimização de formação dos gases através da
- Pesquisar os tipos de equipamentos de controle combustão no interior do incinerador.
de poluição de ar, com ênfase à sua eficiência e sua
avaliação em porcentagem comparativa (análise Fator determinante: Os gases formados através
sincrônica). da combustão serão resfriados e absorvidos.

- Conhecer a importância em relação à Fator determinado: Número de peneiras: 5,


interpretação em definições e totalidades das funções Conjunto de pulverizador: 1, Bomba de água: 1,
que o produto encerra quando ao uso (análise Carcaça: 1, Ejetor: 1, Número de recheios: 200,
funcional). Entrada do ar: 1, Saída do ar: 1, Entrada da água com
solução: 1, Entrada da solução para o conjunto de
- Conhecer os componentes e sistemas do pulverizador: 1, Saída da solução pelo ejetor: 1, Saída
produto em um diagnóstico de todas as etapas e para limpeza do reservatório: 1 e Vazão do ar: 5000
procedimentos (análise estrutural). m³/h.

- Comparar todos os tipos de lavadores de gases Sub parâmetros: Espessura da carcaça = E,


existentes e juntamente pela Norma vigente para que Diâmetro da carcaça = D, Altura da carcaça = A.
as suas características construtivas se concentrem em
sua eficiência no controle dos poluentes atmosféricos Quantificação: E = 3 mm, D = 1000 mm e A = 2300
(análise morfológica). mm.

Para uma análise final, os detalhes construtivos, Observação: (Valores aproximados sujeitos a
enquadra-se nos aspectos de extrema eficiência do alterações).
sistema.
4.1.3 Requisitos estruturais
4. DESENHOS PARA A EXECUÇÃO DO
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Nesse tipo de sistema, a forma da carcaça


Necessidades: Consideração dos vários tipos de influencia muito no aspecto de vazão, eficiência e
montagens a empregar. também no dimensionamento do sistema de lavagem
que, deve ser realizado com base no incinerador.
Fator determinante: A estrutura deverá ser
fabricada com chapa de aço AISI 310 e seus A definição da forma do produto, no caso de um
componentes internos galvanizados (peneiras), cone que, conseqüentemente, auxilia no trajeto dos
principalmente as áreas de contato. gases para o tratamento.

Fator determinado: Possíveis montagens a A circulação dos gases na carcaça em forma de


empregar: Uso de filtros de manga, recheios de fibra, cone garante suas características básicas no sentido
retenção de gotas. de velocidade, vazão e, principalmente, pressão que
quando baixa, pode prejudicar o sistema.
4.1.4 Requisitos técnicos produtivos
4.1.6 Montagem do lavador de gases e torre de
Necessidades: Neste caso, usar-se-ão peneiras absorção
galvanizadas e de cinco diâmetros diferentes com
perfurações iguais. Como foi considerado que a carcaça é
identificada como uma forma de ciclone, seu desenho
Fator determinante: As galvanizações das geométrico encaminha para o cilindro e o cone e seus
peneiras serão feitas através do sistema eletrolítico componentes internos acompanham seus traços para
com padrões de revestimento. sua montagem (Fig. 5).

Fator determinado: Dimensionamento das partes O trajeto para as fases de reconhecimento da


constituintes do sistema de acordo com as peneiras montagem deste produto ocorre dentro de
encontradas comercialmente. possibilidades da função de cada etapa de tratamento,
despertado para uma condição fundamental
4.1.5 Escolha do tipo de controlador de estratégica, o próprio incinerador força o ar para fora da
poluentes fornalha e o introduz no combustor-ciclone.

Conforme dito anteriormente, foram observados No próprio combustor-ciclone existe um sistema


vários tipos e modelos de equipamentos que controlam de acoplamento com flanges e parafusos para o
os poluentes atmosféricos, mas não existe a forma lavador de gases, facilitado para as futuras
ideal de tratamento que se enquadre nas normas e sim manutenções. Também entre os distribuidores de bicos
um equipamento com sistema único para eliminar e as peneiras sobrepostas que podem superar as fases
esses poluentes na forma de “lavar” e “absorver” os de manutenções, porque existe um sistema de encaixe
gases (Fig. 4). que abre a parte superior dos distribuidores de bicos,
que assim podem ser limpos periodicamente sem
causar maiores danos para o sistema.

Assim, o lavador de gases e a torre de absorção


começam a apresentar traços próprios para o
tratamento de poluentes atmosféricos. Um esboço final
junto ao incinerador (Fig. 6) caracteriza o aspecto
estético do equipamento.

Fig. 4 Forma do produto “lavador de gases e torre de absorção”

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53
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transformando uma imagem de que o problema de


queima não só preocupa, mas também é uma
realidade bem próxima ao nosso meio que solicita
cuidado a cada ano.

Para que o andamento do processo de queima


na incineração continue, o produto incinerador não só
depende de algo que elimine o resíduo, mas também
considere sua importância na completa taxa de
combustão. A questão ambiental consiste na liberação
de dioxinas e furanos que são formados por reações
laterais, sem o devido tratamento.

O desenvolvimento de um novo produto, que


atenda as exigências das normas ambientais, e que
apresente um ponto de mudança em seu sistema após
a queima, consolida uma segurança para os usuários
no complexo hospitalar, em seu ambiente de trabalho.
Fig. 5 Sistema de montagem dos componentes internos do lavador
A proposta deste trabalho é sistematizar
conhecimento sobre sistema de tratamento de gases
oriundos da incineração de lixos hospitalares.

As avaliações de cada sistema foram usadas


como fonte de informações sobre os processos de
queima e de reciclagem, no gerenciamento dos
resíduos conforme normas em vigor.

Para que as avaliações integrassem a estrutura,


as mudanças em suas características não foram de
extrema afirmação crítica, como por exemplo, no
aspecto construtivo, com relação aos demais
fabricantes de produtos na área ambiental. Buscou-se
fixar algumas sugestões, a partir das necessidades
básicas para um bom tratamento.

Este estudo teve o intuito de prover um


equipamento para auxílio na preservação do meio
ambiente em relação ao controle dos poluentes
atmosféricos, uma fonte alternativa básica para uma
Fig. 6 Esboço final do lavador de gases e torre de absorção com o melhor qualidade de vida e, assim, desenvolver uma
incinerador responsabilidade quanto à queima de resíduos,
através do tratamento adequado e da solução final
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES para os contaminantes.

5.1 Conclusões O incinerador sempre teve como informação e


utilização uma antiga forma de queima e a consciência,
O objetivo deste trabalho foi realizar um estudo junto com a preocupação ambiental dos países do
de produto para um problema ambiental, sendo mundo, trouxe uma evolução da tecnologia em grande
escolhido o lavador de gases e torre de absorção para estilo, como uma velha teoria da física em relação às
incineradores hospitalares e analisar um melhor partículas em movimento após a queima, para o devido
sistema para tratamento de poluentes atmosféricos. tratamento final, usada como forma de reação de
resultados positivos para os poluentes existentes no
Durante o período de desenvolvimento foi sistema.
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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5.2 Recomendações BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas.


NBR 10004 Classificação de Resíduos Sólidos. Rio
Para continuidade de estudos, recomendam-se de Janeiro, 1997.
novos trabalhos práticos e científicos como fonte de
pesquisa de novos resultados e definições no processo BRASIL. Conselho Nacional de Meio Ambiente
CONAMA. Resolução nº05 de 5 de Agosto de 1993.
de incineração e controle de poluentes atmosféricos e
Define os procedimentos básicos relativos ao
são elas:
gerenciamento de resíduos sólidos gerados nos
- Testes periódicos de análises dos gases após a
estabelecimentos prestadores de serviços da
queima.
saúde, portos, aeroportos e terminais rodoviários e
ferroviários. Diário Oficial da União nº 166,1993.
- Controle da durabilidade do material composto
pelo equipamento em relação à corrosão. BRASIL. Ministério da Saúde, Secretaria de
Assistência a Saúde, sistema Único de Saúde. Análise
- Tratamento adequado para o efluente do e procedimentos Ambientais. Volume I. Brasília,
sistema. 1996.

- Manutenção e limpeza nos bicos aspersores. BRASIL. Lei nº 9605 de 12 de fevereiro de 1998.
Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
- Definição do sistema de incineração ou estabelece diretrizes e normas para o
similares para tratamento dos resíduos de serviço de gerenciamento dos diferentes tipos de Resíduos
saúde. Sólidos e dá outras providências. Brasília, 2002.

- Definição da localização do incinerador BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária


conforme exigências ambientais. ANVISA. Resolução RDC nº33 de 25 de Fevereiro de
2003 / D.O.U de 05 de Março de 2003. Dispõe sobre o
Regulamento Técnico para Gerenciamento de
- Cadastramento e registro definitivo do
Resíduos de Serviço de Saúde, no uso das
equipamento de incineração nos órgãos ambientais.
atribuições das Leis nº3029 (16.04.99) e nº9782
(26.01.99). Brasília, 2003.
- Projeto da coleta seletiva nos estabelecimentos
geradores dos resíduos para um bom monitoramento
DEMPSEY, C. R. Incineração de Resíduos
do incinerador. Perigosos. São Paulo : CETESB, 1994.

6. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA FEPAM. Licenciamento Ambiental de Sistemas de


Incineração de Resíduos de Serviços de Saúde.
BONFIM, G. A. et alli. Fundamentos de uma Projeto de Norma Técnica nº 02/99. Porto Alegre,
metodologia para desenvolvimento de produtos. 1999.
Rio de Janeiro : COPPE/UFRJ, 1977.
FORMAGGIA, D. M. E. Resíduos de Serviços de
BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Saúde, Gerenciamento de resíduos sólidos de
NBR 12807 Resíduos de Serviço da Saúde serviço de saúde. São Paulo : CETESB, 1995.
Terminologia. Rio de Janeiro, 1993.
MACINTYRE, A. J. Ventilação industrial e controle
BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas. da poluição. Rio de Janeiro, 1990.
NBR 12808 Resíduos de Serviço de Saúde
Classificação. Rio de Janeiro, 1993. Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à
Saúde, Sistema Único de Saúde. Análise e
BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Procedimentos Ambientais. v. 1, Brasília, 1996.
NBR 12809 Manuseio de Resíduos de Serviço da
Saúde Procedimento. Rio de Janeiro, 1993. REGO, R. C.; FERNANDES, P. S. Plano de
Gerenciamento e Formas de Tratamento de
BRASIL. Associação Brasileira de Normas Técnicas. resíduos da Saúde. São Paulo : CETESB, 1995.
NBR 12810 Coleta de Resíduos de Serviço da
Saúde Procedimento. Rio de Janeiro, 1993. RIO GRANDE DO SUL (Estado). Lei nº 9.921 de 27 de

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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RESÍDUOS DE SERVIÇOS DE SAÚDE
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julho de 1993. Dispõe Sobre a Gestão dos Resíduos


Sólidos no Estado do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 1993.

RIO GRANDE DO SUL (Estado). Lei nº 10.099 de 07


de Fevereiro de 1994. Dispõe sobre os Resíduos
Sólidos Provenientes da Área da Saúde. Porto
Alegre, 1994.

RIO GRANDE DO SUL (Estado). Conselho Estadual


do Meio Ambiente - CONSEMA. Resolução
nº009/2000, no uso de atribuições que lhe oferece a
Lei Estadual nº 10.330 de 27 de Dezembro de 1994.
Dispõe de Norma para o Licenciamento Ambiental
de Sistemas de Incineração de resíduos
provenientes de serviços de saúde, classificados
como infectantes (Grupo A) e dá outras
providências. Porto Alegre, 2000.

SPRAYING SYSTEMS CO. Catálogo Produtos Para


Pulverização Industrial. São Paulo, 2001.

VILHENA, A. Lixo municipal. São Paulo, 2001.

ZAVASCHI, O. Túnel do Tempo “Um pioneirismo


Porto-alegrense”. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 06
de maio 2001.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


56
Saúde

ÍNDICES E CARACTERÍSTICAS DOS


ACIDENTES DO TRABALHO REGISTRADOS NO
INSS DE TRÊS DE MAIO
Marli de Fátima Pereira Meurer1
Jacira Bombardelli1
Clélia Bogorni1

Resumo Márcia Filipin1


Cristiano Henrique Antonelli da Veiga2

Na região noroeste do RS são escassos os estudos sobre o índice de acidentes do INTRODUÇÃO


trabalho. Para investigar esse tema, realizou-se o levantamento dos dados arquivados no Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), em Três de Maio, RS e dos municípios de abrangência desta
unidade, através de um estudo transversal com o objetivo de verificar o índice e as características Este estudo permitiu
dos acidentes de trabalho. Verificou-se através dessa pesquisa que durante o ano de 2003 foram
emitidos e registrados 102 Comunicações de Acidentes do Trabalho (CAT), sendo Três de Maio o
identificar o índice de acidentes do
município que possui o maior número de ocorrências com 42,17% dos casos registrados na trabalho comunicados através da
região; a faixa etária mais atingida foi dos 30 a 34 anos com 19,60%; o local do acidente foi na
lavoura com 41,18%; as pessoas casadas apresentaram índice de 69,61%; o agente causador de Comunicação de Acidentes do
acidentes foi o facão com 22,54%; a parte do corpo mais atingida foi a mão com 27,45%; sendo trabalho (CAT), documento de
que ocorreram mais acidentes no intervalo das 14 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos
com 35% dos casos; a necessidade de internação foi de 14% dos acidentes; os dias de internação emissão obrigatória para
foram de 30 dias com 29%; a área onde acontecem mais acidentes foi a zona rural, com 34,31% trabalhadores cobertos pelo
dos acidentes, sendo que ocorreu mais acidente na renda familiar de R$ 200,00 a R$ 300,00 com
76,47% dos acidentes. Baseado nestes dados, o estudo propõe programas de prevenção de seguro acidentário da previdência
acidentes que contemplem principalmente o manuseio de instrumentos que deveriam ser
planejados para não atingir a população trabalhadora do meio rural. Da mesma forma, o uso de
social, registrado no Instituto
equipamentos de proteção individual, especialmente luvas e botas, deveriam ser enfatizados, a Nacional de Seguro Social (INSS),
fim de proteger as regiões corporais de maior risco. Serviços de saúde localizados nestes
municípios devem ser orientados para a busca e o manejo do acidentado, constituindo importante no município de Três de Maio/ RS e
elemento para a redução do dano associado à lesão. municípios de sua abrangência.
Palavras-chave: Acidentes do trabalho, prevenção, Comunicação de acidentes do
trabalho
Nos últimos vinte anos foram

Abstract registrados no Brasil mais de 25


milhões de acidentados do trabalho
na população segurada pela
In the northwest region of Rio Grande do Sul, Brazil, studies on the index of employment-
related accidents are scarce. Investigate this subject, the survey on the data filed in the Instituto previdência social. Até 1994, pouco
Nacional do Seguro Social (INSS) in Três de Maio, RS, and of the cities comprehended of this unit
through a transversal study with the objective to verify the index and the characteristics of the
mais da metade da população
industrial accidents. It was verified through this research that during the year of 2003 102 economicamente ativa do país
Communications of Work Accidents (CAT) had been emitted being Três de Maio the city that has
the highest number of occurrences with 42,17% of the cases registered in the region; the most encontra-se segurada, sendo,
average was among 30 and 34 years old people with 19,60%; the place of the accident was in the portanto, comum o sub-registro de
farming with 41,18%; married people presented 69,61% index; the causing agent of accidents was
the large knife with 22,54%; the part of the body most reached was the hand with 27,45%; more acidentes do trabalho (De Lucca &
accidents happened in the interval of 2:30 pm to 5:30 pm with 35% of the cases; the hospitalize Favero, 1994). Assim, estima-se
necessity was of 14% of the accidents; the days of hospitalizing were 30 with 29%; the area where
most of the accidents happened was the agricultural zone with 34,31% of the accidents and where que ocorram anualmente cerca de
they happened most were with people who received the familiar income from R$200,00 to
R$300,00 with 76,47%. Based on these data, the study considers prevention programs of
três milhões de acidentes em
accidents that mainly contemplate the handling of instruments that would have to be planned not to trabalhadores.
reach the diligent population of the agriculture zone. In the same way, the equipment used for
individual protection, especially gloves and boots would have to be emphasized in order to protect
corporal regions of higher risk. Located services of health in these cities must be guided for the Todos os acidentes sofridos
search and the handling of the victim, constituting important element for the reduction of the
damage associated with the injury. pelos trabalhadores devem ser
Keywords: Employment-related accidents, prevention, Communication of employment- seguidos de emissão de CAT, mas
related accidents
acidentes de menor gravidade não
1 - Acadêmicas do 7º semestre do Bacharelado em Enfermagem da SETREM são registrados e passam
2 Administrador, Mestre em Engenharia da Produção e Professor da SETREM
despercebidos, dificultando a
Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004
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ÍNDICES E CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES DO TRABALHO REGISTRADOS NO INSS DE TRÊS DE MAIO
Marli de Fátima Pereira Meurer - Jacira Bombardelli - Clélia Bogorni - Márcia Filipin - Cristiano Henrique Antonelli da Veiga

obtenção de dados oficiais para construção de Além da exposição dos trabalhadores urbanos,
indicadores com incidência e cálculo da taxa de os rurais que laboram na agricultura e na pecuária
freqüência. estão constantemente expostos a inúmeros agentes
físicos, químicos e biológicos que podem causar
O objetivo desta pesquisa foi analisar o índice e acidentes, como máquinas, implementos, ferramentas
as características dos acidentes do trabalho manuais, agrotóxicos, ecotoparasiticidas, animais
registrados no município de Três de Maio e demais domésticos e animais peçonhentos (Almeida, 1995).
municípios de sua abrangência, no período de
01/01/2003 a 31/12/2003 captados pelo sistema de Tudo indica que sub-registro na zona rural seja
registro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), maior do que a zona urbana, já que grande parte das
visando contribuir para a redefinição de prioridades pessoas trabalha por conta própria, não tendo carteira
para políticas regionais de prevenção. assinada e raramente registrando a ocorrência de
acidentes (Rodrigues & Silva, 1986).
O TRABALHO E O ACIDENTE DE
TRABALHO A agricultura é considerada pela Organização
Internacional do Trabalho (OIT) como uma atividade
O trabalho surgiu na terra juntamente com o profissional de maior risco, equiparando-se à
primeiro homem, as relações entre as atividades construção civil e à exploração de petróleo.
laboratoriais e a doença permaneceram ignoradas até
cerca de 270 anos, muito embora estas já existiam. De acordo com o Art. 221 do Decreto 83080 de
24-01-79, “Acidente de trabalho é aquele que ocorre
Entre 1760 e 1830, ocorreu na Inglaterra a pelo exercício do trabalho a serviço da empresa,
Revolução Industrial que viria para mudar provocando lesões corporais ou perturbação funcional,
profundamente toda a história da humanidade, sendo o que cause morte ou perda ou redução, permanente ou
marco inicial da industrialização que teve a sua origem temporária da capacidade para o trabalho”.
com a criação da máquina a vapor e aprimorado com
aparecimento da primeira máquina de fiar. Com o (REVER) O acidente inclui tanto ocorrências que
advento das máquinas que fiavam em ritmo muitíssimo podem ser identificados em relação a um momento
superior ao do mais hábil artífice, torna possível uma determinado, quanto a ocorrência ou exposições
produção de tecidos em níveis até então não contínuas ou intermitentes que só podem ser
imaginados. identificadas em termos de períodos de tempo
provável. A lesão pessoal inclui 3 lesões traumáticas,
A improvisação das fábricas e a mão de obra neurológicas ou sistêmicas, resultantes de exposições
constituída principalmente por crianças e mulheres ou circunstanciais verificadas na vigência de vínculos
resultam em acidentes de trabalhos sérios. Conforme empregatícios. (Ramazzini, 1981) (REVER)
Ramazzini (1981), os acidentes de trabalho eram
numerosos, provocados por máquinas sem qualquer Para a lei, há três tipos de acidentes de trabalho,
proteção, movidos por correias expostas e as mortes, sendo caracterizados como: i) acidente tipo ou típico -
principalmente de crianças, eram muito freqüentes, aquele que acontece durante a jornada de trabalho ou
inexistindo limites de horas de trabalho para homens, serviço da empresa; pode ser dentro ou fora do espaço
mulheres e crianças. Suas atividades laborais seguiam físico da empresa e depender da atividade
pela madrugada, finalizando somente ao cair da noite. desenvolvida; ii) acidente de trajeto - aquele que
Em muitos casos, o trabalho iniciava durante a manhã e ocorre no trânsito entre a casa e o trabalho, seja na ida
continuava mesmo durante quase toda a noite, em ou no retorno; e iii) doença profissional ou do trabalho -
fábricas precariamente iluminadas por bicos de gás. aquelas doenças que decorrem do processo ou das
condições de exercícios do trabalho.
Com a evolução dos parques industriais, muitos
destes ambientes apresentaram melhorias, mas o MATERIAIS E MÉTODOS
acidente de trabalho permaneceu e atualmente
também está relacionado com o estresse. A máquina Esta pesquisa possui características de um
exige algo que o organismo do trabalhador nem estudo de abordagem quantitativa do tipo documental,
sempre está preparado para enfrentar. que buscou conhecer o índice de acidentados do
trabalho que foram documentados através da

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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ÍNDICES E CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES DO TRABALHO REGISTRADOS NO INSS DE TRÊS DE MAIO
Marli de Fátima Pereira Meurer - Jacira Bombardelli - Clélia Bogorni - Márcia Filipin - Cristiano Henrique Antonelli da Veiga

Comunicação de Acidentes do Trabalho (CAT), maior número de ocorrência de acidentes de trabalho,


registradas no Instituto Nacional Seguro do Social enquanto que Alegria e Inhacorá possuem o menor
(INSS), do município de Três de Maio RS e municípios índice de ocorrências.
de sua abrangência. Referem-se a casos de acidentes
do trabalho típico, doenças ocupacionais e acidente de
trajeto, ocorridos no período de 01/01/2003 a
31/12/2003, sendo esses dados obtidos e coletados
pelos funcionários do INSS, através de um formulário
elaborado pelos pesquisadores, contendo informações
das CATs referentes aos acidentes.

Esses dados foram analisados por nós,


acadêmicas e, através dos resultados, foram
elaborados gráficos onde mostram os índices dos Gráfico 1: Nº de Registros por Município
acidentes do trabalho em números absolutos e
percentuais. O Gráfico 2 ilustra os registros dos acidentes de
trabalho por idade, sendo que pessoas que possuem
Para a análise dos dados levantados foram até 19 anos totalizaram 3 acidentados (2,94%), dos 20
seguidos os ensinamentos de Gil (1995, p.166), o qual a 24 anos 10 (9,80%), 25 a 29 anos 9 (8,82%), 30 a 34
afirma que: anos 20 (19,60%), 35 a 39 anos 11 (10,80%), 40 a 44
anos 10 (9,80%), 45 a 49 anos 14 (13,73%), 50 a 54
“A análise tem como objetivo organizar e sumariar
anos 18 (17,65%), 55 a 59 anos 7 (6,86%). Observa-se
os dados de forma tal que possibilitem o
fornecimento de respostas ao problema proposto que mais acidentes acontecem na faixa etária dos 30 a
para investigação. Já a interpretação tem como 34 anos, e que menos acontece até 19 anos.
objetivo a procura dos sentidos mais amplos das
respostas, o que é feito mediante sua ligação a
outros conhecimentos anteriormente obtidos”.

Para este mesmo autor, dentre as formas de


processar a análise e interpretação de pesquisas
sociais, pode-se observar os seguintes passos:
estabelecimento de categorias: codificação, tabulação,
analise estatística dos dados, avaliação das
generalizações obtidas com os dados e interpretação
dos dados.
Gráfico 2: Classificação dos Acidentes por Idade

RESULTADOS E DISCUSSÃO: O gráfico 3 mostra os registros dos acidentes de


trabalho por local do acidente sendo que a lavoura
Verificou-se através desta pesquisa que durante apresentou a maioria dos registros com total de 42
o ano de 2003 foram emitidas e registradas no INSS do casos (41,18%), na empresa 28 (26,47%), na
município de Três de Maio 102 Comunicações de propriedade rural 26 (24,51%) e nas vias públicas 4
Acidentes do Trabalho - CAT, correspondentes aos casos (3,92%).
acidentes do trabalho ocorridos em Três de Maio,
Alegria, Boa Vista do Buricá, Independência, Nova
Candelária, São Martinho e São José do Inhacorá.

Analisando-se o Gráfico 1, verificou-se que


ocorreram 4 acidentes em Alegria, corresponde a
3,92% do total, Boa Vista do Buricá 5 acidentes
(4,90%), Independência 8 (7,84%), Nova Candelária 9
(8,82%), São Martinho 29 (28,43%), São José do
Inhacorá 4 (3,92%), Três de Maio 43 (42,17%).
Observa-se que o município de Três de Maio possui o Gráfico 3: Classificação por Local do Acidente

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A classificação por estado civis se encontra


ilustrada no Gráfico 4, onde as pessoas casadas
(69,61%), solteiros (29,41%), separados (0,98%).
Observa-se que a maioria dos acidentes acontece com
os casados.

Gráfico 6: Parte do Corpo Atingida

O horário em que ocorrem os acidentes do


trabalho é ilustrado no Gráfico 7 sendo que se pode
observar no período das 8:31 às 11:30 horas e das
14:31 às 17:30 horas a maior freqüência, sendo que
estes horários devem ser dada especial atenção
quando das atividades laborativas dos trabalhadores.
Gráfico 4: Classificação da Amostra por Estado Civil

O gráfico 5 mostra os registros dos acidentes do


trabalho por agente causado por queda 24 (23,52%)
facão 23 (22,54%) máquina agrícola 13 (12,74%)
provocado por animal 7 (6,86%) esforço 7 (6,86%)
máquina elétrica 5 (4,90%); máquina têxtil 4 (3,92%);
picada de cobra 3 (2,94%); motor elétrico, bicicleta,
atrito, aprisonamento, acidente de trânsito 2 (1,96%);
pé-de-cabra, máquina/serraria, madeira, guincho
elétrico, chumbo/intoxicação, britador, esmagamento
Gráfico 7: Classificação por Horário dos Acidentes
1 (0,98%). Observa-se que o agente que mais causou
acidente é a queda. O Gráfico 8 mostra a necessidade de internação
de apenas 14% dos casos e 88% não precisaram ser
internado.

Gráfico 8: Necessidade de Internação

Gráfico 5: Agente Causador Mesmo com um baixo índice de acidentados


internados, através do Gráfico 9, verifica-se que os dias
O gráfico 6 demonstra a parte do corpo atingida: de internação são relativamente elevados, pois 29%
mão 28 (27,45%), dedo 27 (26,47%), pé 6 (58,82%), dos casos foram necessários 30 dias de internação,
perna 5 (4,90%), punho 5 (4,90%), braço 5 (4,90%), 13% em 60 dias e um fato que registra a gravidade dos
cabeça 4 (3,92%), face 3(2,94%), coluna 2 (1,96%), acidentes é que 27% dos casos ultrapassaram os 90
joelho 2 (1,96%), estômago 1 (0,98%), olho, antebraço, dias de internação.
costela, ombro 1 (0,98%). Observa-se que a parte que
mais foi atingida é a mão e que a menos atingida: foram
o estomago, os olhos, o antebraço, a costela e o ombro,
proporcionando dados para que os serviços de
primeiros socorros tenham procedimentos apropriados
para estas partes do corpo atingidas.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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acidentes de trabalho ocorridos no ano de 2003.


Através de coleta de dados pesquisados junto a este
órgão federal, realizaram-se os gráficos e sua análise.

De acordo os dados coletados, a ocorrência de


acidentes em trabalhadores da zona rural e urbana
apresenta magnitude nesta região, sendo necessária a
criação e desenvolvimento de programas de prevenção
de acidentes que contemplem principalmente o manejo
de instrumentos de uso manual.

Gráfico 9: Classificação por Dias de Internação. Da mesma forma, deve ser incentivados o uso de
O gráfico 10 mostra se os acidentes do trabalho equipamento de proteção individual, especialmente
ocorrem no meio rural os urbano. Verificou-se que no luvas e botas, a fim de proteger as regiões corporais de
meio rural aconteceram 35 acidentes (34,31%) e, no maior incidência de casos. Aconselha-se aos Serviços
meio rural 67 ou 65,68% dos casos. de saúde localizados nestes municípios que
qualifiquem os seus profissionais para atender
corretamente os acidentados, constituindo-se de
importante elemento para a redução do dano associado
à lesão.

Sugere-se a melhoria no sistema de informação


do INSS para otimizar as estatísticas locais de
ocorrência desses eventos nos municípios
pesquisados, facilitando a coleta, classificação e
análise dos dados registrados.

Através deste estudo, verificou-se que devido as


cidades pesquisadas apresentarem sua economia
Gráfico 10: Classificação dos Acidentes de Trabalho Urbana x voltada para as atividades rurais, também a maioria dos
Rural
acidentes ocorreram neste segmento, necessitando de
O gráfico 11 ilustra a classificação dos ações preventivas para a sua redução. Estudos desta
acidentados por renda, sendo que 0,98% recebem até natureza contribuem para a elaboração de programas e
R$ 200,00, 76,47% de R$ 200,00 a 300,00, 12,75% de ações de prevenção, primeiros socorros e tratamento
R$ 301,00 a 400,00, 4,90% de R$ 401 a 500,00, 2,94% das lesões, minimizando as seqüelas e proporcionando
de R$ 501,00 a 600,00 e 1,96% de R$ 600,00 a 700,00. dados para o aumento da conscientização quanto à
segurança no trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, W. C.. Trabalho Agrícola e sua relação


com saúde/doença. In: Patologia do trabalho. (R.
Mende, org.), pp. 487-516, Rio de Janeiro: Editora
Atheneu., 1995.

DE LUCCA, S. R. & FAVERO, M., 1994. Os Acidentes


do Trabalho no Brasil: Algumas implicações de
Gráfico 11: Classificação por Renda
ordem econômica, social e legal. Revista Brasileira
CONSIDERAÇÕES FINAIS de Saúde Ocupacional, 22:7-12, p. 1994.

O presente trabalho apresentou uma pesquisa Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho 2002
realizada junto ao INSS de Três de Maio e municípios http:://www.previdenciasocial.gov.br, acessado
de sua abrangência, visando identificar e quantificar os 10/04/2004.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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ÍNDICES E CARACTERÍSTICAS DOS ACIDENTES DO TRABALHO REGISTRADOS NO INSS DE TRÊS DE MAIO
Marli de Fátima Pereira Meurer - Jacira Bombardelli - Clélia Bogorni - Márcia Filipin - Cristiano Henrique Antonelli da Veiga

ROMAZZINI, Bernardini. As doenças dos


trabalhadores. Traduz da obra “De Morbis Artificun
Diatriba”, por Raimundo Estrela. Rio de Janeiro:
Liga Brasileira contra Acidentes de Trabalho, 1981.

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


62
Saúde

IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO


(A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
Roque Ismael da Costa Güillich1
Paulo Fábio Pereira2

Resumo INTRODUÇÃO
Gilberto Souto Caramão3

A presente pesquisa volta o seu olhar à observância dos fatores que de modo
dinâmico contribuíram e continuam a contribuir à prática da Enfermagem hoje. Fazendo O homem está no mundo e
uso do método qualitativo, procura analisar as influências históricas que agem sobre o com o mundo. Se apenas
fazer Enfermagem, como sexismos, fatores religiosos, questões sociais e políticas,
estivesse no mundo, não
incorporando a perspectiva de gênero e ocupação. É sabido que desde os tempos mais
remotos o cuidado era exercido quase que exclusivamente por mulheres, sendo estas haveria transcendência,
vítimas de inúmeros estigmas sociais. Os hábitos e as estruturas dos sujeitos mudaram nem se objetivaria a si
lentamente até os dias atuais onde o cuidado possui status de Ciência, sendo que se mesmo. Mas como pode
percebe certa resistência na alteração da essência dos sujeitos deste processo, o que objetivar-se, pode também
pode levar à prevalência de mitos tanto no senso popular quanto no erudito. A
distinguir entre um eu e um
Enfermagem de hoje elegeu corpos sociais e não biológicos para intervir, valendo-lhe
conquistas de ordem econômica social e ideológica, tornando-se, assim, importante a não-eu. Isto o torna um ser
análise ética de suas ações; ética vista como proposta por Foucault (Ethos: capaz de relacionar-se; de
Comportamento) sendo este comportamento e suas práticas fortemente influenciadas sair de si; de projetar-se nos
por nosso órgão de classe, a partir do poder de fiscalizar e disciplinar o exercício outros; de transcender.
profissional da Enfermagem. Cabe a este trabalho observar suas contribuições nas Pode distinguir órbitas
conquistas do fazer enfermagem hoje, na construção da Enfermagem que se quer,
levando-a a ocupar um papel de destaque na conjuntura das práticas da saúde. existenciais de si mesmo.
Palavras-chaves: Enfermagem, Identidade Profissional, Fiscalização. Estas relações não se dão
apenas com os outros, mas
se dão no mundo, com o
Abstract mundo e pelo mundo
(FREIRE, 1987, p. 30).
The present research turns its book back to the observance of the factors that
in dynamic way had contributed and continues to contribute today to the practical of
Nursing. Making use of the qualitative method, this research wants to analyze the Com as palavras de Freire
historical influences that act on making Nursing, as sex, religious factors, social (1987), pode-se entender em parte
matters and politics, incorporating the perspective of sort and occupation. It is known,
a substancialidade da busca do
that since the remote times the well-taken care of a person done almost exclusively for
women, being these victims of innumerable social stigmata. The habits and the aperfeiçoamento pelo homem, pois
structures of the people had changed slowly, until the current days where the care has a este é inacabado e apercebe-se
status of Science, and some resitance is noticed in the alteration of the essence of the
people of this process this take the prevalence of myths in the popular sense or in the disto, fator que o impulsiona à
scholar. The Nursing of today elected social and not biological bodies to intervene being descoberta de novos caminhos,
valid conquests to it of social and ideological economic, order becoming important the tecnologias, levando as pessoas
ethical analysis of its action, seen ethics as considered for Foucault (Ethos: Behavior)
being this behavior, its practical strongby influenced by our agency of class, from the sempre em busca de novos
power to fiscalize and to discipline the Nursing professional exercise. It fits to this work to conhecimentos. Característica
observe its contributions in the conquests of making nursing, today the construction of
the Nursing that we want, taking it to occupy a paper of prominence in the conjuncture of esta expressa muito claramente
practises of health. nas ações e descobertas da
Keywords: Nursing, Professional Identity, Fiscalization Enfermagem, vindo a descortinar
1 - Mestre em Educação nas Ciências UNIJUÌ, Professor Titular de Pesquisa Cientifica I e II ,
novos horizontes a esta, que se
Bioquímica, Citologia e Histologia no Curso de Enfermagem SETREM. caracteriza-se entre outro fatores,
roque@setrem.com.br
2 - Acadêmico de Enfermagem na SETREM, sexto semestre, bolsista da disciplina de por sua contínua evolução.
metodologia da pesquisa, estagiário Conselho Regional de Enfermagem (COREN/RS),
Subseção Santa Rosa, Avenida Minas Gerais, cj 604. E-mail: pp0056936@setrem.com.br
3 - Enfermeiro, Especialista em Psicopedagogia, Mestre em Educação, Professor Apesar dos avanços, precisa-
Coordenador do Bacharelado em Enfermagem da Faculdade Três de Maio - SETREM, e-mail: se ainda perguntar o que de
gilberto@setrem.com.br

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
Roque Ismael da Costa Güillich - Paulo Fábio Pereira - Gilberto Souto Caramão

concreto tem mudado, e em que nível. Assim, munidos contemporânea, o que exige mais do que nunca um
com este espírito crítico, não conceber prática alguma envolvimento e uma busca por formas de conceber e
como sendo um dogma perfeito e eterno. intervir que integram esferas de vida irredutíveis umas
às outras. A Enfermagem Brasileira, por suas
Pode-se pensar que a luz de novos conquistas diárias recebe investidas constantes de
conhecimentos científicos e a partir da práxis, o saber outras áreas a fim de impedir o seu desenvolvimento
em Enfermagem, a Ciência da saúde e a profissão pleno.
Enfermeiro (a) se apercebem do momento histórico de
mudanças constantes e diárias no cenário social. Neste contexto, é fundamental a participação da
Cenário este que, por sua vez, exige cada vez mais academia na formação dos profissionais, munindo-os
deste profissional, inserido em um contexto com conhecimento de fundo político-crítico.
multiprofissional. Seu perfil o leva a ver o indivíduo
como um todo, a partir de uma visão holística.
Somente ter o exercício profissional realizado
em sua plenitude quanto mais aptos estiver para tal,
Dentro do contexto das profissões da saúde, munidos de uma criticidade política plausível e
pensa-se que um dos fatores mais importantes que coerente, o que por sua vez é capaz de retirar os
destaca a enfermagem das outras é a visão integral do sujeitos constituintes da categoria da inércia (massa de
indivíduo e não subtrai deste suas características de manobra) a inserir-se no cenário atual e não adaptar-se
ser complexo, não o reduz. Assim, torna-se lícito simplesmente, participando da pintura do
conceber o profissional de enfermagem como um ser caleidoscópio da Enfermagem Brasileira.
de relevância inquestionável no contexto das práticas
de saúde, e que quanto mais desenvolvido e pleno
2. METODOLOGIA
estiver o exercício desta ciência, melhores serão os
reflexos sociais. Ao analisar alguns conceitos de
Muitos dos problemas da Enfermagem são tão
saúde, pode-se identificar sua característica complexa.
amplos em suas dimensões, tão complexos em suas
Resultante do conjunto da experiência social, apresentações sociais, tornando-se, assim,
individualizada em cada sentir e vivenciada num irrevogável seu estudo. Com este propósito surge este
corpo que é também, não esqueçamos, individual. trabalho, cujo corpus, vem à tona trazendo um relato
[...] Uma concepção ampliada de saúde passaria sobre a relevância da manutenção do sistema COFEN
então por pensar a recriação da vida sobre novas - CORENs (Conselho Federal de Enfermagem e
bases, onde a instituição da sociedade pudesse
Conselhos Regionais de Enfermagem
atender o mais plenamente a atenção das
diferentes e singulares necessidades humanas respectivamente), partindo da visão de um órgão de
(VISTMAN, 1992,p. 171). classe e como Acadêmico de Enfermagem. Apresenta-
se, neste estudo bibliográfico, uma abordagem do
Ou ainda: desenvolvimento histórico da Enfermagem Brasileira,
aspectos constituintes da classe e amálgama dos
Em sentido mais abrangente a SAÚDE é o fatores que influem em seu futuro, seus desafios e
resultante das condições de alimentação, perspectivas, subentendidos a partir de uma visão -
habitação, educação, renda, meio ambiente, leitura crítica. Como embasamento teórico ao
trabalho, transporte, lazer, liberdade, acesso e
tratamento dos dados far-se-á uso de Antônio C. Gil,
posse de terra e acesso aos serviços de saúde. É
assim antes de tudo, o resultante das formas de 2002.
organização social da produção, as quais podem
gerar grandes desigualdades nos níveis de vida.
(Relatório VIII C.N.S., 1986).
3. PROFISSÃO ENFERMAGEM E O
PAPEL DOS CORENs
Por ter esta visão e interpretação da realidade, a
enfermagem nos últimos anos vem adquirindo A qualidade formal alcançada na produção do
importantes conquistas de ordem econômica, política e conhecimento está extremamente à frente do vazio
ideológica. Elegeu corpos sociais e não corpos ainda gritante da qualidade política. Preocupa ai, entre
biológicos para intervir. outras coisas, que o capitalismo competitivo e
globalizado tenha se tornado o eco mais próximo e
É ainda recente esta marcante visão natural do conhecimento pós moderno como se fosse o

Revista SETREM - Ano III nº5 Jul.Dez 2004


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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
Roque Ismael da Costa Güillich - Paulo Fábio Pereira - Gilberto Souto Caramão

berço mais promissor da sociedade do conhecimento, no seu comportamento, atuação, influência e


acabando com nossas utopias. Mais que nunca, é importância no cenário de assistência a saúde.
mister saber educar o conhecimento ou, na linguagem
de Buarque, passar da modernidade técnica para a Os Conselhos Regionais de Enfermagem
modernidade ética (DEMO, 2000,p.12). (CORENs) são integrados em outros de âmbito maior:
o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), sendo
O saber em Enfermagem e a profissão que no país, hoje, existem 27 CORENs, estes por sua
Enfermeiro (a) notam atualmente que a praxis social, a vez possuem várias subseções que se encontram
pesquisa, a saúde coletiva e a educação são os distribuídos nas mais distantes localidades a fim de
primórdios de mudanças constantes em sua prática. defender e regularizar o exercício da enfermagem.
Dúvidas quanto à missão dos conselhos profissionais Estes órgãos autárquicos são devidamente
que nem sempre têm sido esclarecidas com institucionalizados pela Lei Federal nº 5.905, de 12 de
objetividade e, por conseqüências, não são julho de 1973. Define-se Autarquia no Direito
compreendida, por alguns sujeitos e segmentos da Brasileiro: "um serviço público descentralizado da
própria categoria profissional, tornam a profissão União dos Estados, dos Municípios ou do Distrito
menos coesa. A desunião prevalente nesta categoria Federal. Dotado de personalidade de direito público,
profissional à medida em que é a causa, é também a instituído por Lei com autonomia administrativa e
conseqüência do esboço deste quadro. financeira sujeitos ao controle tutelar do estado"
(COFEN, 2000, p.16).
A partir da percepção que a profissão tem como
necessidade, redescobrir e ressignificar seu corpus A ação deste conselho se desenvolve na
teórico, para melhor da profissão Enfermagem, pois valorização do diploma, monitorização, código
tanto a profissão quanto o sistema são fundamentais à profissional e proteção dos interesses sociais da
existência da Enfermagem Brasileira enquanto legalidade do Enfermeiro (a). O resguardo dos
Ciência. princípios éticos, a partir do exercício do seu poder de
disciplina à prática profissional, é a base que
Ressalta-se, porém, que muitos aspectos devem fundamenta a ação dos CORENs.
ser considerados na abordagem desta questão e que a
opção por alguns deve de ser tomada. Os problemas de Bastante cômoda é a posição dos que apenas
falta de esclarecimento profissional podem deixar criticam e pouco têm de concreto a apresentar.
germinar em seu bojo uma relação de desarmonia que Dificilmente falham, pois em raras ocasiões se
venha a quebrar as relações de empatia dos pólos arriscam a realizar. Bem diversa tem sido a atitude
existentes entre os profissionais e o órgão de classe. deste órgão que com firmeza e desassombro tem
Não se tem a pretensão de nestas poucas linhas enfrentado os graves problemas com que
esclarecer todas as ações e, por conseguinte, a freqüentemente, se deparamos no exercício da
relevância do sistema COFEN-CORENs. profissão. Hoje, desde locais afastados até centros
mais populosos o COREN está presente, o que dá a
Pretende-se introduzir a discussão entre os garantia da manutenção de direitos e deveres no
sujeitos do processo para que a partir daí busquem exercício da Enfermagem.
mais subsídios, visando a tomada de uma posição
crítica e contribuam com dados, opiniões e idéias. O COREN, convocado pela classe, mobiliza-se
Portanto, tem-se a intenção esclarecer /revelar o para que a profissão de papel inquestionavelmente
assunto em xeque que para alguns parece nebuloso e, relevante à sociedade não venha a sofrer perdas de
na medida do possível, integrar os constituintes da atuação profissional como subtrair deste o direito de
categoria no quotidiano falado, escrito e praticado. realizar a consulta de enfermagem, ou ainda a
implantação do ato médico. O COREN, empoderado
A história da humanidade mostra que os pelos seus sócios, segundo a ex-presidente Dra.
conceitos de tempo e de espaço evoluíram, os avanços Hortência Maria de Santana, este órgão "visa coibir
científicos e técnicas hospitalares também e a atos de classe que não condizem com nossos
modernidade assume as relações humanas. Na saúde preceitos éticos, vindo assim a ceifar anos de luta e
não é diferente a grande demanda de atendimentos. As esforço empreendidos na formação profissional "
limitações da saúde pública exigem dos profissionais (COFEN, 2000. sp).
nomeadamente enfermeiros, uma profunda alteração

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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
Roque Ismael da Costa Güillich - Paulo Fábio Pereira - Gilberto Souto Caramão

Com mais de novecentos mil profissionais


registrados no Conselho Federal de Enfermagem, Os homens fazem sua própria história, mas não a
noventa e quatro mil novos inscritos a cada ano, a fazem sob circunstâncias de sua própria escolha e
sim sob aquelas com que se defrontam
classe registra um crescimento de quatrocentos por
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado
cento, em relação a outras profissões da área, ... (MARX, apud GEOVANINI, Et al, 2002, p. 05).
ocupando o quinto lugar na força de trabalho
internacional nessa área. Após retumbantes lutas do No ano de 1968 foi criada a primeira Escola de
sistema COFEN/CORENs, a classe conquistou Enfermagem no Brasil pelo Marechal Deodoro da
espaço e respeito na área da saúde. Nos anos de 2002 Fonseca, sendo criada por uma necessidade
e 2003, a Enfermagem ganha nova imagem. Deixa de emergente da psiquiatria, que não possuía quem
ser considerada uma auxiliar do médico para ser cuidasse de seus doentes. Sofreu várias mudanças até
reconhecida pela opinião pública como a única classe que viesse a adquirir o nome de Escola de
que permanece vinte quatro horas ao lado de seu Enfermagem Alfredo Pinto, sendo que hoje pertence à
cliente, prestando-lhe assistência. Universidade do Rio de Janeiro.

O exposto acima leva a concluir que a existência O Ensino da Enfermagem nessa década era
do sistema COFEN-CORENs é da gênese à totalmente hospitalocêntrico, sendo as profissionais
materialização e da manutenção à dinâmica recíproca preparadas a cumprir tarefas. Foi neste quadro, na
da Enfermagem brasileira e de sua sociedade. década de vinte, que se esboçaram transformações na
Política de Saúde do Estado Brasileiro, exigindo da
4 HISTÓRICO DA ENFERMAGEM Enfermagem a normatização de seus serviços. Com as
grandes endemias, a Enfermagem passou a atuar no
BRASILEIRA E SUA CONTRIBUIÇÃO
sentido de controle destas, pois prejudicavam as
PARA A IDENTIDADE PROFISSIONAL exportações e a saúde do país.

A ciência vem gerando conhecimentos e tecnologia


O Departamento Nacional de saúde Pública,
de forma incrivelmente rápida(...). Reafirma-se
neste contexto a necessidade de desenvolver-se previa ações como assistenciais. Dispunha que o
modelos de assistência de modelos que preservem órgão responsável pela fiscalização do exercício da
e revigorem a qualidade de vida humana(...). Enfermagem seria o DNSP por intermédio da
Assim, a assistência em saúde entendida como o Fiscalização do Exercício da Medicina.
atendimento a necessidades, desenvolvimento de
potencialidades e criação para obtenção das
É de grande relevância menciona as demais
aspirações, é e continuará sendo essencial para a
assistência da vida com qualidade (SCHMITZ, normas do Decreto 16.300, pois estas influíram em
2000, SP). muito na Enfermagem (COFEN, 2000):

- O Artigo 233, estabelecia como condição ao


As agressões à saúde, seus agravos, são tão exercício das profissões a obrigatoriedade do registro
complexos em sua ramificações, de importância do título ou licença no DNSP.
relevante à humanidade, que a Enfermagem enquanto
Ciência tem dado atenção especial a estes fatores. Ao - O Artigo 393 normatiza a criação de uma Escola
se analisar a história da Enfermagem Brasileira, de enfermagem subordinada à Superintendência do
observa-se que esta sempre acompanhou a política de Serviço de Enfermeiras de Saúde Pública com o
saúde adotada no país, influenciando o objetivo de educar Enfermeiras Profissionais
descortinamento de novos horizontes, bem como destinadas aos serviços sanitários e aos trabalhos
influenciando com conquistas de caráter quali- gerais ou especializados dos hospitais e clinicas
quantitativas. privadas.

No Brasil, a Enfermagem surgiu no período da É neste quadro que surge o Ensino de


colonização, não como uma profissão, mas como Enfermagem, sendo adotado como critério para a
cuidados prestados aos doentes por determinados matrícula as seguintes exigências (COFEN, 2000):
grupos de pessoas onde os principais prestadores de
cuidados eram os escravos, sendo desconsiderada, - Certidão de idade (20 a 35 anos).
incorporando os padrões da época.
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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
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- Nacionalidade brasileira. assim influenciar para o seu aprimoramento, exercendo


deste modo um forte impacto nas práticas de
- Atestado de revacinação contra varíola. Enfermagem.

- Atestado médico. Ao se analisar uma Ciência em um dado


momento histórico, observo-se o relevo que este lhe
- Atestado de boa conduta. empresta. O conhecimento e interpretação destes
relevos é parte inexorável do processo para o
- Diploma de escola normal ou documento que conhecimento completo da mesma. Ao se levantarem
comprovasse a inscrição secundária da candidata. os fatores que impediram seu desenvolvimento pleno,
em consonância tornasse possível a observação dos
A Segunda Escola de enfermagem do nosso país fatores que lhe fortaleceram, bem como a partir daí
foi criada em Minas Gerais: Escola de Enfermagem da observar novos caminhos e desafios.
Universidade Federal de Minas Gerais.
Questões políticas e sociais, e no caso da
A classe agonizava por falta de autonomia em Enfermagem pensa-se que os fatores que mais
suas decisões, tendo sua prática muito restrita. Em influenciaram em seu percurso são o sexismo e as
resposta à necessidade de defesa da classe na década questões de ordem religiosa bem como mitos.
de setenta, surgiram várias organizações de
Enfermagem precedendo as associações e sindicatos. O paradigma da enfermagem cristã enfatizava no
No ano de 1975 foi criado o primeiro sindicato do Rio desempenho profissional valores relacionados a
amor, abnegação e desprendimento, não
Grande do Sul. Em 1973 foi sancionada a Lei 5.905,
valorizando a luta por remuneração digna com
dispondo sobre a criação do Conselho Federal e condições ambientais de trabalho adequada à
Regionais de Enfermagem. Estes Conselhos inserção na vida social e política (LIMA, 1994, p.
passaram a disciplinar e fiscalizar o exercício da 18).
Enfermagem a partir da criação do Código de
Deontologia dos profissionais. A criação de um órgão Sabe-se que desde tempos imemoráveis o
independente de outras áreas levou a Enfermagem a cuidado era praticado exclusivamente por mulheres,
dar um salto de qualidade em suas práticas, propiciou- sendo esta vítimas de sexismos e estigmas sociais,
lhe autonomia e resolutividade em suas decisões. possibilitando-lhes direito mínimos, sendo o sexo
feminino sempre condicionado por interesses
dominantes, evidenciando-se assim a divisão do
ENFERMAGEM: ÉTICA, EDUCAÇÃO E
trabalho onde Resende expõe que:
RECONHECIMENTO SOCIAL
A enfermagem nasceu dividida em dois extratos
O desprestígio social experimentado pela sociais distintos. Às ladies cabia o pensar,
enfermagem está expresso nas palavras de Silva, concretizado nos postos de comando , às nurses o
quando incorre sobre sua formação acadêmica, fazer sobre a direção das primeiras. As lides se
encarregariam de difundir o sistema Nigtingaliano,
colocando que:
pois a elas competia a administração dos Serviços
de Enfermagem nos vários hospitais da Inglaterra
Ingressamos na Escola de Enfermagem da USP (...). o trabalho manual considerado inferior pode
em 1971 e a questão marcante da época foi que ser executado por pessoas socialmente inferiores,
uma parcela significativa dos camaradas do excluídas do pensar (apud GEOVANINI et al. 2002,
colégio estranharam a opção pela profissão mais p.297).
adequada para mulheres, pouco atraente para
homens, e mal remunerada. A maioria dos rapazes
optavam por profissões indicadas aos homens, É grande a bagagem de não reconhecimento
principalmente as que conferiam um "status" social social que a mulher traz consigo e, por conseqüência, a
maior (1998 , p. 17). enfermagem. Segundo Silva "o trabalho da enfermeira
não é desprestigiado por ser feminino, mas é feminino
por ser desprestigiado" (apud GEOVANINI et. Al. 2002,
Conhecer as vertentes que delinearam a p. 27).
Enfermagem como ela é hoje torna-se parte
fundamental a ser desenvolvida em um processo que O ser humano é capaz de historizar-se e capaz de
visa entender suas dimensões futuras, sendo possível produzir cultura, constrói, desconstrói, molda e remolda
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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
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a realidade que o rodeia, estando assim imerso em uma clientes, de um modo geral, que podem lhes trazer
trama de poder. um sentimento de desconforto, mal estar, angústias
e sofrimento (LUNARDI, 1999, p. 21).

Segundo Lunardi:

Para Foucault, em qualquer relação que se Pensa-se que a chave para solução parcial da
estabeleça, econômica, sexual, institucional o maioria dos problemas hoje enfrentados na prática da
poder se faz presente, na medida em que, nesta enfermagem está na formação acadêmica. Silva,
relação, alguém busca conduzir o outro, dirigir a sua comenta o ensino na enfermagem:
ação. Por outro lado, o importante quanto a tais
relações, é que elas são móveis, não estando
As entrevistas com docentes de duas
determinadas a priori, construindo-se e
inquestionavelmente boas faculdades de
desconstruindo-se no próprio exercício da relação
Enfermagem do Brasil, apontam para uma crise de
de poder (1999, p. 23).
identificação da profissão, que está dificultando seu
ensino eficiente; para a ambigüidade entre o que o
O poder é o objetivo das ações humanas, tal professor ensina e o que o mercado de trabalho
como exposto por Milton: exige do profissional enfermeiro; para a pouca
participação dos docentes nas entidades de classe
O poder fascina, o poder seduz. A tomada do (embora incentivem a participação dos alunos no
poder é cobiçada, almejada e perseguida discurso), entre outros aspectos de extrema
implacavelmente pois é de foro íntimo, e, como a importância (1998, s/p).
sociedade moderna , democrática e participativa
repulsa esta cobiça, considerada pela civilização
ocidental e cristã como um mal, então o sujeito que Moretto, ao incorrer sobre a formação acadêmica
o busca mascara, dissimula, esconde o "jogo" , do enfermeiro (a), explana que a formação da
nega o seu objetivo, dizendo que se trata da busca
enfermagem continua ocorrendo com maior ênfase nos
de servir ao povo (Revista Textual, novembro de
2002, p. 28). aspectos hospitalocêntricos desvinculada da nova fase
da política da saúde brasileira (2001).
A autonomia que visa enfermagem, ricocheteia
em outras áreas, diminuindo seu poder, de ter controle CONSIDERAÇÕES FINAIS
sobre as coisas e sobre os outros, tornando-se assim
relevante as discussões pertinentes a gênero, O tempo e a Ciência são separados das
ocupação, salário, reconhecimento social, por serem práticas medievais, monásticas e sacerdotais
estes alguns dos fatores que oferecem resistência a dispensadas à saúde, dos sexismos e estigmas de
nosso desenvolvimento pleno do profissional. gênero, porém ainda restam resquícios relativos destas
épocas remotas que prevalecem inconsciente ou
O conhecimento teórico da enfermagem exige que,
conscientemente em nossa sociedade. Aliado a isso,
nas análises dos diversos aspectos da profissão se
incorpore a perspectiva de gênero, para que seja
está a falta de criticidade das ações da enfermagem
possível conceitualmente se visualizar, criticar e hoje.
discutir as implicações políticas que afetam uma
profissão majoritariamente feminina, A qualidade de investimentos no ser humano, não
historicamente essa associação de enfermagem deve ser circunscrita apenas àqueles que já saíram da
com gênero feminino é significativa na divisão
academia, devesse sim ter uma visão freireana de
técnica, social e política de trabalho, porque tem
implicado menor prestigio social para quem a
educação, não apenas no aspecto cognoscente, mas
exerce (LIMA, 1994, p. 50). também crítico, devendo assim primar pela qualidade
da formação acadêmica.
A prática da enfermagem moderna,
contemporânea exige do profissional que a exerce O aperfeiçoamento dos recursos humanos
conhecimento científico, habilidade nas relações através da educação é uma prioridade do indivíduo e da
interpessoais e persistência, não esmorecendo diante própria sociedade que busca oportunizar momentos de
os obstáculos impostos a sua prática profissional. construção, reconstrução e socialização do
conhecimento. Para tanto, é preciso o desenvolvimento
São muitas as situações de conflito enfrentadas das pessoas que se constituem sujeitos deste processo
pelas enfermeiras especialmente no que se refere a de mudança no quotidiano das instituições.
como tem se dado a assistência de saúde aos

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IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO (A) : PERFORMANCE E FISCALIZAÇÃO
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Para que se consiga transcender as práticas hoje de acordo com protocolo, solicitação de exames. Esta
vigentes, torna-se necessário refletir a ética, vitória que assegurou os preceitos constitucionais,
comportamento (ethos), e só se conseguirá quando além de nos levar a exercer a profissão em de forma
estiverem cientificamente qualificados para atingirem a integral, descortina novos horizontes carentes de
liberdade que se almeja; caso contrário, estarão presos pesquisas, tais como a remuneração pelo Sistema
a relações estabelecidas e imutáveis: Único de Saúde e planos privados,
desinstitucionalizando o serviço, sendo remunerado
Neste o problema ético da liberdade encontra-se em conformidade com suas atividades.
ausente, já que as relações de poder entre os sujeitos
mostram-se imóveis, fixas, sem a mínima Portanto, a reflexão crítica sobre a realidade das
reversibilidade de movimentos pela possibilidade de instituições de saúde e o espaço que a busca de novas
diferentes instrumentos de coação. Não ha como falar metodologias ocupa na estrutura - na perspectiva da
em ética em estado de dominação (FOUCAULT, apud contribuição desta na constituição do ser humano,
LUNARDI, 1999, p. 24). aponta como alternativa coerente, não só para
estruturação e restruturação, das áreas da saúde, bem
Ainda, Foucault citado por Lunardi, fala sobre o como de outras disciplinas, um modelo relacional a ser
poder nas relações; adotado, cujo pressuposto epistemológico se
consubstancia na praxis construtivista alicerçada em
Não existem sociedades sem relações de uma metodologia dialética.
poder, poderíamos dizer que tal constatação não se
constitui em um problema. A problematização deveria
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
se fazer no sentido de que se participe destes jogos de
poder, com o mínimo possível de dominação
ASSIS, M. Educação em Saúde e Qualidade de
buscando-se as regras de direito, de governabilidade,
Vida: para além dos modelos, a busca da
das práticas de si, da moral e do ethos (1999, p.26). comunicação. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 1998.

É preciso instigar os profissionais, pois segundo BRASIL. Ministério da educação. Meio ambiente e
Freire, (1999), "o exercício da curiosidade a faz mais saúde: novos parâmetros curriculares. Brasília,
criticamente curiosa, mais metodicamente 1997.
perseguidora de seu objeto", inserindo-se deste modo
como atores no paradigma atual. BERLINGUER, G. Questões de vida: ética, ciência e
saúde. Salvador: APCE, 1993.
Na fase de transição e revolução cientifica, a
insegurança resulta ainda do fato de nossa reflexão COREN/RS, Conselho Regional de Enfermagem do
epistemológica ser muito mais avançada e sofisticada Rio Grande do Sul. Legislação, 2002.
que a nossa prática científica. Nenhum de nós pode
neste momento visualizar projetos concretos de DEMO, Pedro. Desafios Modernos da Educação. 9
investigação que correspondam inteiramente ao ed. Petrópolis: Nozes, 2000.
paradigma emergente (...). E isso é assim
FREIRE, Paulo. Conscientização; Teoria e Prática
precisamente por estarmos em uma fase de transição
da Libertação; uma introdução ao Pensamento de
(SANTOS, 1999, p. 57-8).
Paulo Freire. São Paulo: Cortez e Moraes, 1979.

Neste sentido, o profissional de enfermagem se


FREIRE, Pedagogia da Autonomia: Saberes
depara com uma realidade em transição, ainda que
Necessários a Prática Educativa. São Paulo: Paz e
lenta. Em agosto de dois mil e quatro, brindou-se uma Terra, 1996.
grande vitória à Enfermagem brasileira, no momento
em que se deu um ponto final nas discussões GEOVANINI, Telma; MOREIRA, Almerinda;
promovidas por fanáticos cujo propósito era subtrair SCHOELLER, Soraia D. ; MACHADO, Wiliam C.A.
dos Enfermeiros (a) o direito de exercer sua profissão, História da Enfermagem - versões e
direito este assegurado pela Lei Federal nº 7.498/86. interpretações. 2ª ed. Copyright, 2002. Livraria e
Está assegurado aos Enfermeiros a, além das editora Revinter Ltda.
atividades que exerciam sem maiores turbulências, a
consulta de enfermagem, prescrição de medicamentos GIL, Antônio Carlos, Como elaborar projetos de

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Roque Ismael da Costa Güillich - Paulo Fábio Pereira - Gilberto Souto Caramão

pesquisa - 4. Ed. - São Paulo: Atlas, 2002.

LIMA, Maria José. O que é Enfermagem - 2 ed. São


Paulo: Brasiliense, 1994. - (coleção primeiros passos;
277).

LUNARDI, Valéria Lerch. A ética como o cuidado de


si e o poder pastoral na enfermagem. - Pelotas:
Editora da UFPEL; Florianópolis: UFSC, 1999. 188 p.
(Série Teses de Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem - UFSC).

MORETTO, E.S. Os enfermeiros e o SUS / da


realidade a possibilidade. Passo Fundo; 2001.

RAMOS, F.R.S. O processo de trabalho em


educação e saúde. In.: RAMOS, F.R.S.; VERDI, M.M.;
KLEBA, M.E. Para pensar o cotidiano: educação em
saúde e a práxis de enfermagem. Florianópolis: Ed.
UFSC, 1999.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre


as ciências. 11. ed. Coimbra: Afrontamento, 1999 a.

Textual / Sindicato dos Professores do Rio Grande


do Sul. - v.1, n.1 (nov./2002). - Porto Alegre:
SINPRO/RS, 2002. Semestral.

VISTMAN, J. Saúde, cultura e necessidades. In.:


FLEURY, S. (Org.). Saúde Coletiva ?: questionando a
onipotência do social. Rio de Janeiro: Relume-
Dumará, 1992,p.157-196.

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Como enviar artigos?

A Revista SETREM, construída pelo coletivo dos docentes da Sociedade Educacional Três
de Maio - SETREM, pretende ser uma publicação de caráter científico. Você também pode enviar-
nos seu artigo até o dia 30 de março de 2004, para ser avaliado, com a possibilidade de ser
publicado na próxima edição.

Seguem abaixo as normas para apresentação de artigos:


TÍTULO DO ARTIGO
Nome do(s) autor (es) do artigo, com a respectiva qualificação e endereço físico e eletrônico.
Nome da Instituição de filiação, com endereço.
RESUMO: Resumo do texto com no Máximo 20 linhas.Palavras-chaves
ABSTRACT: Tradução do Resumo do texto para língua inglesa (em itálico).

Somente serão publicados os artigos que forem aprovados pelo Conselho Editorial e
estiverem de acordo com as regras propostas pela Revista e as Normas da ABNT. Os artigos
devem ser entregues em disquete e em duas vias impressas e serão submetidos a uma seleção
pela Comissão Editorial.

Os artigos podem ser enviados para:Revista SETREM/DEPESociedade Educacional Três


de MaioAvenida Santa Rosa, 2405CEP: 98.910-000 Santa Rosa RS Ou para o e-mail
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