Você está na página 1de 192

Um Comentário Sobre a Verdadeira Autoria de «Na Tenebrosa Inglaterra

e A Saída»

«In Darkest England É Integralmente de Autoria do General Booth».


O Sr. Stead Cala Algumas Bocas
The War Cry, (10 de janeiro de 1891)

Acreditamos que nossos leitores concordarão conosco que a declaração


a seguir, extraída do Leicester Post, dará um basta às capciosas
contendas que se tornaram tão abundantes em certos círculos desde
que «In Darkest England» foi publicado.

O Rev. C. F. Aked recebeu a seguinte carta do Sr. W. T. Stead com


relação ao livro do General Booth:-

«Eu não posso escrever para você como você gostaria que eu fizesse,
mas posso contar-lhe os fatos exatos os quais pode fazer uso se
julgar necessário. O livro 'In Darkest England' é do General Booth;
a idéia do livro foi integralmente dele. Ele concebeu o título, e
ele estava determinado a escrevê-lo. Ele juntara uma considerável
massa de material, mas a doença de sua esposa e a impossibilidade de
ordenar tudo devidamente, fez com que ele pedisse meu auxílio. Ele
perguntou-me se eu poderia dar ao livro um tom literário adequado,
sem muita demora. Eu respondi que, 'faria o trabalho literário',
como de fato fiz. E tive muito orgulho em fazê-lo».

«Isso é tudo. Sou bem grato por ele ter reconhecido meus serviços,
como fez no prefacio. A expressão que eu sugeri, e que teria
explicado exatamente a situação, foi recusada por ele. Eu propus que
ele simplesmente -- depois de agradecer as pessoas do Exército que o
tinham auxiliado a colecionar os fatos e casos -- não acrescentasse
nenhum reconhecimento a pessoas que não fossem do Exército, atuando
temporariamente na compilação sob minhas ordens, ou fazendo algum
trabalho técnico na preparação do livro para o prelo. Não tive
nenhum desejo de ser mencionado. Minha participação foi como a do
impressor ou do encadernador. Ter um mãos um material tão nobre, foi
para mim mais do que uma recompensa. Eu sinto isso de uma maneira
bem forte porque durante anos insisti com o General Booth para que
fizesse algo assim».

********************************

NA TENEBROSA INGLATERRA
E A SAÍDA
Titulo original em inglês:
IN DARKEST ENGLAND and THE WAY OUT
versão em inglês:
http://www.geocities.com/projetoperiferia6/the_way_out.htm
copyright © 2004 William Booth.

Traduzido por Railton Sousa Guedes


Coletivo Periferia
http://www.geocities.com/projetoperiferia

Pelo GENERAL BOOTH

1
[A primeira edição em inglês dessa obra data de 1890 e foi feita sob
os auspícios do Exército de Salvação]

Em memória da companheira, conselheira, e camarada, durante cerca de


40 anos. Dedico este livro àquela que compartilhou de toda minha
ambição pelo bem-estar da humanidade, minha amada, fiel, e dedicada
esposa.

PREFÁCIO

O progresso do Exército de Salvação em sua obra entre os pobres e


destituídos de muitas regiões compeliu-me a enfrentar os problemas
que abordo, mais ou menos esperançosamente, nas páginas seguintes.
As duras necessidades de uma enorme Campanha dirigida por muitos
anos contra os males situados na raiz de todas as misérias da vida
moderna, enfrentadas de mil e uma formas por milhares de tenentes,
levou-me a contemplar que uma possível solução de pelo menos alguns
desses problemas poderia ser encaminhada pelo Projeto de Triagem e
Salvação Social que exponho aqui passo a passo.

A simples visão de crianças degeneradas na cidade onde nasci,


miseravelmente desamparadas, pobres, descalças, vagando magras e
feridas pela fome, perambulando pelas ruas com seus melancólicos
trapos, aos montes nos sindicatos ou labutando como escravos de
navios, trabalhando por comida, acenderam em meu coração anseios por
fazer algo e exerceram uma poderosa influencia em toda minha vida.
Se há algo que desejei com afinco foi contribuir para reverter essa
situação.

A compaixão então despertada pela miséria desta classe foi uma força
motriz que nunca deixou de se fazer sentida durante quarenta anos de
serviço ativo na salvação dos homens. Durante todo este tempo eu sou
grato por ter sido capaz, pela bondosa mão de Deus em mim, de poder
fazer algo no sentido de mitigar um pouco a miséria desta classe,
trazer esperança divina e alegria terrestre aos corações de
multidões e multidões de miseráveis, como também muitas bênçãos
materiais, incluindo coisas comuns como comida, roupa, casa, e
trabalho, a base de tantos outros benefícios temporais. E assim
muitas criaturas pobres têm obtido «proveito em tudo, usufruindo a
promessa de vida no agora e no porvir».

Estes resultados foram principalmente atingidos através de meios


espirituais. Eu afirmei corajosamente que qualquer caráter ou
circunstancias estranhas seriam superados se o filho pródigo
voltasse à casa de seu Pai Divino. Pois ele acharia o bastante e o
necessário na casa do Pai para prover todas as suas necessidades
tanto para este mundo como para o próximo. E eu soube de milhares, e
pude ver dezenas de milhares de pessoas literalmente provando desta
verdade, na medida em que, com pequena ou nenhuma ajuda temporal,
saiam das profundidades Tenebrosas da carência, do vício e do crime,
em direção a uma vida de cidadãos felizes, honestos e verdadeiros
filhos e crianças de Deus.

De todas as formas, durante toda minha carreira, normal ou


subtilmente, eu percebi que as medidas curativas enunciadas nos
programas cristãos e ordinariamente empregadas pela filantropia
cristã eram lamentavelmente inadequadas em sua eficácia contra a
desesperadora miséria do proletariado. Os resgatados são
horrorosamente poucos -- uma minoria horrível comparada com as
multidões que se debatem e desabam no abismo. Então, de acordo com
minha humanidade e meu Cristianismo, se eu pude falar deles de
alguma forma como separados uns dos outros, devo ter criado um
método mais abrangente de alcançar e salvar as multidões que estão
perecendo.

2
Sem dúvida é bom que os homens saiam por si mesmos do remoinho de
água em direção à pedra da libertação enfrentando os contratempos
que até então os dominaram, que sigam firmes em frente mesmo com as
ondas batendo e empurrando-os para trás. Mas, ai! para muitos isto
parece ser literalmente impossível. Aquela resolução de caráter, que
faz com que o nervo moral agarre a corda lançada para o salvamento,
que continua segurando apesar de toda resistência que encontra, quer
a salvação. Mas é um caso perdido. A destruição generalizada
quebranta e desorganiza o homem como um todo.

Ai, que multidões nos rodeiam em toda parte, que os leitores


conhecem muito bem, basta olhar ao derredor para ver por todo lado a
mesma situação precária! O consumo de drogas e a situação precária
chegou a tal ponto que sem algum tipo de ajuda de fora continuarão
famintos e maléficos, maléficos e famintos, até que, no extremo da
pobreza se tornam a própria expressão da penúria, quando os dedos
magros de morte os sufoca, dando um fim à sua miséria. E tudo isso
está acontecendo agora mesmo neste inverno, diante de uma
concentração de riqueza sem paralelo na história, diante da
civilização e da filantropia do país mais cristão do planeta.

Eu proponho, agora, ir diretamente até o proletariado, ir fundo, e


colocar o coração em tudo aquilo que for feito. Eu ainda vaticino a
maior das decepções a menos que aquela fortaleza seja alcançada.
Propondo aperfeiçoar os métodos eu já coloquei em prática para este
fim, isso não quer dizer que abandonei os velhos planos ou que não
busco outra coisa senão velhas conquistas. Se ajudamos pessoas,
ajudamos no sentido de mudá-las para melhor. O construtor que
planeja construir sua casa, que constrói sua casa, que arrisca sua
reputação, mas que não queima os tijolos, está fadado ao fracasso e
será considerado um tolo. A perfeição da beleza arquitetônica, a
grande quantidade de capital investido, a vigilância infalível dos
trabalhadores, nada disso terá qualquer utilidade se os tijolos
forem todos de barro cru. Deixe-o atear fogo. É exatamente aqui que
eu vejo a loucura de esperar realizar qualquer coisa permanente, sem
mudar a situação e a conduta do proletariado. Sem mudar
integralmente o homem e o ambiente em que vive, o progresso será
nulo. Isto é tudo o que espero alcançar. Em muitos casos terei
sucesso, em alguns falharei; mas até mesmo falhando em meu maior
desígnio, beneficiarei pelo menos os corpos dos homens, se não suas
almas; e se eu não conseguir livrar seus pais, pelo menos darei uma
oportunidade melhor para as crianças.

Deste ponto de vista ou em qualquer outro desenvolvimento que


eventualmente possa ocorrer eu não tenho intenção alguma de
apartar-me nem mesmo uma fração dos princípios chave com base nos
quais agi no passado. Minha única esperança de que a humanidade se
liberte permanentemente da miséria, neste mundo ou no próximo, está
na regeneração ou na reconstrução do indivíduo pelo poder do
Espírito Santo por meio de Jesus Cristo. Mas contribuindo para o
alívio de miséria temporal acho que estou apenas facilitando,
aumentando as possibilidades, para que homens e mulheres encontrem
seu caminho na cruz de Jesus Cristo.

Confio em minhas propostas. Acredito que elas funcionarão. Em maior


ou menor grau muitas delas já estão funcionando. Mas não reivindico
que meu Projeto seja perfeito em todos os detalhes, nem completo no
sentido de ser adequado para combater todos os aspectos do
gigantesco mal contra o qual se dirige. Como as demais coisas
humanas deve se aperfeiçoar pelo sofrimento. Mas é um esforço
sincero por fazer algo, e fazer algo em princípios que podem ser
aplicados imediatamente e universalmente desenvolvidos. Tempo,
experiência, crítica, e, acima de tudo, a orientação de Deus nos
habilitará, espero, para avançar no sentido da aplicação prática e
verdadeira das palavras do profeta hebreu: «Desate os nós da
maldade; largue os fardos pesados; liberte o oprimido; quebre todo
jugo; alimente o faminto; traga o pobre de volta para a casa de onde

3
foi expulso. Agasalhe aquele que tem frio e não desvie teus olhos.
Derrame tua alma ao faminto -- Então das ruínas surgirão novos
edifícios e serão restabelecidas as fundações de muitas gerações».

No que diz respeito àquela que por quase quarenta anos foi
indissoluvelmente associada a mim em todo empreendimento, devo-lhe
muito pela inspiração que encontrou guarida neste livro. É bem
difícil para mim calcular com exatidão até que ponto a esplêndida
bondade e ilimitada condolência daquele caráter me incentivou neste
longo serviço ao homem, ao qual nós e nossos filhos nos dedicamos.
Para mim será sempre uma refrescante e preciosa lembrança o fato de
que, diante do incessante sofrimento de uma terrível doença, minha
esposa agonizante encontrou alívio considerando e desenvolvendo as
sugestões para o avanço moral, social e espiritual das pessoas, e eu
agradeço Deus por ela ter sido levada de mim quando o livro já
estava praticamente pronto e os últimos capítulos já tinham sido
enviados ao prelo.

Em conclusão, tenho que reconhecer os serviços que os oficiais sob


meu comando me prestaram no preparo deste livro. Não haveria nenhuma
esperança de levar a cabo qualquer parte dele, se não houvesse
milhares de pessoas, atentas à meu chamado e sob minha direção,
labutando ao extremo de suas forças, sem a esperança de recompensa
terrestre, pela salvação dos outros. Acerca do bom senso prático,
dos recursos, da prontidão e da utilidade desses oficiais e
soldados, o mundo jamais poderá conceber. Ainda menos será capaz de
compreender a altura e a profundidade da devoção e do auto
sacrifício a Deus e ao pobre.

Eu também tenho que reconhecer a valiosa ajuda literária de um amigo


do pobre, o qual, apesar de não ter qualquer tipo de ligação com o
Exército de Salvação, tem uma profunda simpatia para com suas metas
e está em larga escala em harmonia com seus princípios.
Provavelmente, sem tal ajuda seria -- subjugado como
estou aos afazeres de um empreendimento mundial -- extremamente
difícil, senão impossível, apresentar estas propostas pelas quais,
em todos os aspectos, me responsabilizo completamente. Eu não tenho
nenhuma dúvida de que se qualquer parte significativa de meu plano
for executada com sucesso o futuro será recompensado pela
competência dos serviços prestados. [N.E. aqui William Booth se
refere a W. T. Stead, vide extrato do War Cry acima, e o comentário
em
http://www.geocities.com/projetoperiferia6/anahlise_saida.htm]

WILLIAM BOOTH.

INTERNATIONAL HEADQUARTERS OF THE SALVATION ARMY, LONDON, E.C.,

Outubro de 1890.

Na Tenebrosa INGLATERRA

PARTE I. A TENEBROSA INGLATERRA.

CAPÍTULO 1. PORQUE «A Tenebrosa INGLATERRA»?

Neste verão a atenção do mundo civilizado prendeu-se à história


contada pelo Sr. Stanley sobre a Tenebrosa África e em suas jornadas
pelo coração do Continente Perdido. De toda aquela narrativa do
heróico empreendimento, nada impressionou mais a imaginação, do que

4
a sua descrição da imensa floresta que oferecia uma barreira quase
impenetrável ao seu avanço. O explorador intrépido, «marchou,
rasgou, rompeu, e desbravou o caminho durante cento e sessenta dias
através da mata fechada da verdadeira floresta equatorial». A mente
do homem dificilmente concebe esta imensidão de selva arborizada,
cobrindo um território quase tão grande como o da França, onde os
raios do sol nunca penetram, onde na escuridão, no ar úmido,
carregado com o vapor quente do pântano, seres humanos reduzidos a
pigmeus e brutalizados em canibais espreitam, vivem e morrem. O Sr.
Stanley vaidosamente empenha-se em revelar o completo horror daquela
terrível escuridão. Ele diz:

«Considere uma espessa mata escocesa que goteja quando chove; imagine
que isto seja uma mera vegetação rasteira que se desenvolve à sombra
impenetrável de velhas árvores de 100 a 180 pés de altura; roseiras
bravas e espinhos abundantes; riachos preguiçosos que escorrem pelas
profundezas da selva, às vezes um profundo afluente de um grande
rio. Imagine esta floresta e selva em todas suas fases de decadência
e crescimento, a chuva que tamborila a cada dois dias em cima de
você o ano todo; uma atmosfera impura com suas conseqüências
terríveis, febre e disenteria; escura ao longo do dia e de uma
negritude quase palpável ao longo da noite; se você puder imaginar
tal floresta se estendendo numa distância que vai de Plymouth até
Peterhead, então você terá uma idéia justa de algumas das
inconveniências suportadas por nós na floresta de Congo».

Os habitantes desta região acreditam piamente que a floresta é


infinita -- interminável. Em vão o Sr. Stanley e seus companheiros
se esforçam para convencê-los de que para além daquela triste
floresta se encontraria luz solar, pastagens e prados calmos.

Eles reagiam de uma maneira que parecia insinuar: que criaturas


estranhas são essas que acreditam ser possível haver outro mundo
além dessa floresta sem fim? «Não», eles responderam, abanando suas
cabeças compassivamente, com pena de nossas perguntas absurdas,
«qualquer coisa menos isso», e eles faziam gestos com as mãos para
ilustrar que o mundo era todo semelhante, nada mais que árvores,
árvores e mais árvores -- grandes árvores que sobem tão alto quanto
um tiro de seta para o céu, erguendo suas copas, entrelaçando seus
galhos, prensando e aglomerando umas às outras, até que nenhum raio
de sol ou réstia de luz possa penetrá-las.

«Entramos na floresta», diz Sr. Stanley, «com confiança; com


quarenta pioneiros na frente com machados e facões abrindo caminho
pela mata fechada, pedindo que Deus e a boa sorte nos conduzisse».
Mas diante da convicção dos habitantes da floresta de que a mata era
infinita, a esperança diminuía nos corações dos membros da companhia
de Stanley. Os homens foram tomados pelo desespero, admoestá-los não
bastava para remover o pessimismo e a mórbida escuridão de suas
mentes.

O pouco de religião que conheciam não passava de um monte de lendas


e vagas recordações que flutuavam em torno de uma história sobre uma
terra que ficava cada vez mais escura na medida em que o viajante se
aproximava dos confins do mundo onde se situava a morada de uma
grande serpente que envolvia o mundo inteiro. Ah! então os anciões
devem ter recorrido a isto, onde a luz é tão precária, e os bosques
infinitos, imóveis, solenes e cinzentos; uma solidão opressiva, em
meio a tanta vida, que esfria o pobre e aflito coração; e o horror
cresce com a escuridão e com a fantasia; o frio matutino, o
desconsolado cinzento do amanhecer, a pálida névoa morta, as
lágrimas gotejantes do orvalho, o dilúvio tropical, o retumbante e
apavorante estouro do trovão, o risco maravilhoso de raios
deslumbrantes. E quando a noite vem com sua espessa e palpável
escuridão, eles se precipitam em suas pequenas cabanas úmidas, e
ouvem a tempestade desabando sobre eles, o uivo dos ventos
selvagens, o gemido das árvores fustigadas pela tempestade, os
terríveis sons de gigantes em queda, cujo choque que faz tremer a

5
terra, dispara seus corações enviando-os espasmódicos em direção à
garganta, o rugindo e o estalar de um mar de opressão e fúria -- oh,
então o horror se intensifica! Quando a marcha começa uma vez mais,
e as fileiras se movem lentamente pelos bosques, eles renovam seus
mórbidos pensamentos, e perguntam a si mesmos: Até quando teremos
que aturar isso? A alegria da vida vai terminar assim? Temos mesmo
que atravessar nossos dias nesta triste escuridão, nesta sombria
lida, até cambalear, cair e apodrecer entre os sapos? Então eles
desaparecem aos pares nos bosques, entre as árvores, embrenhando-se
no caos; depois que a caravana passa eles seguem pela trilha, alguns
que alcançaram Yambuya transtornam os jovens oficiais com seus
contos de aflição e guerra; alguns caem em prantos pelos cantos;
outros vagam titubeantes pelos escuros labirintos dos bosques,
desesperadamente perdidos; e alguns são destripados para o banquete
canibal. Aqueles que permanecem onde estão tornam-se reféns do medo
de um perigo maior, os remanescentes, compelidos pelo medo de um
perigo ainda maior, marcham mecanicamente, tomados pelo temor e pela
fraqueza.

Assim é a floresta. Mas o que dizer de seus habitantes? Eles são


relativamente poucos; apenas algumas centenas de milhares que vivem
separadamente em pequenas tribos de dez a trinta milhas, espalhadas
em uma área onde dez bilhões de árvores tapam o sol de uma região
quatro vezes tão extensa quanto a Grã Bretanha. Há dois tipos de
pigmeus; um espécime muito degradado com olhos perscrutantes, nariz
pequeno, quase igual ao de um babuíno, mas muito humano; e um outro
muito bonito, com uma franqueza inocente, aberta, característica,
muito cativante. Eles são velozes e inteligentes, capazes de
profundo afeto e gratidão, dotados de uma notável disposição e
paciência. Um menino pigmeu de dezoito anos trabalha com impecável
zelo; para ele o tempo é por demais precioso para ser desperdiçado
com conversa. Sua mente parecia concentrada para o trabalho. Sr.
Stanley disse: --

«Certa vez, quando perguntei-lhe o nome, sua face parecia dizer,


'Por favor não me interrompa. Preciso terminar minha tarefa'».

«Todos eles, tanto a variedade de babuínos como os belos inocentes,


são canibais. Eles são possuídos por uma obsessão pela carne. Nos
obrigavam a lançar nossos mortos no rio, para que os corpos não
fossem desenterrados e comidos, até mesmo quando as pessoas morriam
de varíola».

Tanto os pigmeus como os demais habitantes da floresta descendem de


uma devastadora visita de um tipo de caçadores de marfim vindos do
mundo civilizado. A raça que escreveu as Mil e Uma Noites, que
construiu Bagdad e Granada, e que inventou a Álgebra, que enviou
homens com corações famintos por ouro, e mosquetes nas mãos para
saquear e matar. Eles exploraram os afetos domésticos dos habitantes
de floresta para tirar tudo o que eles possuíam de precioso. E assim
foi através dos anos. Dia após dia. Isso chegou a ser considerado
como uma lei natural e normal da existência. Sobre a religião destes
caçadores pigmeus o Sr. Stanley nada diz, talvez porque não haja
nada a dizer. Mas um viajante anterior, o Dr. Kraff, disse que uma
destas tribos, chamada Doko, tinha certa noção de um Ser Supremo,
Yer, ao qual às vezes endereçavam orações em momentos de tristeza ou
terror. Nestes orações eles diziam; «Oh Yer, se Tu realmente existe
por que deixa que nos escravizem? Não pedimos comida ou vestes,
porque vivemos de cobras, formigas, e ratos. Mas se Tu nos criastes,
porque nos abandonastes assim?»

Este é um quadro terrível, algo que calou fundo no coração da


civilização. Mas toda esta terrível cena da vida na vasta floresta
africana, lembra-me claramente um quadro vívido de muitas partes de
nossa própria terra. A Tenebrosa África não se assemelha à Tenebrosa
Inglaterra? A Civilização, capaz de gerar seus próprios bárbaros
também não geraria seus próprios pigmeus? Não haveria um paralelo
bem em frente à porta de nossa casa? As pedras que erigiram nossas

6
catedrais e palácios não inspiram um horror semelhante aos que
Stanley encontrou na grande floresta Equatorial?

Quanto maior a ênfase, maior a analogia. Em que diferem os caçadores


de marfim que brutalmente escravizam e infelicitam os habitantes das
clareiras da floresta, dos nossos burgueses [N.T. no original
publicans] que florescem na fraqueza de nossos pobres? As duas
tribos de selvagens, o babuíno humano e o anão bonito que não
conversavam para não atrapalhar sua tarefa, não se assemelham às
duas variedades que estão continuamente presentes conosco -- o tolo
drogado, preguiçoso, e o escravo assalariado [N.T.: no original,
toiling slave]. Eles também perderam toda a fé em uma vida diferente
daquela que vivem. Como na África, onde há apenas árvores e mais
árvores, onde nenhum outro mundo pode ser concebido; o mesmo ocorre
por aqui – reina o vício, a miséria e o crime. Para muitos o mundo é
uma imensa favela que começa no purgatório das filas por emprego e
só termina na sepultura. Assim como os zanzibaris do Sr. Stanley
perderam a fé, e não poderia ser diferente diante do sombrio
desespero e da falta de perspectiva, o mesmo ocorreu com a maioria
dos nossos reformadores sociais, independente da disposição que
tinham no começo da jornada. Como os quarenta pioneiros cheios de
ânimo que brandiam seus machados na medida em que avançavam floresta
a dentro, logo foram tomados pela depressão e pelo desespero. Quem
pode lutar contra dez milhões de árvores? Quem pode esperar
progredir diante de uma condição tão adversa que sentencia aquele
que vive na Tenebrosa Inglaterra a uma miséria eterna e imutável?
Não causa qualquer espanto ver muitos dos mais calorosos corações e
dos mais entusiastas trabalhadores repetirem o lamento do velho
cronista inglês, referindo-se aos maus dias que desabaram sobre
nossos antepassados no reinado de Stephen, «parecia-lhes que Deus e
seus Santos estavam mortos».

Essa analogia é tão boa quanto sugestiva; quanto mais extrema a


situação mais ela se adequa. Mas antes de deixá-la, pense por um
momento quão íntimo é este paralelo, e quão estranho é todo esse
interesse em torno dessa narrativa da sordidez e do heroísmo humano
em um continente distante, quanto maior a sordidez e o heroísmo,
menor será o esplendor do outro lado de nossa porta.

A Floresta Equatorial atravessada por Stanley se assemelha àquela


Tenebrosa Inglaterra da qual eu tenho que falar, semelhante na
extensão -- ambas bem extensas, na frase de Stanley, «desde Plymouth
até Peterhead», na monótona escuridão, na malária e sombritude, nos
seus habitantes pigmeus desumanizados, na escravidão à qual são
submetidos, nas privações e na miséria. Que adoece o coração mais
robusto, e que quebranta os mais valentes e corajosos diante do
desespero. É a impossibilidade aparente de fazer outra coisa senão
fugir da infinita confusão da monótona vegetação rasteira; escapar
da escuridão, desbravar uma saída que não seja logo em seguida
obstada pela lama do pântano e pelo crescimento parasítico e
exuberante da floresta -- quem é que ainda nutre alguma perspectiva?
No momento, ai, parece que o desânimo tomou conta de todos! É o
grande Rio da Morte [N.T. no original Slough of Despond] de nosso
tempo.

É como um pântano imensurável que atola até o pescoço durante


longos anos, como ocorreu com alguns de nós. É como o Inferno de
Dante, e todos os horrores e crueldades de uma câmara de tortura
sofridos por um condenado! O homem que caminha com os olhos abertos
e com o coração sangrando pelo matadouro de nossa civilização não
precisa de nenhuma imagem poética fantástica para poder ver o
horror. Vez após vez, ao ver jovens, pobres e desamparados, atolados
diante de meus olhos nesse pântano, pisoteados por bestas ferozes em
forma humana que assombra estas paragens, era como se Deus não
estivesse mais em Seu mundo, como se no lugar dele reinasse um
demônio, impiedoso como o Inferno, cruel como a sepultura. É duro,
sem dúvida, ler nas páginas de Stanley coisas como traficantes de
escravos que repentinamente assaltam uma aldeia, capturam seus

7
habitantes, massacram os que resistem, e violam todas as mulheres;
mas se as ruas pedregosas de Londres pudessem falar narrariam
terríveis tragédias, a completa ruína, os horríveis arroubos, como
se estivéssemos na África Central; com a diferença de que essa
horrível devastação é encoberta, como um cadáver, pelas
artificialidades e hipocrisias da moderna civilização.

Uma porção de meninas negras na Floresta Equatorial -- para alguns


talvez não represente um quadro muito feliz -- estariam em piores
condições que as muitas garotas órfãs que perambulam pelas ruas de
Londres, nossa capital cristã? Falamos sobre a brutalidade da Idade
Média, e estremecemos quando lemos sobre a exacerbação vergonhosa
dos direitos do senhor feudal. Enquanto que aqui mesmo, diante de
nossos próprios olhos, em nossos teatros, em nossos restaurantes, e
em muitos outros lugares, de uma forma indescritível, o mesmo
horroroso abuso floresce incontrolado. Uma adolescente sem dinheiro,
se for bonita, é freqüentemente caçada pelos seus patrões como se um
pedaço de carne fresca fosse, sempre confrontada pela alternativa –
ou abre as pernas ou passa fome. E quando a pobre menina consente
pagar o preço de ganhar a vida pelo sacrifício de sua virtude, então
ela passa a ser tratada como escrava e pária pelos mesmos homens que
a arruinaram. A palavra dela perde a confiança, sua vida torna-se
ignominiosa, e ela é lançada na sarjeta, na poço sem fundo da
prostituição. Mas mesmo ali, no mais profundo abismo, excomungada
pela humanidade e banida de Deus, ela está mil vezes mais próxima do
coração compassivo do Um Verdadeiro Salvador do que todos os homens
que provocaram sua queda, e de todos os escribas e fariseus que de
pé espreitam silenciosamente enquanto estas diabólicas injustiças
são perpetradas diante de seus próprios olhos.

O sangue ferve com raiva impotente à vista destas monstruosidades,


insensivelmente impostas, e silenciosamente suportadas por estas
miseráveis vítimas. Não apenas as mulheres são vítimas, embora o
destino delas seja mais trágico. Essas empresas que transformam suor
em mercadoria, que sistemática e deliberadamente defraudam o
trabalhador do seu pagamento, que esmagam a dignidade do pobre, que
roubam a viúva e o órfão, e que simulam fazer grandes profissões de
espírito público e filantropia, estes mesmos homens são enviados
hoje em dia ao Parlamento para fazer leis para as pessoas. Os
antigos profetas mandaram esses calhordas para o Inferno -- mas nós
invertemos tudo. Esses políticos enviam suas vítimas para o Inferno,
e são recompensados com tudo aquilo que as riquezas podem fazer para
tornar as vidas deles mais confortável. Leia o Relatório da Casa dos
Lordes sobre o Sistema de Exploração, e responda onde essa nossa
«civilização superior» -- que sensivelmente provoca mais miséria em
suas vítimas -- difere de qualquer sistema escravista africano.

A Tenebrosa Inglaterra tanto quanto a Tenebrosa África, fedem como


malária. O odor fétido e imundo de nossas favelas é quase tão
venenosa quanto os gases que emanam do pântano africano. A febre
tornou-se tão crônica como no Equador. A cada ano milhares de
crianças são exterminadas por aquilo que chamam de falhas em nosso
sistema sanitário. Na realidade elas morrem de fome e de
envenenamento, e tudo aquilo que pode ser dito é que, em muitos
casos, foi melhor para elas, pois foram poupadas das dificuldades
que viriam pela frente.

Assim como a Tenebrosa África representa apenas uma fração do mal e


da miséria que vêm da raça superior que invade a floresta para
escravizar e massacrar seus miseráveis habitantes, o mesmo ocorre
conosco, muito da miséria das multidões a que nos referimos surgem
de seus próprios hábitos. A embriaguez e toda forma de imundície,
moral e física, abundam por toda parte. Você alguma vez esteve ao
lado de um homem em estado de delirium tremens? Multiplique os
sofrimentos desse alcoólico em centenas de milhares de vezes, e terá
alguma idéia das cenas estão sendo testemunhadas em todas nossas
grandes cidades neste exato momento. Como os rios africanos que
cruzam a floresta em todas as direções, da mesma forma os pontos de

8
drogas [N.T. no original gin-shop] se espalham por toda parte como
um Rio de Água da Morte fluindo dezessete horas por dia para a
destruição das pessoas. Uma população encharcada de álcool,
mergulhada no vício, carcomida por toda espécie de males físicos e
sociais, estes são os habitantes da Tenebrosa Inglaterra entre os
quais passei toda minha vida, e para cujo resgate convoco agora
todos os homens e mulheres de bem de nossa terra.

Mas este livro não é nenhum lamento de desespero. Tanto para a


Tenebrosa Inglaterra, como para a Tenebrosa África, há um horizonte
de luz. Eu acredito que há uma saída, um caminho pelo qual os
miseráveis escapam das trevas de sua existência abjeta em direção a
uma vida mais elevada e mais feliz. O fato de vagar durante tanto
tempo na Floresta da Sombra da Morte e seus arredores, tornou-me
familiarizado com seus horrores; mas se a realização é um vigoroso
estímulo à ação, nada é tão opressivo quanto a desesperança. O Sr.
Stanley jamais sucumbiu aos terrores que oprimiram seus seguidores.
Ele tinha uma larga experiência, e sabia que a floresta, por maior
que fosse, não era interminável. Todo passo que dava à frente
deixava-o mais próximo da meta almejada, mais próximo da luz do sol,
do céu límpido, dos planaltos ricos de pastagens. Então ele não
desesperou. Afinal de contas, a Floresta Equatorial era uma mera
fração de um quarto do mundo. Sabedor de que havia luz fora dela,
confiante em sua experiências anteriores de esforços bem sucedidos,
ele rompeu em frente; e quando após 160 dias a luta terminou, ele e
seus homens alcançaram um lugar agradável onde a terra sorria de paz
e abundância, então esqueceram seus sofrimentos e foram tomados pela
alegria de uma grande libertação.

Assim eu ouso acreditar que o mesmo irá ocorrer conosco. Mas


ainda não alcançamos nossa meta. Ainda estamos nas profundezas de
uma deprimente escuridão. Não haveria nenhum espírito de alegria
hoje se tivesse despachado este livro ao mundo dez anos atrás.

Se fosse a primeira vez que ouvíssemos esta lamúria de miséria


desesperada o assunto seria menos sério. É o fato de ouvirmos com
tanta freqüência que a torna tão desesperadora. O grito amargo que
parte dos despossuídos tornou-se tão familiar aos ouvidos dos homens
como o rugido sombrio das ruas ou o gemido do vento pelas árvores. E
aumenta de uma forma incessante, ano após ano, e se não o ouvimos é
porque estamos muito ocupados, muito ociosos, muito indiferentes ou
somos muito egoístas. Apenas eventualmente, em ocasiões bem raras,
quando alguma voz mais claramente dá uma expressão vocal mais
articulada às misérias do proletariado, e esse grito é ouvido, nós
interrompemos a rotina regular de nossos deveres diários, e
estremecemos quando percebemos por um breve momento o que a vida
significa para os ocupantes das favelas. Alguns desses problemas
sociais mais graves de nosso tempo deveriam ser enfrentados com
rigor, não com o intuito de gerar emoções inúteis, mas tendo em
vista sua solução.

Ainda não chegou a hora? Há, é verdade, uma audácia na mera sugestão
de que o problema não é insolúvel e que basta tomar alguma atitude.
Mas porque ninguém faz coisa alguma? Se, após considerações
completas e exaustivas, chegamos deliberadamente à conclusão de que
nada pode ser feito no que diz respeito ao destino inevitável e
inexorável de milhares de ingleses brutalizados mais do que as
bestas pela condição do ambiente em que vivem, as coisas
permanecerão sempre como estão. Mas se, pelo contrário, acreditarmos
que este «pântano terrível» em que homens e mulheres se atolam
geração após geração possa ter um fim; e se o coração e o intelecto
do gênero humano se revolta igualmente contra o fatalismo do
desespero, então, realmente, chegou a hora, o momento certo da
questão ser enfrentada não no mero espírito diletante, mas com a
determinação resoluta de dar um fim a esse brado que envergonha
nossa era.

Quão ridículo é esse nosso cristianismo e essa nossa civilização que

9
mal consegue enxergar estas colônias pagãs e selvagens incrustadas
bem no coração de nossa capital! Não há nada mais horrivelmente
sarcástico -- os teólogos poderiam usar uma palavra mais forte -- do
que mencionar o nome de Alguém que veio buscar e salvar o que estava
perdido, nessas Igrejas que, envoltas por multidões perdidas, dormem
apáticas ou exibem um interesse espasmódico por uma veste
sacerdotal. Qual a utilidade de todo esse aparato nos templos e nas
igrejas visando salvar homens da perdição depois da morte, se nunca
estendem a mão para salvar pessoas do inferno da presente vida? Será
que não chegou o tempo de esquecer por um momento suas infinitamente
pequenas e obscuras picuinhas, e concentrar todas suas energias em
um esforço único para quebrar esta perpetuidade terrível de
perdição, e salvar pelo menos alguns daqueles pelos quais seu
professo Fundador morreu?

Antes de me aventurar a definir o remédio, eu começo descrevendo a


doença. Mas mesmo apresentando o quadro triste de nossos males
sociais, e descrevendo as dificuldades que nos confrontam, eu não
falo em desalento mas na possibilidade de se conseguir aquilo que
desejamos. «Eu sei em quem tenho crido». Eu sei, então eu falo. A
Tenebrosa Inglaterra é apenas uma fração da «Inglaterra Mor». Até
onde a fortuna pode alcançar, há suficiente e abundante riqueza para
ministrar sua regeneração social, desde que haja corações
suficientemente sinceros para começar um trabalho sério. E eu espero
e acredito que coração não faltará quando o problema for enfrentado
de frente, e o método de sua solução claramente revelado.

CAPÍTULO II. O LUMPEN


Diante das dificuldades que temos pela frente, devo procurar
simplificar as coisas em vez de complicar ainda mais a situação. Por
dois motivos: primeiro, qualquer exagero cria uma reação; segundo,
como meu objetivo é demonstrar a praticabilidade de resolver o
problema, eu não desejo aumentar suas dimensões. Neste e nos
capítulos subseqüentes espero convencer aos leitores de que não há
nenhum exagero na representação dos fatos, e nada utópico na
apresentação dos remédios. Não apelo nem para o emocionalismo
histérico nem para entusiasmo impetuoso; mas tento abordar o exame
destas questões com um espírito de investigação científica, e
adianto minhas propostas visando angariar apoio e cooperação de
homens sóbrios, sérios, práticos, e mulheres que constituem a força
econômica e a coluna vertebral moral do país. Eu admito inteiramente
que elas são muitas e que estão fazendo falta na diagnose da doença,
e que, sem dúvida, neste primeiro esboço de prescrição há muito
espaço para aperfeiçoamento, que virá quando estivermos sob a luz da
mais completa experiência. Mas com todas suas desvantagens e
defeitos, não hesito submeter minhas propostas ao julgamento
imparcial de todos os interessados na solução da questão social,
como um modo imediato e prático de lidar com ela, o maior problema
de nosso tempo.

O primeiro dever de um investigador ao abordar o estudo de qualquer


questão é eliminar tudo aquilo que é estranho à investigação, e
concentrar a atenção dele no objeto a ser tratado. Quero destacar
que neste livro não tento em momento algum tratar da Sociedade como
um todo. Deixo a outros a formulação de programas ambiciosos para a
reconstrução integral de nosso sistema social; não porque não deseje
sua reconstrução, mas porque a elaboração de qualquer plano que seja
mais ou menos visionário e por muitos anos incapaz de realizar-se
ofereceria resistência, do ponto de vista deste Esquema, ao
encaminhamento dos mais urgentes e prementes aspectos das questões
que eu espero colocar imediatamente em operação.

Diante disso tomei o cuidado de me afastar do campo largo e


atraente; mas como um homem prático, lidando com horrendos fatos
prosaicos, eu tenho que limitar minha atenção àquele particular
aspecto do problema que clama pela mais premente solução. Apenas uma

10
coisa posso dizer. Não há nada em meu esquema em curso de
colisão com o socialismo ou o municipalismo [N.T. no original
Socialists of the State, or Socialists of the Municipality], com
individualistas ou nacionalistas, ou qualquer outra das várias
escolas no vasto campo da economia social -- excluindo apenas
aqueles economistas anti-cristãos que julgam ser um insulto à
doutrina da sobrevivência do mais apto tentar salvar o mais fraco de
ir para a bancarrota, e que acreditam que diante de um homem caído o
supremo dever de uma Sociedade Competitiva [N.T. no original
self-regarding Society] é passar por cima dele. Naturalmente, tais
economistas ficarão desapontados com este livro, mas arrisco-me a
acreditar que todos os outros, além de não encontrarem nada que entre
em choque com suas teorias prediletas, talvez encontrem alguma
sugestão útil para utilizar daqui por diante. Qual seria, então,
essa Tenebrosa Inglaterra? Para quais pessoas reivindicamos essa
«urgência» que dá ao caso deles prioridade sobre todos os demais
extratos sociais?

Eu reivindico estas coisas para os Perdidos, para os Proscritos,


para os Deserdados da Terra.

Isto, pode-se dizer, são apenas frases. Quem são os Perdidos?


Respondendo, não em sentido religioso mas em sentido social, os
perdidos são aqueles que fracassaram, que perderam qualquer ponto de
apoio na Sociedade, são aqueles para os quais a oração do Pai Nosso,
«o pão nosso de cada dia dai-nos hoje», não foi respondida, ou
apenas respondida por meio do Diabo: pelas drogas, pelo crime, ou
pelos impostos.

Mas eu serei mais preciso. Os habitantes da Tenebrosa


Inglaterra; aos quais me refiro, são (1) aqueles que, desprovidos de
qualquer renda ou capital, morreriam de fome em 30 dias se
dependessem exclusivamente do dinheiro que ganham com seu próprio
trabalho; e (2) aqueles que por mais que se esforcem são incapazes
de conseguir aquela ração básica prescrita como indispensável, por
lei, mesmo para os piores criminosos em nossas prisões.

Eu admito tristemente que seria utópico dentro de nossos arranjos


sociais atuais sonhar em proporcionar para todo inglês honesto o
mesmo padrão do sistema carcerário para todas as necessidades da
vida. Eventualmente, talvez, nos aventuramos esperar que cada
trabalhador honesto em solo inglês tenha sempre agasalho, abrigo
adequado, e alimento regular, como os encarcerados -- mas isso não
aconteceu ainda.

Ainda vão passar muitos anos até que os seres humanos em geral sejam
tão bem cuidados como os cavalos. O Sr. Carlyle observou há muito
tempo que os trabalhadores de quatro patas já conquistaram tudo
aquilo que os de duas patas ainda anseiam obter: «Não são poucos os
cavalos na Inglaterra, capazes e propensos ao trabalho, que não
tenham o devido alimento e hospedagem, trotando felizes da vida com
seus pelos macios e lustrosos». Você pode achar isso impossível;
mas, disse Carlyle, «O cérebro humano, observando estes cavalos
ingleses macios e lustrosos, recusa-se acreditar tal impossibilidade
para os homens ingleses». Não obstante, quarenta anos se passaram
desde que Carlyle disse isso, e parece que não estamos nem um pouco
próximos de conseguir para os trabalhadores de duas patas o mesmo
padrão conquistado pelos de quatro patas. «Talvez logo conquistemos
isso», reclama o cínico, «se pelo menos pudéssemos produzir homens
de acordo com a demanda, como fazemos com os cavalos, para
prontamente enviá-los ao matadouro quando perderem o vigor» -- para
não ser, naturalmente, descartado.

Qual será então o padrão que podemos aventurar perseguir com alguma
perspectiva de realização em nosso tempo? É bem modesto, mas se
alcançado resolveria os piores problemas de Sociedade moderna. É o
padrão da carruagem londrina. Quando nas ruas de Londres um cavalo
de carruagem, cansado, descuidado ou estúpido, tropeça e cai

11
estirado no chão no meio do tráfico, antes de perguntar porque ele
tropeçou tentamos botá-lo novamente em pé. O cavalo da carruagem é uma
ilustração bem real do lumpem; ele normalmente cai por causa do
excesso de trabalho e da desnutrição. Se você o coloca novamente em
pé sem alterar suas condições, apenas lhe proporciona mais uma dose
de agonia; e, como da primeira vez, terá que pô-lo em pé novamente.
Pode ter sido por excesso de trabalho ou desnutrição, ou pode ter
sido por sua própria culpa que ele quebrou os joelhos e esmagou as
costelas, mas isso não importa. Seja por piedade, ou pelo menos para
evitar uma obstrução do tráfico, toda a atenção se concentra na
pergunta de como é que vamos colocá-lo em pé novamente. As amarras
são soltas, o arreio é desafivelada, ou, se for necessário,
cortado, e tudo é feito para colocá-lo em pé. Então ele é colocado
novamente nos eixos e restabelecido em seu circuito regular de
trabalho. Esse é o primeiro ponto. O segundo é que todo cavalo de
carruagem londrina tem três coisas; abrigo para a noite, comida para
o estômago, e um sócio pelo qual pode ganhar seu milho.

Estes são os dois pontos do contrato do cavalo de carruagem. Quando


ele cai é ajudado a levantar-se, e enquanto viver tem comida, abrigo
e trabalho. Embora este seja um padrão humilde, é no momento
absolutamente inacessível a milhões -- literalmente milhões -- de
humanos homens e mulheres neste país. É possível estender esse
contrato do cavalo de carruagem para seres humanos? Eu respondo que
sim. O padrão do cavalo de carruagem pode ser atingido nas condições
do cavalo de carruagem. Se você bota o cavalo em pé novamente, a
Docilidade e a Disciplina o permitirá alcançar o ideal do cavalo de
carruagem, caso contrário permanecerá inacessível. Mas a Docilidade
raramente falha onde Disciplina é mantida de forma inteligente. A
inteligência é freqüentemente mais incapaz para dirigir que a
obediência para seguir a direção. De qualquer modo não se espera
obediência daqueles que possuem inteligência, desde que façam sua
parte. Alguns, sem dúvida, como o resistente cavalo que nunca cai,
sempre recusará submeter-se a qualquer direção contra sua própria
vontade. Eles permanecerão ou ismaelitas ou indolentes da
Sociedade. Mas o homem não é nem ismaelita nem indolente.

Então, a primeira questão com a qual nos deparamos é, qual a medida


do Mal? Quantos humanos habitam nesta Tenebrosa Inglaterra?
Como podemos fazer um censo daqueles que estão abaixo do nível do
cavalo de carruagem? Qual nossa meta para os lumpens do país?

Se você tentar responder esta pergunta, será confrontado pelo fato


do Problema Social ter sido cientificamente muito pouco estudado. Vá
até a Biblioteca de Mudie e peça todos os livros que foram escritos
sobre o assunto, e você será ficará surpreso em encontrar muito
pouco sobre o tema. Provavelmente há mais livros científicos sobre
diabetes ou gota do que sobre o grande mal social que devora a
vitalidade de um número tão grande de pessoas. Ultimamente houve uma
mudança para melhor. O Relatório da Comissão Real do Alojamento do
Pobre, e o Relatório do Comitê da Casa dos Lordes sobre o sweating e a
a exploração representa pelo menos uma tentativa de averiguar os fatos
em torno da condição das pessoas em questão. Mas, no final das contas,
foi feita uma observação mais minuciosa, paciente, inteligente,
dedicada ao estudo das minhocas, do que para o grau de evolução, ou
mesmo degradação, dos deserdados [N.T. no original Sunken Section]
em nosso meio. Aqui e ali no imenso campo os trabalhadores elaboram
comunicados, e ocasionalmente emitem alguma lamúria de desespero,
mas onde há qualquer tentativa mesmo que seja para dar o primeiro
passo para contar quantas pessoas vivem abaixo do nível da pobreza?
Há um livro, e é tudo que tenho no momento, apenas um, que tenta
enumerar os destituídos. Em sua obra «Life and Labour in the East of
London», o Sr. Charles Booth tenta chegar a um consenso sobre a
quantidade de pessoas que se enquadram na categoria em questão. Com
um grande número de assistentes, e provido com todos os dados
fornecidos pela School Board Visitor, o Sr. Booth desenvolveu um
censo industrial da Zona Leste de Londres. Este distrito, que inclui
a Torre Hamlets, Shoreditch, Bethnal Green e Hackney, contém uma

12
população de 908.000 almas; quer dizer, menos de um quarto da
população de Londres. Que significam estas estatísticas? Se
estimarmos a quantidade de pessoas que compõe a classe mais pobre no
resto de Londres como sendo duas vezes maior, em vez de três, que da
Zona Leste, chegaríamos a um número calculado de acordo com a
população na mesma proporção, o resultado é o seguinte:

POBRES
Ocupantes de Casas de Correção, Asilos e Hospitais
17.000 34.000 51.000

SEM-TETO
Vadios, Ocasionais e Alguns Criminosos
11.000 22.000 33.000

FAMINTOS
Assalariados eventuais e dependentes químicos que recebem cerca de 18s.
semanais
100.000 200.000 300.000

OS MAIS POBRES
Salários intermitentes entre 18s. a 21s. por semana
74.000 148.000 222.000

Pequenos salários regulares entre 18s. a 21s. por semana


129.000 258.000 387.000

Salários regulares, artesãos, etc., de 22s. a 30s. por semana


337.000

Empregados de famílias ricas


121.000

Classe média baixa, lojistas, balconistas, etc.


34.000

Classe média alta


45.000

TOTAL 868.000

Talvez a Zona Leste de Londres seja a região mais pobre da


Inglaterra. O salário é mais alto em Londres que em qualquer outro
lugar, mesmo assim é insuficiente, e o número de sem-teto e de
famintos é maior nessa região. Há 31 milhões de pessoas na Grã
Bretanha, sem contar a Irlanda. Se houvesse em toda parte tanta
pobreza quanto a que existe na Zona Leste de Londres, haveria 31
vezes mais pessoas sem-teto e famintas do que as que são encontradas
na área de Bethnal Green.

Supondo que a quantidade de pobres no Leste de Londres seja o dobro


da média do resto do país. Isso resultaria no seguinte quadro:

13
SEM-TETO
Vadios, Casuais, e alguns Criminosos

Leste de Londres Reino Unido

11.000 165.000

FAMINTOS
Assalariados eventuais ou dependentes químicos

Leste de Londres Reino Unido


100.000 1.550.000

Total de Sem-Teto ou Famintos

Leste de Londres Reino Unido


111.000 1.715.500

Em Casas de Correção, Asilos, etc.


17.000 190.000

Total 128.000 1.905.500

Da totalidade dos sem-teto e famintos 870.000 vivem nas ruas. A


estes somam-se os ocupantes de nossas prisões. Apenas em 1889,
174.779 pessoas foram presas, quando o número médio de presos nunca
superou 60.000. Os números oficiais fornecidos são os seguintes: --

Em Penitenciárias 11.600
Em Prisões Locais 20.883
Em Reformatórios 1.270
Em Escolas Industriais 21.413
Em Manicômios Judiciais 910

Total 56.136

Se acrescentarmos os 78.966 pobres e lunáticos que estão em recinto


fechado (excluindo os criminosos) -- teremos um exército de quase
dois milhões de lumpens. A estes deve-se somar pelo menos, outros
milhões, representados por aqueles que dependem dos criminosos,
lunáticos e outros tipos, não enumerados aqui, e os mais ou menos
desamparados de todas as classes imediatamente acima dos sem-teto e
dos famintos. Isto eleva meu total a três milhões, o que eqüivale, a
grosso modo, um décimo da população. Conforme afirmam Lorde Brabazon
e o Sr. Samuel Smith, «de dois a três milhões de pessoas estão
continuamente pauperizadas ou degradadas». O Sr. Chamberlain diz que
há uma «população igual à da metrópole» -- que se situa entre quatro
e cinco milhões -- «que constantemente permanece em um estado de

14
vida abjeta e miserável» O Sr. Giffen é mais moderado. O
lumpesinato, de acordo com ele, inclui um entre cinco trabalhadores
braçais, seis entre 100 da população. O Sr. Giffen não acrescenta
aquela terça parte de um milhão que se mantém na fronteira. Diante
dos quatro milhões e meio do Sr. Chamberlain, e dos 1.800.000 do Sr.
Giffen, eu me contento em fixar em três milhões o número total do
exército de lumpens.

A Tenebrosa Inglaterra, portanto, tem uma população


aproximadamente igual a da Escócia. Três milhões de homens,
mulheres, e crianças, uma vasta multidão de desesperados,
supostamente na condição de libertos, mas realmente escravizados; --
é com eles que teremos que lidar.

É um grande número de pessoas. A Inglaterra proibiu a escravidão a


um custo de #40.000.000, sessenta anos atrás, e desde então nunca
parou de falar sobre isso. Mas bem diante de nossa porta, de
«Plymouth até Peterhead», estende-se este Continente de desvalidos
-- três milhões de seres humanos que são escravizados -- alguns
deles subjugados por mestres tão impiedosos quanto qualquer capataz
da Companhia das Índias Ocidentais [N.T. no original West Indian].
O que fazer com eles? Pode-se fazer algo em favor deles? Ou estes
três milhões devem ser considerados como um problema tão insolúvel
quanto os esgotos de Londres que, fétidos e imundos, inundam toda a
bacia do Tâmisa conforme o fluxo da maré?

Esse lumpem está, então, além do alcance dos seus vizinhos não
lumpens que os vêem apodrecer e morrer em volta de suas casas? Sem
dúvida, em toda essa grande massa de seres humanos há alguns
incuravelmente mórbidos de corpo e alma, há outros pelos quais nada
pode ser feito, e aqueles que nem mesmo os mais otimistas podem
esperar nada, e para os quais não há outra perspectiva senão as
duras restrições dos asilos ou das grades.

Mas o percentual de 10% não é escandalosamente alto? Os Israelitas


do Velho Testamento dividiram-se em doze tribos para ministrar o
serviço a Deus no serviço do Templo; teremos nós que sentenciar um
entre dez «cristãos ingleses» [N.T. no original God's Englishmen] ao
serviço dos grandes Gêmeos Diabólicos -- a Privação e o Desânimo?

CAPÍTULO 3. OS MORADORES DE RUA


A Tenebrosa Inglaterra pode ser descrita como consistindo de
três círculos concêntricos. O círculo exterior e maior é habitado
por famintos e sem-teto, gente pobre mas honesta. O segundo é
habitado por drogados; e o terceiro círculo é habitado por
criminosos. Todos os três círculos estão encharcados de álcool. Há
bem mais bares na Tenebrosa Inglaterra do que os três rios que
o Sr. Stanley teve que cruzar a cada meia hora na Floresta do
Aruwimi.

As fronteiras desta grande terra de desnorteados não são bem


definidas. Se expandem ou se contraem continuamente. Sempre que há
um período de depressão no comércio, elas se alargam; quando a
prosperidade retorna elas se contraem. Por mais que as pessoas se
preocupem, não há nenhuma, entre as centenas de milhares que vivem
nos arredores dessa escura floresta, que verdadeiramente possa dizer
que elas ou seus filhos estão protegidos de ser desesperadamente
emaranhados em seu labirinto. A morte do arrimo de família, uma
longa doença, uma falência na Cidade, ou qualquer uma das mil outras
causas que poderiam ser nomeadas, trará para dentro do primeiro
círculo aqueles que até então se imaginavam livres de todo o perigo.
A taxa de mortalidade na Tenebrosa Inglaterra é alta. A morte é
a grande libertadora dos cativos. Mas mal chegam à sepultura seus
lugares já são ocupados por outros. Alguns escapam, mas a maioria,
com a saúde solapada pelo ambiente em que vivem, fica mais e mais

15
fraca, até que finalmente cai, perecendo sem esperança diante das
portas das mesmas mansões palacianas que, talvez, alguns deles ajudaram
construir.

Sete anos atrás surgiu um grande clamor em torno do Albergue do


Pobre [N.T. no original Housing of the Poor]. Muito foi dito, e
corretamente -- mas não com a devida ênfase -- sobre as doenças
sociais oriundas dos moradores dos cortiços que tomam nossas grandes
cidades. Eles estão um degrau abaixo dos moradores das favelas. Pois
[assim como] o morador de rua [o morador do cortiço] não tem nem
mesmo um barraco na favela que possa chamar de seu. O sem-teto que
está desempregado lembra a expressão, «as raposas têm tocas, os
passarinhos têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar
sua cabeça».

A existência destes desafortunados chamou a atenção da sociedade em


1887, quando Trafalgar Square foi tomada por um grande acampamento
dos sem-teto de Londres. Nossos albergues fazem algo, mas não o
suficiente, para prover abrigo por uma ou mais noites aos
desterrados que perambulam pelas ruas sem saber onde encontrar um
ponto onde descansar seu cansado esqueleto.

Eis o relatório de um de meus oficiais que saíram a campo para


recolher dados sobre a condição atual dos sem-teto que não têm
nenhum abrigo em toda Londres: --

«Ainda há um grande número de londrinos e uma porcentagem


considerável de pessoas que perambulam pelo país procurando
trabalho, e que, ao chegar a noite, ficam sem ter onde dormir. É
este tipo de pessoa que agora se abriga sob os sicômoros no Aterro.
Antigamente eles se esforçavam por ocupar todos os bancos nos
parques, mas os guardas da Polícia Metropolitana os impediram, e os
albergueiros, sabedores da invariável «bondade» da Polícia da
Cidade, ocuparam aquele espaço do Aterro que, do lado Leste de
Temple, estava sob o controle dos Pais Cívicos [N.T. no original
Civic Fathers]. Aqui, entre Temple e Blackfriars, eu encontrei um
grande número desses pobres diabos; em pequenos grupos de mais ou
menos seis pessoas -- tanto homens como mulheres -- dormindo
amontoados e quase sempre em jejum. No momento em que o Big Ben dá
duas badaladas, a lua, flamejando pelo Tâmisa e iluminando o Aterro,
revela este lastimável espetáculo. Aqui nos limites do rochedo que
proporciona uma leve proteção do vento cortante, estão grupos de
seres humanos deitados lado a lado, aquecendo-se mutuamente, e,
naturalmente, sem qualquer outro tipo de proteção exceto os trapos
que recobrem seus corpos, o máximo que conseguiram. Alguns se
enrolam em jornais velhos para escapar do frio, mas a maioria está
cansada demais até mesmo para isso, e o banheiro noturno da maioria
consiste em tirar o chapéu, embrulhar a cabeça em qualquer trapo
velho que encontram, limpar-se com um lenço, para depois procurar
outro chapéu».

«Um ancião de olhos vivazes, que procurava um lugar para sentar,


informou-me que ele freqüentemente escolhia aquele lugar para passar
a noite. ‘Como pode ver’, disse ele, ‘em parte alguma há um lugar
tão confortável como esse. Dormi aqui a noite passada, como também
segunda e terça-feira, quer dizer, quatro noites esta semana. Sem
dinheiro algum para pagar alojamentos, não consegui ganhar nada,
levo as coisas como posso. Tudo que comi hoje foi um pedaço de pão,
e ontem passei o dia inteiro sem comer nada; antes de ontem consegui
três pences. Vivo carregando pacotes, cuidando de cavalos, ou
fazendo todo tipo de biscates. Como pode ver, não estou muito bem de
saúde. Eu trabalhei na Companhia Geral de Ônibus de Londres e depois
na Companhia de Bondes, mas eu tive que ir para a enfermaria com
bronquite e não pude mais arrumar emprego depois disso. O que é que
se pode aproveitar de um homem com bronquite e que acabou de sair da
enfermaria? Quem o contratará? Ninguém quer nem saber dele! Além
disso, às vezes tenho falta de ar, e não consigo fazer quase nada.
Sou viúvo; minha esposa morreu há muito tempo. Tenho um filho no

16
estrangeiro, marinheiro, mas ele é novo no trabalho e não pode me
ajudar. Sim! Passar a noite aqui é bem melhor, o chão é bem duro,
mas um pouco de papel velho torna-o mais macio. Mulheres
freqüentemente dormem por aqui, e crianças também. Há uma certa
ordem por aqui, e raramente há muita confusão, como pode ver, porque
todo mundo está bem cansado. Estamos sonolentos demais para fazer
bagunça’».

«Outro homem, alto, entorpecido, de olhar vago, vindo do interior;


prefere não mencionar o lugar. Ele tentou sem sucesso conseguir uma
carta do hospital na Mansion House sobre uma hérnia rompida, tentou
vários outros lugares, também em vão, sem dinheiro nem comida veio
buscar abrigo no Aterro.»

«Para além deste dormitório, um considerável número de pessoas


perambula pelas ruas até as primeiras horas da manhã procurando
algum trabalho, que traga alguma moeda para seu bolso vazio, que
lhes permita matar a fome. Conversei um pouco com um deles, um forte
jovem há pouco dispensado do exército, e incapaz de arrumar emprego.
’Como pode ver’, lamenta, ‘como a maioria dos meus companheiros em
Londres, não sei onde vou parar. Eu sou muito jovem, e não consigo
arrumar trabalho. Já faz duas semanas que, dia e noite, perambulo
pelas ruas procurando emprego. Sou forte e saudável mas não sei por
quanto tempo. Só quero um trabalho. Esta é a terceira noite que
passo nas ruas, caminho pelas ruas durante toda a noite; o único
dinheiro que eu consigo é vigiando as caixas dos engraxates quando
eles vão jantar no Lockhart. Ontem eu consegui um penny fazendo
isso, e dois pences por levar um pacote, e hoje consegui um penny.
Comprei pão e chá’.»

«Pobre rapaz! Provavelmente ele logo se juntará a ladrões, e


afundará ainda mais, para muitos como ele não há outro meio de vida;
ou rouba ou passa fome, mesmo sendo jovem. Há gangues de jovens
assaltantes ao longo de Whitechapel, cujas idades variam de treze a
quinze anos, vivendo do furto de alimentos e de outros bens que
retiram facilmente das vitrines das lojas. Além do Aterro, um outro
local onde as pessoas dormem ao ar livre são os assentos externos
da Igreja de Spitalfields. Muitos sem-teto têm seu próprio pequeno
recanto e abrigo, em marquises, depósitos abandonados, vagões
velhos, etc., por toda parte de Londres. Certa feita observei duas
mulheres de rua abrigando-se sob a marquise de uma loja na rua
Liverpool. Assim eles levam a vida durante o verão, o que acontece
durante o inverno é terrivelmente inimaginável. Em muitos casos
significa a vala comum, como o caso de uma jovem que foi dormir em
um vagão em Bedfordbury. Alguns homens a descobriram e de surpresa
lançaram sobre ela uma tina de água. O choque, diante de sua
fraqueza generalizada, fez com que adoecesse, e a seqüela foi
inevitável -- o júri que investigou sua morte suspeita concluiu que
a água apenas acelerou a morte dela, provocada, em claro português,
pela fome.»

Passamos a seguir alguns relatos do mesmo oficial que encontrou


pessoas dormindo no Aterro nas noites de 13 e 14 de junho de 1890: -
Relato 1. «Faz duas noites que durmo aqui; sou confeiteiro; venho de
Dartford. Fui demitido porque estou ficando velho. Eles podem pegar
jovens e pagar menos, e eu sofro de reumatismo. Faz dois dias que
não ganho nada; achei que arrumaria emprego em Woolwich, e fui até
lá, mas não consegui nada. Achei um pedaço de pão na rua embrulhado
em jornal. Foi tudo que comi ontem. Hoje comi um pouco de pão com
manteiga. Tenho 54 anos. Quando chove passamos toda a noite debaixo
dos arcos».

Relato 2. «Faz três semanas que durmo aqui; faço biscates, cuido de
cavalos, e todo tipo de coisa. Hoje não consegui nenhum centavo,
senão não estaria por aqui. Hoje comi apenas um pedaço de pão. Isso
foi tudo. Ontem o cozinheiro de um restaurante deu-me um pouco de
comida. Na semana passada fiquei dois dias sem comer nada desde a
manhã até a noite. Também faço entalhes de móveis, mas isto está

17
fora de moda, e além isso, tenho uma catarata em um olho, e perdi a
visão dele completamente. Sou viúvo, tenho um filho, soldado, em
Dover. Meu último trabalho regular foi oito meses atrás, mas a
empresa faliu. Desde então faço biscates».

Relato 3. «Sou alfaiate; há quatro noites durmo aqui. Não consigo


arrumar emprego. Estou sem trabalho há três semanas. Quando consigo
algum dinheiro passo a noite em uma pensão na rua Vere, no Glare
Market. Choveu ontem à noite. Saí daqui e fui para o Covent Garden
Market e dormi debaixo da cobertura. Havia aproximadamente trinta de
nós. A polícia tirou-nos dali, mas voltamos assim que eles foram
embora. Nos últimos dois dias consegui um pedaço de pão e um prato
de sopa -- freqüentemente passo o dia inteiro sem comer nada. Há
mulheres dormindo aqui. São pessoas decentes, a maior parte delas
são faxineiras que não conseguem emprego».

Relato 4. É um homem idoso; treme e agita-se visivelmente à menção


da palavra trabalho; exibe um cartão cuidadosamente embrulhado em um
jornal velho, trata-se do Sr. J.R. um membro da Liga de Proteção ao
Crédito. Ele veio do litoral; faz quinze dias que está desempregado.
Não ganhou nada durante ou últimos cinco dias. Comeu um pedaço de
pão esta manhã. Bebeu uma xícara de chá e duas fatias de pão ontem,
e o mesmo no dia anterior; fornecido por um deputado em um albergue.
Ele tem cinqüenta anos, e ainda está molhado por dormir no relento
na última noite.

Relato 5. Trata-se de um metalúrgico desempregado. Seu último


emprego foi perto de Uxbridge, onde trabalhou durante um mês;
recebendo 2s. e 6d por dia. (Provavelmente gastou a maior parte com
bebida, pois parece ser um trabalhador bem indeciso.) Agia de uma
forma bem estranha. Comprou um pacote de chá e outro de açúcar (que
carregava no bolso) mas não encontrou nenhum lugar para fazer o chá;
esperava chegar até um albergue onde pudesse pedir emprestado uma
chaleira, mas não tinha dinheiro algum. Dormiu numa casa de custódia
casual; um lugar muito pobre, com comida insuficiente, considerando
seu trabalho. Consumiu seis onças de pão no café da manhã, uma onça
de queijo e seis ou sete onças de pão na janta. Tomou chá no
breakfast -- nenhuma ceia.

Relato 6. Dormiu no relento quatro noites seguidas. Trabalhou numa


destilaria durante quatro meses; não deu detalhes por que saiu, mas
foi por sua própria falta. (Muito provavelmente por ser teimoso,
insensato, tarrancudo, e evidentemente destituído de habilidade).
Fez biscates; ganhou 3d. cuidando de um cavalo, sua última refeição
foi uma xícara de café com pão e manteiga. Não tem nenhum dinheiro
agora. Dormiu ontem à noite debaixo da ponte Waterloo.

Relato 7. Um homem simpático; cujo sofrimento passaria despercebido


se estivesse limpo, bem vestido, com sapatos engraxados; ele tapava
o buraco de suas meias com cavilhas; trapos terríveis! Eu o vi fazer
um enorme esforço para caminhar. Ele erguia bem lentamente seus pés
e cuidadosamente os apoiava, evidentemente sentindo muita dor. As
pernas dele estão bem ruins; esteve várias vezes na enfermaria. Seu
tio e avô foram sapateiros; e ambos estão mortos agora. Uma vez ele
ocupou um bom cargo em uma financeira, e depois em Londres no Banco
Municipal durante nove anos. Após trabalhar com um leiloeiro que
faliu, adoeceu, envelheceu, e ficou desempregado. «O cargo de
administrador», diz ele, «nunca é valorizado, porque há muitos, e
uma vez desempregado é muito difícil você encontrar alguma vaga.
Tenho um cunhado na Bolsa de Valores, mas ele não me contratará.
Olhe para minhas roupas! É provável?»

Relato 8. Dormiu aqui por quatro noites seguidas. É pedreiro, quer


dizer, um trabalhador braçal. Seu último trabalho durou três
semanas. Passou nove dias sem nenhum dinheiro. Recebeu 2s. 6d.
ajudando a limpar a fachada de uma loja. Está disposto a aceitar
qualquer tipo de trabalho. Tem 46 anos. Chegou a receber
aproximadamente 2d. ou 3d. por dia cuidando de cavalos. Suas últimas

18
refeições foram uma xícara de chá e um pouco de pão ontem, e o mesmo
hoje.

Relato 9. Trata-se de um encanador (por causa de seus baixos


salários, boa parte destes trabalhadores braçais são pessoas
sofridas e desanimadas). Aparentemente são incapazes de fazer
qualquer coisa direito. Eles são um tipo de autômato, como uma
máquina enferrujada; lentos, entorpecidos, e incapazes. Um homem de
inteligência ordinária deixa-os para trás. Sem dúvida eles poderiam
ganhar mais fazendo biscates, mas falta-lhes energia. Tudo isso
significa, naturalmente, alimento escasso, e indisposição para
resistir, que faz com que sua incapacidade aumente ainda mais com o
tempo. («Dele não dá para esperar nada», etc.) Fora de ação por
negligencia, faz serviços ocasionalmente; é a terceira noite que
dorme aqui. Quando consegue uma vaga vai trabalhar nas docas. Recebe
6d. por hora; quando está disposto trabalha muitas horas por dia.
Chega a receber 2s., 3s., ou 4s. 6d. em um dia. Tem que trabalhar
bem duro para receber isso. A vida nos alojamentos também é muito
dura, segundo ele, para os que não estão acostumados, e não há
comida suficiente. Hoje conseguiu comprar um pedaço de pão, por
tomar conta de uma carruagem. Ontem ele gastou 3,5d. no café da
manhã, foi tudo o que comeu durante o dia. Tem 25 anos.

Relato 10. Trata-se de um cocheiro. Está desempregado há um mês. Tem


um braço mirrado, e não consegue trabalhar direito. Dormiu aqui
durante uma semana; e contraiu um terrível resfriado. Vive de
biscates (todos fazem). Ontem conseguiu seis pences tomando conta de
uma carruagem e carregando um par de pacotes. Hoje não ganhou nenhum
dinheiro, mas teve uma boa refeição fornecida por uma senhora.
Caminhou todo o dia a procura de trabalho, e está bem cansado.

Relato 11. Trata-se de um jovem londrino de 16 anos. Um caso triste;


faz biscates e vende fósforos. Hoje ganhou 3d., quer dizer, recebeu
1,5d. líquido. Ainda tem cinco caixas. Dormiu aqui todas as noites
durante um mês. Antes disso dormiu no Covent Garden Market ou nos
degraus das portas. Há seis meses que dorme nas ruas, desde que
deixou a Escola Industrial de Feltham. Foi enviado para lá por
vadiagem. Hoje comeu um pedaço de pão; ontem comeu algumas groselhas
e cerejas, quer dizer, algumas frutas estragadas que encontrou no
lixo. A mãe está viva. «Ela me expulsou de casa», disse, quando
voltou de Feltham, porque ela queria dinheiro para comprar bebida.

Relato 12. Trata-se de um homem de 67 anos. Parece levar a vida com


bom humor. Uma espécie de Mark Tapley. Diz que não pode dizer que
gosta, entretanto ele tem que gostar! Ha, ha! Ele trabalha com
telhados. Esteve desempregado por algum tempo; os homens mais jovens
arrumam o emprego com mais facilidade. Às vezes trabalha como
pedreiro; pode fazer qualquer coisa. Caminha milhas e milhas e não
consegue nada. Ganhou dois pences esta semana cuidando de cavalos.
Considera toda essa situação bem difícil, preocupante, triste, ruim,
mas não se aborrece. Comeu um pouco de pão com manteiga e tomou uma
xícara de café pela manhã. Está doente e magro por falta de alimento
e abrigo; passou a noite molhado e isso lhe faz muito mal. Caminhou
desde o entardecer, são 3 da madrugada. Estava tão frio, molhado e
fraco, que não sabia o que fazer. Caminhou até o Hyde Park, teve
sono, e procurou um lugar seco para sentar assim que o parque abriu.
Estes são casos bastante típicos dos sem-teto que vagam pelas ruas.
Essa é a maneira como esses nômades da civilização são
constantemente recrutados.

Estas são histórias recolhidas este ano ao acaso numa noite de verão
sob a sombra das árvores do Dique. Um mês depois, quando um dos
nossos camaradas fazia o censo dos sem-teto ao longo do Tâmisa desde
Blackfriars até Westminster, ele encontrou trezentos e sessenta e
oito pessoas dormindo ao ar livre. Destes, duzentos e setenta
estavam na região do Aterro, e noventa e oito na região do Covent
Garden Market, toda a área entre as pontes Waterloo e Blackfriars
estava abarrotada de miseráveis.

19
Isto, é bom lembrar, não ocorreu durante um momento de queda no
comércio. A revivificação dos negócios era evidente, especialmente
pelo barômetro da bebida forte. A Inglaterra é rica o bastante para
beber rum em uma quantidade que surpreende até mesmo o Ministro da
Fazenda, mas não é rica o suficiente para prover abrigo durante a
noite para aqueles pobres diabos do Aterro.

Para muitos daqueles que vivem em Londres pode parecer


novidade haver centenas e mais centenas de pessoas dormindo todas as
noites nas ruas. Há comparativamente poucas pessoas se movimentando
depois da meia-noite, e no momento em que nos instalamos
confortavelmente em cima de nossas próprias camas tendemos a
esquecer toda aquela multidão do lado de fora, na chuva e na
tempestade, tremendo de frio durante longas horas no relento, nas
duras calçadas, ou nos túneis do metrô. Estes sem-teto, famintos, no
entanto, estão lá, mas como são em sua maior parte pessoas
alquebradas, suas vozes raramente são ouvidas pelos seus vizinhos.
Porém, de vez em quando, ouve-se um grito agudo e profundo, quando
tudo se cala e as pessoas começam a prestar um pouco de atenção. As
classes desarticuladas falam como o asno de Balaão. Mas eles às
vezes encontram uma voz. Eis aqui, por exemplo, um caso que me
impressionou muito, e que li recentemente em um jornal de Liverpool.
Alguém discursava para uma pequena aglomeração de vinte ou trinta
homens: --

«Camaradas», começou a falar com uma mão no peito de seu velho


colete, e a outra, como sempre, puxando nervosamente sua barba,
«esta situação em que vivemos não pode durar para sempre».

(Exclamações graves e sérias, «não pode! Tem que acabar!») «Muito


bem, rapazes», continuou o orador, «alguém tem que dar um paradeiro
nisso. Queremos trabalho, não esmolas, entretanto, a paróquia esteve
bem preocupada conosco ultimamente. Deus sabe! O que nós queremos é
trabalho honesto, (ouçam, ouçam!) Agora, o que eu proponho é que
cada um de vocês consiga cinqüenta companheiros para que se juntem a
vocês; então seremos aproximadamente 1.200 bocas famintas -- «E
daí?» Perguntaram vários daqueles homens esqueléticos e famintos.
«Por que? Para que?» Continuou o líder. «Por que?», interrompeu um
homem de olhar cadavérico que estava em um lugar distante e escuro
da adega, «você vai nos arrumar trabalho?» «Não, não», interpôs
apressadamente nosso amigo, balançando suas mãos, «iremos
pacificamente; marcharemos juntos pelo Town Hall, para mostrar nossa
pobreza e pedir trabalho. Também levaremos nossas mulheres e nossos
filhos». («É muito sofrimento! Muita fome! Eles não podem negar
isto!»). «Vamos marchar com nossas mulheres e crianças, e dizer para
eles o que queremos. Unidos somos fortes. Vamos pedir trabalho e
pão!»

Três anos atrás, ocorreram tais marchas pelas ruas de Londres. A


Igreja conduziu procissões pela Abadia pela Catedral de São Paulo,
passando por Trafalgar Square, etc. Mas Lázaro também mostrou seus
trapos e feridas para conseguir o que queria, e em nome da lei e da
ordem foi bem tratado. Mas se temos o Dia do Prefeito, quando todos
os bem nutridos vereadores se exibem pela cidade, por que não ter
também o Dia de Lázaro? Em que famintos desempregados juntamente com
os suados subnutridos «empregados» de Londres rastejem em seus
escabrosos farrapos, com seus rostos magros, famintos, juntamente
com suas esqueléticas mulheres e filhos, em uma procissão de
desesperados pelas ruas principais ao longo dos magníficos casarões
e palácios da luxuosa Londres?

Estes homens são gradual, mas seguramente, engolidos pela areia


movediça da vida moderna. E em vão eles estiram suas mãos encardidas
em nossa direção pedindo, não caridade, mas trabalho.

Trabalho, trabalho! Eles sempre pedem por trabalho. A maldição


divina é para eles a mais santificada das bênçãos. «Comerás teu pão

20
do suor de teu rosto», mas ai, estes filhos abandonados de Adão não
encontram pão para comer, e esta Sociedade não tem trabalho algum
para eles. Eles não têm nem mesmo licença para suar. Como então
falar a estes pobres peregrinos sobre o segundo Adão que fez «tudo
novo», sem efetuar esforço algum para libertá-los da maldição que
herdaram do primeiro Adão?

CAPÍTULO 4. OS DESEMPREGADOS
Não existe nada mais patético do que um trabalhador forte e capaz
implorando por caridade ou trabalho nas portas dos palácios e das
igrejas, suplicando que lhe concedam a prerrogativa do trabalho duro
e perpétuo, para que possa ter a possibilidade de encher sua barriga
e silenciar o choro de seus filhos por comida. Clamam por estas
coisas e não conseguem nada, procuram por um emprego como se
procurassem um tesouro perdido e não encontram nada, até que
finalmente, todo o espírito e todo o vigor se abatem, e aquele
trabalhador disposto torna-se um alquebrado bóia-fria, encharcado de
miséria e de aflição, descartando qualquer possibilidade de melhora
neste mundo ou no que há de vir. Não há dúvida de que a organização
de nossas indústrias deixam muito a desejar. Um problema que até
mesmo os donos de escravos resolveram não pode ser considerado
insolúvel pela civilização cristã do Século XIX.

Já apresentei algumas histórias de vida contadas em primeira mão


pelos sem-teto que foram encontrados no Aterro e que sugerem um
pouco do sofrimento e da miséria resultante da procura infrutífera
por trabalho. Todo esse volume de horror sombrio, esquálido -- o
grande horror tenebroso que obscurece gradualmente todos os clarões
do dia na vida do sofredor, pode ser descrito a partir das simples e
prosaicas experiências dos rotos companheiros com os quais você se
encontra diariamente na rua. Estes homens, cuja força de trabalho é
seu único capital, são compelidos a passar dia após dia a procura de
qualquer tipo de emprego. Os dias passam, as semanas passam, e
libras e mais libras do capital de que dispõem se perde, e eles são
admoestados por não economizar seu dinheiro. Quando um homem rico
não emprega seu capital na produção ele o investe no banco para
render juros, mas o banco para o capital-trabalho do homem pobre
ainda não foi inventado. Teria muito valor se inventassem algum. O
trabalho de um homem não é apenas seu capital, é sua própria vida.
Depois que passa nunca mais o tem de volta. Utilizá-lo, evitar o
desperdício, permitir ao homem pobre que o guarde para utilizá-lo
oportunamente, esta seguramente é uma das tarefas mais urgentes da
civilização.

Das coisas mais aviltantes, a procura por trabalho é seguramente a


pior. No exato momento em que um trabalhador perde sua presente
condição, ele é compelido a reiniciar o triste circuito de busca
infrutífera. Eis aqui a história de um entre milhares de nômades,
contada por ele mesmo, que pela fome foi conduzido ao crime.

«Foi numa luminosa manhã primaveral que cheguei numa colônia


ocidental. Quatorze anos se passaram desde que embarquei para lá.
Foram quatorze anos, no que se refere aos resultados, de derrotas, e
eis-me aqui novamente em minha própria terra, um estranho, com um
novo caminho pela frente e diante de uma nova batalha da vida.»

«Meu primeiro pensamento foi trabalhar. Eu nunca senti tanta vontade


de pegar uma boa oportunidade de ganhar minha vida por um trabalho
honesto; tinha certeza que logo encontraria emprego. Com firme
determinação comecei a procurar. Um dia passou sem sucesso, e outro,
e mais outro, mas o pensamento positivo me animava, 'amanhã minha

21
sorte vai melhorar'. Como dizem, 'a esperança é a última que morre'.
Em meu caso isso foi rigorosamente testado. Os dias logo se
transformaram em semanas, e eu ainda estava paciente e esperando
minha vez. Eles me recebiam com tanta cortesia em minha
reivindicação que freqüentemente desejei que me expulsassem, pelo
menos sairia daquele doentio moto perpétuo de consideração que tão
finamente revestia a indiferença e a absoluta despreocupação para
com minha necessidade. Alguns se antecipavam asperamente e diziam,
'Não; nós não o queremos. Por favor não nos aborreça novamente (isto
depois da segunda visita). Não temos nenhuma vaga; e se surgir
alguma, temos gente suficiente para ocupá-la'.»

«Quem pode expressar o sentimento de alguém que sai bem cedinho a


procura de trabalho, e fracassa? Todas minhas esperanças e
prospectos pareciam ter se revelado falsos. Desamparado, eu ouvia
falar freqüentemente disto, tinha falado freqüentemente sobre isto.
Sim! Mas referindo-se aos outros, mas agora comecei a entender isto
em mim mesmo. Gradualmente passei a descuidar de minha aparência
pessoal. Minha roupa de linho sem defeito ficou desleixada e suja.

Com o tempo meus sapatos ficavam cada vez mais sujos, e eu vaguei
por aquela infeliz condição 'requintadamente rota'. Se eu me
apresentasse anteriormente como estou agora, roto demais para poder
agradar, teria ainda menos possibilidade de conseguir trabalho.»

«Agora, a fome começava a fazer efeito, e eu vaguei pelos portões


das docas, mas que chance teria eu entre aqueles gigantes famintos?
E assim os problemas foram se acumulando até que aquele 'severo
desejo' levou-me o último xelim, o último alojamento, e a última
refeição. O que farei? Onde irei? Tentei pensar. Tenho que passar
fome? Seguramente ainda deve haver alguma porta aberta ao empenho de
um homem disposto e honesto, mas onde? O que posso fazer? 'Beba',
disse o tentador; mas mesmo para embriagar-se é preciso ter
dinheiro, e o esquecimento através de licor exige um equivalente em
moeda corrente.»

«Roube ou passe fome. 'Você tem que fazer uma coisa ou outra', disse
o tentador. 'Mas recusa ser ladrão. Por que se acha tão especial?'
Diz o tentador novamente. 'Você está por baixo mais uma vez, quem
vai ligar para você? Quem vai dar-lhe atenção? De duas uma, ou rouba
ou passa fome.' E eu lutei até que a fome esfolasse meu julgamento,
e então tornei-me um ladrão.»

É inegável que foi o medo de morrer de fome que conduziu este pobre
companheiro ao roubo. Morrer de fome atualmente é mais comum do que
geralmente se pensa. Ano passado, um homem cujo nome nunca foi
conhecido, estava caminhando por St. James's Park, quando três de
nossos homens de Shelter o viram tropeçar e cair de repente. Eles
pensaram que estava bêbado, mas descobriram que tinha desmaiado.
Eles o levaram à ponte e chamaram a polícia. Depois o levaram para o
Hospital de St George onde morreu. Aparentemente ele estava, de
acordo com sua própria história, vindo de Liverpool, estava sem
comer durante cinco dias. Porém, o doutor disse que ele viera de
mais longe. O júri deu o veredicto de «Morte por Fome».

Sem comida durante cinco dias ou mais! Quem sofreu essa sensação de
frio que vem até mesmo na falta de uma única refeição pode ter
alguma idéia do tipo de tortura lenta que matou aquele homem!

Em 1888 a média diária dos desempregados em Londres calculado pelo


Comitê da Mansion House foi de 20.000. Este vasto reservatório de
trabalhadores desempregados é a ruína de todos os esforços para
elevar o padrão de vida, e melhorar as condições de trabalho. Homens
famintos morrendo por falta de oportunidade de ganhar um pedaço de
pão é o material do qual são feitos os «fura-greves», que faz com
que os trabalhadores sejam constantemente derrotados em suas
tentativas de melhorar suas condições de vida.

22
Este é o problema que está por traz de todas as questões do
Movimento Sindical e de todos os esquemas para a melhoria das
condições das indústrias. Qualquer edifício estável que não desabe
quando a primeira tempestade chega e quando o primeiro furacão
sopra, não deve ser construído na areia, mas na pedra. O pior de
todos os esquemas existentes para a melhoria social dos
trabalhadores qualificados organizados é aquele que não é construído
nem na «pedra» e nem mesmo na «areia», mas no pântano sem fundo do
estrato dos desempregados. É por aqui que temos que começar. A
organização dos trabalhadores industriais que têm trabalho regular
não é assim tão difícil. Isso pode ser feito, e está sendo feito,
por eles. O problema que temos que enfrentar é a organização, a
organização daqueles que estão sem trabalho, ou que têm apenas um
emprego irregular, e que pressionados pela fome absoluta, estão em
irresistível concorrência ruinosa com seus irmãos e irmãs bem
empregadas. Detalhe por detalhe, tudo aquilo que um homem tem, foi
dado para sua vida; muito mais, então, terão aqueles que
experimentalmente sabem que Deus não dá tudo aquilo que eles esperam
ter -- neste mundo e no próximo.

Não há nenhuma vantagem em falar da imensidão do problema. É mais


que suficiente para nos levar ao desânimo. Mas aquele que coloca sua
confiança não apenas no homem, mas naquele que é Todo Poderoso, não
encontra espaço para desânimo. Desanimar é perder a fé; desanimar é
esquecer de Deus. Sem Deus não podemos fazer nada nesta assustadora
confusão de miséria humana. Mas com Deus podemos fazer todas as
coisas, e confiantes de que Ele construiu Sua imagem em todo filho
do homem, enfrentamos estes destroços horrorosos da humanidade, até
mesmo com um alegre ânimo. Se confiarmos em nossa elevada vocação
Ele abrirá um caminho de libertação.

Eu não tenho nada a dizer contra aqueles que se empenham em abrir


uma trilha de fuga sem qualquer consciência da ajuda de Deus. Por
eles sinto apenas condolência e compaixão. Na medida em que eles se
esforçam por alimentar o faminto, vestir o nu, e acima de tudo,
servir aos desempregados, então, neste ponto, eles se esforçam por
fazer a vontade de nosso Pai que está no Céu, a maldição está em
todos aqueles que dizem não! Mas estar órfão de todo sentido da
Paternidade de Deus seguramente não é uma fonte secreta de força. É,
na maioria dos casos -- seria para mim -- a fonte da paralisia. Se
eu não sentisse a mão de meu Pai na escuridão, e se não ouvisse no
silencio da noite sua voz me guardando, envolvido com estas coisas,
eu me encolheria espantado -- mas eu não ousaria.

Quantos foram aqueles que fizeram tentativas similares e que


falharam, e dos quais nunca mais ouvimos falar! Mesmo que nenhum
deles tenha tencionado lidar com nada maior do que a mera orla do
mal, que Deus me ajude, eu tentarei enfrentar o mal em toda sua
imensidão. A maioria dos projetos que são colocados em prática para
melhorar a situação das pessoas são declarada ou realmente limitados
àqueles cujas condições menos precisam de melhora. Os utópicos, os
economistas, e a maioria dos filantropos propõem remédios que, se
adotados amanhã, afetarão apenas a aristocracia da miséria. É o
próspero, o industrioso, o sóbrio, o pensador, que pode tirar
proveito destes planos. Mas o próspero, o industrioso, o sóbrio, e o
pensador, já são em sua maior parte perfeitamente capacitados para
cuidar de si mesmos. Ninguém fará nem mesmo um arranhão visível no
pântano da miséria se não lidar com o improvidente, o preguiçoso, o
viciado, e o criminoso. O Projeto de Salvação Social não terá valor
algum se não for tão amplo quanto o Projeto de Salvação Eterna
revelado no Evangelho. As Boas Notícias precisam ser para toda
criatura, não apenas para uma minoria de eleitos que é salva
enquanto a massa de seus companheiros é predestinada a uma danação
temporal. Nós tiramos esta doutrina de uma ferrenha economia
pseudo-política que foi introduzida há muito tempo entre nós. Já
chegou o tempo de derrubar o falso ídolo e proclamar uma Salvação
Temporal plena, livre, e universal, e sem outras limitações senão a
do «todo aquele» do Evangelho.

23
Ao tentar salvar o Perdido nós não temos que aceitar nenhuma
Limitação à fraternidade humana. Se o Projeto que eu exponho nesta e
nas páginas seguintes não são aplicáveis ao Ladrão, à Meretriz, ao
Alcoólico, e ao Preguiçoso, pode perfeitamente ser lançado ao lixo
sem cerimônia. Como Cristo veio chamar não santos mas aqueles que
praticam o mal ao arrependimento, assim a Nova Mensagem da Salvação
Temporal, da salvação do frio da pobreza, dos trapos e da miséria,
deve ser oferecida a todos. Claro que eles podem rejeitá-la. Mas
aquele que chama a si mesmo pelo nome de Cristo não é digno de
professar ser seu discípulo se não deixar uma porta aberta diante
dos menores e dos piores, daqueles que estão agora aparentemente
encarcerados da vida em um horrível calabouço de miséria e desânimo.
A responsabilidade pela rejeição deve ser deles, não nossa. Todos
nós conhecemos a oração, «livra-me da pobreza e da riqueza, dê-me
apenas aquilo que necessito» [N.T. Provérbios 30.8]-- e que todo
filho do homem neste planeta peça a Deus que a oração de Agur, o
filho de Jakeh, seja atendida.

Para se ter uma idéia de quão longe estamos de atingir isso, basta
descer até as docas e ver a luta pelo trabalho. Aqui vai um resumo
do que encontrei ali neste verão: --

Docas de Londres, 7:25 da manhã. Os três enormes pares de portões de


madeira estão fechados. Pode-se ver encostados neles, em pé, cerca de
duas centenas de homens. O espaço público do lado oposto está
lotado, fazendo comércio pesado. Por toda a rodovia existem orlas
de homens afluindo de várias direções, engrossando a multidão nos
portões.

7:30. As portas abrem, todos correm para dentro. Todo mundo avança
cerca de cem jardas até a barreira de ferro -- onde permanecem por
algum tempo, vigiados pela polícia das docas. Aqueles homens que
foram previamente (isto é, na noite anterior) contratados, mostram
sua senha e passam à frente, aproximadamente seiscentos. O resto --
uns quinhentos colocados atrás da barreira, ficam pacientemente
esperando a chance de um trabalho, destes, menos que vinte são
convocados. Eles são chamados por um capataz que aparece próximo à
barreira e escolhe seus homens. Imediatamente o capataz desaparece,
há uma pressa selvagem e uma luta furiosa para «ser visto» por ele.
Os homens escolhidos atravessam a barreira, a excitação se extingue
até que outro lote de homens seja requerido.

Eles esperam até as oito, quando se retiram. A barreira é retirada e


todas aquelas centenas de homens, monotonamente se dispersam para
«procurar emprego». Quinhentos candidatos, vinte contratados! Não
surpreenderia se algum olhar cansado flamejasse algo como, «Oh
querida, Oh querida! Que posso fazer?» Alguns permanecem por ali até
o meio-dia na escassa expectativa de serem ainda contratados para
trabalhar a metade do dia.

Pergunte aos homens e eles lhe contarão algo como a seguinte


história, que dá uma idéia do trabalho nas docas.

R. P. disse: --«Eu trabalhava regularmente na South West India Dock


antes da greve. Nós recebíamos 5d. por hora. O trabalho começa às 8
da manhã no verão e às 9 da manhã no inverno. Freqüentemente há
quinhentos candidatos, e apenas vinte são contratados (escolhidos no
dia anterior) O capataz aparece, e convoca os homens que escolhe.
Ele conhece cada um dos quinhentos pelo nome. Há uma luta regular
por arrumar emprego, eu sei de quinhentos contratados, mas sempre há
centenas procurando vagas. Como pode ver, eles sabem quando os
navios chegam, e quantas pessoas serão necessárias, então afluem em
grande número. Às vezes, eu ganho 30s. por semana, às vezes nada
durante uma quinzena. Isso é o que torna tudo tão duro. Você não
consegue nada para comer durante uma semana, e então quando você é
contratado, você está tão fraco que não consegue nem trabalhar
direito. Eu fiquei no meio da multidão no portão e tive que ir

24
embora sem trabalho, centenas de vezes. Se eu pudesse ficaria
novamente. Eu me cansei da falta de emprego e saí do país para
arrumar emprego em uma fazenda, mas não consegui nada, assim eu
estou sem os 10s. que o Sindicado das Docas exige dos trabalhadores.
Estou de volta ao país dentro de um ou dois dias para tentar
novamente. Espero ganhar 3s. por dia. Voltarei novamente para as
docas. Há uma chance de arrumar emprego regular nas docas, quer
dizer, passear nos bares que os capatazes freqüentam, e tratar com
eles. Então eles provavelmente escolherão você no dia seguinte.»
R. P. não é sindicalizado. Henry F. é sindicalizado. Sua história é
a mesma.

«Cinco meses atrás trabalhei nas docas de St. Catherine. Você tem
que chegar aos portões às 6 horas da manhã para a primeira chamada.
Há geralmente aproximadamente 400 a espera. Eles contratam apenas
duzentos. Então às 7 horas há uma segunda chamada. Até lá mais 400
terão se juntado a eles, e outros cem serão contratados. Também
provavelmente haverá outra chamada às nove horas. O mesmo número
será contratado mas não haverá nenhum trabalho para muitas centenas
deles. Eu sou sindicalizado. Isso significa 10s. de auxílio-doença
por semana, ou 8s. por semana para acidentes leves; e também algumas
outras vantagens. Agora as Docas não contratam ninguém que não seja
sindicalizado. O problema é que há muitos homens querendo trabalho.
Eu freqüentemente fico desempregado de uma quinzena a três semanas.
Certa vez ganhei #3 em uma semana, trabalhando dia e noite, entretanto,
depois passei uma quinzena sem trabalho. Isso acontece especialmente
nos dias em que não há nenhum navio para descarregar. Durante esse
tempo; muitos homens passam fome. Quando as pessoas não têm nenhum bico
para fazer nem conseguem nenhuma outra ocupação, elas descem até as
docas para procurar trabalho e ficam por ali mesmo.»

Mas não é apenas nos portões das docas que você encontra estes
desafortunados que passam o tempo todo procurando inutilmente por
trabalho. Eis aqui outra história bem semelhante.

C. é um pedreiro profissional de quase dois metros de altura. Ele


pertenceu à Artilharia Real durante oito anos e passou um bom tempo
por ali. Tudo parecia bem e conseguiu juntar algumas economias. Ele
pediu demissão e por ser um excelente cozinheiro abriu um
restaurante, mas ao término de cinco meses ele foi compelido a
fechar sua loja por causa de uma queda no comércio provocado pela
falência de uma grande fábrica na localidade.

Após ter trabalhado na Escócia e em Newcastle durante alguns anos,


acabou adoecendo, sem conseguir melhorar sua situação, e voltou para
Londres na esperança de conseguir algo na cidade onde nasceu. Não
encontrou nenhum emprego regular durante os últimos oito meses. Sua
esposa e família estão em estado de penúria, e ele observou, «ontem
conseguimos apenas uma libra de pão para comer». Seu aluguel está
atrasado há seis semanas, e tem medo de ser despejado. A mobília que
está na casa dele não vale 3s.. As roupas de cada membro de sua
família estão em farrapos e mal cabem em uma bolsa aos trapos. Ele
nos assegurou que tentou de todas as formas conseguir emprego e
estava disposto a fazer qualquer coisa. O caráter dele realmente era
muito bom.

Agora, parece um sonho absurdo inventar qualquer arranjo que, sem


qualquer perda de dignidade, debaixo de todas estas circunstâncias,
possibilite alimento, roupas, e abrigo, para todos estes
desempregados ; mas eu estou convencido de que algo pode ser feito,
dando trabalho àqueles que estão dispostos a trabalhar. Que Deus me
ajude, os meios estão prestes a aparecer, pretendo tentar fazer
isto; como, onde, e quando, eu explicarei nos próximos capítulos.
Tudo aquilo que eu preciso dizer aqui é que, no momento em que um
homem ou uma mulher se submetem à disciplina indispensável em toda
campanha contra qualquer inimigo formidável, a meu ver, nada pode
impedir a realização desse ideal; e o que mais nos anima é o fato da
maioria estar, apesar de tudo, ansiosa pelo trabalho. A maioria

25
deles efetivamente se desgasta mais na busca desesperada por emprego
do que se estivessem trabalhando regularmente, e fazem isto, também,
sob a escuridão do desânimo que forja seus corações.

CAPÍTULO 5. NA BEIRA DO ABISMO

Infelizmente, é desnecessário comentar qualquer um desses terríveis


depoimentos desses sofredores que desejamos ajudar, eles falam por
si mesmos. Durante anos a imprensa esteve abarrotada pelos ecos do
«Bitter Cry of Outcast London», com as descrições da «Horrible
Glasgow», e daí por diante. Temos vários volumes que descrevem «How
the Poor Live» e pressuponho que todos meus leitores estão bem
cientes dos traços principais dessa «Mais Negra Inglaterra». Recebo
muitos relatórios de meus oficiais que atuam nas favelas, talvez um
dia consiga publicar mais detalhes da atual condição social de
milhões de desafortunados. Mas não agora. Por enquanto esses relatos
descritos são suficientes. Eu abordo esses temas apenas para
esclarecer os pontos mais importantes de nossa nova iniciativa.

Eu falei dos pobres sem-teto. Cada um deles está na escala do


sofrimento humano, um grau abaixo daqueles que conseguiram alguma
forma de abrigo sobre suas cabeças. Uma casa é uma casa, mesmo que
seja um pequeno barraco; e é bem tocante a desesperada tenacidade
com que o pobre se agarra a essa que parece ser a derradeira
trincheira de sua miséria. Há becos imundos, onde a doença pulula
febril por toda parte, com cortiços apinhados e fedorentos onde
afloram, durante o verão, miríades de animais daninhos, bichos,
insetos, vermes, piolhos, pragas, e todo tipo de cafajestes,
esperando pela noite para poder atormentar seus tristes ocupantes.

Uma cadeira, um colchão, e algumas tábuas miseráveis constituem toda


a mobília do único quarto no qual eles têm que dormir, procriar, e
morrer; mas eles se agarram nessas coisas como um homem se agarra em
um pedaço de madeira boiando no meio do mar. A cada semana eles
excogitam formas de elevar suas rendas, com as quais poderão saldar
suas dívidas, e com os nervos de aço de um marinheiro, evitam ser
sugados pelas ondas bravias. O surgimento do desemprego e da doença
faz com que esses desamparados desabem para a condição de sem-teto.
É ruim para um homem solteiro enfrentar a luta pela vida nas ruas e
nos asilos para desabrigados. Mas ver-se nas ruas é ainda mais
terrível para o homem casado com sua esposa e filhos. Se uma família
tem pelo menos um barraco onde passar a noite, ela mantém ainda uma
certa estrutura; mas quando ela perde até mesmo isso, aquela única
posição segura, nada mais resta senão aquela compaixão cristã, a mão
que lhe é oferecida para retirar-se da areia movediça que a puxa
para baixo -- sim, para baixo, em direção aos estratos desesperados
do crime e do desânimo.

«O coração conhece sua própria amargura mas não intervém


imediatamente». Mas de vez em quando ouve-se, bem no fundo, um
amargo lamento como o de um forte nadador em sua agonia na medida em
que é tragado pela corrente. Pouco tempo atrás um homem respeitável,
um químico em Holloway, de cinqüenta anos de idade, diante de um
momento de desespero, encurralado contra a parede, tentou o suicídio
cortando sua própria garganta. A esposa dele também fez o mesmo, ao
mesmo tempo deram estricnina ao seu único filho. O esforço falhou, e
eles foram a julgamento por tentativa de assassinato. No Tribunal
foi lida uma carta que o pobre infeliz tinha escrito antes de tentar
dar cabo à sua vida:--

PREZADO GEORGE -- Já faz doze meses que estou passando por uma vida
de grande miséria e privações, e eu realmente não consigo agüentar
mais. Estou completamente esgotado, não posso contar nem mesmo com

26
parentes que poderiam me ajudar, como meu tio por exemplo. Ele não
pôde receber de volta seu dinheiro e ter algum alívio, muito
provavelmente logo ele estará no mesmo barco que eu. Ele não quer
nem saber se estou passando fome ou não. Apenas #3 -- que para ele
significa uma mera picada de pulga -- bastaria para nos levantar,
sua fiança e interesse poderiam deixar-me em boa situação por muito
tempo. Não agüento mais tanta pobreza e degradação, prefiro morrer a
ir para o asilo, É por isso que tomamos essa terrível resolução. Que
Deus nos perdoe, mas nós temos, por puro amor e afeição, que levar
nosso querido Arty conosco, para que nosso querido filho nunca possa
ser esbofeteado, lembrado ou escarnecido pela atitude de seus
desesperados pais. Minha pobre esposa faz o que pode para conseguir
algum dinheiro, costurando, lavando, cuidando da casa; mas tudo que
conseguimos é padecer à beira da fome. Venho trabalhando desde a
manhã até à noite, há seis semanas, sem receber nenhum centavo por
isso. Como se não bastasse -- isso piorou ainda mais a situação.
Nenhuma réstia de luz em parte alguma; nenhum raio de esperança.
Que Deus nos perdoe por este pecado odioso, e tenha clemência de
nossas almas pecadoras, essa é a oração desse teu miserável irmão,
triste, mas amoroso, Arthur. Fizemos de tudo para evitar esse ato
ruim, mas não há nenhum raio de esperança. A oração fervorosa não
ajudou em nada; nossa sorte está lançada, e temos que acabar logo
com isso. Deve ser a vontade de Deus, senão Ele teria encaminhado as
coisas de uma maneira diferente. Meu prezado Georgy, estou sumamente
arrependido de ter que deixá-lo, mas eu estou furioso --
completamente furioso. Você, tem que tentar nos esquecer, e, se
possível, nos perdoar; porque eu não considero o que aconteceu como
nossa própria falta. Se você conseguir #3 pela nossa cama isso
pagará nosso aluguel, e nossa pouca mobília pode ser o suficiente
para pagar um enterro barato. Não se preocupe conosco nem nos siga,
porque não somos merecedores de tal consideração. Nosso sacerdote
nunca nos procurou nem nos deu o menor consolo, entretanto eu o
chamei no mês passado. Ele é pago para pregar, e ele acha que sua
responsabilidade termina por ai. Contamos apenas conosco mesmo e
com algumas outras pessoas que se preocupam um pouco com a gente,
mas você tem que tentar nos perdoar. Esta é a última oração
fervorosa desse seu afetuoso mas triste irmão. (Assinado) R. A. O.
----.

Esse é um documento humano autêntico -- um retrato da vida de um


entre milhares que se arrastam no fundo do poço. Eles morrem e não
deixam nenhum sinal, ou, pior ainda, eles continuam existindo,
carregando com eles, ano após ano, as cinzas amargas de uma vida
cujo forno do infortúnio queimou toda a alegria, todo o ânimo e toda
a força. Quem nunca soube de desesperados que, como Richard O.,
foram procurar o padre ou o pastor, implorando por uma ajuda que
quase nunca vem? Mas não é justo, sem dúvida, que ele culpe o padre
e o confortável rico – o que poderiam fazer além de orar e oferecer
um bom conselho? Ajudar qualquer Richard O. do ponto de vista
financeiro arrastaria até mesmo Rothschild para a sarjeta. Que mais
pode ser feito? Alguma coisa precisa ser feita, caso contrário a
cristandade será um escárnio diante dos homens que perecem.

Eis aqui outro caso, um caso muito comum que ilustra como o Exército
do Desespero é recrutado.

O Sr. T. é sapateiro profissional. Trabalha bem, e ganha de três


xelins e seis pences a quatro xelins e seis pences por dia. Mas
adoeceu no último Natal, e foi levado para o Hospital de Londres;
onde permaneceu internado por três meses. Uma semana depois de sua
internação a Sra. T. contraiu febre reumática, e foi levada até a
enfermaria de Bethnal Green onde ela permaneceu por aproximadamente
três meses. Depois que foram internados, a mobília deles foi vendida
para pagar três semanas de aluguel que estavam devendo. Por
conseguinte, mesmo convalescentes, já viraram sem-teto. Eles saíram
quase ao mesmo tempo. Ele se instalou em uma hospedaria por uma
noite ou duas, até que ela saísse. Até então, ele tinha dois pences,
e ela tinha seis pences que uma enfermeira tinha lhe dado. Ambos se

27
instalaram na hospedaria, mas a situação não estava nada boa para
eles. No outro dia ele conseguiu dois xelins e seis pences por um
dia de trabalho, e em virtude disto eles alugaram um quarto (para
pernoite) a três pences por dia. Trabalhou ainda durante algumas
semanas, quando novamente adoeceu, e foi demitido, ficando sem
nenhum dinheiro. Penhorou sua camisa e avental por um xelim; que
também acabou gastando. Por fim penhorou suas ferramentas por três
xelins que, depois de alguns dias, acabou gastando com comida e
hospedaria. Agora ele está sem ferramentas e não pode fazer seu
próprio trabalho, faz qualquer coisa que pode. Gastou seus últimos
dois pences em uma xícara de chá com açúcar. Tudo que puderam comer
nos últimos dois dias foi uma fatia de pão com manteiga cada. Estão
bem enfraquecidos pela fome.

É a lei do «competitividade», da oferta e da procura, e todo o resto


de desculpas pelas quais aqueles que estão em bases firmes tiram o
corpo fora enquanto seus irmãos afundam, como é que eles reagiriam
diante de um homem se afogando no mar? Seria a «competitividade» o
bote salva-vidas? As leis inexoráveis da economia política serão
capazes de salvar o marinheiro náufrago diante da agitação das
ondas? Essas leis com muita freqüência são responsáveis pelo seu
desastre. Esses navios-caixão são um resultado direto da política
miserável de não-intervenção nas operações legais do comércio, mas
que não efetuam a compensação [N.T. no original make it pay] criando
a Instituição do Barco Salva-vidas Nacional, nenhuma lei da oferta e
da procura aciona os voluntários que arriscam suas vidas para trazer
o náufrago para terra firme.

O que nós temos que fazer é aplicar o mesmo princípio para a


sociedade. Nós queremos a Instituição do Barco Salva-vidas Social,
uma Brigada do Barco Salva-vidas, para arrebatar do abismo aqueles
que, abandonados à sua própria sorte, perecerão tão miseravelmente
quanto a tripulação de um navio que afunda no meio do oceano.

O momento que assumimos este trabalho seremos compelidos a voltar


nossa atenção seriamente à questão de que é melhor prevenir do que
remediar. É mais fácil e mais barato, e em todos os sentidos melhor
prevenir a perda de casa que ter que recriar aquela casa. É melhor
manter um homem fora do lodo do que deixá-lo desabar primeiro para
depois arriscar tirá-lo de lá. Então, qualquer Projeto que tente
lidar com a recuperação do perdido deve desenvolver uma variedade
infinita de medidas para melhorar a situação de alguns, dos quais
falarei mais adiante. Eu só menciono o assunto aqui para que ninguém
possa dizer que eu estou cego diante da necessidade de ir mais
adiante e de adotar planos mais amplos de operação do que aqueles
que adianto neste livro. A renovação de nosso Sistema Social é um
trabalho tão vasto que nenhum de nós, nem todos nós reunidos, pode
definir todas as medidas que terão que ser implementadas para que
atinjamos aquele padrão de vida mínimo do cavalo de carruagem para
nossos filhos e para nossos netos. Tudo aquilo que podemos fazer é
atacar, com um espírito sério, prático, urgente, o pior e o maior
dos males, sabendo que se nós fizermos nosso dever estaremos
obedecendo a voz de Deus. Ele é o Capitão de nossa Salvação. Se nós
seguirmos Sua direção sem obedecer às ordens de marcha, é
desnecessário dizer que Ele estreitará o campo de operações.

Não estou labutando debaixo de nenhuma ilusão sobre a possibilidade


de inaugurar o Milênio sob determinada visão social. Na luta pela
vida os mais fracos estão em desvantagem, e há tantos fracos. O
ajustado, com unhas e dentes, sobreviverá. Tudo aquilo que podemos
fazer é flexibilizar o lote de ineptos de forma a tornar o sofrimento
deles menos horrível do que é no momento. Por maior que seja nosso
esforço jamais conseguiremos dar a uma água-viva uma coluna
vertebral. Nenhum apoio externo fará com que determinados homens
fiquem eretos. Qualquer ajuda material aos sem só é útil na medida
em que desenvolve força moral interior. E alguns homens parecem ter
perdido até mesmo a faculdade de ajudar a si mesmos. Há uma imensa
falta de bom senso e de energia vital por parte de multidões.

28
É contra a Estupidez, em todas suas formas e aspectos, que temos que
empreender nossa eterna batalha. Mas como podemos esperar sabedoria
por parte daqueles que nunca tiveram qualquer vantagem, quando vemos
uma ausência completa desse artigo naqueles que tiveram todas as
vantagens?

O que é que podemos esperar de gerações e gerações de mal


alimentados e de mal educados, desenvolvendo uma hereditariedade de
incapacidade, e quantos milhares de otários vem ao mundo
desprovidos, antes mesmo do nascimento, da inteligência média do
gênero humano?

Além daqueles que são, por assim dizer, hereditariamente carentes


das qualidades necessárias que lhes permita a independência, há o
fraco, o inválido, o velho, e o despreparado; e o pior de todos, o
desprovido de caráter. Aqueles que têm a melhor reputação, se
perderem o ponto de apoio que lhes dá sustentação, encontrarão
bastante dificuldade em reencontrar sua posição. O que, então, fazer
com homens e mulheres sem nenhum caráter? Quando um mestre escolhe
cem homens honestos, é razoável esperar que ele selecione um pobre
companheiro com sua reputação manchada? Tudo isso é verdade, e é uma
das coisas que torna o problema quase insolúvel. E insolúvel é, eu
estou absolutamente convencido, a menos que seja possível trazer
nova vida moral à alma destas pessoas. Este deveria ser o primeiro
objeto de todo reformador social cujo trabalho só será duradouro se
for construído na fundação sólida de um novo nascimento, do apelo
«vocês devem nascer novamente».

O que seria necessário fazer para que um homem renascesse? Bastaria


calçar-lhe um par de sapatos novos, dar-lhe um trabalho regular, ou
até mesmo dar-lhe uma educação Universitária? Não. Todas estas
coisas estão do lado de fora do homem, e se o interior permanece
inalterado você desperdiçou seu esforço. Você deve de uma maneira ou
de outra enxertar na natureza do homem uma natureza nova que traga
consigo o elemento do Divino. Tudo aquilo que eu proponho neste
livro é governado por esse princípio.

A diferença entre o método que procura regenerar o homem melhorando


sua situação e o método que melhora sua situação procurando
regenerar o homem, é a diferença entre o método do jardineiro que
enxerta um galho de macieira doce na macieira azeda e o método que
apenas dependura maçãs doces com barbante na macieira azeda. Mudar a
natureza do indivíduo, chegar ao coração, para salvar a alma dele é
o único método real e duradouro de torná-lo bom. Em muitos projetos
modernos de regeneração social esquece-se de que «quando a alma
movimenta o corpo, o chiqueiro fica mais limpo», e diante do risco
de ser mal-entendido e falseado, eu tenho que afirmar do modo mais
completo que é primária e principalmente por causa da salvação da
alma que eu busco a salvação do corpo.

Mas de que adianta pregar o Evangelho a homens cuja atenção está


integralmente concentrada em uma furiosa e desesperada luta por
manter-se vivo? De que adianta lançar um manual de instruções a um
marinheiro náufrago que está lutando contra as ondas que engoliram
seus camaradas e ameaçam engolfá-lo? Ele não vai ouvir tua voz. Não,
da mesma forma que um homem com a cabeça debaixo d’água não consegue
ouvir um sermão, ele não vai conseguir ouvir você. A primeira coisa
a fazer é dar um jeito de colocá-lo em terra firme, e dar-lhe uma
oportunidade de viver. Então você pode ter uma chance. No momento
você não tem nenhuma. E você terá todas as melhores oportunidades
para achar um caminho que leve até ao coração dele, se ele descobrir
que foi você quem o arrancou da cova horrível e da lama imunda em
que ele estava afundando rumo à perdição.

29
CAPÍTULO 6. O VÍCIO
Há muitos vícios e sete pecados mortais. Mas nos últimos anos muitos
desses sete conseguiram passar por virtudes. A Avareza, e o Orgulho,
por exemplo; foram rebatizados por competitividade [N.T. no original
thrift] e amor-próprio, e se tornaram os anjos da guarda da
civilização cristã; de forma que a Inveja é a base na qual muito de
nosso sistema competitivo é fundado. Ainda há dois vícios que são
tão afortunados, ou desafortunados, que permanecem indisfarçados,
que nem mesmo escondem o fato de que são vícios e não virtudes. O
primeiro é a Embriaguez; e o outro a Fornicação. O viciado nestes
vícios disfarça tão pouco que, até mesmo aqueles que habitualmente o
praticam, protestam contra a mera descrição de qualquer deles pelo
nome bíblico correto. Por que não dizer prostituição? Por esta
razão: prostituição é uma palavra aplicada a apenas um dos dois
viciados, o que é lastimável. A palavra Fornicação atinge de forma
semelhante a ambos. A palavra prostituição só se aplica à mulher.

Porém, quando nós deixamos de considerar este vício do ponto de


vista de moralidade e da religião, e olhamos somente como um fator
no problema social, a palavra prostituição é menos censurável. Pois
o fardo social deste vício é suportado quase que completamente por
mulheres. O pecador masculino não vê a si mesmo, pelo seu mero
pecado, em uma situação pior para obter emprego, alugar uma casa, ou
até mesmo encontrar uma esposa. Sua transgressão atinge apenas seu
bolso, ou, talvez, sua saúde. Seu impudor, exceto em sua relação com
a mulher cuja degradação necessita, não conta para os demais membros
da sociedade. Esse vício é tão infame para o homem que suas
conseqüências têm que ser suportadas quase que exclusivamente pela
mulher. A dificuldade de lidar com alcoólicos e meretrizes é quase
insuperável. Não há nada que eu repudie tão totalmente, enquanto
negação fundamental do princípio essencial da religião cristã,
quanto a popular doutrina pseudo-científica de que qualquer homem ou
mulher tem salvo conduto pela graça de Deus e pelo poder do Espírito
Santo, eu às vezes me inclino ao desespero ao contemplar estas
vítimas do Diabo. A doutrina da Hereditariedade e a sugestão da
Irresponsabilidade vem restabelecendo perigosamente, em bases
científicas, o dogma terrível da Reprovação [N.T. no original
Reprobation, o suposto decreto da Providência, referente à
condenação dos maus às penas eternas] que lançou tão terrível sombra
sobre a Igreja Cristã. Para milhares e milhares destes pobres
infelizes, como o Bispo South verdadeiramente disse, «pior que
nascer neste mundo é a maldição de viver dentro dele» [N.T. no
original «not so much born into this world as damned into it»].

A filha ilegítima de uma meretriz, nascida em um bordel, amamentada


com gim, e familiarizada desde a mais tenra idade com todas as
bestialidades do deboche, violada antes de completar doze anos, é
lançada nas ruas pela própria mãe um ou dois anos depois, que chance
terá tal menina neste mundo? -- Eu não digo nada com relação ao
próximo. Não estamos diante de um caso excepcional. Há muitos desses
casos diferindo apenas nos detalhes, mas que são essencialmente
iguais. Com os meninos ocorre coisa quase tão ruim. Há milhares
deles que foram procriados quando seus pais estavam embriagados e
cujas mães se empanturravam diariamente com álcool durante a
gravidez, de tal forma que pode-se dizer que os bebês tomaram gosto
pela bebida forte mamando o leite de suas mães, e que estiveram
rodeados desde a infância de oportunidades e estímulos ao consumo de
bebidas alcoólicas. Seria por acaso que sua constituição é assim tão
inclinada à intemperança, e tenha o estímulo da bebida como algo
indispensável? Até mesmo quando fazem uma pausa na bebida, a pressão
crescente do cansaço e da comida escassa os guia em direção ao copo.

O que é que mais pode ser dito acerca destes pobres infelizes,
destes escravos nascidos da garrafa, destes predestinados à

30
embriaguez desde o útero materno? Ainda assim todos eles são homens;
todos eles tem «uma faísca de Deus» dentro deles, conforme dizem os
camponeses russos, e que nunca pode ser completamente obscurecida e
destruída enquanto viverem, e qualquer projeto social que pretenda
ser inclusivo e prático tem que lidar com estes homens. Tem que
prover ao alcóolico e à meretriz tanta atenção quanto ao
improvidente e ao desempregado. Mas tais coisas bastam?

Vamos abordar a questão do alcoólico, a raiz de todos seus problemas


está na dificuldade que ele tem para deixar a bebida. Nove décimos
de nossa pobreza, sordidez, vício, e crimes, jorram da torneira
desta fonte venenosa. Muitos dos males sociais, que obscurecem a
terra, como as upas que sobem nas árvores, encolheriam e morreriam
se não fossem constantemente regados com bebida forte. Há uma
concordância universal nesse ponto; na realidade, o ponto de vista
sobre os males da intemperança é quase tão universal quanto a
convicção de que os políticos não farão nada prático para interferir
neles. Na Irlanda, o Sr. Justice Fitzgerald disse que naquele país,
de cada vinte crimes, o alcoolismo [N.T. no original intemperance] é
responsável por dezenove, e que ninguém propõe nenhum Ato de Coerção
que lide com esse mal. Na Inglaterra, todos os juizes dizem a mesma
coisa. Claro que é um erro assumir que um assassinato, por exemplo,
jamais seria cometido por homens sóbrios, porque os assassinos na
maioria dos casos preparam seu trabalho mortal com um copo de
coragem holandesa. Mas a facilidade que o álcool tem de implementar
um reforço à paixão sempre tende, indubitavelmente, a tornar
perigosa, e às vezes irresistível, a tentação de violar as leis de
Deus e dos homens.

Meras conferências contra o mau hábito não tem, porém, proveito


algum. Temos que reconhecer, que o bar, como muitos outros males,
embora venenoso, ainda é uma excrescência natural de nossas
condições sociais. O boteco em muitos casos é o único salão onde o
homem pobre tem o direito de se expressar a vontade. Muitos homens
tomam cerveja, não por amor à cerveja, mas por uma apetência natural
à luz, calor, companhia, e conforto, que são misturados juntamente
com a cerveja, e que ele não pode obter a não ser comprando cerveja.

Os reformadores nunca ficarão livres da loja de bebidas até que


superem os atrativos subsidiários oferecidos a seus clientes. Então,
novamente, nunca podemos esquecer que a tentação de beber é mais
forte quando o desejo é mais lancinante e a miséria mais aguda. Um
homem bem nutrido não é dirigido à bebida com a apetência que
atormenta o faminto; e aquele que vive uma vida cheia de conforto
não almeja a benesse do esquecimento. Gim é o único Letes [N.T. no
original Lethe: um dos cinco rios do inferno, que representa o
esquecimento, o olvido] do miserável. O ar pútrido e venenoso dos
aglomerados humanos onde vivem milhares de pessoas amontoadas
predispõe um desejo por estimulantes. Na medida em que falta ar
fresco, seu oxigênio e seu ozônio, um homem mata seu desejo com
álcool. Depois de um tempo o desejo pela bebida se torna uma mania.
A vida parece tão insuportável sem álcool como sem comida. É
freqüentemente uma doença herdada, sempre desenvolvida pela
indulgência, mas é claramente uma doença como oftalmia ou pedra nos
rins.

Tudo isso deveria nos predispor à caridade e à condolência. Desde


que reconheçamos que a responsabilidade primária sempre tem que
recair no indivíduo, podemos insistir com razão que a sociedade, por
seus hábitos, suas práticas, e suas leis, engraxa o declive pelo
qual estas pobres criaturas deslizam rumo à perdição, e deveria
assumir seriamente a responsabilidade pela salvação destas pessoas.

Mais ou menos, quantos estariam sob o domínio da bebida forte? As


estatísticas abundam, mas elas raramente nos contam aquilo que
queremos saber. Sabemos quantas tavernas há na terra, e quantas
pessoas a polícia prende por embriaguez durante um ano; mas sabemos
muito pouco além disso. Todo o mundo sabe que para cada homem que

31
está preso por embriaguez há pelo menos dez e muitas vezes vinte que
chegam em casa intoxicados. Em Londres, por exemplo, há 14.000 lojas
de bebida, e todos os anos 20.000 pessoas são presas por embriaguez.
Mas quem pode por um momento acreditar que o número de alcoólicos
eventuais em Londres seja apenas 20.000? Por alcoólico habitual eu
não me refiro àquele que está bêbado o tempo todo, mas àquele que
está de tal forma sob o domínio desse mau hábito que não consegue
evitar de se embebedar cada vez que aparece uma oportunidade.

No Reino Unido há 190.000 tavernas, e todos os anos há 200.000


detidos por embriaguez. Claro que várias destas prisões se referem à
mesma pessoa, que continuamente é presa. Não seria assim, se
admitíssemos em média seis alcoólicos para cada casa, ou cinco
alcóolicos habituais para cada preso por embriaguez, dessa
perspectiva chegaríamos a um total de um milhão de adultos que são
mais ou menos prisioneiros do taverneiro -- de fato, Isaac Hoyle
estima que esse número em 1/12 da população adulta. Esta pode ser
uma estimativa excessiva, mas, se considerarmos em meio milhão não
seremos acusados de exagero. Destes alguns estão na última fase
confirmada de dipsomania; outros estão à beira; mas essa progressão
já tende para baixo.

O prejuízo relacionado à manutenção deste enorme exército de meio


milhão de homens mais ou menos sempre embriagados, cuja intemperança
prejudica sua capacidade de trabalhar, que consome seus salários, e
torna suas casas miseráveis, foi por muito tempo um tema bem
familiar aos políticos. Mas o que pode ser feito por eles? A
abstinência total é indubitavelmente desejável, mas como conseguir
que eles sejam totalmente abstinentes? Quando um homem está se
afogando no meio do oceano, a coisa mais necessária, sem dúvida, é
que ele bote seus pés novamente em terra firme. Mas como ele pode
fazer isso? Ele não pode fazer. O mesmo ocorre com os alcoólicos.
Para resgatá-los é necessário fazer por eles algo mais do que o que
tem sido feito até o momento, a menos, naturalmente, que decidamos
permitir que as leis férreas da natureza sigam seu curso de
destruição. Nesse caso seria mais misericordioso abreviar a lenta
ação da lei natural. Mas não há nenhuma necessidade de estabelecer
uma câmara letal para alcoólicos como as que são dirigidas aos cães
perdidos de Londres, que serenamente morrem dormindo sob a
influência do óxido carbônico. O Estado precisa intervir um pouco
mais no que diz respeito à forma como esse veneno se espalha na
comunidade. Se, em vez de um luminoso boteco em cada esquina, aberto
para quem quiser, fosse distribuído gim gratuito a todos aqueles que
chegaram a um certo grau reconhecido de embriagues e delirium
tremens, isso logo reduziria nossa população bêbeda a proporções
manejáveis. Eu posso imaginar um cínico milionário da escola
filantrópica científica liberando o uso do álcool a todos os
alcoólicos em um distrito pelo simples expediente de uma mesada
ilimitada de álcool. Isso, para nós, está fora de questão. O
problema sobre o que fazer com nosso meio milhão de alcoólicos
precisa ser resolvido, e é uma das mais difíceis questões
enfrentadas pelo reformador social.

A questão das meretrizes é, porém, totalmente insolúvel por métodos


ordinários. Nenhuma pessoa que observe para além da superfície
deixará de ter a mais profunda simpatia para com estas infelizes.

Alguns há, talvez muitos, que -- seja por paixão herdada ou má


educação -- embarcaram deliberadamente na vida do vício, mas com a
maioria não ocorre assim. Até mesmo aqueles que deliberada e
livremente escolhem adotar a profissão da prostituição, fazem isso sob
a tensão de tentações que poucos moralistas parecem perceber. Por
mais terrível que este fato seja, sem dúvida não há nenhuma
profissão pela qual em pouco tempo uma menina bonita possa ganhar
tanto dinheiro, com pequena dificuldade, como na profissão de
cortesã. O caso do recente julgamento no tribunal de Lewes, onde a
esposa de um oficial do exército admitiu que, vivendo como
prostituta recebia até #4.000 por ano, foi indubitavelmente muito

32
excepcional. Até mesmo a mais bem sucedida aventureira raramente
ganha os proventos de um Ministro de Gabinete. Mas se considerarmos
mulheres em profissões e ocupações diversas, o número de mulheres
jovens que conseguem #500 em um ano vendendo seu corpo é maior que o
número de mulheres de todas as idades que recebem soma semelhante em
uma atividade honesta. São bem poucas aquelas que conseguem manter
uma alta remuneração, e só conseguem isso durante um tempo muito
curto. Mas são essas baixas remunerações em qualquer profissão que
atraem a multidão, que não hesita ocupar espaços vagos. Em termos
gerais, o vício oferece a toda menina bonita, no desabrochar de sua
mocidade e beleza, uma soma em dinheiro que jamais conseguiria
ganhar trabalhando em qualquer outra área profissional disponível a
ela. O resultado subsequente é a doença, a degradação e a morte, mas
estas coisas ela não consegue ver.

A profissão de prostituta é a única ocupação onde a renda máxima é


paga ao aprendiz mais novo. É a uma chamada que exige um único
esforço, o comodismo; todos os prêmios estão no começo. Trata-se de
uma nova personificação da velha fábula da venda da alma para o
Diabo. O tentador oferece riqueza, conforto, excitação, mas em troca
a vítima tem que vender sua alma, e isso é exato em seus mínimos
detalhes. Porém, a natureza humana é míope. Meninas tontas, premidas
diante da indústria da incompatibilidade, vêem continuamente essa
brilhante isca diante deles. Dizem-lhes que «se fizerem o que as
outras fazem», e tiverem sorte, receberão mais dinheiro em uma noite
do que em uma semana inteira costurando; e tomam esse passo sem
perceber que se trata, em muitos casos, de um caminho sem volta, que
irá influenciar o futuro de suas vidas, por que então elas trocam
todo o futuro de suas vidas pela torpe chance de obter um ano de
vantagens doentias?

A crueza do castigo é inquestionável. Se a premiação é alta no


começo, no fim a penalidade é terrível. E esta penalidade é
igualmente aplicada àqueles que deliberadamente disseram, «Mal, seja
tu meu Bem», e para aqueles que morderam a isca, caíram na cilada, e
foram capturados pela vida da morte em vida. Quando você vê uma
menina na rua você nunca consegue dizer nada sem primeiro inquirir
se ela seria alguma daquelas mais rejeitadas ou mais desprezíveis de
seu sexo. Muitas delas acreditam que estão nessa condição por serem
dispostas e confiantes, uma confiança nascida da inocência que
freqüentemente não desconfia do gigolô e do sedutor. Outras são
nada mais que vítimas inocentes do crime, como se tivessem sido
apunhaladas ou mutiladas pelo punhal do assassino. Os registros de
nossas Casas de Resgate estão cheios desses relatos de vida, como
nas cartas abaixo -- que provam de uma forma definitiva a existência
de numerosas vítimas inocentes cuja entrada nesta vida sinistra de
nenhuma maneira pode ser atribuída a qualquer ato voluntário. Muitas
são órfãs ou filhas de mães depravadas, cuja única idéia de filha é
ganhar dinheiro vendendo-a como prostituta. Aqui vão alguns casos em
nossos registros: --

E. C., 18 anos, filha de um soldado, nasceu no mar. Seu pai morreu,


e sua mãe, uma mulher completamente depravada, ajudou bancar a
prostituição da filha.

P. S., 20 anos, filha ilegítima. Certa vez foi consultar um médico


sobre alguma doença. O médico aproveitou-se do título e tirou
vantagem de sua paciente, e quando ela reclamou, ele lhe deu #4 como
compensação. Ela gastou o dinheiro, perdeu a reputação, e tornou-se
prostituta. Nós procuramos pelo médico, e ele fugiu.

E. A., 17 anos, tornou-se órfã muito cedo, e foi adotada pelo


padrinho, que abusou dela quando tinha 10 anos.
Uma adolescente vivia com sua mãe em «Dusthole», a região baixa de
Woolwich. Esta mulher a forçou prostituir-se nas ruas, e viveu da
prostituição de sua filha até o momento em que foi presa. A mãe foi
todo o tempo a receptora dos ganhos.

33
E., órfã de pai e mãe, ficou sob a tutela da avó, desde pequena.
Casou-se com um soldado; mas pouco antes que nascesse seu primeiro
filho descobriu que fora enganada, o soldado tinha esposa e família
em outra parte do país, acabou abandonada sem amigos e sozinha. Ela
pediu ajuda em Workhouse onde ficou por algumas semanas, depois
tentou arrumar um emprego honesto. Não conseguiu trabalho, e à beira
da fome, passou a freqüentar uma hospedaria em Westminster, «fazendo
como as outras meninas». Foi ali que um de nossos tenentes a
encontrou e persuadiu-a sair dali e entrar em uma de nossas Casas
onde ela deu logo provas abundantes de sua conversão por uma vida
completamente mudada. Ela agora trabalha como empregada na família
de um sapateiro.

Uma menina foi abandonada na porta de um hospital da cidade depois


de uma doença. Órfã, sem-teto, sem amigos, e obrigada a trabalhar
para viver. Caminhando pelas ruas e sem saber o que fazer dali prá
frente, ela conheceu uma menina, que logo ganhou sua confiança.

«Foi abandonada doente, não tem onde ir, não é?» disse sua nova
amiga. «Bem, venha comigo até minha casa; minha mãe vai acolher
você, e iremos trabalhar juntas, quando você estiver com saúde.»
A menina consentiu alegremente, mas foi conduzida para a zona do
meretrício de Woolwich e introduzida em um bordel; não havia nenhuma
mãe nesta história. Ela fora enganada. Impotente para resistir,
começou a protestar, mas era tarde demais para poder salvar-se, foi
forçada a perder sua reputação e entrou em desespero, e permaneceu
vivendo a vida de sua falsa amiga.

É totalmente desnecessário detalhar os artifícios que homens e


mulheres, cujo sustento depende inteiramente de seu sucesso em
desarmar as suspeitas de suas vítimas para conduzi-las rumo a
destruição, usam para superar a relutância da menina jovem sem pais,
sem amigos, sem ninguém que lhe ajude a enfrentar sua labuta. A
fraude não necessita de muitos esforços para conseguir seu intento;
e uma menina cujo único erro foi a imprudência, acaba vendo a si
mesma como proscrita da vida. A própria inocência de uma menina atua
contra ela. Uma mulher mundana, uma vez atraída, usa de toda sua
consciência para desvencilhar-se das situações em que se mete. Uma
menina perfeitamente virtuosa está muitas vezes tão alheia e
distante da vergonha e do horror que estas coisas sugerem que não
esboçam qualquer reação para enfrentá-las. Ela aceita sua destruição
sem esboçar qualquer reação, e percorre a passos largos o longo e
tortuoso caminho «das ruas» rumo à sepultura.

«Não julgue para que não sejas julgado», é uma declaração que se
aplica adequadamente a todas estas desafortunadas. Muitas delas
teriam escapado desse terrível destino se fossem menos inocentes.
Elas estão onde estão porque se abstiveram de calcular todas as
conseqüências de seus atos, sem suspeitar nem um pouco do perigo que
corriam. E outras estão lá por causa da falsa educação que confunde
ignorância com virtude, que lança nossos jovens no meio de uma
grande cidade, com todas suas excitações e todas suas tentações, sem
qualquer preparo ou advertência como se eles fossem viver no Jardim
do Éden.

Qualquer que seja o erro cometido, acabam pagando um preço terrível.


Enquanto que o homem que causou a ruína delas passa como membro
respeitável de sociedade, casando-se com virtuosas donzelas -- e se
for rico -- com as filhas delas. Elas são esmagadas sob as rodas da
excomunhão social. Leia este relatório de nossas Casas de Resgate
sobre a vida atual destas desafortunadas.

Os cem casos seguintes foram retirados de nosso Registro de Resgate.


Os relatos foram feitos pelas próprias meninas. Eles são certamente
francas, e deve-se destacar que apenas dois por cento alegam ter
saído da pobreza: --

34
CAUSA DA RUINA
Bebida 14
Sedução 33
Livre Escolha 24
Má Companhia 27
Pobreza 2

Total 100

SITUAÇÃO EM QUE FORAM ENCONTRADAS


Aos trapos 25
Famintas 27
Bem vestidas 48

Total 100

Vinte e três destas meninas tinham passagem pela polícia. O


sofrimento destas meninas é tal que a brevidade de suas vidas
miseráveis é a única característica redentora. Se olharmos para a
miséria de suas vidas; para sua perpétua intoxicação; para a
crueldade a que são submetidas pelos seus gigolôs, amantes ou
tiranos; o desânimo, sofrimento e desespero induzidos por estas
circunstâncias e ambientes; o estado de profunda desgraça,
degradação e pobreza em que elas eventualmente caem; ou a forma
feroz com que são tratadas quando adoecem, a condição de não ter
amigos, a solidão na morte, devemos admitir que é difícil imaginar
coisas mais sinistras para o destino de um ser humano. Vamos
analisar cada uma destas coisas.

SAÚDE. -- Esta vida induz loucura, reumatismo, tuberculose, e todas


as formas de sífilis. Reumatismo e gota são os males mais comuns.
Algumas estavam bem estropiadas por ambas -- embora fossem jovens. A
tuberculose se alastra como erva daninha. Esta vida é uma cama
quente para o desenvolvimento de qualquer mal adquirido e
hereditário [N.T. no original constitutional and hereditary germs].
Encontramos meninas à meia-noite no Piccadilly com hemorragia
crônica, sem qualquer outra alternativa de vida, e mesmo assim
lutando desta maneira terrível.

BEBIDA.--Esta é uma parte inevitável do negócio. Todas confessam que


elas nunca conseguiriam conduzir suas vidas miseráveis se não fosse
por sua influência.

Uma menina de nível universitário e que tinha uma casa com todo
conforto, mas que caiu em ruína descendo às profundezas de Woolwich
«Dusthole», exclamou indignada para nós -- «você acha mesmo que eu
poderia fazer isso sem beber? Eu sempre tenho que estar alcoolizada
se eu quiser pecar». Nenhuma menina jamais entrou em nossas Casas
sem estar em maior ou menor grau viciada em bebida.

TRATAMENTO CRUEL. -- A devoção destas mulheres para com seus tiranos


é tão notável quanto a brutalidade dessa tirania é abominável.
Provavelmente a causa primária da queda de inúmeras meninas da
classe mais baixa, é a grande aspiração delas à dignidade da
condição de esposa; -- elas nunca são «alguém» até que elas estejam
casadas, e se unirão a qualquer criatura, não importa quão
humilhante isso for, na esperança de estar no final das contas

35
casadas com ele. Essa devoção, além de sua condição de desamparo
pela perda da reputação, faz com que elas sofram crueldades que
jamais suportariam se viessem dos inúmeros homens com quem levam a
vida.

Uma ilustração disso é o caso de uma menina que trabalhava como


empregada doméstica. Ela foi arruinada, e a vergonha fez com que
saísse da casa. Durante algum tempo ela vagueou por Woolwich onde
encontrou um homem que a persuadiu viver com ele, e por um espaço
considerável de tempo ela o manteve, embora ele a tratasse com uma
brutalidade extrema.

A menina que mora no quarto ao lado dela freqüentemente ouvia ele


bater a cabeça dela contra a parede quando ficava nervoso, e a
espancar quando ela trazia menos dinheiro da prostituição do que o
habitual. Ele descarregava nela todo tipo de crueldade e abuso, as
sevícias aumentaram ainda mais sua miséria, e os maltratos eram tão
terríveis que perdeu seu atrativo. Diante disto ele ficou furioso,
penhorou todas as roupas dela, deixando-a aos trapos. Uma semana
antes dela sair dali ele a moeu de pancada com chutes e pauladas da
cabeça aos pés, ela foi levada para a delegacia de polícia em carne
viva; mas ela era tão leal ao infeliz que recusou depor contra ele.
Ela estava mergulhada em desespero quando nossos Oficiais de Resgate
falaram com ela, envolveram seus ombros trêmulos com uma manta,
tiraram ela dali e cuidaram dela. Ela estava grávida. O bebê nasceu
morto -- uma massa minúscula, informe. Estas coisas são bem comuns.

DESÂNIMO. -- O contínuo estado de desânimo e de desespero em que


estas meninas vivem, faz com que elas fiquem bastante desatentas às
conseqüências de seus atos, e um grande número delas se suicidam
embora nunca se ouça falar. Um policial de West End nos assegurou
que o número de prostitutas suicidas era terrivelmente maior do que
as pessoas possam imaginar.

NO FUNDO DO POÇO. -- Há um tipo de garotas que se encontra em uma


situação ainda mais precária do que a das meninas de Woolwich
«Dusthole» -- onde uma de nossas Casas de Resgate da Favela está
estabelecida. As mulheres que vivem e tocam seu terrível negócio nos
arredores estão em tal estado de degradação que até os mendigos
recusam freqüentar suas casas. Os soldados do exército são proibidos
de entrar no local, ou percorrer suas ruas, a pena é de vinte e
cinco dias de prisão; há placas de aviso bem visíveis nos arredores.
As ruas são bem mais limpas que muitos dos quartos que percorremos.
Às vezes uma taberna é fechada mais de três ou quatro vezes por dia
por medo de perder a licença por causa de rixas terríveis que ocorrem
em seu interior. Um policial nunca sai a noite sozinho por aquelas
ruas -- um deles morreu há pouco tempo por ter sido ferido ali --
mas nossas duas moças percorrem incólumes e tranqüilas a qualquer
hora, passando a noite nas ruas.

As meninas chegam ao fundo do poço «Dusthole» após descer vários


graus. Há registros de uma moça que chegou ali muito bem vestida, a
última vez que a pobre menina foi vista pelos oficiais foi na
enfermaria de um asilo em uma condição miserável. A mais baixa
classe de todas são aquelas meninas que dormem nas ruas e chegam ao
extremo de literalmente vender seu corpo por um pedaço de pão seco.
Sujeira e piolhos abundam de tal forma que pessoas que nunca viram
isso jamais terão qualquer idéia. O «Dusthole» é apenas um desses
muitos distritos nesta terra altamente civilizada.

DOENÇA, SOLIDÃO, MORTE. -- Sabe-se que estas meninas não são


tratadas nos hospitais da mesma forma que os demais pacientes; são
tratadas com aversão, e freqüentemente são mandadas embora antes de
estarem realmente curadas. Desprezadas devido a suas relações, tem
vergonha de serem reconhecidas até mesmo por aqueles que as
ajudariam, incapazes de lutar fora das ruas comem o pão da vergonha,
há meninas nesta cidade grande literalmente apodrecendo nas sarjetas
e nos becos escuros, mantidas pelas velhas companheiras das ruas.

36
Muitas delas são totalmente sem amigos, totalmente rejeitadas, que
morrem à mingua, abandonadas pelos parentes e amigos. Uma destas
veio até nós, adoeceu e morreu, e nós a enterramos, fomos os únicos
presentes em seu enterro.

É uma história triste, mas uma história que não deve ser esquecida,
porque estas mulheres constituem um exército de um número tão vasto
que ninguém pode calcular. Todos os cálculos que possuo parecem
puramente imaginários. A estatística oficial aponta entre 60.000 a
80.000. Este número talvez fosse verdadeiro se aplicado a todas as
mulheres habitualmente lascivas. Seria um monstruoso exagero aplicar
esse número àquelas que ganham dinheiro única e habitualmente
prostituindo-se. Porém, estas estatísticas apenas confundem. Teremos
que lidar com centenas todos os meses, seja qual for a estimativa
adotada. O completo despreparo desta sociedade para qualquer reforma
sistemática pode ser visto no fato de que no momento nossas Casas
não dão conta de alojar todas as meninas que precisam de nosso
auxilio. Elas não tem escapatória, mesmo que queiram, se não houver
fundos por meio dos quais possam prover um modo de liberação.

CAPÍTULO 7. OS CRIMINOSOS.

Uma seção muito importante dos habitantes da Tenebrosa


Inglaterra é a dos criminosos e semi-criminosos. Eles são mais
predatórios, no momento são vigiados pela polícia e castigados pelos
carcereiros. O número deles não pode ser averiguado com muito grande
precisão, mas as estatísticas seguintes foram tomadas dos relatórios
prisionais de 1889: --

A classe criminosa da Grã Bretanha é composta por pelo menos 90.000


pessoas, como segue: --

Condenados presos................................ 11.660 pessoas


Prisões locais.............. ... ... ... ... ... 20.883 ,,
Reformatórios para crianças condenadas ........... 1.270 ,,
Escola Industrial para crianças infratoras ...... 21.413 ,,
Manicômio Judiciário ................................910 ,,
Ladrões em liberdade ............................ 14.747
Receptadores ......................................1.121 ,,
Suspeitos ......................... ..............17.042 ,,
-------
Total
.................................... ........... 89.046
-------
A estatística acima não inclui o grande exército de prostitutas, os
guardiães e donos de bordéis, e outros tipos de prostíbulos, sobre
os quais o Governo silencia. Porém, este quadro é falho. Na verdade,
ele representa apenas os criminosos presos em um determinado dia. A
população de presos comuns na Inglaterra e Gales, com exceção
daqueles que estão nas penitenciárias, era em 1889 de 15.119, mas o
número total de fato de condenados e presos em prisões locais chega
a 153.000, dos quais 25.000 são sentenciados em primeira instância;
76.300 deles foram condenados pelo menos 10 vezes. Mas mesmo
estimando os números da classe criminosa em não mais que 90.000, dos
quais apenas 35.000 estão livres, ainda assim é uma seção da
humanidade suficientemente grande para merecer nossa atenção. Estes
90.000 criminosos representam um desastre cujo custo à comunidade é
subestimado quando calculamos o custo das prisões, principalmente se
acrescentamos a ele o custo integral da polícia. A polícia já tem
muitos deveres e a tarefa adicional de vigiar criminosos acaba
sobrecarregando os custos totais da polícia distrital. O custo da
custódia e manutenção de criminosos, mais as despesas comuns da
polícia envolve um desembolso anual de #4.437.000. Isto, porém, é

37
pouco comparado com o imposto e o pedágio que esta horda predatória
inflige na comunidade em que vivem. A perda causada pelos atuais
furtos e roubos deve ser somada à da improdutividade de quase 65.000
adultos. Os dependentes destes adultos criminosos deve ser pelo
menos o dobro pelas suas muitas mulheres e crianças, de forma que
trata-se provavelmente de uma sub-estimativa dizer que o número de
criminosos e semi-criminosos é de apenas 200.000 pessoas, as quais,
em sua totalidade, vivem mais ou menos as custas da sociedade.

A cada ano, apenas no distrito metropolitano, das aproximadamente


66.100 pessoas que são presas, cerca de 444 delas estão atrás das
grades por tentativa de suicídio -- gente cuja vida tornou-se um
fardo insuportável para elas mesmas. A prisão, para parte desta
imensa população, significa uma universidade do crime. A existência
de criminosos reincidentes de forma alguma se limita à Índia, embora
seja aquele o único país onde estas pessoas descrevem com franqueza
sua atividade nos relatórios do censo. Constantemente são recrutados
do exterior. Em muitos casos são recrutados pela fome. Os pais da
Igreja colocaram na lei que um homem que esteja em perigo de morte
por fome está autorizado a pegar alimento onde quer que possa
encontrá-lo para manter unidos corpo e alma. Tal proposição não faz
parte de nossa jurisprudência. O desespero absoluto conduz ao seio
da classe criminosa muitos homens que jamais entrariam na categoria
de condenados criminosos se houvesse uma provisão adequada para o
salvamento daqueles que tendem à ruína. Uma vez caído, as
circunstâncias parecem combinar para mantê-lo lá. Assim como os
veados feridos e doentios são chifrados até a morte pelos seus
companheiros, o infeliz que recebe a pecha de ex-prisioneiro é
caçado de seca a Meca, até que ele desiste de tentar recuperar seu
prestígio, e passa o resto de seus dias oscilando entre uma prisão e
outra. Descreverei a seguir o exemplo de um homem que, depois de
tentar em vão arrumar emprego, caiu na tentação de roubar para
escapar da fome. Esse ato criou uma seqüela na história daquele
homem. Após o roubo ele fugiu, e assim descreve suas experiências:

«Escapar foi fácil. Afastar-se da cena requereu muito pouca


habilidade, mas escapar da agonia de ser pego trouxe-me outra. Um
olhar direto por parte de um estranho; um passo rápido atrás de mim,
provocou-me um frio na espinha. A dor da fome foi resolvida, mas a
dor de consciência tornou-se agora clamorosa. Foi fácil escapar das
conseqüências terrestres de sua transgressão, mas da transgressão em
si -- nunca. Foi a compulsão das circunstâncias que me tornou um
criminoso. Não se tratava aqui de vício de caráter ou escolha
deliberada, e quão triste é a sociedade que não se envergonha de
oferecer a alternativa -- 'Roubo ou Fome', aos seus membros. Mas
havia outra alternativa diante de mim -- parar por ali ou seguir em
frente na vida do crime. Eu escolhi a anterior. Eu viajei mais de
100 milhas para ficar bem longe da cena do crime, livrar-me da
prisão, e curtir da melhor maneira os dias de minha juventude.

«Quantas vezes em minha mocidade, com olhos curiosos, e coração


embalado pela empatia da infância, eu vi pobres desamparados de
tempos em tempos entrando no mundo do crime. Chegara minha vez. Eu
me senti culpado, e para livrar-me dessa culpa tomei uma decisão, ou
seja, resolvi confessar meu delito. Ninguém acreditou na história
que contei. Pergunta após pergunta, vinha a mesma resposta. 'Por que
você resolveu confessar?' 'você é um tolo'. 'Maluco'. 'Mais que
tolo, que patife'. 'Você vai sentir muito quando subir na roda'
[N.T. no original wheel, provavelmente um instrumento de tortura
utilizado nas delegacias]. Estas e outras observações semelhantes
eram dirigidas a mim. Uma hora depois um inspetor entra e anuncia o
recebimento de um telegrama. 'É isso mesmo. O relato confere.' E
virando-se para mim, ele disse, 'você será chamado na
segunda-feira', e então fui colocado sob custódia, em uma cela. A
porta fechou rangendo em tom severo, para deixar-me em frente do
acusador mais clamoroso de todos -- meu próprio eu interior'
«Segunda-feira pela manhã, a porta abriu, e um detetive complacente
surgiu diante de mim. É inenarrável o que senti quando as algemas

38
foram trancadas ao redor de meus pulsos, e fui conduzido até a
cidade. Com a denúncia confirmada, passei mais uma noite na cela. Ao
romper da manhã fui despertado por um rude e ríspido 'Venha' do
carcereiro, e em seguida deparei-me no furgão da prisão,
contemplando as fendas do piso e vendo pedras voarem sob meus pés.

«Logo que cheguei ao tribunal fui conduzido a uma enorme cela


abarrotada de homens e meninos aguardando o momento de sentar no
banco dos réus. Uma a uma daquelas pessoas foram sendo chamadas até
que tomei um susto ao ouvir meu próprio nome, foi então que
deparei-me tropeçando nos degraus, e depois, sentado no banco dos
réus. Que provação terrível foi tudo aquilo. A cerimônia foi breve;
'Tem algo a dizer?' 'não interrompa Sua Excelência prisioneiro! Cale
a boca!' 'Um mês de trabalho forçado'. Foi tudo o que eu ouvi, ou de
qualquer maneira percebi, até que um vigoroso empurrão lançou-me
diante do oficial que registrou a sentença, e então fui encarcerado.
É desnecessário estender-me narrando as formalidades da recepção. O
tempo que passei no interior do estabelecimento correcional
pareceu-me o fim de um pesadelo.

«Renunciei meu nome, foi como se tivesse morrido para mim mesmo.
Dali prá frente minha identidade seria 332B.

«Por todas as semanas seguintes parecia que eu estava sonhando.


Tinha hora de comer, hora de descansar, hora para tudo, que o
relógio marcava com precisão. Às vezes eu achava que minha mente
tinha sumido, ela estava por demais sombria, insensível, cansada,
para poder funcionar dentro de minha cabeça. As ordens severas dos
guardas; a monotonia do capelão na capela; as investigações
periódicas do carcereiro chefe ou do diretor -- tudo parecia sem
sentido.

«Na medida em que o dia de minha libertação se aproximava, fui


assombrado pela horrenda convicção de que as circunstâncias poderiam
provocar meu regresso à prisão, passei a pressentir as perspectivas
que me aguardavam do lado de fora, mas meus receios aparentemente
foram abrandados por minha insensibilidade. No dia de minha
libertação, por mais estranho que possa parecer, tive pesar em
deixar minha cela. Tornara-se meu lar, e nenhum lar me aguardava do
lado de fora.

«Senti-me completamente esmagado; fui envolvido pelo companheirismo


de meus desafortunados camaradas prisioneiros que eu via
diariamente, não ouviria mais o som daquelas vozes, do lado de fora
aquelas amizades estariam mortas, e o companheirismo rompido para
sempre, e eu me senti como que banido da sociedade, com a marca de
'pássaro de gaiola' em meu ser, tendo que cobrir minha face e ouvir
o clamor 'sujo.' Esses eram meus sentimentos.

«A manhã da soltura chegou, e eu estou mais uma vez nas ruas. Antes
de dois dias já estarão esgotados os meios que disponho para cobrir
minhas necessidades. Suportaria eu outro trabalho honesto? Começaria
tudo de novo? Realmente, eu tentei. Tentei também esquecer o
passado, apagar essa passagem escura de minha vida, mas logo vinha
aquela pergunta cada vez que procurava por emprego, 'O que tem feito
ultimamente?' 'Onde você vive?' Se me esquivasse dessa pergunta
causaria dúvida; se respondesse, a única resposta possível seria 'na
prisão', e isso anularia minhas chances.

«Tudo isso, no final das contas, parecia uma comédia. Eu me lembro


das últimas palavras do capelão quando saí da prisão, frio e preciso
em seu ofício, ele me disse: 'Nunca mais volte para cá, lembre-se
disso, rapaz'. E agora, com relação a meu sério esforço para evitar
voltar para a prisão, a sociedade, por suas ações, proclama, 'Volte
para a prisão. Há muitos homens honestos por aí querendo trabalhar
conosco, não precisamos de você.' Imagine, se puder, minha condição.

«Após alguns dias, um profundo desespero obscurece todas as

39
faculdades da mente e do corpo. Vários dias e várias noites se
passam, a comida torna-se cada vez mais escassa, encontrar um lugar
para dormir torna-se cada vez mais difícil. Eu perambulo pelas ruas
como um cão, mas com uma diferença, o cão tem alguma chance de
receber ajuda, eu não. Eu tentei prever quanto tempo duraria até que
os dedos da fome estrangulassem minha garganta. Nada mais importa
para mim, nem homens, nem Deus. Espero apenas pelo meu fim».

Foi nesse medonho extremo que o narrador acima encontrou um dos


nossos Abrigos, e lá encontrou Deus, amigos e ânimo, e mais uma vez
colocou seus pés na escada que o resgatou para fora do abismo
lúgubre da fome para a competência e o caráter, a utilidade e o céu.
Como ele há centenas -- talvez milhares – neste exato momento. Quem
dará a estes homens alguma ajuda? O que fazer com eles? Não seria
mais misericordioso exterminá-los de uma vez por todas em vez de
duramente esmagar o que ainda resta neles de honestidade e de
humanidade? A Sociedade coloca-os entre a cruz e a espada. Os
virtuosos escrúpulos dessa Sociedade me fazem lembrar o subterfúgio
que os legisladores ingleses usaram para abolir o veto à tortura. A
tortura foi proibida, mas o costume de interrogar uma obstinada
testemunha pressionando-a lentamente até deixá-la à beira da morte
nunca deixou de ser praticado. E assim é até hoje. Quando o
criminoso sai da prisão o mundo inteiro torna-se muitas vezes um
mero rolo compressor que aos poucos, cruelmente, o esmaga. A vítima
não consegue escapar mesmo abrindo a boca e falando.

CAPÍTULO 8. AS CRIANÇAS PERDIDAS

Há quem duvide da possibilidade de fazer qualquer coisa com os


adultos, mas todos concordam que é possível fazer algo pelas
crianças. «Eu considero perdida a presente geração», disse um famoso
estadista liberal. «Nada pode ser feito com homens e mulheres que
cresceram sob as perversas condições atuais. Mas as crianças podem
ter alguma chance, minha única esperança repousa nelas. A educação
fará muito por elas». Mas infelizmente a situação perversa atual em
que as crianças vivem não está mudando para melhor -- na realidade,
em muitos aspectos, está piorando. A deterioração de nossa população
nas grandes cidades é um dos fatos mais inquestionáveis da economia
social. O país é o local de procriação de cidadãos saudáveis. Mas
afluem constantemente do interior para as áreas periféricas das
grandes cidades [N.T. no original cockneydom, referindo-se aos
habitantes dos bairros pobres de Londres] para morrer de fome.
Infelizmente o interior do país está sendo despovoado. As cidades,
Londres especialmente, estão sendo saturadas por massas de
camponeses, e, como resultado, as crianças sofrem gravemente.

Os filhos dos proletários estão em situação mil vezes pior que a dos
seus primos nas áreas rurais do país. Enquanto a cada ano aumenta a
quantidade de crianças pobres nas cidades, a quantidade de seus
primos diminui na área rural. Para criar crianças saudáveis, a
primeira coisa mais importante é casa; a segunda leite; a terceira
ar fresco; e a quarta é brincar sob o verde das árvores e do azul do
céu. Coisas que os filhos dos camponeses possuem, ou usualmente
usufruem. A lúgubre vida dos centros urbanos agora se alastra em
direção ao campo, e até mesmo no mais remoto distrito rural, ao
camponês que cuida do gado, é negado freqüentemente o leite que seus
filhos precisam. A demanda regular das grandes cidades barra as
reivindicações do camponês. Chá, cerveja, sopas, caldos, tomam o
lugar do leite, solapando desde o berço a massa óssea e muscular da
próxima geração. Mas mesmo que a criança rural fique total ou quase
totalmente privada de leite desnatado, resta ainda muita caminhada
ao ar fresco. Ela tem relações humanas saudáveis com seus vizinhos.
Ela preserva costumes oriundos do contato com a vida bucólica, o

40
vigário, e a fazenda. Ela vive uma vida natural entre pássaros,
árvores, as colheitas e os animais dos campos. Ela não é uma mera
formiguinha humana, rastejando nos pavimentos de granito de um
grande formigueiro urbano, com um sistema nervoso desenvolvido de
forma artificial e uma constituição doentia.

Mas, alguém dirá, as crianças hoje em dia tem a inestimável vantagem


da Educação. Não; elas não tem. As crianças não são educadas. Elas
são moldadas por «padrões» que forçam uma certa familiaridade com o
alfabeto, garranchos e números, elas não são educadas no sentido do
desenvolvimento de suas capacidades latentes, que os capacitará
desempenhar seus deveres na vida. Os jovens são capazes de ler, sem
dúvida. Caso contrário, quem compraria «Sixteen String Jack», «Dick
Turpin», e daí por diante? Vamos considerar as meninas. Quem pode
fingir que as meninas que estão saindo agora das nossas escolas
atingiram pelo menos a metade da educação para a vida que as avós
delas tiveram na mesma idade? Quantas de todas estas futuras mães
sabem como assar um pão ou lavar as roupas delas? Com exceção de
cuidar de um bebê -- uma tarefa da qual não podem esquivar-se -- que
treinamento doméstico receberam elas para qualificá-las enquanto
mães de futuros bebês?

E quanto aos efeitos colaterais da educação, tal qual a recebemos,


quanto prejuízo tem trazido! O chorume do monturo humano é despejado
na sala de aula e misturado com nossos filhos. Seus filhos, que
nunca ouviram uma obscenidade e que são não apenas inocentes, mas
ignorantes de todos os horrores do vício e da iniquidade, sentam
durante horas lado a lado com pequenos cujos pais estão
habitualmente bêbados, e brincam com outros cujas idéias grotescas
são granjeadas do espetáculo familiar do deboche noturno onde suas
mães vão buscar o pão da família. É bom, sem dúvida, aprender o ABC,
mas não é assim tão bom se para adquirir estes rudimentos
indispensáveis, seus filhos tenham que aprender também o vocabulário
da meretriz e do menino da esquina. Eu só falo do que eu sei, e do
que foi trazido até mim na forma de repetidas queixas por meus
Oficiais, não há qualquer exagero quando eu digo que o palavreado
usado por muitas das crianças de algumas de nossas escolas públicas
fariam corar de vergonha até mesmo os habitantes de Sodoma e
Gomorra. A inocência infantil é muito bonita; mas essa flor é logo
destruída, e é uma surpresa cruel quando uma mãe descobre que aquele
menino ternamente criado por ela, ou a filha cuidadosamente guardada
por ela, já foram iniciados por um companheiro nos abomináveis
mistérios que se escondem na expressão -- casa de má fama.

O lar é amplamente destruído quando a mãe acompanha o pai à fábrica,


e quando as horas de trabalho são tão longas que eles não têm nem
tempo para ver seus filhos. Vamos tomar por exemplo os motoristas de
ônibus de Londres. Quanto tempo dispõem para cumprir diariamente seu
dever de pais para com seus filhos pequenos? Como esperar que um
homem que permanece dentro de um ônibus de quatorze a dezesseis
horas por dia tenha tempo para ser o pai -- em qualquer sentido da
palavra -- de seus filhos? Ele não tem qualquer oportunidade de
vê-los, exceto quando já estão dormindo. Até mesmo o Sabat, uma
instituição sagrada que é uma das grandes âncoras da existência
humana, foi usurpado. Muitas das novas indústrias que foram
iniciadas ou desenvolvidas desde que eu era menino, ignoram a
necessidade que o homem tem de um dia de descanso na semana. A
estrada de ferro, o correio, o bonde, todos compelem seus empregados
a se contentar com menos que o mínimo divinamente designado para o
lazer. Nas zonas rurais os pais vêem seus filhos apenas após o
escurecer. Nas cidades o gás e a luz elétrica permitem ao empregador
roubar às crianças a totalidade das horas de vigília de seus pais, e
em alguns casos também de suas mães. Sob algumas das condições da
indústria moderna, as crianças não nascem mais em um lar, elas são
desovadas no mundo como peixes, e as conseqüências estão à vista.

O declínio do afeto natural resulta inevitavelmente do fato da


relação piscosa substituir a relação humana. Um pai que nunca pega

41
uma criança no colo não pode ter um sentido muito agudo das
responsabilidades da paternidade. Na pressa e na pressão de nossa
vida urbana competitiva, milhares de homens não têm tempo para
exercer seu papel de pais. Procriadores, sim; pais, não. Serão
necessários muitos professores para compensar essa mudança. Mesmo no
caso dessas crianças serem constantemente ocupadas, é previsível o
tipo de vida que elas possuirão nas ruas, no tráfico, no roubo, e no
meretrício. E o que dizer de todas essas pessoas que tem filhos mas
que não tem nem mesmo casa para criá-los? Todos os pássaros em todos
os bosques ou campos preparam algum tipo de ninho onde chocam e
criam seus filhotes, nem que seja um buraco na areia ou algumas
varas cruzadas no arbusto. Mas quantos bebês no meio de nossa gente
são chocados antes que qualquer ninho esteja pronto para recebê-los?

Pense nas multidões de crianças nascidas em nossos asilos [N.T. no


original workhouses (séc. XVII e XVIII) abrigavam pessoas muito
pobres em troca de trabalhos desagradáveis e árduos], crianças das
quais pode ser dito que «foram concebidas no pecado e formados na
iniqüidade», e, como um castigo dos pecados dos pais, marcados desde
o nascimento como bastardos, piores que órfãos, sem-teto, e sem
amigos, «malditos em um mundo mau», principalmente quando até mesmo
aqueles que tiveram todas as vantagens de uma boa ascendência e que
foram cuidadosamente preparados encontram muitas dificuldades para
abrir caminho. Às vezes, é verdade, o amor apaixonado da mãe
solitária para com seu bebê, que foi o símbolo visível e o resultado
terrível de sua ruína, coloca-se entre ele e todos seus inimigos.

Mas pense com que freqüência a mãe considera o advento de seu bebê
com repugnância e horror; como a descoberta de que ela está a ponto
de se tornar uma mãe a afeta como um pesadelo; e como nada mais que
o medo da corda do carrasco a impede de estrangular o bebê na mesma
hora de seu nascimento. Que chances têm tal criança? Há muitos casos
assim.

Em um certo país que eu não nomearei existe um sistema


cientificamente organizado de infanticídio disfarçado sob vestes
filantrópicas. Em suas principais cidades existem estabelecimentos
gigantescos que abrigam crianças abandonadas pelos pais, todo o
conforto e progresso da ciência é provido para crianças abandonadas,
resultando em que metade delas morrem. As mães são poupadas do
crime. O Estado assume a responsabilidade.

Fazemos algo assim por aqui, mas nossos asilos de enjeitados são a
rua, as casas de correção, e a sepultura. Quando um Juiz inglês nos
fala, como Mr. Justice Wills fez outro dia, que havia um bom número
de pais dispostos a matar seus filhos por algumas libras em dinheiro
de seguro, nós podemos fazer alguma idéia dos horrores da existência
a que muitas das crianças desse país altamente favorecido são
conduzidas desde seu nascimento.

As casas superpovoadas de pobres compelem as crianças a testemunhar


tudo. A moralidade sexual freqüentemente não tem nenhum significado
para eles. O incesto é tão familiar como os comentários em torno
dele. A amarga pobreza do proletariado o compele a deixar suas
crianças mal alimentadas. Há poucos quadros mais grotescos na
história da civilização do que o da freqüência compulsória das
crianças na escola, que desfalecem famintas porque não tomaram
nenhum café da manhã, que não sabem se conseguirão um pedaço de pão
seco no jantar, mas que tem seu quantum matinal de educação
devidamente fornecido. Considerando a forma como essas crianças
vivem, sem comida, sem moradia, sem oportunidade para crescer e se
desenvolver o melhor podem, sem pais, sem mães, a educação não é
exatamente, como você pode pensar, o material mais promissor para a
fabricação de futuros cidadãos e monarcas do Império.

Em que, então, se baseia a esperança? Se deixarmos as coisas como


estão a nova geração será melhor que as anteriores? A mim parece que
a verdade é exatamente o oposto. A criminalidade de nossos rapazes,

42
a licenciosidade de nossas meninas, a inabilidade geral da produção
caseira diante do produto das fábricas e escolas estão longe de nos
tranqüilizar. Nossos jovens nunca aprenderão a obedecer. As gangues
briguentas de adolescentes em Lisson Grove, e os bandos de
malfeitores de Manchester, são sintomas feios de uma condição social
que não melhorará se as coisas continuarem como estão.

É a casa que foi destruída, e com a casa ruíram também as virtudes


familiares. É a multidão de sem-teto, nômades, famintos, que está
criando uma população indisciplinada, amaldiçoada de nascença com
fraqueza hereditária no corpo e falta hereditária no caráter. É
perda de tempo esperar resolver essas questões pegando as crianças e
atulhando-as em quartéis. Freqüentemente, uma criança conduzida a
uma instituição torna-se apenas meio-humana, sem ter nunca conhecido
o amor da mãe e o cuidado do pai.

Para homens e mulheres sem-teto, filhos devem ser mais ou menos um


fardo. O advento deles é considerado com impaciência, e
freqüentemente desviados para o crime. O indesejável bebê é mal
cuidado, mal alimentado, com toda chance para morrer. Se nada de
útil for feito para que ele aumente suas chances de viver, ele
jamais reconstituirá sua Casa.

Entre nós e tal ideal, quão vasto é o abismo! Mas para superá-lo,
alguma coisa prática tem que ser feita.

CAPÍTULO 9. NÃO HÁ NENHUMA AJUDA?

Àqueles que me acompanharam até aqui afirmo que se é verdade que há


muitos desempregados, não é menos verdade que muitos deles dormem no
Aterro e em outros lugares. A lei proveu um remédio, se não um
remédio, pelo menos um método, uma forma de lidar com estes
sofredores, e que o Secretário da Organização de Assistência Social
acha que funciona, pelo menos foi o que ele assegurou a um de meus
Oficiais que pediu a opinião dele sobre o tema: «Nenhum mecanismo
adicional é necessário. Todas as providencias necessárias já foram
tomadas e estão funcionando satisfatoriamente, criar qualquer
mecanismo adicional traria mais dano que bem».

Agora, quais são esses mecanismos pelos quais a Sociedade, através


dos organismos do Estado ou através da iniciativa individual, tenta
lidar com esses desterrados? Eu pretendia dedicar um considerável
espaço descrevendo essas iniciativas oficiais, e comentar alguns
detalhes que impressionaram violentamente minha mente sobre seu
fracasso e a causa desse fracasso. Porém, a necessidade de
subordinar tudo ao propósito supremo deste livro -- mostrar quanta
luz pode ser lançada no coração da Tenebrosa Inglaterra -- me
compele abordar este aspecto da questão de uma forma rápida,
limitando-me apenas a algumas iniciativas bem intencionadas mas que
mais ou menos fracassaram na tentativa de combater este grande e
apavorante mal.

A prioridade deve ser dada naturalmente à administração da Lei do


Pobre [N.T. no original Poor Law]. Do ponto de vista legal, o Estado
aceita a responsabilidade de prover alimento e abrigo para todo
homem, mulher, ou criança que estiver totalmente destituído. Porém,
esta responsabilidade, na prática, torna-se inviável, senão
impossível, pela imposição de condições odiosas e repulsivas àqueles
que necessitam de auxílio. No que tange aos métodos que a Lei do
Pobre aplica nos ocupantes de asilos ou nos serviços de assistência
social ao ar livre, eu não digo nada. Ambos levantam grandes
questões que fogem ao meu propósito imediato. Contento-me em indicar

43
os limites sob os quais, necessariamente, opera a Lei do Pobre.
Nenhum inglês que possua algo está livre da possibilidade de ver
seus bens confiscados. Quando um longo e contínuo processo de
empobrecimento segue até o fim seu curso macabro. Quando peça por
peça todos os artigos da mobília doméstica é vendida ou penhorada.
Quando todos os esforços para obter emprego falham. E quando você
não tem mais nada exceto a roupa do corpo, então você está
habilitado a dirigir-se até o órgão público para solicitar uma vaga
no abrigo, gerido de acordo com os infinitas regulamentações das
Câmaras Tutelares [N.T. no original Board of Guardians].

Porém, se você não chegou ainda a este grau de desespero, se você


não está disposto a trocar sua liberdade por comida, roupa, e
refúgio, no Abrigo [N.T. no original Workhouse], se é apenas um
desempregado em busca de trabalho, então você tem que ir para o
Albergue. Lá você é alojado, baseado no princípio de que sua estadia
seja tão desagradável quanto possível para que você nunca mais pense em
voltar àquele lugar novamente -- e, naturalmente, por questões
econômicas [N.T. no original good deal], como dizem os Economistas
Políticos. Mas o que parece totalmente indefensável é a excessiva
precaução tomada que torna impossível ao desempregado albergado retomar
ao abrigo após passar o dia inteiro a procura de emprego. De acordo com
os regulamentos existentes, se você é compelido a buscar refúgio na
segunda-feira a noite no Albergue, você é obrigado a lá permanecer pelo
menos até quarta-feira pela manhã.

Teoricamente o sistema consiste em que os indivíduos pobres e


ocasionalmente desempregados, sem recursos e sem abrigo, possam
receber abrigo durante a noite, ceia e café da manhã. Em troca
disto, executarão um trabalho por tarefa [N.T. no original task of
work. Trabalho manual, cujo pagamento depende de uma taxa
padronizada de produção. O trabalhador que não alcança o padrão pode
ser demitido ou seu salário pode ser reduzido], não necessariamente
em reembolso ao auxílio recebido, mas simplesmente como um teste à
sua disposição de viver às próprias custas. O tipo de trabalho
fornecido é igual ao determinado a criminosos presos, recolher
resíduos e britar pedras. [N.T. no original oakum-picking e
stone-breaking]

O trabalho, também, é excessivo comparado ao que é recebido. Quatro


libras de oakum é uma grande tarefa para um perito ou para quem tem
prática. Um iniciante só consegue realiza-lo com muita dificuldade,
muitas vezes não consegue fazer nada. Pedem bem mais do que é
exigido dos criminosos presos.

O teste da brita é monstruoso. Exigir que um homem quebre meia


tonelada de pedra para poder matar parcialmente sua fome é uma
afronta tal que, diante do que ocorre na Rússia ou Sibéria, traria
fúria aquela multidão no Exeter Hall, e transformaria os ocupantes
do Hyde Park em uma congregação religiosa. Mas pelo fato deste
sistema existir bem debaixo de nossos narizes, pouco ligamos para
isso. Estas tarefas são exigidas de todos que chegam, famintos,
doentes, sem-teto, mendigos descalços e alquebrados, e se não se
submetem a isso, a alternativa é a delegacia de polícia e a prisão.

O antigo sistema era tão ruim que exigia o pagamento de uma libra de
oakum. Após a tarefa ter sido realizada, que geralmente os mantinha
trabalhando até a metade do dia seguinte, era impossível sair em
busca de trabalho, e eles eram obrigados a passar mais uma noite no
local. Porém, a Câmara de Governo Local interferiu, e deram ordens
para que o albergado ficasse sob custódia o dia inteiro e por duas
noites, a quantia de trabalho exigida dele seria quatro vezes maior.
Sob o atual sistema, então, o castigo por buscar abrigar-se das ruas
é um dia inteiro e duas noites, com uma tarefa quase impossível que,
se não for feita, a vítima está sujeita a ser arrastada até um
magistrado e lançado em uma cela como um velhaco e vagabundo,
enquanto que no Albergue é submetido a um tratamento semelhante ao
de um criminoso. Eles dormem em uma cela com privada após terminarem

44
o trabalho, e recebem durante a noite uma libra de sopa de aveia e
oito onças de pão, e no outro dia pela manhã o mesmo no café da
manhã, com meia libra de oakum e pedras para se ocupar durante todo
o dia.

As camas são principalmente do tipo ripas de madeira, as cobertas


escassas, e o conforto nulo. É importante lembrar que este é o
tratamento a que é submetido o pobre albergado, que passa por um
momento difícil, andando de um lado para outro a procura de trabalho.

O tratamento das mulheres é como segue: Cada albergada tem que


permanecer no Albergue duas noites e um dia, nesse tempo elas
escolhem entre recolher 2 lb. de oakum e a tina de lavar roupa. Se
trabalham lavando roupa podem lavar suas próprias roupas, caso
contrário não. Se vistas mais de uma vez no mesmo Albergue, elas são
detidas por três dias, toda vez que forem vistas, por ordem do
inspetor, ou se dormirem duas vezes no mesmo mês o mestre da
custódia tem poder para as deter por três dias. Há quatro inspetores
que visitam vários Albergues; e cada vez que a albergada for vista
em algum albergue visitado anteriormente ela será detida por três
dias.

O inspetor, sempre do sexo masculino, visita as custódias de


surpresa a qualquer hora, visitando até mesmo enquanto as mulheres
estão na cama. Em algumas custódias, as camas são compostas por
palha e dois tapetes, em outras por fibra de coco e dois tapetes. As
albergadas acordam às 5.45 da manhã e vão para a cama 7 da noite. Se
elas não terminarem de escolher o oakum delas antes das 7 da noite,
eles ficam até terminar. Se uma albergada não chega à custódia antes
de meia noite e meia, ela fica um dia a mais. A forma como isso
funciona, porém, pode ser entendida melhor pelas declarações
seguintes, feitas por aqueles que estiveram em Albergues, e que
podem, então, falar da experiência de como o sistema afeta o
indivíduo: --

J. C. conhece muito bem os Albergues. Esteve em St. Giles,


Whitechapel, St. George, Paddington, Marylebone, Mile End. Elas
variam um pouco nos detalhes, mas normalmente abrem as portas às 6
da manhã; você entra; eles lhe contam o que deve fazer e que se você
não faz, será preso. Então você toma banho. Em alguns lugares a água
é suja. Três pessoas devem tomar banho na mesma água. Em Whitechapel
(estive lá três vezes) a água sempre estava suja; o mesmo em St.
George. Nunca pude tomar banho em Mile End; estavam sempre com falta
de água. Se você reclama eles não levam em consideração. Então você
enrola suas roupas em uma trouxa, e eles lhe dão um camisão. Na
maioria dos lugares eles servem sopa aos homens, que têm que ir para
cama e comê-la lá. Algumas camas estão em pequenos cubículos;
algumas em quartos grandes. Você chega às 6 da manhã e faz a tarefa.
A quantia de brita é bem grande; e a colheita de oakum também é
pesada. A comida varia. Em St. Giles, a sopa de aveia servida
durante a noite é requentada para o café da manhã, e é
consequentemente azeda; o pão é inchado, esburacado, e não pesa a
quantia do regulamento. O jantar contém apenas 8 onças de pão e 1 e
1/2 onça de queijo, quão tão pouca comida, como qualquer pessoa pode
fazer o trabalho dele? Eles lhe darão água para beber desde que você
toque a campainha da sela pedindo, isso é, eles lhe dirão que
espere, e a trazem meia hora depois. Há um bom número de
«aproveitadores» que vão para os Albergues, mas há um grande número
de homens que só querem trabalho.

J.D.; idade 25; Londrino; não consegue arrumar emprego, tentou de


tudo; foi recusado várias vezes por não ter nenhuma residência fixa;
desconfiam de mim por ser «sem-teto». Parece ser uma pessoa
decente, de boa índole.

Tomou o equivalente a dois centavos de sopa esta manhã, foi tudo o


que comeu durante todo o dia. Ganhou 1s. e 6d. ontem, distribuindo
correspondências, não ganhou nada no dia anterior. Hospedou-se

45
muitas vezes nos Albergues de Londres. Não gosta nada delas, porque
elas o prendem o dia todo, impedindo-o de procurar trabalho.

Não quer abrigo durante o dia, quer trabalhar. Se permanece duas


vezes dentro do mesmo Albergue e no mesmo mês, fica detido por
quatro dias. Considera a comida definitivamente insuficiente para
executar a quantia exigida de trabalho. Se o trabalho não é feito em
tempo, você passa 21 dias na cadeia. É mal tratado em alguns
lugares, especialmente onde há um superintendente tirano. Passou 21
dias preso por recusar trabalhar por comida tão escassa e
inadequada. Não pode apelar para a justiça, o juiz sempre fica do
lado do superintendente.

J. S.; biscateiro. Quando tem serviço trabalha como carregador.


Recebe cerca de 1s. 2d. por dia. Entregou um par de pacotes ontem,
ganhou 5d. por isso; também ganhou um pouco de pão e carne que um
trabalhador lhe deu, teve bastante sorte nesse dia. Às vezes passa o
dia todo sem comer, como muitos. Dorme no Aterro, e de vez em quando
no Albergue. Da última vez estava bem limpa e confortável, mas é
obrigado a ficar lá o dia todo; isso significa nenhuma chance de
arrumar emprego. Já fui balconista, mas perdi o emprego, e não pude
arrumar outro; há muitos balconistas.

Um Mendigo diz: «Eu passei pela maioria dos Albergues de Londres;


semana passada fiquei no da Macklin Street, em Drury Lane. Eles o
mantêm duas noites e um dia, e mais tempo se eles o reconhecem. Você
tem que quebrar 10 cwt. de pedra, ou pegar quatro libras de oakum.
Ambos são duros. A cada noite aproximadamente trinta vão para
Macklin Street. A comida é uma porção de sopa de aveia e 6 onças de
pão no café da manhã; 8 onças pão e 1 e 1/2 onças de queijo no
jantar; chá puro como quebra jejum. Nada na janta. Não é suficiente
para fazer o trabalho. Então lhe obrigam tomar banho, naturalmente;
às vezes três tomam banho na mesma água, e se você reclama que eles
se tornam odientos, e perguntam se você veio de algum palácio. Já
passei pela Mitcham Workhouse; a bóia é boa; uma porção e meia de
sopa de aveia e 8 onças de pão no café da manhã, o mesmo na janta».

F.K. W.; padeiro. Foi carregador hoje, ganhou um xelim, trabalhou


das 9 da manhã às 5 da tarde. Está na rua há seis anos. Trabalhava
em uma padaria, mas teve derrame, e não pode ficar em local muito
quente. Passou por todos os Albergues da Inglaterra. Eles tratam as
pessoas de uma maneira bem cruel. O trabalho também é pesado demais.
E inadequado. Fraco demais para poder fazer qualquer trabalho,
procurou o Sindicato de Peckham (conhecido como Camberwell), que
apelou para o juiz, o qual, como sempre, ficou do lado dos
funcionários. Diante do juiz, disse-lhe que ele não compreendia seu
trabalho; resultado, ficou três dias na prisão. Passou sete noites
sucessivas no Aterro antes de procurar qualquer Albergue.

O resultado da política deliberada de tornar o pernoite do


trabalhador desempregado tão desagradável quanto possível, e de
fazer o máximo para impedi-lo de procurar trabalho no dia seguinte,
busca, sem dúvida, minimizar o número de albergados, e tem sucesso
nessa empreitada. Em toda Londres o número de albergados nas
custódias durante a noite é de apenas 1.136. Quer dizer, as
condições que são impostas são tão severas, que a maioria dos
sem-trabalho prefere dormir ao ar livre sob o inclemente e instável
clima inglês, do que passar pela experiência do Albergue.

Parece-me que aqueles que vivem em meio à constante angústia não


apenas conhecem obstáculos como procuram evitá-los. É óbvio que um
aparato que provê pernoite para apenas 1.136 pessoas não pode
absolutamente lidar com o grande número de sem-teto e sem-trabalho.

Mesmo se por algum milagre pudéssemos usar os Albergues como meio de


prover abrigo para todos aqueles que diariamente procuram trabalho,
resgatando-os das sarjetas e do chão do Aterro, isso não provocaria
absolutamente qualquer efeito apreciável na massa da miséria humana

46
com a qual temos que lidar. Por isto; a instituição dos Albergues é
mecânica, superficial, e formal. Cada albergado significa para o
Chefe do Albergue um mero albergado e nada mais. Nunca houve
qualquer tentativa de prover mais do que o meramente indispensável
para a existência. Nunca houve qualquer tentativa de tratá-los como
seres humanos, de lidar com eles como indivíduos, de atrair seus
corações, de ajudá-los a caminhar pelas suas próprias pernas,
novamente. São tratados como números, são pensados e cuidados como
grãos de café que serão moídos pela máquina; como resultado líquido
de toda minha experiência e observação de homens e de coisas, eu
afirmo sem qualquer hesitação que qualquer coisa que desumaniza o
indivíduo, qualquer coisa que trata um homem como se ele fosse um
número de uma série de números, ou um dente de engrenagem de uma
roda, sem qualquer consideração para o caráter, as aspirações, as
tentações, e as idiossincrasias do homem, têm que falhar totalmente
enquanto agência terapêutica. O Albergue, na melhor das hipóteses,
não passa de um lugar imundo e miserável desenhado para o albergado
que desce rumo ao fundo do poço. Se alguma coisa precisa ser feita
em benefício desses homens, precisa ser feita por agentes diferentes
desses que prevalecem na administração da Leis dos Pobres.

O segundo método pelo qual a sociedade se empenha em fazer seu dever


às massas proscritas da Sociedade é pelos esforços diversos e
heterogêneos que se unem sob a égide da Caridade. Longe de mim dizer
qualquer palavra depreciativa contra qualquer esforço incitado pelo
desejo sincero de aliviar a miséria desse nosso povo, mas os mais
caridosos são aqueles que mais lamentam o fracasso absoluto que tem,
até agora, frustrado todos seus esforços em fazer mais do que adiar
o sofrimento por um curto período de tempo, ou efetuar uma melhoria
ocasional na condição do indivíduo.

Há muitas instituições, de certa forma excelentes, sem as quais é


difícil imaginar como a sociedade poderia avançar, mas mesmo quando
elas fazem o melhor que podem ainda assim permanece esta grande e
apavorante massa de miséria humana em nossas mãos, um perfeito
pântano de Merda Humana. Eles podem tirar com uma concha um
indivíduo aqui e outro ali, mas escoar o pântano inteiro é um
esforço que parece estar além da imaginação da maioria daqueles que
dedicam suas vidas ao trabalho filantrópico. É indubitavelmente
melhor do que nada pegar o indivíduo e alimentá-lo dia após dia,
colocar bandagem em cima das feridas dele e curar suas doenças; mas
você fará isso para sempre, se você não fizer mais que isso; e o
pior disto é que todas as autoridades concordam que se você apenas
faz aquilo que deseja provavelmente aumentará o mal com o qual está
tentando lidar, e que fará muito melhor se não interferir.

No momento, não há nenhuma tentativa de uma Ação Combinada. Cada um


trata imediatamente do caso que julga prioritário, e o resultado não
poderia ser outro; há uma grande despesa, mas os ganhos são, ai!
muito pequenos. Porém, o fato de haver tantos recursos direcionados
ao alívio temporário e ao mero consolo da angústia justifica minha
confiança de que se descobríssemos um Esquema Prático compreensivo
de lidar com a miséria de um modo permanente, inclusivo e
transparente, não haveria nenhuma falta de fundos para conseguir as
armas necessárias e os suprimentos dessa guerra. Às vezes é bom, sem
dúvida, administrar um anestésico, mas a Cura do Paciente vale
muitíssimo mais, e essa cura é o objeto que constantemente temos que
fixar diante de nós ao abordar este problema.

O terceiro método pelo qual a Sociedade professa tentar a


recuperação do perdido é pela rude cirurgia, o método cruel da
prisão. Apenas sobre este tema poder-se-ia escrever todo um tratado,
mas ao cabo não seria outra coisa senão uma demonstração de que, em
termos práticos, nosso sistema prisional perdeu seu propósito, e
que, em sua totalidade, o sistema penal perdeu sua essência
primordial. O sistema prisional não é Corretivo, não funciona como
se pretendesse corrigir. É punitivo, e apenas punitivo. O sistema
[N.T. no original administration] precisa ser integralmente

47
reformado desde o topo para ajustar-se ao seu princípio fundamental,
ou seja, se todo prisioneiro deve sujeitar-se a essa forma de
castigo é para enfatizar devidamente o significado de seu crime
tanto para ele como para a sociedade, o objetivo principal deveria
ser despertar em sua mente o desejo de proceder uma vida honesta; e
efetuar uma mudança em sua disposição e caráter que transforme seu
desejo em sua prática. No momento, toda Prisão é, em maior ou menor
grau, uma Escola de Treinamento para Crime, uma porta de entrada
para a sociedade do crime, a petrificação de qualquer indício de
sentimento humano, uma verdadeira Bastilha do Desespero. A marca da
prisão é ferreteada naqueles que entram, e tão profundamente, que
parece um estigma para toda a vida. Ser preso, em muitos casos,
significa um breve e quase certo retorno. Tudo isso tem que ser
mudado, e será, quando o processo de Reforma Prisional cair nas mãos
de homens que entendam do assunto, que acreditam na mudança da
natureza humana por mais depravada que ela possa ser, e que tenham uma
completa simpatia com aquela classe em cujo benefício trabalham; e
quando as pessoas diretamente responsáveis pelo cuidado de criminosos
busquem desenvolver, com o mesmo espírito, a regeneração daquela gente.

A questão da Reforma Prisional é de suma importância porque é apenas


mediante a Prisão que a Sociedade tenta lidar com a questão social
[N.T. no original: hopeless cases]. Se uma mulher, tomada por uma
furiosa vergonha, atira-se no rio, e é resgatada viva, nós a
trancafiamos na Prisão por tentativa de suicídio. Se um homem,
desesperado por trabalho e alquebrado pela fome, suplica por comida,
nós o trancafiamos na Prisão por vadiagem. A rude e ligeira cirurgia
com que lidamos com nossos pacientes sociais recorda o método
simples dos médicos primitivos. A tradição ainda prevalece na velha
geração de médicos que prescrevem a sangria para todo tipo de
doença, e entre guardiães de manicômios cuja única idéia de auxiliar
um demente é submeter o corpo a uma camisa-de-força. A ciência
moderna ri com desprezo destes «remédios» simples de uma era pouco
científica, e declara que eles eram, na maioria dos casos, os meios
mais eficazes de agravar a doença que pretendem curar. Mas no que
tange aos males sociais estamos ainda na idade da sangria e da
camisa-de-força. A prisão é o remédio que prescrevemos para o
Desespero. Quando tudo o mais falha a Sociedade sempre trata de
alimentar, vestir, aquecer, e abrigar um homem, desde que ele cometa
um crime. E faz isso não enquanto ajuda temporária, mas enquanto
necessidade permanente.

A Sociedade diz ao indivíduo: «Deseja bóia e alojamento grátis?


Então cometa um crime. Mas se você fizer isso terá que pagar o
preço. Deve autorizar-me a arruinar seu caráter, e a condená-lo à
privação pelo resto de sua vida, um estado que pode ser alterado
apenas por ocasionais sucessos na criminalidade. Você estará aos
Cuidados do Estado, mas para isso é necessário que o sentenciemos a
um inferno temporal do qual nunca mais escapará, e no qual você
sempre será um ônus aos nossos recursos, uma fonte constante de
ansiedade, e um incômodo à sociedade [N.T. no original:
authorities]. Eu te alimento, pode ter certeza disso, mas em troca
você tem que deixar que eu acabe com você». Certamente esta não deve
ser a última palavra da Sociedade Civilizada.

«Claro que não», dirão outros. «A emigração é o verdadeiro remédio.


As terras incultas do mundo estão clamando em alta voz pelo uso da
mão-de-obra excedente. A emigração é a panacéia». Não faço nenhuma
objeção à emigração. Só um lunático criminoso poderia contestar
seriamente à transferência do favelado esfomeado de um barraco
superlotado -- onde não pode nem mesmo obter uma quantidade
suficiente de batatas podres para entorpecer a dor da fome que
lacera seu corpo, e onde é tentado a deixar seu filho morrer por
causa do dinheiro do seguro -- para uma terra que emana leite e mel,
onde possa comer carne três vezes por dia e onde a riqueza de um
homem são seus filhos. Mas da mesma forma que espera ver crescer e
prosperar uma criança nua recém-nascida deixada em meio aos viçosos
campos na primavera, espera também que a emigração produza

48
resultados prósperos na medida de algum sacrifício. A criança, sem
dúvida, tem dentro de si capacidades latentes que, pela ação dos
anos e do treinamento, lhe permitem colher o fruto da terra fértil,
quando o campo viçoso é forrado pelos grãos dourados de agosto. Mas
este prodígio não significa que a criança poderá aplacar sua fome no
solo gélido da fria primavera. O mesmo ocorre com a emigração. É
simplesmente criminoso levar uma multidão de mulheres e homens
desamparados, despreparados e sem dinheiro à orla de algum novo
continente. O resultado de tal procedimento pode ser visto nas
cidades americanas; na degradação de suas favelas, e no perverso
desespero de milhares que, em sua própria terra, carecem de uma vida
decente e industriosa.

Alguns meses atrás, em Paramatta, New South Wales, um jovem que


emigrara na perspectiva de tentar a sorte, acabou sem teto, sem
amigos, e sem dinheiro. Ele era balconista. Eles não precisavam de
mais balconistas em Paramatta. O comércio era sombrio, o emprego
escasso, até mesmo para mãos treinadas. Ele continuou buscando
trabalho, dia após dia, e não encontrou nenhum. Foi quando acabou
todo o dinheiro que possuía. Ele passou o dia todo sem comer; à
noite dormiu como pôde. Ao amanhecer entrou em pânico. Mais um dia
sem comida. Veio a noite. Não conseguiu dormir. Ele vagou agoniado.
Por fim, por volta da meia-noite, teve uma idéia. Pegou um tijolo,
caminhou deliberadamente até a janela de uma joalheria, e arrebentou
a vidraça. Ele não tentou roubar nada: Ele apenas estilhaçou a
vidraça para depois sentar-se na calçada em baixo da janela, e
esperar a chegada da polícia. Ele esperou algumas horas; até que
afinal a polícia chegou. Ele se entregou, e foi preso. «Agora pelo
menos terei o que comer», pensou. Ele tinha razão. Ele foi condenado
a um ano prisão, e desde então está preso. Toda manhã ele recebe
suas rações, e agora é protegido, vestido e cuidado às custas de
taxas e impostos. Ele está aos Cuidados do Estado, é portanto, um
condenado pela sociedade. A emigração, por si só, em vez de trazer a
cura, às vezes nos lança novamente atrás das grades.

Emigração, sem dúvida. Mas quem é você para emigrar? E estas meninas
que não sabem nem mesmo cozinhar? E estes rapazes que nunca
manejaram uma pá? E para onde pretende emigra-los? Ou pretende fazer
das Colônias um aterro sanitário de refugo humano? Lá os colonos
terão algo importante a dizer? Onde há colonos? Onde não há? Como é
que você irá alimentar, vestir, e ocupar seus emigrantes no ermo
despovoado? Emigração é, sem dúvida, fazer uma colônia, como se faz
pão. Mas se você empanturrar a barriga de alguém com trigo usando
uma bomba de compressão ele terá tamanha indigestão que, se sua
vítima não vomitar logo a massa indigerível, crua, de grãos não
mastigados, ele nunca mais vai precisar de outra refeição. Assim
ocorre com as novas colônias e com a mão-de-obra excedente de outros
países.

A Emigração não é em si mesma uma panacéia. E a Educação é? Em certo


sentido pode ser, se Educação significa o desenvolvimento no homem
de todas suas capacidades latentes para seu aperfeiçoamento, ela
pode curar tudo e qualquer coisa. Mas essa Educação a que os homens
se referem quando usam o termo, é mera instrução. Ninguém exceto um
tolo diria uma palavra contra o ensino escolar. Por todos os meios
deixe-nos ter nossas crianças educadas. Mas quando passamos pela
Escola-Giz-Quadro-Negro [N.T. no original: Board School Mill] temos
suficiente experiência para constatar que ela não desenvolve seres
renovados e regenerados, um advento esperado daqueles que passam o
Certificado de Formatura [N.T. no original: Educational Act]. Os
malfeitores [N.T. no original: «scuttlers»] que esfaqueiam pessoas
inofensivas em Lancashire, as gangues briguentas do Oeste de
Londres, pertencem à geração que desfrutou a vantagem da Educação
Compulsória. Educação do tipo aprendendo-pelos-livros, e
instrução-giz-quadro-negro [N.T. no original schooling] não
resolverão a dificuldade. Ela ajuda, sem dúvida. Mas em alguns
aspectos agrava a situação. A escola comum lotada de filhos de
ladrões, meretrizes e alcoólicos, que sentam lado a lado com nossas

49
crianças, freqüentemente não é, de forma alguma, um templo de todas
as virtudes. Às vezes é uma universidade de todos os vícios. A má
qualidade moral contamina a boa qualidade moral [N.T. no original
the bad infect the good], e seu garotinho e garotinha retornam da
escola fedendo má companhia, familiarizados com a obscenidade mais
torpe da favela. Outro grande mal é até que ponto nossa Educação
pretende abarrotar o mercado de trabalho com escriturários,
balconistas e caixas, e fomentar em nossos jovens a aversão pelo
trabalho físico [N.T. no original: sturdy labour]. Muitos dos casos
mais desesperadores em nossos Abrigos são homens de considerável
educação. Nossas escolas ajudam permitir que um homem faminto conte
a história dele em uma linguagem mais culta do que o pai dele
poderia ter empregado, mas não o alimentam, nem lhe ensinam onde e
como buscar alimento. Assim, longe de fazer isso, eles aumentam sua
tendência por vaguear por canais onde a comida é menos segura,
porque o emprego é incerto, e o mercado saturado.

«Tente o Sindicalismo», dizem alguns, e o conselho deles é


amplamente seguido. Há muitas e grandes vantagens no Sindicalismo. A
fábula dos galhos secos se encaixa perfeitamente [N.E. naturalmente
é mais difícil quebrar um feixe de galhos do que um galho isolado].

Uma imensa quantidade de trabalhadores se reúne em organizações


voluntárias, criadas e administradas por eles mesmos para a proteção
de seus próprios interesses, as melhores delas -- de uma forma ou de
outra -- visam não apenas seus próprios interesses, mas os
interesses de todos os outros setores da comunidade. Mas podemos
confiar nesta atividade enquanto meio de resolver os problemas que
enfrentamos? O Sindicalismo permaneceu invicto por toda uma geração.
Já faz vinte anos desde que liberou-se de todos os impedimentos
legais que o amarravam. Mas não incluiu a terra. Não organizou toda
mão-de-obra especializada. A mão-de-obra não especializada
permaneceu quase intacta. No Congresso de Liverpool apenas um milhão
e meio de trabalhadores foram representados. As mulheres foram quase
que completamente colocadas do lado de fora. Os Sindicatos
representam apenas uma fração das classes trabalhadoras, e são, pela
sua própria constituição, incapazes de lidar com aqueles que não
pertencem ao seu organismo. Que base pode haver, então, na esperança
de que o Sindicalismo resolva por si mesmo as dificuldades? Os
Sindicalistas mais experientes são os primeiros a admitir que
qualquer projeto que trate adequadamente os sem-trabalho e outros
dependurados nas saias deles -- que compõem o núcleo fundamental dos
fura-greves -- é estorvado de todas as maneiras e por toda parte por
essas mesmas pessoas, que seriam os maiores beneficiários do
Sindicalismo. O mesmo pode ser dito do Cooperativismo. Pessoalmente,
eu sou um forte adepto do Cooperativismo, mas deve ser um
Cooperativismo baseado no espírito da benevolência. Eu não vejo
qualquer possibilidade de ajuste pacífico das relações sociais e
econômicas entre as classes neste país, exceto pela substituição
gradual do atual sistema de salários por associações cooperativas
[N.T. no original: I don't see how any pacific re-adjustment of the
social and economic relations between classes in this country can be
effected except by the gradual substitution of cooperative
associations for the present wages system]. Como você verá nos
capítulos subseqüentes, longe de mim colocar qualquer coisa em
minhas propostas que milite de qualquer forma contra a completa
adoção da solução cooperativa dessa questão, eu olho a Cooperação
como um dos principais elementos de esperança no futuro. Mas não
estamos aqui para lidar com o futuro longínquo, mas com o presente
imediato, e para os males que enfrentamos agora, as atuais
organizações cooperativas não dão nem podem dar muita ajuda.

Outra coisa -- eu não gosto de chamar isso de remédio; é apenas um


nome, um mero arremedo de remédio -- que chama minha atenção ao
discutir a questão social é a Frugalidade. Sem dúvida a Frugalidade
é uma grande virtude. Mas de que forma a Frugalidade pode beneficiar
aqueles que não têm nada? O que significa o evangelho da Frugalidade
para um homem que não teve nada para comer ontem, e que hoje não tem

50
três pences para pagar um quarto para passar a noite? Passar um dia
de privações é bastante difícil, mas nem o mais bem sucedido
economista político de todos os tempos conseguiria economizar
qualquer coisa em cima disso. Eu admito sem hesitação que qualquer
Projeto que debilite o incentivo à Frugalidade é um Projeto ruim.

Mas é um engano imaginar que a desgraça social seja um incentivo a


Frugalidade. Ela opera menos onde sua força deveria ser maior
sentida. Seja qual for o Projeto que possamos inventar, é improvável
que ele diminua apreciavelmente a influencia restringente que leva
um homem a economizar. Mas é uma grande perda de tempo argumentar
tratar-se de uma desculpa para a inação. A Frugalidade é uma grande
virtude, o ato de inculcá-la constantemente deve ser mantido à vista
por todos aqueles que tentam «educar e salvar pessoas». Em si mesma,
não faz qualquer sentido específico para a salvação do proscrito e
do arruinado. Mesmo entre os pobres mais miseráveis, um homem
precisa ter algum objetivo e algum ânimo antes que resolva guardar
meio penny. «Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos», essa é a
filosofia daqueles que não tem qualquer esperança. Mesmo o campônio
esbanjador francês é resolutamente capaz de subordinar a tentação de
comer e beber às reivindicações superiores, como juntar um dote para
a filha, ou adquirir de um pouco mais de terra para o filho.

Quanto aos projetos daqueles que propõem trazer um novo céu e uma
nova terra pela distribuição mais científica de peças de ouro e
prata nos bolsos das calças do gênero humano, eu não preciso dizer
qualquer coisa aqui. Eles podem ser bons ou não. Eu não descarto
qualquer atalho para o Milênio que seja compatível com os Dez
Mandamentos. Simpatizo intensamente com as aspirações que dão origem
aos sonhos Socialistas. Seja o Imposto Único de Henry George nos
Valores de Terra, ou o Nacionalismo de Edward Bellamy, ou os
projetos mais elaborados dos Coletivistas, minha atitude para cada
um deles é a mesma. O que esta boa gente quer fazer, eu também quero
fazer. Mas eu sou um homem prático, na medida em que lido com a
realidade de hoje. Eu não tenho nenhuma teoria preconcebida, e me
lisonjeio de ser singularmente livre de preconceitos. Eu estou
pronto para ouvir qualquer um que mostre qualquer coisa boa. Eu
mantenho minha mente aberta a todos estes assuntos; e está bem
preparada para saudar com braços abertos qualquer Utopia que me seja
oferecida. Mas deve estar ao alcance de minha mão. Para mim é inútil
se estiver nas nuvens. Eu aceito alegremente os cheques do Banco do
Futuro desde que sejam dados de graça, mas não espere que eu os
aceite como moeda corrente, ou tente descontá-los no Banco da
Inglaterra.

Talvez nada fique permanentemente direito até que tudo seja virado
de cabeça para baixo. Há certamente tantas coisas que precisam ser
transformadas, começando pelo coração de cada homem e mulher
individualmente, que eu não discuto com nenhum Visionário quando, em
seu intenso desejo pela melhoria da condição do gênero humano, ele
coloca suas teorias sobre a necessidade de uma mudança radical, por
mais impraticáveis que elas possam parecer-me. Mas esta é a questão.

Aqui em nossos Abrigos ontem à noite havia mil famintos, gente


sem-trabalho. Quer saber o que fazer com eles? Aqui está John Jones,
um trabalhador robusto, corpulento, em trapos, que há um mês não
sabe o que é uma refeição decente, que procura por um trabalho que
lhe permita manter corpo e alma juntos, e procura em vão. Lá está
ele em seu faminto estado andrajoso, buscando um trabalho que lhe
permita viver, e não morrer completamente de fome no meio da cidade
mais rica no mundo. O que fazer com John Jones?

O individualista me fala que o livre exercício das Leis Naturais que


governam a luta pela existência resultará na Sobrevivência do Mais
Apto, e que no curso de algumas eras, mais ou menos, surgirá um tipo
muito mais nobre. Mas enquanto isso o que será de John Jones? O
Socialista me diz que a grande Revolução Social está despontando
magnífica no horizonte. Quando o bom tempo chegar, quando as

51
riquezas forem redistribuídas e a propriedade privada abolida, todos
os estômagos serão fartos e não haverá mais nenhum John Jones
impaciente implorando por uma oportunidade de emprego para não
morrer de fome. Pode ser assim, mas enquanto isso não ocorre, aqui
está o John Jones, mais impaciente do que nunca porque sua fome
aumenta, ele deseja saber se terá que esperar pela chegada da
Revolução para poder comer. Mas o que é que temos a ver com esse
John Jones? Esta é a questão. E para a solução dessa questão nenhum
dos Utópicos me proporciona muita ajuda. Em termos práticos estes
sonhadores estão entre aqueles que despejam condenação em cima dos
religiosos convencionais que se furtam de toda responsabilidade pelo
bem-estar dos pobres dizendo que no próximo mundo tudo estará bem.

Esta hipocrisia religiosa, que se liberta de todo incômodo do


sofrimento humano sacando títulos inegociáveis pagáveis no outro
lado da sepultura, é tão impraticável como o papo furado Socialista
que posterga toda alívio ao sofrimento humano para depois da virada
geral. Ambos buscam refúgio no Futuro para fugir de uma solução dos
problemas no Presente, e pouco importa aos sofredores se o Futuro
está deste ou do outro lado da sepultura. Ambos estão, para eles,
igualmente fora de alcance.

Quando o céu cair pegaremos cotovias. Sem dúvida. Mas o que fazer
enquanto isso não acontece?

É nesse meio tempo, enquanto isso não acontece -- que está o único
tempo no qual temos que trabalhar. É nesse meio tempo que as pessoas
devem ser alimentadas, que o trabalho da vida deve ser feito ou
desfeito para sempre. Nada que eu proponho neste livro, ou que eu
faça por meu Projeto, irá de forma alguma frustrar a chegada de
qualquer uma dessas Utopias. Eu deixo o infinito sem limites do
Futuro ao Utópicos. Eles podem construí-lo da forma que quiserem. No
que me diz respeito, é indispensável que tudo aquilo que eu faço
esteja baseado em fato existente, e proporcione uma intervenção
presente a uma necessidade atual.

Há apenas uma classe ou homens que têm motivos para se opor às


propostas que eu estou demonstrando. São aqueles, se é que existem,
que estão determinados a provocar de uma forma ou de outra uma
sangrenta e violenta destruição de todas as instituições existentes.
Eles se oporão ao Projeto, e agirão logicamente ao fazerem isso.
Pois a única esperança desses que são os artífices da Revolução é a
massa de inquietos descontentes e miseráveis que vivem no coração do
sistema social. Acreditam honestamente que as coisas têm que ficar
piores antes de melhorarem, eles constróem todas suas esperanças na
destruição geral, e eles se ressentem de qualquer tentativa de
redução da miséria humana como um adiamento indefinido da realização
dos seus sonhos.

O Exército da Revolução é recrutado pelos Soldados do Desespero.


Portanto, abaixo de qualquer Projeto que dê Esperança aos homens. Na
medida em que tem sucesso, reduz nossa base de recrutamento e
reforça as fileiras de nossos Inimigos. Tal oposição adicionará, e
será utilizada como o melhor de todos os tributos, valor ao nosso
trabalho. Aqueles que contam com a violência e a matança são muito
poucos para impedir-nos, e sua oposição apenas aumentará nosso
impulso. Eu espero e acredito que este Projeto no final das contas
será capaz de sobrepujar toda a dissensão, e alcançar, com a bênção
de Deus, aquela medida de sucesso que eu verdadeiramente anseio
obter.

PARTE 2. -- LIBERTAÇÃO.
CAPÍTULO 1. UM EMPREENDIMENTO FORMIDÁVEL.

52
Este é, pois, o resultado de nossa breve e ligeira pesquisa sobre a
Tenebrosa Inglaterra. Quanto àqueles que estiveram no coração
da floresta encantada onde vagam as tribos dos Perdidos pelo
desespero, sou o primeiro a admitir que de maneira alguma exagerei
em seus horrores, e a maioria afirmará que eu subestimei o número de
seus habitantes. Realmente, esforcei-me escrupulosamente em manter
minhas estimativas da amplitude do mal dentro do limite da
sobriedade. Em um empreendimento como esse que estou entrando, a
pior coisa que poderia me ocorrer seria a acusação de
sensacionalismo ou exagero. A maior parte dos dados em que me baseei
foram retirados diretamente das estatísticas oficiais fornecidas
pelos Relatórios Governamentais; quanto aos demais, posso dizer
apenas que se meus números forem comparados com os de qualquer outro
escritor neste assunto, dirão que minhas estimativas são as mais
baixas. Eu não estou preparado para defender a precisão exata de
meus cálculos, mas de uma coisa tenho a mais absoluta certeza, eles
constituem o mínimo. Para aqueles que acreditam que o número de
miseráveis é bem maior do que aquele que apresento, eu não tenho
nada a dizer, exceto uma coisa, se o mal é bem maior do que
descrevi, então dedique seus esforços na mesma proporção de sua
estimativa, e não menos. A questão que mais nos interessa agora não
é saber a amplitude da miséria, mas como ela pode ser reduzida ao
mínimo nos anos vindouros.

Essa densa e lúgubre selva de pauperismo, vício, e desespero é


herança de séculos e gerações passadas, cujas guerras, insurreições,
e problemas internos deixaram nossos avós ocupados demais para
dedicar atenção ao bem-estar daqueles 10 por cento que vivem na
penúria. Agora que vivemos em tempos mais afortunados, devemos
reconhecer que somos guardiães de nossos irmãos, e começar a
trabalhar, independente de distinções partidárias e diferenças
religiosas, para tornar nosso mundo um pouco mais parecido com um
lar para aqueles que chamamos de irmãos.

O problema, tenho que admitir, não é de modo algum simples; ninguém


pode me acusar de, nas páginas precedentes, apontar dificuldades
como hereditariedade, hábito, e meio ambiente, sem apontar sua
solução, mas mesmo que muitos cruzem seus braços em indiferença
egoísta, mesmo que digam que nada pode ser feito, sentenciando
milhões de perdidos a uma perdição irremediável neste mundo, sem
falar no próximo, o problema deve de algum modo ser resolvido. Mas
de que modo? Essa é a questão. Ele pode tender, talvez, para a
cristalização da opinião sobre este assunto se eu formular, tão
precisamente quanto posso, qual precisa ser o elemento essencial de
qualquer projeto plausível de obter sucesso.

SEÇÃO I. -- A ESSENCIA DO SUCESSO.


O elemento essencial que devemos ter em mente na administração de
qualquer Projeto em andamento é a necessidade de mudar o homem
quando seu caráter e conduta constitui as razões do seu fracasso na
batalha da vida. Nenhuma mudança nas circunstâncias, nenhuma
revolução nas condições sociais, pode possibilitar transformar a
natureza do homem. Alguns dos piores homens e mulheres no mundo,
cujos nomes são cronicados pela história com tremor e horror, foram
aqueles que tiveram todas as vantagens que a riqueza, educação e
posição podem conferir ou a ambição pode atingir.

O teste supremo de qualquer projeto em benefício da humanidade


repousa na resposta à questão: O que faz do indivíduo? Aumenta sua
consciência, amolece seu coração, ilumina sua mente, faz dele, em
suma, um homem mais verdadeiro porque apenas por tal influencia ele
pode ser capacitado a conduzir uma vida humana? Entre os habitantes
da Tenebrosa Inglaterra há muitos que foram parar lá por falha
de caráter, que mesmo sob as mais favoráveis circunstancias
relega-os sempre à mesma posição. Consequentemente, a menos que você
possa mudar o caráter deles seu esforço será em vão. Você pode
vestir o alcoólico, encher a bolsa dele de ouro, instalá-lo em uma

53
casa bem equipada, e em três, seis, ou doze meses ele estará mais
uma vez no Aterro, assombrado pelo delirium tremens, sujo,
esquálido, e roto. Consequentemente, em todos os casos onde o
próprio caráter e defeitos de um homem constituem as razões da queda
dele, tal caráter deve ser mudado e tal conduta alterada para que
qualquer resultado benéfico permanente seja atingido. Se ele for um
alcoólico, ele deve tornar-se sóbrio; se inativo, ele deve tornar-se
industrioso; se criminoso, ele deve tornar-se honesto; se impuro,
ele deve tornar-se limpo; e se ele está tão mergulhado no vício, e
por tanto tempo que perdeu toda a coragem, esperança, e poder para
ajudar a si mesmo, e absolutamente recusa mudar, ele deve ser
inspirado com ânimo e criar dentro dele a ambição de levantar; caso
contrário ele nunca sairá da horrível cova.

Segundo: O remédio, para ser eficaz, tem que mudar as circunstâncias


do indivíduo quando elas são a causa da condição miserável dele, e
estão fora de seu controle. Entre aqueles que chegaram à sua
presente má situação por falhas de índole ou alguma deformidade
moral de caráter, quantos deles seriam bem diferentes se fossem
colocados em um ambiente diverso? Charles Kingsley responde essa
questão de uma forma inesperada quando ele faz a viúva de Poacher
dizer, dirigindo-se ao Mau Escudeiro, que se retirou [sic]

«Nossas filhas, com bebês bastardos,


Perambulam em sua vergonha.
Mas se suas filhas tivessem dormido, Juiz, onde elas dormiram,
Suas filhas fariam o mesmo».

Colocados nas mesmas ou em semelhantes circunstâncias, quantos de


nós teria se mostrado melhor do que esta multidão de pobres,
proscritos, e prostrados?

Muitos desta multidão nunca tiveram uma chance de fazer melhor; eles
nasceram em uma atmosfera envenenada, educados em circunstâncias que
tornaram a moderação uma impossibilidade, e foram lançados na vida
em condições que tornam o vício uma segunda natureza.

Consequentemente, para prover um remédio efetivo para os males que


estamos lamentando, estas circunstâncias devem ser alteradas, e a
menos que meu Projeto efetue tal mudança, será inútil. Há
multidões, miríades, de homens e mulheres que estão tropeçando no
pântano horrível sob o fardo de uma carga muito pesada para eles
agüentar; afundam mais e mais a cada movimento; alguns até mesmo
deixaram de lutar, e submergem prostrados no pântano imundo,
sufocando lentamente, a dignidade feminina perece, o caráter
masculino falece. Esses pobres diabos jamais irão sair do maldito
lodo movediço do tremendo pântano em que se encontram se você não
fizer alguma coisa boa para eles, se você não lhes der outra chance
de andar por si mesmos, se você não ajudá-los encontrar uma posição
segura e firme que lhes permita erguer-se e ficar novamente em pé, e
você tem que construir um caminho de pedras pelo pântano para que
ele possa andar e alcançar a margem com segurança. Circunstâncias
favoráveis não mudarão o coração de um homem nem transformarão a
natureza dele, mas circunstâncias desfavoráveis podem tornar sua
fuga absolutamente impossível, não importa quão ansioso ele esteja
para sair dali. O primeiro passo para com estas criaturas
desamparadas, submersas, é inspirar neles o desejo de escapar, e
depois prover os meios para isso. Em outras palavras, dê ao homem
outra chance.

Em terceiro lugar: Qualquer remédio merecedor de consideração deve


estar em uma escala proporcional ao mal com que propõe lidar. É
inútil tentar esvaziar o oceano com um balde. Há males cujas
vítimas são contadas aos milhões. O exército dos Perdidos em nosso
meio tem mais gente do que aquela multidão que Xerxes trouxe da Ásia
para tentar a conquista da Grécia. Forme um desfile daqueles que
compõem os dez por cento que estão abaixo da linha da miséria [N.T.
no original: submerged tenth], acrescente os pobres que estão em

54
recinto fechado e ao ar livre, os sem-teto, os famintos, os
criminosos, os lunáticos, os alcoólicos, e as meretrizes -- e
aqueles que estão entrando em desespero! Mesmo que tentassemos
salvar um décimo destas hostes isso exigiria que puséssemos muito
mais força e ardor em nosso trabalho do que até aqui jamais qualquer
um fez. Não há nenhum remendo filantrópico, mesmo que este vasto
oceano de miséria humana coubesse nos limites de uma piscina.

Quarto: O Projeto deve ser não apenas suficientemente amplo, deve


ser também permanente. Quer dizer, não deve ser um mero esforço que
trate apenas com a miséria de hoje; deve ser estabelecido em uma
base permanente, que lide com a miséria de amanhã, depois de amanhã,
e daí por diante. Enquanto houver miséria no mundo ela deve ser
combatida.

Quinto: Mas enquanto deve ser permanente, também deve ser


imediatamente praticável. Qualquer Projeto, para ser útil, deve ser
capaz de entrar imediatamente em operação com resultados benéficos.

Sexto: As características indiretas do Projeto não devem produzir


qualquer dano às pessoas que buscamos beneficiar. Por exemplo, a
mera caridade ao mesmo tempo em que alivia a dor da fome,
desmoraliza o receptor; e qualquer remédio empregado, deve ser de
tal natureza que ao mesmo tempo que traz o bem não deve trazer nada
de negativo. É inútil gastar seis «pence» em benefício em um homem
se, ao mesmo tempo, lhe trazemos um «xelim» de dano.

Sete: Enquanto ajuda um grupo da comunidade, tal ação não deve


interferir seriamente com os interesses de outro grupo. Enquanto
elevamos uma parcela de arruinados, nós não devemos arriscar a
segurança daqueles que com dificuldade se mantem em seus
próprios pés.

Estas são as condições pelas quais eu lhe peço que teste o Projeto
que estou a ponto de desdobrar. Elas são bem temíveis,
possivelmente, para intimidar muitos de tentar até mesmo de fazer
qualquer coisa. Elas não são de minha invenção. Elas são óbvias a
qualquer um que preste atenção no assunto. Elas são as leis que
governam o trabalho do reformador filantrópico, da mesma maneira que
as leis da gravitação, do vento e do tempo, governam as operações do
engenheiro. É inútil declarar que poderíamos construir uma ponte
cruzando o Tay se o vento não soprasse, ou que poderíamos construir
uma estrada de ferro por um pântano se o pântano nos dispusesse de
uma fundação sólida. O engenheiro tem que levar em conta as
dificuldades, e faz delas seu ponto de partida. O vento soprará,
então a ponte deve ser feita forte o bastante para resistir a ele. A
areia é movediça; então temos que erigir uma fundação no coração do
pântano para em cima dela construir nossa estrada de ferro. O mesmo
ocorre com as dificuldades sociais que nos confrontam. Se agimos em
harmonia com estas leis nós triunfaremos; mas se nós as ignoramos
elas nos subjugarão com destruição e nos cobrirão com desgraça.

Mas, por mais difícil que a tarefa seja, não podemos negligenciar
nada. Quando Napoleão foi compelido a retirar-se sob circunstâncias
que tornaram impossível socorrer seus doentes e feridos, ele ordenou
aos seus médicos que envenenassem todos os homens no hospital. Esse
general preferia massacrar seus prisioneiros a deixá-los escapar. Os
Perdidos são os Prisioneiros da Sociedade; eles são os Doentes e
Feridos em nossos Hospitais. Que grito agudo surgiria do mundo
civilizado se fosse proposto administrar ao anoitecer a cada um
destes milhões uma dose de morfina para dormir e não despertar nunca
mais. Mas por mais que eles se preocupem, não seria muito menos
cruel dar cabo da vida deles do que permitir prolongar sua agonia
dia após dia, ano após ano, em miséria, angústia, e desespero,
comandados pelo vício e caçados pelo crime, até que finalmente a
doença os lance na sepultura?

55
Não alimento nenhuma ilusão sobre a possibilidade de inaugurar um
período da justiça, paz e felicidade [N.T. no original millenium]
pelo meu Esquema; mas os triunfos da ciência na reciclagem de
materiais tem sido tal, que eu não perco a esperança de que surja
também algo eficaz no sentido da reciclagem do homem. O lixo que era
uma droga e uma maldição para nossos fabricantes, quando tratado
pelas mãos do químico, foi o meio de nos prover uma quantidade de
tinturas que rivalizam em encanto e variedade com as cores do
arco-íris. Se a alquimia científica pode extrair cores bonitas do
refugo do carvão, o que dizer então da alquimia Divina no sentido de
habilitar-nos para extrair e desenvolver alegria e brilho a corações
agonizados e escuros, a vidas tristes, e sem amor de miríades de
condenados? Seria exagerado esperar que no mundo de Deus as crianças
de Deus sejam capazes de fazer algo, se elas resolvessem trabalhar
com vontade para levar a cabo um plano de campanha contra estes
grandes males que tornam nossa existência um pesadelo?

O remédio, possivelmente, é mais simples que alguns imaginam. A


chave para o enigma pode estar mais próxima de nossas mãos do que
imaginamos. Muitos dispositivos foram experimentados, e muitos
falharam, sem dúvida; e apenas a perseverança teimosa,
despreocupada, pode esperar ter sucesso; é bom que reconheçamos
isto. Quantas gerações fracassaram em suas tentativas de inventar a
pólvora? Eles misturaram salitre com carvão, carvão com enxofre,
salitre com enxofre, e mesmo assim não conseguiram fazer uma
combinação que explodisse. Foi necessário o transcurso de algumas
centenas de anos até a descoberta de que era necessário misturar os
três elementos. Antes disso, a pólvora era uma mera imaginação, uma
fantasia de alquimistas. Como é fácil fazer pólvora, agora que o
segredo de sua fabricação é conhecido!

Há uma ilustração mais simples, uma que permanece na memória de


alguns dos leitores dessas páginas. Desde o princípio do mundo até o
começo deste século, a humanidade não tinha descoberto, apesar de
todo seu esforço, uma forma de transporte fácil e barato, a
diferença milagrosa seria provocada por dois trilhos paralelos de
metal. Todos os grandes homens e os homens sábios do passado viveram
e morreram inconscientes desse fato. Os melhores mecânicos e
engenheiros da antigüidade, os homens que cruzaram todos os rios da
Europa, os arquitetos que construíram as catedrais que ainda são uma
maravilha do mundo, não discerniram o que parece a nós uma
proposição tão obviamente simples, que duas linhas paralelas de
trilhos diminuiriam o custo e dificuldade de transporte ao mínimo.
Sem tal descoberta a máquina a vapor, uma invenção bem recente, não
teria transformado a civilização.

O que temos que fazer na esfera filantrópica é encontrar algo


análogo às barras paralelas dos engenheiros. Acredito que fiz esta
descoberta, e consequentemente escrevi este livro.

SEÇÃO 2 -- MEU PROJETO


Qual é, então, meu Projeto? É muito simples, embora suas
ramificações e extensões abracem o mundo inteiro. Este livro é
apenas um esboço, tão claro e simples quanto pude fazer, das
características fundamentais de minhas propostas. Eu preferi dedicar
a parte principal deste livro à questão mais prática e urgente -- os
desempregados -- que constituem, consequentemente, os mais
destituídos. Eu tenho muitas idéias sobre o que fazer com aqueles
que estão no momento em alguma medida aos cuidados do Estado, mas
deixo isso para depois.

Não há qualquer urgência em explicar como o sistema da Lei do Pobre


poderia ser reformado, ou o que eu gostaria de fazer no âmbito dos
Manicômios ou das Penitenciárias. Deixemos essas pessoas sob os
cuidados do Estado, por enquanto, de lado. Os pobres em recinto
fechado, os condenados, os ocupantes dos manicômios, estão de certa
forma, sob cuidados. Mas, além deles, há algumas centenas de
milhares de pessoas que não estão alojadas em estabelecimentos do

56
Estado, mas que estão vivendo à beira de desespero, os quais a
qualquer momento, sob circunstâncias adversas, podem ser compelidos
a buscar auxílio ou apoio de uma forma ou de outra. Então, eu me
limitarei no presente àqueles que não têm nenhuma ajuda.

É possível, eu acho provável, que as propostas que agora apresento


terão sucesso em relação à população destituída, sem-teto, e
desamparada. Muitos daqueles que estão no presente momento em
circunstâncias um pouco melhores também exigirão participar dos
benefícios do Projeto. Mas nisto, também, eu permaneço calado. Eu
apenas destaco que temos, reconhecendo a importância da disciplina e
da organização; algo que pode ser chamado de cooperação
arregimentada, um princípio valioso para resolver muitos problemas
sociais. Estes planos no momento ainda estão sendo pensados do ponto
de vista de sua realização. Quando chegar o momento propício e
oportuno serão devidamente apresentados.

Qual é a forma externa e visível do Problema do Desempregado? Ai!


Estamos todos bem familiarizados com isto e é desnecessária qualquer
descrição prolongada. A questão social se apresenta diante de nós
toda vez que um homem faminto, sujo e roto bate à nossa porta
pedindo alimento ou trabalho. Essa é a questão social. O que é que
você tem a ver com aquele homem? Ele não tem nenhum dinheiro no
bolso, tudo aquilo que ele pode penhorar ele já penhorou há muito
tempo, o estômago dele está tão vazio quanto seu bolso, e todas as
roupas que possui, mesmo se vendidas nas melhores condições, não
valeriam um xelim. Lá está ele em pé, seu irmão, com seis pences de
trapos cobrindo sua nudez e sem seis pences de alimentos a seu
alcance. Ele procura por trabalho, coberto de trapos ele diz que tem
fome, você lhe dará algo, mas as mãos dele estão inativas pois
ninguém o emprega. O que é que você tem a ver com aquele homem? Este
é o grande sinal de interrogação que hoje confronta a Sociedade.

Não apenas na Inglaterra superpovoada, mas em países mais novos


além-mar onde a Sociedade não tem ainda meios pelos quais os homens
podem ser postos na terra e a terra trabalhada para alimentar os
homens. Lidar com este homem é lidar com o Problema do Desempregado.
Para lidar efetivamente com ele você tem que lidar imediatamente com
ele, você tem que prove-lo de um modo ou outro imediatamente com
comida, abrigo, e calor. Logo você tem que achar algo para ele fazer,
algo que testará seu real desejo de trabalhar. Este teste deve ser
mais ou menos temporário, e deve ser de tal natureza que o prepare
para o sustento permanente. Então, após treiná-lo, você terá que
provê-lo da possibilidade de começar a vida mais uma vez.

Eu proponho fazer todas estas coisas. Meu Projeto se divide em três


seções cada uma delas indispensável para o sucesso do todo.

No tripé dessa organização localiza-se o segredo aberto da solução


da Questão Social.

O Projeto que apresento consiste em formar pessoas em comunidades


auto-sustentadas de ajuda mútua, um tipo de sociedade cooperativa,
ou de família patriarcal, governada e disciplinada com base em
princípios de eficácia comprovada pelo Exército de Salvação.

A estas comunidades chamaremos de, por falta de um termo melhor,


Colônias. A saber:

(1) Colônia Urbana.


(2) Colônia Rural.
(3) Colônia Além-Mar.

A COLÔNIA URBANA.
Colônia Urbana significa o estabelecimento, bem no meio do oceano de
miséria do qual falamos, de várias Instituições funcionando como
Portos de Refúgio para todo e qualquer náufrago na vida, no

57
caráter, ou nas circunstâncias. Este Porto recolherá criaturas
destituídas pobres, proverá as necessidades urgentes imediatas
delas, fornecerá emprego temporário, inspirará nelas esperança para
o futuro, e de imediato dará início a um processo de regeneração
pela influência moral e religiosa.

Destes Institutos, descritos abaixo, e que logo serão muitos, sairão


pessoas habilitadas em direção a um emprego permanente, ou para a
casa de amigos que terão prazer em recebê-los ao saber da mudança
deles. Todos aqueles que passarem pelas nossas mãos, por variados
meios, serão testados em sua sinceridade, indústria, e honestidade,
se for o caso, serão enviados para a Colônia do segundo tipo.

A COLONIA RURAL.
A Colônia Rural seria estabelecida pela fixação de Colonos em uma
propriedade rural provinciana, onde obteriam apoio e trabalhariam no
cultivo. O constante e intenso fluxo de pessoas oriundas do Campo em
direção às Cidades tem provocado muita angústia. Uma parte
significativa de nosso remédio consiste na inversão desse fluxo, ou
seja, enviar estas mesmas pessoas de volta ao campo, e instalá-las
novamente no «Jardim» de onde vieram!

Lá o processo de reforma de caráter seria levado adiante pelos


mesmos métodos industriais, morais, e religiosos, já iniciados na
Cidade, incluindo especialmente profissionalização e conhecimentos
agrícolas que, se o Colono não conseguir obter emprego neste país,
estará qualificado para tentar a sorte em circunstâncias mais
favoráveis em alguma outra terra.

Oriundos da Fazenda ou da Cidade, sem dúvida, um grande número de


pessoas ressurretas em saúde e caráter seriam restabelecidos ao
convívio social em todo o país. Alguns encontrariam emprego em suas
próprias profissões, outros se instalariam em cabanas em pequenos
pedaços de terra que nós deveríamos prover, ou em Fazendas
Cooperativas que pretendamos promover; de grande extensão, após
triagem e treino, seriam transferidos para a Colonização Estrangeira
que constituiria nosso terceiro tipo A Colônia Além-Mar.

A COLÔNIA ALÉM-MAR.
Todos aqueles que prestaram atenção ao assunto concordarão que em
nossas Colônias na África do Sul, Canadá, Austrália Ocidental e em
outros lugares, há milhões de acres de terra útil que podem ser
obtidas gratuitamente, capazes de manter nosso excesso populacional
com um padrão de saúde e conforto mil vezes maior que o que estão.
Nós propomos adquirir uma área de terra em um destes países,
preparar o assentamento, regulariza-lo, governá-lo por leis
eqüitativas, dar assistência em tempos de necessidade,
estabelecendo-o gradualmente com pessoas preparadas, e assim criar
um lar para estas multidões destituídas.

O Projeto, em sua totalidade, pode perfeitamente comparar-se a uma


Grande Máquina, alicerçada nas favelas mais humildes e nas
periferias de nossos grandes centros urbanos, e abrindo os braços
aos depravados e destituídos de todas as classes; recebendo ladrões,
meretrizes, pobres, alcoólicos, perdulários, e tipos assim, nas
condições simples de ser deles, dispostos ao trabalho e à
disciplina. Preparando estes desterrados pobres, reformando-os, e
criando neles hábitos industriosos, honestidade, e verdade;
ensinando-lhes métodos que lhes permitam alimentar o corpo e o
espírito. Oriundos da Cidade e estabelecidos no Campo, lá
continuarão seu processo de regeneração, desbravando as terras
virgens que esperam por eles, unidos por uma administração
competente, tornando-se homens e mulheres livres; e estabelecendo as
fases de um outro Império formidável que, no futuro, alcançará
vastas proporções. Por que não?

58
CAPÍTULO 2. AO RESGATE!
A COLÔNIA URBANA

A primeira seção de meu Projeto é o estabelecimento de uma Casa


Receptora para o Destituído em cada grande centro populacional.
Começamos, é importante lembrar, do indivíduo faminto, aos trapos,
sem dinheiro, que vemos por aí em desespero procurando por alimento,
abrigo e trabalho. Recentemente, tive uns dois ou três anos de
experiência lidando com esta gente. Eu acredito que, no momento
presente, o Exército de Salvação provê mais comida e abrigo para
destituídos do que qualquer outra organização em Londres, e foi a
experiência e o alento que obtive no funcionamento destes Abrigos e
Armazéns de Alimento que encorajaram em grande parte a proposição
deste projeto.

SEÇÃO 1. – PÃO E ABRIGO PARA TODOS.


Em minhas viagens pelo Canadá e Estados Unidos uns três anos atrás,
fiquei grandemente impressionado com a superabundância de comida que
eu vi ao redor. Oh, como eu desejei que as pessoas famintas pobres,
e as crianças famintas do Leste de Londres e de outros centros de
nossas populações destituídas, entrassem no meio desta abundância,
mas como pareceu impossível traze-los até aqui, eu decidi
secretamente empenhar-me levar algo disto até eles. Eu sou grato
dizer que eu já consegui fazer isso em pequena escala, e espero
realizar em grande escala.

Com esta visão, o primeiro Armazém de Comida Barata foi aberto


Londres dois anos e meio atrás. Depois vieram outros, agora temos
três estabelecimentos, e outros estão a caminho.

Desde o início de 1888, provemos mais de 3,5 milhões de refeições.


Para ter uma idéia do como esses Armazéns de Alimentos e Abrigo tem
se arraigado nos estratos sociais que se propõe beneficiar, veja as
estatísticas da quantidade de alimentos vendidos durante o ano em
nossos Armazéns de Alimentos.

ALIMENTOS VENDIDOS EM ARMAZÉNS E ABRIGOS DURANTE 1889.


Artigo Tamanho Medida Peso
Sopa ......... 116.400 galões
Pão 192.5 tons 106.964 4-lb pães
Chá 2.5 tons 46.980 galões
Café 15 cwt. 13.949 galões
Cacau 6 tons 29.229 galões
Açúcar 25 tons ..................... 300 pacs.
Batata 140 tons .................. 2.800 pacs.
Farinha de trigo 18 tons ........... 180 sacos
Galinha 28.5 tons .................. 288 sacos
Aveia 3.5 tons ...................... 36 sacos
Arroz 12 tons ...................... 120 sacos
Feijão 12 tons ..................... 240 sacos
Cebola e cenoura 12 tons ........... 240 sacos
Geleia 9 tons .................... 2.880 pots
Marmelada 6 tons ................. 1.920 pots
Carne 15 tons .....................
Leite ........................... 14.300 quartos

Isso refere-se a três Armazéns de Alimentos e cinco Abrigos. Eu


proponho multiplicar seu número, desenvolver sua utilidade, e fazer
deles o limiar de todo Projeto. Aqueles que já visitaram nossos
Armazéns entenderão exatamente o que isso significa. Porém, como a
maioria dos leitores destas páginas não o fizeram, é necessário
explicar o que significam.

Cada um de nossos Armazéns, que podem ser vistos por qualquer pessoa
que se dê ao trabalho de visitá-los, tem dois departamentos, um que

59
lida com comida, o outro com abrigo. Ambos trabalham juntos e
auxiliam os mesmos indivíduos. Muitos que vêm buscar alimento não
vem buscar abrigo, embora a maioria daqueles que vem buscar abrigo
também vem buscar alimento, que é vendido em condições de cobrir, na
medida do possível, o preço de custo e despesas de funcionamento do
estabelecimento. Nossos Armazéns de Alimentos diferem das cozinhas
de sopa usuais.

Não há nenhuma distribuição gratuita de alimentos. A seguir, nossa


Tabela de preços: --

O QUE É VENDIDO NOS ARMAZÉNS DE ALIMENTO

Para crianças
Sopa Por Prato 1/4d
Sopa Com Pão 1/2d
Café ou Chocolate por copo 1/4d
Café ou Chocolate Com Pão e Geleia 1/2d

Para adultos
Sopa .. .. . Por Prato 1/2d
Sopa .. .. ... Com Pão.. 1d
Batatas .. .. .. .. .. 1/2d
Repolho .. .. .. .. .. 1/2d
Feijão .. .. .. ...... 1/2d
Pudim de Frutas .. .. 1/2d
Pudim de Ameixas .Cada.. 1d
Arroz .. .. .. .... .. 1/2d
Ameixa Cozida .. .. .. 1/2d
Frutas Cozidas .... .. 1/2d
Assado de Carne e Batatas 3d
Carne Bovina Seca. .. .. 2d
Carne de Carneiro Seca.. 2d
Café por copo 1/2d; por caneca 1d
Chocolate por copo 1/2d; por caneca 1d
Chá por copo 1/2d; por caneca 1d
Pão/Manteiga, Creme ou Marmelada 1/2d
Pote de Sopa, 1d cada.

Abre às 10:00 horas da manhã

Um certo poder discricionário é investido nos Oficiais responsáveis


pelo Armazém, e eles podem em casos muito urgentes desobrigar o
pagamento, mas a regra é que a comida deve ser paga, e o resultado
financeiro mostra que as despesas de funcionamento quase sempre são
cobertas.

Estes Armazéns de Alimentos Baratos, não tenho dúvida alguma, tem


sido e são um grande serviço aos numerosos famintos, homens,
mulheres, e crianças, aos preços acima que estão dentro do alcance
de todos, exceto dos absolutamente sem dinheiro; mas é o Abrigo que
eu considero a característica mais útil nesta parte de nosso
empreendimento, pois se algo é feito por aqueles que usam o Armazém,
um pouco mais de oportunidades favoráveis devem ser dispostas além
da mera oferta de alimento aos interessados, muitas vezes, talvez,
apenas um pote de Sopa. Esta parte do Projeto que eu proponho
ampliar consideravelmente.

Suponha que você seja um casual [N.T. no original casual, que


depende do acaso para comer ou morar] nas ruas de Londres, sem-teto,
sem amigos, cansado de procurar trabalho todo o dia e não achar
nenhum. A noite vem. Para onde você iria? Talvez você tenha apenas
alguns cobres, ou mesmo, alguns xelins, tão pouco que logo é gasto.
Você resolve dormir ao ar livre; você resolve também ir para
Dosshouse [N.T. no original fourpenny Dosshouse] onde, no meio de

60
companhia estranha e dissoluta, você pode ser roubado daquilo que
eventualmente restou de seu dinheiro. Inseguro quanto ao que fazer,
alguém que o vê nessa situação sugere que você deveria ir para nosso
Abrigo. Você não pode, naturalmente, ir para a Custódia Casual de
Workhouse, pois não tem dinheiro algum. Então você vem para um de
nossos Abrigos. Para entrar você tem que pagar quatro pences, e tem
acesso ao estabelecimento durante a noite. Você pode entrar mais
cedo ou mais tarde. As pessoas começam a chegar por volta das cinco
da tarde. No Abrigo das mulheres você nota que muitas chegam bem
mais cedo e ficam tricotando, lendo ou conversando nos quartos
simples mas bem aquecidos desde as primeiras horas da tarde até a
hora de dormir.

Você entra, e recebe uma bandeja grande de café, chá, ou chocolate,


e um naco de pão. Você pode usar o banheiro, tomar banho com
bastante água morna, sabão e toalhas livremente. Então depois do
banho e da janta você pode relaxar. Você pode escrever cartas a seus
amigos, se tem algum amigo para escrever, ou você pode ler, ou pode
sentar sossegado e não fazer nada. Às oito horas o Abrigo está
regularmente cheio, e então começa o que nós consideramos ser uma
característica indispensável e de grande importância. Duzentos ou
trezentos homens no Abrigo dos homens, da mesma forma que as
mulheres no Abrigo das mulheres, se reúnem, a maioria deles
estranhos entre si, em um quarto grande. Eles todos são bem pobres
-- o que é que você tem a ver com eles? É isto que fazemos com eles.

Nós celebramos uma reunião de Salvação extraordinária. O Oficial


dirigente do Armazém, auxiliado pelo destacamento das Casas de
Treinamento, administra uma noite de reunião social natural,
despreocupada, descontraída. As meninas trazem seus banjos e
pandeiros, e durante um par de horas você testemunha a reunião mais
animada que alguém pode encontrar em Londres. Há oração, curta e
direta; há discursos, alguns feitos pelos líderes da reunião, mas a
maioria deles são testemunhos daqueles que foram salvos em reuniões
prévias, e que, levantando-se de seus assentos, contam para seus
companheiros as suas experiências. Muitas vezes, as experiências
mais extraordinárias vem daqueles que estiveram nos lamaçais mais
profundos do pecado, do vício e da miséria, mas que finalmente
encontraram base firme onde pisar, e que são, como eles dizem com
toda sinceridade, «tão felizes quanto o dia». Há uma jovialidade e
um sentimento tão genuíno em algumas destas reuniões que refrescam a
alma. Há homens de todo tipo e condição; casuais, bandidos
incorrigíveis, desempregados que chegaram lá pela primeira vez e que
encontraram homens que na semana anterior ou no mês passado estavam
nas mesmas condições que estão agora -- ou mais pobres -- mas
regozijando um senso de fraternidade e a consciência de não ser mais
um desterrado e abandonado neste mundo imenso. Há homens que viram
afinal reavivar diante deles uma esperança de escapar daquele
vórtice terrível para o qual a prática do mal e o infortúnio os
tinham puxado, e foram restabelecidos para aquele alívio que eles
tanto ansiavam e que tinham agora para sempre; mais ainda, elevados
para viver uma verdadeira e divina vida. Estes contam aos seus
companheiros como isto ocorreu, e instigam todos seus ouvintes a
fazer o mesmo em suas vidas e experimentar neles mesmos se não é uma
coisa boa e feliz ser completamente salvo. Nos intervalos de
testemunho, estes testemunhos -- como concordará qualquer pessoa que
assistiu qualquer uma de nossas reuniões -- não são ladainhas, não são
longos, santimoniais, apáticos, mas simples confissões de
experiência individual -- há eclosões de entusiástica harmonia.

O condutor da reunião começará com um verso ou dois de um hino


ilustrativo das experiências mencionadas pelo último orador, ou uma
das meninas da Casa de Treinamento cantará um solo, acompanhando a
si mesma com seu instrumento, enquanto todos se unem em um forte,
alegre e vibrante coro.

Não há nenhuma coerção por parte de nenhum de nossos albergueiros


para que participem nesta reunião; eles não precisam ficar até o

61
fim; mas o fato é que eles ficam. Toda noite entre as oito e as dez
horas você encontrará estas pessoas sentadas ali, escutando as
exortações, tomando parte, ou cantando, muitos deles, sem dúvida,
bem insensíveis, mas, não obstante, preferindo estar presentes pela
música e pelo calor, meio agitados, ou apenas curiosos, na medida em
que vários testemunhos são narrados.

Às vezes estes testemunhos são suficientes para despertar o mais


cínico de observadores. Tivemos em um de nossos abrigos o capitão de
um navio a vapor que decaiu rapidamente no abismo da privação pelo
alcoolismo. Ele entrou lá uma noite totalmente desesperado e ficou
aos cuidados de nossos companheiros -- ficou aos cuidados não é uma
mera frase, ao final de nossas reuniões nossos oficiais vão de
assento em assento, e se eles vêem qualquer um que mostre sinais de
ter sido afetado pelas falas ou pelos cânticos, imediatamente se
sentam ao lado dele e começam a labutar com ele para a salvação da
alma dele. Por estes meios eles são capazes de ganhar a confiança
dos homens e saber exatamente onde está a dificuldade, qual é o
problema, e se eles não fazem nada, pelo menos terão sucesso
convencendo que há alguém que quer a alma deles e que fará o que
puder para ajudar.

O capitão de quem que eu estava falando foi influenciado dessa


forma. Ele ficou profundamente impressionado, e foi induzido a
abandonar seus hábitos de intemperança de uma vez por todas. Daquela
reunião ele saiu um homem mudado. Ele recuperou sua posição no
serviço mercantil, e doze meses depois fomos todos surpreendidos
quando apareceu vestido no uniforme de capitão de um grande navio
oceânico a vapor, testemunhando àqueles que lá estavam quão
profundamente tinha caído, e quão totalmente ele tinha perdido toda
a estrutura na Sociedade e toda a esperança do futuro, mas que ao
ser felizmente conduzido ao Abrigo, ele achou amigos, recomendações,
e salvação, e daquele tempo em diante não descansou um minuto até
que recuperasse a posição que perdera pelo alcoolismo.

A reunião acaba, as meninas cantoras voltam à Escola Técnica, e os


homens vão dormir. Nossos quartos de dormir são um pouco primitivos;
nós não provemos camas de pena, e quando você entrar em nossos
dormitórios, você será surpreendido por encontrar o chão coberto por
fileiras infinitas de caixotes de embalagem. Estas são nossas camas,
e cada uma delas forma um cubículo. Para os que estão deitados no
chão há um colchão, e em cima do colchão um lençol de couro que é
toda roupa de cama que nos foi possível prover. Os homens se despem,
cada qual ao lado de seu caixote de embalagem, e vão dormir debaixo
de seu cobertor de couro. O dormitório é aquecido com tubos de água
quente a uma temperatura de 60 graus, e nunca houve qualquer
reclamação de falta de calor por parte dos usuários do Abrigo. O
couro pode ser mantido perfeitamente limpo, e os colchões, coberto
com tecido americano, tudo é inspecionado com cuidado diariamente,
de forma que nenhum espécime perdido de animal daninho pode ser
encontrado no local. Os homens se recolhem por volta das dez horas e
dormem até as seis. Nós nunca tivemos perturbação de qualquer espécie
nos Abrigos. Nós provemos acomodação agora para vários milhares dos
mais desamparados e mais alquebrados de Londres, muitos deles
criminosos, mendigos, vadios, aqueles que estão entre a sujeira e o
refugo de todas as coisas; mas tal é a influência que é estabelecida
pela reunião e pela estatura moral de nossos oficiais, que nós nunca
tivemos uma briga em nossos recintos, e muito raramente ouvimos uma
ameaça ou uma palavra obscena. Às vezes há dificuldade fora do Abrigo,
quando homens teimam entrar com bebida ou com postura violenta; mas uma
vez dentro do Abrigo, e mais tranqüilos, não temos nenhuma dificuldade
com eles. Pela manhã se levantam e tomam o café da manhã e, depois de
um serviço pequeno, cada um sai para cuidar de seus afazeres. Nós
fornecemos aquilo que podemos, quer dizer, podemos prover café com pão
pela manhã e no anoitecer, uma cama de emergência no chão, nos caixotes
de embalagem que eu descrevi, em um dormitório aquecido a quatro pences
por pessoa.

62
Eu proponho desenvolver este Abrigos, para dispor a todo homem um
armário no qual ele poderia armazenar qualquer pequena preciosidade
que ele eventualmente possua. Eu também lhe permitiria o uso de um
aquecedor no lavatório com um forno secante quente, de forma que ele
pudesse lavar sua camisa a noite e vesti-la seca pela manhã. Só
aqueles que tiveram a experiência prática da dificuldade de buscar
trabalho em Londres podem apreciar as vantagens da chance de ter uma
camisa limpa desse jeito -- se tiver alguma. Em Trafalgar Square, em
1887, pouca coisa escandalizava mais o público do que o espetáculo
das pessoas pobres acampadas na Praça, lavando suas camisas nos
chafarizes, pela manhã. Se você conversar com qualquer homem que
esteve na estrada por um período prolongado, eles lhe falarão que
nada fere tanto o amor-próprio deles ou despeja mais fatalidade na
possibilidade deles arrumar emprego do que a impossibilidade de ter
suas poucas coisas arrumadas e limpas.

Na «Casa» de nosso homem pobre todo mundo poderia manter-se pelo


menos limpo e ter uma camisa limpa a sua disposição, isso é óbvio,
sem dúvida; isso não seria menos verdadeiro se ele estivesse em um
dos hotéis de West End, pois estaria habilitado para conseguir as
coisas mais necessárias à vida, enquanto não consegue algo melhor.
Este é o primeiro passo.

ALGUMAS VITÓRIAS NO ABRIGO.


Dos resultados práticos oriundos de nossos métodos de lidar com os
desterrados que passaram pelos nossos Abrigos, temos muitos exemplos
notáveis. Aqui vão alguns, cada um deles é um retrato de uma
experiência de vida relativa a homens que são agora ativos e
laboriosos membros da mesma comunidade a qual, se não fosse pela
atividade destes Armazéns, teriam afligido.

A.S. -- Nascido em Glasgow, 1825. Salvo em Clerkenwell, 19 de maio


de 1889. Filho de pais pobres cresceu em uma Favela de Glasgow. Foi
lançado nas ruas aos sete anos de idade, tornou-se companheiro e
sócio de ladrões, e caiu no crime. Sua ficha prisional é a seguinte:
-- 14 dias, 30 dias, 30 dias. 60 dias, 60 dias (três vezes
consecutivas), 4 meses, 6 meses (duas vezes), 9 meses, 18 meses, 2
anos, 6 anos, 7 anos (duas vezes), 14 anos; 40 anos mais 3 meses e
mais 6 dias no total. Foi açoitado 8 vezes na prisão por conduta
violenta.

W. M. («Buff»).--Nascido em Deptford, 1864, salvo em Clerkenwell, 31


de março de 1889. Filho de um velho marinheiro, ganhou a vida como
gerente. Era sóbrio, respeitável, e confiável. A mãe era alcoólica,
desacreditada, e mal afamada: uma maldição e desgraça ao marido e à
família. A casa foi desfeita, e o pequeno Buff tendeu às más
influências de sua depravada mãe. Quanto completou 7 anos o presente
que recebeu de sua admirável mãe foi «uma garrafa de gim». Ele
adquiriu um pouco de educação na Escola da Rua do Tormento [N.T. no
original: One Tun Alley Ragged School], mas aos nove anos foi pego
roubando maçã, e tornou-se interno da Escola industrial de Ilford
por 7 anos. Após cumprir seu tempo, perambulou pelas ruas, pelos
albergues, e prisões metropolitanas, contínuo freqüentador de cada
uma delas. Ele se tornou cabeça de motim de uma gangue que infestou
Londres; um mendicante completo e malfeitor; uma peste para a
sociedade. Naturalmente ele era um líder nato, e um desses espíritos
que inspiram seguidores; por conseguinte, quando ele adquiriu a
Salvação, seus principais seguidores o acompanharam ao Abrigo, e
eventualmente a Deus. O caráter dele após a conversão foi
completamente satisfatório, e ele é agora um Oficial em Whitechapel,
e para todos é tido como um «bom rapaz» [N.T. no original: «true
lad»].

C. W. («Frisco»). -- Nascido em San Francisco, 1862. Salvo em 24 de


abril de 1889. Fugiu de casa com a idade de oito anos, e seguiu rumo
ao Texas. Lá ele levou a vida nos Ranchos como Vaqueiro, e variando
com ocasionais viagens marítimas, tornando-se um típico cafajeste e
desordeiro. Ele pegou 2 anos por motim no mar, 4 anos por roubo, 5

63
anos por roubo de gado. No total, passou 13 anos e onze meses na
prisão. Ele veio para a Inglaterra, e misturou-se aos ladrões e
vadios daqui, passou por vários períodos curtos na cadeia. Ele foi
auxiliado em sua libertação em Millbank por um velho amigo íntimo
(Buff) e pelo Capitão do Abrigo; instalado no Abrigo, foi salvo, e
permaneceu firme.

H. A. -- Nascido em Deptford, 1850. Salvo em Clerkenwell, 12 de


janeiro de 1889. Perdeu sua mãe bem cedo, veio a madrasta rabugenta,
e uma propensão para subtrair pequenos objetos fez dele um ladrão.
Tornou-se marinheiro, e virou um alcoólico contumaz, um blasfemador
confesso, e um descarado devasso. Ele perambulou durante anos, ao
sabor das ondas, sem rumo, e eventualmente alcançou o Abrigo, onde
encalhou. Aqui ele buscou Deus, e fez bem. Este verão ele está
dirigindo um grupo de preparadores de feno pelo país, está firme e
revela-se satisfatório. Ele parece honesto em sua profissão, e se
esforça pacientemente em sua nova vida com Deus. Ele também promove
palestras.

H. S. -- Nascido na Escócia. Como a maioria dos rapazes escoceses,


embora seus pais vivessem em parcas circunstâncias, ele conseguiu
obter uma boa educação. Começou a trabalhar bem cedo numa empresa
jornalística, e absorveu detalhes da profissão jornalística em
vários jornais importantes em N.B. Eventualmente, obteve um cargo em
um jornal provinciano, e foi colocado em um curso universitário em
Glasgow B.A., onde se graduou. Depois disso ele foi contratado por
um jornal de Welsh. Ele se casou com uma moça decente, e teve vários
filhos, mas abriu caminho para a bebida, perdeu o emprego, a esposa,
a família e os amigos. Às vezes fazia algum esforço e dava sinais de
recuperação, e eventualmente parecia que poderia voltar ao trabalho,
mas novamente e novamente a bebida o vencia, e afundava cada vez
mais. Durante um tempo conseguiu um emprego de secretário na London
Charity, mas repentinamente voltou a beber, e foi despedido. Ele
veio até nós como uma pessoa absolutamente arrasada, foi enviado ao
Abrigo e foi salvo em um workshop, e está agora em uma boa situação.
Ele promete muito, e os entendidos no assunto acham que desta vez dá
para ser mais otimista. Finalmente um trabalho realmente bom foi
feito com ele.

F. D. -- Nasceu em Londres, envolveu-se no comércio de ferro.


Alcançou uma boa situação financeira, mas perdeu tudo por causa da
bebida e da irresponsabilidade. Em uma ocasião, com #20 no bolso,
ele foi para Manchester, embebedou-se, foi preso e multado em cinco
xelins, e quinze xelins de custos advocatícios; que ele pagou, e
como estava deixando o Tribunal, um cavalheiro o parou, dizendo que
ele conheceu o pai dele, e o convidou para a casa dele; porém, com
#10 no bolso, sendo muito independente, recusou; mas o cavalheiro
anotou o endereço dele, e o entregou. Em alguns dias ficou sem
dinheiro algum, e até mesmo suas roupas viraram bebida, e então sem
uma moeda ele se apresentou no endereço fornecido a ele, às dez
horas da noite. Conseguiu #2 para voltar a Londres mas isto também
desapareceu no licor. Quando conseguiu chegar em Londres estava
totalmente destituído. Passou várias noites no Aterro, e em uma
ocasião um cavalheiro lhe deu um ingresso para o Abrigo; porém, ele
o vendeu por 2d. e comprou uma garrafa de cerveja, e passou fora
toda a noite. Mas fixou pensativo, e resolveu no dia seguinte
levantar 4d. para conhecer o Abrigo. Ele veio a Whitechapel,
tornou-se freqüentador regular, já faz oito meses que foi salvo, e
agora está indo muito bem.

F. H. -- Nasceu em Birmingham, 1858. Salvo em Whitechapel, em 26 de


março de 1890. Perdeu seu pai ainda na infância, a mãe casou
novamente. O padrasto foi um pedreiro alcoólico que costumava bater
em sua mãe, e o rapaz viveu largado pelas ruas. Aos 12 anos de idade
ele deixou sua casa, e foi para Liverpool, mendigando pelo caminho,
e dormindo nas margens da estrada. Em Liverpool ele viveu nas Docas
durante alguns dias, dormindo onde podia. Acabou preso e devolvido a
Birmingham; foi recebido com uma impiedosa surra pelo seu padrasto

64
alcoólico. Ele arrumou vários empregos como mensageiro, destacou-se
pelos seus furtos secretos, dois anos depois estava com cinqüenta
xelins em dinheiro roubado, alcançou Middlesbrough através da
estrada. Arrumou emprego em uma fábrica de pregos onde permaneceu
durante nove meses, então roubou nove xelins de seu empregador, e
novamente pegou a estrada. Ele chegou a Birmingham, conseguiu uma
autorização e se alistou na Marinha. Ele foi chamado para passar
três anos em treinamento no Navio Impregnable, mas após um ano foi
considerado como «apto», e foi transferido para o Iron Duke nos
mares da China; logo começou a beber, foi detido e preso por conduta
revoltosa em quase todos os portos nas paradas. Ele quebrou navios,
e várias vezes desertou, e era um espécime completo de um péssimo
marujo britânico. Ele conheceu a prisão em Singapura, Hong Kong,
Yokohama, Canghai, Cantão, e outros lugares. Em cinco anos voltou
para casa, e, depois da licença, juntou-se à Belle Isle na estação
irlandesa. Foi quando o uísque deu cabo dele novamente, e o excesso
arruinou sua saúde. Licenciado casou-se, e foi com sua esposa para
Birmingham. Durante algum tempo ele trabalhou como varredor no
mercado, mas dois anos depois abandonou sua esposa e família, e veio
para Londres, fixou-se na vida de vadio, passou a viver nas ruas e
transformou as Custódias Casuais em sua casa. Eventualmente veio
parar no Abrigo de Whitechapel, e foi salvo. Ele é agora um rapaz
confiável, seguro; reconciliou-se com a esposa que veio a Londres
para vê-lo, ele tornou-se um homem útil.

J. W. S. -- Nascido em Plymouth. Os pais dele são pessoas


respeitáveis. Ele é bom em sua profissão, e alcançou um bom padrão
de vida. Dois anos atrás ele veio para Londres, deu-se mal, e
começou a beber. Derrota após derrota, continuou bebendo; perdeu
tudo, e voltou às ruas. Foi quando descobriu o Abrigo Westminster, e
eventualmente foi salvo; os pais dele foram avisados e ajudaram com
roupas; com a Salvação vieram esperança e energia; ele estabeleceu
seu comércio em Lewisham (7d. por hora). Há quatro meses está firme,
é um Soldado promissor e um mecânico respeitável.

J. T. -- Nascido na Irlanda; bem treinado (comercialmente);


balconista e contador. Ainda jovem foi alistado no Exército da
Rainha, e pela boa conduta foi promovido. Tornou-se chefe de
inspeção e assistente pagador de seu regimento. Ele conduziu uma
vida estável enquanto trabalhou ali, e ao vencimento do seu termo
passou à Reserva como «bom» caráter. Ele passou muito tempo
desempregado, e isto pareceu conduzi-lo ao desespero, e começou a
beber. Ele afundou ao nível mais baixo, e chegou em Westminster em
uma condição deplorável; sem casaco, sem chapéu, sem camisa,
completamente sujo, o espécime mais medonho em que um homem de boa
ascendência pode chegar. Após algum tempo no Abrigo, foi salvo,
passou por workshops, e proporcionou grande satisfação. No momento
ele está trabalhando no escritório, satisfatoriamente: exerce uma
boa influencia no local.

J. S. -- Nascido em Londres, de boa família. Desde criança ele


mostrou uma tendência para o roubo; caiu nas garras da polícia, e
era preso continuamente. Ele levava a vida de um verdadeiro mendigo,
e perambulou pelos quatro cantos do Reino Unido. Ele foi condenado
por três vezes a trabalhos forçados, e sua última pena foi de sete
anos, com supervisão policial. Depois que foi libertado ele se casou
com uma moça respeitável, e tentou mudar, mas as circunstâncias
estavam contra ele; ele não tinha nenhum caráter, e sua ficha
criminal não ajudava em nada, assim, ele e sua esposa vaguearam na
privação. Eles vieram ao Abrigo, e pediram ajuda; eles foram
recebidos, e eles expuseram sua situação ao Magistrado de
Clerkenwelle, e pediram conselhos sobre o que deveria fazer. O
Magistrado o ajudou, e agradeceu o Exército de Salvação pelos seus
esforços no interesse dele, e nos pediu que cuidássemos do rapaz. Um
pequeno trabalho foi determinado para ele, e depois de um tempo
conseguiu melhorar sua situação. Hoje eles estão muito bem; ele é um
empregado estável, e ambos estão servindo a Deus, compartilhando do
respeito e da confiança de seus vizinhos, etc.

65
E. G. -- Veio para a Inglaterra a serviço de uma família de posição,
e depois tornou-se mordomo e chefe dos empregados em várias casas da
nobreza. Adoeceu. Por muito tempo ele ficou completamente incapaz
para o trabalho. Ele tinha guardado uma soma considerável de
dinheiro, mas o custo dos médicos e as despesas de um homem doente
jogaram à ruína sua pequena fábrica, e ele foi reduzido à penúria e
à absoluta destituição. Durante algum tempo ele permaneceu em
Workhouse, até ser despejado, lhe aconselharam para que fosse ao
Abrigo. Ele estava terrivelmente doente, alquebrado em espírito,
quase desesperando. Lhe aconselharam amorosamente que entregasse
seus cuidados a Deus, e eventualmente ele foi convertido. Depois de
certo tempo ele conseguiu trabalho como zelador em um armazém da
Cidade. A assiduidade e a fidelidade por um ano o elevaram à posição
de caixeiro-viajante. Hoje ele prospera no corpo e na alma, ganhando
o respeito e a confiança de todos os que lidam com ele.
Nós poderíamos multiplicar estes registros, mas esses relatos
mostram o tipo de resultado obtido.

Não há nenhuma razão para pensar que essa influencia divina para a
salvação destes companheiros pobres não será igualmente eficaz se
aplicada em uma escala mais ampla e em uma área mais vasta.
A coisa a ser notada em todos estes casos é que não foi o mero
alimento que efetuou o resultado; foi a combinação do alimento com o
trabalho pessoal para com a alma individual. Ainda, se nós não os
tivéssemos alimentado, nós nunca conseguiríamos chegar perto o
bastante para ganhar qualquer acesso aos corações deles. Se apenas
os tivéssemos alimentado, eles iriam embora para retornar no dia
seguinte, mais revigorados para a vida predatória e vagabunda que
até ali conduziram. Mas quando nossas refeições, abrigos e armazéns
os trouxeram para as imediações, nossos oficiais puderam
literalmente toma-los pelos ombros e suplicar-lhes como irmãos que
tinham sido desencaminhados. Dissemos para eles que seus pecados e
tristezas não os isolava do amor do Pai Eterno que nos enviou para
ajudá-los com todo o poder de nossa forte Organização, da Divina
autoridade da qual estamos absolutamente seguros principalmente
quando ela vai buscar e salvar o perdido.

SEÇÃO 2 .-- TRABALHO PARA OS SEM-TRABALHO. -- A FÁBRICA.


Nesse caso, alguém dirá, isso funciona bem para o seu desterrado
quando ele tem quatro pences e seu bolso, mas e quanto àqueles que
não tem os quatro pences? O que acontece se você for confrontado com
uma multidão de infelizes desesperados famintos, que não tem nem
mesmo um centavo no bolso, pedindo comida e abrigo? Esta objeção é
bastante natural, vamos considerar o primeiro caso.

Em conexão com toda disponibilização de Alimento e Abrigo, eu


proponho estabelecer uma Oficina ou Galpão de Trabalho onde qualquer
pessoa destituída e faminta obtenha aquele trabalho que precisa e
que lhe habilite ganhar os quatro pences necessários para a cama e
mesa. Esta é uma característica fundamental do Projeto, e algo que
eu julgo recomendável a todos aqueles que estão ansiosos por ajudar
o pobre habilitando-os ajudar a si mesmos sem a desmoralizante
intervenção do auxílio caritativo.

Por um momento, vamos até a porta de um de nossos abrigos. Lá vem um


encardido, roto, com seus pés feridos, com seus pés rompendo para
fora de seus sapatos, com suas roupas aos trapos, com sua camisa
imunda e cabelo empastelado. Ele chega, conversa com você, diz que
nas últimas três semanas vem caminhando, procurando emprego sem
sucesso, que na última noite dormiu no Aterro, e quer saber se você
pode dar-lhe alimento e abrigo durante a noite. Ele tem algum
dinheiro? Ele não tem; ele provavelmente gastou até o último centavo
que esmolou ou ganhou em um maço de cigarro, com o qual entorpece o
ronco de seu estômago faminto. O que é que você tem a ver com este
homem?

Lembre-se que este não é nenhum esboço caprichoso -- é um caso

66
típico. Há centenas e milhares de tais candidatos. Qualquer um que
esteja familiarizado com a vida em Londres e em nossas outras
grandes cidades, reconhecerá aquela figura magra pedindo pão e
abrigo ou por trabalho pelo qual ele possa obter ambos. O que
podemos fazer com ele? Diante dele, a Sociedade fica paralisada,
aquietando sua consciência de vez em quando por uma doação ocasional
de pão e Sopa, variada com o tratamento semi-criminoso da Custódia
Casual, até que todo resquício de humanidade é esmagado dentro desse
homem, e você fica diante de um indiferente, desesperado, desalmado,
desprovido de qualquer aspiração para escapar de suas circunstâncias
miseráveis, coberto com piolhos e sujeira, mergulhando em um poço
sem fundo, até que finalmente ele é precipitado no rude invólucro
que o leva para uma vala comum.

Eu proponho pegar esse homem, abraçá-lo com força, e desembaraçá-lo


do lodo que o sufoca. Como primeiro passo diremos a ele, «Você tem
fome, aqui tem comida; você é sem-teto, eis aqui um abrigo para sua
cabeça; mas lembre-se que você tem que conquistar seu alimento. Isto
não é nenhuma caridade; é trabalho para quem não tem trabalho, é
ajuda para aqueles que não podem ajudar a si mesmos. A oficina está
ali, vá e ganhe seus quatro pences, e então saia do frio e da
umidade das ruas para o Abrigo quente e seco; aqui está sua caneca
de café e seu filão de pão, e depois que você termina há um encontro
pleno de música alegre e de camaradagem. Há aqueles que oram por
você e com você, e lhe farão com que você se sinta um irmão entre
irmãos. Há seu teto de emergência, onde você terá sua cama
quentinha, silenciosa, imperturbada pela ribaldaria e pelas
maldições com que você esteve muito tempo familiarizado. Há um
banheiro onde você pode finalmente banhar-se, após tantos dias sem
ter onde tomar banho. Há bastante sabão e água morna e toalhas
limpas; também, lá você pode lavar sua camisa que estará seca quando
você acordar. Pela manhã depois de tomar seu café da manhã, verá sua
camisa seca e limpa. Então, limpo e restaurado, e não mais premido
pela fome, você pode ir e buscar trabalho, ou voltar ao Galpão de
Trabalho até aparecer coisa melhor».

Mas onde e como?

Agora deixe-me apresentar nosso Galpão de Trabalho. Aqui não há


nenhuma pretensão de dar trabalho remunerado a um homem da mesma
forma como se dá uma esmola. Não é nosso negócio assalariar homens.
O que propomos é permitir que aquela mulher ou homem destituído
conquiste seu próprio alimento e trabalhe para pagar seu alojamento
até que possa sair no mundo e ganhar seus salários. Não há nenhum
tipo de coerção para que qualquer pessoa recorra a algum de nossos
Abrigos, mas se um homem sem dinheiro quer comida, ele deve, via de
regra, trabalhar o suficiente para pagar por ela até que encontre
outra alternativa. Eu digo via de regra porque, naturalmente, nossos
Oficiais podem fixar exceções em casos extremos, mas a regra será
trabalhar primeiro para depois comer. E aquela quantia de trabalho
será rigorosamente remunerada. É isso que distingue este Projeto do
mero auxílio caridoso.

Eu não desejo de forma alguma estabelecer um novo núcleo de


desmoralização. Eu não quero que essas pessoas que nos procuram
sejam pauperizadas regalando-se de algo que não conquistaram. Para
desenvolver o amor-próprio no homem, fazer-lhe sentir que finalmente
pisou no primeiro degrau da escada que conduz para cima, é
vitalmente importante, e isto não pode ser feito a menos que a
barganha entre mim e ele seja rigorosamente concluída. Tanto pelo
café, como pelo pão, como pelo Abrigo, como pelo aquecimento e pela
iluminação de minha parte, mas tanto pelo labor que dá em troca.
Que trabalho? Alguém pergunta. Para responder esta questão eu
gostaria do levá-los até nossas Oficinas Industriais [N.T. no
original: Industrial Workshops] em Whitechapel. Lá você verá o
Projeto em operação experimental. O que fazemos lá nos propomos
fazer em toda parte na medida do necessário, e não há nenhuma razão
pela qual falharíamos em outro lugar se fomos bem sucedidos ali.

67
Nossa Fábrica Industrial em Whitechapel foi estabelecida nesta
Primavera. Nós a abrimos em uma escala bem pequena. Desenvolveu-se
até termos aproximadamente noventa homens trabalhando. Alguns destes
são trabalhadores qualificados que estão engajados na carpintaria. O
trabalho particular que eles têm agora em mão é a fabricação de
bancos para o Exército de Salvação. Outros estão engajados fazendo
tapetes, alguns são sapateiros, outros pintores, e assim
sucessivamente. Este esforço experimental tem, de longe, respondido
admiravelmente. Ninguém é recebido permanentemente. Na medida em que
ele se dispõe a trabalhar pelo seu alimento ele é suprido com
matéria prima e orientado por superintendentes qualificados. As
horas de trabalho são oito por dia. Aqui estão as regras e
regulamentos sob os quais o trabalho é mantido no momento: -

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO – PROMOÇÃO SOCIAL.


Quartel Provisório --
36, UPPER THAMES STREET, LONDON, E.C,

OFICINA INDUSTRIAL URBANA


OBJETIVOS. -- Estas oficinas foram abertas para auxiliar
desempregados e destituídos, seu objetivo é ser uma alternativa às
Casas de Trabalho [N.T. no original: Workhouse] ou à Custódia
Casual. Comida e abrigo são providos em troca de trabalho, até que
estejam habilitados a procurar trabalho por si mesmos, ou encontrem
outro lugar.

PLANO DE OPERAÇÃO. -- Todos aqueles que solicitam ajuda serão


colocados naquilo que chamamos de primeira classe. Eles devem estar
dispostos a fazer qualquer tipo de trabalho que lhes for oferecido.
Enquanto eles permanecerem na primeira classe, eles terão direito a
três refeições por dia, e abrigo durante a noite, e em troca
espera-se que estejam dispostos a executar o trabalho que lhes for
designado.

Todos aqueles considerados qualificados pelos Diretores Executivos


[N.T. no original Labour Directors] serão promovidos da primeira
para a segunda classe. Além da comida e do abrigo supracitado, eles
receberão somas em dinheiro de até 5s. ao término da semana, com a
finalidade de ajudá-los comprar ferramentas para eles mesmos, para
arrumar trabalho fora.

REGULAMENTOS. -- Nenhum fumo, bebida, palavrão, insulto, ou


qualquer conduta premeditada para desmoralizar alguém, será
permitido no recinto da fábrica. Ninguém que esteja sob a influência
de bebida será admitido. Qualquer um que recusa trabalhar, ou for
culpado de má conduta, será convidado a deixar o recinto.

HORAS DE TRABALHO. -- Das 7 da manhã às 8.30 da manhã; das 9 da


manhã a 1 da tarde; das 2 da tarde a 5.30 da tarde. As portas serão
fechadas 5 minutos depois das 7, 9, e 2 da tarde. Vales Refeição
serão dados a todos em cada momento de refeição. A janta e Abrigo
serão providos na Estrada de Whitechapel, número 272.

Nossa experiência mostra que podemos prover trabalho pelo qual um


homem pode obter seu alimento. Teremos o cuidado de não vender os
bens fabricados por preço menor que de mercado. A lenha, por
exemplo, estamos nos esforçando para vender acima do preço médio.
Como declaramos anteriormente, nos opomos firmemente prejudicar um
grupo de trabalhadores enquanto ajudamos outro.

Tentativas em linhas um pouco semelhantes a essas descritas agora


têm, no momento, provocado explosivos sentimentos de ciúme por parte
dos Sindicatos, e representantes de trabalhadores. Eles
acertadamente consideram injusto que o trabalho isento de Taxas e
Impostos, ou Contribuições Assistenciais, deva ser posto no mercado
a um preço menor que o valor de mercado, e assim competir em
condições desiguais com a produção daqueles que têm que fornecer uma

68
cota importante de fundos pelos quais Criminosos ou trabalhadores
Pobres são sustentados. Tal ciúme é injusto em relação ao nosso
Projeto, na medida em que estamos empenhados em elevar o padrão do
trabalho e envolvidos em uma guerra mortal contra a exploração em
toda forma e sentido.

Mas, alguém pode perguntar, como estes Sem-Trabalho podem praticar a


autogestão quando você os coloca na Fábrica? Neste ponto eu tenho um
relatório muito satisfatório a expor. Muitos, sem dúvida, estão
abaixo do padrão, subnutridos, e sofrendo de alguma doença, ou das
conseqüências do alcoolismo. Muitos também são homens idosos que
foram lançados para fora do mercado de trabalho pelas novas
gerações. Mas, sem entrar muito nesse mérito, posso dizer
razoavelmente que estes homens não apenas se mostraram animados e
dispostos, como também capazes de trabalhar. Nosso Superintendente
da Fábrica informa: -

Não houve praticamente nenhuma perda de tempo ou prejuízo desde a


inauguração em 29 de junho. Cada homem durante sua permanência,
quase sem exceção, se apresentou pontualmente e trabalhou mais ou
menos assiduamente em todo o expediente. O padrão moral dos homens
foi bom, e tivemos não mais que três exemplos de um ato evidente de
desobediência, insubordinação, ou dano. Os homens, como um todo, são
uniformemente polidos, dispostos, e satisfeitos; eles são todos bem
laboriosos, alguns, e não poucos, são assíduos e enérgicos. Os
Encarregados não tiveram nenhuma reclamação séria a fazer ou delitos
a informar.

Em 15 de agosto recebi um relatório com os nomes, ofícios e métodos


de empregar os homens no trabalho. Dos quarenta nas áreas
industriais naquele momento, oito eram carpinteiros, doze operários,
dois alfaiates, dois marinheiros, três balconistas, dois
engenheiros, enquanto que os demais eram sapateiro, dois donos de
mercearia, tanoeiro, veleiro, músico, pintor, e um pedreiro.

Dezenove destes foram empregado como lenhadores, cortando e amarrando


lenha, seis foram empregados na confecção de tapetes, sete na
fabricação de sacos, e o resto em vários biscates. Entre eles estava um
carpinteiro russo que não podia falar uma palavra de inglês. O lugar
inteiro é uma colmeia de esforços que enche os corações daqueles que
vão vê-lo na esperança de que algo assim possa ser feito para resolver
o problema do desemprego.

A menos que nossas Fábricas se tornem instituições permanentes, elas


não serão nada mais que vagas temporárias para aqueles que
aproveitam essa oportunidade. Eles são portos de refúgio onde o
trabalhador náufrago pode encontrar abrigo e se recompor, de forma
que ele pode voltar novamente ao mar ordinário da labuta e ganhar
sua vida.

O estabelecimento destas Industrias parece ser um dos deveres mais


óbvios desses que vão efetivamente lidar com o Problema Social. Elas
são tão indispensáveis nos elos da corrente da libertação quanto os
Abrigos, mas elas são apenas um elo e não um ponto final. E nós
propomos que elas não sejam consideradas como outra coisa senão um
caminho das pedras para coisas melhores.

Estas áreas industriais também estarão a serviço de homens e


mulheres temporariamente desempregados que tenham famílias, e que
possuem algum tipo de casa. Em numerosos exemplos, se por qualquer
meio estes desafortunados pudessem obter alimento e moradia durante
algumas semanas, eles superariam suas dificuldades, e uma quantidade
imensa de miséria seria evitada. Em tais casos o Trabalho seria
provido nas próprias casas deles se preferissem, especialmente para
as mulheres e crianças, e tal remuneração teria como mira prover as
necessidades imediatas da hora. Para esses que tem aluguel para
pagar e famílias para sustentar algo além de rações seria

69
indispensável.

O Labor nestas áreas industriais nos permitirá desenvolver nossas


experiências Anti-Exploração. Por exemplo, propomos começar
imediatamente a fabricação industrial de caixas de fósforos, com a
qual almejamos proporcionar imediatamente quase o triplo da quantia
paga no momento às pobres criaturas famintas engajadas neste
trabalho.

Em todas nossas fábricas nosso sucesso dependerá de até que ponto


poderemos fazer ecoar sentimentos morais e manter esses ecos nas
mentes dos trabalhadores e cultivar um espírito de esperança e
aspiração. Buscar destacar neles continuamente o fato de que ao
mesmo tempo em que desejamos alimentar o faminto, vestir o nu, e
prover abrigo para o sem-teto, estamos ansiosos também por provocar
aquela regeneração do coração e da vida que são essenciais à futura
felicidade futura e bem estar deles.

Mas nenhuma coação em momento algum será permitido com respeito a


religião.

O homem que professa amar e servir a Deus receberá ânimo por causa
de tal profissão, e o homem que não faz nada receberá ânimo pela
perspectiva que ele vai, cedo ou tarde, em gratidão a Deus, fazer o
mesmo; mas não há nenhuma melancólica comiseração para com ninguém.
O Exército não possui nenhuma face santimoniosa. Nós falamos
livremente sobre Salvação, porque ela é para nós a verdadeira luz e
alegria de nossa existência. Nós estamos contentes, e desejamos que
outros compartilhem nossa alegria. Sabemos por nossa própria
experiência que a vida é uma coisa muito diferente quando achamos a
paz de Deus, e trabalhamos junto com Ele para a salvação do mundo,
em vez de trabalhar para a realização da ambição mundana ou para
acumular vantagens terrestres.

SEÇÃO 3. -- A TRIAGEM DO DESEMPREGADO.


Quando pegamos sem-teto, proporcionamos chuveiro e alimento para
mendigos sem dinheiro, e afiançamos os meios para que eles ganhem os
quatro pences cortando lenha, fazendo tapetes ou remendando sapatos
de seus colegas na Fábrica, o próximo passo que precisamos
seriamente nos concentrar é capacitá-lo a voltar aos ranques
regulares da indústria. O Abrigo e a Fábrica não são mais do que um
caminho das pedras, que tem a vantagem de nos proporcionar tempo
para olhar ao redor e ver o que há dentro daquele homem e o que
podemos fazer dele.

A primeira e mais óbvia coisa a fazer é averiguar se há qualquer


demanda no mercado regular para o trabalho que está ao alcance de
nossas mãos. Para averiguar isto eu estabeleci uma Agencia de
Emprego, cujas operações detalharei em grande parte a seguir, onde
os empregadores podem registrar suas necessidades, e os
trabalhadores podem registrar seus nomes e o tipo de trabalho que
eles podem fazer.

No momento não há nenhuma bolsa de trabalho funcionando neste país.


A coluna do jornal diário é a única substituta deste registro muito
necessário. É uma das muitas conseqüências dolorosas que surgem da
superpopulação das cidades. Em uma aldeia onde todo mundo sabe o que
todo mundo necessita isso não existe. Se um fazendeiro quer um par
de homens extras para ceifar ou um pouco mais de mulheres para
trabalhar no tempo da colheita, ele visualiza em sua mente todos os
nomes das pessoas disponíveis na paróquia. Até mesmo em uma cidade
pequena há pouca dificuldade de saber quem quer emprego. Mas nas
cidades este conhecimento não está disponível; conseqüente e
constantemente ouvimos falar de pessoas que ficam bem contentes
trabalhando em biscates em uma crise ocasional do emprego num
momento em que centenas de pessoas padecem famintas procurando
trabalho no outro lado da cidade. Conhecedora deste mal a lei da
Oferta e Procura criou o estabelecimento escravizante [N.T. no

70
original: Sweating Middlemen, estabelecimento em que os empregados
trabalham longas horas a salários de fome, além de outras más
condições de higiene e trabalho], que se aproveita dos
desafortunados exigindo trabalho tão pesado e por um pagamento tão
mínimo que os pobres diabos que caem em suas garras mal conseguem
manter unidos corpo e alma. Eu proponho mudar tudo isso
estabelecendo Registros que nos permitam ter em nossas mãos a
qualquer momento a relação de todos os homens desempregados em um
distrito e em qualquer profissão. Deste modo poderíamos nos tornar
um intermediário universal entre desempregados e aqueles que
procuram trabalhadores.

Com isso não propomos substituir ou interferir nos Sindicatos


regulares. Onde existem sindicatos deveríamos entrar em contato com
seus funcionários. Mas a massa mais desamparada e miserável será
encontrada entre os trabalhadores desorganizados que não tem nenhum
Sindicato, e que são, então, a presa natural dos intermediários. Por
exemplo, tome uma das classes mais miseráveis da comunidade, os
companheiros pobres que perambulam pelas ruas com placas no pescoço
e aqueles que fazem serviços eventuais para certas empresas. Se você
desejar enviar cinqüenta ou cem homens pelas ruas de Londres
portando cartazes que anunciam a excelência de seus bens, basta ir
até uma empresa de propaganda que o proverá com tantos homens [N.T.
no original: Sandwich Men] você quiser por dois xelins ou meia coroa
por dia. Os interessados se apresentam, seus bens são anunciados,
você paga seu dinheiro, mas quanto disso vai para os homens que
portam os cartazes? Aproximadamente um xelim, ou um xelim e três
pences; o resto vai para o intermediário. Eu proponho substituir
este intermediário formando uma Associação Cooperativa de
Plaqueiros [N.T.: Cooperative Association of Sandwich Men]. Em
todo Abrigo haveria uma Brigada de Plaqueiros [N.T. no original
Sandwich Brigade] pronta em qualquer número necessário. O custo de
inscrição e organização, que os homens pagariam alegremente,
certamente não custa mais que um centavo de xelim.

Tudo que é preciso é estabelecer um círculo fidedigno e


desinteressado dentro do qual o desempregado possa se agrupar, e que
formará o núcleo de um grande Associação Cooperativa Autogerida. As
vantagens de tal Associação são óbvias. Mas nisto, também, eu não
falo de teoria. Eu carrego comigo a experiência de sete meses de
experiência tanto na Inglaterra como na Austrália. Em Londres temos
um escritório de inscrição na Upper Thames Street onde desempregados
chegam todas as manhãs aos montes para registrar seus nomes e ver se
podem obter trabalho. Na Austrália, pude testemunhar, foi declarado
na Assembléia Legislativa [N.T. no original: House of Assembly] que
nossos Oficiais tinham sido úteis em encontrar emprego para nada
menos que cento e trinta e dois «sem-trabalho» em poucos dias. Aqui,
em Londres, tivemos sucesso obtendo emprego para um grande número de
pessoas, embora, naturalmente, esteja além de nosso poder ajudar
todos esses que precisam. Nós enviamos profissionais preparados pelo
país afora e há toda razão para acreditar que quando nossa
Organização for melhor conhecida, e sua operações mais amplas,
teremos bastante trabalho entre cidades e países, de forma que
quando houver escassez em um lugar e congestão em outro, as
informações serão enviadas imediatamente, de forma que o excesso de
mão de obra possa ser recrutado nesses distritos onde o trabalho é
requerido. Por exemplo, no tempo da colheita, com o mau tempo, é uma
ocorrência bem comum as colheitas serem seriamente perdidas por
falta de trabalhadores, ao mesmo tempo em que há milhares vagando
pelas médias e grandes cidades buscando trabalho, mas sem encontrar
ninguém para os contratar. Amplie este sistema por todo mundo, e
aplicável não apenas na transferência de trabalhadores entre cidades
e províncias, mas entre Países, e é impossível deixar de admitir as
enormes vantagens que resultariam. O oficial dirigente de nossa
Agência de Emprego experimental enviou-me as seguintes notas sobre o
que já foi feito pelo escritório do Upper Thames Street:

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO -- ASSISTÊNCIA E PROMOÇÃO SOCIAL

71
AGÊNCIA DE EMPREGO
Agência em funcionamento desde 16 de junho de 1890. O relatório
abaixo refere-se a pormenores de transações até 26 de setembro de
1890: --
Candidatos a Emprego --
Homens .... .. 2462
Mulheres ...... 208
Total......... 2670
====
Empregadores precisando de
Homens ........ 128
Mulheres ....... 59
Total.......... 187
====
Enviados
Homens .. .... 301
Mulheres . .... 68
Total......... 369
====
Empregos Permanentes.. .. .. ....... .. 146
Empregos Temporários, a saber:
Garçons, Faxineiros, etc. .. .......... 223
Enviados p/ Fábrica em Hanbury Street.. 165
====

SEÇÃO 4. -- A BRIGADA CASEIRA DE SALVAMENTO.


É óbvio que no momento em que você começa a encontrar emprego para o
trabalhador desempregado da comunidade, não importa o que você faça
via cadastro, reunindo aqueles que querem trabalhar e aqueles que
querem trabalhadores, ainda permanecerá um vasto resíduo de
desempregados, e será o dever dos envolvidos lidar com a questão de
inventar meios de garantir emprego para eles. Muitas coisas são
possíveis quando há informações centradas em um núcleo de operações
e disciplina no conjunto das pessoas, que são totalmente impossíveis
quando cada um vai para o lado que mais lhe agrada, é o caso quando
dez homens disputam uma vaga de emprego, mas nenhum deles está a
disposição na ocasião e do modo esperado. Quando meu Projeto for
levado a cabo, haverá em todo centro populoso um Capitão da
Indústria, um Oficial especialmente encarregado com a organização do
trabalho desorganizado, que estaria continuamente alerta, pensando
como melhor utilizar o labor humano que está sendo desperdiçado em
seu distrito. É contrário a todas as experiências prévias supor que
a adição de informações, por mais precisas que sejam, funcionarão a
contento quando colocam a disposição um produto que é uma droga no
momento, um produto invendável, sem saída no mercado.

Robertson, de Brighton, freqüentemente costuma observar que toda


verdade é construída de duas proposições aparentemente
contraditórias. Da mesma maneira eu posso dizer que a solução de
toda dificuldade social será encontrada na descoberta de duas
dificuldades correspondentes. É como um quebra-cabeça de crianças.

Quando você reúne pessoas de vez em quando descobre algum pedaço


desajeitado que não se ajusta em parte alguma, mas você não fica
chateado nem entra em desespero despedaçando a peça e jogando-a no
lixo. Pelo contrário, você a mantém com você e fica atento, pois
sabe que logo descobrirá vários outros pedaços que serão impossíveis
encaixar sem seu ingovernável pedaço disforme no centro. Agora, no
trabalho de juntar e montar aquele monte de pecinhas espalhadas em
torno da base de nosso sistema social não devemos desesperar por
termos trabalhadores desorganizados, destreinados, que parecem
desesperadamente desajustados com tudo ao redor. Deve haver algo
correspondente a eles que é igualmente inútil até que possa ser
encontrado e devidamente encaixado. Em outras palavras, ao nos
depararmos com alguma dificuldade no que diz respeito aos
sem-trabalho, temos que nos dedicar a encontrar outra dificuldade
que se ajuste a ela, e então dessas duas dificuldades emparelhadas
surgirá a solução do problema.

72
Não é necessário ir muito longe para descobrirmos em cada cidade e
em cada país o elemento correspondente aos nossos trabalhadores
desempregados. Por um lado desperdiçamos mão-de-obra; e por outro
desperdiçamos produtos. Falarei no próximo capítulo sobre o
desperdício da terra. Vou me ater agora apenas com produtos
desperdiçados. Nesse aspecto temos meios para proporcionar emprego
imediato a um grande número de homens, muitos deles de forma
permanente.

Proponho estabelecer em toda cidade grande o que eu chamaria de


«Brigada Doméstica de Salvamento», uma força civil de coletores
organizados, que patrulharão a cidade inteira tão regularmente como
a polícia, de forma que a cada um será confiada a tarefa de recolher
o lixo das casas no circuito correspondente. Em cidades pequenas e
aldeias isto já é feito, e é importante destacar que a maioria das
sugestões que eu adiantei neste livro são baseadas num princípio
central, o princípio da restauração; em grande escala, de forma a
dotar as massas desinformadas de população em nossas cidades da
mesma informação e cooperação sobre desejos mútuos de cada um e de
todos, que prevalece na pequena cidade ou aldeia. Outro ponto é o
manejo da unidade, porque suas dimensões e suas necessidades não
foram cultivados no range da inteligência, das informações e da
habilidade daqueles que moram nela. Nossas dificuldades nas cidades
grandes surgem principalmente do fato de que o amontoando da
população fez com que o tamanho físico da Sociedade superasse sua
inteligência. É como se um ser humano tivesse repentinamente
desenvolvido novos membros desprovidos de qualquer sistema nervoso
que os conectasse com a massa cinzenta do seu cérebro. Tal coisa é
impossível ao ser humano, mas, infelizmente, é bem possível na
sociedade humana. No corpo humano nenhum membro pode sofrer sem que
um telegrama seja despachado instantaneamente para o centro de
informações; o pé ou o dedo clama quando sofre, e o corpo inteiro
sofre com isto. Assim, em uma pequena comunidade, todos, ricos e
pobres, estão mais cientes dos sofrimentos da comunidade. Em uma
cidade grande onde as pessoas deixaram de ser hospitaleiros,
amáveis, amistosos, prestativos, há apenas uma massa populacional
congestionada, amontoada, estabelecida em certa área pequena sem
qualquer elo humano que os conecte e os una. É aqui, é perfeitamente
possível, e freqüentemente acontece, que os homens verdadeiramente
morrem de fome bem na frente das portas daqueles que, se tivessem
sido informados da condição atual do sofredor caído do lado de fora,
ali pertinho de sua confortável sala de visitas, estariam prontos
para providenciar o necessário auxílio. Então, o que temos que fazer
é cultivar um novo sistema nervoso para o corpo político, criar um
rápido, quase automático, meio de comunicação entre a comunidade
como um todo e o pior de seus sócios, para restabelecer na cidade
aquilo que a aldeia possui.

Longe de mim dizer que o plano que sugeri é o único plano ou o


melhor plano concebível. Tudo aquilo que eu reivindico para ele é
que ele é o único plano que eu posso conceber como praticável no
presente momento, e que, de fato, tem a abrangência, como nenhum
outro, mais ampla que pude descobrir, propõe-se até mesmo a
reconstituir a conexão entre o que eu chamei de massa cinzenta do
cérebro da comunidade municipal com todas as unidades individuais
que compõem o corpo político.

Nessa mesma direção eu abordo o problema do lixo das cidades,


considero-o como um sinal de desvio desse princípio geral. Nas
aldeias há muito pouco lixo. O esgoto é diretamente aplicado na
terra, e assim torna-se uma fonte de riqueza em vez de ser despejado
em grandes reservatórios subterrâneos, gerando gases venenosos, que
por uma engenhoca, retorna novamente para o coração de nossas
habitações, como é o caso nas grandes cidades. Não há qualquer
reaproveitamento do lixo orgânico. O aldeão tem sua criação de
porcos ou de galinhas, se ele não tem um porco seu vizinho tem, e a
coleta de restos de alimentos é administrada tão regularmente como o

73
correio. O mesmo que ocorre com restos de alimentos ocorre também
com trapos e ossos, ferro velho, e todos os escombros e entulhos de
uma casa. Quando eu era menino uma das figuras mais familiares nas
ruas de uma cidade rural era o homem que, com um pequeno carrinho de
mão ou carroça, fazia uma patrulha regular semanal por todas as
ruas, colecionando trapos, ossos, e todos os outros materiais que as
pessoas costumam lançar no lixo, até mesmo comprando-os das crianças
que os colecionam, não em moeda corrente de Sua Majestade, mas com
doces comuns, conhecidos como pirulitos [N.T. no original:
«claggum»] ou «maçãs do amor» [N.T. no original «taffy»]. Quando sua
familiar buzina era ouvida as crianças apareciam com suas
tranqueiras e as comercializavam da melhor forma que podiam com o
comerciante itinerante, resultando em que toda espécie de trastes
inúteis eram recolhidos, amontoados em algum lugar e reaproveitados.

Agora, o que eu quero saber é por que não podemos estabelecer, em


uma escala comensurável com nossas necessidades, uma indústria de
reciclagem em todas nossas grandes cidades? A meu ver, é
inquestionável o fato de que esta coleta é rentável. Se é rentável
em uma pequena cidade rural ao Norte ou em uma aldeia em Midland,
por que não seria mais rentável ainda em uma área onde as casas
estão mais próximas umas das outras, e onde a luxúria e hábitos de
vida descuidados com o uso do dinheiro e o esbanjamento são bem
maiores. Assim, não deveria haver proporcionalmente muito mais
tranqueiras, mais lixo, e, portanto mais rentabilidade que nos
distritos rurais? Examinando o lixo de Londres ocorreu-me que nas
latas de lixo de nossas casas há comida suficiente, se não
desperdiçada, para alimentar muitos pobres famintos, e para empregar
alguns milhares deles em sua coleta, e, além disso, em grande parte
ajudar o projeto geral. O que eu proponho seria desenvolver algo
como o seguinte plano: -

Londres seria dividida em distritos, começando com aquela porção de


mobília e materiais de maior valor. Dois homens, ou um homem e um
menino, seria separado para este propósito para cada distrito.
Às casas seria solicitada permissão de colocar uma caçamba ou coisa
parecida em algum local conveniente onde os membros responsáveis da
comunidade pudessem depositar restos de alimento, e outros materiais
como papel, plásticos, vidro, metais, etc., já separados e
devidamente acondicionados.

Tudo isso seria coletado, digamos uma ou duas vezes por semana, ou
mais freqüentemente, de acordo com a época e as circunstâncias, e
transferido desses vários distritos para depósitos tão centrais
quanto possível.

No momento, muito deste material é lançado na lata de lixo, onde


apodrece e produz doenças. Há jornais velhos, livros rotos, garrafas
velhas, latas, vidros, plásticos, etc.. Nós sabemos que há vários
artigos que não estão tão ruins assim para serem lançados no lixo,
mas que não tem qualquer utilidade para nós. Mas nós os colocamos de
lado, deixando as coisas como estão para ver como é que ficam, e
como raramente algo se ajeita por si só, lá permanecem.

Por exemplo, instrumentos musicais, brinquedos velhos, carrinhos de


bebê, roupas velhas, todas as coisas, em suma, qualquer coisa que
não precisamos mais, e para a qual não há nenhum mercado ao nosso
alcance, mas que sentimos seria insultante e vergonhoso destruir.
Quando eu tiver minha Brigada Caseira de Salvamento corretamente
organizada, começando, como eu disse, em algum distrito onde
provavelmente encontraremos uma grande quantidade desses materiais,
nossos coletores uniformizados passariam a cada dois dias ou a cada
duas vezes por semana com um carrinho de mão ou carroça. Como
estes homens estariam sob rígida disciplina, e registrados, o dono
da casa teria uma segurança contra qualquer eventual abuso por parte
de tais visitantes regulares.

No momento, o indivíduo que percorre as ruas com uma carroça,

74
comprando e vendendo coisas usadas, e que leva uma vida mais ou
menos precária, por visitas intermitentes, é olhado desconfiadamente
pelas donas de casa prudentes. Elas temem em muitos casos que ele
recolhe refugos para ter a oportunidade de encontrar algo de maior
valor enquanto «catam», e que ela seria descuidada e negligente se
não houvesse nenhuma autoridade a quem pudessem reclamar. Sob nossa
Brigada, cada distrito teria seu funcionário registrado subordinado
a uma administração superior, a quem poderia ser feita qualquer
reclamação, e cujo dever seria verificar se os funcionários sob sua
responsabilidade executam seu trajeto pontualmente e cumprem seus
deveres sem afronta.

Quero aproveitar essa oportunidade para negar qualquer intenção de


interferir com as Pequenas Irmãs do Pobre, ou qualquer outra pessoa
que recolhe sobras de alimentos de hotéis e outros estabelecimentos
para propósitos caridosos. Meu objetivo não é penetrar nos domínios
de meu próximo, nem eu jamais tomarei partido em qualquer disputa
contenciosa para o controle desta ou daquela fonte de provisão. Tudo
aquilo que já é utilizado eu considero fora de minha esfera. A selva
desocupada do desperdício é uma área larga o bastante para as
operações de nossa Brigada. Mas aquilo que estamos colocando em
prática não tem nenhuma conotação de competição. Recolheremos
regularmente sobras de alimentos de determinados grandes hotéis, e
as coisas relacionadas anteriormente, e várias outras, em locais
intactos onde ninguém faz isso.

Com exceção das pessoas que participaram de experiências reais,


poucas pessoas tem qualquer noção da imensa quantidade de Alimento
que é desperdiçada atualmente. Alguns anos atrás, a Senhora Wolseley
estabeleceu um sistema de coleta de porta em porta em Mayfair para
angariar alimentos para uma refeição beneficente que, combinada com
Baronesa Burdett-Coutts, já tinha experimentado em Westminster. A
quantia da comida que ela juntou foi enorme. Às vezes encontravam,
na barrica que aguardava a chegada do carro coletor, pernas de carne
de carneiro da qual apenas uma ou duas fatias haviam sido cortadas.
Não é de forma alguma uma estimativa exagerada assumir que o
desperdício das cozinhas de West End proveriam alimento suficiente
para todos os sem-trabalho que serão empregados em nossos galpões de
trabalho e centros industriais. Tudo aquilo que é necessário é uma
coleta, pronta e sistemática, por homens disciplinados, confiáveis,
e que cumpram sua tarefa com pontualidade e civilidade, e aqueles
que fracassam neste dever podem ser chamados diretamente à atenção
pelo funcionário responsável.

Sobre a utilização de boa parte do alimento coletado falarei mais


tarde, quando descreverei a segunda grande divisão de meu projeto,
isto é, a Colônia Rural. Muito do alimento coletado pela Brigada
Caseira de Salvamento não estaria disponível para consumo humano.
Neste ponto o maior cuidado seria tomado, e o resto seria
despachado, se possível, através de barcaças rio abaixo para a
Colônia Rural, que iremos descrever mais adiante.

Mas a comida não é o único dos materiais com que poderíamos


trabalhar. Em nossa Fábrica de Whitechapel há um sapateiro que
apanhamos pelas ruas, destituído e miserável. Ele está salvo agora,
e feliz, e remenda o couro dos sapatos dos companheiros dele. Aquele
sapateiro, eu prevejo, é apenas o pioneiro de um exército inteiro de
sapateiros que constantemente trabalha reparando botas e sapatos em
Londres. Já em algumas cidades provincianas um grande negócio é
praticado pela conversão de sapatos velhos em novos. Eles chamam os
homens assim empregados de recuperadores [N.T. no original:
translators]. Botas e sapatos, como todos seus usuários sabem, não é
composto de uma só peça nem vem com todas suas peças separadas. A
sola muitas vezes se desgasta completamente, enquanto o couro
superior permanece em bom estado, ou o couro superior estoura
enquanto que o restante permanece em boas condições; mas seu par
individual de sapatos e botas não é nada confortável para você
quando qualquer parte fica desesperadamente ruim. Mas se você

75
entrega ao nosso artista treinado em couro e ao seu exército de
assistentes mil pares de botas e sapatos, verá que de mil pares de
sapatos com defeito pode construir quinhentos pares que, se não
perfeitos, estarão imensuravelmente melhores que as terríveis botas
que cobrem os pés de muitos pobres andarilhos sem trabalho, sem
falar das milhares de crianças pobres que estão agora em nossas
escolas públicas. Em algumas cidades foi estabelecido um Fundo para
Sapatos e Botas para prover à criança que vem à escola sapatos
suficientemente bons para não deixar entrar água entre a escola e a
casa. Você se lembra das 43.000 crianças famintas e subnutridas
informadas pelo Senso Escolar que freqüentam as escolas de Londres,
você não acha que há milhares delas que poderiam ser facilmente
disponibilizadas, com vantagem, de sapatos ressuscitados de nossa
Fábrica de Sapatos?

Porém, este é apenas um ramo da indústria. Tome velhos


guarda-chuvas. Todos nós conhecemos o reparador de guarda-chuva
itinerante cujo aparecimento na vizinhança no bairro ou na fazenda
leva a boa esposa a esquecer por um momento das suas galinhas para
mandar arrumar seu guarda-chuva quebrado. Mas aquele cavalheiro é
quase que a única alternativa pela qual podem ser salvos os velhos
guarda-chuva cheios de poeira. Ao lado de nossa Fábrica de Sapatos
teremos uma grande Fábrica de Guarda-Chuva. O ferro ornamental de um
guarda-chuva será provido com a vara de outro, e até mesmo aqueles
bem estragados pelo uso, acharemos um bom emprego para seus aços e
barbatanas.

E assim por diante. As garrafas são uma fonte fértil de uma ligeira
preocupação doméstica. Quando você compra uma garrafa você tem que
pagar um centavo por ela; mas quando você a esvazia você não pode
recuperar seu centavo; não, nem até mesmo um farthing [N.E. Moeda
inglesa de cobre de um quarto de pêni]. Então ou você lança sua
garrafa vazia empoeirando, ou joga fora. Mas se nós pudéssemos
colecionar diariamente todas as garrafas desperdiçadas de Londres,
dificilmente não conseguiríamos transformar cada uma delas em um
belo centavo, lavando-as, ordenando-as, e despachando-as para um
novo ciclo. Lavar garrafas velhas manteria um número considerável de
pessoas.

Eu posso imaginar a objeção que será levantada por algumas pessoas


míopes de que ao reciclarmos material velho e usado, diminuiremos a
demanda por material novo, e assim reduziremos trabalho e salários
de uma forma que enquanto cobrimos um santo descobrimos outro. Esta
objeção me faz lembrar de uma observação de um piloto do Norte do
País que, ao falar da estupidez na indústria de construção naval,
disse que nada faria um bem melhor do que uma série de tempestades
pesadas, que enviariam um bom número de navios a vapor de longo
curso para o fundo, os quais seriam substituídos, conforme os
economistas políticos pensam, fazendo com que os estaleiros ficassem
mais uma vez repletos de encomendas. Porém, este não é o modo pelo
qual o trabalho é provido. A Economia é uma grande auxiliar no
comércio, visto que o dinheiro poupado é gasto em outros produtos de
indústria.

Há um material que está aumentando continuamente em quantidade e que


é o desespero da vida da dona de casa e da Autoridade Sanitária
Local. Eu me refiro aos alimentos enlatados. Hoje em dia tudo chega
até nós em latas. Nós temos latas de café, latas de carne, lata de
salmão, e ad nauseam em lata. A lata está se tornando cada vez mais
o envelope universal das rações humanas. Mas quando você extrai o
conteúdo da lata o que fazer com ela? Montanhas enormes de latas
vazias pairam por toda parte empoeiradas, pois nenhum homem
descobriu meios de utiliza-las em grande escala. O preço de mercado
delas é aproximadamente quatro ou cinco xelins a tonelada, mas elas
são tão leves que precisaria de meia dúzia de caminhões para
transportar uma tonelada. Antigamente elas eram prensadas com solda,
mas agora, por um novo processo, elas são prensadas sem solda. O
problema da utilização das latas é uma das coisas que teremos que

76
resolver, e eu não tenho nenhuma idéia de como fazer isso.

Eu vejo nas latas velhas de Londres pelo menos um meio de


estabelecer uma indústria que é no momento monopolizada por nossos
vizinhos. A maioria dos brinquedos que são vendidos na França no Dia
de Ano Novo são feitos quase que completamente com latas de sardinha
colecionadas na capital francesa. O mercado de brinquedo da
Inglaterra está no momento longe de ser abarrotado, há multidões de
crianças que não tem nenhum brinquedo interessante para se divertir.

Nestas latas vazias eu vejo um meio de empregar um grande número de


pessoas fabricando brinquedos baratos que acrescentarão uma nova
alegria nas casas dos pobres -- o pobre para o qual cada moeda [N.T.
no original: farthing] é importante. Os ricos sempre podem adquirir
brinquedos -- mas os filhos dos pobres, que vivem em um cômodo
não tem nada a observar a não ser a favela ou a rua. Estas desoladas
crianças precisam de nossos brinquedos, e se providos bem baratos
eles os levarão em quantidades suficientes para valer a pena
fabricá-los.

Um livro inteiro poderia ser escrito relativo à reciclagem do lixo


de Londres. Mas eu não vou escrever um. Eu espero antes fazer algo
bem melhor que escrever um livro, isto é, estabelecer uma
organização para reciclar o lixo, e então se eu descrevo o que está
sendo feito agora, é muito melhor que explicar o que eu proponho
fazer. Mas existem outros tipos de materiais no lixo que é
necessário aludir, como jornais velhos, revistas, e livros. Os
jornais acumulam em nossas casas até que nós às vezes os queimamos
em completo desgosto. Revistas e livros velhos ficam amontoados até
não sobrar nenhum lugar para colocar um volume novo. Minha Brigada
aliviará o dono da casa destas dificuldades, tornando-se assim uma
grande agência distribuidora de literatura barata. Depois que a
revista fez seu dever nas casas da classe média, ela pode circular
pelas salas de leitura, casas de correção, e hospitais. Toda
publicação emitida da Imprensa que é de uso mais leve para homens e
mulheres irá, por nosso Projeto, adquirir uma dupla utilidade. Será
lida primeiro por seu dono, e depois por muitas pessoas que nunca
teriam oportunidade de lê-la.

Estabeleceremos uma imensa loja de livros usados. Serão expostos


todos os melhores livros que chegam em nossas mãos para venda, não
somente em nossos depósitos centrais, mas nos carrinhos de mão de
nossos vendedores ambulantes de livros que irão de rua em rua com um
tipo de literatura que, acredito, será um pouco superior ao pábulo
ordinário que é provido ao pobre. Depois de vendermos tudo que
pudermos, e doarmos o necessário às instituições públicas, o resto
será levado até nossa grande Fábrica de papel da qual falaremos
depois, na parte referente à nossa Colônia Rural.

A Brigada Doméstica de Salvamento constituirá uma agência capaz de ser


utilizada em qualquer extensão para a distribuição de pacotes de
jornais, etc.. Uma vez que você tem seu homem de confiança que
visitará cada casa com a regularidade de um carteiro, e prossegue em
sua lida com a pontualidade de um policial, você pode fazer grandes
coisas com ele. Eu não preciso elaborar este ponto. Será um Corpo de
Comissionários universal, criados para servir ao público e aos
interesses dos pobres que nos colocará em contato direto com toda
família em Londres e constituirá um meio sem paralelo para a
distribuição de anúncios e a coleta de informações.

Não exige uma imaginação muito fértil ver que quando tal visitação
casa-em-casa for regularmente estabelecida, e desenvolvida em todas
as direções; e estiver funcionando, como irá funcionar, em conexão
com nossas Fábricas Anti-Exploração e Colônia Industrial,
provavelmente logo se tornará o meio de negociar vários reparos
caseiros, como uma janela quebrada ou uma meia-calça estragada. Se
um zelador quisesse mover uma mobília, ou uma mulher quisesse limpar
janelas ou qualquer outro biscate, o Servo de Todos pediria o

77
serviço, verbalmente ou através de cartão postal, receberia a ordem,
e o interessado apareceria sem qualquer dificuldade adicional por
parte do dono da casa no momento combinado.

Uma palavra sobre o custo. Há quinhentas mil casas no distrito


Policial Metropolitano. Prover toda casa com uma banheira e um saco
para a recepção de lixo envolveria uma despesa inicial que
possivelmente não pode ser menos de um xelim por casa. Tão enorme é
Londres, e tão enorme os números com que teremos que lidar, que uma
simples preliminar requereria um custo de #25.000. Claro que eu não
proponho começar qualquer coisa em um patamar tão vasto. Tal soma é
apenas uma das muitas despesas envolvidas, mas serve para ilustrar a
extensão das operações que a Brigada Caseira de Salvamento
necessitará. O empreendimento está então além do alcance de qualquer
um, mas ao alcance de uma grande e poderosa organização com capital
suficiente e capacidade para afiançar lealdade, disciplina, e
disposição para o trabalho.

CAPÍTULO 3. RUMO AO CAMPO!


A COLÔNIA RURAL

Vamos deixar de lado, por um momento, os vários aspectos das


operações que serão não apenas indispensáveis mas também
subsidiárias à Colônia Urbana, como as Casas de Salvamento para
Mulheres Perdidas, o Resgate de Bêbados, as Casas para
Ex-Prisioneiros, o Escritório de Informações para a Descoberta de
Amigos e Parentes Desaparecidos, e a Agência de Aconselhamento que,
no devido tempo, se tornará uma instituição de inestimável valor
como Tribuna do homem pobre. Todas estas e outras sugestões para
salvar o perdido e ajudar o pobre, embora formem elementos
essenciais da Colônia Urbana, serão melhor explanadas depois que eu
explicar a relação que a Colônia Rural terá com a Colônia Urbana, e
será indicado o meio pelo qual tudo isso funcionará como um canal de
alimentação da Colônia Além-Mar.

Eu já descrevi como proponho lidar, no primeiro caso, com a massa


excessiva de mão-de-obra que infalivelmente acumulará em nossas mãos
assim que os Abrigos estiverem mais estabelecidos em quantidade e
qualidade. Mas eu reconheço completamente que quando todas as vagas
de trabalho que criamos estiverem ocupadas por homens e mulheres
disponíveis na cidade, mesmo assim ainda permanecerão muitos que
você não poderá empregar nem mesmo na Brigada Caseira de Salvamento,
ou encaminhá-los para empregadores, por mais completo e cuidadoso
que sejam nossos registros. O que, então, fazer com eles? A resposta
a essa pergunta parece-me óbvia. Eles têm que ir para o campo!

A terra é a fonte de todo alimento; mas a terra se torna


completamente produtiva apenas pela aplicação do trabalho. Há uma
vasta quantidade de terras improdutivas pelo mundo afora, não me
refiro a Continentes distantes, ou ao Polo Norte aqui perto, há uma
vasta quantidade de terras improdutivas aqui mesmo, bem na frente de
nossa porta. Por exemplo, você já calculou as milhas quadradas de
terra improdutiva que ladeia todas nossas vias férreas? Não há
dúvida que alguns tipos de terra são de materiais que confundiriam a
habilidade de cultivo de um chinês ou de um cuidadoso montanhês
suíço; mas tais terras são exceções. Quando outras pessoas falam em
cultivar a Planície de Salisbury, ou lavrar as pantanosas terras
nuas do Norte desabitado, eu penso nas centenas de milhas quadradas
de terra que repousam em tiras longas ao lado de cada uma de nossas
estradas de ferro as quais, sem qualquer custo de transporte,
poderiam ser enriquecidas com um sem número de toneladas de adubo
orgânico vindo da Cidade, e cujas colheitas poderiam ser levadas
imediatamente para o mercado mais próximo sem qualquer custo inicial
a não ser o de encher os caminhões. Estas terras ao lado das

78
estradas de ferro constituem uma área vasta, capaz produzir o
suficiente para congestionar como nunca os mercados de Crosse e
Blackwell. Em quase todos os municípios da Inglaterra há fazendas
desocupadas, e, ainda em maior número, fazendas com apenas um quarto
de cultivo, que precisam apenas da aplicação de uma população
laboriosa que, trabalhando com o devido incentivo, produzirão duas
ou até mesmo quatro vezes mais do que elas rendem em um dia.

Há poucos assuntos tão ferozmente controversos como a possibilidade


de tirar sustento de uma pequena propriedade, mas os criadores de
carneiros [N.T. no original: cottiers] irlandeses fazem isto, em
regiões infinitamente piores para este propósito que as terras
cultiváveis de nossa Essex, e sem possuir nenhuma das vantagens que
a civilização e a cooperação -- sob o comando de uma corporação
inteligentemente administrada -- pode proporcionar. Considere a
terra que não é devidamente cultivada! Vá aos Vales suíços e examine
você mesmo os miseráveis fragmentos de terra, desbastados como se
tivessem sido retirados do coração das montanhas de granito, e onde
o cabaneiro faz seu cultivo de onde tira seu sustento. Sem dúvida
ele tem os Alpes onde seu gado pasta no verão, e suas outras
ocupações que o permitem completar sua escassa renda com a horta de
sua chácara entre os rochedos; mas se o montanhês suíço, bem no meio
de uma neve eterna, longe de qualquer mercado, consegue cultivar uma
terra miserável no breve verão dos elevados Alpes, é impossível
acreditar que os ingleses, trabalhando em solo inglês, perto de
nossos mercados e desfrutando todas as vantagens da cooperação, não
possam ganhar seu pão diário por sua labuta diária. A terra da
Inglaterra não é inclemente, e embora muito seja dito contra nosso
clima, ela tem, como Sr. Russell Lowell observou depois de uma longa
experiência em muitos países e muitos climas, «o melhor clima do
mundo para o trabalho humano». Ou seja, há mais dias no ano inglês
em que um homem pode trabalhar confortavelmente ao ar livre com uma
enxada do que em qualquer outro país debaixo do céu. Eu não digo que
os homens farão uma fortuna da terra, nem finjo que podemos, sob o
cinzento céu inglês, esperar competir com a produtividade das
fazendas de Jersey; mas eu estou preparado para sustentar diante de
quem quer que seja que é possível um homem laborioso cultivar suas
rações, desde que ele esteja determinado a arrancar com sua enxada
aquilo que a terra tem para lhe dar. Especialmente quando essa
empreitada for feita com uma direção inteligente e com as vantagens
da cooperação.

Não é uma suposição razoável? Sempre pareceu-me uma coisa estranha


essa insistência de que você primeiramente tem que transferir
milhares de trabalhadores a um país desolado, deserto, para que
possam trabalhar e extrair sustento da terra, quando há centenas de
milhares de acres cultivados apenas pela metade ou sem cultivo
algum. Seria razoável pensar que você só pode começar a tirar
sustento da terra quando ela está a milhares de milhas distante do
mercado mais próximo? Milhares de milhas distante do lugar onde o
trabalhador possa comprar sua ferramentas e obter todas as coisas
necessárias à vida? Se um homem obtêm lucro cultivando nas pradarias
ou na Austrália onde toda sua produção de grãos têm que ser
arrastada por locomotivas por estradas de ferro pelo continente,
para depois ser levada por navios a vapor através do oceano, será que
ele não poderia pelo menos obter com seu trabalho o suficiente para
manter-se vivo se você colocá-lo em uma terra que dista uma hora de
trem do maior mercado do mundo?

A resposta para isto é, você não pode dar a ao homem em questão um


pedaço de terra tão grande quanto às pradarias ou as florestas
canadenses. Isto, sem dúvida, é verdade, mas o colonizador que se
instala nas regiões canadenses recobertas de matas e afastadas dos
centros populosos não limpa a terra toda de uma vez. Ele se mantém
com apenas uma pequena porção dela, e vai avançando aos poucos, até
que, depois de muitos anos de hercúleo labor, ele estabelece para si
e para seus filhos, uma posse livre e alodial. Uma posse livre e
alodial [N.T. no original: freehold estate, refere-se a propriedade

79
ou ocupação da terra por um indivíduo que nada deve por possuí-la,
ocupá-la, ou por ter direito a ela], sem ônus pendente, não está
disponível na Inglaterra, mas se um homem trabalhar na Inglaterra
como se trabalha no Canadá ou na Austrália, ele encontrará pouca
dificuldade em tirar sustento da terra tanto aqui como lá.

Posso estar errado, mas quando eu viajo ao estrangeiro e vejo a luta


desesperada entre proprietários rurais e pequenos proprietários por
uma fração adicional de terra em distritos montanhosos, uma idéia de
cultivo que faria nosso trabalhadores agrícolas torcer seus narizes
em profundo desprezo, me convenço de que nossa terra inglesa poderia
suportar uma quantidade bem maior de almas do que suporta no
momento. Por exemplo, suponha que Essex seja de repente movida de
seu ancoradouro inglês e rebocado pelo Canal da Mancha até a
Normandia, ou, para não imaginar milagres, suponha que a Armada
Chinesa desembarque na Ilha de Thanet, como fizeram os reis dos
mares, Hengist e Horsa, qualquer um que imagine por um momento o
Kent, fértil e cultivado como é, passaria a considerá-lo como um
verdadeiro Jardim do Éden, fora do estranho lugar distante onde
nossos invasores de pele amarela projetaram um jeito para extrair o
suficiente para manter-se com boa saúde. Eu apenas sugiro a
possibilidade de que a dificuldade não está na terra nem no clima,
mas na insuficiente aplicação de trabalho na terra suficiente, de um
modo verdadeiramente científico.

«O que é o modo científico?» Alguém pergunta impacientemente. Eu não


sou um agricultor; não dogmatizo nada. Eu li muito de muitas
canetas, e anotei as experiências de muitas colônias, e aprendi a
lição de que é na escola do trabalho prático que o conhecimento mais
valioso será obtido. Não obstante, a estatura de minhas propostas é
baseada na experiência de muitos que dedicaram as vidas deles ao
estudo do assunto, e foi endossada por especialistas cuja
experiência lhes dá autoridade para falar com uma confiança
inquestionável.

SEÇÃO 1. -- A FAZENDA.
Minha idéia presente abrange uma propriedade de quinhentos mil acres
não muito longe de Londres. Deve ser uma terra adequada para a
horticultura, deve ter alguma argila para fazer tijolos e para
plantações que requerem uma terra mais pesada. Se possível, deveria
não apenas estar no curso de uma linha de estrada de ferro
administrada por diretores inteligentes e progressivos, mas deveria
ter também acesso para o mar e para o rio. Deveria ser terra de
propriedade livre e alodial [N.E. algo semelhante a terra devoluta
no Brasil], e deveria localizar-se não muito longe de alguma cidade
ou aldeia. A razão para o desiderato posterior é óbvia. Nós devemos
estar perto de Londres por causa de nosso mercado e para o
transporte dos artigos coletados por nossa Brigada Caseira de
Salvamento, mas não deve estar perto demais de qualquer cidade ou
aldeia para que a Colônia possa estar livre de tavernas, dos
elementos perniciosos, da influência venenosa, mortal, que se
insinua pela árvore da civilização. Algo sine qua non da nova
Colônia Rural é que não haverá nenhum tolerância a bebidas
alcoólicas dentro de seus limites sob qualquer pretexto. Os médicos
terão que prescrever algum outro estimulante que substitua o álcool
aos residentes nesta Colônia. Mas será quase inútil excluir o álcool
com uma mão forte ou com regulamentos férreos se os Colonos
precisarem apenas de um curto passeio para dar de cara com «Leões
Vermelhos», «Dragões Azuis», «George Quarto», que abundam em toda
cidade do interior.

Uma vez obtida a terra eu deveria proceder prepará-la para os


Colonos. Esta é uma operação que é essencialmente a mesma em
qualquer parte. Você precisa de provisão de água, suprimentos e
abrigo. Tudo isso deve ser feito da maneira mais simples possível.
Nossa brigada pioneira, cuidadosamente selecionada dos competentes
Sem-Trabalho na Colônia Urbana, seria enviada até a propriedade e a
prepararia para aqueles que viriam depois. E aqui, é importante

80
destacar, não é nenhuma grande ilusão imaginar que entre os
definhados e arruinados do mercado de trabalho não há nenhum
trabalhador de valor e que todos são inúteis. Eles são inúteis sob
as presentes condições, expostos às constantes tentações do
alcoolismo, nesse aspecto, sem dúvida eles são inúteis, mas alguns
dos homens mais luminosos de Londres, algumas das mãos mais
habilidosas, alguns dos cérebros mais brilhantes, estão neste exato
momento perambulando desamparados na lama, da qual nos propomos
salvá-los.

Eu não estou falando sem base neste assunto. Um dos meus melhores
Oficiais que tenho hoje foi como eles. Há um infinito potencial de
capacidade que repousa latente em nossos Botequins Provincianos e
Palácios do Álcool [N.T. no original Provincial Tap-roons e City Gin
Palaces] mas que precisam ser resgatados, e até mesmo aqueles que
carecem destas coisas, se você puder colocá-los em condições onde
não mais poderiam ser absorvidos pelos seus velhos hábitos
destrutivos, você poderia fazer grandes coisas com eles.

Eu posso imaginar perfeitamente a risada incrédula diante desta


minha proposta.

«O que?», alguém dirá, «Você acha que da escória dos habitantes dos
bairros pobres de Londres [N.T. no original Cockneydom] você pode
criar pioneiros agrícolas?» Vamos olhar por um momento para os
ingredientes que compõem o que você chama «escória dos habitantes
dos bairros pobres de Londres». Depois de exame cuidadoso e de uma
pesquisa cruzada dos Sem-Trabalho que já estão registrados em nossa
Agência de Emprego, achamos pelo menos sessenta por cento que é oriunda
do campo, homens, mulheres, meninos, e meninas que deixaram as casas
deles no interior e vieram para a cidade na esperança de melhorar
de vida. Eles não são de forma alguma «escória dos habitantes dos
bairros pobres de Londres», e eles não representam nenhuma escória
do país, pelo contrário, representam os espíritos mais luminosos e
mais aventureiros que tentaram corajosamente abrir o espaço deles em
novas e incompatíveis esferas e acabaram mergulhando na mais
terrível aflição. De trinta casos, selecionados ao acaso nos vários
Abrigos durante a semana que terminou em 5 de julho de 1890, vinte e
dois nasceram no interior, dezesseis eram homens que vieram a muito
tempo atrás, mas que aparentemente nunca obtiveram um emprego
regular, e quatro eram militares idosos. Dos sessenta casos
examinados na Agência e nos Abrigos durante a quinzena que terminou
em 2 de agosto, quarenta e dois vieram do campo; dos vinte e seis
homens que tinham estado em Londres por vários períodos; que
variaram de seis a quatro anos; nove eram rapazes com menos de
dezoito, que saíram de casa rumo à cidade; enquanto que quatro eram
ex-militares. De oitenta e cinco casos de albergueiros com quem
conversamos à noite quando dormiam nas ruas, sessenta e três eram
oriundos do campo. Uma proporção muito pequena de Sem-Trabalho são
genuinamente nascidos e criados em Londres.

Há outro elemento no assunto, cuja existência será novidade para a


maioria das pessoas, é a grande proporção de ex-militares entre os
que estão desamparados, desesperados e destituídos. O Sr. Arnold
White, depois de gastar muitos meses nas ruas de Londres e de
interrogar mais de quatro mil homens que encontrou durante um gélido
inverno dormindo ao ar livre como animais feridos concluiu que pelo
menos 20 por cento deles são homens da Reserva do Exército. Vinte
por cento! Quer dizer, um homem em cada cinco que teremos que lidar
serviu sob as cores de Sua Majestade a Rainha. Esta é a recompensa
que estes pobres companheiros recebem depois de dedicarem a primeira
parte de suas vidas ao serviço do país deles. Embora isso possa ser
largamente atribuído ao próprio descuido deles para com o uso do
dinheiro e sua má conduta, é um escândalo e uma desgraça que mostra
a outra face do formigamento patriótico.

Ainda assim, eu vejo nisto um grande recurso. Um homem que esteve no


Exército da Rainha é um homem que aprendeu obedecer. Além disso é um

81
homem que foi ensinado nas escolas mais rígidas para serem
habilidosos e talentosos, para fazer o melhor no trabalho mais duro,
e para não se considerar um mártir se lhe enviarem para uma
empreitada desesperadora. Eu digo freqüentemente que se nós
pudéssemos conseguir fazer com que pelo menos metade da devoção
cristã assumisse a forma prática e o senso de dever que anima Tommy
Atkins [N.T. no original commonest Tommy Atkins] que mudança seria
provocada no mundo!

Olhe para pobre Tommy! Um rapaz do meio rural que entra em alguma
dificuldade, está longe de casa, começa a afundar cada vez mais, sem
esperança de emprego, nenhum amigo para aconselhá-lo, e ninguém para
dar-lhe uma mão. Em completo desespero ele pega o xelim da Rainha e
entra nas fileiras do Exército. Ele é entregue a um sargento de uma
severidade inexorável, ele é compelido a alojar-se em quartéis onde
não há qualquer privacidade, os homens são misturados, muitos deles
com vícios, poucos desses companheiros são de sua própria escolha.
Ele adquire suas rações, e embora lhe digam que irá receber um xelim
por dia, há tantos obstáculos que ele freqüentemente não pega nem um
xelim por semana. Ele é esmagado, premido e mandado de lá para cá
como se fosse uma máquina, toda a alegria que ele tem, sem mesmo
considerar que haja qualquer sofrimento da parte dele, é trabalhar
estúpida e automaticamente para sua Rainha, para seu país, fazendo
seu melhor. O pobre diabo também está orgulhoso de seu uniforme
vermelho, e cultiva seu amor-próprio refletindo que ele é um dos
defensores de sua terra nativa, um dos heróis de cuja coragem e
resistência depende a segurança do reino britânico.

Do outro lado do mundo, dia após dia, algum saltitante pró-consul


acha necessário esmagar alguns homens-máquinas-assassinas que surgem
agourentos à sua volta, ou algum potentado selvagem faz alguma
incursão no território de alguma colônia britânica, ou alguma
explosão feroz de fanatismo islamita levanta um Mahdi no meio da
África. Repentinamente Tommy Atkins é lançado para dentro de um
navio militar, e varrido pelos mares, melancólico e enjoado, e
extremamente miserável, para enfrentar os inimigos da Rainha no
estrangeiro. Quando ele chega lá é despejado na praia, agrupado a
outras tropas, marcha à frente sob o clarão devastador de um sol
tropical em cima de pântanos venenosos nos quais os camaradas dele
adoecem e morrem, até que ele afinal é retirado do local sob o
ataque de dezenas de milhares de selvagens ferozes. Longe de todos
que o amam ou o querem, com os pés doloridos e cansados da viagem,
depois de ter comido nada mais que um pedaço de pão seco nas últimas
vinte e quatro horas, ele tem que se levantar e tem que matar ou tem
que matar. Freqüentemente ele cai penetrado por uma azagaia ou
cortado por uma espada de folha larga manejada pelo inimigo. Então,
depois que a luta acaba o solo fica coberto de camaradas mortos,
seus pobres ossos são amontoados em uma cova rasa, e são abandonados
sem nem mesmo uma cruz para marcar sua solitária sepultura. Talvez
ele tenha sorte e consiga fugir. Mesmo assim Tommy fica sujeito a
todo tipo de sofrimento e privação, não imagina a si mesmo como um
mártir, as coisas que fez ou sofreu não lhe trazem nenhuma boa
lembrança, e retrai-se submisso em nossos Abrigos e nossas Fábricas,
pedindo apenas pela bênção do céu do aparecimento de alguém que lhe
dê um emprego onde possa trabalhar honestamente. Esse é o destino de
Tommy Atkins.

Se um único indivíduo sofrer ou fazer, no interior de cada uma de


nossas igrejas e capelas, em benefício de sua espécie e pela
salvação dos homens, aquilo que centenas de milhares de Tommy Atkins
sofrem e fazem, de uma forma submissa, levando tudo como se
estivesse em seu trabalho diário, em sua luta pelo alimento, pelo
seu xelim diário (nem sempre diário), você não acha que
transformaríamos o mundo inteiro? Sim, verdadeiramente. Mas,
infelizmente encontramos muito pouco desta devoção.

Eu espero fazer grande uso destes homens da Reserva de Exército. Há


engenheiros entre eles; há homens de artilharia e infantaria; há

82
homens de cavalaria que conhecem o que um cavalo precisa para manter
uma boa saúde, há homens do departamento de transporte, para os
quais haverá bastante trabalho na transferência das montanhas de lixo
de Londres para nossos Depósitos na Fazenda. Porém, a propósito,
esta é uma digressão, um desvio do rumo do assunto principal.

Depois de deixar a Fazenda relativamente em ordem, devemos


selecionar das Colônias Urbanas todos aqueles que provavelmente
teriam êxito como nossos primeiros colonos. Estes consistiriam de
homens que trabalharam muitas semanas ou muitos dias na Fábrica, ou
que estiveram sob observação durante um tempo razoável nos Abrigos
ou nas Favelas, e que tenham evidenciado vontade de trabalhar,
disposição para a disciplina, e ambição para melhorar. Ao chegarem
na Fazenda eles seriam instalados em barracas, e imediatamente
dirigidos ao trabalho. No tempo do inverno fariam a drenagem,
construiriam estradas, cercas, e muitas outras formas trabalho
poderiam ser desenvolvidas quando os dias são curtos e as noites
longas. Na Primavera, Verão e Outono, alguns seriam empregados na
terra, principalmente no manejo da enxada, naquilo que é chamado
sistema de agricultura «intensiva», como prevalece nos subúrbios de
Paris onde os horticultores literalmente criam solo, e que rende
resultados bem melhores do que quando você simplesmente arranha a
superfície com um arado.

Nossa Fazenda, eu espero, será tão produtiva quanto um grande horta.


Haverá um Superintendente na Colônia que seria um horticultor
prático, familiarizado com os melhores métodos da pequena
agricultura, e toda aquela ciência e experiência necessária para o
tratamento lucrativo da terra. Então haverá várias outras formas de
trabalho continuamente em desenvolvimento, de forma que emprego
poderia ser fornecido e adaptado à capacidade e habilidade de todo
Colono. Quanto os estabelecimentos se tornam necessários, os
próprios Colonos os constróem. Se eles querem uma estufa para
plantas, eles mesmos a montam. Tudo na Propriedade deve ser
produzido pelos Colonos. Por exemplo, as cabanas onde vão morar.

Depois que o primeiro destacamento se instala em seus alojamentos e


cultiva uma parte do campo, lá surgirá uma demanda por casas. Estas
casas devem ser construídas, e os tijolos produzidos pelos próprios
Colonos. Todo o trabalho de marcenaria será feito de acordo com o
planejado, isso significa a criação de uma demanda sustentada. Então
haverá mobília, roupas, e um grande número de muitos outros desejos,
a provisão destas coisas gera trabalho que o próprio Colono executa.

O Exército de Salvação poderá consumir a totalidade dos alimentos,


legumes, verduras, etc., produzidos pelas Colônias. Essa é uma das
vantagens de estar conectado em grande escala e em constante
crescimento; com uma mão ajudando a outra, podemos fazer muitas
coisas que aqueles que se dedicam exclusivamente à colonização
jamais conseguiriam realizar. Vimos a grande quantidade de
providências necessárias para prover os Depósitos de Alimentos em
sua presente dimensão, e como seu aumento aumentará bastante o
consumo. Nesta Fazenda eu proponho implementar todo tipo de
«pequenas hortas » [N.T. no original «little agriculture»].

Ainda não entrei em detalhes sobre o lado feminino de nossas


operações, pois dediquei outro capítulo para isso. Porém, é
necessário traze-lo aqui para explicar que tais tarefas serão
exercidas tanto por mulheres como por homens. A fruticultura abre um
grande campo para o trabalho feminino, e realmente será uma mudança
como do Tophet [N.T. referência a um local descrito no Inferno de
Dante] para o Jardim do Éden, quando as pobres meninas que
perambulam desnorteadas pelas ruas de Londres trocam as calçadas do
Piccadilly pelos morangos de Essex ou de Kent.

Nosso cultivo não ficará restrito apenas a frutas e hortaliças, eu


acredito que uma grande variedade de culturas poderia ser
desenvolvida nos suplementos menores da Fazenda.

83
Não há dúvida de que no conjunto das pessoas com as quais temos que
lidar haverá, até certo ponto, uma sobra residual de pessoas
mentalmente fracas ou fisicamente incapacitadas para se ocuparem de
labutas mais duras. Para estas pessoas é necessário achar trabalho,
e eu acredito que haverá um bom campo para o uso de suas energias
entorpecidas no cuidado de coelhos, na alimentação de frangos, no
cuidado das abelhas, em suma, fazendo todas aquelas pequenas obras
específicas, mas que não compensam o labor de homens sadios.

Uma vantagem da natureza cosmopolita do Exército de Salvação é que


temos Oficiais em quase todos os países no mundo. Quando este
Projeto estiver funcionando a todo vapor cada Oficial Salvacionista
em toda parte será encarregado, como um dos deveres de sua chamada,
manter seus olhos abertos a toda noção útil e toda idéia concebível
para aumentar o rendimento da terra e evitar qualquer desperdício de
mão de obra. Tudo isso significa que eu espero que não haverá
qualquer idéia no mundo que não seja colocada a disposição de nosso
Projeto. O Oficial na Suécia pode dar-nos sugestões práticas de como
eles administram suas cozinhas [N.T. no original food kitchens ]
para as pessoas. O Oficial no Sul da França pode explicar como os
camponeses puderam não apenas desenvolver avícolas para seu próprio
uso, como também para poder exportá-los aos milhões para a
Inglaterra. O Sargento na Bélgica aprende como é que os criadores de
coelhos podem alimentar e engordar sua criação e prover nosso
mercado com milhões de coelhos. Assim, ouvindo-os, prestando atenção
nessas idéias, faremos seu cérebro trabalhar em prol de nossa gente.

Pelo estabelecimento desta Colônia Rural deveríamos criar uma grande


escola técnica de educação agrícola. Seria a Universidade Agrícola
dos Trabalhadores, que treinaria pessoas para a vida campestre nas
novas terras que iriam colonizar e possuir.

Todo homem que vai para nossa Colônia Rural faz isso, não para
adquirir fortuna, mas para obter o conhecimento de sua ocupação e o
domínio de suas ferramentas que lhe permitirão desempenhar seu papel
na batalha de vida. Receberá uma vestimenta [N.T. no original
uniform] barata que não acharemos nenhuma dificuldade em montá-la
das roupas velhas de Londres, e será difícil que tenhamos menos
sorte que o horticultor ordinário, que não tenhamos sucesso obtendo
lucro suficiente para pagar todas as despesas da fazenda, e deixar
algo para a manutenção dos desesperadamente incompetentes, e para
aqueles que, falando de uma forma crua, não valem o que comem.

A toda pessoa na Colônia Rural será ensinada a lição elementar da


obediência, e será instruída nas artes necessárias da agricultura,
ou algum outro método de ganhar seu pão. A Seção Agrícola aprenderá
a lição das estações e do melhor tipo de sementes e plantas. Aqueles
que pertencem a esta Seção aprenderão a cavar um poço, fazer
estradas e construir pontes, e em termos gerais subjugar a terra e
faze-la render riquezas que nunca são negadas ao trabalhador
industrioso e hábil. Mas a Colônia Rural, mais que a Colônia Urbana,
embora seja instituição permanente, não abastecerá permanentemente
aqueles com quem temos que lidar. É uma Escola de Treinamento para
Emigrantes, um lugar onde indispensáveis lições práticas são
determinadas, que permitirão aos Colonos saber resolver as
dificuldades que terão pela frente e a se sentir em casa onde quer
que haja terra para cultivar, sementes para semear, e colheitas para
colher. Nós temos grande confiança na paz e na prosperidade da
Colônia no sentido da fraternidade que será universal em sua forma
mais alta e mais profunda. Embora não haja nenhum pagamento
sistemático de salários, haverá algum tipo de recompensa e
remuneração para o esforço honesto, que será reservado para o
benefício dele, como depois explicarei. Cada um terá o seu trabalho,
e a cada um será suprido em suas necessidades, e qualquer excedente
fará a ponte pela qual qualquer companheiro pobre possa escapar da
cova horrível e da lama imunda da qual foram salvos.

84
O peso e a morosidade da vida rural, especialmente nas Colônias,
levam muitos homens a preferir uma vida de sofrimento e privação em
uma favela da Cidade. Mas em nossa Colônia eles estariam próximos
uns dos outros, e desfrutariam as vantagens da vida rural e a
associação e o companheirismo da vida urbana.

SEÇÃO 2. -- A ALDEIA INDUSTRIAL.


Descrevendo as operações da Brigada Caseira de Salvamento eu
mencionei as quantidades enormes de alimento de boa qualidade que
seriam coletadas diariamente de porta em porta durante o ano. Muito
deste alimento é adequado para consumo humano, desperdiça-lo seria
um erro. Por exemplo, imagine a quantidade de sopa que poderia ser
feita com uma boa fervura de ossos carnosos frescos coletados na
Cidade grande! Pense nos pratos delicados que um cozinheiro francês
poderia fazer das sobras de alimentos de boa qualidade e que não são
aproveitados em uma única cozinha de West End. A boa Arte culinária
não é uma extravagância mas uma forma de não desperdício, e muitos
pratos deliciosos feitos por nossos amigos Continentais vem de
materiais que seriam raivosamente descartados pelos mendigos mais
esfarrapados de Whitechapel.

Mas depois que isso for feito permanecerá uma massa de alimento
imprópria para consumo humano, mas que pode ser convertida em comida
pelo simples processo de passá-lo por outro aparelho digestivo. O
pão velho de Londres, de aparência desagradável, passado, pode ser
usado como alimento dos cavalos que são empregados na coleta de
materiais. Ajudará alimentar os coelhos, cujos viveiros estarão
perto de toda cabana na propriedade rural, e as galinhas da Colônia
florescerão dos miolos que caem da mesa dos Dives. Mas depois de
servidos os cavalos, coelhos e frangos, ainda permanecerá um resíduo
de material orgânico que pode ser lucrativamente colocado a
disposição da voracidade dos porcos. Eu prevejo um aumento na oferta
de carne de porco, em virtude desse novo Projeto Social, que tornará
insignificante tudo aquilo que existe hoje na Grã Bretanha e na
Irlanda. Temos a vantagem da experiência internacional sobre a
escolha de raças, a construção de chiqueiros, e manejo dos estoques.

A maior parte da lavagem obtida virá praticamente ao custo de


coleta, e pode-se adotar todos os mais recentes métodos de Chicago
para a matança, defumação, e acondicionamento de nossa carne de
porco, presunto, e toucinho.

Há poucos animais mais úteis que o porco. Ele come qualquer coisa,
vive em qualquer lugar, e quase tudo dele, do nariz até a ponta do
rabo, é possível converter em um artigo vendível. Seu porco também é
grande produtor de adubo, e a agricultura é, no final das contas, em
grande parte, uma questão de adubo. Trate bem a terra e ela o
tratará bem. Com nossos porcos conectados com nossas Colônias Rurais
não haverá nenhuma falta de adubo.

Com a suinocultura cresceria uma grande fábrica de toucinho, e que


novamente geraria mais necessidade de mão-de-obra. Então seria
produzida uma grande quantidade de lingüiça, e tudo feito da melhor
carne em vez de ser fabricada, como é feito com muita freqüência,
com ingredientes bem censuráveis e que acabam fazendo parte da ração
predileta do homem pobre.

Porém, a comida é apenas um dos materiais que serão coletados pela


Brigada Caseira de Salvamento. As barcaças que descem rio abaixo com
a maré, carregadas com lixo recolhido de meio milhão de casas,
conterá uma quantidade enorme de material que não pode ser comido
nem mesmo por porcos. Por exemplo, haverá ossos velhos. No momento
muitos especuladores são pagos para ir até as pradarias da América
para recolher restos de ossos de búfalos mortos para fazer adubo.

Paga-se os fabricantes para trazer ossos do fim do mundo para


moê-los para uso em nossos campos. Mas os ossos desperdiçados de
Londres; quem os coleta? Eu vejo, como em uma visão, cargas de

85
barcaças carregadas de ossos descendo o Tâmisa para a grande Fábrica
de Processamento de Ossos. Os melhores renderão material para cabos
de facas e botões, e inúmeros artigos que proporcionarão uma ampla
oportunidade nas longas noites de inverno para testar a habilidade
de nossos escultores da Colônia, enquanto que o resto irá
diretamente para o Moenda de Adubo. Haverá uma demanda constante de
adubo por parte de nossa crescente demanda por novas Colônias e
Fazendas Cooperativas, todo homem será educado na grande doutrina de
que não há nenhuma boa agricultura sem adubo em abundância. E aqui
haverá uma fonte infalível de provisão.

No meio de todo esse material haverá uma imensa quantidade de


substancias gordurosas, pedaços de gordura, sebo e banha, nata
grossa, e toda gordura rançosa de uma grande cidade. Para tudo isso
teremos que achar uso. O melhor disto fará graxa de vagão, o resto,
depois da devida ebulição e filtragem, formará o núcleo da
matéria-prima que fará de nosso Sabão Social uma palavra bem
conhecida por toda parte [N.T. no original: throughout the kingdom].
Após o manejo do Adubo a Fábrica de Sabão será o acessório natural
de nossas operações.

O quarto grande aproveitamento do que é diariamente desperdiçado em


Londres será papel e papelão velho que, depois de ser tratado
quimicamente, e propriamente manipulado através de maquinaria, será
redirecionado ao mundo na forma de papel e papelão. O Exército de
Salvação consome nada menos de trinta toneladas de papel todas as
semanas. É, portanto, um cliente tão potencial para tal papel como o
moinho novo no início de sua produção; papel onde poderemos imprimir
as boas notícias de nossa grande alegria, e contar aos pobre de
todas as nações as notícias de salvação aqui mesmo na terra e no
Céu, salvação plena, presente, e livre, para todos os filhos dos
homens.

Então vem o metal. Há vários modos de reciclar latas velhas em


geral, podemos utilizá-los, após uma boa pintura, como vasos de
plantas, ou converte-las em ornamentos, ou cortá-las para fazer
brinquedos ou para algum outro propósito. Meus oficiais foram
instruídos a fazer um relatório exaustivo da maneira como os
coletores de refugo de Paris lidam com latas de sardinha. A
indústria de fazer brinquedos a partir de latas será algo que poderá
ser implementado melhor na Colônia Rural do que na Colônia Urbana.
Se necessário, nós traremos um trabalhador especializado da França
que ensinará para nossa gente como lidar com lata.

Com relação a tudo isso é óbvio que haveria uma demanda constante
por pacotes de embalagem, por barbante, corda, e por caixas de todos
os tipos; por carretas e carros; em suma, devemos em breve ter uma
comunidade completa praticando quase todo tipo de ofício, profissão,
ocupação, arte, que pode ser encontrado em Londres, exceto o setor
de bebidas alcoólicas, e funcionando integralmente em princípios de
cooperação, não aquela cooperação para o benefício do cooperador
individual, mas para o benefício da massa submersa que está por traz
dele.

REGRAS E REGULAMENTOS PARA A ADMINISTRAÇÃO DAS COLÔNIAS.


Um documento que contém as Ordens e Regulamentos para a
Administração da Colônia deve ser aprovado e assinado por todo
Colono antes da admissão. Entre outras coisas haverá o seguinte: --

1. Todos os Oficiais devem ser respeitosamente tratados e


implicitamente obedecidos.

2. O uso de bebidas alcoólicas [N.T. no original: intoxicants] é


estritamente proibido, não é permitido dentro da área. Qualquer
Colono culpado de violar esta Ordem será expulso, e na primeira
violação.

3. A expulsão por embriaguez, desonestidade, ou falsidade se dará

86
após a terceira violação.

4. Palavras de baixo calão são estritamente proibidas.

5. Nenhuma crueldade será praticada contra homem, mulher, criança ou


animal.

6. Qualquer séria ofensa contra o caráter de uma mulher, ou criança


do sexo oposto, incorrerá em expulsão imediata.

7. Após certo período de experiência, e de uma considerável porção


de paciência, todo aquele que não trabalhar será expulso.

8. A decisão do Administrador da Colônia, seja Urbana, Rural ou


Além-Mar, se aplica a todos os casos.

9. Com respeito a penalidades, as regras seguintes serão aplicadas.

A confiança suprema na manutenção de ordem, como foi observado


antes, será colocada no espírito de amor que prevalecerá ao longo da
comunidade. Mas como isso não pode ser esperado como êxito universal.
Certas penalidades terão que ser providas: --

(a) A primeira ofensa, exceto em caso de flagrante, será registrada.


(b) A Segunda ofensa será publicada.
(c) A terceira ofensa incorrerá na expulsão ou na entrega às
autoridades.

Outros regulamentos serão necessários com o desenvolvimento do


Projeto.

Não haverá nenhuma tentativa de forçar os Colonos aceitar as regras


e regulamentos aos quais estão sujeitos os Soldados Salvacionistas.
Aqueles que estão profundamente salvos e que por livre e espontânea
vontade se tornam Salvacionistas irão, naturalmente, sujeitar-se às
do Serviço. Mas os Colonos que estão dispostos a trabalhar e a
obedecer as ordens do Oficial Dirigente estarão sujeitos apenas ao
anterior e aos regulamentos similares; para todas as outras coisas
eles estarão livres.

Por exemplo, não haverá nenhuma objeção a recreações esportivas ou


qualquer exercício ao ar livre condizente com a manutenção de saúde
física e espiritual. Serão disponibilizados um quarto de leitura e
uma biblioteca, junto com um saguão no qual eles podem se divertir
nas longas noites de inverno e mau tempo. Estas coisas não são para
os Soldados de Exército de Salvação que têm outro trabalho no mundo.
Mas para aqueles que não estão no Exército estas recreações são
permissíveis. O jogo e qualquer coisa com tendência imoral como o
roubo será reprimido.

Provavelmente, haverá uma Exposição Anual de frutas e flores na qual


todos os Colonos que tenham um espaço cultivado poderão participar.
Eles exibirão suas frutas e legumes como também seus coelhos, suas
aves, e toda criação na fazenda. Todo esforço será feito para
estabelecer indústrias na aldeia, e eu tenho a esperança de
restabelecer algumas das ocupações domésticas que a máquina a vapor
limitou às grandes fábricas. Quanto mais auto-sustentável for uma
Colônia melhor. E embora o tear manual nunca possa competir com as
tecelagens de Manchester, ainda assim é uma ocupação que mantém as
mãos das donas de casa ocupadas nas longas noites de inverno, e não
será menosprezada como um elemento na economia da Determinação.
Devido a toda sua inovação em equipamentos, Manchester e Leeds
fabricam bens comuns muito mais baratos do que os que são feitos em
casa ou mesmo nos entrepostos, mas ainda há alguma competitividade
do tear manual em vários tipos mais complexos de trabalho. Por
exemplo, todos nós ainda sabemos que o sapato feito à mão é superior

87
ao artigo mais perfeito que a maquinaria possa produzir.

Haveria, no centro da Colônia, uma Escola primária Pública na qual


as crianças receberiam treinamento, e lado a lado com que uma Escola
Industrial Agrícola, como descrito anteriormente.

O bem-estar religioso da Colônia será acompanhado pelo Exército de


Salvação, mas não haverá nenhuma obrigatoriedade em tomar parte em
seus serviços. O Sabbath será observado estritamente; nenhum
trabalho desnecessário será feito na Colônia naquele dia, mas além
da interrupção do labor, os Colonos poderão passar o domingo da
maneira que melhor lhes agrade. Será falha do Exército de Salvação
se eles acharem nossos serviços aos domingos não suficientemente
atraentes para merecer a freqüência deles.

SEÇÃO 3. -- AS ALDEIAS AGRÍCOLAS.


Isto me conduz à próxima característica do Projeto, a criação de
estabelecimentos agrícolas na vizinhança da Fazenda, ao redor da
Propriedade original. Eu espero obter terra com o propósito de
cedê-la aos Colonos mais competentes que desejem permanecer no país
em vez de ir para o estrangeiro. Haverá partilhas de três a cinco
acres com uma cabana, uma vaca, e as ferramentas e sementes
necessárias para desenvolver uma agricultura de subsistência. Um
custo semanal será imposto para reembolso de suas despesas e
provisões. O posseiro será naturalmente titulado com seus direitos
de posse, mas serão tomadas as devidas precauções contra sublocações
e outras formas de exploração que se manifestam nas comunidades
agrícolas. Ao entrar em sua posse, o posseiro ficará responsável
pela terra e pelo sustento de sua família. Eu não terei mais nenhuma
relação com aquele pai de família, como eu tenho com os outros
membros da Colônia; ele não terá mais nenhuma obrigação para comigo,
exceto o pagamento do arrendamento.

A criação de um grande número de Fazendas Partilhadas torna


necessário o estabelecimento de uma fábrica de lacticínios, onde o
leite pudesse ser trazido diariamente e pudesse ser convertido em
manteiga pelos métodos mais modernos, o mais rápido possível. A
indústria de laticínios, que em algumas regiões no Continente
tornou-se uma fina arte, está em uma condição muito atrazada neste
país. Mas pela co-operação entre os cotistas e um inteligente
pessoal administrativo muito daquilo que no presente parece
impossível poderá ser feito.

Ao arrendatário será permitido arendamento permanente pelo pagamento


de um aluguel anual ou imposto da terra, sujeito, naturalmente, aos
regulamentos necessários que podem ser feitos para a prevenção da
intemperança, da imoralidade e da preservação das características
fundamentais da Colônia. Desta forma nossa Colônia Rural ficará
independente das pequenas Colônias ao redor até que o local original
torne-se o centro de uma série inteira de pequenas fazendas onde
viverão aqueles que nós salvamos e treinamos, se não debaixo da sua
própria videira, figueiras, pelo menos no meio de sua própria pequena
fazenda de frutas, cercada por seus pequenos rebanhos. As cabanas
serão várias residências destacadas, cada qual levantada em seu
próprio terreno, não tão longe de seu vizinho ao ponto de privar
seus ocupantes do benefício do relacionamento humano.

SEÇÃO 4. -- A FAZENDA COOPERATIVA


Ao lado da Colônia Rural renovarei a experiência desenvolvida pelo
Sr. E. T. Craig, que foi tão bem sucedida quanto a de Ralahine.
Quando quaisquer dos membros da Colônia original estiverem
suficientemente afinados para desejar levar uma empreitada em comum
por conta própria, eu me associarei com alguns deles em uma Fazenda
Cooperativa, para tentar alcançar em Essex ou em Kent o mesmo
sucesso alcançado no Município de Clare. Eu não possuo material mais
promissor que os irlandeses selvagens da propriedade do Coronel
Vandeleur, mas certamente tomarei o cuidado de tomar as precauções

88
necessárias contra qualquer infortúnio que destruiu as expectativas
de Ralahine.

Eu considero esta como uma das experiências mais importantes de


todas, e se, como espero, for bem sucedida, quer dizer, se os
resultados atingidos em Ralahine forem alcançados em grande escala,
então problemas como desemprego, superpopulação, uso da terra, e
suprimento de alimento para o globo, estão inquestionavelmente
resolvidos.

Por enquanto isso é tudo, mais informações sobre Relahine serão


colocadas no fim deste volume.

CAPÍTULO 4. NOVA BRETANHA -- A COLÔNIA ULTRAMARINA.


Entramos agora na terceira e última fase do processo regenerativo.
Da Colônia Ultramarina. O termo Ultramarina é suficiente para
algumas pessoas condenarem o Projeto. O preconceito contra a
emigração foi diligentemente nutrido em certos círculos por aqueles
que admitem abertamente não desejar esvaziar as fileiras do Exército
local de Descontentes. As pessoas mais descontentes são aquelas que
mais causam problemas ao Governo e que tem mais possibilidade de
provocar um levante generalizado, que é sua única perspectiva de
esperança no futuro. Alguns novamente objetam a emigração em virtude
do transporte. Eu confesso que tenho uma grande simpatia por aqueles
que contestam a emigração. Para consolo de meus críticos, eu posso
dizer imediatamente que se é para expatriar compulsoriamente
qualquer inglês, eu me recuso fazer parte disso ou enviar ao
ultramar qualquer homem ou mulher que não deseje ser enviado
voluntariamente.

Uma jornada ao ultramar é agora uma coisa muito diferente do que era
quando uma viagem para a Austrália consumia mais de seis meses,
quando os emigrantes eram abarrotados às centenas em navios a vela,
e cenas de abomináveis pecados e brutalidades eram incidentes
normais da passagem. O mundo ficou bem menor desde a descoberta do
telégrafo elétrico. Paralelamente ao encolhimento deste planeta sob
a influência das máquinas a vapor e da eletricidade surgiu um senso
de fraternidade e uma consciência de comunidade, de sociedade e de
nacionalidade por parte das pessoas de língua inglesa ao longo do
mundo. Mudar do Devon para a Austrália é em muitos aspectos como
mudar do Devon para a Normandia. Na Austrália o Emigrante encontra
homens e mulheres com os mesmos hábitos, o mesmo idioma, e na
realidade, as mesmas pessoas, excluindo aqueles que vivem ao sul. A
redução da taxa postal entre a Inglaterra e as Colônias, uma redução
que eu espero será seguida logo pelo estabelecimento do Universal
Penny Post entre as terras onde se fala o inglês, tenderá mais
adiante a minorar o senso de distância.

A constante tráfego de Colonos em suas idas e vindas à Inglaterra


torna absurdo falar das Colônias como se elas fossem uma terra
estrangeira. Elas simplesmente são pedaços da Inglaterra
distribuídos pelo mundo afora, permitindo ao bretão acesso às partes
mais ricas da terra. [N.E.: Aqui vemos o espírito imperialista
europeu, a exemplo dos portugueses ao invadir, ocupar e saquear
Pindorama (hoje Brasil); e dos espanhóis nas terras (hoje México,
etc.) onde hoje predomina a língua castelhana].

Outra objeção contra este Projeto é que os colonos já instalados no


ultramar verão com infinito alarme o prospecto da transferência de
nosso excesso de mão-de-obra ao país deles. É fácil entender como
estes mal entendidos surgirão, mas não haverá muito perigo neste
aspecto. Os trabalhadores que administram os alojamentos de
Melbourne se opõem a novas remessas de homens ao seu mercado de
trabalho, pela mesma razão que o Sindicato das Docas se opõe ao

89
surgimento de novas remessas de homens aos portões das docas,
temendo que os novatos entrem em competição hostil com eles. Mas
nenhuma Colônia, e nem mesmo os Sindicalistas que governam Victoria,
poderiam contestar racionalmente a introdução de Colonos treinados
na terra. Eles veriam que estes homens se tornariam uma fonte de
riqueza, simplesmente porque eles se tornariam imediatamente
produtores como também consumidores, e em vez de reduzir salários
eles tenderiam a melhorar o comércio e assim aumentar a quantidade
de empregos aos trabalhadores agora na Colônia. A Emigração da forma
como foi administrada até aqui foi levada a cabo em cima de
princípios diretamente opostos a estes. Homens e mulheres foram
simplesmente lançados em direção a países sem qualquer consideração
sobre suas habilidades para conseguir sustento, por conseguinte
tornaram-se pesadelo, preocupação, despesa, fardo, às energias da
comunidade. O resultado é que eles circulam pelas cidades e competem
com os trabalhadores coloniais, forçando assim os salários para
baixo. Evitaremos esse erro. Não será necessário que australianos e
outros Colonos reclamem que seus países estão sendo convertidos em
um tipo de depositório de homens e mulheres totalmente inadequados
às novas circunstâncias em que são colocados.

Além disso, olhando do ponto de vista da própria classe, tal


emigração teria qualquer valor duradouro? Não são meramente
circunstâncias mais favoráveis que são requeridas por estas
multidões, mas hábitos industriosos, veracidade, e autodomínio, que
os permitiriam a conquistar melhores condições caso as possuíssem. É
triste, mas de acordo com informações bem seguras já há muitos --
das mesmas classes que queremos ajudar -- em países supostamente
considerados como paraíso dos trabalhadores.

O que poderia ser feito com pessoas cuja primeira indagação ao


chegar à terra estrangeira seria onde comprar uísque? E que são
totalmente ignorantes das formas de labor e hábitos industriosos
absolutamente indispensáveis à dura vida de um Emigrante? Tais
pessoas inevitavelmente fugiriam da abnegação exigida pelas novas
circunstâncias, e em vez de enfrentar as inconveniências ligadas à
vida do colono, provavelmente afundariam em desespero e pânico, ou
se instalariam nas favelas da primeira cidade para a qual eles
vieram.

Estas dificuldades, ao meu ver, barram consideravelmente e em


qualquer escala o caminho dos «dez por cento mais pobres» à
emigração, e estou plenamente convencido, como a maioria daqueles
que pensam e escrevem economia política, que a emigração é o único
remédio a este poderoso mal. Agora, o plano da Colônia Ultramar, eu
acho, supera estas dificuldades:--

(1) Na preparação da Colônia para as pessoas.


(2) Na preparação das pessoas para a Colônia.
(3) Nos arranjos que possibilitam o transporte das pessoas, quando
preparadas.

Propomos garantir uma grande área de terra satisfatória ao nosso


propósito dentro de algum espaço rural. Pensamos na África do Sul,
para começar. Mas não precisamos de nenhuma maneira nos limitarmos
àquela parte do mundo. Não há nada que impeça a implantação de
estabelecimentos semelhantes no Canadá, Austrália, ou alguma outra
terra. A Columbia britânica tem fortemente atraído nossa atenção.

Realmente, é certo que se este Projeto provar o sucesso que


antecipamos, a primeira Colônia será a precursora de comunidades
semelhantes. Porém, a África apresenta-nos grandes vantagens no
momento. Acreditamos haver porções satisfatórias de terra que podem
ser obtidas sem dificuldade e que se encaixam em nossos propósitos.
Terras com clima saudável. Há uma grande necessidade de mão-de-obra,
de forma que se por qualquer motivo faltar trabalho na Colônia,
haverá oportunidades abundantes de ganhar bons salários das
Companhias pelos arredores.

90
SEÇÃO 1. -- A COLÔNIA E OS COLONOS.
Antes de tomar qualquer decisão, porém, serão obtidas informações
sobre a posição e as características da terra; a acessibilidade do
mercado para a compra de artigos; a comunicação com a Europa, e
outros particulares necessários.

O próximo passo seria obter a concessão, ou caso contrário, uma área


suficiente de terra satisfatória à finalidade da Colônia, em
condições que delineassem suas características presentes e futuras.
Obtendo o título da terra, o próximo passo será fundar o
estabelecimento. Isto, suponho, será realizado enviando um corpo
competente de homens sob supervisão qualificada para fixar um local
satisfatório para o primeiro assentamento, erguendo tais edifícios
de uma forma adequada, cercando e revolvendo a terra, planejando as
primeiras colheitas, e armazenando estoques suficientes de comida
para o futuro.

Então uma nova leva de Colonos seria enviada para unir-se aos
primeiros, e de tempos em tempos outras levas, na medida em que a
Colônia esteja preparada para recebê-los. Mais adiante poderiam ser
escolhidos outros locais para estabelecer mais Colônias, e antes que
se passe muito tempo a Colônia seria capaz de receber e absorver um
fluxo contínuo de emigração de proporções consideráveis.

O próximo passo seria o estabelecimento de uma administração


competente e eficiente, que preparasse e obrigasse o cumprimento das
mesmas leis e disciplina que os Colonos se acostumaram na
Inglaterra, junto com eventuais alterações e adições conforme as
novas circunstâncias tornasse necessário.

Os Colonos ficariam responsáveis por tudo aquilo que dissesse


respeito ao seu próprio sustento; quer dizer, eles comprariam e
venderiam, se engajariam no comércio, contratariam empregados, e
fariam transações ordinárias do dia a dia.

Nossa Sede na Inglaterra representaria a retaguarda da Colônia no


país, e com dinheiro provido pelos colonos, quando estiverem bem
estruturados, compraria os produtos que, no início, eles mesmos são
incapazes produzir, como maquinaria e coisas assim, e também
venderia o produto deles pelo melhor preço.

Toda a terra, madeira, minerais, e similares, seriam arrendados aos


Colonos, bem como toda valorização de território não obtida pelo
trabalho, mas decorrente de demanda excessiva, e toda melhoria na
terra, tudo isso seria assegurado em nome da comunidade inteira, e
utilizado para seu proveito geral, uma certa porcentagem seria
separada para a extensão de seus limites, com um contínuo e
crescente fluxo de Colonos da Inglaterra.

Seriam feitos arranjos para a acomodação temporária de novas levas.


Oficiais seriam mantidos com a finalidade de orientar, dirigir e
supervisionar. Na medida do possível, os colonos seriam introduzidos
ao trabalho sem qualquer desperdício de tempo, e seriam criadas
situações para que se engajassem prontamente; de qualquer forma,
suas necessidades teriam que ser supridas.

Haveria amigos que dariam boas-vindas e cuidariam deles, não somente


com base no princípio do lucro e da perda, mas com base na amizade e
na religião, muitos daqueles emigrantes provavelmente seriam velhos
conterrâneos conhecidos, dotados de todas as influências sociais,
comedimento, moderação, prudência, controle, e o gozo, o prazer e a
alegria religiosa com que os Colonos se acostumaram. Após a
preparação da Colônia para os Colonos, o próximo estágio é preparar
os COLONOS PARA A COLÔNIA ULTRAMARINA.

Eles seriam preparados por uma educação voltada para a honestidade,

91
verdade, perseverança, diligência, assiduidade, atividade,
disciplina, temperança, esforço, sem os quais seria mera ilusão
qualquer esperança no sucesso deles. A Colônia Urbana receberia
homens e mulheres sem caráter, mas nenhum deles seriam enviados à
Colônia Ultramarina sem provar merecer esta confiança.

Cada um seria inspirado pela ambição de ser bom para si mesmo e


para seus camaradas Colonos.

Eles seriam instruídos em tudo que dissesse respeito à sua futura


carreira.

Eles seriam instruídos em práticas laboriosas nas quais seriam


proveitosamente empregados.

Eles seriam acostumados à vida dura e aos apuros que teriam que
suportar.

Eles seriam acostumados no estudo da maneira pela qual os homens e a


sociedade decidem, utilizando moeda ou não, empregar recursos
produtivos escassos na produção de diferentes bens e distribuí-los
para consumo no presente e no futuro, entre os vários grupos da
sociedade. E teriam que colocar em prática tais ensinamentos.
Eles seriam familiarizados com os camaradas com os quais teriam que
viver e labutar.

Eles seriam acostumados ao Governo, Ordens, e Regulamentos que


teriam que obedecer.

Eles seriam educados, a cada oportunidade que surgisse em hábitos de


paciência, clemência, perseverança, indulgência, e afeto, que
contribuiria em grande parte pelo próprio bem-estar de todos eles, e
garantiria o sucesso desta parte do nosso Projeto.

TRANSPORTE À COLÔNIA ULTRAMAR.


Vamos abordar agora à questão do transporte. Certamente há um
elemento de dificuldade aqui, se o remédio for aplicado em uma
escala muito grande. Mas isto será superado se considerarmos as
seguintes questões: --

Que a amplitude do número reduzirá o custo individual. Os Emigrantes


podem ser transportados a determinado local na África do Sul, como
pretendemos, a #8 por cabeça, incluindo a jornada por terra; e, sem
dúvida, se a quantidade for grande, este valor seria reduzido
consideravelmente.

Muitos dos Colonos teriam amigos que os ajudariam com dinheiro para
custear a passagem, equipamentos, aparelhamento, aprovisionamento.
Os solteiros terão angariado algum dinheiro na Cidade e na Colônia
Rural que será suficiente para pagar a própria passagem. Com o
passar do tempo parentes que estão confortavelmente instalados na
Colônia, juntarão dinheiro, e ajudarão familiares a juntar-se a
eles. Temos exemplos claros na Austrália e nos Estados Unidos de
como esses países têm, desta forma, absorvido milhões de esforçadas
pessoas pobres vindas da Europa.

Todos os Colonos e emigrantes geralmente assinarão um instrumento


legal para reembolsar todas as somas em dinheiro, despesas de
passagem, equipamentos, ou para enviar contingentes adicionais no
futuro.

Esse plano, se prudentemente levado a cabo, e generosamente


assistido, propiciará não apenas a transferência de todo excesso de
mão-de-obra deste país, como também implicará, acreditamos, com o
decorrer do tempo, em enormes vantagens ao próprio povo, tanto deste
país como do país que a adotar. A história da Austrália e Estados
Unidos comprovam isto. É bem verdade que os primeiros colonos
comparados com os últimos eram em todos os sentidos pessoas

92
altamente qualificadas para um empreendimento dessa magnitude, e que
nos propomos executar. Mas é igualmente verdade que um grande
contingente de gente ignorante, malévola, odiosa, maliciosa, cruel,
maldosa, de nossas populações européias têm vertido desde então para
aqueles países sem afetar sua prosperidade, e esta Colônia Ultramar
teria a imensa vantagem inicial de surgir disciplinada,
administrada, cuidadosamente adaptada às mais peculiares
circunstâncias, e rigidamente compromissada [N.T.: no original,
enforced] em cada aspecto particular.

Para que não haja nenhum mal entendido com relação a esta Colônia
Ultramarina, é bom que fique bem claro que todas minhas propostas
aqui apresentadas são necessariamente tentativas e experimentos. Não
há nenhum problema de minha parte em aceitar quaisquer sugestões,
pareceres e considerações maduras, por parte de homens práticos, e
que contribuam para o aperfeiçoamento destas minhas proposições. O
Sr. Arnold White que já administrou duas levas de Colonos para a
África do Sul é um dos poucos homens neste país que têm experiência
prática das dificuldades reais envolvendo colonização. Eu tive, por
causa de nossa amizade, a vantagem revisar este Projeto com ele, de
acompanhar detalhe a detalhe, e eu me arrisco acreditar que não há
nada neste Projeto que não esteja em harmonia com o resultado da
experiência dele. Em um par de meses este livro será lido no mundo
inteiro. E resultará em uma abundante colheita de sugestões para
mim, e, eu espero que este livro preste um serviço valioso aos
muitos experientes Colonos em todo país. Na ordem devida das coisas
a Colônia Ultramarina é o última etapa a ser iniciada. Assim que
nosso primeiro grupo de Colonos estiver pronto para cruzar o oceano
eu estarei em melhor posição para corrigir e revisar as propostas
deste capítulo, por causa da sabedoria e da maturidade experimentada
pelos homens práticos de todas as Colônias no Império.

SEÇÃO 2. -- EMIGRAÇÃO UNIVERSAL.


No que diz respeito à Colônia Ultramar é consenso entre aqueles que
estudam a Questão Social que a Emigração é o único remédio para a
superpopulação deste país, mas ao mesmo tempo admitem não saber como
adotar esse remédio; a antipatia das pessoas à grande mudança que
envolve movimentar-se de um país para outro; o custo da passagem, e
a incapacidade geral deles para a vida de um emigrante. Todas estas
dificuldades, como abordamos anteriormente, são completamente
conhecidas pelo Projeto de Colônias Ultramarinas. Mas, aparte desses
que, fugindo das horríveis condição de vida, farão parte de nosso
Projeto, há multidões de pessoas pelo país afora que também teriam
vantagens fazendo o mesmo. Isto seria feito da seguinte maneira: --

1. Abrindo uma Agência em Londres, e designando Oficiais cuja função


será adquirir todo tipo de informação sobre territórios
satisfatórios, apropriados, adequados, que pudessem se enquadrar,
que pudessem inaugurar novos mercados, possibilitando o acesso a
terras, trabalho, rentabilidade, e coisas assim. Estas informações
incluirão custo da passagem, tarifas da estrada de ferro,
organizações, juntamente com todo tipo de informação necessária ao
emigrante.

2. Esta Agência forneceria toda a informação necessária a qualquer


pessoa interessada.

3. Condições especiais seriam arranjadas com empresas navais,


companhias ferroviárias, e agentes imobiliários, às quais os
emigrantes usuários da Agência desfrutariam.

4. Serão providas cartas de apresentação, na medida do possível, aos


agentes e amigos nas localidades para as quais o emigrante se
dirige.

5. Emigrantes interessados, desejosos de aplicar seu dinheiro em


cadernetas de poupança, poderão fazê-lo no Banco do Exército de
Salvação, através desta Agência.

93
6. Espera-se que os agentes governamentais e outros empregadores --
que requisitam Colonos confiáveis a esta Agência -- ofereçam
condições favoráveis com respeito à passagem, emprego, e outras
vantagens.

7. No que diz respeito a qualquer mecanismo onde as despesas do


emigrante sejam custeadas, nenhum emigrante será enviado ao
estrangeiro sem referências sobre seu caráter, espírito laborioso, e
aptidão.

Acredito que esta Agência será especialmente útil às mulheres e às


jovens. Deve haver um grande número delas neste país que vivem em
estado de desnutrição, de qualquer maneira, mesmo nessa situação,
seriam muito bem recebidas no estrangeiro, suas despesas de
transferência seriam custeadas por governos, empregadores e
empresários que teriam toda satisfação em pagar, ou ajudar a pagar,
desde que tivessem a certeza de que ambos os lados sairiam ganhando
pelo arranjo feito.

Neste momento, as operações do Exército de Salvação já são bem


diversificadas, e os escritórios de nossa Agência se multiplicarão
de tal forma que poderão rapidamente fazer atender ambos os lados,
tanto no interesse do emigrante como no interesse do empregador, e
em qualquer parte do mundo.

SEÇÃO 3. -- O NAVIO DA SALVAÇÃO.


Quando selecionamos uma leva emigratória que acreditamos estar
suficientemente preparada para trabalhar na terra que lhe foi
reservada na Colônia Ultramarina, o que a aguarda do outro lado do
mar não é nenhuma expatriação obscura. Qualquer pessoa que
testemunhou a partida dos emigrantes da Costa Ocidental da Irlanda,
e que ouviu as lúgubres lamúrias no momento da despedida, sabe do
horror que a palavra emigração inspira em muitas mentes. Mas quando
nossa leva partir, não haverá nenhuma tristeza, e nenhuma dor pela
separação ou despedida. Em nosso navio irão todos -- pai, mãe, e
filhos. Os indivíduos se agruparão em famílias, e permanecerão mais
ou menos assim, como nos poucos meses que passaram na Colônia Rural,
conhecendo-se mutuamente no campo, nas oficinas, e nos Serviços
Religiosos. É como desatracar um pedaço da Inglaterra, rebocá-lo
pelo mar e atracá-lo em um ancoradouro seguro em um clima mais
ensolarado. O navio que transporta emigrantes, transportará também o
produto das fazendas, e esse constante vai-e-vem, mais do que nunca,
nos dará um sentimento de que esses nossos irmãos separados pelo
oceano são membros de uma família.

Qualquer pessoa que alguma vez cruzou o oceano não consegue evitar
ficar impressionado com a dor que os emigrantes sentem em sua viagem
rumo ao seu destino. Muitas e muitas vezes garotas soçobram diante das
tentações que as atacam em sua jornada em direção terra onde esperam
encontrar um futuro mais feliz.

«O diabo sempre encontra alguma tarefa para mãos desocupadas», e a


bordo de um navio emigrante há muitas delas. Dê uma olhada na proa,
a qualquer momento, e você verá em todas as faces um enfado
inexprimível. Os homens não têm nada que fazer, e um incidente banal
como o aparecimento de uma vela no horizonte distante é um evento
que chama a atenção de todo navio. Eu não vejo por que isto deveria
ser assim. Naturalmente, no caso do embarque e desembarque de
passageiros e frete para distâncias curtas, seria inútil esperar que
todo tempo ou energia fosse dedicado à ocupação ou instrução de
passageiros. Mas o caso é diferente quando, em vez da América, os
emigrantes seguem rumo à África do Sul ou à remota Austrália,
quando, mesmo os mais velozes navios a vapor têm que permanecer
algumas semanas ou meses em alto mar. O resultado é que são
adquiridos os conhecidos hábitos nocivos da inatividade, e muito
freqüentemente o trabalho moral e religioso de toda uma vida é
extinto.

94
Para evitar estas conseqüências más, acredito que deveríamos ser
compelidos a ter nosso próprio navio o mais cedo possível.

Poderíamos encontrar um que melhor se enquadrasse com nosso


trabalho. Sem considerar a questão do tempo, que seria de
importância muito secundária para nós, construindo nosso próprio
navio disporíamos de mais espaço para a acomodação de emigrantes e
para a ocupação industriosa, e envolveria consideravelmente menos
despesas de funcionamento [...]

Todos os emigrantes estariam sob responsabilidade dos Oficiais do


Exército de Salvação, e em vez de uma viagem desmoralizante, seria
instrutiva e lucrativa. Desde o embarque em Londres até o
desembarque no destino, todo colono seria supervisionado, poderia
receber instrução em detalhes particularmente necessários, e
sujeitos a influências que seriam inteiramente benéficas.

Já vimos que uma das grandes dificuldades com respeito à emigração é


o custo do transporte. A despesa de conduzir um homem da Inglaterra
para a Austrália, que leva sete ou oito semanas, está menos
relacionada ao funcionamento da embarcação que o leva, do que às
provisões que ele consome durante a viagem. Agora, com este plano eu
acho que os emigrantes poderiam custear com trabalho pelo menos uma
porção deste desembolso. Não há nenhuma razão pela qual um homem não
deva trabalhar a bordo do navio tanto quanto trabalha em terra.

Claro que não dá para fazer muita coisa em condições meteriológicas


desfavoráveis; mas o número normal de dias durante os quais seria
impossível aos passageiros empregar lucrativamente no tempo gasto
entre o Canal e Cape Town ou Austrália seriam comparativamente
poucas.

Quando o navio está desatracando, atracando ou balançando muito, o


trabalho seria difícil; mas quando os colonos já se acostumaram, e
estão livres das náuseas que atacam os marinheiros de primeira
viagem, eu não posso ver por que eles não deveriam se ocupar com
alguma forma de trabalho industrial mais lucrativo do que bocejar e
vadiar pelo convés, sem mencionar o fato deles estarem ajudando na
despesa da própria passagem. Se marinheiros, bombeiros,
engenheiros, e outros ligados à embarcação tem que trabalhar, não há
nenhuma razão pela qual nossos Colonos também não devam fazer o
mesmo.

Claro que este método requereria arranjos e ajustes especiais no


navio que, se fosse nosso próprio, não seria difícil fazer. À
primeira vista pode parecer difícil achar trabalho para fazer a
bordo de um navio, e poderia parecer impossível encontrar
imediatamente as pessoas certas; mas eu acho que haveriam poucos que
não proveriam algum labor útil antes da viagem terminar, em virtude
das pessoas com as quais estaremos lidando, e desde que fossem
anteriormente devidamente instruídas.

Para começar, haveria uma grande quantidade de trabalho ordinário no


navio que os Colonos poderiam executar, como preparar e servir
comida, limpar o convés e as instalações do navio, e carregar e
descarregar a carga. Todas estas operações poderiam ser feitas
prontamente sob a direção de mãos permanentes. Então fazer sapatos,
tricotar, coser, costurar, e outras ocupações semelhantes poderiam
ser acrescentadas. Acho que máquinas de costura poderiam ser
montadas, e, de uma maneira ou de outra, alguma quantidade de roupas
poderiam ser fabricadas, e que seriam prontamente vendidas com lucro
no desembarque, para os próprios Colonos, ou para pessoas ao redor.

O navio seria então não apenas uma perfeita colmeia industriosa,


seria também um templo flutuante. O Capitão, os Oficiais, e toda
tripulação seriam Salvacionistas. Todos estariam semelhantemente
interessados no empreendimento. Além disso, muito provavelmente

95
obteríamos o serviço dos administradores do navio e da tripulação da
maneira mais barata, em harmonia com os usos e costumes do Exército
em todos outros lugares, homens que servem por amor e não como um
mero negócio. O efeito produzido pelo nosso navio singrando
lentamente para os mares do sul testemunhará a realidade de uma
Salvação para ambos os hemisférios, atracando em portos adequados,
constituindo um novo tipo de trabalho missionário, e angariando em
todos os lugares uma grande quantidade de verdadeira simpatia. No
momento a influência desses que navegam pelos mares nem sempre atuam
no sentido de elevar a moral e a religião dos moradores nos lugares
onde chegam. Porém, pelo menos, nosso barco representaria um
transporte cujo aparecimento não prediria nenhuma desordem, nem
daria origem a nenhum deboche, e do qual fluiria um Exército de
homens que, ao contrário de uma multidão de pés-de-cana e outros
espíritos licenciosos, se ocupariam em explicar e proclamar a
religião do Amor Divino e da Fraternidade Humana.

CAPÍTULO 5. MAIS CAMPANHAS


Até aqui esbocei brevemente as principais características do tripé
do Projeto que acredito ser a saída da «Tenebrosa Inglaterra» pela
qual seus destituídos habitantes possam escapar para a luz e para a
liberdade de uma vida nova. Mas não basta fazer uma larga estrada de
saída a partir do coração desta floresta densa e emaranhada; em
muitos casos seus habitantes estão tão degradados, tão desesperados,
tão completamente desanimados que teremos que fazer algo mais que
abrir estradas. Como lemos na parábola, com freqüência não é
suficiente que o banquete esteja preparado, e os convites entregues;
devemos penetrar pelas estradas e caminhos secretos e convidar as
pessoas para que venham. Não basta disponibilizar nossas Colônias
Urbanas e Rurais, e depois descansar como se tivéssemos encerrado
nosso trabalho. Apenas isso não salvará o Perdido.

É necessário organizar expedições de salvamento para livrar os


miseráveis vagantes do cativeiro que os oprime, e resgatá-los para a
plena liberdade e para vida abundante. Vamos considerar Stanley e
Emin, por exemplo! Não há quem não conheça algum Emin em algum lugar
no coração da Tenebrosa Inglaterra esperando para ser resgatado.

Nossos Emins têm o Diabo como guia, e quando nos aproximamos deles
constatamos que são seus amigos e vizinhos aqueles que os retém, e
eles são, oh, tão vacilantes! É necessário que cada um de nós seja
tão teimoso quanto Stanley, para vencer todos os obstáculos, e para
forçar nossa passagem diretamente para a direção correta, e então
labutar com os pobres prisioneiros do vício e do crime com toda
nossa força. Mas se o Comitê Expedicionário não fornecesse os meios
financeiros que permitisse a abertura de um caminho até o mar,
Stanley e Emin provavelmente até hoje ainda estariam presos no
coração da Tenebrosa África. Este Projeto é nossa Expedição Stanley.

A analogia é bem precisa. Eu proponho abrir uma estrada até o mar.

Mas ai de nosso pobre Emin! Mesmo com a estrada já aberta, ele pára,
titubeia e duvida. Primeiro ele resolve ir, depois resolve não ir
mais, e nada menos que uma pressão irresistível de um amigável e
forte propósito o constrangerá seguir a estrada que foi aberta para
ele por um alto e sangrento preço. Então, eu passo a esboçar alguns
métodos pelos quais tentaremos salvar o perdido e salvar os que
estão perecendo em meio à «Tenebrosa Inglaterra».

SEÇÃO 1. -- UMA CAMPANHA NA FAVELA. -- NOSSAS IRMÃS DA FAVELA.


Quando o Professor Huxley viveu como médico no Leste de Londres ele
adquiriu tal conhecimento da real condição da vida daquela população
que declarou que o ambiente selvagem da Nova Guiné era muito mais
propício a uma existência humana decente que a Zona Leste de
Londres. Ai, não apenas em Londres existem tais vielas nas quais os

96
selvagens da civilização espreitam e procriam. Todas as grandes
cidades no Velho e no Novo Mundo tem favelas, onde lixo, vermes,
homens, mulheres, e crianças se misturam. Elas correspondem aos
leprosários da Idade Média.

Como nos dias de São Francisco de Assis e seu heróico grupo de


santos que sob suas ordens saíram e foram viver entre os leprosos
fora dos muros da cidade, assim as almas dedicadas que se alistaram
no Exército de Salvação montaram suas bases bem no coração das
piores favelas. Com a diferença de que os Frades eram homens, e
nossa Brigada da Favela é composta por mulheres. Eu tenho cem delas
sob minhas ordens, em sua maior parte jovens, espalhadas em postos
avançados no coração do país do Diabo. A maioria delas foram
crianças pobres que souberam superar o sofrimento em sua mocidade.

Algumas são mulheres que não temeram trocar o conforto dos bairros
ricos de Londres pelo serviço entre os mais pobres dos pobres, nem
residir em quartos pequenos e malcheirosos com paredes infestadas de
animais daninhos. Elas vivem a vida do Crucificado por causa dos
homens e mulheres pelos quais Ele viveu e morreu. Neste Exército,
elas formam uma frente à qual dedico meu mais profundo respeito. Elas
estão à frente; elas estão em luta corpo-a-corpo contra o inimigo. Para
aqueles que moram em casas decentes e que ocupam assentos almofadados
nas igrejas, ocorre algo estranho e pitoresco quando elas lêem a
Bíblia, elas usam uma linguagem que habitualmente se refere ao Diabo
como um personagem real, e à luta contra o pecado e a imundícia como se
fosse uma luta de vida ou morte contra as legiões do Inferno. Para
nossas pequenas irmãs que vivem naquela atmosfera pesada e maldita,
entre pessoas encharcadas com bebida, em becos onde o pecado e a
sujeira são universais, todas declarações Bíblicas são tão reais quanto
as cotações da Bolsa de Valores são para o homem de Cidade. Elas moram
bem no meio do Inferno, e em sua guerra diária contra uma centena de
diabos parece-lhes incrível que alguém possa duvidar da existência
desses dois lados em luta.

A Irmã da Favela é o que o próprio nome insinua, a Irmã da Favela.


Elas atuam da maneira Apostólica, em duplas, vivendo no mesmo tipo
de abrigos ou quartos que o povo vive, apenas diferindo na limpeza e
na ordem, e nos poucos artigos de mobília que eles contêm. É lá que
elas vivem durante todo o ano, visitando o doente, cuidando das
crianças, mostrando para as mulheres como elas devem fazer para
manter suas casas decentes, fazendo freqüentemente os deveres no
lugar de uma mãe que adoece; cultivando a paz, defendendo a
temperança, aconselhando no dia-a-dia, e ensinando continuamente as
lições de Jesus Cristo aos Banidos da Sociedade.

Eu não gosto de falar do trabalho delas. É impossível expressar com


palavras, e por mais que fale não consigo dar uma idéia exata do que
ocorre. Prefiro citar dois artigos de jornalistas que viram estas
meninas trabalhando no campo. O primeiro é um longo artigo de Julia
Hayes Percy para o jornal New York World, que descreve uma visita
que ela fez a uma favela onde o Exército de Salvação atua em Cherry
Hill Alleys, uma espécie de Whitechapel de Nova Iorque.

Vinte e quatro horas na favela -- apenas uma noite e um dia -- mas


com revelações tão plenas de miséria, depravação, e degradação que,
depois de contempladas, muda a vida da gente. Ao redor e sobre a
favela flui uma maré de vida ativa, próspera. Homens e mulheres
passam em seus carros pelos viadutos e pontes indiferentes à
miséria, aos criminosos que ali se desenvolvem, e às doenças que
pululam com a sujeira. É uma medonha ameaça à saúde pública, moral e
física. A multidão é tão descuidada do perigo quanto o camponês que
constrói sua casa e cultiva seus vinhedos e oliveiras sob o fogo do
Vesúvio. Distraídos e inconscientes passamos por cima da ponte no
final da tarde. Nosso destino imediato é o Quartel do Exército de
Salvação na Washington Street, até que encontramos finalmente as
Oficiais Salvacionistas -- duas mulheres jovens -- que vivem e
trabalham há meses em um dos piores e mais miseráveis quarteirões de

97
Nova Iorque. Mas estas Oficiais não vivem sob a égide do Exército. A
bandeira bordada azul é desfraldada longe da vista, seus uniformes e
bonés de pala larga são retirados, e não há nenhum tambor ou
pandeiro. «A bandeira sobre elas é a bandeira do amor», são pessoas
que vivem como as demais no mesmo plano de pobreza, sem usar nenhuma
roupa melhor, comendo comida ordinária e escassa, e dormindo em
camas duras ou no chão. As vidas delas são consagradas ao serviço de
Deus entre os pobres da terra. Uma delas é uma mulher no primor de
sua juventude, e a outra uma menina de dezoito anos. A mais velha
destas devotadas mulheres nos espera no quartel e será nossa guia.

Ela é alta, esbelta, e traja um grosso vestido marrom, reparado com


remendos. Ao redor de sua cintura há um grande avental de pano de
algodão, artisticamente rendado em vários lugares. Ela usa um velho
mantô lanoso xadrez e um surrado chapéu de palha marrom. Seu vestido
indica pobreza extrema, e sua face denota paz perfeita. «Esta é Em»,
diz a Sra. Ballington Booth, e após esta apresentação saímos
imediatamente.

Enquanto penetrávamos dentro da favela Em parava diante de janelas


sujas, quebradas, cobertas por fuligem, pelas quais via-se homens de
olhar sombrio, bebendo e disputando uma mesa. «Eles são nossos
vizinhos da frente». Entramos pela porta da sala e chegamos ao
quarto, minúsculo, mas limpo e quente. Um fogo arde no fogão a lenha
corajosamente apoiado sob três pernas e com um tijolo servindo como
a quarta perna. Um abajur de lata na mesa, meia-dúzia de cadeiras,
uma das quais sem encosto, que há muito deve ter renunciado sua
função como cadeira de balanço, e uma caixa de embalagem na qual
depositamos nossos mantôs. Essa era a mobília. Num pequeno quarto
escuro havia uma cama de lona e outra dobrada contra a parede. Ao
lado da porta que dava passagem para o quarto da frente vimos homens
sentados com um olhar de desaprovação diante de uma mesa de madeira
com uma pia em cima. Um pequeno baú e um barril de roupas completam
o inventário.

A irmã Em seu trabalho na favela deu-nos uma doce e tímida


acolhida. É uma menina sueca, bonita, de cabelo loiro encaracolado,
do tipo escandinavo. Sua cabeça lembra um querubim do Louvre, com
seu cabelo ondulado acima das sombrancelhas e uma suave face pequena
e macia com traçados infantis, uma boca minúscula, como pétala de
rosa, e olhos azuis profundos. Esta menina tornara-se salvacionista
ha apenas dois anos. Durante esse tempo ela aprendeu a falar, ler, e
escrever em inglês, ao mesmo tempo em que lidava com pobres e
miseráveis. A casa onde nos encontrávamos foi notória no passado
como uma das piores do distrito de Cherry Hill. Foi cena de alguns
crimes memoráveis, entre eles o do chinês que matou sua esposa
irlandesa, ao estilo de «Jack o Estripador», na escadaria que conduz
ao segundo pavimento. Uma mudança notável aconteceu naquela moradia
desde que Mattie e Em mudaram para lá, e a agradável influência
delas se fazia sentir em toda vizinhança. Já era quase oito horas da
noite quando saímos. Cada uma de nós portava um punhado de impressos
com uma passagem bíblica e alguns palavras incitando os leitores a
uma vida melhor.

«Eles fornecem uma desculpa para entrar em lugares que sem eles não
poderíamos entrar», explica Em.

Depois de marcar um ponto de encontro, nos separamos. Mattie e Liz


seguem numa direção, Em e eu noutra. Parecia que a gente descia o
Tartarus. Em pára diante de uma taverna de aspecto miserável,
empurra a porta tipo vaivém, e adentramos no recinto. É um salão de
forro baixo, terrivelmente sujo, coberto de fuligem, cheirando a
cerveja azeda e bebida forte. Um balcão malfeito se estende por um
lado, do lado oposto há uma mesa longa, com restos de alimentos,
misturados com copos vazios, chapéus rotos, e tocos de charuto. Uma
multidão variada de homens e mulheres se acotovela no espaço
estreito. Em fala com uma pessoa sóbria que a observa atentamente, e
que presta atenção em suas palavras, enquanto outros se aproximam

98
para ouvir. Muitos aceitam os folhetos oferecidos, gradualmente a
multidão abre espaço, até que chegamos no fundo do salão. A
seriedade e a doçura se estampa na face de Em. Eu a sigo como uma
estrela, sem medo, e tomada por um grande sentimento de compaixão
pela tristeza daquelas vidas.

Conforme a noite avança, toda a favela parece mais desperta. Toda


casa tem luz; as calçadas estreitas e as ruas imundas estão
abarrotadas de gente. Crianças infelizes perambulam aqui e ali, com
suas faces marcadas pelo sofrimento, movem-se como ratos; alguns
deles, tão pequenos que caberiam em berços, dormem em porões,
terrenos baldios, e debaixo de carros; alguns vendedores são vistos
ao redor com suas mercadorias, mas o movimento maior está em outra
área. Ao longo da Water Street há mulheres com vestes coloridas e
enfeitadas. Suas faces estão fortemente pintadas, inchadas, aflitas;
elas tremem açoitadas pelo vento da noite. Liz fala com uma delas,
que responde que gostaria de conversar, mas que tinha medo, aí
apareceu um velho ranzinza gritando: «Cai fora! Deixe a menina
trabalhar!» Um homem disse a Em: «Eu não quero viver como vivo;
preciso de um local agradável, quente e limpo, depois de trabalhar
todo o dia, e não há nenhum lugar assim por aqui». Quando voltávamos
para casa Em comentou: «Você verá amanhã como é que essa gente
vive». O barraco de Ann parecia um oásis de paz diante do deserto
agitado pelo qual vagamos. Ao chegarmos Em e Mattie prepararam um
mingau de aveia. Saboreamos uma xícara cada. Liz e eu
compartilhamos uma cama no quarto exterior. Estávamos quase dormindo
quando ouvimos gritos de agonia pela noite; era a voz de uma mulher.
Não conseguimos compreender o que dizia, mas estava em franco
desespero. A voz vinha do lado de Water Street. Sentimos que uma
tragédia estava acontecendo. Houve um estouro e depois veio o
silêncio.

É habito nas favelas deixar os portões sempre abertos, o que acaba


sendo conveniente aos vadios, que rastejam pelas vielas em busca de
um local para dormir à noite, e que não querem gastar alguns pences
com um «quarto» de hotel barato. Como Em e Mat mantêm o quintal da
casa onde vivem rigorosamente limpo, tornou-se local predileto de
vagabundos. Conversávamos sobre isso. Mattie fechou e trancou a
porta. Foi quando ouvimos passos ao longo do corredor, batidas na
porta, e depois roncos pela noite afora.

A lida diária de Em e Mat com seus vizinhos é intensa, na noite


anterior à última passaram sentadas ao lado de uma mulher
agonizante. Elas estão cansadas e dormem pesadamente. Liz e eu
permanecemos acordadas esperando pela chegada da manhã; estamos por
demais oprimidas pelo que vimos e ouvimos.

Pela manhã Liz e eu demos uma espiada ao derredor donde vieram os


terríveis gritos agudos à noite. Nenhum sinal de vida. Mas
descobrimos sujeira suficiente para espalhar difteria e febre
tifóide ao longo de uma grande área. Debaixo de nossa janela há
várias polegadas de água parada em meio a um amontoado de sapatos
velhos, repolho podre, lixo, madeira podre, ossos, trapos, todo tipo
de sujeira, e alguns ratos mortos. Entendemos agora por que Em
mantém o quarto dela cheio de desinfetantes. Ela nos disse que não
ousa fazer nenhuma denúncia às autoridades sanitárias, nem em seu
próprio nome nem em nome de qualquer outra habitação, com medo de
antagonizar com pessoas que consideram tais funcionários como
inimigos naturais.

Em nossa primeira visita atravessamos vários pequenos becos


estreitos, com passos titubeantes, entremeados por tropeços pelo
caminho. O chão está cheio de buracos. Há sinais de conserto aqui e
ali, mas parecem perigosos sob nossos pés. Um portão se abre em meio
a um monte de tranqueiras e uma voz rouca feminina nos convida para
entrar. Ela está com uma forte gripe. Estamos todos bem espremidos
naquele quarto pequeno, com três mulheres, um homem, um bebê, um
sofá cama, um fogão, e sujeira por toda parte. O ambiente fede. O

99
homem está evidentemente à beira da morte. Sete semanas atrás ele
pegou a tal «gripe». Agora está na última fase de pneumonia. Em
tentou convencê-lo a ir para o hospital, e ele balbucia seu desejo
de «morrer no conforto de minha própria cama». Conforto! A «cama» é
uma armação amontoada de trapos. Lençóis, travesseiros, roupas de
dormir não estão em voga nas favelas. Uma mulher dorme no chão sujo
com a cabeça debaixo da mesa. Outra mulher, que passou toda a noite
cuidando do doente junto com a esposa dele termina sua refeição
matutina de ostras assadas. Uma criança que parece nunca ter sido
lavada engatinha sobre o chão, caindo por sobre a mulher que dorme.

Em dá a ela um pouco de sopa de aveia, e descobre que seu nome é


«Christine».

A sujeira, a desordem generalizada, e o mau cheiro, são as


características principais dos seis locais que visitamos. Penetramos
em sótãos, descemos em porões. As «casas nos fundos» são
particularmente terríveis. Em toda parte há esgoto a céu aberto, a
grande quantidade de gatos e ratos mortos evidencia os rastros da
vigilância sanitária [N.T. no original: mighty hunters among the
gamins of the Fourth Ward]. Há muita gente com gripe e com as
seqüelas que ela provoca. Mas nenhum desses sofredores sequer pensa
em procurar um hospital. A idéia dominante é que «após o banho virá
a morte». Para aquela gente um banho provoca mais terror que a forca
ou a sepultura.

Em um quarto, com uma janela pequenina, uma mulher morre de


tuberculose ao lado de um homem pálido, deitado, um pobre diabo em
trapos e enxameado de piolhos. O pequeno filho dela, um menino de
oito anos, se aconchega ao seu lado. As bochechas dele são
escarlate, os olhos febrilmente luminosos, está com uma tosse seca.

«É o frio, moça», balbucia a pequena boca. Há seis camas, amontoadas


no quarto ao lado; uma está vazia. Três dias atrás uma mulher morreu
ali e o corpo há pouco foi retirado. A presença da morte no ambiente
não perturbou o resto dos ocupantes. Uma mulher coberta com um monte
de trapos, está deitada em cima dos destroços de uma cama, com
sarrafos e ripas sobrepostos em todas as direções.

«Quebrou à noite debaixo de mim», explica. Uma mulher doente quer


que Liz faça uma oração. Ajoelhamos no chão imundo. Logo todas
minhas faculdades são absorvidas especulando o que virá primeiro, o
«Amém» ou a «Morte». Felizmente o amém chegou primeiro. Não via a
hora da oração terminar para poder levantar e sair dali. [N.T. no
original: Soon all my faculties are absorbed in speculating which
will arrive first, the «Amen» or the «B flat» which is wending its
way to wards me. This time the bug does not get there, and I enjoy
grinding him under the sole of my Slum shoe when the prayer is
ended]

Em outro quarto encontramos algo que parecia um cadáver. Uma mulher


em um estupor de ópio. E homens bêbedos brigando ao redor dela.

Voltando a nossa moradia, encontramos Em e Liz e trocamos nossas


experiências. Os detalhes secundários variam ligeiramente, mas a
história é sempre a mesma por toda parte, o mesmo tom comovente da
aflição, do crime, e das condições que só mudam com a prisão, o
suicídio, ou o cemitério.

O Continente Negro de forma alguma revela mais degradação que os


moradores das escuras ruelas de Cherry Hill. Não há vício que não
seja praticado naqueles quarteirões. Sementeira de penitenciárias e
prisões onde florescem todos os pecados do Decálogo. Tal
asquerosidade moral penetra e envenena as veias de nossa vida
social. Uma sujeira e mal cheiro que cedo ou tarde esparramam a
doença e a morte.

Um quadro verdadeiramente terrível, mas iluminado pelos olhos da

10
«doce e séria Em».

Eis aqui o segundo testemunho escrito por um jornalista em visita a


Whitechapel. Ele escreve: --

Acabara de passar pela igreja de Mr. Barnett quando parei diante de


uma pequena multidão num canto de rua. Havia trinta ou quarenta
homens, mulheres, e crianças todos juntos de pé, alguns outros
vagavam no lado oposto da rua na porta de um bar. No centro da
multidão havia uma pequena mulher com o uniforme do Exército de
Salvação, de olhos fechados, enquanto orava «querido Deus, abençoa
estas queridas pessoas! Salve-os! Salve-os agora!» Movido pela
curiosidade, aproximei-me da multidão, e notei outra mulher, também
invocando o Céu, mas de um modo completamente diferente. Dois mendigos
bem sujos estavam escutando a oração, de pé enquanto fumavam seus
cachimbos. Por uma ou outra razão eles ofenderam a segunda mulher, e
ela se voltou contra eles. Eles permaneceram em silêncio enquanto
ela vociferava como um demônio. Ela parecida bonita, mas estava
horrivelmente inchada pela bebida, e excitada pelo ódio. Ouvi ambas
as vozes ao mesmo tempo. Mas que contraste! A oração terminara. E
veio uma séria mensagem.

«Você está errada», disse a voz no centro, e «você sabe que está;
toda essa sua miséria e pobreza é uma prova disto. Você desperdiça
todo o dinheiro que lhe chega às mãos. Você está longe da casa de
seu Pai, e se rebela diariamente contra Ele, e não é por acaso que
passe tanta fome, opressão, e miséria. Mas apesar de tudo seu Pai
ama você. Ele quer que você volte para Ele; que se afaste de seus
pecados; que abandone suas más ações; que deixe a bebida e que páre
de servir ao diabo. O Pai deu seu Filho Jesus Cristo para morrer por
você. Ele quer te salvar. Venha aos pés dele. Ele está esperando. Os
braços dele estão abertos. Eu sei que o diabo quer acabar com você;
mas Jesus lhe dará força para vencê-lo. Ele o ajudará a dominar seus
hábitos ruins e seu vício da bebida. Vem agora a Ele. Deus é amor.
Ele me ama. Ele ama você. Ele nos ama a todos. Ele quer salvar todos
nós».

Sua voz, clara e forte, eloqüente, fervorosa, e de intenso


sentimento, tocou aquela pequena multidão, e derramou uma maré de
vida em East End. Ao mesmo tempo que ouvia aquela pura e apaixonada
invocação do amor divino, ouvi uma voz nos arredores: «Vocês ----
suínos! Eu acabo com vocês. Nenhum de vocês ---- me desafora. O que
significa tudo isso para vocês? Vocês sabem o que fazem, e agora
vocês vão para o Exército de Salvação. Eu vou dizer quem são vocês,
seus cafajestes sujos». Um homem guardou seu cachimbo: «Qual o
problema?» «Problema!» gritou a mulher roucamente. « ---- Olhem para
a vida que vocês vivem, vocês não sabem qual o problema? Eu vou
dizer para vocês, ---- seu bando de cachorros. Por Deus! Eu vou
dizer para vocês, tão certo quanto eu estou viva. O problema! Você
sabe qual é o problema.» E assim ela foi embora. Os homens
permaneceram de pé, fumando silenciosamente, até que finalmente ela
saiu dali para o bar praguejando juramentos e maldições. Parecia que
a presença, o espírito, e as palavras da Oficial pedindo clemência
ainda ecoavam provocando um efeito estranho em toda aquela gente
fazendo com que aqueles pobres infelizes escarnecessem amargamente
daquela mulher.

«Deus é amor». Aquela não era a voz de Deus ecoando nas ruas e
soprando nas favelas? Sim, verdadeiramente, e aquela voz não cessa e
não cessará, enquanto as Irmãs da Favela lutarem sob a bandeira do
Exército de Salvação.

Para ter uma idéia da imensa quantidade de coisas boas, temporais e


espirituais que as Irmãs da Favela fazem; você precisa segui-las
pelos barracos afora, elas pregam o Evangelho com vassoura e escova,
e expulsam o diabo com água e sabão. Em um de nossos postos da
Favela, onde o piso do quarto dos Oficiais era de chão batido,
aproximadamente quatorze outras famílias moravam na mesma casa.

10
Havia apenas uma pequena privada nos fundos para todos. Sobre a
sujeira, escreve uma Oficial: «Algumas casas estão tão imundas que
parece impossível limpá-las. As cinzas do fogão a lenha ficam
acumuladas por dias. A mesa muito raramente é, se alguma vez foi,
devidamente limpa, as xícaras e pires sujos permanecem amontoados, e
quando comem peixe, a mesa fica coberta de ossos e cabeças, com
pedaços de cebola misturados com restos de comida. O piso dentro da
casa está em piores condições que a calçada da rua, e quando
supostamente o limpam fazem isso usando um balde de água suja. Nas
raras vezes que lavam, o fazem como se fosse um trabalho
desnecessário, usando um ou dois baldes de água. Às vezes fervem
panos em alguma caçarola velha na qual cozinham a comida deles. Eles
fazem isto simplesmente porque não têm nenhum recipiente maior para
usar. As paredes e teto dos cômodos estão tão apinhados de baratas e
outros animais daninhos que quando passamos eles caem sobre nossa
cabeça. Algumas das paredes estão cobertas de marcas onde eles foram
esmagados. Durante o verão, devido ao calor e insetos dentro das
casas, muitos preferem passar toda a noite sentados do lado de fora».

«Mas como não conseguem ficar por muito tempo sem beber, logo reúnem
a vizinhança para beber cerveja -- ai! nunca longe -- e ficam
andando de um lado para outro, bêbedos, cantando, gritando e
brigando, até três e quatro horas da madrugada».

Eu poderia encher volumes de histórias dessa guerra contra


mosquitos, baratas, piolhos, pulgas, ratos, etc., que infestam as
favelas, mas o assunto é muito repulsivo àqueles que são
freqüentemente indiferentes às agonias de seus semelhantes, e seus
sensíveis ouvidos logo ficam chocados pela simples menção desse
assunto tão doloroso. Aqui vai, por exemplo, uma amostra do tipo de
região onde as Irmãs de Favela vivem:

«Em uma rua aparentemente respeitável próxima à rua Oxford, as


Oficiais, enquanto visitavam as casas, viram uma escadaria bem
escura que conduzia a um porão. Mesmo julgando impossível que alguém
vivesse ali, foram conferir. No princípio não puderam discernir nada
por causa da escuridão. Com dificuldade encontraram a porta,
entraram, e viram um quarto imundo. Não havia nada aceso, mas o
local estava enegrecido por cinzas, uma acumulação de várias semanas
pelo menos. No fundo do cômodo havia um saco velho com trapos e
ossos jogado no chão, do qual emanava um odor bem desagradável. Ao
lado havia um homem idoso bem doente. O lençol da cama em que estava
deitado era imundo, não tinha cobertor nem manta. Estava coberto com
trapos velhos. Sua pobre esposa, que cuidava dele, parecia
desconhecer coisas como água e sabão. As Irmãs da Favela cuidaram
daquele casal de idosos. Em certa ocasião, quando vieram com o
propósito de limpar a casa, trouxeram material de limpeza. O local
estava tão infestado de animais daninhos que mal sabiam por onde
começar. A proprietária do local que estava por ali, proibiu-as de
trazer novamente tais materiais. O velho, quando podia, trabalhava
como alfaiate. Ele ganhava dois xelins e seis pences por semana dos
seus fregueses».

Aqui vai um relatório da sede de nossa Brigada da Favela sobre o


trabalho das Irmãs da Favela. Faz quase quatro anos desde o início
da Operação nas Favelas de Londres. O trabalho principal feito por
nossas primeiras Oficiais era visitar doentes, limpar as casas dos
favelados, e alimentar os famintos. O que vem a seguir são alguns
dos casos de pessoas que receberam benefícios materiais e
espirituais pelo nosso trabalho: --

Sra. W. -- Da Favela Haggerston. Era alcoólica, casa destruída,


marido era alcoólico, barraco sujo, imundo, terrivelmente pobre.
Agora está salva, há mais de dois anos, casa A1., trabalha fazendo
cadeiras de vime; o marido agora também foi salvo.

Sra. R. -- Favela Drury Lane. Tanto o marido como a esposa eram

10
alcoólicos; o marido era muito preguiçoso, só começou a trabalhar
quando começou a passar fome. Quando descobrimos o casal ambos
estavam desempregados, o barraco não tinha mobília, estavam cheios
de dívidas. Ela foi salva, e nossas moças oraram para ele arrumar
emprego. Ele conseguiu, e começou a trabalhar. Algumas semanas
depois ele saiu do trabalho, começou a beber novamente e espancou
sua esposa. Ela buscou emprego de faxineira, conseguiu, e desde
então trabalha regularmente. Ele também arrumou emprego. Agora é
abstêmio. Agora a casa está muito confortável, e eles estão pondo
dinheiro no banco.

A.M. -- Da Favela Dial. Alcoólico, descuidado com o uso do dinheiro,


tinha dificuldade em arrumar trabalho. Foi em uma reunião da Favela,
ouviu a Capitã falar: «Busque em primeiro lugar o Reino de Deus!» E
perguntou, «você quer dizer que se eu pedir trabalho para Deus, Ele
dará?» Naturalmente ela respondeu, «Sim». Ele converteu-se aquela
noite, encontrou trabalho, e agora está trabalhando na Gas Works,
Old Kent Road.

Atualmente Jimmy é um soldado na Favela do Boro! Ele estava


desempregado, longe de casa, e passava fome quando foi convertido.
Após entrar no Exército, ele voltou para casa. Encontrou trabalho, e
agora possui uma lanchonete em Billingsgate Market, e está se dando
bem.

Sargento R. -- Da Favela Marylebone. Alcoólico, morava em um barraco


miserável na famosa Charles Street. Quando ele foi salvo tinha dois
empregos, em um ganhava 5s. por semana no outro 10s. por semana;
recebia um salário de fome que não dava para sustentar sua mulher e
seus quatro filhos. No emprego em que recebia 10s. por semana ele
tinha que fazer entrega de bebida para o dono de um bar; sentindo
que este trabalho não era adequado saiu do emprego. Suas dívidas
começaram a ser cobradas, mas Deus resgatou-o a tempo. No local onde
ganhava 5s. seu empregador elevou seu salário para 18s., e
atualmente ele está ganhando 22s., ele saiu da favela de chão batido
para uma casa melhor.

H. -- Favela de Elms. Foi salvo na segunda-feira de Páscoa,


desempregado há várias semanas, é um trabalhador, parece muito
sério, terrivelmente angustiado. Pagamos 2s. e 6d. por semana à sua
esposa para limpar nosso salão (para ajudá-los). Além disso, ela
recebia outros 2s. e 6d. como doméstica, o que não dava para
sustentar marido e um par de crianças. Para ajudá-los demos 2s. para
que pagassem o aluguel. Tentei arrumar emprego para aquele homem,
mas não consegui.

T. -- Da Favela Rotherhithe. Era alcoólico, é carpinteiro; salvo


cerca de nove meses atrás, mas, tendo que trabalhar em uma taverna
aos domingos, ele deixou o emprego; e como não conseguiu arrumar
outro, arrumamos para ele em nossa marcenaria.
Emma Y. -- Agora é Soldada no Corpo da Favela Marylebone, era uma
menina de rua agressiva quando a encontramos em Boro; normalmente
era vista pelas ruas, mendigando, aos farrapos, sem agasalho,
perambulando, trabalhando apenas ocasionalmente, foi salva dois anos
atrás, foi terrivelmente perseguida pelas pessoas da casa onde
morava. Nós a retiramos daquele ambiente onde ela viveu durante
quase dezoito meses, agora está trabalhando.

Frank do Alojamento. -- Aos vinte um anos de idade herdou #750, mas,


por causa da bebida e do jogo, perdeu tudo em seis ou oito meses, e
durante mais de sete anos ele perambulou por Portsmouth, pelo Sul da
Inglaterra, e pelo Sul de Gales, de albergue em albergue, muitas
vezes passou fome, quando conseguia algum dinheiro gastava com
bebida; nas farras, era preguiçoso, sem disposição para o trabalho.
Nós o encontramos seis meses atrás em um albergue, vivendo com uma
menina decaída; ambos foram salvos, e se casaram; cinco semanas
depois ele arrumou emprego como carpinteiro e recebe 30s. por
semana. Agora ele tem uma casa própria, e quer ser oficial.

10
O Oficial que forneceu os relatórios acima relata o seguinte: --
Por causa da bebida Brother e Sister X foram parar em um barraco de
favela. De uma vida de luxúria, eles despencaram para um barraco de
um cômodo bem no meio da Favela, cercados de alcoólicos, indivíduos
de mau caráter, e pessoas oprimidas pela necessidade e pela
privação. Suas adoráveis crianças estavam subnutridas, e eram
compelidas a ouvir palavrões, testemunhar brigas e querelas, e ai,
ai, não apenas dos quartos adjacentes, mas testemunhar tudo isso em
seu próprio barraco. Durante mais de dois anos eles viveram sob o
poder da maldição do álcool. Agora, o velho cortiço em que viviam é
coisa do passado, agora eles têm uma casa confortável. As crianças
dão evidências de uma completa conversão, e estão absolutamente
gratos pela salvação de seus pais. Um menino de oito anos disse no
último Natal, «eu me lembro quando tínhamos apenas um pão seco para
comer no Natal; mas hoje tivemos um ganso e dois pudins de ameixa».
Brother X. que antes de sua conversão caíra em desgraça em sua
profissão de caixeiro viajante; agora é administrador, homem de
confiança de um grande empresário.

Ele disse: --
Estou completamente convencido de que nas camadas mais pobres da
sociedade, mesmo encontrando trabalho, poucos estão dispostos a
trabalhar. Em sua precária e penosa existência muitos deles foram
tomados pelo desânimo, outros oscilam entre o banquete e a fome, e
os mais inteligentes acabam optando pelo crime.

Estes são os resultados de nosso trabalho nas Favelas: -

1. Uma evidente melhoria na limpeza das casas e das crianças;


desaparecimento de ratos, baratas, piolhos, verminoses, e uma
considerável diminuição da embriaguez.

2. Um maior respeito pela verdadeira religião, e especialmente pelo


Exército de Salvação.

3. Ainda há muito trabalho sendo executado.

4. Muitas garotas decaídas foram salvas.

5. O trabalho no Abrigo parece-nos uma extensão da obra na Favela.

Em conecção com nosso Projeto, propomos imediatamente aumentar a


quantidade das Irmãs da Favela, e aumentar sua eficácia ligando seu
trabalho diretamente com a Colônia, habilitando-as a trabalhar para
elevar as condições de vida de pessoas em termos de saúde, moral, e
religião. Isto seria realizado empregando alguns deles na Cidade, o
que necessariamente tem que resultar em casas e ambientes melhores
ou abrir um caminho direto das Favelas para a Colônia Rural.

SEÇÃO 2. -- O HOSPITAL DO VIAJANTE.


Naturalmente, há apenas um real remédio para este estado de coisas,
afastá-las para bem longe daqueles barracos miseráveis onde adoecem,
sofrem, e morrem, com menos conforto e consideração que os animais
dos estábulos e chiqueiros de muitas fazendas. E esta é certamente
nossa ambição maior, mas no momento, para alívio da atual angústia,
algo está sendo feito no sentido do cuidado imediato dessas pessoas,
mas parar por aí torna a operação bem imperfeita.

Acredito que uma pequena carroça, puxada por um pônei, poderia ser
providenciada para transportar pessoas doentes e agonizantes, e
fazer uma ronda em meio a toda aquela desolação, com um par de
enfermeiras devidamente treinadas. Isso seria de imensa utilidade, e
não seria tão caro. Elas poderiam ter alguns instrumentos simples,
para arrancar um dente ou lancear um abscesso, e aqueles que são
absolutamente necessários para operações cirúrgicas simples. Um
pequeno fogão a gás para produzir água quente para preparar
cataplasma, fazer massagens, ou dar um banho, e várias outras coisas

10
necessárias àqueles que precisam de cuidados.

A necessidade destas coisas só são apreciadas por aqueles que sabem


o que significa estar totalmente privado de confortos e
conveniências em meio às doenças que prevalecem naqueles barracos
miseráveis. Se alguém perguntar por que os doentes não vão para o
hospital, nossa resposta é que eles simplesmente não vão. Eles
preferem ficar em seus quartos e na companhia dos membros de sua
própria família, mesmo maltratados, como ocorre freqüentemente,
preferem ficar, sofrer, e morrer no meio de toda aquela sujeira e
esqualidez que os cercam nas próprias guaridas, do que ir para
aquele grande edifício, que para eles é como se fosse uma prisão.
O sofrimento dos infelizes ocupantes das Favelas, conforme
descrevemos, quando doentes e incapazes de ajudar a si mesmos, faz
da organização de algum sistema alimentar em suas próprias casas um
dever Cristão. Aqui há um punhado de casos, retirados quase ao acaso
dos relatórios de nossas Irmãs da Favela que mostrarão o valor das
ações realizadas: --

Muitos daqueles que estão doentes moram em barracos que normalmente


tem apenas um quarto e várias crianças. Os Oficiais se depararam com
muitos casos onde doentes permaneciam completamente sozinhos, horas
e horas sem comida ou nutrição alguma, e sem ninguém cuidando deles.
Às vezes algum vizinho trazia uma xícara de chá. Realmente é um
mistério como conseguem sobreviver.

Uma pobre mulher em Drury Lane era paralítica. Não tinha ninguém
cuidando dela; ela permanecia em cima de um saco estendido no chão,
coberta com trapos de pano. Embora fosse inverno, ela muito
raramente tinha qualquer fogo. Ela não tinha nenhum artigo de
vestuário para usar, e quase nada para comer.

A outra pobre mulher, que estava muito doente, foi dado um pouco
dinheiro para sua filha pagar o aluguel da casa onde viviam e
comprar comida; mas freqüentemente ela não tinha força para acender
o fogo ou cozinhar seu alimento. Ela separou-se do marido por que
ele era muito cruel. Freqüentemente ela passa horas e horas sem uma
alma que a visite ou a ajude.

A ajudante McClellan encontrou um homem nas piores condições deitado


em um colchão de palha. O quarto era imundo; o cheiro fez a Oficial
sentir náuseas. O homem estava deitado há dias sem ninguém que
fizesse nada por ele. Havia apenas um copo de água ao seu lado. As
Oficiais começaram a vomitar devido ao forte cheiro do local. Não é
raro encontrar pessoas doentes necessitando de aplicações
ininterruptas de cataplasmas quentes, mas que ficam abandonadas por
horas passando frio.

Em Marylebone as Oficiais visitaram uma velhinha bem pobre que


estava muito doente. Ela vivia em um porão, com quase nenhuma
claridade e nenhum raio de sol. A cama dela era improvisada em cima
em algumas caixas de ovo. Não tinha ninguém cuidando dela, com
exceção de uma filha alcoólica que muito freqüentemente, quando
bebia, costumava espancar a pobre velha. As Oficiais achavam que ela
freqüentemente passava até doze horas sem comer nada, sem nem mesmo
uma xícara de chá para beber. A única mobília no quarto era uma mesa
pequena, um velho criado mudo, e uma caixa. Baratas, ratos, pulgas,
piolhos, faziam festa no local.

Outra mulher pobre foi encontrada muito doente, mas, por ter uma
família pequena, ela achava que tinha que se levantar e dar banho no
bebê. Enquanto dava um banho no bebê ela caiu e permaneceu caída
incapaz de qualquer movimento. Felizmente uma vizinha entrou para
fazer alguma pergunta e a viu caída no chão. Correu imediatamente e
foi buscar ajuda. Pensando que a pobre mulher estava morta, eles a
colocaram na cama e chamaram um médico. Ele disse que ela estava
subnutrida e precisava de repouso e alimentação. A pobre mulher não
tinha nem uma coisa nem outra por causa dos filhos. Algumas horas

10
depois ela se levantou. Ao descer a escada caiu novamente. Os
vizinhos a apanharam e a colocaram na cama onde permaneceu muito
tempo completamente prostrada. Os Oficiais assumiram o problema
dela, a alimentaram, e aqueceram, limparam o quarto dela, enfim,
cuidaram dela.

Em outra favela medonha as Oficiais encontraram outra mulher idosa


vivendo em um porão. Ela estava sofrendo com alguma doença. Quando
elas bateram à porta ela ficou apavorada pensando que era o
proprietário. O quarto estava imundo, parecia que nunca fora limpo.
Ela tinha um candeeiro que enchia o quarto de fumaça. A velhinha às
vezes era totalmente incapaz de fazer qualquer coisa por ela mesma.
As Oficiais cuidaram dela.

SEÇÃO 3. REGENERAÇÃO DE NOSSOS CRIMINOSOS. -- A BRIGADA PORTA DE


CADEIA
Nossas Prisões deveriam ser instituições que recuperam pessoas, elas
deveriam fazer com que cada homem saísse melhor do que quando
entrou. De fato, o que ocorre com freqüência é totalmente o
contrário. Há poucas pessoas neste mundo tão desventuradas quanto
aquele pobre companheiro que foi preso pela primeira vez ou que, uma
vez na rua, leva uma vida totalmente desprovida de qualquer sinal de
caráter, freqüentemente sem qualquer amigo no mundo. Aqui,
novamente, o processo de centralização -- que vem ocorrendo
rapidamente nos últimos anos talvez para atender aos interesses da
administração -- resulta em efeitos desastrosos aos pobres diabos
que caem nas garras do sistema penal.

Antigamente, quando um homem era preso, ele era preso a uma pedra
dentro de sua própria casa [N.T. no original: the gaol stood within
a stone's throw of his home]. Uma vez livre, de uma forma ou de
outra estava perto de seus velhos amigos e relacionamentos, que o
acolhiam e lhe davam uma mão para começar uma vida nova mais uma
vez. Mas o que aconteceu que fez com que o governo construísse o
máximo possível de prisões? Os prisioneiros, quando condenados, são
enviados de trem a longas distâncias para as penitenciárias, e ao
retornar saem amaldiçoados com a marca da prisão. Assim, longe de
casa, ele perde o que eventualmente ainda lhe resta de caráter [N.T.
no original: character gone], sem ninguém para aconselhá-lo, ou
dar-lhe uma mão. Não é por acaso que a quantidade de vadios tenha
crescido tanto nas grandes cidades por causa de ex-presidiários que
se tornam moradores de rua e mendigos, na medida em que não lhes
resta outra alternativa.

Com tanta gente na porta da fábrica pedindo emprego, provavelmente


nenhum empregador está disposto a pegar um homem que acabou de sair
da prisão; ninguém quer contratar para prestar serviços em sua casa
uma pessoa cujo último ponto do currículo é uma estadia numa das
prisões de Sua Majestade. É incrível a quantidade de danos que pode
ser provocado por pessoas bem-intencionadas que, na luta para
conseguir fazer um bem para a sociedade -- como, por exemplo,
reduzir os gastos e aumentar a eficiência na administração das
prisões -- esquecem o efeito completamente danoso que tais reformas
podem ter nos próprios prisioneiros.

O Exército de Salvação, pelo menos, está altamente qualificado para


lidar com esta questão, e acredito estar na posição privilegiada por
ser a única corporação religiosa que sempre tem alguns de seus
membros presos por objeção de consciência [N.T.: no original,
conscience' sake]. Nós também somos uma das poucas corporações
religiosas que podem ostentar o fato de que muitos daqueles que
estão em nossas fileiras passaram por condições de servidão penal.

Então, conhecemos os dois lados da moeda. Alguns homens são presos


por serem melhores que seus vizinhos, a maioria dos homens por ser
pior. Mártires, patriotas, reformadores de todos os tipos pertencem
à primeira categoria. Nenhuma grande causa alcança a vitória sem

10
antes fornecer uma certa cota à população prisional. A revogação de
uma lei injusta raramente é levada a cabo sem que certo número
daqueles que labutam para a aboli-la experimentem o sofrimento da
multa e da prisão. O Cristianismo nunca triunfaria sobre o Paganismo
da Roma antiga se os cristãos primitivos não provassem no calabouço
e na arena a sinceridade e a serenidade de alma que possuíam. Foi
com tais armas que confrontaram e venceram seus perseguidores.

Daquele tempo até o momento em que nosso povo conquistou em


Whitchurch o direito de reunir-se publicamente, a religião Cristã e
a liberdade dos homens nunca falhou em prover sua quota de mártires
pela fé.

Quando um homem é preso, na melhor das hipóteses, ele aprende olhar


para a questão da disciplina prisional com uma visão bem mais
simpática do que quando foi enviado para lá, isso vale até mesmo
para os piores criminosos, que os juizes e legisladores conhecem
apenas do lado de fora da prisão. Se «o sentimento de solidariedade
faz um tipo maravilhoso», estamos em imensa vantagem lidando com as
classes criminosas na medida em que muitos de nossos melhores
Oficiais já foram presos. Nossa gente, graças a Deus, nunca precisou
passar por aquelas escolas que consideram um prisioneiro como um
mero condenado -- A 234. Para nossos Oficiais, o prisioneiro é um
ser humano, que deve ser cuidado e tratado como uma mãe trata e
cuida de seu filho doente. No momento parece haver pouca
probabilidade de qualquer real transformação no interior de nossas
prisões. Temos que esperar até que os homens venham de fora para ver
o que é que pode ser feito. Nosso trabalho começa quando acaba a
autoridade prisional. Já tivemos bastante experiência neste campo,
tanto aqui como em Bombaim, no Ceilão, na África do Sul, na
Austrália e em outros lugares, e em virtude de nossa experiência
resolvemos divulgar as medidas que pretendemos adotar, algumas delas
já estão sendo realizadas com sucesso.

1. Propomos a abertura de Casas o mais próximo possível das


diferentes Prisões. Uma para homens está sendo construída em King's
Cross, e será ocupada assim que estiver pronta. Uma para mulheres
será inaugurada imediatamente. Outras serão providenciadas em
diferentes em partes da Metrópole. Cada uma delas está localizada
perto de grandes prisões. Em conecção com estas Casas haverá
oficinas nas quais seus ocupantes serão regularmente empregados até
o momento em que pudermos empregá-los em outro lugar. Esta classe
também tem que trabalhar, não só como disciplina, mas como meio para
o próprio sustento deles.

2. Para livrar os réus primários, na medida do possível, da


contaminação da vida prisional, para evitar a formação de futuras
más companhias, a perda de caráter entalhada pela prisão e pela
negligência, oferecemos, nos Tribunais Policiais e Criminais,
assumir a responsabilidade por estes criminosos desde que estejam
dispostos a vir e aceitar nossos regulamentos. Cremos que a
confiança dos magistrados e dos prisioneiros nos será logo
afiançada. Com o tempo muitos ficarão de nosso lado, e provavelmente
logo teremos um grande número de casos sob nossos cuidados --
conhecidos como «sentenças suspensas» -- que serão colocados em
julgamento no devido tempo, o registro de cada sentença dependerá do
relatório de conduta elaborado pela Casa do Exército de Salvação.

3. Deveríamos buscar acesso às prisões no intuito de angariar tal


familiaridade com os prisioneiros que nos tornasse mais eficazes em
beneficiá-los com a soltura. Cremos que este privilégio nos seria
outorgado pelas autoridades prisionais quando elas estiverem
familiarizadas com a natureza de nosso trabalho e com os notáveis
resultados que se seguiram. O direito de entrada nas prisões já foi
concedido aos nossos camaradas na Austrália, onde eles tem livre
acesso e comunhão com os reclusos. As autoridades prisionais
recomendam aos prisioneiros que venham até nós, informando-nos do
dia e da hora em que são encaminhados, para que possamos recebê-los.

10
4. Visitando os criminosos nas cadeias, oferecemos aceitá-los
imediatamente em nossas Casas. A regra geral é que eles assumam um
compromisso com velhos amigos ou companheiros, que ordinariamente
pertencem à mesma turma. De qualquer forma, seria uma exceção à
regra se tal amizade e companheirismo girasse em torno da confiança,
do conforto e do poder de um copo alguma bebida enebriante.
Consequentemente o companheirismo do bar é invariavelmente evitado,
por ser o local onde freqüentemente os crimes são planejados, essas
companhias fazem com que em poucas semanas o condenado retorne para
a prisão da qual há pouco saiu. Acostumado durante o confinamento
com a implícita submissão à vontade de outro, o prisioneiro
recém liberto é facilmente influenciado pelo primeiro que ganha sua
confiança. Agora, nós propomos nos antecipar com os velhos
companheiros para que traga o pássaro engaiolado para debaixo de
nossas asas e que fixe diante dele uma porta aberta de esperança no
momento em que ele cruze o limiar da prisão, garantindo-lhe que se
estiver disposto a trabalhar e a obedecer nossa disciplina, ele não
precisará de mais nada.

5. Obteremos das autoridades o privilégio de supervisionar e


acompanhar aqueles que são libertos pelos alvarás de soltura, para
livrá-los do dever humilhante e vexatório de ter que apresentar-se
nas delegacias de polícia.

6. Acharemos emprego satisfatório para cada indivíduo. Se não


possuem nenhuma profissão útil, nós ensinaremos alguma.

7. Depois de um certo tempo convivendo nestas Casas, se houver


evidências consistentes de um sincero propósito para viver uma vida
honesta, ele será transferido para a Colônia Rural, a menos que
velhos amigos ou empregadores o tomem de nossas mãos, ou alguma
outra forma de ocupação seja obtida, em todo caso ele ainda será
objeto de cuidado e atenção.

Nós ofereceremos a todos uma derradeira possibilidade de restauração


à Sociedade neste país, ou de transferência para recomeçar a vida em
outro.

Com respeito aos resultados podemos falar bem positivamente, embora


nossas operações até o presente -- com exceção de uma pequena fração
de tempo uns três anos atrás -- fossem limitadas, e sem o auxílio
dos acessórios importantes acima descritos, o sucesso no cuidado
deles foi bem notável. Vejam alguns exemplos que poderiam ser
multiplicados.: --

O Capitão da Casa conheceu J. W. na porta da cadeia e ofereceu


ajuda. Ele recusou vir imediatamente pois esperava ajuda de seus
amigos na Escócia; mas prometeu vir se eles falhassem. Era sua
primeira condenação, ele pegou seis meses por roubar seu patrão. Sua
profissão era de padeiro. Em poucos dias ele se apresentou na Casa,
e foi recebido. No curso de algumas semanas, ele professou
conversão, e deu toda evidência de mudança. Durante quatro meses ele
foi cozinheiro e padeiro na cozinha, por fim uma segunda chance foi
oferecida a ele, com o [N.T.: no original, aqui o texto é
bruscamente interrompido]

J. S. é Sargento mor do Congress Hall Corps. Já faz três anos. Hoje


ele está salvo, leva uma vida satisfatória; é um homem completamente
útil e respeitável.

J. P. era um criminoso contumaz. Ele foi encontrado em Millbank no


final de sua última pena (cinco anos), e veio para a Casa onde
trabalhou na sua profissão de alfaiate. Eventualmente encontrou uma
namorada e casou-se. Ele tem uma boa casa, a confiança de seus
vizinhos, agora é salvo e soldado do Corpo de Hackney.

10
C. M. foi outro velho criminoso, cumpriu muitas penas. Foi induzido
a vir para a Casa, foi salvo, esteve lá para um longo período,
ofereceu-se para a obra, no Campo foi Tenente durante dois anos, e
eventualmente casou-se. Agora ele é um mecânico respeitável e
soldado de um Corpo em Derbyshire.

J. W. Era gerente em uma grande loja de chapéus em West End. Ele


saiu com dois pacotes de dinheiro para trocar [N.T.: no original,
two ten-pound packages of silver]. Encontrou um colega e foi
induzido a tomar uma bebida. Na taverna seu colega deu uma desculpa
para sair e não voltou, foi quando W. percebeu que um dos pacotes
fora retirado de seu bolso. Ele teve medo de voltar, e fugiu para o
interior. Em uma pequena cidade ele entrou em um Salão Missionário;
como o organista estava ausente, um voluntário foi requisitado, como
W. era um bom músico, ofereceu-se para tocar. Parece que foi tomado
pela música. No meio do hino ele saiu do Salão, foi até a delegacia
de polícia e se entregou. Ele pegou seis meses. Quando saiu,
conheceu Happy George, um ex-presidiário, que o convidou para o
Salão de Reuniões. Ele foi à reunião e foi induzido a vir para a
Casa. Eventualmente ele foi salvo, e hoje dirige um trabalho
Missionário nas províncias.

O «Velho Dan» cumpriu muitas penas, muitas delas bem longas. Ele
entrou na Casa e foi salvo. Lá ele administrou por muito tempo nossa
sapataria. Ele montou sua própria sapataria em Hackney, e está
casado. Faz quatro anos que trabalha em sua loja, é um homem
respeitável, e um Salvacionista.

Charles C. cumpriu uma somatória de vinte e três anos de prisão.


Conseguiu uma liberdade condicional, e foi salvo no Posto Avançado
de Hull. Até aquele momento ele evitava falar de si mesmo, pois
tinha rompido sua condicional e inventado um nome falso. Quando ele
foi salvo ele se entregou, e foi conduzido até o magistrado que, em
vez de mandá-lo de volta para cumprir sua pena, o entregou ao
Exército. Ele foi enviado a nós de Hull por nosso representante,
está agora em nossa fábrica e vai bem. Ele ainda permanecerá sob
supervisão policial durante cinco anos.

H. Kelso. Também em liberdade condicional. Ele rompeu sua


condicional, e foi preso. Diante do magistrado ele disse que estava
cansado daquela vida, e que iria para o Exército de Salvação se eles
o libertassem. Mandaram-lhe de volta à prisão. O Secretário da Casa
fez uma solicitação e o Sr. Matthews concedeu a liberação dele. Ele
foi entregue aos nossos Oficiais em Bristol, trazido para Londres, e
está agora na Fábrica, foi salvo e vai bem.

E. W. veio de Birmingham, tem 48 anos, passou toda sua vida entrando


e saindo da prisão. Ele cumpriu 5 anos no Reformatório de Redhill, e
sua última pena foi de 5 anos de reclusão. O Capelão de Pentonville
aconselhou-o a buscar o Exército de Salvação se realmente quisesse
mudar de vida e viver em liberdade. Ele veio até a Rua Thames, foi
enviado à Fábrica, e professou a salvação no domingo seguinte no
Abrigo. Isto foi há três meses atrás. Ele vai bem, é trabalhador,
está contente e parece transformado.

A. B., vadio, patife, alcoólico, abandonou a família, matou a


esposa, e foi preso. Um ministro presbiteriano, amigo da família,
tentou mudá-lo, mas sem sucesso. Ele entrou na Casa da Porta de
Cadeia, foi completamente salvo, distribuiu folhetos para a Casa até
arrumar emprego em uma grande gráfica e editora na qual agora,
depois de três anos de serviço, ocupa uma posição responsável. É um
ancião da Igreja presbiteriana, voltou para casa, e vive feliz com
sua família.

W. C., nasceu em Londres, um rapaz inútil, inativo e dissoluto.


Quando seu pai foi embora da Inglaterra disse-lhe que se não mudasse
de vida acabaria na forca. Cumpriu várias penas em todo tipo de
artigos. Há seis anos o tomamos pela mão, e o admitimos na Brigada

10
da Casa da Porta de Cadeia [N.T.: no original Prison Gate Brigade
Home] onde ele verdadeiramente foi salvo; ele arrumou emprego como
pintor, profissão que aprendeu na cadeia, e se casou com uma mulher
que tinha sido antigamente uma cafetina, mas que passara pelo Lar
dos Pecadores Salvos [N.T.: no original, Rescued Sinners' Home],
onde mudou completamente de vida. Juntos enfrentam com bravura as
tormentas da vida, ambos trabalham diligentemente por suas vidas.
Agora, eles têm uma pequena casa própria onde vivem felizes, estão
indo muito bem.

F. X., filho de um funcionário público, alcoólico, jogador,


falsificador, salafrário; numerosas penas de reclusão por
falsificação. Na última soltura foi admitido na Brigada da Casa
Porta de Cadeia onde ficou aproximadamente cinco meses e
verdadeiramente foi salvo. Mesmo com uma saúde precária pelos
efeitos de sua vida pregressa, ele vem resistindo à tentação de
beber, e mantêm-se confiante em Deus. Através de um anúncio no Brado
de Guerra [N.T.: no original, War Cry, órgão oficial do Exército de
Salvação nos países de língua inglesa], ele encontrou seu filho e
sua filha que haviam se afastado dele, agora felizes com a mudança
maravilhosa do pai. Eles se tornaram membros regulares em nossas
reuniões no Salão da Temperança [N.T.: no original, Temperance
Hall]. No momento, ele tem uma lanchonete, está indo bem, e
devidamente salvo.

G. A., 72, passou 23 anos na cadeia, na última condenação pegou dois


anos por roubo; era alcoólico, jogador, velhaco. Em sua soltura foi
encontrado pela Brigada Portão de Cadeia, foi admitido na Casa onde
permaneceu quatro meses, e verdadeiramente foi salvo. Ele vive uma
vida consistente, é um bom homem, e está empregado.

C. D., 64, viciado em ópio, jogador, patife, separado da esposa e da


família, eventualmente é preso, foi encontrado em sua última soltura
e admitido na Brigada da Casa Porta de Cadeia, foi salvo, agora foi
restabelecido à sua esposa e família, vai bem no seu trabalho.
S. T. inútil, vadio, ladrão, desavergonhado, um rapaz de má
reputação, que vivia, quando fora da prisão, entre as prostitutas de
Little Bourke Street. Foi recebido por nossos Oficiais da Brigada
Porta de Cadeia, foi salvo, e encontrou trabalho. Depois de alguns
meses ele expressou desejo para a obra de Deus, e embora aleijado, e
tendo que usar muletas, tinha tal seriedade que foi aceito e fez um
bom serviço como oficial do Exército. O testemunho dele é bom e a
vida dele consistente. Realmente, ele é uma maravilha da divina
graça.

M. J., ainda jovem chegou a ocupar uma alta posição na Inglaterra,


subiu rápido; achou que uma mudança para as Colônias seria vantajosa
para ele. Começou pela Austrália com #200, boa parte desse dinheiro
acabou gastando com bebida ainda a bordo do navio, logo perdeu todas
as estribeiras, e pela manhã acordou dentro da prisão, com delirium
tremens, nenhum dinheiro, sem bagagem, sem nenhum amigo em todo
continente. Em sua soltura ele entrou em nossa Casa Porta de Cadeia,
foi convertido, e agora está ocupando uma posição de
responsabilidade em um Banco Colonial.

B. C., oriundo de boa família, educação, e posição; alcoólico,


afastou-se da família, dos amigos, foi preso, e ao sair veio para
nossa Casa; foi salvo, revela uma vida séria e verdadeiramente
consistente, sua conversão foi real, tornou-se exemplo para a
salvação de muitos que, como ele, experimentaram a destituição e o
crime por causa da bebida. Ele está agora em uma ótima situação,
recebe #300 por ano, voltou à esposa e à família, vive feliz em sua
casa, guardado pelo amor de Deus.

Estes exemplos são apenas alguns, tirados ao acaso, de muitos. E


temos orgulho de publicá-los. O poder que tem forjado estes milagres
não está em mim nem em meus Oficiais; é poder que vem de cima para
baixo. Mas nestes casos, é razoável afirmar o quanto nossa

110
instrumentalidade tem sido abençoada em resgatar aquelas almas das
chamas. O que permite elevar este trabalho a uma escala bem mais
extensa. Se qualquer outra organização, religiosa ou secular,
conseguir mostrar troféus semelhantes -- apesar de todas nossas
limitações -- entre a população carcerária, eu estou disposto a dar
lugar a eles. Tudo aquilo que eu quero é um trabalho bem feito.

SEÇÃO 4. -- LIBERTAÇÃO EFICAZ PARA O ALCOÓLICO.


A quantidade, a miséria, e a condição desesperada dos escravos do
álcool, de ambos os sexos, já foi estabelecida como sendo
consideravelmente alta.

Vimos que há na Grã Bretanha aproximadamente um milhão de homens e


mulheres sob o completo domínio deste vício cruel. A absoluta
impotência da Sociedade para lidar com o alcoólico tem sido
continuamente demonstrada e confessada por todos aqueles que tiveram
alguma experiência no assunto. Como dissemos anteriormente, o
sentimento geral de todos aqueles que lidaram com essa questão é
desesperador. Eles acreditam que a presente geração de alcoólicos
está perdida e é irrecuperável em sua caminhada rumo ao abismo, que
todo tipo de esforço é inútil, que toda energia gasta na tentativa
de resgatar os pais seria melhor aproveitada se fosse dirigida em
benefício dos filhos.

Há muita verdade em tudo isso, embora nossos próprios esforços


tenham sido muito bem sucedidos, Alguns dos mais bravos, mais bem
dispostos, mais dedicados, e mais prósperos em nossas fileiras, são
homens e mulheres que foram uma vez os escravos mais miseráveis do
copo de bebida. Alguns exemplos já foram delineados. Mas poderíamos
multiplicá-los aos milhares. Quando comparados com a horrível
população que este exército de alcoólicos representa em nossos dias,
os salvos são comparativamente poucos. A grande razão para isto é
o simples fato de que a vasta maioria desses viciados são
verdadeiros escravos do copo. Nenhum argumento, considerações
terrestres ou religiosas, pode ter qualquer efeito em um homem que
está tão completamente sob o domínio desta paixão que ele não pode
nem mesmo afastar-se dela, embora suas mais terríveis conseqüências
estejam estampadas em seu rosto.

O alcoólico promete e jura, mas promete e jura em vão.

Ocasionalmente ele desenvolve esforços frenéticos para livrar-se,


mas basta surgir uma oportunidade para que desabe novamente. O vício
insaciável toma controle sobre ele. Ele não pode fugir. O vício o
compele a beber, quer queira quer não, e, a menos que ele entregue
tal problema nas mãos do Todo Poderoso, o vício o conduzirá à
sepultura e ao inferno dos alcoólicos.

Nossos arquivos registram exitosos salvamentos efetuados nas


fileiras do exército alcoólico. O exemplo a seguir não é apenas mais
um, ele tende a ilustrar a força e a loucura da paixão que domina o
escravo do álcool.

Bárbara. -- Ela descera tão baixo quanto uma mulher pode descer
quando nós a encontramos. Desde a idade de dezoito anos -- quando
seus pais a arrancaram dos braços de seu amado marinheiro e a
forçaram casar-se com um homem «de bem» -- ela deu início a sua
jornada rumo ao inferno.

Ela não amava o marido, e logo buscou o conforto no pequeno boteco a


alguns passos da porta de sua casa. As constantes discussões com o
marido rapidamente abriram espaço para insultos, agressões físicas,
xingamentos, e ameaças, e logo a vida dela se tornou uma das mais
miseráveis no lugar. Seu marido não tinha nenhuma intenção de cuidar
dela, e quando ela estava doente e incapaz de ganhar dinheiro
vendendo peixe nas ruas, ele sumia por alguns meses, deixando-a
sozinha para cuidar da casa e sustentar os bebês da melhor maneira
que podia. Dos vinte anos de casamento, dez foram gastos com

111
separações e retornos. E assim ela conseguiu viver apenas para uma
coisa: a bebida. A bebida era sua vida; e sua furiosa apetência
cresceu a níveis irresistíveis. A mulher que cuidou de Bárbara por
ocasião do nascimento do filho recusou quando ela pediu que lhe desse
uísque, assim, após fazer o que pode, deixou a mãe para descansar,
Bárbara escapuliu para fora da cama e rastejou lentamente pela escada
até o bar onde sentou-se, e passou a beber, com o bebê no colo, que
tinha nascido a menos de uma hora. Assim as coisas foram, até que a
vida dela se tornou tão insuportável que ela resolveu acabar com tudo.
Pegou as duas crianças mais velhas e desceu até o rio para
deliberadamente afogá-las e depois afogar-se.

«Oh, mama, mama, não faz isso!» lamentou a pequena Sarah de três
anos, mas ela estava determinada a fazer o que tinha resolvido, foi
quando, ao ver um barco se aproximando, percebeu que fora
descoberta. É tarde demais para fazer isso agora, pensou ela, e,
segurando ambas as crianças, nadou rapidamente para a costa. A
história que inventou sobre ter entrado na água satisfez o
barqueiro, e Barbara voltou para casa encharcada e confusa. Mas a
pequena Sarah não se recuperou do choque, e depois que algumas
semanas sua curta vida teve fim, foi levada para o Cemitério.

Por outra ocasião, mergulhada em desespero, ela tentou o suicídio


pendurando-se numa corda, mas uma vizinha entrou e a encontrou
inconsciente, mas ainda viva. Ela se tornou um terror por todo o
bairro, e o nome dela circulou pelos arredores por causa de sua
ousadia e ações desesperadas. Mas nossas Reuniões ao ar livre a
atraíram, ela veio para o Posto Avançado [N.T.: no original,
Barracks], foi salva, e liberta de seu amor pela bebida e pelo
pecado.

Da medonha condição anterior, sua casa transformou-se em uma espécie


de casa de refúgio na pequena rua onde vivia; outras esposas tão
infelizes quanto ela no passado a procuravam em busca de conselho e
ajuda. Todos ficaram sabendo da mudança ocorrida na vida de Barbie,
ela adorava fazer tudo que podia para seus vizinhos. Há alguns meses
atrás ela veio até a Capitã grandemente angustiada por causa de uma
mulher que levava uma vida bem diferente, e que fora cruelmente
maltratada e espancada pelo marido. Expulsa de casa dirigiu-se até
Barbie como sua única esperança. Naturalmente Barbie a acolheu, com
bondade cuidou dela como fazia com outras mulheres que, fugindo da
brutalidade de seus maridos, a procuravam em busca de sua simpatia,
ela era tanto enfermeira como médica para mulheres pobres. [...]
Este é o segundo caso --

Maggie. -- Ela tinha uma casa, mas raramente estava suficientemente


sóbria para retornar durante a noite. Ela permanecia caída na
calçada até ser socorrida por algum transeunte ou policial.

Em uma de suas furiosas extravagâncias ela passou a ser insultada


por uma de suas companhias, um pequeno corcunda, também alcoólico;
sem nenhuma hesitação, Maggie o agarrou e o empurrou de ponta cabeça
pela boca de um velho cano de esgoto da cidade de Scotch. Se uma
pessoa que estava passando não tivesse visto a sola de seu sapato
balançando e o socorresse, a raiva o teria sufocado.

Certa noite de inverno Maggie bebeu bastante, e também brigou, como


sempre, e seguiu cambaleando como podia, a caminho de sua casa. Foi
quando, ao passar por uma ponte estreita, tropeçou e caiu, e ficou
estirada na neve, com sangue escoando dos ferimentos, e os cabelos
desgrenhados.

Pelas 5 na manhã, algumas meninas da fábrica que cruzavam a ponte em


direção ao trabalho, viram aquele corpo estendido no meio da neve e
da escuridão.

Despertá-la de seu sono alcoólico era algo bem difícil, mas


retirá-la do chão foi ainda mais difícil. O cabelo emaranhado e o

112
sangue tinham congelado rapidamente na terra, e Maggie ficara presa.
Depois de tentar tirá-la dali por diferentes modos, e recebendo como
recompensa uma salva de chingamentos e palavrões, uma das meninas
correu em busca de uma chaleira de água fervente, e vertendo tudo ao
redor dela, aos poucos tiveram sucesso derretendo o gelo e
colocando-a finalmente em pé! Mas ela veio para nossos Postos
Avançados, e foi profundamente convertida, e a Capitã foi
recompensada pelas noites e dias de labuta procurando transformá-la
em uma mulher sóbria.

Tudo corria bem até que um amigo pediu-lhe que fosse até a casa dele
para tomar um brinde juntamente com sua esposa recém-casada. «Você
não vai beber nada alcoólico», disse. «Brinde a mim com esta
limonada». E Maggie, sem nada suspeitar, bebeu, e enquanto bebia
percebeu que o conteúdo do copo era seu velho inimigo, o uísque! O
homem riu do desânimo dela, mas um amigo correu e contou toda a
história para a Capitã. «Ainda há tempo, ela não poder voltar a
beber»; e a Capitã correu para a casa, tentando amarrar seu chapéu
enquanto corria. «Não estou nada bem -- fique longe de mim -- não
quero vê-la, Capitã», lamentou Maggie «deixe-me em paz -- oh, eu
estou em chamas por dentro». Mas a Capitã foi firme, e levou-a para
casa, ela se trancou com a mulher, e sentou com a chave no bolso,
enquanto Maggie, meio furiosa e ansiosa, andava de um lado para o
outro como um animal enjaulado, prometendo e suplicando. «Nunca,
enquanto eu viver», era tudo o que a Capitã respondia; assim que ela
se distraiu, em questão de momento, ouviu um ranger de porta. A
Capitã viu a porta se abrir e Maggie escapar rapidamente! Acostumada
com todos os segredos e «evasivas», Maggie arrancou a fechadura da
porta, e saiu correndo para o bar mais próximo.

Maggie desceu a escadaria do bar correndo, com a Capitã atrás dela;


mas antes que o assustado garçom pudesse dar-lhe a bebida que ela
pedia aos gritos, a Capitã já estava ao lado dela. «Se você ousar
servi-la, eu quebrarei o copo antes que alcance a os lábios dela.
Ela não vai beber nada!» e assim Maggie foi persuadida a sair dali,
e ficou sob proteção até a paixão terminar. Maggie tornou-se Ela
Mesma mais uma vez.

Mas o homem que teve o descaramento de dar-lhe uísque permaneceu


trancado dentro de casa durante semanas. O povo ficou sabendo da
armadilha que ele armou para ela, e o teria linchado se o
encontrasse na rua.

O terceiro caso é o de Rose.

Rose foi desonrada, abandonada, e largada nas ruas quando tinha


apenas treze anos, por um homem rico que está agora, segundo
sabemos, fazendo trabalhos forçados em uma casa de correção no Norte
da Inglaterra.

Órfã de mãe e pai, e quase poder-se-ia dizer, sem amigos, Rose


trilhou pelo largo caminho da destruição, com toda sua miséria e
vergonha, durante doze longos anos. Sua natureza selvagem,
apaixonada, forjada pela injustiça e pelo sofrimento, procurando
consolo no copo de bebida, logo fez dela uma notória alcoólica.
Durante sua jornada ela foi setenta e quatro vezes arrastada às
barras dos tribunais, e nas setenta e quatro vezes, com apenas uma
exceção, ela foi castigada, mas na septuagésima quarta vez ela
estava longe de ser transformada. A única exceção ocorreu no Dia do
Jubileu da Rainha. Ao ver seu rosto bem conhecido novamente diante
dele, o juiz reclamou, «Quantas vezes essa mulher já passou por aqui
antes?»

O Superintendente de Policia respondeu, «Cinqüenta vezes». De mau


humor, o magistrado disse: «Então este é o Jubileu dela», e por
causa da coincidência, ele a deixou ir embora livre. Assim Rose
passou o jubileu fora da prisão.

113
É surpreendente que a terrível, alcoólica, negligente, dissoluta,
vida que ela viveu não acelerou sua ida para a sepultura; mas afetou
sua razão, e durante três semanas ela foi recolhida em um Manicômio
de Lancaster, depois de ter passado por um período de fúria por
causa da bebida e do pecado.

Revelando sua natureza despreocupada ela disse depois de sua segunda


prisão que nunca mais entraria em uma delegacia de polícia
novamente; quando a polícia a encontrava em meio a orgias selvagens
e resolvia prendê-la, eles tinham que levá-la para a delegacia de
polícia do jeito que podiam, às vezes num carrinho de mão, numa
carroça, ou numa maca, e às vezes no braço. Em certa ocasião, já no
fim de sua carreira, quando era transportada pelo último método, com
quatro policiais carregando-a até a estação, ela estava
extraordinariamente violenta, gritava muito, dava socos, pontapés e
mordidas, quando, sem querer ou de propósito, um dos policiais
deixou escapar a cabeça dela que, ao chocar-se com o meio fio,
começou a sangrar. Assim que eles a colocaram na cela, a pobre
criatura pegou seu sangue nas mãos e literalmente lavou sua face com
ele. Na manhã seguinte ela apresentava uma imagem lastimável, e
antes de a levarem ao tribunal a polícia quis lavá-la, mas ela
declarou que arrancaria sangue de qualquer homem que tentasse chegar
perto dela; eles tiveram que deixá-la como estava, e ela se
apresentou toda suja de sangue no tribunal como um testemunho contra
eles. Da última vez que saiu da prisão, ela encontrou alguns
Salvacionistas batendo o bumbo e cantando: «Oh! o sangue do
Cordeiro, o sangue do Cordeiro; Ele foi digno». Rose, sensibilizada
com a canção, e impressionada com o rosto alegre das pessoas, as
seguiu, dizendo a si mesma, «eu nunca ouvi nada assim antes, nem
tinha visto tanta gente tão feliz». Ela entrou no Posto Avançado;
seu coração estava quebrantado; ela foi até o Banco de Penitentes, e
a Cristo, que com seu próprio precioso sangue, lavou os pecados
dela. Ela ajoelhou-se e disse à Capitã, «está tudo bem agora».

Três meses depois de sua conversão houve uma grande reunião no maior
salão da cidade onde ela era conhecida por quase todos os
habitantes. Havia aproximadamente três mil pessoas presentes. Rose
foi chamada para dar seu testemunho de que o poder de Deus salva.

Uma entusiástica onda de simpatia tomou conta daquela multidão,


todos estavam familiarizados com o passado de Rose. Depois dela
balbuciar algumas palavras expressando a mudança maravilhosa que
acontecera em sua vida, um primo dela que, como ela, tinha vivido
uma vida notoriamente má, veio à Cruz.

Rose é agora sargenta do Brado de Guerra. Ela entra nos bordéis,


bares e outros refúgios do vício da qual ela foi salva, e vende mais
jornais do que qualquer outro Soldado.

O Superintendente da Polícia, logo após a conversão dela, disse à


Capitã do Corpo que a conversão de Rose foi o trabalho mais
maravilhoso que tinha visto em toda sua carreira.

S. nasceu em Lancashire, filho de pais virtuosos, e pobres. Ele foi


salvo aos dezesseis anos de idade. Ele foi primeiro Evangelista,
depois Missionário da Cidade durante cinco ou seis anos, e depois
Ministro Batista. Foi quando caiu na influencia da bebida,
resignado, tornou-se vendedor ambulante, mas perdeu sua licença por
bebida. Tornou-se então agente de seguros, foi promovido a
superintendente, mas foi novamente despedido por causa da bebida.
Durante toda sua carreira de alcoólico, por quatro vezes ele teve
delirium tremens, tentou suicídio por três vezes, vendeu seis casas,
freqüentou nossa oficina com sua esposa e família por três vezes.

Suas últimas performances durante suas bebedeiras era proferir


falsos sermões e falsas orações nos bares que freqüentava.

Depois de uma de suas performances blasfemas no bar. Ele foi

114
desafiado a ir ao Posto Avançado com as palavras «Você é Salvo?».

Ele foi, e o Capitão que o conhecia bem, pediu para que ele se
convertesse. S. o agrediu com um soco, e voltou ao bar. Porém, ele
ficou tão sensibilizado pelo que ouvira que não conseguiu beber, Ele
foi e voltou do bar para a reunião e da reunião para o bar por três
vezes. Ele não tinha sossego, e na terceira vez que voltou à reunião
os Soldados estavam cantando: --

«Profunda clemência, ainda há


Clemência reservada para mim?
Poderá meu Deus reprimir sua ira?
Para mim, o maior dos Pecadores?»

Esta canção o atingiu profundamente; ele chorou, e permaneceu no


Posto até a meia-noite. Ele ficou bêbado durante todo o dia
seguinte, tentando vaidosamente afogar suas culpas. O Capitão o
visitou pela noite, mas foi logo mandado para fora da casa. Ele
voltou na manhã seguinte, orou e conversou com S. durante quase duas
horas. O pobre S. estava em desespero. Ele persistia que não haveria
nenhuma clemência por ele. Depois de uma longa luta, porém, brilhou
um raio de esperança, ele ajoelhou-se, confessou seus pecados, e
obteve o perdão divino.

Quando isto aconteceu, sua mobília consistia de uma mesa e cadeiras.


A esposa dele, ele, e três crianças, há três anos não dormiam em uma
cama. Agora, ele tem uma família feliz, uma casa confortável, e
meios para levar outros escravos do pecado ao Salvador, a uma vida
verdadeiramente feliz.

Casos semelhantes, descrevendo a libertação de alcoólicos da


escravidão da bebida, poderiam ser reproduzidos indefinidamente. Há
Oficiais marchando em nossas fileiras hoje, que uma vez foram
possuídos por esta fascinação diabólica, mas que se livraram dessas
correntes, e são agora homens livres no Exército. Mas a torrente
poderosa do Álcool, alimentada por dez mil fábricas, permanece
avassaladora, trazendo consigo -- eu não tenho nenhuma dúvida sobre
isso -- a maré mais suja e mais sangrenta que já fluiu da terra para
a eternidade. A Igreja do Deus vivo não deve -- não estou falando de
religião -- como não devem as pessoas que tenham algo de humano
dentro de si, descansar enquanto não fizer algo para resgatar este
meio milhão de almas que estão no meio desse redemoinho diabólico.
Então, nos propomos salvar tais pessoas dessa tentação que não
conseguem resistir. Levá-las a Deus para que essa tentação possa ser
retirada de dentro delas, e que seja retirada a autorização de
funcionamento de cada uma destas casas que comercializam bebidas
alcoólicas, e que sejam fechadas, e fechadas para sempre. Mas isso
não acontecerá ainda, pelo menos por enquanto.

Alguns casos de embriaguez devem ser considerados como hábito,


outros como doença. No primeiro caso deve-se descobrir uma forma de
retirar o homem da esfera da tentação, enquanto que no outro, pela
paixão pela bebida constituir-se em doença, devemos desenvolver
alguma outra paixão, uma paixão saudável que tome o lugar da paixão
doentia pela bebida, de forma a obter a cura.

As Casas de Dalrymple onde -- por ordem de um magistrado e pelo


próprio consentimento dos alcoólicos -- os alcoólicos ficam
confinados durante algum tempo, teve um sucesso parcial em lidar com
os dois tipos de alcoólicos; mas tais casas são definitivamente
caras demais para famílias com poucos recursos. Nem trabalhadores,
nem pessoas do povo, podem pagar duas libras por semana pelo
privilégio de ser afastado para longe dos bares, que se multiplicam
por toda parte. Além disso, aqueles que conseguem entrar nestas
casas sentem-se bem a vontade por pertencerem à mesma classe social
que mantém essas instituições. Mas nós propomos estabelecer Casas
que contemplem a libertação, não de um ou outro, mas de multidões, e

115
que sejam acessíveis ao proletariado, ou a qualquer pessoa de
qualquer classe. O alcoolismo é nosso vício nacional, e exige nada
menos do que um remédio nacional -- de qualquer maneira, um remédio
em grande escala para que seja considerado nacional.

1. Poderíamos começar com Casas Anti-alcoólicas Urbanas [N.T.: no


original, City Homes], onde um homem possa ser levado, cuidado, e
mantido, longe da tentação, e se possível libertado deste hábito
terrível.

Em alguns casos de pessoas que estão trabalhando ou envolvidas em


seus negócios na Cidade durante o dia, elas seriam acompanhadas por
uma pessoa do trabalho para Casa e da Casa para o trabalho. Neste
caso, naturalmente, seria necessário uma remuneração adequada para
este cuidado extra.

2. Casas Anti-alcoólicas Rurais [N.T.: no original, Country Homes]


que administraremos no princípio de Dalrymple; quer dizer, um
magistrado conduz pessoas para uma espécie de confinamento
compulsório por um certo período. Os regulamentos gerais para ambos
tipos seriam algo como segue: --

(1). Haverá apenas uma classe em cada estabelecimento. Casas onde


ricos e pobres convivem juntos não funcionam bem, deve-se
providenciar instituições separadas.

(2). Todas as pessoas engajadas terão que se ocupar em alguma forma


de trabalho. De preferencia trabalho ao ar livre, mas o trabalho em
recinto fechado será proporcionado àqueles que se encontram em
estado mais satisfatório, e em tempos e ocasiões do ano quando o
trabalho em hortas torna-se impraticável.

(3). Um custo de 10s. por semana será cobrado. Este valor será
revisto quando não houver qualquer possibilidade de pagá-lo.

A utilidade de tais Casas é tão evidente que dispensa qualquer


discussão. Há uma classe de criaturas infelizes que deveria ser
objeto da compaixão de todos aqueles que chegaram a conhecê-los,
quer dizer, homens e mulheres que são arrastados continuamente
diante dos tribunais, e a respeito dos quais lemos constantemente
nos relatórios policiais, pessoas que dentro e fora das prisões
constituem um enorme custo ao país, e sem qualquer benefício para
eles.

Deveríamos, portanto, lidar com esta gente. Seria possível aos


magistrados -- em vez de condenar estes pobres diabos a sessenta e
quatro e a cento e vinte anos de prisão -- enviá-los a esta
Instituição, pela simples reforma das sentenças quando solicitadas.
Tais arranjos sairiam bem mais baratos para o país!

SEÇÃO 5. -- UMA NOVA SAÍDA PARA MULHERES PERDIDAS. AS CASAS DE


RESGATE.
Talvez não haja nenhum outro mal tão destrutivo dos melhores
interesses da Sociedade, ou reconhecidamente mais difícil de lidar
com eficácia, como aquele que é conhecido como o Mal Social. Temos
testemunhado o crescimento deste terrível mal, e a maneira alarmante
como ele afeta nossa moderna civilização.

Estamos tentando lutar contra este mal com aproximadamente treze


Casas na Grã Bretanha, acomodando 307 meninas sob os cuidados de 132
Oficiais, juntamente com dezessete Casas no estrangeiro, abertas
para o mesmo propósito. Esse total, embora pequeno comparado com a
imensa necessidade, talvez constitua o maior e mais eficiente
esforço nessa área em todo o mundo.

É difícil estimar os resultados já alcançados. Através de nossas


variadas operações, associadas à atuação dessas Casas, provavelmente
centenas, senão milhares tiveram suas vidas libertadas da vergonha e

116
da miséria. Não temos as estatísticas exatas com relação ao
atendimento em nossas Casas no exterior, mas em conexão com a obra
em nosso país, cerca de 3.000 delas já foram resgatadas, e estão
vivendo vidas virtuosas, com firme e habitual disposição para o bem.

Este sucesso tem sido gratificante não apenas por causa das bênçãos
trazidas a estas jovens mulheres, pela alegria proporcionada nas
casas em que foram restabelecidas, pelo benefício dado à Sociedade,
mas porque esse sucesso nos assegurou que maiores resultados desse
tipo podem ser conseguidos por operações administradas em escala
maior, e diante de circunstâncias mais favoráveis.

Com esta visão propomos remodelar e aumentar grandemente o número


dessas nossas Casas tanto em Londres como nas províncias, e
estabelecer uma em cada grande centro desse tráfico infame.
Transformá-las em grandes Casas Receptoras, onde as meninas sejam
iniciadas no sistema de recuperação, testadas em seu real desejo de
libertação, e instruídas no caminho da verdade, da virtude, e da
religião.

Com a supervisão destas Casas, um grande número de meninas poderia


ser restaurada por amigos e parentes, algumas seriam treinadas e
encaminhadas para o serviço doméstico, e outras iriam para Colônias
Rurais.

Na Fazenda elas se engajariam em várias ocupações. Na Fábrica,


encadernando e tecendo; na Estufa cuidando de frutas e de flores; na
Leiteria, fazendo manteiga; em todos os casos desenvolvendo um
trabalho que as capacite no serviço doméstico.

Em cada fase será aplicado o mesmo processo de treinamento moral e


religioso, no qual temos uma especial confiança.

Provavelmente haverá uma considerável quantidade de casamentos entre


os Colonos, e dessa forma várias destas meninas seriam absorvidas na
Sociedade.

Um grande número delas será enviado ao estrangeiro como empregadas


domésticas. No Canadá, as meninas saem das Casas de Resgate como
criadas, sem nenhuma outra referência senão algumas semanas de
residência, e recebem salários de até #3 por mês. A escassez de
empregadas domésticas nas Colônias australianas, nos Estados
Ocidentais da América, África, e em outros lugares é bem conhecida.
E nós não temos nenhuma dúvida de que todos darão boas-vindas às
nossas meninas com 12 meses de caráter, a questão das roupas e do
dinheiro da passagem será encaminhada com facilidade pelas pessoas
interessadas nos serviços delas, adiantando a quantia, com o detalhe
de que será deduzido dos primeiros salários delas.

Temos também a Colônia Além-Mar que requererá os serviços de um


número grande delas. Muitas famílias se alegrarão em adotar uma
dessas jovens mulheres, não como criada servil, mas como companheira
e amiga.

Por este método nos capacitaremos a levar a cabo o trabalho de


Resgate em uma escala bem maior. No momento, duas dificuldades bem
grandes bloqueiam nosso caminho. Uma é o custo do trabalho. As
despesas relacionadas com o resgate de uma garota no presente plano
não fica por menos de #7; quer dizer, incluindo o custo daquelas com
as quais falhamos, e nas quais aplicamos dinheiro. Mas sete libras
não é certamente uma soma muito grande considerando o benefício
resultante na menina que é retirada para fora das ruas, e o
benefício resultante à Sociedade, removendo-as do mau caminho em que
estavam. Todavia, quando o trabalho alcançar milhares de indivíduos,
o montante requerido torna-se considerável. No plano proposto
calculamos que quando chegarem à Colônia Rural elas receberão quase
tudo aquilo que for necessário ao seu apoio.

117
A próxima dificuldade que impede nossa expansão nesta área é o
desejo de situações satisfatórias e permanentes. Embora tenhamos
alcançado o maravilhoso sucesso de ter encaminhado até o presente
momento cerca de 1.200 garotas ao serviço doméstico, a dificuldade
nesse sentido é bem grande. As famílias revelam-se naturalmente
tímidas em receber estas pobres desafortunadas no que diz respeito a
afiançar a ajuda que elas precisam combinada com um caráter puro; e
nós não os podemos culpar.

Então, novamente, é fácil compreender que a monotonia do serviço


doméstico neste país é absolutamente incompatível com os gostos de
muitas destas meninas acostumadas a uma vida de excitação e
liberdade. Isto pode ser facilmente compreendido. Ficar presa sete
dias por semana com pequeno ou nenhum relacionamento, nem com amigos
nem com o mundo externo, com exceção do serviço semanal da Igreja
ou da «noite fora» com ninguém para se encontrar, com muitas delas
distantes das Reuniões do Exército de Salvação, tudo fica muito
monótono, em horas de depressão não seria surpresa alguma se algumas
voltassem atrás em suas resoluções, retornando ao velho modo de vida
em que viviam.

Mas no plano que propomos há algo que alegrará estas meninas. A vida
na fazenda será atraente. Dali elas poderão ir para um novo país e
poderão começar tudo de novo, com a possibilidade de casar-se e ter
uma pequena casa própria algum dia. Com tal perspectiva, achamos que
elas provavelmente estarão bem mais dispostas a lutar contra a
escuridão e resistir às tentações do que no momento.

Este plano também tornará a tarefa de salvar as meninas bem


compensatória aos Oficiais engajados, na medida em que -- por sua
perseverança no encorajamento dessas meninas -- elas abandonam seus
velhos hábitos, e justificam cada centavo gasto com elas.
Neste momento há meninas que podem ser resgatadas e salvas, apesar
das circunstâncias, e temos muitas provas disso. Veja os exemplos
abaixo: --

J. W. foi trazida por nossas Oficiais de um bairro que ficou famoso


por causa das atrocidades ali perpetradas, até mesmo entre os
distritos semelhantes, de caráter igualmente ruim.

Ela tinha apenas dezenove anos. Uma menina do campo. Ela começou bem
cedo sua luta pela vida trabalhando em uma grande lavanderia, e foi
estuprada aos treze anos de idade. Após esse primeiro tropeço, sua
queda foi mais rápida, irrequieta, aflitante, e profunda do que
seria em uma cidade do interior, ela mudou-se para Londres.

Durante algum tempo ela viveu no mundo dos holofotes, da


extravagancia e do exibicionismo, em pouco tempo conheceu muita
gente dessa classe -- conseguiu bastante dinheiro, roupas boas, e
ambientes luxuosos, até que uma terrível doença tomou conta de seu
corpo, e ela viu-se abandonada, sem-teto, e sem amigos, uma
proscrita da Sociedade.

Quando a encontramos ela era difícil e impenitente, difícil de


atingir até mesmo com amor; mas o amor a atingiu e a conquistou, e
desde então ela tornou-se uma soldada consistente de um corpo do
Exército, e uma vendedora campeã do Brado de Guerra.

UMA MULHER EM LIBERDADE CONDICIONAL.


A. B., filha de respeitáveis trabalhadores -- católicos romanos --
cedo ficou órfã. Deixou-se envolver em más companhias, e viciou-se
na bebida. Como não bastasse sua constante embriaguez, o roubo e a
prostituição a conduziram ainda mais fundo no poço. Ela passou sete
anos na prisão, e em sua última condenação pegou sete anos de
liberdade condicional. Rompendo sua condicional, ela foi trazida
diante do juiz.

O magistrado indagou se ela alguma vez passou por alguma Casa. «Ela

118
é muito velha, ninguém vai querer se responsabilizar», foi a
resposta, mas um Detetive, conhecendo um pouco sobre o Exército de
Salvação, adiantou-se e explicou ao magistrado que ele não
acreditava que o Exército de Salvação recusasse qualquer pessoa que
o buscasse. Ela foi entregue formalmente a nós em uma condição
deplorável, vestindo roupas escassas e sujas. Durante mais de três
anos ela deu evidência de uma mudança genuína, nesse tempo ela vive
de seu próprio trabalho.

UMA MULHER SELVAGEM.


Visitando uma favela em uma cidade ao Norte da Inglaterra, nossas
Oficiais entraram em um buraco que parecia mais toca de animal
selvagem do que habitação humana. Sua mobília era uma imunda armação
de cama de ferro, uma caixa de madeira servindo de mesa e cadeira, e
uma lata velha funcionando como lata de lixo.

A habitante daquela toca miserável era uma pobre mulher que


escondeu-se no canto mais escuro quando nossa Oficial entrou. Esta
pobre infeliz era vítima de uma besta humana que nunca lhe permitiu
sair para fora, mantendo-a viva com uma escassa quantidade de
comida. A única roupa dela consistia de um saco amarrado em torno do
corpo. Descalça, cabelos desgrenhados, parecia tudo, menos um
habitante de um país civilizado.

Ela deixou para traz uma casa respeitável, o marido e a família, e


afundou tanto que o homem que dizia sustentá-la argumentou ao
Oficial que ele tinha melhorado a condição dela tirando-a das ruas.
Tomamos aquela pobre criatura, a lavamos e a vestimos; ela mudou seu
coração e sua vida, ela é mais uma que se soma ao número daqueles
que foram abençoados pela obra do Exército de Salvação.

SEÇÃO 6. -- UMA CASA PREVENTIVA PARA MENINAS DE RUA EM VIAS DE


PROSTITUIR-SE.
Há uma história bem conhecida e que talvez seja verdadeira sobre uma
menina que bateu à porta de uma certa casa de recuperação de
mulheres decaídas. A matrona indagou naturalmente se ela tinha
perdido a honra; a menina respondeu que não. Ela tinha se preservado
daquela infâmia, mas era pobre e sem amigos, e estava procurando
algum lugar onde pudesse encontrar trabalho, e abrigo. A matrona
deve ter sentido pena dela, mas que não podia ajudar pois não
pertencia à categoria à qual a instituição foi planejada. A menina
insistiu, mas a matrona não podia alterar a regra, nem ousou fazer
isso, já era difícil encontrar um lugar para aquelas que chegavam
até ali pedindo ajuda e se enquadravam. A pobre menina saiu da porta
relutante, depois de pouco tempo voltou, e disse, «agora estou
decaída, você vai me ajudar?»

Em Londres e em todas nossas grandes cidades deve haver um número


considerável de meninas pobres que, pelas mais variadas causas,
acabam mergulhadas nesta condição de abandono; uma discussão com a
patroa, uma súbita demissão, uma doença prolongada, uma saída do
hospital sem dinheiro, um roubo do pagamento, esperar que a situação
melhore enquanto gasta cada centavo, essas e muitas outras coisas
tornam uma menina uma presa quase indefesa na mão dos vilões que a
observam atentamente aguardando o momento exato para tirar proveito
de sua inocência quando ela estiver em perigo. Há um grande número
destas meninas, principalmente em grandes cidades como Londres, que
já se depararam com a possibilidade de ter uma porta batida na cara
caso recusem submeter-se às propostas infames daqueles que as
rodeiam. Sabemos que a Sociedade para a Proteção de Crianças no ano
passado processou um fabuloso número de pessoas por práticas
anti-naturais perpetradas contra crianças. Mas daqueles que foram
trazidos às barras da justiça, quantos foram realmente condenados?
Nós apenas temos que imaginar quão pobre é uma menina, diante da
terrível alternativa de ser literalmente lançada nas ruas por
empregados, parentes, ou outros sob cujo poder infelizmente está
subordinada.

119
Agora, queremos uma casa de verdade para elas -- uma casa para a
qual qualquer menina possa abrigar-se a qualquer hora do dia ou da
noite, onde seja recebida, cuidada, protegida do inimigo, e mantida
em segurança.

O Refúgio que propomos funcionará no mesmo princípio dos Abrigos


descritos anteriormente. Deveríamos aceitar qualquer menina, a
partir de quatorze anos de idade, visivelmente desprovida de apoio,
mas disposta ao trabalho e à disciplina. Haveria várias formas de
trabalho, como lavagem de roupa, costura, tricotagem. Toda
influência benéfica em nosso poder seria colocada à disposição em
prol da retificação e da formação do caráter. Seriam feitos
contínuos esforços para criar situações de fácil adaptação para as
meninas, restabelecer o contato com suas famílias, tudo seria
providenciado. Como ocorre nas outras Casas, haverá um caminho de
acesso à Fazenda e à Colônia além mar. As instituições seriam
multiplicadas na medida de nossas possibilidades e de nossas
necessidades, e tão auto-sustentadas quanto possível.

SEÇÃO 7. -- ESCRITÓRIO PARA LOCALIZAÇÃO DE PESSOAS DESAPARECIDAS.


Talvez nada insinue mais vivamente as variadas formas da terrível
miséria nas grandes cidades que o fato de que a cada ano 18.000
pessoas perdem o contato com seus parentes e familiares, e 9.000
nunca são encontradas em parte alguma deste mundo. Se isso é verdade
para Londres, achamos que isso também seja verdadeiro na mesma
proporção para o resto do país. Maridos, filhos, filhas, e mães,
desaparecem continuamente, sem deixar nenhum vestígio.

Tais casos, em um mundo onde as relações entre as pessoas têm tão


pouca importância, o máximo que as autoridades policiais podem fazer
é uma ou outra ligeira investigação, freqüentemente desprovida de
êxito. E a procura será em vão, a menos que o interessado disponha
de grandes somas em dinheiro, e contrate um detetive particular que
faça buscas aqui e no estrangeiro.

Mas se os parentes e amigos do indivíduo perdido vivem em


circunstâncias humildes, de cada dez casos nove fracassam em sua
busca.

Tome, por exemplo, um casal de camponeses em uma aldeia, cuja filha


se despede para trabalhar na cidade mais próxima ou em uma cidade
grande. Pouco tempo depois chega uma carta informando aos seus pais
de que ela está bem. O ambiente é bom, o trabalho fácil, e ela gosta
dos colegas de trabalho. Que ela freqüenta a capela ou igreja. A
família fica contente com essas notícias. As cartas continuam
chegando com as mesmas informações, mas, repentinamente, elas
cessam. Cheia de preocupação, a mãe escreve para saber a razão, mas
nada de resposta, depois de um tempo as cartas são devolvidas com
«mudou-se sem deixar endereço», escrito no envelope. A mãe escreve
para parentes e amigos, ou o pai viaja para a cidade, mas nenhuma
informação adicional pode ser obtida além do fato que «a menina
vinha se comportando de uma maneira um tanto estranha ultimamente;
passou a ser relapsa em seu trabalho; foi vista na companhia de
algum rapaz; sem avisar ninguém desapareceu completamente».

Agora, o que essa pobre gente pode fazer? Eles procuram à polícia,
mas a polícia não pode fazer nada. Talvez eles peçam ajuda ao
clérigo da paróquia, que também não pode fazer nada a não ser
encharcar seus ombros com as lagrimas da mãe desesperada, que
espera, que pede a Deus por notícias da filha, notícias que nunca
chegam. Ela teme o pior.

Agora, nosso Escritório Para Localização de Pessoas Desaparecidas


provê um remédio para este estado de coisas. Em casos assim, o
encaminhamento seria dado pelo Oficial do Exército de Salvação mais
próximo -- provavelmente na própria aldeia dela, ou de qualquer
modo, na cidade mais próxima -- que orientaria os pais a escrever ao
Escritório Central em Londres, enviando retratos e todas as

12
características particulares. A Busca seria imediatamente colocada
em prática, no sentido de localizar e, se for o caso, resgatar a
menina.

As realizações deste Departamento, que só recentemente entrou em


operação e em escala limitada, como uma filial do grupo Rescue Work,
tem sido maravilhosas. Nenhum de nossos escritores mais imaginativos
poderia conceber histórias mais românticas que as que estamos
registrando. Veja alguns casos ilustrativos que aconteceram pouco
tempo atras.

O MARIDO DESAPARECIDO.
A BUSCA.
A Sra. S., de New Town, Leeds, escreveu relatando que ROBERT R.
deixou a Inglaterra em julho de 1889. Ele viajou para o Canadá em
busca de uma melhor qualidade de vida. Ele deixou para trás a esposa
e quatro crianças pequenas. Foi embora dizendo que se tivesse êxito
os chamaria, caso contrário voltaria.

Como foi mal sucedido, ele resolveu voltar. Saiu de Montreal no


Navio «Oregon» no dia 30 de outubro. Fora o cartão postal enviado
antes da viagem, a esposa e os amigos nunca mais tiveram qualquer
notícia dele. As coisas estavam assim quando nos escreveram.

Eles escreveram para a Companhia «Dominion» que respondeu que «ele


certamente desembarcara em Liverpool», assim, achando que ele
desaparecera ao chegar, colocaram o assunto nas mãos da Polícia de
Liverpool que, após acompanhar o caso durante várias semanas fez seu
habitual relatório -- «não localizado».

O RESULTADO.
Imediatamente começamos a procurar por algum passageiro que viera no
mesmo navio, depois de um pequeno lapso de tempo tivemos sucesso,
encontramos um.

Em nossa primeira entrevista com ele descobrimos que Robert R. não


desembarcou em Liverpool. Sofrendo de depressão lançou-se ao mar
três dias após deixar a América, desaparecendo nas águas. As
informações adicionais que conseguimos descobrir sobre sua morte foi
que os marinheiros roubaram suas roupas e bagagem, e dividiram entre
eles.

Escrevemos à Companhia passando essas informações, e eles prometeram


fazer investigações e indenizações, mas como muito freqüentemente
acontece, ao comunicar o fato à família, a Companhia acaba assumindo
o caso em suas próprias mãos, contra os interesses da família,
resultando em que, certamente, a família acabe perdendo uma boa soma
indenizatória que provavelmente conseguiríamos para ela.

A ESPOSA DESAPARECIDA.
A BUSCA.
F. J. L. pediu-nos para encontrar sua esposa que o deixara no dia 4
de novembro de 1888. Ele temia que ela estivesse vivendo uma vida
imoral; deu-nos a descrição e dois endereços onde provavelmente ela
seria encontrada. O casal tinha três filhos.

O RESULTADO.
Investigamos tais endereços e não extraímos nenhuma informação, mas
observando a vizinhança descobrimos o paradeiro da mulher.

Depois de alguma dificuldade nossa Oficial conversou com a mulher


que ficou muito surpresa por a termos descoberto. Com fé e firmeza a
Oficial falou-lhe sobre o plano de Deus para a vida dela. Coberta de
vergonha e remorso, ela prometeu voltar ao marido.

Entramos em contato com o Sr. L.. Alguns dias depois ele nos enviou
um telegrama dizendo que tinha perdoado a esposa, e que novamente
estavam juntos.

12
Logo depois ela escreveu expressando profunda gratidão à Sra.
Bramwell Booth por ter se envolvido no caso dela.

A FILHA DESAPARECIDA.
A BUSCA.
ALICE P. fora raptada há dez anos atrás por Ciganos, agora deseja
encontrar os pais dela, e voltar a viver com eles. Ela acredita que
a casa dela está em Yorkshire. A Polícia teve este caso em mãos
durante algum tempo, mas falhou completamente.

O RESULTADO.
Anunciamos estas informações no «Brado de Guerra». A Capitã Green,
ao ver o anúncio, escreveu em 3 de abril que sua Tenente conhecia
uma família que se enquadrava nas descrições vivendo em Gomersal,
Leeds.

Em 4 de abril escreveu pedindo confirmação.

Em 6 de abril, tivemos notícias do Sr. P --- , que aquela moça era a


filha dele, e que ele escrevia cheio de gratidão e alegria, dizendo
que enviará dinheiro para ela voltar para casa. Enquanto isso,
obtemos da Polícia, que há muito procurava a menina, uma descrição
completa e uma fotografia, que enviamos à Capitã Cutmore; em 9 de
abril, ela escreveu-nos que a menina se encaixava exatamente naquela
descrição. Obtivemos 15/- dos pais da menina, e Alice foi
restabelecida mais uma vez aos seus pais. Glória a Deus.

OUTRA FILHA DESAPARECIDA.


A BUSCA.
E. W., 17 anos. O pedido de busca dessa menina, desaparecida desde
julho 1885 quando viajou para o Canadá, foi encaminhado pela mãe e
irmão. Tinham recebido algumas cartas, desde Montreal, mas elas
pararam. Uma fotografia, a descrição completa, e a letra, foram
fornecidos.

O RESULTADO.
Descobrimos que algumas pessoas respeitáveis de uma Igreja ajudaram
E. W. a emigrar, mas que não tinham nenhuma informação sobre seu
paradeiro após o desembarque.

Sua descrição completa, com fotografia, foi enviada a nossos


Oficiais no Canadá. Como a menina não foi encontrada em Montreal. A
informação foi enviada então a Oficiais em outras cidades naquela
parte da Colônia.

A busca prosseguiu por alguns meses; e, finalmente, por nosso Chefe


de Divisão, recebemos a informação de que a menina fora reconhecida
e identificada em um de nossos Postos Avançados. Quando foi
repentinamente chamada pelo nome ela quase desmaiou de susto.

Ela estava em uma terrível condição de pobreza e vergonha, mas


imediatamente consentiu, ao ouvir falar que sua mãe a procurava, em
ir até uma de nossas Casas de Resgate canadenses. Ela está bem
agora. Dá para imaginar a alegria da mãe.

A AMIGA PERDIDA.
A BUSCA.
A Sra. M. escreveu-nos, profundamente consternada, sobre esta
menina. Ela disse que ela era esforçada, mas que, arruinada por um
rapaz que a cortejou, e já com três crianças, continuamente
retornava ao «vil caminho», embora ocasionalmente tivesse algumas
semanas luminosas e felizes.

A Sra. M. disse-nos que Harriett teve pais bons, já mortos, mas que
ainda tem um irmão respeitável em Hampshire. A última vez que ouviu
falar dela foi algumas semanas atrás, quando estava num Abrigo para

12
Meninas em Bristol, mas que partira, e desde então nunca mais soube
dela.

Pediu-nos que a achássemos, e com muita fé nos disse, «eu acho que
vocês são os únicos que, tendo sucesso em localizá-la, poderão
resgatá-la e torná-la uma boa pessoa».

O RESULTADO.
Demos início à nossa busca, e no espaço de alguns dias descobrimos
que ela saíra de Bristol em direção a Bath. Em seguida soubemos que,
em um lugarejo chamado Bridlington, na estrada para Bath, ela
encontrou um homem com o qual conversou, e que a levou a uma
taverna.

A situação estava assim quando descobrimos a cena. Após conversar


com ambos sobre o assunto, ela admitiu a possibilidade de voltar,
mas pediu dois dias para decidir.

Os dois dias passaram e a trouxemos de volta. Foi enviada a uma de


nossas Casas onde arrependida desfruta de paz.

Quando informamos sua amiga e seu irmão do sucesso, eles ficaram bem
contentes e gratos.

OUTRO MARIDO DESAPARECIDO.


Em uma casa litorânea no último Natal havia uma esposa entristecida
lamentando ter sido abandonada pelo marido. Vagava de um canto para
outro bebendo. O marido dela a deixou sozinha com seus quatro
filhos.

Sabendo da angústia dela, o capitão do Corpo pediu-nos para


localizar o homem por um anúncio no Brado de Guerra. Anunciamos.
Passou um tempo sem qualquer resultado.

Várias semanas depois um Salvacionista entrou em uma cervejaria onde


um grupo de homens estava bebendo, e começou a distribuir o Brado de
Guerra entre eles, enquanto falava sobre a eternidade que está
diante de cada um de nós.

Um homem se levantou com um prato mão, e pediu que lhe desse um


jornal, olhava negligentemente as colunas quando viu seu próprio
nome, ficou tão assustado que deixou o prato cair no chão. «Volte
para casa», estava escrito, «e tudo será perdoado».

O pecado dele estava à sua frente; foi completamente tomado pela


idéia da esposa triste e das crianças famintas. Naquela mesmo
momento saiu da taverna, e começou a caminhar em direção à sua casa
-- a uma distância de muitas milhas -- chegou por volta da
meia-noite, depois de uma ausência de onze meses.

A carta de sua esposa contando as boas notícias do retorno do


marido, também falava da determinação dele, com a ajuda de Deus, de
ser um homem diferente. Agora ambos freqüentam as reuniões do
Exército de Salvação.

UM SEDUTOR COMPELIDO A PAGAR.


Entre as cartas recebidas pelo Escritório de Busca estava a de uma
garota pedindo ajuda para localizar o pai do filho dela que parou de
pagar a pensão da criança. O caso foi levado ao Tribunal, e julgado
a favor dela, mas o culpado fugiu, e o pai dele recusou revelar seu
paradeiro.

Nós chamamos o velho e expusemos a questão, mas ele recusou tanto


assumir as responsabilidades do filho como nos colocar em contato
com ele. Uma resposta a um anúncio no Brado de Guerra, porém, trouxe
luz ao paradeiro do filho, e naquela mesma manhã nosso Oficial de
Busca comunicou à polícia, que o intimou pagar as pensões atrasadas,
o rapaz também recebera uma carta do pai pedindo que deixasse

12
imediatamente o país. Ele já havia largado o emprego e recebido #16
de salário, mas foi obrigado a entregar essa quantia -- mais um
pouco do dinheiro que o pai lhe dera para a viagem -- para a mãe de
seu filho.

ENCONTRADA NA SELVA.
Há um ou dois anos atrás ela era uma respeitável garota holandesa
que poderia ter rapidamente construído seu espaço. Oriunda de uma
cidade da África do Sul, traída, desgraçada, expulsa de casa com
palavras de amargo desprezo, sem ter qualquer amigo no mundo que
oferecesse ajuda, pensou em suicidar-se lançando-se no rio. O que
poderia fazer além de mergulhar naquele rio, e acabar com tudo? Mas
Greetah temeu o «futuro», e resolveu passar a noite na escuridão,
miserável e só.

Passaram sete anos. Um inglês viajando pela África do Sul resolveu


sair a procura de uma pequena aldeia para poder passar o domingo, ao
perambular pelos bosques deparou inesperadamente com uma aldeia onde
viu um velho hotentote agachado, com uma criança branca brincando no
chão ao seu lado. Contente, aceitou a oferta de abrigar-se do sol
ardente. O viajante entrou na cabana, e ficou surpreso por encontrar
lá dentro uma jovem moça branca, evidentemente a mãe da criança
brincalhona. Cheio de compaixão pelo estranho par, e especialmente
pela garota, contou-lhes sobre a maravilhosa Salvação de Deus.
Tratava-se de Greetah. O inglês teria oferecido uma grande soma para
resgatá-la daquele lugar miserável. Mas isto era impossível, e com
relutância despediu-se.

Já em sua casa na Inglaterra, sentado diante da lareira durante a


noite, sozinho, surgiu em sua imaginação a visão daquela garota que
encontrara na aldeia hotentote, e desejou saber se seria possível
alguma forma de resgate. Foi quando leu o seguinte parágrafo no
Brado de Guerra.: --

«AO AFLITO. O Exército de Salvação convida pais, parentes, e amigos,


em qualquer parte do mundo, que estão a procura de alguma mulher ou
menina que sabem ou desconfiam viver em imoralidade, ou está em
perigo de cair sob o controle de pessoas imorais, a escrever
fornecendo descrição completa, com nome, data, e endereço dos
interessados, e, se possível, uma fotografia da pessoa procurada.
Todas as cartas, vindas destas pessoas ou de tais mulheres ou
meninas, serão consideradas estritamente confidenciais. Podem ser
escritas em qualquer idioma, e devem ser endereçados à Sra. Bramwell
Booth, 101, Queen Victoria Street, Londres, E.C».

«Não custa nada tentar», exclamou o rapaz, «estou assombrado com o


que vi», e sem mais tardar descreveu aquela parte de sua aventura
africana, o mais detalhada quanto possível. A informação chegou ao
conhecimento do nosso Oficial Dirigente na África do Sul.

Logo após, um dos nossos camaradas salvacionistas saiu a procura da


garota, depois de alguma dificuldade descobriu a aldeia, a garota
foi resgatada e salva. O hotentote converteu-se depois, e ambos
agora são Soldados Salvacionistas.

Aparte das agências independentes contratadas para efetuar esse tipo


de investigação, que em muito tem aumentado, o Exército possui por
si só vantagens peculiares a este tipo de busca. A operação se
processa da seguinte forma: --

Há um Núcleo Central sob a direção de um Oficial e assistentes


competentes, ao qual as descrições de maridos, esposas, filhas,
filhos desaparecidos, podem ser remetidos. Estes são anunciados,
exceto quando julgado desaconselhavel, no «Brado de Guerra» inglês,
com sua tiragem de 300.000 cópias, e a partir dele traduzido para
vinte e três outros «Brados de Guerra» publicados em diferentes
partes do mundo. Cada informação específica é enviada aos Oficiais
locais do Exército que encaminham a questão juntamente com

12
especialistas ou com Oficiais especialmente treinados para este
trabalho, que imediatamente atuam em cima de qualquer pista
fornecida pelos parentes ou amigos.

Cada um dos 10.000 Oficiais, e quase todos os soldados em suas


fileiras, espalhados por todo canto do mundo, podem ser considerados
como um Agente de Busca. É cobrada uma pequena quantia, e quando as
pessoas podem pagar, todo custo da investigação é coberto por elas.

SEÇÃO 8. -- REFÚGIOS PARA CRIANÇAS DE RUA.


Muita compaixão tem sido expressa às crianças abandonadas ou
desamparadas que vagueiam pelas ruas de Londres, e tais crianças
merecem bem mais compaixão. Não temos nenhuma intenção direta de
iniciar uma campanha em prol delas aparte de nossa tentativa a mudar
seus corações e vidas, e melhorar a situação de seus pais.

Nossa principal esperança para estes jovens, selvagens, banidos,


tende nessa direção. Se pudermos alcançar e propiciar algum
benefício aos seus guardiães, moral e materialmente, chegaremos ao
caminho mais eficaz para beneficiar os filhos deles.

Ainda, vários deles serão inevitavelmente colocados sob nossos


cuidados; e estaremos bem preparados para aceitar a responsabilidade
de lidar com eles, acreditamos que nossa organização nos capacitará
fazer isso, não apenas com facilidade e eficiência, mas a um custo
insignificante para o público.

Para começar, seriam estabelecidas Creches ou Abrigos Diurnos para


Crianças [N.T.: Children's Day Homes] nos centros populacionais
proletários onde, a um pequeno custo, bebês e crianças pequenas
podem ser cuidadas durante o dia enquanto as mães trabalham, em vez
de deixá-las expostas ao perigo das ruas ou ao perigo maior de
morrerem queimadas dentro de suas próprias miseráveis casas.
Por este plano poderemos não apenas beneficiar aquelas pobres
crianças, não apenas propiciar-lhes acesso a sabão, água e comida
saudável, mas também exercer alguma influencia humanizante nas
próprias mães.

Na Colônia Rural, lidaríamos com as crianças deixadas nos


alojamentos dos Sindicatos e em outros estabelecimentos. Nossas mães
camponesas, com dois ou três de seus próprios filhos, prontamente
aceitaria mais um extra em sua condição habitual de cuidar das
crianças, e nada seria mais simples ou fácil para nós do que
encontrar alguma senhora experiente e confiável para fazer uma
inspeção constante sobre se as crianças ali colocadas estão
desfrutando das condições necessárias à saúde e ao bem-estar geral.
Aqui haveria uma Creche Rural [N.T.: no original, Baby Farm]
administrada em um ambiente adequado.

SEÇÃO 9. -- ESCOLAS INDUSTRIAIS.


Eu também proponho, na primeira oportunidade que tiver, dar à
questão do treinamento industrial aos meninos um tratamento
adequado; e, se bem sucedido, estendê-lo também às meninas. Eu estou
quase convencido de que se tirarmos crianças de cerca de 8 anos de
idade das ruas, e cuidarmos delas até, digamos, aos vinte e um, de
uma forma criteriosa, sensata, ponderada, sua própria força e
capacidade proverá amplamente todos seus próprios desejos. Eles
provarão ser, acredito, membros completamente bons e capazes da
comunidade.

Aparte do aspecto meramente benevolente da questão, o sistema


presente de ensino representa, ao meu ver, um anti-natural e
vergonhoso desperdício das energias das crianças. Todo aquele
período em que meninos e meninas são forçados a permanecer sentados
em seus bancos escolares é gasto por pouco ou nenhum propósito --
não, todo esse tempo é mais do que desperdiçado. A mente da criança
é incapaz de longos períodos de concentração [N.T.: no original, The
minds of the children are only capable of useful application for so

12
many consecutive minutes], consequentemente o tempo em que as
crianças ficam ali deve ser administrado por um método racional;
digamos, a primeira metade dos trabalhos da manhã deve ser dedicada
aos livros, e a outra metade a algum aprendizado industrioso; a
horticultura seria bem natural e saudável no tempo da colheita, no
tempo inadequado à horticultura haveriam oficinas.

Na medida em que este método saudável é adotado, a escola passa a


ser amada, e o custo da educação barateado. A vocação natural da
capacidade da criança seria descoberta e poderia ser cultivada. Em
vez de sair da escola, de não aprender quase nada, de perder para
sempre a parte mais preciosa da vida no que diz respeito ao
aprendizado, de desencadear alguma perseguição por causa de matérias
às quais não há nenhuma predileção, de não prometer nada além da
mediocridade, senão do fracasso, o trabalho -- para o qual a mente é
peculiarmente adaptada e para o qual, então, tem uma capacidade
natural -- é não apenas descoberto, como a vocação cultivada e a
profissão escolhida adequadamente.

Longe de mim tentar reformar nosso sistema Escolar com este modelo.
Mas eu acho que poderia testar a teoria praticando-a em uma Escola
Industrial na Colônia Rural. Eu provavelmente começarei com crianças
selecionadas pela qualidade e capacidade, visando dar-lhes uma
educação superior, ajustando-os assim para a posição de Oficiais em
todas as partes do mundo, com o objetivo especial de levantar um
corpo de homens completamente treinados e educados para, entre
outras coisas, levar a cabo todas as seções de obra social fixadas
neste livro, e capacitá-los a instruir outras nações dentro o mesmo
objetivo.

[...]

CAPÍTULO 6. SOCORRO EM GERAL.


Há muitos que não estão perdidos, mas que precisam de socorro. Dar
uma pequena ajuda hoje talvez previna a necessidade de ter que
salvá-los amanhã. Há alguns que, mesmo após serem salvos, ainda
precisarão de uma mão amiga. O serviço iniciado precisa ser levado a
cabo para que termine bem. Pode-se objetar que até este momento
nosso Projeto tratou quase que exclusivamente dos mais
desacreditados e desesperados. Isto era inevitável. Obedecemos nosso
Divino Mestre e buscamos salvar aqueles que estão perdidos. Mas
mesmo, como disse no princípio, reivindicando urgência justamente
para aqueles que não têm nenhuma ajuda, não podemos, pois, esquecer
das necessidades e das aspirações das pessoas de comportamento
decente que atualmente estão empobrecidas, mas que se mantêm em seus
próprios pés, que não caíram, e que se apoiam mutuamente. Eles são
tantos que constituem uma nação. Há aqueles que estão abaixo da
linha da pobreza e aqueles que estão abaixo da linha da miséria. Mas
o proletário que ganha uma libra por semana ou menos, constitui em
todo mundo a maioria da população. Não podemos esquecê-los, mesmo
porque estamos lado a lado com eles. Somos muitos milhares[N.T.: no
original, We belong to them and many thousands of them belong to
us]. Sempre estamos procurando uma forma de socorrê-los, e achamos
que isto pode ser feito de muitas maneiras, algumas das quais passo
a descrever.

SEÇÃO 1. -- MELHORES HABITAÇÕES.


A necessidade de uma qualidade melhor nos alojamentos para pobres
salvos em nossos Abrigos é uma premente necessidade. Uma das
primeiras coisas que acontecem quando um homem é retirado para fora
da sarjeta, quando consegue uma situação mais favorável, e quando
ganha um sustento decente, é desejar alguma acomodação melhor que
aquela disponível nos Abrigos. Agora há algumas centenas sob nossa

12
responsabilidade que podem perfeitamente pagar por um maior conforto
e privacidade. Continuamente eles nos dizem: --

«Todos os Abrigos foram de muita utilidade quando estávamos caídos,


pois sempre cumpriram sua função; na realidade, não fosse por eles,
nós e nossos amigos ainda estaríamos dormindo no Aterro, vivendo
desonestamente, ou nem mesmo vivendo. Agora estamos trabalhando,
queremos um quarto e uma cama decente para dormir, um guarda-roupa e
um armário para guardar nossas coisas. Você não pode fazer algo prá
gente?» A eles respondemos que, agora que estão estáveis, que estão
capacitados, podem pagar e obter o conforto que desejam. Ao que
respondem, «Isso é muito bom. Sabemos de alguns lugares onde
gostaríamos de viver. Entretanto, veja, é aqui no Abrigo que estão
nossos amigos e companheiros que pensam como nós. Há a oração, a
pregação, a reunião, e a influência saudável todas as noites, isso
nos ajuda a nos mantermos. Gostaríamos de um lugar melhor, mas se
não dá para achar um que caiba todos nós preferimos permanecer aqui
mesmo no Abrigo dormindo no chão, como fizemos até agora. Preferimos
continuar aqui do que nos separarmos, nos misturarmos com companhia
ruim, para depois voltarmos novamente à situação precária em que
estávamos antes».

Mas isto, embora natural, não é desejável; pois se as coisas


transcorressem assim, com o passar do tempo a totalidade das pessoas
já recuperadas mas que ainda ocupam o Abrigo tomariam o lugar das
pessoas para as quais fora originalmente destinado. Então, proponho
às pessoas já recuperadas mas que desejam continuar relacionadas ao
Exército de Salvação, uma moradia de qualidade superior, uma espécie
de METRÓPOLE PROLETÁRIA, social e economicamente integrada,
administrada nos mesmos princípios, mas com acomodação melhor em
todos os sentidos. Mas antecipo que tal Metrópole seria inteiramente
baseada no apoio mútuo [N.T.: no original, self-suporting]. Nestas
casas haveriam dormitórios separados, boas salas-de-estar, cozinhas
adequadas, banheiros, um salão para reuniões, e muitos outros
confortos dos quais todos desfrutariam. E tudo isso abaixo do preço
de custo, pois mesmo sem pagar juros pelo desembolso inicial,
estarão asseguradas contra qualquer depreciação de capital.

Nesse sentido, as mulheres também vão querer algo melhor. E uma vez
iniciado esse processo temos que ir em frente. Até aqui minha
proposta abrange apenas homens solteiros e mulheres solteiras, mas
há algo que logo se fará sentir. Nossos esfarrapados, famintos,
destituídos, desempregados, quase sempre são casados. Quando eles
vem até nós, chegam sozinhos e são tratados como solteiros, mas
depois que você desperta nele aspirações para coisas melhores, ele
se lembra de sua esposa que provavelmente abandonou, e que passa por
privações. Assim que tal homem se encontra debaixo de boa
influência, estável, seu primeiro pensamento é voltar e cuidar da
«Patroa». Há muito pouca realidade sobre qualquer mudança de coração
em um homem casado, a ponto dele não demonstrar simpatia e desejo
pela sua esposa, e quanto mais bem sucedidos formos na lida com
estas pessoas, mais inevitavelmente seremos confrontados com pares
casados que, por seu turno, nos pedirão que providenciemos
habitações. Estas coisas nos propomos a fazer também em grande
escala. Eu antevejo um maior incremento nesta direção, o qual será
descrito no capítulo relativo a Habitações Suburbanas. A Casa Modelo
para Pessoas Casadas é, porém, uma dessas coisas que devem ser
providas como um suplemento dos Depósitos de Alimentos e dos
Abrigos.

SEÇÃO 2. -- MODELO DE VILAS SUBURBANAS.


Embora tenha declarado reiteradamente, vou fazê-lo mais uma vez, e
isto é tão importante que deve ser repetido infinitamente, um dos
primeiros passos que inevitavelmente deve ser dado para a
emancipação do pobre [N.T.: no original, in the reformation of this
class], é providenciar casas decentes, saudáveis, agradáveis, ou
ajudá-los a erguê-las, o que é, quando possível, bem melhor. Eu
considero que estas classificações de habitações em primeira,

12
segunda, ou terceira classe não é outra coisa senão paliativos da
angústia existente. Substituir a vida nas ruas pela vida em uma
pensão é, sem dúvida, um imenso avanço, mas não é de forma alguma o
limite máximo. Viver em uma pensão é melhor do que viver na rua, mas
está longe de ser a melhor forma de convívio humano.

Consequentemente, esse é um objetivo que nunca perco de vista e que


para mim funciona como um guia para aqueles que -- por meio dos
Depósitos de Alimentos e dos Abrigos -- agora caminham pelos seus
próprios pés, obtiveram emprego na Cidade, e possuem casa própria.
Não acredito que esse um ou no máximo dois cômodos onde a grande
maioria dos habitantes de nossas grandes cidades é compelida a
passar seus dias, seja alguma solução para a questão. O amontoado de
lixo humano que abarrota cada um desses cômodos, e a situação que
compele famílias a viver desde o berço até a sepultura dentro das
quatro paredes de um único cômodo, não poderia resultar em outra
coisa senão a reprodução serial infinita de todos os terríveis males
que tal estado de coisas tem necessariamente que criar.

Não posso me dar por satisfeito com estes imensos e feios blocos de
edifícios, que são apenas um tênue avanço desde o Sindicato da
Bastilha -- criador do Modelo Industrial de Habitações -- tanto na
moda no momento, como sendo uma resposta satisfatória à questão
ardente sobre como deve ser a habitação do proletariado. Como
contribuição a esta questão, eu proponho o estabelecimento de uma
série de Núcleos [N.T.: no original, Settlements] Industriais ou
Aldeias Suburbanas [N.E.: ou suburbanização. Migração das famílias
que procuram sair dos centros populosos e congestionados para os
subúrbios, onde supostamente há menor poluição e as condições de
vida são mais saudáveis e aprazíveis. Esses novos locais de moradia
são mais caros e exclusivos] pelo país afora, razoavelmente distante
de todas nossas grandes cidades, compostos de habitações e edifícios
de tamanho adequado, e com todo conforto e acomodação necessário às
famílias de trabalhadores, e cujo aluguel, juntamente com a tarifa
da estrada de ferro, e outras conveniências econômicas, deveriam
estar ao alcance de uma família de renda moderada.

Esta proposta está ligeiramente fora do escopo deste livro, caso


contrário eu exporia o esquema em detalhes. Porém, posso dizer que
isso que aqui proponho foi cuidadosamente planejado, e é de um
caráter perfeitamente prático. No planejamento disto recebi uma
valiosa ajuda de um amigo que teve considerável experiência em
construções em grande escala, e ele aposta a reputação profissional
dele em sua viabilidade. Porém, o seguinte pode ser exposto como um
esboço rudimentar: --

A Aldeia não deveria estar a mais de doze milhas da cidade; deveria


estar em uma situação não pantanosa e saudável, e próxima a uma
linha de estrada de ferro. Não é absolutamente necessário que esteja
perto de uma estação, antevendo que a companhia irá, em seu próprio
interesse, imediatamente construir uma.

As habitações devem ser construídas com o melhor material e o melhor


acabamento. Isto seria efetuado satisfatoriamente afiançando um
contrato exclusivo para a mão-de-obra, os projetores do
Empreendimento comprarão os materiais diretamente dos produtores e
os fornecerão aos construtores. As habitações consistiriam de três
ou quatro quartos, com copa, e um anexo à horta. As casas deveriam
ser construídas em terraços, cada um com uma boa horta acoplada.
Primeiramente, deveriam ser feitos arranjos para a ereção de mil a
duas mil casas. Na Aldeia ou Vila deveria ser estabelecida uma Loja
de Produtos Cooperativos [N.T.: no original, Co-operative Goods
Store], que proveria a preços módicos todas as coisas que fossem
realmente necessárias aos aldeões. A venda de bebida alcoólica
deveria ser terminantemente proibida na Propriedade, e, se possível,
o proprietário de terras de quem a terra foi obtida deveria
comprometer-se por contrato a fazer o mesmo com relação a qualquer
outra porção de terra adjacente. No que diz respeito à Companhia de

12
Estrada de Ferro, em atenção à inconveniência e sofrimento que
infligem aos pobres, e contra os interesses dos mesmos, poderia
ser induzida a fazer os seguintes arranjos vantajosos: --

(1) O transporte de cada membro que mora de fato na aldeia viajaria


de e para Londres à taxa de seis pences por semana. Cada vez que
fosse viajar, o passageiro apresentaria uma carteirinha com sua
foto, isso seria disponibilizado apenas para os Trens de
Trabalhadores que correm pela manhã, pela tarde e durante certas
horas do dia, quando os trens estão quase vazios.

(2) O transporte de pertences e pacotes custaria metade das taxas


ordinárias. É razoável supor que grandes proprietários de terra
doariam alegremente cem acres de terra de olho na valorização das
terras circunvizinhas que viria logo em seguida, uma vez que a
ereção de mil ou duas mil casas constituiria o núcleo de um Povoado
de proporção considerável.

Concluindo, o aluguel de uma casa de quatro cômodos não ficaria por


mais de 3s. por semana. Adicione a isso os seis pences de passagem
de ida e volta de Londres, e você terá 3s. + 6d. e se a companhia
insistir em 1s., totalizará 4s. para o qual haveria todas as
vantagens de uma casa confortável -- com a possibilidade do
inquilino tornar-se o dono -- uma boa horta, ambientes agradáveis, e
outras influencias promotoras da saúde e da felicidade da família. É
desnecessário dizer que em conexão com esta Aldeia haverá perfeita
liberdade de opinião em todos os assuntos. Uma olhada de relance nas
casas ordinárias do proletariado desta grande Cidade nos
assegurará imediatamente que tal aldeia seria um verdadeiro Paraíso
para eles, e aquelas mil ou duas mil casas com quatro, cinco, ou
seis cômodos que imediatamente estariam à sua disposição não seriam
suficientes para atender nem mesmo a décima parte da multidão de
gente interessada em ocupá-los.

SEÇÃO 3. -- O BANCO DO POBRE [N.T.: no original, The Poor Man's


Bank]
Se o amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal, então o desejo de
dinheiro é a causa de uma imensidão de males e dificuldade. No
momento que você começa efetivamente a aliviar as misérias das
pessoas, você descobre que o eterno desejo pelo pence é uma das
maiores dificuldades delas. Em meus momentos mais otimistas eu nunca
sonhei superar esta sina do homem [N.T.: no original, I have never
dreamed of smoothing this difficulty out of the lot of man], mas
seguramente não é nenhum ideal inacessível estabelecer o Banco do
Pobre, que estenderá à baixa classe média e à classe operária as
vantagens do sistema de crédito, que é a própria base de sustentação
de nosso comércio.

Talvez fosse melhor se não houvesse crédito ou coisa parecida, que


ninguém precisasse emprestar dinheiro, e que a cada dia cada um
fosse compelido a confiar apenas no dinheiro que possui. Mas nesse
caso, se aplicássemos esse princípio a todo o círculo; não nos
gloriaríamos de nosso comércio mundial, nem ostentaríamos nossas
riquezas, que jamais seriam obtidas, em muitos casos, adotando este
princípio. Se transacionar com um banco funciona para um grande
comerciante, se é indispensável -- para tocar devidamente o negócio
-- aos homens ricos que eles tenham como alavanca um sistema de
crédito que de vez em quando os adeqüe às inovações necessárias e os
permite reagir seguramente contra a pressão de súbitas demandas,
para evitar ser destruído, então, se isso é verdade, o caso se
aplica ainda com mais força se for para prover um recurso semelhante
a homens economicamente débeis. A atual Sociedade é intensamente
organizada no princípio de que aquele que tem mais lhe será dado, e
aquele que não tem até mesmo o que tem lhe será retirado.

Se estamos realmente do lado do proletariado, nós só podemos fazê-lo


através de medidas práticas. Temos apenas que olhar em volta e ver o
tipo de vantagens que os homens ricos acham indispensáveis para a

12
devida administração dos negócios deles, e perguntar para nós mesmos
porque o pobre não desfruta das mesmas oportunidades. A razão pela
qual o homem pobre não desfruta dessas oportunidades é óbvia. Prover
necessidade de rico é um meio de tornar-se rico; prover necessidade
de pobre é um meio de envolver-se em dificuldades na medida em que o
lucro não vale a pena. Os homens entram em negócios bancários e
outros negócios com o objetivo de obter aquilo que os humoristas
estadunidenses chamam de o comandante mor dos tempos modernos, ou
seja, os «dez por cento». O que os homens não farão para obter esses
dez por cento? Eles penetrarão nos intestinos da terra, explorarão
as profundezas do mar, ascenderão ao cume nevado da mais alta
montanha, ou navegarão pelo ar, desde que obtenham seus dez por
cento. Eu não arrisco sugerir que o Banco do Pobre renderá dez por
cento, ou mesmo cinco, mas acredito que poderia pagar suas despesas,
e o ganho resultante à comunidade seria enorme.

Pergunte qualquer comerciante que conheça onde é que o negócio dele


iria parar se ele não tivesse suporte de seu banco, e então, depois
que ele lhe responder, pergunte a você mesmo se não valeria a pena,
mesmo diante da dificuldade que isso representa, afiançar,
propiciar, introduzir à grande massa de nossos compatriotas -- com
princípios empresariais sãos -- as vantagens desse sistema de
crédito que funciona tão vantajosamente para poucos «bem sucedidos».

Algum dia espero que o Estado possa ser suficientemente iluminado


para assumir esta tarefa [N.E.: Aqui, mais de 100 anos de história
nos deram uma lição inesquecível. Pela sua própria natureza, em
termos gerais e permanentes, Estado algum nunca assumiu, nem jamais
assumirá qualquer tarefa em prol dos pobres, com uma única exceção
aparente, na revolução russa de 1917, que resultou ser
definitivamente o maior fiasco de todos. Os bolcheviques tomaram o
poder, reprimiram as forças libertárias que haviam feito a revolução
e impuseram uma nova variante do velho sistema: o capitalismo
burocrático de Estado. A burocracia «comunista» se converteu na nova
classe dirigente; o Estado se erigiu num único capitalista
soberano]; no momento tal função é exercida por agiotas e por
carteiras de empréstimo, um jogo de tubarões que cruelmente atacam
os interesses do pobre. O estabelecimento de bancos agrícolas para
pobres, quase sempre camponeses, foi uma das características de uma
legislação progressista na Rússia, Alemanha, e em outros lugares. A
instituição do Banco do Homem Pobre será, espero, em pouco tempo,
algo reconhecido pelo nosso próprio governo.

Diante do exposto arrisco uma sugestão como adendo à já gigantesca


gama de operações apresentadas neste livro: -- Seria possível a
alguns filantropos com capital estabelecer com princípios claramente
definidos um Banco do Pobre para fazer pequenos empréstimos a níveis
seguros, ou proporcionar avanços àquele que está em perigo de ser
subjugado por alguma súbita pressão financeira? Disponibilizar ao
«pequeno» o que todos os bancos fazem para o «grande»? Enquanto
isso, deveria entrar no coração de alguns proprietários de riquezas
inclinados à benevolência doar aquilo que pagam por um cavalo de
corrida, ou coisa parecida, para formar o núcleo do capital
necessário. Eu certamente farei experimentos nesta direção.

Eu posso antecipar à zombaria do cínico que ridiculariza aquilo que


chama de minha glorificada casa de penhores. As zombarias dele não
me atingem. O Mont de Piete -- ou (Monte da Devoção) mostra que o
Banco do Pobre em vez de ser uma instituição censurável ao longo do
Canal -- poderia ser uma excelente instituição na Inglaterra. Porém,
devido aos juros extraídos dos comerciantes atualmente, seria
impossível ao Estado estabelecê-lo, pelo risco de um ruinoso
fracasso. Porém, não haveria nenhuma dificuldade em instituir um
Mont de Piete privado, que conferiria um benefício incalculável ao
lutador pobre.

Além disso, é necessário ligar este tema à nossa Agência de Emprego,


desde que atue dentro de um princípio que seja facilmente

13
compreendido. O princípio da liberdade de um homem garantir com
segurança o reembolso de um empréstimo, comprometendo-se a trabalhar
em troca de alimento até reembolsar todo capital e juros. Uma ou
duas ilustrações explicarão o que eu quero dizer. Tomemos um
carpinteiro que vem ao nosso Abrigo; é um homem honesto, decente,
que por doença ou alguma outra calamidade perdeu tudo que tinha.
Gradualmente ele foi penhorando cada uma de suas coisas para manter
seu corpo e alma unidos, até que finalmente foi obrigado a penhorar
suas ferramentas de trabalho. Nós o registramos em nossa Agência de
Emprego, e alguém aparece pedindo um carpinteiro. Sugerimos o homem
imediatamente, entretanto surge uma dificuldade. Ele não tem nenhuma
ferramenta; o que fazer? Na situação em que se encontra, o homem
perde a oportunidade de trabalho e continua em nossas mãos.

Obviamente é muito desejável aos interesses da comunidade que o


homem possa retirar suas ferramentas do penhor; mas quem é que vai
assumir a responsabilidade de adiantar o dinheiro para o resgate? Eu
acredito que esta dificuldade poderia ser encaminhada da seguinte
forma: O homem concorda (por contrato) em transferir seus salários
para nós, ou parte, como melhor lhe convenha, nós nos
comprometeríamos fornecer-lhe alimento e abrigo até o momento em que
reembolse tudo que deve. [...] Até que o homem esteja livre de suas
dívidas ele não é o dono de seus salários. Tendo garantido suas
rações e Abrigo o restante de seu salário pertenceria ao seu credor.
Claro que tal arranjo poderia ser variado indefinidamente por meio
de um acordo privado; o reembolso das prestações poderia ser
estendido por um tempo maior ou menor, mas a base de todo princípio
seria o cumprimento do contrato assumido pelo homem, dando como
garantia toda sua mão-de-obra ao Banco até o reembolso de sua
dívida.

Tomemos outro exemplo. Um administrador pertencente a uma boa


família que lhe deu respeito e educação, esteve durante muitos anos
em boa situação. Faltava apenas alguns anos para se aposentar quando
repentinamente deparou-se com um problema que ele não criou,
envolvendo uma soma de cem libras, totalmente além de suas
possibilidades. Ele sempre foi um homem cuidadoso com seu dinheiro,
nunca pediu um centavo emprestado a ninguém em toda sua vida, e
ficou sem saber o que fazer diante daquela situação difícil. Se ele
não levantasse aquela soma suas coisas seriam leiloadas, perderia
sua casa, sua família não teria onde ficar, perderia o emprego e
todos seus benefícios, enfim, estaria completamente arruinado.

Agora, se ele recebesse um salário equivalente a dez por cento da


dívida, provavelmente teria uma conta bancária, e, por conseguinte,
poderia obter o dinheiro necessário em seu banco. Agora, que tal se
ele pudesse empenhar seu salário, ou parte dele, a uma Instituição
que o permitisse pagar integralmente sua dívida, em condições
suficientemente remunerativas ao banco, mas que lhe possibilitasse
limpar o nome?

No momento o que faz o pobre infeliz? Ele consulta seus amigos que,
possivelmente, não tem como ajudá-lo, ou busca dinheiro emprestado
aqui e ali. Naturalmente pode conseguir esse dinheiro com agiotas,
mas a juros completamente desproporcionais para o risco que correm,
e que usam sua posição vantajosa para extorquir cada centavo que ele
tem. Um grande livro negro pleno de cartas de lamentação, de luto, e
de aflição, poderia ser escrito relatando o sofrimento das vítimas
dos agiotas pelo mundo afora.

É de pouca utilidade denunciar estes salafrários. Eles sempre


existiram, e provavelmente sempre existirão; o que podemos fazer é
restringir o círculo de suas operações e o número das suas vítimas.
Isto só pode ser feito dando uma mão legítima e misericordiosa
àquelas pobres criaturas, no momento em que precisam
desesperadamente de ajuda, para impedir que caiam nas garras dessas
bestas feras que destruíram a sorte de milhares e dirigiram muitos
homens decentes ao suicídio ou à uma prematura sepultura.

13
Há infinitas versões deste princípio, que não precisam ser descritas
aqui, mas antes de deixar esse assunto quero aludir a um mal que é
uma realidade cruel, ai! para uma multidão de homens e mulheres
infelizes. Refiro-me ao sistema da Compra a Prestação [N.T.: no
original, Hire System]. O homem ou a mulher pobre, decente, que
anseia ganhar a vida honestamente trabalhando com uma calandra,
máquina de costura, torno mecânico, ou algum outro instrumento
indispensável, mas que não tem as poucas libras necessárias para
comprar a vista, tem que comprar estas coisas a Prestação -- quer
dizer, um carnê que lhe permita pagar a máquina através de
crediário. Só que o preço que paga no total geralmente está acima do
preço de mercado e, por causa dos juros exorbitantes, paga uma
quantia dez ou vinte vezes maior do que seria uma taxa justa de
juros, e o pior de tudo é que se ele a qualquer momento, por
infortúnio, falhar no pagamento do carnê, o total já pago será
confiscado, a máquina tomada, e o dinheiro perdido.

Vamos novamente recorrer à nossa analogia da pequena comunidade onde


as pessoas se conhecem umas às outras. Por exemplo, quando um rapaz
é reconhecido como brilhante, promissor, honesto, e industrioso,
como alguém que quer começar a viver uma vida independente mas que
precisa de algum pequeno capital inicial que o habilite a ter seu
lugar no mundo. Os vizinhos o ajudam porque conhecem o rapaz, porque
sua família tem vínculos com a vila, e a honra da família do rapaz é
uma garantia na qual um homem pode adiantar com segurança uma
pequena soma em dinheiro. Tudo isso pode ser igualmente aplicado com
respeito a uma viúva destituída, um artesão em dificuldades, um
órfão, e daí por diante. Na Grande Cidade todas essas boas coisas
desaparecem, como também desaparecem todos esses pequenos atos de
serviço que são, e devem ser, os pára-choques que salvam os homens
de morrerem esmagados pelas férreas paredes das circunstâncias. De
uma ou de outra forma temos que tentar restabelecer essas boas
coisas se queremos retornar, não ao Jardim do Éden, mas às condições
ordinárias da vida que existem em uma comunidade saudável, pequena.
É verdade que nenhuma instituição jamais poderá substituir o laço
mágico da amizade pessoal, mas se temos a massa inteira da Sociedade
penetrada em todas as direções por associações fraternas
estabelecidas com a finalidade do apoio mútuo e do aconselhamento
simpático, não é uma coisa impossível acreditar que poderemos fazer
algo que restabeleça esse elemento perdido pela moderna civilização.

SEÇÃO 4. -- O ADVOGADO DO HOMEM POBRE.


No momento em que você lida com os desejos das pessoas, você
descobre que muitas das dificuldades delas não são materiais, mas
morais. Não há maior engano que imaginar que, para garantir a
felicidade de um homem, basta encher seu estômago e cobrir sua
bunda. O homem é sujeito a desarranjos e enguiços muito mais que um
aparato digestivo. Consequentemente, se é importante lembrar-se que
um homem tem estômago, também é necessário não esquecer que ele tem
um coração e uma mente freqüentemente transtornados por extremas
dificuldades que, se ele vive em um ambiente amigável, não raramente
desaparecem. Um homem, e mais ainda uma mulher em problemas,
freqüentemente se restabelecem totalmente muito mais pela ação de um
conselheiro confiável do que pela providência de um jantar ou de uma
roupa. Muitas destas pobres almas padecem dias a fio, arrastadas
cada vez mais para o fundo, e quanto mais afundam mais mergulham na
lama do pecado, da tristeza e do desesperado desejo por um amigo
verdadeiro que possa dar-lhe um conselho e possa fazê-la sentir que
há alguém no mundo que se preocupa com ela, e que a ajudará se
puder.

Se pretendemos restabelecer o senso de fraternidade no mundo, temos


que confrontar com esta dificuldade. Dizem que Deus, antigamente,
guiava o desolado pela instrumentalidade de sua família; mas de
alguma maneira, nos tempos modernos, a solitária viagem desolada é
feita no meio de um mundo impiedoso e carente. «Não há ninguém que
se importe com minha alma. Não há nenhuma criatura que se preocupe

13
comigo e cuide de mim, e se eu morrer ninguém vai nem notar»,
seguramente é um dos gritos mais amargurados que podem romper de um
coração. Um dos segredos do sucesso do Exército de Salvação é o fato
daqueles que não encontram amigos em parte alguma do mundo encontram
amigos ali. Não há um pecador no mundo -- não importa quão degradado
e sujo ele possa estar -- que meus camaradas não se alegrarão em
tomá-lo pela mão, orar com ele, labutar com ele, para assim trazê-lo
para fora, como um tição que resgata algo das chamas. Agora,
queremos fazer mais uso disto, e tornar o Exército de Salvação o
núcleo de uma grande agência que traga conforto e aconselhamento a
esses que estão à beira do desespero, e com a sensação de que no
mundo inteiro não há uma só pessoa a quem recorrer.

O que queremos fazer é espalhar pelo mundo a idéia da família. O


«Pai Nosso» é a idéia fundamental. Há alguém que é Nosso Pai, então
somos todos irmãos. Constituímos uma família. Se qualquer um estiver
com a mente ou a consciência atribulada, não haverá nenhuma
dificuldade em superar isso. A filha conversa com seu pai, o filho
conversa com sua mãe, abrem seus corações, e são aliviados. Se há
qualquer dificuldade séria o conselho familiar é garantido, todos
se reúnem em torno dessa dificuldade, colocam seus recursos a
disposição e resolvem diretamente o problema. É isso que pretendemos
estabelecer na Organização da Nova Sociedade para a qual estamos
trabalhando. Não podemos saber mais que o Deus Onipotente que sabe o
que é bom para o homem. Estamos satisfeitos em seguir pelo Seu
caminho, e para reparar esse mundo buscaremos restabelecer o
significado da idéia familiar para aquelas muitas centenas de
milhares -- sim, milhões -- que não têm ninguém mais sábio ou mais
experimentado que eles a quem possam recorrer, a quem possam levar
suas tristezas, ou consultar em suas dificuldades.

Claro que podemos fazer isto, mas imperfeitamente. Apenas Deus pode
criar uma mãe de verdade. Mas a Sociedade precisa de muitas mães de
verdade, muito mais do que meras progenitoras. Como uma criança
precisa de uma mãe a quem possa recorrer em suas tribulações e
dificuldades, a quem possa derramar confiantemente seu pequeno
coração, assim também homens e mulheres, cansados e sobrecarregados
pelas batalhas da vida, precisam de alguém a quem buscar quando
premidos pelo senso da injustiça sofrida ou cometida, sabendo que a
confiança deles será preservada inviolada, e que as declarações
deles serão recebidas com condolência. Proponho tentar seguir por
este caminho, estabelecerei um departamento no qual serão colocadas
as pessoas mais sábias, mais compassivas, onde serão colocados os
homens e as mulheres mais sagazes que puder encontrar do meu
pessoal, aos quais todos aqueles que estão em dificuldades e
perplexidades serão convidados a se dirigir. Não adianta nada dizer
que amamos nossos irmãos humanos a menos que tentemos ajudá-los, e
não adianta nada fingir solidariedade com os fardos pesados que eles
carregam em suas vidas a menos que tentemos aliviar e iluminar a
existência deles.

Quando acumulamos mais experiência prática da vida do que as pessoas


em geral, mais estaremos aptos a ajudá-las em sua inexperiência, e a
compartilhar nossos talentos com elas. Mas se acreditamos que são
nossos irmãos, e que há um Pai, que é o mesmo Deus que nos julgará
daqui por diante por todas as ações que fizemos no corpo social,
então deveremos estabelecer de algum modo um escritório parental,
mesmo imperfeito, dentro de nossas possibilidades. Devemos estar
dispostos a receber as manifestações do pensamento, do sentimento,
das lutas, de nossos semelhantes, escutar seus mais íntimos segredos
que atormentam seus corações, dar-lhes boas-vindas em vez de
repeli-los por obedecer ao preceito Apostólico: «Confessem seus
pecados uns aos outros». Não deixem que a palavra confissão
escandalize ninguém. Confissão do tipo mais aberto; confissão em
plataforma pública, ante a presença dos ex-companheiros no pecar, no
beber, no farrear, esse tipo de confissão foi por muito tempo uma
das armas mais potentes pelas quais o Exército de Salvação
conquistava suas vitórias. Essa confissão, que durante muito tempo

13
impomos a todos nossos convertidos, era a única confissão que nos
parecia ser uma condição de Salvação. Mas a sugestão agora é de um
tipo diferente. Não é imposta como meio de graça. Nem pretende ser
uma preliminar à absolvição que ninguém pode pronunciar a não ser o
próprio Senhor. É meramente uma resposta de nossa parte a uma das
mais profundas necessidades e desejos mais secretos das mulheres e
homens de nosso tempo, e daqueles que estão em contato diário
conosco em nosso trabalho. Por que alguém deveria deixar-se abater
pela miséria de seu pecado secreto, quando uma conversa direta e
clara com um homem ou mulher escolhido por sua experiência
espiritual, solidariedade e bom senso, poderia aliviar o peso dos
ombros daqueles que estão esmagados em sombrio desespero?

Não para absolvição, mas para empatia, comiseração e direção, eu


proponho estabelecer minha Agência de Aconselhamento em uma forma
definida e colocá-la em prática. Antevejo coisas maravilhosas
acontecendo quando começar a funcionar. Eu não tenho nenhum prazer
em inventar estes departamentos. Todos eles exigem trabalho duro e
nenhum sossego. Mas se formos representar o amor de Deus a homens,
temos que ministrar todos os desejos e necessidades do coração
humano. Mas esta Agência de Aconselhamento não tratará apenas de
coisas do coração. Também será totalmente útil às coisas da cabeça.

Na forma como a concebo a Agência de Aconselhamento será O ADVOGADO


E A TRIBUNA DO POBRE [N.T.: no original, THE POOR MANS LAWYER AND
THE POOR MANS TRIBUNE].

Não há nenhum lugar em Londres, pelo que eu saiba, onde pobres e


necessitados possam obter qualquer ajuda legal nas variadas
dificuldades e aflições pelas quais passam, por causa da pobreza e
do preconceito de que são vítimas.

Enquanto as classes «abastadas» podem consultar amigos hábeis para


aconselhamento, ou ajudar-se mutuamente em termos de aprendizagem e
experiência profissional, o homem pobre não tem literalmente ninguém
qualificado para o aconselhar em tal matéria. Em casos de doença ele
pode recorrer ao doutor da vila ou a um grande hospital, e recebe
uma ou duas palavra rápidas de aconselhamento, e um frasco de
remédio que pode resolver ou não. Mas se as circunstâncias são
desfavoráveis, confusas, em perigo de levá-lo a perder tudo que tem,
ou para a prisão, ou para uma situação pior, ele não tem ninguém
para apelar que o oriente ou o habilite a tomar a decisão correta.

Queremos criar uma Corte de Apelação ou Aconselhamento à qual


qualquer vítima de algum tipo de constrangimento contra sua pessoa,
liberdade, propriedade, ou outra coisa de importância relevante,
possa recorrer, e não só para obter conselho, mas ajuda prática.
Entre os diversos tipos de pessoas às quais este Tribunal estaria a
disposição estão aquelas que são vergonhosamente negligenciadas, as
Viúvas. Há cerca de 6.000 no Leste de Londres, a maior parte em
situação bem precária. Em toda a cidade de Londres não pode haver
menos que 20.000, e na Inglaterra e Gales estima-se que há 100.000,
das quais cinqüenta mil provavelmente são pobres e sem amigos.

O tratamento dispensado ao povo pobre desta nação é um escândalo


gritante. Tome o caso da viúva comum, mesmo sob circunstâncias
confortáveis. Freqüentemente ela é lançada diante de um mar de
perplexidade, mesmo quando capaz de prover-se do melhor conselho. Mas
pense nas multidões de mulheres pobres. Quando o marido de alguma
delas cerra os olhos para sempre, ela perde o único amigo que
conhece qualquer coisa dela; sobre as circunstâncias dela. Pode
haver uma ninharia de dinheiro, um pequeno estabelecimento
comercial, uma pequena renda conectada com propriedade ou alguma
outra posse, tudo que ela precisa é de alguma atenção imediata, algo
que permita àquela pobre criatura resistir à tempestade e evitar o
vórtice da absoluta destituição.

13
Tudo que dissemos se aplica igualmente, em termos gerais, aos órfãos
e pessoas sem amigos. Porém, nenhuma instituição nacional poderia
abarcar as necessidades de todos estes casos. Mas nós podemos fazer
algo, e nesses assuntos já abordados, como aqueles que envolvem
perda de propriedade, acusação maliciosa, criminosa, e daí por
diante, nós podemos proporcionar uma ajuda significativa.

O fato de levar a cabo este propósito não significa que alguma parte
de nosso plano encoraje procedimentos legais contra outras pessoas,
ou que iremos providenciar recursos para isso. Todo recurso legal
seria evitado ou negociado, a menos que absolutamente necessário.
Mas onde a manifesta injustiça e a patente iniquidade são
perpetradas, e todo outro método de obter reparação falha, nos
valeremos da ajuda que a Lei dispõe.

Porém, nossa grande esperança da utilidade deste Departamento


repousa na prevenção. O fato do oprimido ter em nós um amigo com
quem pode contar freqüentemente previne a injustiça que as pessoas
avarentas covardemente poderiam infligir àqueles que estão sozinhos,
o mesmo pode ocorrer contra aqueles que estão fracos e sem amigos.
Eu também calculo uma grande utilidade na esfera da arbitragem
amigável e da intercessão. Pelo menos, haverá um tribunal
desinteressado, embora humilde, doméstico, que abarca questões de
natureza contenciosa e litigiosa, sem envolver qualquer custo sério.

Os seguintes incidentes resultaram de operações empreendidas nesta


direção, que explicarão e ilustrarão o tipo de trabalho realizado, e
alguns dos benefícios esperados.

Cerca de quatro anos atrás uma delicada garota, filha de um piloto,


veio até nós em grande angústia. A história dela é a história de
milhares de outras. Ela fora seduzida por um homem rico em West End,
agora era mãe de um bebê.

Pouco antes de dar a luz seu sedutor fez com que ela assinasse uma
declaração de que ele não era o pai da criança que estava por
nascer. Em troca ele deu a ela algumas libras. A pobre menina entrou
em grande desespero e angústia. A pedido entramos imediatamente em
contato com o homem, e depois de negociações, para evitar mais
constrangimentos, foi compelido a afiançar uma pensão à sua infeliz
vítima para o sustento da criança.

ILUSÃO E ARMADILHA
A. foi induzida a deixar uma casa confortável para se tornar
governanta das crianças órfãs da mãe do Sr. G., o qual ela achava
ser um empregador amável e considerado. Depois de um curto período
nesse serviço ele propôs a ela uma viagem a Londres. Ela consentiu
alegremente, afinal ele havia oferecido um bom emprego a ela. Em
Londres ele a seduziu, e a manteve como amante até que, cansado
dela, mandou-a embora. «Faça como as outras mulheres fazem»,
disse-lhe.

Em vez prostituir-se, ela procurou e conseguiu trabalho, e assim


sustentou a si mesma e ao filho com algum conforto, até que ele a
procurou e novamente a deixou em má situação. Outra criança nasceu,
e pela segunda vez ele a abandonou e a deixou sofrer privações. Foi
quando ela veio até nós. Saímos atrás do homem, procuramos pelo país
inteiro, e o ameaçamos de exposição pública. Acuado ele foi obrigado
a pagar à sua vítima uma quantia de #60, uma pensão de #1 por
semana, e uma Apólice de seguro da vida dele de #450 a favor dela.

#60 DA ITALIA.
C. foi seduzida por um italiano jovem e rico, que prometeu casar-se
com ela, mas pouco tempo antes do dia do casamento ele disse que
precisava viajar urgente a negócios para o estrangeiro. Ele prometeu
que voltaria em dois anos e se casaria com ela. Ele escrevia
ocasionalmente, até que finalmente ela teve o coração quebrantado

13
com a notícia de que ele havia se casado com outra, acrescentando o
insulto e a ofensa pela sugestão de que ela poderia vir e viver com
a esposa dele, mas na condição de empregada, oferecendo-se pagar
pelo sustento da criança até que crescesse o suficiente para poder
ser colocada aos cuidados do capitão de um dos navios pertencentes à
sua empresa.

Nenhuma destas promessas foi cumprida, e C., com a ajuda da mãe,


durante um tempo conseguiu apoiar a criança; mas a mãe, já idosa e
com muitos problemas, não pode ajudar mais, e a pobre menina caiu em
desespero. O caso dela foi trazido até nós, e nós tomamos
providências imediatas. O Cônsul da cidade onde o sedutor
confortavelmente vivia foi comunicado do fato. Foram feitos contatos
com o pai do rapaz que, para evitar a desonra da exposição do caso,
pagou mais de #60. Esta soma ajuda no sustento da criança; a menina
trabalha como empregada doméstica e está bem.

COMPRA A PRESTAÇÃO.
Quanto mais pobres as pessoas são, freqüentemente mais cruéis são as
injustiças que sofrem quando resolvem comprar Mobília, Máquinas de
Costura, Calandras, ou outros artigos, a prestação. Fisgado pela
isca dos anúncios enganosos, o pobre é induzido a comprar artigos a
prestações semanais ou mensais. Eles se esforçam para obter as
quantias, e se submetem a todo tipo de sacrifício, mas quando
atrasam um pouco no pagamento os credores aparecem para tomar-lhe o
bem, que muitas vezes é sua ferramenta de trabalho da qual dependem
para viver, assim, por questões técnicas envolvendo cláusulas de
contrato, acabam sendo roubados. Em tais circunstâncias, o pobre
totalmente sem amigos, irremediavelmente se submete a estas
extorsões infames. Nossa Agência estará aberta a todos eles.

CORRETORES, AGIOTAS, AÇAMBARCADORES.


Temos aqui mais classes que vivem de chupar o sangue dos pobres,
induzindo-os comprar coisas que freqüentemente não têm nenhum uso
imediato -- coisas que no fundo não prestam para nada -- através de
promessas milagrosas sobre condições fáceis de reembolso. Quando a
vítima morde a isca é arrastada até a miséria, e muito
freqüentemente mergulha em ruína temporal; uma vez agarrados a fuga
é sumamente difícil, se não impossível. Propomos ajudar estas pobres
vítimas através deste Projeto, até onde for possível.

Esperamos que nossa Agência seja de imensa utilidade a Ministros e


Clérigos de todas as denominações, bem como aos Voluntários do
Distrito, Missionários, e outros que espontaneamente estão entre os
pobres, prestando-lhes assistência, conselho legal, e coisas assim.
Sempre teremos prazer em ajudá-los.

DEFENDENDO INDEFESOS.
Pouco a pouco o público se conscientiza de que um incontável número
de pessoas inocentes sofrem freqüentemente condenações por crimes e
transgressões, muitas vezes por mera inabilidade em efetuar uma
defesa eficiente. Embora hajam várias associações em Londres e no
interior que lidam com criminosos, e mais particularmente com
ex-prisioneiros, parece não haver gente afim de ajudar prisioneiros
ainda não condenados. Este trabalho nos propomos desenvolver com
coragem e determinação.

Por estas e muitas outras maneiras ajudaremos pessoas acusadas de


crimes dos quais, por uma observação mais cuidadosa e arrazoada,
poderiam ser consideradas inocentes, mas que por falta de meios não
podem obter ajuda legal, e produzir as provas necessárias para uma
defesa eficiente.

Não pretendemos arbitrariamente julgar quem é inocente ou culpado,


mas se após uma completa explanação e pesquisa pode-se supor
arrazoadamente que a pessoa acusada é inocente, mas não tem condição
de se defender, então deveríamos nos sentir livres para advogar tal
caso, esperando salvar tal pessoa, sua família e seus amigos de

13
muita miséria, e possivelmente da ruína absoluta. O Sr. Justice
Field observou recentemente: --

«Quando um homem ajuda outro homem processado criminalmente, ele


pratica um ato altamente louvável e salutar. Se um homem não tem
amigos, e surge alguém pronta e legitimamente com o propósito de
assisti-lo honestamente com os meios necessários ao andamento de
sua defesa diante do Tribunal, isso será um ato altamente saudável e
louvável. Ele seria a última pessoa no mundo a reclamar daqueles que
tomam tal atitude».

Estas observações são endossadas pela maioria dos Juizes e


Magistrados, e nossa Agência de Aconselhamento dará efeito prático a
elas.

Em cada caso será feita uma tentativa para assegurar, não apenas uma
mudança externa, a regeneração real completa das pessoas que
ajudamos. Será proporcionada uma atenção especial aos réus
primários, conforme descrito abaixo no ponto sobre «Departamento de
Correção Penal» [N.T.: no original, Criminal Reform Department].
Também devemos nos esforçar para ajudar, até o limite de nossas
possibilidades, as Esposas e Filhos de pessoas que estão pagando
pena, através de empenho para que obtenham emprego, ou caso
contrário, prestando-lhes ajuda. Centenas de pessoas nestas
condições mergulham na mais profunda angústia e desmoralização por
falta de uma ajuda amigável nas circunstâncias de abandono em que
elas ficam, com a condenação de parentes dos quais dependiam para
seu sustento, ou para proteção e direção nos negócios ordinários da
vida.

Este Departamento também será responsável para juntar informações,


divulgá-las, e acompanhar os processos em geral de forma adequada
visando alcançar as melhorias tão necessárias à nosso Sistema
Carcerário. Em resumo, este Departamento buscará tornar-se o
verdadeiro amigo e salvador da População Carcerária em geral --
fazendo isso desejaremos agir em harmonia com as sociedades no
momento em existência -- cujo membro pode estar buscando contato com
a família através da Agência de Aconselhamento. Escrevemos a
seguinte lista para dar uma idéia dos tópicos pelos quais a Agência
de Aconselhamento pode ser consultada: --

Socorro em caso de Acidentes


Administração Pública
Adulteração de Alimentos e Medicamentos
Questões de Agenciamento
Busca de Acordo
Casos de Afiliação
Crueldade Contra Animais
Prisão Injusta
Agressão

Falências
Letras de Câmbio
Instrumentos de Venda
Obrigações
Processo por Quebra de Compromisso Matrimonial

Crueldade Contra Crianças


Custódia de Crianças
Compensação por Danos
Compensação por Acidente
Compensação por Difamação
Compensação por Perda de Emprego
Confisco por Proprietários
Brecha de Contratos
Infração de Registro
Casos de Tribunais Municipais

13
Dívidas
Penhora Ilegal
Divórcio

Casos de Expulsão
Ato de Responsabilidade de Empregadores
Deveres de Testamenteiros

Abuso de Empregador
Tentativa de Fraude

Venda de Facilidades
Perda de Garantia

Lei de Herança
Disputas entre Maridos e Esposas

Prisão Ilegal
Custódia de Crianças
Casos de Falta de Testamento

Intimações

Proprietários e Casos de Arrendamento


Lapsos e Renovações de Arrendamento
Disputa de Legados
Casos de Calúnia
Licenças

Questões da Lei do Matrimônio


Atos de Mestres e Criados
Direito Público
Hipotecas

Negligência
Ameaças de Morte
Lei de Vizinhança

A Lei de Sociedade
Inscrição e Infração de Patentes
Penhoristas e Penhores
Casos de Polícia
Provas

Taxas e Impostos
Interesses Contrários

Casos de Sedução
Demissão Injusta de Empregados
Xerifes
Seguranças

Disputa sobre Aluguéis


Infração de Marcas de Comércio
Casos de Fraude
Fiduciários e Confianças

Salários
Disputas e Testamentos Não Comprovados
Crueldade com Mulheres
Queixas de Trabalhadores

A Agência de Aconselhamento será então, em primeiro lugar, um lugar


onde homens e mulheres em dificuldade podem vir quando precisarem
comunicar algo em confiança por causa da ansiedade deles, com a
certeza de que eles receberão uma audiência solidária e o melhor
conselho.

13
Em segundo lugar, será o Advogado do Homem Pobre, dando a melhor
assistência legal sobre processos abertos contra ele nas várias
circunstâncias com as quais se defronta.

Em terceiro lugar, agirá como a Tribuna do Homem Pobre, e


empreenderá a defesa de prisioneiros supostamente inocentes e sem
amigos, de vítimas de extorsões, de acusação de ofensores que
recusam reparação legal pelas injustiças que cometeram.

Quarto, agirá onde quer que seja chamado como Tribunal de Arbitragem
entre litigantes onde a decisão será de acordo com o patrimônio
líquido, e os custos reduzidos ao máximo possível. Tal Departamento
não pode ser improvisado; mas provido adequadamente para suas
funções. Tanto quanto possível, não pode falhar em gerar grandes
benefícios.

SEÇÃO 5. -- NOSSO DEPARTAMENTO DE PESQUISA.


Um suplemento indispensável deste Projeto será a instituição do que
pode ser chamado de Departamento Central de pesquisa. Já foi dito
que o poder pertence ao mais bem informado, e se pretendemos lidar
efetivamente contra as forças do mal social, temos que ter
prontamente ao alcance de nossas mãos o máximo da experiência
acumulada e das informações do mundo inteiro sobre este assunto. A
coleção de fatos e o registro sistemático deles seria inestimável,
disponibilizando o resultado dos experimentos das gerações
anteriores para nós mesmos e para quem desejar.

Atualmente não há nenhuma instituição central, governamental ou


coisa parecida, neste país ou qualquer outro, que selecione e
colecione idéias e conclusões na área de Economia Social, idéias que
ajudem na solução do problema que temos diante de nós. O British
Home Office apenas começou a indexar seus próprios documentos. O
Local Government Board está em uma condição semelhante, e, embora
cada Blue Book particular possa ser admiravelmente indexado, não há
nenhum índice classificado completo. Se este é o caso do Governo,
não é provável que as inúmeras organizações privadas que estão
bicando aqui e ali na questão social possuam qualquer método
sistematizado com a finalidade de comparar notas e armazenar
informações. Este Departamento de Pesquisa que eu proponho fundar
primeiramente em pequena escala, terá nele o germe da grande escala
que irá, se adequadamente apoiado, tornar-se um tipo de Universidade
na qual serão guardadas as experiências acumuladas da raça humana,
digeridas, e tornadas disponíveis tanto para tarefas simples como
para grandes obras de reforma social. No momento presente quem pode
encontrar em qualquer um dos nossos museus e universidades um índice
classificado de publicações relativas a pelo menos um dos muitos
temas relativos à questão social aqui abordados? Quem entre todos
nossos sábios e reformadores sociais pode me enviar uma lista das
melhores obras sobre -- digamos, o estabelecimento de colônias
agrícolas ou experiências que foram feitas lidando com alcoólicos;
ou os melhores planos para a construção de chalés para
trabalhadores?

Para o desenvolvimento deste Projeto é necessário primeiramente um


Escritório pelo qual, abordando os variados a assuntos tratados
neste volume, eu posso organizar a essência condensada de todos os
melhores livros que foram escritos, e os nomes e endereços daqueles
cujas opiniões são de muito valor, juntamente com uma nota do que
essas opiniões representam, e os resultados das experiências que
foram feitas em relação a elas. Eu quero estabelecer um sistema que
me permitirá utilizar, não apenas os olhos e as mãos dos Oficiais
Salvacionistas, mas os olhos e as mãos de seus amigos e
simpatizantes em todas as partes do mundo, com o propósito de notar
e informar imediatamente toda experiência social de importância,
qualquer palavra de sabedoria na questão social, seja relacionada à
procriação de coelhos, à organização de um serviço de emigração, ao
melhor método de administrar uma Fazenda Agrícola [N.T.: no
original, Cottage Farm], ou ao melhor modo de cozinhar batatas. Não

13
há nada na gama inteira de nossas operações que nos impeça de
acumular e registrar os resultados da experiência humana. O que eu
quero é adquirir a essência da sabedoria que os mais sábios juntaram
a partir da mais ampla experiência, e tornar tudo isso imediatamente
disponível para o trabalhador mais humilde na Fábrica Salvacionista
ou na Colônia Rural, e para qualquer outro trabalhador braçal em
semelhantes campos do progresso social.

Isso pode e deve ser feito a serviço das pessoas. Eu preciso de


auxiliares neste departamento entre aqueles que até aqui não se
interessaram pelo Exército de Salvação, mas que no âmbito dos seus
estudos e bibliotecas prestarão um grande auxílio compilando este
grande Índice de Experiências Sociológicas, e que estariam
dispostos, desta forma, a ajudar neste Projeto, como Sócios, para
melhorar a condição das pessoas, se não posso ter acesso aos seus
olhos e ouvidos, que me dêem pelo menos o benefício dos seus
cérebros, de seu conhecimento, e de como esse conhecimento pode ser
melhor utilizado. Eu proponho começar abrindo um escritório com dois
homens capazes e um menino, instruídos para destacar, preservar, e
verificar todos os registros contemporâneos na imprensa diária e
semanal que chegam em qualquer filial de nossos departamentos. Em
torno destes dois homens e menino crescerá, eu acredito
confiantemente, uma vasta organização de zelosos trabalhadores
voluntários que cooperativamente farão de nosso Departamento de
Pesquisa um grande armazém de informação -- uma biblioteca universal
onde qualquer homem tenha possibilidade de aprender acerca de tudo
aquilo que representa a somatória do conhecimento humano, em
qualquer ramo, e que tenha tudo isso ao alcance de suas mãos.

SEÇÃO 6. -- COOPERAÇÃO EM GERAL.


Se qualquer um me pedisse que declarasse em uma palavra do que
parece ser a chave da solução do Problema Social provavelmente eu
responderia sem qualquer excitação que é a Cooperação. Sem nunca
perder de vista que nos referimos à Cooperação conduzida sob
princípios íntegros, justos, honrados, retos, íntegros, virtuosos,
idôneos, e com o objetivo de fazer coisas boas da maneira correta;
caso contrário é de se esperar que a Associação não produza outro
fruto mais vantajoso do que o Individualismo. Cooperação é
associação aplicada -- associação com a finalidade da produção e da
distribuição. Cooperação implica numa combinação voluntária de
indivíduos para atingir um objetivo pela ajuda mútua, pela
deliberação mútua, e pelo esforço mútuo. Nesse exato momento há
muita conversa fiada no mundo sobre o capital, como se o capital
fosse inimigo do trabalho. É bem verdade que há capitalistas, e não
são poucos, que podem ser considerados como inimigos, não só do
trabalho, mas da raça humana; mas o capital em si mesmo, longe de
ser um inimigo natural do trabalho, é o grande objetivo que o
trabalhador tem constantemente em vista. Porém por mais que um
agitador denuncie o capital, sua grande queixa é que ele não tem
suficiente capital para si mesmo. Então, o capital não é um mal em
si mesmo; pelo contrário, é bom -- tão bom que um dos grandes alvos
do reformador social deveria ser facilitar o máximo possível sua
distribuição entre os membros da raça humana. O que é mau é o
acúmulo, a concentração, a congestão de capital, e a questão do
trabalho nunca será definitivamente resolvida até que cada
trabalhador seja seu próprio capitalista.

Tudo isso é bem comum, e já foi dito por milhares de vezes, mas,
infelizmente, o assunto termina com a mera declaração. No que diz
respeito à distribuição, a Cooperação foi colocada em prática com um
sucesso considerável, mas a cooperação como meio de produção não
alcançou o sucesso previsto. Vez após vez foram iniciados
empreendimentos baseados nos princípios da cooperação que caminhavam
bem, e na opinião dos promotores, tinham sucesso; mas depois de um,
dois, três, ou dez anos, o empreendimento iniciado com tanto ânimo
foi mirrando, encolhendo, até o fracasso total ou parcial. No
momento, muitos empreendimentos de cooperação não são outra coisa
senão Comitês Acionários de Responsabilidade Limitada, parte dessas

14
Ações é assegurada em grande parte por trabalhadores, mas não
necessariamente, e às vezes nem mesmo por aqueles que são empregados
de fato no negócio que chamam de cooperativo. Agora, por que isto
acontece? Por que empresas de cooperação, fábricas de cooperação, e
as Utopias cooperativas sofrem tão freqüentemente com tantas
aflições? Eu acredito que a causa é um segredo aberto, e pode ser
discernido por qualquer um que olhe para o assunto com um olho
aberto.

O sucesso no âmbito industrial é em grande parte uma questão de


administração. Administração significa governo, e governo implica em
autoridade, e autoridade é a última coisa que os cooperadores da
categoria Utópica estão dispostos a reconhecer como elemento
essencial para o sucesso dos seus Projetos. A instituição da
cooperação que é governada por princípios Parlamentários, com
ilimitado direito de debate e direito de obstrução, nunca poderá
competir com sucesso com instituições que são dirigidas por um único
cérebro que maneja o conjunto de recursos de um disciplinado e
obediente exército de trabalhadores. Consequentemente, para fazer da
cooperação um sucesso você deve adicionar além do princípio do
consentimento o princípio da autoridade; você tem que investir nas
pessoas em quem você confia, para a administração de seu
estabelecimento de cooperação, a mesma liberdade de ação que detém o
proprietário da fábrica no outro lado do repudiado regime podre e
esgotado dos Bourbons [N.E.: membro da família real da França e
Espanha. Conservador ferrenho], os camponeses e trabalhadores
franceses imaginaram que eles estavam inaugurando o milênio quando
picharam Liberdade, Igualdade, Fraternidade, por todas as igrejas em
todas as cidades da França. Eles levaram ao extremo seus princípios
de liberdade e licença, e tentaram administrar o exército deles em
princípios Parlamentários. Não funcionou; a indisciplina e a
leviandade tomaram conta; e a desordem reinou no campo Republicano;
e a Revolução francesa teria sido sufocada em seu berço se o
instinto da nação não tivesse discernido a tempo o ponto fraco em
suas fortificações. Ameaçada por guerras estrangeiras e revoltas
intestinas, a República estabeleceu uma disciplina férrea em seu
exército, e obrigou obediência pelo processo sumário da execução
militar. A liberdade e o entusiasmo desenvolvidos pela explosão das
forças revolucionárias longamente retidas proveram a força motriz,
mas foi a disciplina dos exércitos revolucionários, a austeridade,
foi a obediência inflexível a que foi obrigada em todos os graus do
mais alto ao mais baixo que criou para Napoleão o instrumento
militar admirável pelo qual ele derrubou todos os tronos na Europa e
irrompeu em triunfo de Paris até Moscou.

Em questões industriais somos muito parecidos com a República


francesa antes dela temperar sua doutrina dos direitos do homem com
o dever da obediência por parte do soldado. Temos que introduzir
disciplina no exército industrial, temos que adicionar além do
princípio da autoridade o princípio da cooperação, e assim permitir
ao trabalhador ganhar integralmente pelo aumento na produtividade do
trabalho de homens que são empregados em suas próprias fábricas e na
própria propriedade deles. Não há nenhuma necessidade de clamar para
grandes esquemas de Socialismo Estatal. A coisa inteira poderia ser
feita simples, econômica, e rapidamente, se os trabalhadores tão
somente se dedicassem como muita abnegação à causa de estabelecer-se
como capitalistas, como fazem os Soldados na prática do Exército de
Salvação de todos os anos na Semana de Abnegação. Qual o sentido de
nunca fazer uma coleta, a não ser durante uma greve? Em vez de pedir
um xelim, ou dois xelins, durante uma semana para manter homens em
greve que estão passando fome por causa de uma disputa com seus
patrões, por que os trabalhadores não fazem uma coleta e a mantêm
durante semanas ou meses, com a finalidade de montar um negócio como
patrões de si mesmos? Se fizessem assim não haveria, pois, nunca
mais um proprietário capitalista cara a cara com as massas do
proletariado, mas todos os meios de produção, as fábricas, e todos
os recursos acumulados do capital realmente estariam à disposição do
trabalho. Porém, isto nunca será feito enquanto as experiências de

14
cooperação forem continuadas na forma arcaica presente.

Acreditando em cooperação como última solução, se à cooperação você


puder somar subordinação, eu estou disposto a tentar algo nesta
direção em meu novo Projeto Social. Eu devo esforçar-me para começar
uma Fazenda Cooperativa nos princípios de Ralahine, e fundar a
totalidade de minhas Colônias Rurais em uma base Cooperativa.
Começando esta pequena Comunidade Cooperativa, eu me lembro daqueles
que estão sempre reclamando pelos cotovelos e pressentido males, e
olhando para os fracassos aos quais eu há pouco mencionei,
discorrendo sobre histórias das tentativas de estabelecer
comunidades ideais neste mundo comum, vulgar, prosaico, prático.
Agora, eu li a história do muitas tentativas de cooperação que foram
feitas para fundar estabelecimentos comunistas nos Estados Unidos, e
estou perfeitamente familiarizado com o destino triste que tragou
quase todos esses estabelecimentos; mas a história dos fracassos
deles não me intimida nem um pouco, porque eu os considero nada mais
do que advertências para evitar certos enganos, balizas para
ilustrar a necessidade de proceder em um curso diferente. Falando em
termos gerais, suas comunidades experimentais falharam porque todas
suas Utopias começaram sob o sistema da igualdade e do governo pelo
voto da maioria, e, como conseqüência necessária e inevitável, suas
Utopias caem nas mãos de pessoas estúpidas, imbecis [N.T.: no
original, your Utopians get to loggerheads], e a Utopia é esmagada
contra as rochas, eu evitarei essas rochas. A Colônia Rural, como
todos os outros departamentos do Projeto, será governada, não no
princípio do faro contábil [N.T.: no original, counting noses], mas
no princípio precisamente oposto de não admitir nenhum nariz que não
esteja disposto a ser guiado pela direção do cérebro. Será
administrado em princípios que afirmam que o mais ajustado [N.T.: no
original, fittest] deve reger, e prover que o mais ajustado
seja selecionado, o qual, uma vez no topo, insistirá na obediência
universal e inquestionável daqueles que estão na base. Se alguém
não gosta de trabalhar por seu próprio alimento, nem submeter-se às
ordens dos Oficiais superiores, então que vá embora. Não há nenhuma
obrigatoriedade para que fique. O mundo é amplo, e fora dos limites
de nossa Colônia e das operações de nossos Corpos, minha autoridade
não alcança. Mas julgando a partir de nossa breve experiência não é
a revolta contra a autoridade que faz com que o Projeto seja fadado
ao fracasso.

Não pode haver um maior engano neste mundo que imaginar que homens
contestem ser governados. Eles gostam de ser governados, contanto
que o governador tenha a «cabeça no lugar certo» e que ele esteja
pronto a ouvir, pronto a ver e a reconhecer tudo aquilo que é vital
aos interesses da comunidade. Assim, longe de ser inato ao gênero
humano recusar ser governado, o instinto para obedecer é tão
universal que até mesmo quando o governo é cego, surdo, paralítico,
podre de corrupção, e incompetente ao longo do tempo, ele ainda
inventa uma forma de manter-se vivo. Contra um Governo capaz ninguém
se rebela, apenas quando a estupidez e a incapacidade tomam posse da
cadeira do poder é que as insurreições começam.

SEÇÃO 7. -- UMA AGÊNCIA MATRIMONIAL.


Há outra área onde algo deve ser feito para restabelecer as
vantagens naturais desfrutadas por qualquer comunidade rural, mas
que foram destruídas pela crescente tendência do gênero humano de
concentrar-se em grandes aglomerações. Eu me refiro aquilo que
constitui, afinal de contas, uma das coisas mais importantes em toda
a vida humana, o casamento, o matrimônio. Na vida natural de uma
aldeia rural rapazes e moças crescem todos juntos, eles se encontram
em associações religiosas, diariamente em seu trabalho, e nas
diversões e passeios na praça. Juntos aprenderam a ler e a escrever
seus garranchos, e quando chega o tempo em que se juntam em casais,
eles tem oportunidades excelentes para conhecer as qualidades e os
defeitos daqueles que selecionam como parceiros e parceiras na vida.

Tudo em tal comunidade se presta naturalmente às preliminares

14
indispensáveis da corte e do namoro que, mais que a maioria das
coisas, contribui para a felicidade ou para a vida. Mas em uma
grande cidade tudo isso é destruído. Em Londres no momento presente
quantas centenas, senão milhares, de rapazes e moças vivem fechados
em seus apartamentos, praticamente privados de qualquer oportunidade
do conhecimento mútuo, ou de conhecer qualquer pessoa do sexo
oposto! A rua, sem dúvida, é a substituta da praça da vila da
pequena cidade do interior, mas que substituta!

Alguém que sabia o que estava falando disse amargamente, «há


milhares de rapazes que estão totalmente privados de conhecer
qualquer mulher pelo nome de batismo, exceto as moças que encontram
perambulando pelas ruas exercendo sua terrível profissão.» Diante
disso, o vício tem uma enorme vantagem em cima da virtude; tal
arranjo social anormal restringe a moralidade e abre um grande
espaço à prostituição. Temos que voltar à natureza para poder
contender com este mal horrível. Deveria haver mais oportunidades
para o relacionamento humano saudável entre rapazes e moças, a
Sociedade não pode desvencilhar-se de sua grande responsabilidade
pela destruição da masculinidade e da feminilidade disseminadas por
nossas ruas, é necessário que façamos alguma tentativa de construir
uma ponte neste abismo horroroso que se abre entre as duas metades
da humanidade. Quanto mais vivo mais absolutamente me oponho a
qualquer coisa que viole a lei fundamental da família. A humanidade
é composta de dois sexos, e ai daqueles que tentam separá-los em
corpos distintos, fazendo de cada metade um inteiro! Isso foi
experimentado em monastérios e conventos com um triste resultado,
contudo o que nossos ferventes protestantes parecem não ver é que
estamos reconstruindo um falso sistema semelhante para nossos jovens
sem as proteções e as restrições das paredes do convento ou da
influência santificada de convicção religiosa. As condições de vida
na Cidade, a ausência da companhia necessária da aldeia e da cidade
pequena, a dificuldade dos jovens de achar inofensivas oportunidades
de relacionamento amigável, todas essas coisas tendem a criar
classes de celibatários que não são puros, e cuja tolerância
irregular e ilícita a um instinto universal constitui uma das
características mais melancólicas do presente estado da sociedade.

Mais ainda, por mais geralmente que isto seja reconhecido, um dos
termos pelos quais as conseqüências deste estado antinatural de
coisas é popularmente conhecido é como «o mal social», como se todos
os outros males sociais fossem relativamente desmerecedores de
atenção comparados com este.

Enquanto estive ativo e ocupado desenvolvendo meu Projeto para o


encaminhamento de trabalhadores, me ocorreu mais de uma vez a
seguinte questão: por que não adotar algo no mesmo sentido em
relação a homens que querem esposas e mulheres que querem maridos? O
matrimônio é em grande parte para a maioria das pessoas uma questão
de oportunidade. Determinados homens e determinadas mulheres que, se
vivessem juntos, formariam um lar feliz, conduzem neste momento
vidas miseráveis e solitárias, sofrendo no corpo e na alma, por
estarem excluídos do estado natural do matrimônio. É claro que a
inscrição de um solteiro que deseja se casar é uma questão bem mais
delicada do que a inscrição de um marceneiro ou pedreiro que deseja
trabalhar. Mas a coisa não é impossível. Eu verifiquei repetidamente
em minha experiência que determinados homens e determinadas mulheres
só ficariam alegres diante de uma sugestão amigável sobre pessoas do
sexo oposto às quais poderiam voltar suas atenções ou das quais
poderiam receber propostas. Com relação a tal agência, se fosse
estabelecida -- e eu estou bem engajado no empreendimento desta
tarefa -- proporia que promovesse os necessários encontros, além
disso poder-se-ia adicionar casas de treinamento matrimonial. Meu
coração sangra pelos muitos jovens casais que eu vejo pulando no mar
do matrimônio sem saber como administrar uma casa. A garota deixa o
curso primário em nossas escolas públicas e vai para a fábrica sem
nunca ser treinada no serviço de casa, e ainda, quando se torna
esposa, irracionalmente se espera que assuma a difícil posição de

14
dona de casa e de mãe de família. Gastar um mês antes do matrimônio
em uma casa de treinamento de administração doméstica vai conduzir
muito mais para a felicidade da vida de casada do que a lua de mel
que vem imediatamente após o casamento.

Este é especialmente o caso daqueles que se casam no estrangeiro e


se instalam em um país distante. Eu freqüentemente me espanto quando
penso no absoluto desamparo da mulher moderna, comparada com a
habilidade da avó dela. Quantas de nossas meninas sabem pelo menos
assar um pão? O padeiro destruiu uma de nossas artes domésticas mais
fundamentais. Mas se você está em regiões recobertas de matas e
afastadas dos centros populosos, nas pradarias no campo, não haverá
nenhum carro de padeiro passando pela frente de sua casa a cada
manhã com pão fresco, e eu penso freqüentemente, com tristeza, que
tipo de coisa esta pobre esposa servirá ao seu marido faminto. O
mesmo vale para assar, limpar, ordenhar, tecer, enfim todas as artes
e ciências da casa que antigamente era costume ensinar para todas as
filhas que nasceram no mundo. No que diz respeito aos direitos da
mulher, um dos primeiros direitos da mulher é o direito de ser
treinada para ser a rainha do seu lar, para ser a mãe de seus
filhos, para sua arte.

Uma conversa com colonos inspirou-me pensar se algo não poderia ser
feito para prover, em um sistema bem organizado, os milhares de
garimpeiros solteiros ou a multidão de homens solteiros que labutam
na selva nos limites da civilização, com esposas capazes que abundam
em nossas grandes cidades. Prover mulheres em quantidades adequadas
é a grande moralizadora da Sociedade, mas a mulher distribuída da
forma como está no Far West e nas estepes australianas, na proporção
de uma mulher para uma dúzia de homens, é uma fonte fértil de vício
e de crime. Novamente aqui temos que voltar à natureza, cujas leis
fundamentais nossos arranjos sociais têm rudemente jogado de lado e
sempre com terríveis conseqüências. Sempre nasceram no mundo, e
continuam nascendo, meninos e meninas em proporções bem iguais, mas
a colonização e o aventureirismo [N.T.: no original, soldiering]
levam embora nossos homens, deixando para trás um excesso
continuamente crescente de mulheres solteiras, que não podem
permanecer solteiras, e que não conseguem encontrar maridos. Este é
um vasto campo de discussão na qual eu não devo entrar. Deixo essas
discussões para os entendidos, talvez algum filantropo inteligente
encontre alguma solução; mas seria melhor não tomar nenhuma decisão
precipitada, e levar em conta todas as dificuldades e perigos
ocultos. Porém, obstáculos existem para ser superados e convertidos
em vitórias. Há uma certa fascinação pela dificuldade e pelo perigo,
que atrai muito fortemente todos aqueles que sabem que a dificuldade
aparentemente insolúvel contém em seu seio a chave para o problema
que você está buscando resolver.

SEÇÃO 8. -- WHITECHAPEL COSTEIRA.


Quando se pensa na melhoria das condições de vida do proletariado, a
recreação nunca deve ser omitida. Continuamente desejei viabilizar a
possibilidade deles passarem ocasionalmente algumas horas pelo
litoral, ou mesmo vez por outra três ou quatro dias. Apesar de taxas
módicas e freqüentes excursões, há multidões de pessoas pobres que,
entra ano sai ano, nunca saem para fora do formigueiro da cidade, e
raramente saem com seus filhos para os parques durante feriados ou
nas noites quentes de verão. A maioria, especialmente os habitantes
da Zona Leste de Londres, nunca sai do ambiente das ruelas sombrias
e das ruas encardidas onde vive anos a fio. É verdade que há
alguns aqui e ali da população adulta, e uma boa porção de crianças,
que usufruem de algum tipo de excursão de caridade anual para Epping
Forest, Hampton Court, ou talvez para o litoral. Mas é só uma
minoria. Um vasto número, mesmo possuídos por um apaixonada vontade
de ver o mar, que apenas aqueles que se misturaram com eles pode
conceber, passam suas vidas inteiras sem nunca ter examinado suas
águas azuis uma única vez, ou assistido às ondas quebrando aos seus
pés.

14
Agora eu não cometeria a tolice de sonhar que é possível fazer
alguma mudança na Sociedade que permita ao homem pobre levar esposa
e filhos para uma curta estadia de uma quinzena, durante os dias
quentes de verão, ou aliviá-los de suas tarefas durante o inverno,
embora isto não seja menos desejável para eles do que para outras
classes mais favorecidas. Mas de vez em quando eu possibilitaria a
todo homem, mulher e criança, um dia para uma refrescante visita a
lugares interessantes. Para levar a cabo este plano, há algumas
dificuldades como a necessidade de uma grande redução no custo da
viagem. Para fazer qualquer coisa efetiva devemos propiciar a
qualquer homem de Whitechapel ou Stratford uma excursão para o
litoral pelo valor de um xelim.

Infelizmente, Londres está a sessenta milhas do mar. Suponha que


nossa excursão seja de setenta milhas. Isto implicaria numa viagem
de cento e quarenta milhas por uma pequena soma de 1s. Isto pode ser
feito? Eu acredito que sim, e via trem; é a única forma dessa parte
de meu Projeto se realizar. Eu acho que este grande benefício pode
ser concedido às pessoas pobres sem que os dividendos das companhias
sejam sensivelmente afetados. Refiro-me ao custo de haulagem para um
trem comum de passageiros, levando de quinhentas a mil pessoas, a
2s. 7d. por milha; uma companhia de estrada de ferro poderia levar e
trazer seiscentos passageiros, setenta milhas na ida, e setenta
milhas na volta, a um custo de #18 1s. 8d. Seiscentos passageiros a
um xelim sai #30, de forma que haveria um evidente lucro à companhia
de quase #12 na haulagem, para o pagamento de interesse no capital,
desgaste de linha. Mas eu considero, a uma cômputo bem moderado, que
duzentas mil pessoas viajariam toda estação para lá e para cá. Uma
adição de #10.000 no caixa de uma companhia de estrada de ferro não
é nada desprezível e seria uma mera bagatela diante dos lucros
indiretos resultantes do estabelecimento de um povoado que, se
devidamente encaminhado, rapidamente se tornará uma comunidade
grande e ativa.

Para isto seria necessário entrar em contato com as companhias


ferroviárias, e para a execução desta parte de meu Projeto espero
conhecer algum gerente suficientemente imbuído de espírito público
para tentar essa experiência. Quando tal homem for encontrado, eu
pretendo fixar imediatamente meu Estabelecimento de Excursões
Litorâneas [N.T.: no original, Sea-Side Establishment]. Isto
apresentará as seguintes vantagens especiais que sem dúvida serão
devidamente apreciadas pelo povo pobre de Londres: --

Uma propriedade de trezentos acres seria comprada, nela seriam


erguidos edifícios de forma a atender os desejos desse tipo de
excursionistas.

Seriam providas refeições ligeiras a taxas bem parecidas com as


praticadas em nossos Restaurantes em Londres [N.T.: no original
London Food Depots]. Seriam, naturalmente, instalações bem maiores
em termos de quartos e acomodação.

Os alojamentos teriam um preço mais baixo para os deficientes, para


as crianças, e para aqueles que desejam fazer uma curta permanência
no lugar. Poderiam ser cobrados camas para homens solteiros e
mulheres solteiras à baixa taxa de seis pence por noite, quanto
maior o grupo de crianças menor a taxa per capita [N.T.: no
original, children in proportion]. As pessoas casadas teriam
acomodações satisfatórias, em condições bem moderadas.

Nenhuma taberna, bar, boteco, ou qualquer comércio de bebidas


alcoólicas, seria permitido dentro dos limites do estabelecimento.
Parque, pátio de recreio, música, barcos, locais cobertos para tomar
banho, sem custos adicionais, tudo isso seria provido, juntamente
com outros arranjos para o conforto, recreação, lazer e prazer das
pessoas.

A propriedade comporia uma das Colônias do empreendimento geral, e

14
nela haveria o cultivo de frutas, legumes, flores, e outros produtos
para o uso dos visitantes, tudo isso seria vendido bem baratinho. Uma
das principais providências para o conforto dos excursionistas seria
a ereção de um grande salão, dispondo de um amplo abrigo no caso de
tempo ruim. Nesta e em outras partes do lugar haveria a mais
completa oportunidade para ministérios de todas as denominações para
serviços religiosos relacionados a qualquer excursionista.

Haveriam lojas para as pessoas venderem seus produtos, casas para


residentes, um museu panorâmico, brinquedos [N.T.: no original,
stuffed whale]; barcos poderiam ser alugados a preços moderados, e
um navio a vapor levaria as pessoas algumas milhas mar afora, e
tantas milhas por um centavo, com primeiros socorros onde nenhuma
despesa extra seria cobrada.

Na realidade as tarifas da ferrovia e refeições estariam na mesma


escala, um homem e sua esposa poderiam usufruir de um passeio de 70
milhas através de campos verdejantes, novas safras de feno, grãos
ondulantes ou pomares carregados de frutas; poderiam vagar por horas
pela beira da praia, poderiam ter alimento confortante e nutritivo,
poderiam descansar tranqüilos e sóbrios numa casa, poderiam ficar
alegres e revigorados por uma pequena soma de 3s. Poderiam trazer um
par de crianças com menos de 12 anos pagando 1s. 6d. -- não somente
isso, poderia vir a família inteira, marido, esposa e quatro
crianças, supondo que uma vai no colo, poderiam passar um dia no
litoral, sem compromisso ou caridade, por 5s.

Os habitantes magros e famintos das Favelas economizariam seus


trocados, e viriam aos milhares; os clérigos teriam possibilidade de
trazer uma parte dos membros pobres e necessitados de suas
paróquias; estudantes, grupos de mães, e sociedades filantrópicas de
todos os tipos seriam atendidos por atacado; em suma, aquilo que
Brighton representa para West End e para as classes médias, este
lugar representará para os pobres de East End, e não apenas para
eles, também para os pobres da Metrópole em termos gerais, uma
Whitechapel Litorânea.

Agora isto deverá ser feito completamente aparte de meu Projeto. As


ricas corporações que estão a cargo dos negócios desta grande
Cidade, e os milionários que nunca acumulariam suas fortunas sem o
concurso das massas, estão com a palavra. Suponhamos que as
Companhias Ferroviárias recusem fornecer para tal empreendimento as
grandes ferrovias, das quais se tornaram monopolistas, sem uma
subvenção, então a subvenção necessária deve ser providenciada. Algo
deve ser feito para possibilitar ao triste trabalhador braçal sair
de seu barraco, ou da fábrica sufocante; à costureira deixar sua
agulha. Algo deve ser feito para possibilitar à mãe de vez em quando
se afastar do cansativo círculo do cuidado das crianças, do maçante
cuidado da casa, pelo menos por um dia. Para poder relaxar,
revigorar, encher seus pulmões com a brisa do mar, algo deve ser
feito. Algo deve ser feito, mesmo que custe alguns vis milhares. Que
os homens e mulheres que gastam uma pequena fortuna todos os anos em
excursões continentais, escalas, ascensão às montanhas dos Alpes,
excursões de iate, e muitas outras formas de passeios, viagens
luxuosas, dêem um passo à frente e digam que será possível a estas
multidões de seus irmãos menos afortunados ter a oportunidade de
passar pelo menos um dia por ano no litoral.

CAPÍTULO 7. O QUE DÁ PARA FAZER? COMO?


SEÇÃO 1. -- AS CREDENCIAIS DO EXÉRCITO DE SALVAÇÃO.
Esta grande obra pode ser feita? Eu acredito que sim. E eu acredito
que esta obra pode ser feita pelo Exército de Salvação, porque tem
prontamente à mão uma organização de homens e mulheres, em número e
zelo suficiente para tocar esse enorme empreendimento. Essa obra

14
pode estar além de nossas possibilidades. Mas isso não está tão
manifesto a ponto de nos impedir desejar tentar. O que em si mesmo é
uma qualificação que não é compartilhada por nenhuma outra
organização -- no momento. Se podemos fazer isto temos um campo
inteiro para nós mesmos. As igrejas ricas não mostram nenhuma
inclinação para lutar pelo oneroso privilégio de fazer uma
experiência nesta forma definida e prática. Se temos ou não temos a
capacidade, temos, pelo menos, a vontade, a impetuosa aspiração de
fazer esta grande obra por causa de nossos irmãos, e nisso repousa
nossa principal credencial para confiar na realização deste
empreendimento.

A segunda credencial é o fato de que, enquanto usamos todos os meios


materiais, nossa confiança está no poder da colaboração de Deus. Não
saímos para esta batalha confiados em nossa própria força, mas
confiados em Jeová. Não seguimos adiante escorados em nossa própria
força para esta batalha, mas escorados naquele que pode influenciar
o coração do homem. Não há nenhuma dúvida de que o método mais
eficaz de levantar um homem é efetuar uma mudança tal em suas visões
e sentimentos, que ele acaba abandonando seus maus caminhos
voluntariamente. Coloque diligência, assiduidade, atividade, esforço
e bondade no lugar das tentações e companhias que anteriormente o
conduziram ao erro, e viva uma vida Cristã, ele será um exemplo do
que pode ser feito pelo poder de Deus mesmo diante das
circunstâncias mais impossíveis.

Mas nisto repousa a grande dificuldade que se repete vez após vez,
os homens não têm aquela força de caráter que os constrange adotar
por eles mesmos os métodos de libertação. Nosso Projeto está baseado
na necessidade de ajudá-los.

Nossa terceira credencial é o fato de que, de uma ou de outra forma,


já alcançamos uma tão grande medida de sucesso que acreditamos que
podemos razoavelmente abraçar este dever adicional. As operações
corriqueiras do Exército de Salvação já efetuaram as mais
maravilhosas mudanças nas condições dos mais pobres e dos piores.
Multidões de escravos de todo tipo de vício tem sido libertos não
apenas de seus hábitos, mas libertos também da destituição e da
miséria que tais vícios produzem. Exemplos foram dados. Mais deles
podem ser produzidos. Nossa experiência quase global já demonstrou
que não basta tornar o criminoso honesto, o alcoólatra sóbrio, a
meretriz pura, devemos também erradicar aquela pobreza plena de
miséria e de desamparo. Nossa quarta credencial é que nossa
Organização entre as corporações religiosas da Inglaterra é a única
fundada no princípio da obediência tácita.

Quanto à Disciplina o que posso dizer é que o Exército de Salvação,


em grande parte recrutado entre os pobres mais pobres, é
freqüentemente reprovado por seus inimigos por causa da severidade
de suas regras. É o único corpo religioso fundado em nosso tempo que
é baseado no princípio da sujeição voluntária a uma autoridade
absoluta. Ninguém é obrigado a permanecer contra sua vontade no
Exército de Salvação, nem mesmo por um dia. Enquanto ele permanece
lá ele está concatenado pelas condições do Serviço. A primeira
condição desse Serviço é a obediência implícita, inquestionável. O
Salvacionista é ensinado a obedecer como o soldado é ensinado a
obedecer no campo de batalha.

Desde o tempo em que o Exército de Salvação começou a adquirir força


e a crescer, evoluindo do grãozinho de semente de mostarda até o
presente momento, quando suas filiais cobrem toda a terra,
constantemente fomos advertidos contra os males que este sistema
autocrático encerra. Nos disseram que, principalmente em uma era
democrática, as pessoas nunca fariam valer o estabelecimento do que
foi descrito como despotismo espiritual. Que isso era contrário ao
espírito dos tempos, que seria uma pedra de tropeço e uma pedra de
insulto às massas que invocamos, e assim sucessivamente, e daí por
diante.

14
Mas qual foi a resposta dos fatos diante destas predições dos
teóricos? A despeito da alegada impopularidade de nossa disciplina,
talvez por causa do rigor da autoridade militar na qual insistimos,
o Exército de Salvação cresceu ano a ano com uma rapidez sem
paralelo em toda moderna Cristandade, e apenas nos vinte e cinco
anos desde que nasceu, é agora a maior Casa e Sociedade Missionária
Internacional no mundo protestante. Nós temos quase 10.000 oficiais
sob nossas ordens, um número que aumenta diariamente, cada um deles
conduz o serviço na condição expressa que ele ou ela obedecerão sem
questionamento ou repúdio às ordens do Quartel General. Desses, 4.600
estão na Grã Bretanha. O maior número fora destas ilhas, mais que em
qualquer país, está nos Estados Unidos [N.T.: no original, American
Republic] onde temos 1.018 oficiais. Na Austrália democrática temos
800.

A submissão à nossa disciplina não é uma mera lealdade no papel.


Esses oficiais estão no campo de batalha constantemente expostos a
privações e maltratos de todo tipo. Basta que eu envie um telegrama
a qualquer um deles, mesmo que esteja nos confins da terra, para que
ele seja transferido das Favelas de Londres para São Francisco, para
que ele viaje para ajudar abrir missões na Holanda, Zululand,
Suécia, ou América do Sul. Assim, longe de se ressentir com o
exercício da autoridade, o Exército de Salvação se alegra em
reconhecer esse exercício de autoridade como um grande segredo de
seu sucesso, um pilar de força no qual todos seus soldados podem
confiar, um princípio que o qualifica como diferente de todas as
demais organizações religiosas fundadas em nossos dias.

Com dez mil oficiais, treinados para obedecer, e igualmente


treinados para comandar, eu não sinto que a organização do
desorganizado, do explorado, dos habitantes desesperados, dos
encharcados de álcool da Tenebrosa Inglaterra seja impossível.
É possível, porque isso já foi realizado concretamente no caso dos
milhares que, antes de serem salvos, estavam entre aqueles que
praticam o mal, na lama do pecado, e que agora estão ao nosso lado
tentando resgatar os que ainda permanecem ali.

Nossa quinta credencial é a extensão e a universalidade do Exército


de Salvação. Que poderosa instituição para botar esse Projeto para
funcionar! Isso fica bem claro quando consideramos que já se
estendeu por mais de trinta Colônias e Países diferentes, com uma
base permanente em cerca de 4.000 lugares diferentes, que tem
suficientes soldados ou amigos em harmonia com a idéia de prestar
socorro a uma considerável população em quase todo mundo civilizado,
e em boa parte do mundo não-civilizado, que tem quase 10.000
oficiais dedicados, cujo treinamento, disposição, e história os
qualifica como camaradas entusiastas e sérios. Na realidade, toda
nossa gente saudará o elo de conecção que este grande Projeto de
regeneração da humanidade representa, que permitirá marcar os
impulsos de seus corações, que já os incita a fazer coisas boas
acontecer tanto aos corpos como às almas dos homens.

Vamos considerar as reuniões. Com poucas exceções, cada um destes


quatro mil centros tem um Salão onde ocorrem reuniões todas as
noites durante a semana e da manhã até quase meia-noite a cada
Domingo [N.T.: no original, Sabbath]. Quase todas essas reuniões
públicas nos salões são precedidas por uma reunião ao ar livre, o
sentido especial de cada uma dessas reuniões é a salvação destas
multidões miseráveis. Realmente, quando este Projeto for
aperfeiçoado e estiver razoavelmente em curso, toda reunião em salão
ou ao ar livre será olhada tanto como anúncio terrestre como
condição celeste de felicidade. E cada Avançada, Corpo, Setor do
Exército de Salvação se tornará um centro onde mulheres e homens
pobres pecadores sofredores poderão encontrar simpatia,
aconselhamento, e todo socorro prático possível em suas tristezas.
Todo Oficial ao longo de nossas fileiras em todos os rincões do
globo se tornará um cooperador.

14
Veja quão útil nossa gente será unindo-se a esta classe. Mantendo
contato com eles. Vivendo na mesma rua, trabalhando nas mesmas lojas
e fábricas, e entrando em contato com eles em cada esquina e canto
da vida. Se não vive entre eles, é como se vivesse. Ele sabe onde
achá-los; são seus amigos do peito, companheiros de luta, e
camaradas para o que der e vier. Esta classe é o eterno desafio da
vida do Salvacionista. Ele sente que não há nenhum socorro para eles
nas condições em que se encontram no momento. Eles são tão
desesperadamente fracos, e suas tentações são tão terrivelmente
fortes, que soçobram ante elas. O Salvacionista sente isto quando é
atacado pelas tentações nos bares, nas ruas [N.T.: no original, low
lodging houses], ou em suas próprias tristes casas.

Consequentemente, muitas vezes, o Cruzado perde toda sua coragem.


Ele é tão freqüentemente tentado. Mas este Projeto irá resgatá-los
imediatamente dos seus velhos barracos e tentações, da destruição
social vendida por atacado, e lhes dará uma nova vida.

Então veja quão útil este exército de Oficiais e Soldados será para
a regeneração desta massa inflamada de vício e de crime, na medida
em que ela fica, digamos, ao nosso lado [N.T.: no original, in our
possession]. Todos os milhares de bêbedos, meretrizes,
blasfemadores, preguiçosos têm que ser refeitos, renovados no
espírito de suas mentes, e tornados bons. Será necessário uma
multidão de trabalhadores morais para realizar tal gigantesca
transformação. No Exército de Salvação já temos alguns milhares, de
qualquer maneira temos gente suficiente para começar, e o próprio
Projeto irá produzir mais. Olhe as qualificações destes guerreiros
para o trabalho!

Eles são treinados, trazidos à linha de frente, e são exemplos do


caráter que queremos produzir.

Eles entendem seus treinandos -- são feitos do mesmo material.


Escolha um malandro para pegar outro malandro, dizem, ou seja,
supomos, são malandros diplomados. De qualquer maneira, é assim
conosco. Estes guerreiros rudes trabalharão ombro a ombro para
assumir mutuamente o mesmo emprego braçal. Eles se ocuparão da
tarefa por amor. Esta é uma parte significativa da religião deles, o
novo instinto comovente da natureza divina que os descobriu. Eles
querem gastar suas vidas fazendo o bem. E aqui há uma oportunidade.
Então vê quão úteis serão estes Soldados ao longo do campo de
batalha! [N.T.: no original, for distribution!] Todo Oficial e
Soldado Salvacionista em cada um destes 4.000 centros, espalhados ao
longo de trinta países e colônias estrangeiras, com todos seus
correspondentes, amigos e camaradas que vivem em outros lugares,
estarão na torre de vigia buscando casas e empregos onde mulheres e
homens salvos podem ser fixados vantajosamente, alimentados em vigor
moral, amparados a cada tropeço, e assistidos até o dia em que sejam
capazes de trilhar sozinhos pelos ásperos e escorregadios caminhos
da vida.

Estou, portanto, autorizado a confiar na possibilidade de fazer


grandes coisas. Por mais desesperador que o problema possa ser
considerado, ele deve ser abordado com inteligência e determinação,
e em uma escala que corresponda à magnitude do mal com que temos que
contender.

SEÇÃO 2. -- QUAL O MONTANTE NECESSÁRIO PARA EXECUTAR O PROJETO?


Será necessário uma quantia considerável de dinheiro para inaugurar
este Projeto de uma forma razoável, e alguma renda pode ser
necessária para mantê-lo durante algum tempo, mas, uma vez em
operação, temos boas razões para acreditar que todas suas filiais
serão auto-sustentáveis. Quanto mais ampla for sua área de atuação,
mais completamente poderemos confiar. Naturalmente, o custo do
esforço depende muito de sua magnitude. Quanto maior o mal, maior
será o desembolso. Se o problema é drenar uma horta, é necessário

14
apenas algumas libras, mas se o problema é drenar um escuro e vasto
pântano que se estende por muitas milhas, infestado por todo tipo de
pestilência, criadouro de todo tipo de malária mortal, que se mantém
e se multiplica, então é necessário não apenas uma soma bem
distinta, mas todo um sistema de investimento econômico.

Na medida em que o país gasta algo em torno de Dez Milhões por ano
com a Lei do Pobre e o Alívio Caridoso [N.T.: no original, Poor Law
and Charitable Relief] sem provocar qualquer real derrota ao mal,
duvido que o público não se apresse em prover a décima parte dessa
quantia. Considerando que o dez por cento mais pobre seja composto
por um milhão de pessoas, bastará uma libra por cabeça para cada um
daqueles que buscamos beneficiar, quer dizer, UM MILHÃO DE LIBRAS
ESTERLINAS dará ao presente Projeto uma chance justa de entrar em
operação prática.

O montante arrecadado determinará necessariamente a extensão de


nossas operações. Calculamos cuidadosamente que com cem mil libras o
Projeto pode ser colocado em movimento com sucesso, e pode continuar
sendo executado com um montante anual de #30.000 que representa
cerca de pouco mais de 3% de um orçamento de milhões de libras
esterlinas. Há pessoas sérias querendo arregaçar as mangas para
resolver problemas sérios; e nosso julgamento é baseado, não em
meras idéias, mas no resultado atual de experiências já feitas. É
bom não esquecer que um objetivo tão vasto e desejável não pode ser
contemplado sem um adequado desembolso financeiro. Porém, diante do
argumento de que a subscrição para o empreendimento é bastante
flutuante, uma questão pode ser colocada, «Que fundos adicionais
serão requeridos para uma manutenção eficiente?» Temos resposta a
esta questão. Vamos considerar separadamente os três tipos de
Colônias, entendendo que algumas circunstâncias valem para o todo.

O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA URBANA.


Aqui haverá, naturalmente, um desembolso considerável, necessário à
compra e à devida montagem da propriedade, aquisição de maquinaria,
mobília, ferramentas, enfim, tudo aquilo que é necessário para levar
adiante as mais variadas operações. Uma vez adquirido todo esse
material, nenhum desembolso adicional será mais necessário com
exceção das reparações normais relacionadas à manutenção.

As Casas Populares [N.T.: no original, Homes for the Destitute]


serão em sua maior parte, se não totalmente, auto sustentáveis. Os
moradores das Casas Superiores para Solteiros e Casados não apenas
pagarão por suas moradias, eles pagarão também um pouco de juros da
quantia investida que será dedicado à concretização de outras partes
do Projeto.

Os Refúgios para Meninas Decaídas exigem consideráveis fundos de


manutenção. Mas o público nunca vacilou em expressar na prática sua
solidariedade para com esse tipo de obra.

As Casas de Custódia e Operações de Porta de Cadeia [N.T.: no


original, Criminal Homes and Prison Gate Operations] requerem uma
ajuda continuada, mas não em um patamar muito grande. Todavia, o
trabalho nas Favelas é um tanto quanto caro. Cada uma das oitenta
garotas que no momento estão engajadas nessa área representam um
custo médio de 12s. por semana para despesas pessoais, inclusive
roupas e outras despesas, há despesas relacionadas aos Salões de
Reunião e outras pequenas despesas eventuais que não podem ser
evitadas. Nosso desembolso anual no trabalho nas Favelas perfaz um
total de #4.000. Mas entre as pessoas pobres há aquelas que com seu
trabalho, apesar de sua extrema pobreza, já estão contribuindo com
mais de #1.000 por ano, quantia que tende a aumentar. Através desse
Projeto propomos acrescentar imediatamente mais uma centena de
pessoas àqueles que já estão engajados, será exigido dinheiro para
manter o funcionamento desse esquema.

A Associação Anti-Alcoólica [Inebriate Home], eu calculo, se manterá

15
por si mesma. Todos seus ocupantes terão que se engajar em alguma
ocupação remunerativa, e nós calculamos que, além disso, haverá um
dinheiro extra obtido daqueles que foram indiretamente beneficiados.
Mas para socorrer na prática os meio milhão de escravos da bebida, é
necessário ter dinheiro não apenas para manter nossas operações mas
também para ampliá-las.

Os Restaurantes [N.T.: no original, Food Depots], uma vez em


operação, pagam suas próprias despesas de funcionamento.

A Emigração, Conselho, e o Escritório para Localização de Pessoas


Desaparecidas terão que se manter por si mesmos ou quase. As
Oficinas, Anti-Exploração [N.T.: no original, Labour Shops,
Anti-Sweating], e outras operações semelhantes sem dúvida exigirão
dinheiro para que possam alcançar seus objetivos. Em geral, exigirá
uma soma muito pequena de dinheiro comparado com a imensa quantidade
de bens e serviços que serão produzidos, e às boas coisas
resultantes.

O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA RURAL.


Com relação aos aspectos monetários da Colônia Rural quero fazer
algumas considerações. Aqui também uma certa quantidade de dinheiro
terá que ser gasta ao início; alguns dos itens principais será a
compra de terra, a ereção de edifícios, de setores de manutenção e
armazenagem, e a produção das primeiras colheitas. Atualmente há uma
abundância de terra no mercado, a preços bem reduzidos. É muito
importante para o experimento inicial que a propriedade a ser obtida
não esteja longe de Londres, e que tenha terra boa para cultivo
imediato. Tal propriedade vai além da questão do preço. Depois de um
tempo, eu não tenho nenhuma dúvida, poderemos lidar com terra de
quase qualquer qualidade (e em quase qualquer parte do país), por
causa da superabundância de mão-de-obra disponível. Não há nenhuma
dúvida sobre o sucesso do Projeto, mas as propriedades serão obtidas
em conecção com as grandes cidades. Estou bem animado pela
perspectiva de que uma quantidade suficiente de terra será doada,
ou, de qualquer forma, vendida para nós em condições bem favoráveis.

Quando adquirida e equipada, calculo que essa terra, se devidamente


cultivada [N.T.: no original, cultivated by spade husbandry],
sustentará pelo menos duas pessoas por acre. O testemunho de pessoas
experientes em partilhas de terra indicam que cinco pessoas podem
ser sustentadas com três acres. Mas, mesmo supondo que este cálculo
seja muito pouco otimista, ainda podemos considerar que uma fazenda
de 500 acres sustentará, sem qualquer ajuda externa, digamos, 750
pessoas. Mas, neste Projeto, teremos muitas vantagens não possuídas
pelo camponês simples, como as vantagens resultantes da combinações,
pactos, acordos, do mercado horti-fruti-granjeiro [N.T.: no
original, market gardening], e as outras formas de cultivo já
mencionadas, assim, há a possibilidade de duplicar ou triplicar o
número de pessoas nessa mesma quantidade de terra.

Na pior das hipóteses, a combinação entre Colônias Urbanas e


Colônias Rurais gerará um mercado para uma grande porção de
produtos. Considerando o atual consumo apenas em nossos Restaurantes
e Abrigos em Londres, [N.T.: no original, London Food Depots and
Homes for the Destitute], seriam necessários pelo menos 50 acres
apenas para o cultivo de batatas, e todo Colono adicional seria um
consumidor adicional.

Não haverá nenhum aluguel para pagar, pois propomos obter todos os
direitos sobre a terra. No caso de uma grande procura por terra,
porções adicionais poderiam ser alugadas, com opção de compra.
Naturalmente, a mudança contínua de trabalhadores exercerá um efeito
negativo na rentabilidade do empreendimento. Mas isto será
proporcionalmente benéfico para o país, pois cada pessoa que passa
por uma instituição de crédito representa um a menos na multidão
desamparada.

15
O aluguel de partes, porções, cotas, lotes [N.T.: no original, The
rent of Cottages and Allotments] constitui um retorno pequeno, mas
pelo menos paga o juro do dinheiro investido neles.

O trabalho despendido na Colônia constantemente aumentaria seu valor


monetário. Seriam construídas cabanas, pomares seriam plantados, a
terra seria enriquecida, fábricas seriam erigidas, armazéns
erguidos, enquanto outras melhorias iriam continuamente sendo
feitas. Toda mão-de-obra e uma grande parte de material seria
provida pelos próprios Colonos.

O trabalhador pode eventualmente ser sustentado ao longo destas


ereções e produções, que por si só representa uma soma considerável.
Mas para que isso ocorra é necessário um desembolso inicial. Mas
cada cabana erguida, cada estrada feita, em suma, cada estrutura e
melhoria realizada, constitui uma forma de levar o processo de
regeneração adiante, e em muitos casos espera-se que se torne uma
fonte de renda.

Como os progressos do Projeto, não é irracional esperar que o


Governo, ou algumas das diversas Autoridades Locais, ajudem no
funcionamento de um plano que, de maneira tão destacada, aliviará as
taxas e impostos ou o país.

O salário dos Oficiais, que é bem pequeno, seria de acordo com o que
é determinado pelo Exército de Salvação.

Nenhum salário seria pago a Colonos, como foi descrito, além de


dinheiro para pequenos gastos e uma ninharia por serviço extra.
Embora não se conheça nada que invalide permanentemente o progresso
das Colônias, é justo assumir que haverá um certo número, e também
um resíduo considerável de pessoas naturalmente indolentes, de
mentalidade débil, incapazes de progresso, diante de nós. Ainda,
imagina-se que com a mudança nos hábitos, com a variedade de
emprego, e superintendência cuidadosa, algo pode ser feito de
maneira que essas pessoas possam pelo menos obter seu próprio
sustento, especialmente quando se tem em mente que a menos que
trabalhem, na medida de suas capacidades, eles não podem permanecer
na Colônia.

Se o Projeto de Salvamento Doméstico [N.T.: no original, Household


Salvage Scheme] explicado no Capítulo II, provar o sucesso que
antecipamos, com tudo funcionando de acordo com o previsto, não há
dúvida de que haverá uma grande ajuda financeira ao Projeto como um
todo.

O ASPECTO FINANCEIRO DA COLÔNIA ULTRAMAR.


Vamos agora abordar a Colônia Ultramar, e também considerá-la do
ponto de vista financeiro. Aqui temos que nos ocupar principalmente
com o desembolso preliminar, pois não pudemos nem por um momento
contemplar a possibilidade de buscar ajuda financeira quando o
empreendimento já estiver bem estruturado. A despesa inicial vai,
sem nenhuma dúvida, ser um pouco pesada, mas nada além de uma
quantia razoável.

A terra que precisamos provavelmente seria doada, seja na África, no


Canadá, ou em outro lugar; seja lá como for, ela seria conquistada
da mesma maneira que se conquista um presente.

Uma soma considerável seria certamente necessária para erigir os


primeiros estabelecimentos. Haveria edifícios temporários a erguer,
terra a revolver, colheitas; provisões, instrumentos rurais de
trabalho, mobília para comprar, e outras despesas semelhantes. Mas
isto não seria empreendido em grande escala, na medida em que, até
certo ponto, os sucessivos grupos de Colonos mais ou menos proverão
suas próprias necessidades, urdindo assim sua própria salvação.

Os adiantamentos para passagens, equipamento, e instalações seriam

15
reembolsados pelos Colonos através de prestações, que por seu turno
pagariam o transporte de outros ao mesmo destino.

O custo de passagens e dinheiro de equipamento vai, sem dúvida,


constituir alguma dificuldade. A quantia de #8 por cabeça, digamos,
para a África -- #5 de passagem, e #3 para a viagem pelo país -- é
uma grande soma quando há um considerável número de pessoas
envolvidas; e temo que nenhuma Colônia seria alcançada a uma taxa
mais baixa. E não espero que o Governo possa nos ajudar nesse
sentido.

Abordando a questão por inteiro, abrangendo as três Colônias,


estaremos satisfeitos se a soma alcançada for suficiente para a
operação de uma agência que provavelmente salvará um imenso número
de pessoas da degradação e da imoralidade. Uma soma em torno de
#30.000 será suficiente. Mas supondo que uma quantia muito maior
seja necessária, o que é bem provável, para operações mais avançadas
do que as aqui abordadas, não é irracional esperar obter essa
quantia no futuro, pois a preocupação com o pobre é não apenas um
dever, uma obrigação universal, um princípio radical de toda
religião, é também um instinto humano que provavelmente não será
abolido em nosso tempo. Não nos opomos à caridade em si mesma, mas
ao modo como é ministrada que, em vez de aliviar permanentemente,
apenas desmoraliza e mergulha aqueles que a recebem no fundo do
lodo, e assim derrotam seu próprio propósito.

«O que?» Posso ouvir alguém dizer, «um milhão de libras esterlinas?


Como é que algum homem do lado de fora de um manicômio pode sonhar
em levantar tal soma?» Pare um pouco! Um milhão pode ser muito
dinheiro para pagar um diamante ou um palácio, mas é uma mera
ninharia comparada com as somas que a Inglaterra esbanja sempre que
algum bretão precisa ser liberto, caso seja capturado no
estrangeiro. O Rei de Ashantee capturou alguns súditos britânicos --
nem mesmo de nascimento inglês -- em 1869. John Bull despachou o
General Wolseley com a nata do exército britânico, que esmagou
Koffee Kalkallee, libertou os cativos, incendiou Coomassie, e não
estremeceu com a conta de #750.000. Mas isso foi uma mera ninharia.

Quando o Rei Theodore da Abissínia capturou um par de representantes


britânicos, Lord Napier foi despachado para salvá-los. Ele moveu seu
exército de Magdala, resgatou os prisioneiros, e matou o Rei
Theodore. O custo daquela expedição foi de mais de #9.000.000. A
Campanha egípcia que esmagou os árabes [N.T.: no original, Arabi],
custou quase #5.000.000. A recente investida em direção a Khartoum
que chegou tarde demais para salvar o General Gordon, custou quantia
semelhante. A guerra afegã custou #21.000.000. Quem ousa dizer então
que a Inglaterra não pode prover #1.000.000 para salvamento, não de
um ou dois cativos, mas de um milhão, cuja sina é integralmente tão
dolorosa quanto a dos prisioneiros de reis selvagens, que se
encontram, não na terra do Sudão, ou nos pântanos de Ashantee, ou
nas Montanhas da Lua [N.E.: Mountains of the Moon, uma região
localizada na África], mas aqui mesmo diante de nossas próprias
portas? Não venham me dizer que é impossível levantar esse
#1.000.000. Nada é impossível quando a Inglaterra está determinada a
fazer algo sério. Toda essa conversa de impossibilidade apenas
significa que você não acredita que a nação não tem nenhum desejo de
entrar em uma campanha séria contra o inimigo em nossos portões.

Quando John Bull partiu para a guerra ele não levou em conta as
despesas. E quem ousa negar que chegou o momento de fazer uma
declaração de guerra contra os Males Sociais que parecem ter
expulsado Deus para fora deste nosso mundo?

SEÇÃO 3. -- ALGUMAS VANTAGENS EVIDENTES.


Este Projeto abarca todo proletário, [N.T.: no original, all kinds
and classes of men who may be in destitute circumstances]
independente de seu caráter ou conduta, e se encarrega de provê-lo
imediatamente de suas necessidades temporais; e colocá-lo em uma

15
posição permanente de relativo conforto, a única condição exigida é
que o receptor desse benefício tenha vontade de trabalhar e de agir
de acordo com a disciplina [N.E.: aqui vemos uma variação da máxima
comunalista de «dar a cada um conforme sua necessidade e exigir de
cada um conforme sua capacidade»].

No princípio, poderemos estabelecer alguns limites com respeito a


idade e doença, esperamos, quando o Projeto estiver razoavelmente
funcionando, poder dispensar até mesmo estas restrições, e receber
qualquer indivíduo infeliz que tem apenas sua miséria como
credencial ou o desejo sincero de sair dessa condição.

É bom destacar que, neste aspecto, esse Projeto é superior [N.T.:


stands head and shoulders above] a qualquer outro anteriormente
apresentado, pois quase todas aquelas propostas e expedientes
caridosos se revelaram mais ou menos absolutamente incapazes de
beneficiar pessoas fora do conceito de trabalhador «decente».

Este Projeto busca por todo tipo de agências, maravilhosamente


adaptadas para a tarefa, contemplar o bem-estar das classes
proletárias, e, por variadas medidas e motivos adaptar-se às suas
circunstâncias e inspirá-las a aceitar os benefícios oferecidos.

Nosso Plano não pretende outra coisa senão revolucionar o caráter


daqueles cujas faltas, defeitos, imperfeições, falhas, erros,
enganos, deslizes, omissões, negligências, transgressões, descuidos,
são a razão de sua destituição. Temos observado que em cinqüenta por
cento dos casos a má conduta é a causa da miséria deles. Para parar
com esses males é necessário nada menos que uma real mudança do
coração, caso contrário o fracasso é inevitável. Mas temos muito
ânimo para efetuar tal coisa -- de uma forma ou de outra, na grande
maioria dos casos -- pelo argumento e pela persuasão, pelas
vantagens terrestres e celestes, pelo poder humano e pelo poder
divino.

Por este Projeto qualquer homem, não importa quão profundamente


esteja mergulhado na lama, sem auto-estima, sem amor-próprio, pode
reentrar novamente na vida, desde que restabeleça o caráter que
perdeu, ou mesmo encontre o caráter que nunca teve, obtendo acesso a
um emprego decente, e o direito de ser aceito na Sociedade como um
cidadão de bem. Enquanto muitos desta multidão carecem absolutamente
de um amigo decente, outros, do alto da respeitabilidade que algum
dia tiveram, tem algum parente, ou amigo, ou empregador, que
ocasionalmente pensa neles, basta uma real e prodigiosa mudança e
haverá não apenas disposição, mas também satisfação em ajudá-los
mais uma vez.

Por este Projeto, acreditamos poder ensinar hábitos de economia,


administração doméstica, cuidado com o dinheiro, e coisas assim. Há
inúmeros homens que, embora sofrendo a angústia mais medonha da
pobreza, sabem pouco ou nada sobre o valor do dinheiro, ou de seu
uso prudente; e há centenas de mulheres pobres que não sabem o que é
uma casa decentemente administrada, e se jamais tiverem os mais
amplos meios dificilmente conseguirão fazer isso mesmo que tentem,
refiro-me a mulheres que nunca viram outra coisa na história de suas
casas a não ser sujeira, desordem, e miséria. Elas jamais
conseguiriam preparar um jantar ou uma refeição decente se as vidas
delas dependesse disto, pois nunca tiveram uma chance de aprender a
fazer estas coisas. Mas por este Projeto há como ensinar tudo isso.

Por este Plano, serão criados hábitos de limpeza, e será dado um


pouco de conhecimento de questões sanitárias em geral. Este Projeto
muda as circunstâncias desses cuja pobreza é causada pelo
infortúnio. Para começar, encontraremos trabalho para o
desempregado. Esta é a necessidade principal. O grande problema que
há muito vem confundindo os cérebros dos economistas políticos e
filantropos tem sido «Como podemos gerar emprego para estas
pessoas?» Não importa que outras formas de auxílio sejam

15
descobertas, sem trabalho não há nenhuma base real para ânimo. A
caridade e todos os outros dez mil dispositivos são apenas
expedientes temporários, completamente insuficientes para suprir a
necessidade. O trabalho, aparte do fato dele ser o método de Deus de
prover os múltiplos desejos da natureza humana é, em todos os
sentidos, essencial ao seu bem-estar -- e neste Plano há trabalho,
trabalho honrado -- não o desmoralizante trabalho forçado, [N.T.: no
original, stone-breaking, or oakum-picking business] um negócio que
atormenta e insulta a pobreza. Todo trabalhador sentirá que ele
ocupa seu tempo não apenas em seu próprio benefício, qualquer
vantagem colhida em torno de sua atividade também servirá para
erguer algum outro pobre infeliz para fora da sarjeta.

Haveria trabalho para todo tipo de habilidade. Cada dom poderia ser
empregado. Por exemplo, leve cinco pessoas para a Fazenda --
padeiro, alfaiate, sapateiro, cozinheiro, e um agricultor. O padeiro
faria pão para todos, todos os artigos de vestuário ficariam aos
cuidados do alfaiate, os sapatos com o sapateiro, o cozinheiro
cozinharia para todos, e o agricultor plantaria para todos. Esses
que sabem fazer qualquer coisa que seria útil aos habitantes da
Colônia serão colocados para fazê-lo, e a esses que não sabem fazer
qualquer atividade ou profissão serão ensinados em uma.

Este Projeto remove as classes criminosas e viciosas para fora da


esfera de tentações que os fizeram desabar no passado. Nossa
experiência mostrará que quando você produz -- pela graça Divina,
pelas vantagens de uma boa vida, ou pelas desvantagens de uma vida
ruim -- circunstâncias, condições, situações favoráveis, os homens
como os descritos resolvem virar uma nova página em suas vidas. As
tentações e dificuldades com as quais eles se deparam e que
ordinariamente os dominam dificilmente serão desfeitas e superadas,
se eles continuam cercados pelos velhos companheiros, enganados,
fascinados, encantados, seduzidos, atraídos e engodados pelo pecado.

Agora, olhe para a natureza das tentações que esta classe tem que
enfrentar. O que é que conduz pessoas de todas as classes, ricos
como também pobres, a fazer coisas erradas? Não é o desejo de pecar.
Eles não querem pecar; muitos deles nem mesmo sabem o que é pecado,
mas eles têm certos apetites ou preferências naturais, tem prazeres,
deleites dos quais se agradam, e quando o desejo pela satisfação
ilícita é despertada, sem consideração ou respeito à vontade de
Deus, aos seus próprios interesses mais elevados, ou ao bem-estar
dos seus companheiros, eles são levados de arrasto; apesar de todas
as boas resoluções feitas no passado. Aí vem a aflição.

Por exemplo, olhe para a tentação que tem a ver com o apetite
natural da fome. Eis aqui um homem que esteve em uma reunião
religiosa, ou recebeu algum bom conselho, ou talvez tenha há pouco
saído da prisão, com as recordações dos sofrimentos que sofreu ainda
frescos em seu corpo e em sua mente, ou com o conselho do capelão
tilintando em seus ouvidos. Ele decidiu não roubar nunca mais, mas
ele não tem nenhum meio de sustento. Ele sente fome. O que ele faz?
Ele é tentado por um pedaço de pão, ou mais provavelmente, por uma
corrente de ouro que ele pode transformar em pão. Começa uma luta
dentro dele, ele tenta esquecer estas idéias, mas seu estômago
ronca, e pode ser que também haja esposa e crianças famintas como
ele; assim ele cai em tentação, leva a corrente, e a polícia por seu
turno o leva.

Agora, este homem não quer ser mau, muito menos ir para a prisão. De
um modo sincero, sonhador, ele deseja ser bom, e se o caminho fosse
mais fácil, ele provavelmente o trilharia.

Novamente há o apetite para a bebida. Aquele homem não tem nenhum


pensamento pecaminoso quando leva o primeiro copo à sua boca. Muito
menos quer se embriagar. Ele ainda pode ter uma lembrança vívida das
conseqüências desagradáveis que se seguiram à última farra que
participou, mas ele tem vontade de beber; o bar está bem ali

15
pertinho; os companheiros dele o estimulam; e ele se rende, e cai, e
talvez caia para nunca mais se levantar.

Nós poderíamos discorrer longamente sobre essas coisas, mas nosso


Projeto propõe afastar o pobre escravo imediatamente dos bares, da
bebida, e dos companheiros que o estimulam a beber, e assim
acreditamos que as chances de recuperação são de longe bem maiores.
Então achamos que os grandes beneficiários deste Projeto serão as
crianças, na medida em que as tiramos das favelas, dos miseráveis
barracos, e dos ambientes imundos nas quais eles estão sendo criados
para indescritíveis vidas de abominação, e as colocamos no campo,
para correr entre as árvores verdes e morar em cabanas onde eles
poderão crescer e ter uma chance de salvar corpo e alma.

Pense novamente na mudança que este Projeto trará a estas pobres


criaturas retirando-as de seus ambientes depressivos,
desmoralizantes, pouco apresentáveis, de seus imundos cômodos onde
se amontoam, retirando-as para um ar puro, para um lugar onde possam
ver e ouvir a natureza. Há muita conversa sobre a influência
benéfica dos quadros, da música e da literatura nas multidões.

Dinheiro está sendo vertido como água, para prover tais atrações em
Museus, Palácios do Povo, e coisas assim, para a edificação e
melhoria da condição social das massas. Mas «Deus fez o campo, o
homem fez a cidade», e se nós levamos as pessoas aos quadros de
fabricação divina, esse deve ser um plano de qualidade superior.

Novamente, o Projeto é capaz de aplicação ilimitada. O curativo deve


ser tão grande quanto a ferida. A ferida é certamente bem extensa, e
à primeira vista parece quase ridículo qualquer iniciativa privada
tentar lidar com ela. Três milhões de pessoas, vivendo numa
ambiência de perpétua miséria têm que ser alcançadas e salvas desta
condição terrível. Isso pode ser feito, e este Projeto fará isto, se
tiver uma chance justa. Tudo de uma vez? Não! É bom que fique claro
que levará tempo, mas uma vez iniciado fará uma diferença nas
massas, imediatamente. Dentro de um período mensurável poderemos
tirar deste mar imundo pelo menos cem indivíduos por semana, e não
há nenhuma razão pela qual este número não tenda a aumentar.

Um apreciável efeito neste golfo de miséria seria imediatamente


notado, não só entre os salvos de suas águas medonhas, mas entre
aqueles que ficaram para trás, na medida em que para cada cem
indivíduos removidos, fica algum trabalho que eles executavam
disponível aos remanescentes. Poderá não ser muita coisa, mas mesmo
assim deverá ser levado em consideração. Suponhamos três
carpinteiros passando fome em um emprego que cobre um terço do tempo
deles, se dois forem removidos, o remanescente terá emprego em tempo
integral. Isto é para dar uma idéia ao público contribuinte da
extensão de nossas operações.

Os benefícios resultantes por este Projeto serão permanentes e


duradouros. Será patente que não tratamos aqui de nenhum expediente
temporário, como, ai! foi o caso de quase todo esforço feito até
aqui em nome destas classes. Frentes de Trabalho, Sopões, Pesquisas
de Caráter, Esquemas de Emigração, nada disso ajudará. A caridade em
suas cem formas, as Custódias Casuais, o Sindicato, e uma centena
cem outras Panacéias podem servir por um momento, mas tudo isso não
passa de paliativo. Mas este Projeto, eu digo sem pestanejar,
oferece um remédio significativo e permanente.

Socorrendo uma seção da comunidade, nosso plano não envolve nenhuma


interferência com o bem-estar de qualquer outra. (Veja Capítulo VII.
Seção 4, «Objeções».)

Para este Projeto não há barreira que não possa ser superada por uma
vida industriosa e religiosa. Este Projeto não apenas conduz
multidões perdidas para fora da «Cidade da Destruição» em direção à
Canaã da abundância, como também as eleva ao patamar do mais

15
favorável privilegio do gênero humano, afiançando a salvação de suas
almas.

Olhe para as circunstâncias das centenas, das milhares de classes


proletárias [N.T.: no original, of the classes of whom we are
speaking]. Do berço à sepultura, tudo que diz respeito à influência
exercida pela Convicção Religiosa pode ser resumido em apenas uma
frase, «É mais fácil ser ateu» [N.T.: no original, «Atheism made
easy»]. Vamos imaginar que este seja o caso dos leitores. Qual a
possibilidade de, sob tais circunstâncias, deixar de urdir algumas
dúvidas sérias sobre a existência de um Deus benevolente que permite
suas criaturas passar fome? Que não se preocupa com as misérias
temporais de sua criação? Que Deus é esse que não tem nenhum coração
para com essa vida? Se é assim porque nos preocuparmos com a
próxima?

Tome um homem, faminto, com frio, que não sabe quando será sua
próxima refeição; ou melhor, talvez nem haja uma próxima refeição.

Tudo que ele pensa diz respeito ao pão necessário ao seu corpo. Tudo
que ele quer é um jantar. Os interesses de sua alma têm que esperar.

Tome uma mulher com uma família faminta que sabe que segunda-feira
tem que pagar o aluguel, se não pagar ela e seus filhos vão ser
jogados na rua, ela vai perder as poucas coisas que tem. No momento
presente ela não tem o dinheiro. Qual será o provável pensamento
dela quando passa desapercebida por uma Igreja, Salão Missionário,
ou Corpo do Exército de Salvação?

Eu tive um pouco de experiência neste assunto, e tenho ponderado a


esse respeito desde o dia em que fiz minha primeira tentativa de
alcançar pessoas passando privações, famintos, multidões -- isso foi
a quarenta e cinco anos atrás -- e não é de admirar que tais
multidões não sejam salvas nas presentes circunstâncias. Todos os
Clérigos. Núcleos Missionários, Núcleos de Assistência, Visitantes
de Doentes, e todos os demais que se preocupam com a Salvação do
pobre, podem confirmar isso. Se estas pessoas acreditarem em Jesus
Cristo, tornarem-se Servos de Deus, e escaparem das misérias
consequentes das más ações, [N.T.: no original, miseries of the
wrath to come] elas devem ser ajudadas a sair de suas atuais
misérias sociais. Elas devem ser postas numa situação na qual possam
trabalhar e possam comer, numa situação com uma moradia decente para
viver e dormir dentro dela, numa situação onde possam ver alguma
outra coisa além do longo, cansativo, monótono, triturante circuito
de trabalho, na ânsia da preocupação de manter vivos aqueles que
amam, alguma coisa diferente do Hospital, do Sindicato, ou do
Hospício. Se os Trabalhadores Cristãos e Filantropos unissem suas
mãos para efetuar e concretizar esta mudança, o povo se levantará e
os abençoará, e serão salvos; se tudo continuar como está, o povo os
amaldiçoará e perecerá.

SEÇÃO 4. -- ALGUMAS POSSÍVEIS OBJEÇÕES.


Objeções devem surgir. Elas sempre surgem com respeito a qualquer
Projeto que ainda não foi concretizado na prática, e simplesmente
significam que o Projeto vai encontrar obstáculos pelo caminho
[N.T.: no original, simply signify foreseen difficulties in the
working of it]. Admitimos abertamente que há abundantes dificuldades
relacionadas ao custo do plano, se ele vai funcionar adequada e
prosperamente da forma como foi colocado. [N.T.: no original, we
freely admit that there are abundance of difficulties in the way of
working out the plan smoothly and successfully that has been laid
down] Mas muitos destes obstáculos que imaginamos desaparecerão
quando vermos os primeiros resultados [N.T.: no original, But many
of these we imagine will vanish when we come to close quarters], o
resto será sobrepujado pela coragem e paciência. Porém, para que
este plano prove o sucesso previsto, ele precisa revolucionar a
situação dos setores famintos da Sociedade, não só nesta grande
metrópole, mas, eventualmente, ao longo de toda gama da civilização.

15
Devemos pois ser merecedores não apenas de uma cuidadosa
consideração mas de um perseverante auxílio.

Algumas destas dificuldades parecem bem sérias à primeira vista.


Vamos olhar para elas.

Objeção I. -- É sugerido que o tipo de gente para o qual o Projeto


foi desenhado não vai se envolver.

Quando o banquete foi preparado e o convite distribuído, disseram


que as multidões famintas não viriam; que embora houvesse trabalho
na Cidade, ou que haveria trabalho na Fazenda, as multidões iriam
preferir apodrecer em suas presentes misérias do que tirar proveito
do benefício oferecido.

Para colher as opiniões das pessoas mais aflitas, consultamos uma


noite, por um Censo em nosso Abrigo Londrino, duzentos e cinqüenta
homens sem trabalho, todos eles sofrendo severamente as
conseqüências do desemprego. Fizemos uma série de perguntas, e
processamos todas as respostas. Agora, devemos destacar que aqueles
homens estavam totalmente a vontade em suas respostas aos nossos
pesquisadores, nem por um momento foram obrigados a responder
favoravelmente ao nosso plano, o qual, diga-se de passagem, quase
nada conheciam.

Daqueles duzentos e cinqüenta homens, em sua maior parte no primor


da vida, muitos deles eram trabalhadores qualificados; um exame no
resultado da pesquisa revelou que duzentos e sete poderiam trabalhar
em suas próprias profissões se tivessem uma oportunidade.

O número de profissões era naturalmente variado. Havia de todo tipo:


Engenheiros, Alfaiates, Professores, Relojoeiros, Marinheiros,
homens com experiência nos diversos ofícios no ramo da Construção; e
também vários homens que trabalharam em seus próprios
estabelecimentos.

A média salarial dos mecânicos qualificados quando regularmente


empregados era de 33s. por semana; e o dinheiro ganho por um não
qualificado girava em torno de 22s. por semana.

Eles não poderiam ser considerados preguiçosos, a maioria deles;


quando não empregados na profissão ou ocupação deles, provavam sua
vontade de trabalhar aceitando qualquer emprego que aparecesse.
Examinando essa lista descobrimos um ex-Administrador Alfandegário
até recentemente trabalhando como Auxiliar de Carpinteiro; um
Tipógrago se contentou em trabalhar como Limpador de Chaminé; e um
Professor, capaz falar cinco idiomas, e que em seus bons momentos
tinha possuído uma fazenda, se contentou fazendo biscates como
Servente de Pedreiro; ou Cuidando de Cavalos, e que certa vez quando
ganhava #5 por semana desceu tanto em seu padrão de vida que
agradeceria se conseguisse trabalhar carregando cartazes nas costas
[N.T.: no original, Sandwich man] pela magnífica soma de quatorze
pences por dia, nem que fosse apenas de vez em quando.

Nessa lista havia um tintureiro e um faxineiro com sua esposa e nove


filhos que poderiam ganhar cerca de 40s. por semana, mas que não
conseguiram nenhum trabalho regular por três anos nos últimos dez.

Colocamos uma questão nos seguintes termos: -- «Se você fosse posto
em uma fazenda, e colocado para trabalhar em qualquer coisa que você
pudesse fazer, e fosse provido de comida, alojamento, roupa, com uma
perspectiva de caminhar pelos seus próprios pés sem depender de
ninguém, você estaria disposto a fazer tudo que pode?»

Em resposta, todos os 250 responderam no afirmativo. Houve apenas


uma exceção, que verificamos tratar-se de um rapaz que, sendo
marinheiro, temia não saber como poderia ser aproveitado.

15
Ao serem interrogados sobre o desejo deles de trabalhar duro na
terra, eles responderam: «Por que não? Olhe para nós. Pode haver
alguma situação mais miserável que a nossa?» Por que não? Basta
olhar de relance para aquela gente para concluir que é difícil
encontrar alguma razão racional para uma recusa -- em trapos,
enxameados de piolhos, famintos, muitos deles vivem de restos de
comida, mendigando ou roubando, sem roupa suficiente para cobrir
seus pobres esqueletos, a maioria deles não tem nem mesmo uma
camisa. Toda manhã é a mesma sina, não sabem o que fazer para
conseguir alimento, ou os quatro pences necessários para dispor
novamente do humilde abrigo que desfrutaram naquela noite. A idéia
de recusar um emprego que cobriria as necessidades de uma vida
abundante, e abriria a perspectiva de se tornar, no decorrer do
tempo, proprietário de uma casa, com seus confortos e companhias, é
inconcebível. Não há dúvida que esta classe não apenas aceitará o
Projeto que queremos apresentar para elas, como também ficarão
imensamente gratos em fazer tudo que estiver ao seu alcance para que
tenha sucesso.

II. -- Viria gente demais. E isto é bem provável. Haveria certamente


muitos. Mas não deveríamos sentir nenhuma obrigação de levar mais
que o conveniente. Quanto maior o número de aplicações mais largo o
campo de seleção, e maior a necessidade de ampliar nossas operações.

III. -- Eles viriam mas com o tempo desistiriam. Objeta-se que


mesmo que venham, a monotonia da vida, a estranheza do trabalho,
junto com a ausência da excitação e da diversão que os entretinham
nos bairros e nas cidades, tornaria a existência deles insuportável.
Mesmo vivendo nas ruas, há uma certa quantidade de vida e de ação na
cidade que é muito atraente. Indubitavelmente alguns cairiam fora,
mas eu não acho que seria uma grande proporção. A mudança seria tão
grande, e tão palpavelmente vantajosa, que eu acho que eles achariam
nisto ampla compensação para a privação de alguma excitação
prazerosa deixada para trás na cidade. Por exemplo, haveria --

Alimento Suficiente. A amizade e a simpatia de seus novos


companheiros. Haveria abundância de camaradas de semelhantes
preferências e situações -- sem ranço religioso. Seria totalmente
diferente de ir sem qualquer respaldo para uma fazenda, ou para uma
família triste.

Então haveria a perspectiva de um benefício para eles no futuro,


junto com toda vida religiosa, reuniões, música, e liberdade do
Exército de Salvação.

Mas o que diz nossa experiência?

Há uma classe que é o desespero do reformador social, uma classe que


é descrita das mais variadas formas, mas que podemos dar um termo,
as mulheres perdidas de nossas ruas. Do ponto de vista do
organizador industrioso, essa classe sofre da maior privação
material, quase total, que um ser humano pode alcançar. Ela é, com
algumas exceções, destreinada na labuta, desmoralizada por uma vida
de deboche, acostumada à selvageria mais licenciosa, avessa a toda a
disciplina, sujeita à fome, determinada a beber, e, em sua maior
parte, doente. Então, se um número considerável de pessoas desta
classe pode prontificar-se e submeter-se voluntariamente à
disciplina, suportar a privação da bebida, e aplicar-se
continuamente à labuta, então haverá um grande exemplo para provar
que mesmo esse pior quadro de humanidade, se inteligentemente
conduzido, completamente controlado, e sujeito à disciplina,
funcionará. Em nossas Casas de Resgate Britânicas recebemos mais de
mil desafortunadas a cada ano; enquanto que no mundo inteiro, nossa
média anual está em dois mil. O trabalho está em operação há três
anos -- um tempo suficientemente longo para nos permitir testar a
capacidade dessa classe, em termos completos, no que diz respeito à
possibilidade de transformação.

15
Conosco não há nada compulsório. Se qualquer menina desejar
permanecer, ela permanece. Se ela desejar ir, ela vai. Ninguém é
forçado a permanecer um minuto a mais do que deseja. Mas mesmo assim
nossa experiência mostra que, como regra, elas não vão embora. Mesmo
sendo bem mais inquietas, imprudentes e determinadas a mudar
(enquanto classe) do que os homens, quando as meninas aderem a essa
batalha, um número considerável delas dificilmente deserta. A média
de nossas Casas de Londres, durante os últimos três anos, abarcou
apenas 14 por cento delas, conforme elas mesmas dizem, enquanto que
durante o ano de 1889 eram apenas 5 por cento. E o número total
daquelas que partiram ou foram recusadas durante aquele ano, chega a
apenas 13 por cento do total.

IV. -- Eles não trabalhariam. Naturalmente, para quem durante anos a


fio conduziu uma vida improdutiva, qualquer coisa parecida com labor
e trabalho duro seria bem árduo e penoso, e muita paciência e
persuasão poderiam ser requeridos para colocá-los nos trilhos.

Talvez alguns estejam desesperadamente além de salvação neste


respeito, e, até que o tempo da salvação chegue, se chegar, quando o
Governo reconhecer como criminoso deixar um homem capacitado para o
trabalho implorar por uma oportunidade de trabalho remunerado, esta
classe afligirá um grande número de pessoas. Porém, basta espalhar
que há trabalho para quem quiser, para que aqueles homens e mulheres
que se mantiveram deliberadamente em inatividade saiam dessa
situação. E quando surgir esse gargalo de que um homem não pode
comer sem trabalhar, entre passar fome e trabalhar ele escolherá
trabalhar, por mais desagradável que seja, por causa da fome.

Devemos ter em mente que a penalidade de certas expulsões, muitas


vezes mal compreendida, exerce uma boa influência induzindo o
preguiçoso a dar ao trabalho o seu devido valor, por isso não há
razão para desânimo em conquistar aqueles que são completamente
avessos ao trabalho, é perfeitamente possível transformar vadios
preguiçosos em sócios realmente produtivos da Sociedade.

Qualquer um que teme este ponto pode ser encorajado a comparar


nossos variados e sempre renovados métodos de trabalho, com os
monótonos e desinteressantes empregos ordinários dos pobres, e as
circunstâncias que os rodeiam.

Aqui, novamente, retornarmos à nossa atual experiência no trabalho


de recuperação. Em nossas Casas de Resgate de Mulheres Perdidas não
temos nenhuma dificuldade em conseguir que elas trabalhem. A
inatividade desta seção dos diversos estratos sociais já foi
abordada anteriormente; é inegável e inquestionável que a
inatividade delas é a causa de grande parte de sua pobreza e
angústia. Mas desde o amanhecer até o romper da noite, em nossas
Casas, todas fazem parte de um círculo de ocupação, em grande parte,
muito desinteressante; mesmo tendo, com um estímulo humano, apenas
serviço doméstico pela frente -- do qual elas não são de nenhuma
maneira particularmente apaixonadas -- ainda assim não há qualquer
motim, qualquer objeção, qualquer repugnância ao trabalho; na
realidade elas parecem bem contentes em ser continuamente
estimuladas. Eis aqui um relatório que ensina a mesma lição.

Uma pequena Fábrica de Encadernação funciona em conecção com as


Casas de Resgate em Londres. Boa parte do serviço é feito por
meninas resgatadas das ruas, as quais, por várias razões, foram
consideradas inaptas ao serviço doméstico. A Fábrica resolveu o
problema de emprego para alguns dos casos mais difíceis. Duas das
meninas que no momento trabalham ali são deficientes, enquanto uma
terceira mantém a si e aos seus dois filhos.

Enquanto aprendizes elas vivem nas Casas de Resgate, e são


sustentadas pelos fundos da Casa. Tão logo conseguem ganhar 12s. por
semana, um alojamento é fornecido a elas (com Salvacionistas, se

16
possível), e elas passam a ser completamente mantidas pelos seus
próprios recursos. A maioria de nossas meninas que trabalham em
Londres, vivem em família, e os 6s., 7s., e 8s. por semana
constituem uma aceitável adição à renda da Casa; mas para serem
totalmente dependentes de seus próprios salários têm que receber
pelo menos 12s. por semana. Para que isso ocorra temos que pagar
salários mais altos que outros empregadores. Por exemplo, pagamos de
2 1/2d. a 3d. a mais que o mercado paga pela encadernação de
pequenos livros; não obstante, depois de pagar o salário do Gerente,
um homem casado, e do superintendente das máquinas, ainda há um
lucro de cerca de #500. O trabalho está melhorando. Todo trabalho é
feito por encomenda.
Dezoito mulheres se sustentam deste modo no momento, e estão se
dando muito bem. Algumas delas atuam como contramestre, e ministram
a Reunião de Oração às 12.30 hs., os Dois Minutos de Oração após as
refeições, etc.. A permanência delas na fábrica está condicionada ao
bom comportamento delas -- tanto em casa como no trabalho. Tivemos
alguma dificuldade com uma garota, mas mesmo nesse caso solitário a
menina arrependeu-se e foi perdoada, e está bem desde então. Eu acho
que, sem exceção, elas são Soldadas Salvacionistas, e freqüentam
quase todas as reuniões no Domingo, etc.. As encadernações das
publicações do Exército de Salvação -- «O Libertador», «Todo Mundo»,
o Pequeno Cancioneiro, etc., são quase todas feitas por nós mesmos.

Um pequeno trabalho para fora é executado todo fim de mês, mas que
geralmente não dá lucro nenhum, pagam muito mal.

Dá para ver que trata-se de uma fábrica em miniatura, mas mesmo


assim é uma fábrica, e uma fábrica que funciona em bases que admitem
um crescimento ilimitado, e que pode, eu acho, ser perfeitamente
considerada como um encorajamento e um exemplo do que pode ser
realizado, com infinitas variações.

V. -- Novamente, pode ser objetado que a classe cujo benefício


contemplamos não teria preparo físico para trabalhar em uma fazenda,
ou ao ar livre.

Como é que, questionam, alfaiates, balconistas, tecelões,


costureiras, e pessoas pobres, nascidas e criadas em favelas e
barracos das cidades e bairros pobres, poderão fazer qualquer
trabalho relacionado com a terra? O trabalho ao ar livre, a
exposição a todo tipo de tempo, irá matá-los imediatamente.

A isso respondemos que a divisão de trabalho anteriormente descrita


torna isto desnecessário, indesejável e antieconômico, não há
qualquer necessidade de colocar muitas destas pessoas revolvendo a
terra ou plantando. Nem faz parte de nossos planos fazer isso. Em
nosso Projeto mostramos que cada um seria designado a fazer aquele
tipo de trabalho que já conhece, que é física e intelectualmente
capaz de fazer, e ao qual melhor se adapta. Além disso, não pode
haver nenhuma possível comparação entre as condições de saúde
desfrutadas por homens e mulheres sem-teto que vagam pelas ruas,
dormindo nas praças ou debaixo das pontes, vivendo amontoadas em um
único cômodo, trabalhando de doze a quatorze horas em antros de
exploração [N.T.: no original, sweater's den. Uma antiga versão do
moderno sweatshop, aquele estabelecimento escravizante em que os
empregados trabalham longas horas a salários de fome, além de outras
más condições de higiene e trabalho], e as condições daqueles que
vivem em relativo conforto em casas bem aquecidas e ventiladas, bem
espaçadas entre si, com abundância de bens, com muito ar livre e
comida saudável.

Leve um homem ou uma mulher ao ar livre, dê-lhe exercício


apropriado, e alimento adequado. Propicie a eles uma casa
confortável, companheiros alegres, e uma perspectiva justa de
alcançar uma posição de independência nesta ou em alguma outra
terra. Uma renovação completa na saúde e um aumento no vigor será,

16
esperamos, um dos primeiros grandes benefícios resultantes.

VI. -- Há quem possa objetar que estaremos diante de um considerável


amontoado de pessoas abobalhadas, desamparadas.

Indubitavelmente as dificuldades são reais, e deveríamos estar


preparados para o que der e vier. Nós certamente, ao início,
deveríamos estar atentos com muitos daqueles que caem em nossas
mãos, e não deveríamos ser compelidos a sustentar qualquer um deles.
É sempre doloroso ter que mandá-los de volta à vida terrível da qual
foram resgatados. Porém, mesmo assim isso não seria tão ruinoso, do
ponto de vista financeiro, como alguns poderiam imaginar. Podemos,
acreditamos, mantê-los a 4s. por semana, e realmente teriam que ser
muito fracos no corpo, e na mente, para não angariar esse montante
em algumas nas muitas formas de trabalho que a Colônia
disponibilizaria a eles.

VII. -- Novamente, poderão refutar que alguns esforços de caráter


semelhante falharam. Por exemplo, os empreendimentos cooperativos
agrícolas que não tiveram sucesso.

Verdadeiramente, tanto quanto pude averiguar, nunca nenhum


empreendimento do caráter que aqui descrevemos, jamais foi tentado.
Um grande número de comunidades Socialistas erigidas fracassaram nos
Estados Unidos, Alemanha e outros lugares, mas elas tinham tudo,
tanto no princípio como na prática, notavelmente parecido com o que
estamos propondo aqui. Com exceção de apenas um particular. Grande
parte destas sociedades não somente não tiveram qualquer
consideração com os princípios do Cristianismo, como também, na
vasta maioria dos exemplos, se colocaram diretamente contra.
Resultado, as únicas comunidades baseadas em princípios de cooperação
que sobreviveram aos primeiros meses de existência foram justamente
aquelas baseadas na verdade Cristã. Se essas comunidades vitoriosas
não tiveram o mais absoluto sucesso, tiveram pelo menos um excelente
resultado, obtido por esforços ligados à natureza de algumas coisas
que proponho aqui. (Conheça detalhes sobre Ralahine, descritos no
Apêndice.)

VIII. -- Há quem diga que seria impossível manter a ordem e


estabelecer uma boa disciplina nesta classe de pessoas.

Nossa idéia é totalmente oposta. Nós não achamos, temos a mais


absoluta certeza disto, e nós falamos de cima da considerável
experiência daqueles que lidam com as mais baixas classes da
Sociedade. Nós já lidamos com esta dificuldade. E poderemos lidar
com ela no presente e no futuro --

Nossa proposta não é botar mil pessoas em um lugar selvagem,


indomado, nem aqui nem no estrangeiro. Para a Colônia Ultramar
deveríamos enviar apenas aqueles que tiveram um longo período de
treinamento neste país. Os candidatos ao envio para a Fazenda
Provinciana deveriam ter alguma experiência nos diferentes
Estabelecimentos da Cidade. Deveríamos projetar a Propriedade para
receber um pequeno número de pessoas, as quais estamos preparados
para lidar, e eu não tenho dúvida alguma de que mesmo sem os métodos
legais de manutenção da ordem livremente aplicados em casas
correcionais e outras instituições similares, teremos uma obediência
perfeita à Lei, um grande respeito à autoridade, e um forte espírito
de bondade permeando todos os níveis ao longo de toda comunidade,
mais do que poderia ser encontrado em qualquer outra instituição na
terra.

É necessário ter em mente que nosso Sistema Militar de governo nos


qualifica grandemente para esta tarefa. De qualquer maneira, nos dá
um bom começo. Toda nossa gente é treinada em hábitos de obediência,
e todos nossos Oficiais são educados no exercício da autoridade. Os
Oficiais pelas Colônias seriam recrutados exclusivamente das
fileiras do Exército, e todo mundo iria para o trabalho, em termos

16
práticos e teóricos, familiarizados com os princípios que são a
essência da boa disciplina.

Então podemos argumentar, e com fortes argumentos, de cima da


experiência real que tivemos na lida com esta classe. Tomemos como
experiência o próprio Exército de Salvação. Observe a disciplina de
nossos Soldados. Aqui estão homens e mulheres que, sem ter nenhum
interesse temporal em jogo, sem receber qualquer remuneração,
freqüentemente sacrificam seus interesses terrestres para estar
conosco. Veja como eles são alinhados, e obedecem prontamente às
ordens, até mesmo quando tais ordens contrariam alguns interesses
temporais deles.

«Sim», responderão alguns, «mas isto funciona muito bem com relação
àqueles que estão completamente de acordo com seu modo de pensar.
Você pode comandá-los como quiser, e eles obedecerão, mas como é que
você pode provar sua habilidade no controle e na disciplina daqueles
que não pensam como você?»

«Você pode fazer isso com seus Salvacionistas porque eles são
salvos, como você diz. Quando os homens nascem novamente você pode
fazer qualquer coisa junto com eles. Mas a menos que você converta
todos os habitantes da Tenebrosa Inglaterra, que chance haverá deles
serem dóceis à sua disciplina? Se eles não fossem profundamente
salvos, não tenho nenhuma dúvida de que algo poderia ser feito. Mas
se eles não são salvos, estão perdidos. Como posso acreditar que
eles se sujeitarão à disciplina?»

Eu admito a força desta objeção; mas eu tenho uma resposta, e uma


resposta que parece a mim completa. Uma disciplina, e do tipo mais
impiedoso, está sendo imposta a multidões de pessoas neste momento.
Nada, nem mesmo a mais rígida disciplina industriosa em seu
absolutismo pode, nem por um momento, comparar-se com a escravidão
forçada em que empregados, dia após dia, trabalham longas horas a
salários de fome, além de outras más condições de higiene e
trabalho. Não é uma escolha entre a liberdade e a disciplina que
confronta estes desafortunados, mas entre disciplina impiedosamente
obrigada pela fome e inspirada pela fútil ganância, e disciplina
acompanhada com rações regulares e administrada somente para o
próprio benefício patronal. Que liberdade há para alfaiates que têm
que coser durante dezesseis a vinte horas por dia, em um porão
pestilento, para ganhar dez xelins por semana? Não há nenhuma
disciplina tão brutal quanto a desses estabelecimentos
escravizantes; não há nenhuma escravidão tão inexorável como aquela
que explora suas vítimas. Comparada com a condição normal da
existência deles, seria necessário a disciplina mais rigorosa para
afiançar o sucesso completo de qualquer nova organização de
indivíduos que pretenda escapar da escravidão para a liberdade.

Você pode replicar, «poderia ser assim, se as pessoas entendessem o


próprio interesse delas. Mas de fato elas não entendem nada disto, e
nunca terão suficiente sagacidade para apreciar as vantagens que
lhes são oferecidas».

A isto respondo eu, e aqui também não falo de teoria. Esparramo


diante de vocês os resultados averiguados por anos de experiência.
Há mais de dois anos atrás, movido pelo alastramento da miséria e
pelo desespero dos desempregados, eu abri os Restaurantes e Abrigos
Populares [Food and Shelter Depots] em Londres, aqui descritos.

Esses locais são freqüentados todas as noites por um grande número


de homens, muitos deles moradores de rua, mesmo os mais pobres, que
rastejam pelas calçadas, alguns são criminosos, mesmo diante de uma
classe de pessoas tão difícil de administrar como de reunir,
conseguimos congregar 200 deles em um único edifício noite após
noite, desde a abertura das portas pela noite e até que o último
homem parta pela manhã, não há praticamente nenhuma palavra de
descontentamento; de qualquer maneira, nenhuma expressão de afronta

16
ou palavrões. Nenhum policial é requerido; realmente duas ou três
noites de experiência são suficientes para transformar
freqüentadores regulares do lugar, por livre e expontânea vontade,
em Agentes da Ordem, contentes não apenas em manter os regulamentos
do lugar, mas obrigar que os outros o cumpram.

Novamente, todo Colono, seja no âmbito Urbano ou em outro lugar,


sabe que aqueles que carregam os interesses da Colônia no coração
são leais em sua autoridade e princípios, e a apoiam
industriosamente promovendo seus interesses, e que serão
adequadamente recompensados através de promoção a posições de
influência e de autoridade, que também os levariam a vantagens
temporais, presentes e prospectivas.

Mas uma de nossas esperanças principais estaria na apreensão pelos


Colonos do fato de que todos nossos esforços foram perpetrados ao
lado deles. Todo homem e mulher no lugar saberia que este
empreendimento foi iniciado e continuado somente para o benefício
deles, e dos outros membros da classe deles, e que apenas sua
própria boa conduta e cooperação asseguraria sua parcela pessoal em
tais benefícios. De qualquer forma, nossas expectativas estariam em
grande parte baseadas na criação de um espírito altruísta, generoso,
na comunidade.

IX. Novamente, é contestado que o Projeto é muito vasto para


ser tentado através de empreendimento voluntário; deveria ser
assumido e levado a cabo pelo próprio Governo.

Talvez, mas não há nenhuma probabilidade real do Governo


empreendê-lo, e mesmo que empreendesse, não estamos bastante seguros
se tal tentativa provaria sucesso. Vendo que nem Governo, nem
Sociedade, nem indivíduos se levantam para empreender o que Deus
colocou diante de nós na forma de um trabalho tão vital e tão
importante a ser feito. Ele nos encheu de disposição e, em um
sentido muito importante, de habilidade. Nós estamos preparados. Se
a ajuda financeira for fornecida, se o esforço for levado com
determinação, esse empreendimento será não apenas levado a cabo, ele
se revelará o mais absoluto sucesso.

X. -- É objetado que as classes que buscamos beneficiar são por


demais ignorantes e depravadas para que qualquer esforço Cristão, ou
de qualquer espécie, as alcance e as mude.

Olhe para os moradores de rua, os bêbedos, as meretrizes, os


criminosos. Quão apegados eles são a seus hábitos de inação e aos
seus vícios. Dirão, e realmente já foi dito pelas pessoas com quem
eu conversei, que eu não conheço aquela gente; eu acho que isso não
tem sustentação, se eu não os conheço, quem conhece?

Eu admito, porém, que milhares desta classe estão muito distantes de


todo sentimento, princípio e prática de uma conduta correta. Mas eu
defendo que estas pessoas pobres não podem ser mais contrárias ao
trabalho de regeneração do que as muitas tribos selvagens e pagãs,
em cuja conversão os cristãos acreditam de uma forma universal; e
que para isso imploram por grandes somas de dinheiro, e para os
quais enviam suas melhores e mais valentes pessoas.

Estas pessoas pobres certamente fazem parte do Divino plano de


clemência. Foi justamente a essa classe que o Salvador dedicou uma
especial atenção quando esteve na terra, e foi certamente por ela
que Ele morreu na Cruz.

Alguns dos melhores exemplos da fé e da prática Cristã, alguns deles


inigualáveis pelas suas contribuições em prol do gênero humano,
saíram desta classe, da qual temos exemplos registrados na Bíblia.
Um bom número deles faz parte da história da Igreja e do Exército de
Salvação.

16
Pode ser objetado que ao mesmo tempo em que este Projeto socorre uma
classe da comunidade tornando-a indubitavelmente trabalhadora,
estável, industriosa, tem que prejudicar outras classes na medida em
que acrescenta uma grande quantidade de mão-de-obra nova no mercado
de trabalho, já tão seriamente abarrotado.

A isso respondemos que embora essa objeção pareça consistente, ela


já foi, creio eu, devidamente respondida nas páginas precedentes.
Mais adiante, se o aumento de trabalhadores, que este Projeto
certamente trará, for seu princípio e seu fim, certamente
apresentará um aspecto um tanto quanto sério. Mas, mesmo nessa
suposição, eu não vejo como o trabalhador qualificado poderia deixar
seus irmãos apodrecer na presente miséria em que estão. A salvação
deles, portanto, deveria envolver o compartilhamento de uma porção
de seus salários.

(1) Mas não há tal perigo, pois o número de mãos extras que lançaria
no Mercado de Trabalho Britânico deve ser necessariamente
insignificante.

(2) O aumento de produção de alimento em nossas Fazendas e operações


Coloniais indiretamente têm que beneficiar o trabalhador.

(3) Quando o mercado de trabalho absorve um grande número de


indivíduos que no momento trabalha apenas parcialmente, na medida em
que os beneficia, necessariamente disponibiliza mais postos de
trabalho.

(4) Na medida em que cada indivíduo pobre desempregado arruma


emprego, torna-se consumidor em potencial. Por exemplo, o
ex-alcoólatra que vivia em meio a tijolos, caixotes, e trapos, por
mais humilde que possa ser, vai querer no mínimo uma cadeira, uma
mesa, uma cama, e outros suplementos necessários para mobiliar uma
casa.

Não há nenhuma dúvida de que quando nosso Projeto de Colonização


estiver a todo vapor, resgatará não apenas muitos dos que estão no
pântano, como também um grande número daqueles que estão à beira
dele. Mais ainda, até mesmo os artesãos, angariando o que é
considerado bons salários, serão atraídos pelo desejo de melhorar
suas circunstâncias, ou de criar seus filhos em ambientes mais
favoráveis, ou pelos mais nobres motivos, deixar seu velho país.
Então é de se esperar que o camponês e o artesão do vilarejo que
está migrando para as grandes metrópoles e cidades dêem preferência
à Colônia Ultramar, isso evitará que a acumulação de trabalho barato
interfira consideravelmente na manutenção de um padrão elevado de
salários.

SEÇÃO 5. RECAPITULAÇÃO.
Passo agora em revisão as características principais do Projeto, que
eu espero contribuir consideravelmente para a melhora das condições
dos mais baixos estratos da nossa Sociedade. Esse Projeto de forma
alguma professa ser completo em todos os seus detalhes. Qualquer um
pode em qualquer ponto mudar algo aqui ou ali, mudar uma ou outra
característica do Projeto, e mostrar algum vácuo que deve ser
preenchido para funcionar com eficácia. Porém, há algo que
seguramente pode ser dito como desculpa para depreciação do Projeto,
quer dizer, é necessário um plano perfeito e esperar pelo Milênio,
ora, quando o Milênio chegar já não haverá nenhuma necessidade de
projeto algum. Minhas sugestões, tão cruas como poderiam ser, tem,
não obstante, um elemento que proverá todas as deficiências a tempo.
Há vida nelas, enquanto ha vida há a promessa e o poder de adaptação
a todas as inúmeras e variadas circunstâncias da classe com a qual
temos que lidar. Onde há vida há um infinito poder de ajuste. Este
não é nenhum Projeto inflexível, forjado em um único cérebro e então
montado como um padrão para o qual tudo têm que se conformar. É uma
planta robusta, que tem suas raízes profundamente fincadas na
natureza e nas circunstâncias dos homens. Mais que isso, eu acredito

16
que ele está no coração do próprio Deus. Já cresceu muito, e vai, se
apropriadamente cuidado e zelado, crescer ainda mais, até que, como a
pequena semente de mostarda na parábola, se transforme em uma grande
árvore cujos galhos cobrirão toda a terra.

Mais uma vez quero destacar que não reivindico nenhum direito
autoral em qualquer parte deste Projeto. Realmente, eu não sei o que
há nele que seja ou não original. Antes de formular alguns planos,
que eu achava serem novos debaixo do sol, descobri que eles já
tinham sido experimentados em diferentes partes do mundo, e com
grande promessa. O mesmo pode ter ocorrido com outros planos, e
nisto eu me alegro. Não reivindico nenhuma exclusividade. A questão
é por demais séria para tal equívoco. Trata-se de milhões de nossos
semelhantes perecendo na arrebentação do mar da vida, colidindo e
despedaçando-se entre pedras afiadas, tragados por turbilhões de
redemoinhos de água, sufocados até mesmo quando pensam que chegaram
à praia por traiçoeiras areias movediças; para salvá-los desta
destruição iminente eu sugiro que estas coisas sejam feitas. Se você
tem algum plano melhor que o meu para efetuar este propósito, no
nome de Deus traga-o à luz e trate de levá-lo a cabo depressa. Se
você não tem, então me ajude com o meu, como eu me alegraria em
ajudar o seu se visse nele maior promessa de sucesso que o meu.

Em um Projeto que visa o desenvolvimento da salvação social, o


grande e único teste válido é o sucesso em atingir o alvo para o
qual ele foi inventado. Um barril velho e feio boiando no mar e que
leva um náufrago até uma praia segura vale mais para ele do que o
melhor iate que é incapaz de atingir o mesmo propósito. Os devotos
da fina cultura podem torcer o nariz diante da crueza de nossas
sugestões na lida com os dez por cento mais pobres, mas um mero
recuo não é nenhuma solução. Se os cultos, os respeitáveis, os
ortodoxos, as pessoas estabelecidas, e as convenções da Sociedade
passam ao largo não podemos seguir seu exemplo.

Podemos não ser clérigos [N.T.: no original, priests] e Levitas, mas


podemos fazer o papel do Bom Samaritano pelo menos. O homem que
descia para Jericó e que caiu nas mãos dos ladrões provavelmente era
um indivíduo bem descuidado, despreocupado, ele deveria ter
conhecido melhor a região, e não andar sozinho por áreas imundas
infestadas de bandidos. O que é que se pode esperar quando um
homem expõe desleixadamente a si mesmo e seus bens ao olhar avarento
de salteadores? Não há dúvida de que, em grande parte, foi pelo seu
próprio erro e insensatez que ele acabou atacado, ferido e
desmaiado, quase morto. A mesma falha é cometida, em grande parte,
por aqueles que buscamos socorrer e que são encontramos caídos em
situação de desamparo. Seja lá como for, devemos colocar curativos
em suas feridas com o bálsamo que tivermos à mão, devemos pegar
nossos insensatos e levá-los à nossa Colônia onde possam ter tempo
para recuperação, e retomar seu caminho na viagem da vida.

Agora, após essas explicações visando esclarecer as dúvidas de


alguns de meus críticos, passo a recapitular as características
marcantes do Projeto. Eu coloquei na primeira parte certos pontos
que seriam mantidos por encarnarem leis ou princípios invariáveis da
economia política, e sem os quais nenhum Projeto pode nem mesmo ter
qualquer chance de sucesso. Sujeito a estas condições, acredito que
meu Projeto seguirá adiante de forma satisfatória. É suficientemente
amplo para contender com os males que nos confrontarão; é
praticável, viável, factível, tanto que já está em curso de
aplicação, e é capaz de infinita expansão. Mas seria melhor repassar
em revisão todo o Projeto em suas características mais salientes.

De vários modos, o Projeto buscará propiciar beneficio às classes


destituídas, independente de sua entrada nas Colônias. Homens e
mulheres talvez muito pobres e em imensa tristeza, mais que isso, à
beira da fome, podem estar em circunstâncias tais que os incapacite
serem inscritos nas fileiras das Colônias. Para estes, nossos
Restaurantes Populares, nossa Agência de Aconselhamento, Nossas

16
Oficinas, e outras agências serão de um benefício indizível, tal
ajuda temporária provavelmente os ajudará sair do fundo do poço onde
lutam. Os que precisam de ajuda permanente irão para a Colônia
Urbana, e ficarão diretamente sob nossos cuidados e controle. Aqui
eles serão empregados como descrevemos anteriormente. Muitos serão
enviados para amigos; e trabalho será encontrado para outros na
Cidade ou em outro lugar, se revelarem-se a altura, depois de prova
razoável sobre sinceridade e vontade de ajudar a si mesmos na
própria salvação, serão enviados para as Colônias Rurais onde o
mesmo processo de reforma e treino terá continuidade, e a menos que
algum emprego seja obtido, eles passarão para a Colônia Ultramar.

Todos aqueles em circunstâncias de destituição, vício, ou


criminalidade receberão ajuda casual ou serão levados à Colônia,
desde que estejam ansiosos por libertação, trabalhem para ela, e
submetam-se à disciplina, completamente independente de caráter,
habilidade, opiniões religiosas, ou qualquer outra coisa.

Nenhum benefício será conferido a qualquer indivíduo sem que haja


algum retorno na forma de trabalho, exceto sob circunstâncias
extraordinárias. Até mesmo no caso de parentes e amigos proverem
dinheiro aos Colonos, cada um deles tem que assumir sua quota de
trabalho com seus camaradas. Não daremos guarida a um único
preguiçoso ao longo de todos nossos domínios.

O tipo de trabalho que cada indivíduo fará será escolhido conforme


seus antigos empregos ou habilidade. Aqueles que têm qualquer
conhecimento de agricultura naturalmente serão postos para trabalhar
na terra; o sapateiro fará sapatos, o tecelão tecidos, e assim por
diante. E quando não houver nenhum conhecimento de qualquer
habilidade manual, a aptidão do indivíduo e as necessidades da hora
irão determinar o tipo de trabalho mais lucrativo para ele aprender.

Todo tipo de trabalho até onde for possível será executado por
mão-de-obra. A atual fúria pelo maquinário, essa corrida do homem à
máquina, tende a produzir muita destituição na medida em que a
máquina ocupa o lugar da mão-de-obra. Nós queremos, até onde for
praticável, retornar da máquina ao humano.

Cada sócio da Colônia receberia comida, roupa, alojamento, medicina,


e todo cuidado necessário no caso de doença.

Nenhum salário seria pago -- exceto uma ninharia para os que ocupam
cargos de confiança, ou a título de encorajamento pelo bom
comportamento e esforço -- para economizar, tendo em vista as
exigências de nosso Banco Colonial. Haveria um resíduo para não
deixar ninguém com os bolsos vazios.

O Projeto das três Colônias será, para propósitos práticos,


considerado como um único projeto; consequentemente o treinamento
terá em vista a qualificação dos Colonos para que angariem seu
sustento no mundo, ou seja, completamente independente de nossa
ajuda, ou, caso fracassemos neste ponto, ajustá-los para que assumam
algum trabalho permanente dentro de nossas fronteiras domésticas ou
no estrangeiro.

Outro resultado deste vínculo entre Colônias Rurais Urbanas do País


será a remoção de uma das dificuldades conectadas com a
disponibilização dos produtos ao trabalhador desempregado. A comida
da Fazenda seria consumida na Cidade, enquanto que muitos bens
produzidos na Cidade seriam consumidos na Fazenda.

O esforço continuado de todos os interessados na reforma destas


pessoas inspirará e cultivará esses hábitos, cuja ausência foi em
grande parte responsável pela destituição e pelos vícios do passado.

A rígida disciplina, envolvendo cuidadosa e contínua supervisão,


seria necessária à manutenção da ordem diante de uma quantidade tão

16
grande de pessoas, muitos dos quais até então viveram uma vida
selvagem e licenciosa. Nossa principal confiança neste respeito é
que o espírito do interesse mútuo prevaleça.

A Colônia inteira provavelmente seria dividida em seções, cada uma


delas sob a supervisão de um sargento -- um deles -- trabalhando
lado a lado com eles, contudo responsável pela conduta de todos.
Os Oficiais dirigentes da Colônia seriam indivíduos dedicados ao
trabalho, não para sustento próprio, mas por um desejo de ser útil
em minorar o sofrimento do pobre. Em princípio eles seriam
selecionados do Exército de Salvação, desde que capacitados para a
posição, conheçam as particularidades do trabalho que irão
supervisionar, ou sejam bons disciplinadores e tenham a faculdade de
controlar homens e infuenciá-los por um espírito de amor. No final
das contas os Oficiais seriam, sem dúvida, como é o caso em todas
nossas outras operações, homens e mulheres erigidos entre os
próprios Colonos, e que vão por conseguinte, possuir algumas
qualificações especiais para lidar com aqueles que eles têm
que superintender. Os Colonos serão divididos em duas classes: os de
1º classe que não recebem nenhum salário consistirá de: --

(a) Os novatos, cujo caráter, hábitos e habilidades são ainda


desconhecidos.

(b) Os menos capazes em força, calibre mental, ou outras capacidades.

(c) O indolente, e aquele cuja conduta e caráter parece duvidoso.


Este permaneceria nesta classe, até melhorar o suficiente para uma
promoção, ou expulsão caso sua indolência ultrapasse todos os
limites.

A 2ª classe teria uma pequena mesada extra, uma parte da qual seria
dada aos trabalhadores para uso particular, e uma parte reservada a
contingências futuras, o pagamento de despesas de viagens, etc.
Desta classe deveríamos obter nossos sargentos, trabalhadores
assalariados, emigrantes, etc., etc.

Assim é o Projeto que eu concebi. Se inteligentemente aplicado, e


resolutamente perseverado, duvido que não produza uma grande e
saudável mudança na condição de muitos dos mais desesperados de
nossos compatriotas. Mas esse Projeto pode ser aplicado não apenas
aos nossos compatriotas. Em suas características marcantes, com as
devidas alterações, pelas diferenças de clima e de raça, pode ser
adotado em qualquer cidade no mundo, na tentativa de restabelecer às
massas humanas que abarrotam as cidades, os elementos humanos e
naturais da vida que eles possuíam quando viviam em quantidades
menores na aldeia ou a cidade. Não há nenhuma dúvida que isso é
extensamente necessário. Londres é, talvez, o lugar onde as massas
populacionais são mais densas que qualquer outra cidade; mas essa
densidade existe igualmente nos principais centros populacionais da
Nova Inglaterra que pululam além mar, como também nas maiores
cidades da Europa. É um fato notável que até o presente momento o
melhor acolhimento de boas vindas para com este Projeto tenha vindo
de Melbourne onde nossos oficiais foram compelidos a começar
operações pela pressão da opinião pública conforme solicitações
urgentes do Governo por um lado e dos líderes proletários por outro,
antes mesmo do plano ser elaborado, ou de instruções serem enviadas
para a orientá-los.

É bastante estranho ouvir falar da angústia da fome que alcança uma


cidade como Melbourne, a capital de um novo e grande país que abunda
em riqueza natural de todo tipo. Mas Melbourne, também, tem seu
desempregado, e em nenhuma outra cidade no Império tivemos mais
êxito em lidar com o problema social do que na capital de Victoria.

Os documentos australianos durante algumas semanas estiveram


abarrotados com relatórios dos procedimentos do Exército de Salvação

16
para com o desempregado de Melbourne. Isto foi antes da grande
Greve. O Governo de Victoria praticamente entregou a nossos oficiais
a tarefa de negociar com os desempregados. O assunto foi debatido na
Casa da Assembléia, e ao fim do debate foi tomada uma assinatura de
um daqueles que tinham sido nossos oponentes mais extremos, e uma
soma de #400 foi entregue a nossos oficiais para impedir que pessoas
morressem de fome. Nossa gente encontrou nessa situação não menos de
1.776 pessoas, e está dispensando refeições ao preço de 700 por dia.
O Governo de Victoria durante muito tempo tem tomado a dianteira no
reconhecimento da obra secular do Exército de Salvação. A seguinte
carta foi enviada pelo Ministro do Interior ao Oficial encarregado
com a supervisão desta parte de nossas operações, e indica a estima
com que somos agraciados.: --

Governo de Victoria, Escritório do Secretário Geral, Melbourne.


Melbourne, 4 de julho de 1889.

Ao Superintendente da Obra de Resgate do Exército de Salvação.


Sr. -- Atendendo a seu pedido de uma carta de apresentação que possa
usar na Inglaterra, tenho muito prazer em declarar que os relatórios
fornecidos pelos Funcionários de meu Departamento me convenceram que
o trabalho em que vocês estiveram comprometidos durante os últimos
seis anos foi materialmente vantajoso para a comunidade. Vocês
salvaram do crime alguns que, se não fosse pelo aconselhamento e
assistência proporcionada a eles, poderiam ser um permanente peso
para o Estado. Vocês tiraram do caminho do crime outros que já
tinham sofrido castigo legal pelas suas transgressões. Tenho o
prazer de comunicar-lhes que o Conselho Executivo autorizou vocês a
apreender crianças encontradas em Bordéis, e se encarregar de
tais crianças depois dos procedimentos formais. É inquestionável o
grande valor que o trabalho de vocês desenvolve nessa área. É
evidente que a presença de vocês e de seus Oficiais nos tribunais e
nas prisões tem sido contemplado com resultados benéficos, e o
convite para que vocês freqüentem também nossas penitenciárias foi
prontamente aprovado pela direção do Departamento. Em geral, eu
posso dizer que sua política e procedimento foram recomendados pelos
Principais Dirigentes do Governo desta Colônia que observaram seu
trabalho.

Seu obediente Servo, com muita honra.


(Assinado) ALFRED DEAKIN.

O Parlamento Vitoriano votou uma concessão anual a nossos fundos,


não como uma doação religiosa, mas em reconhecimento ao serviço que
nós fazemos na recuperação de criminosos, e ao que pode ser chamado,
se eu posso usar uma palavra que foi tão abusivamente depravada no
Continente, de manutenção da ordem [N.T.: no original, moral police]
moral da cidade. Nosso Oficial em Melbourne tem uma posição oficial
que abre a ele quase toda instituição Estatal e todos os abrigos do
vício onde pode ser necessário entrar na procura a meninas que foram
enganadas ou que trilham por caminhos ruins.

Há também em Victoria um sistema de persuasão onde os réus primários


são colocados aos cuidados dos Oficiais do Exército de Salvação, os
quais, a título de reconhecimento, são prontamente atendidos em suas
solicitações. Em cada Tribunal há um Oficial do Exército de Salvação
de plantão, e a Brigada Porta de Cadeia [Prison Brigade] sempre está
alerta na porta das prisões para conversar, atender e prestar
serviços aos prisioneiros que são soltos. Nossos Oficiais também têm
acesso livre às prisões onde podem ministrar serviços e podem
labutar com seus ocupantes para a Salvação deles. Como Victoria
provavelmente é a mais democrática de nossas colônias, e onde o
proletariado tem o supremo controle, o fato de seu governo
reconhecer o valor de nossas operações é um indicativo suficiente de
que os regimes democráticos facilitam nosso trabalho. Na colônia
fronteiriça de New South Wales uma senhora nos doou uma fazenda de
trezentos acres, onde já começamos as primeiras operações de uma
Colônia Rural. Naqueles confins, parece haver perspectivas de que o

16
Projeto funcione tão bem como aqui em Londres. O acolhimento
carinhoso dispensado aos nossos Oficiais em Melbourne tende a
encorajar a expectativa de que o Projeto, pela sua seriedade, será
assumido em sua totalidade e entre rapidamente em operação ao redor
do mundo.

CAPÍTULO 8. UMA CONCLUSÃO PRATICA.


Ao longo deste livro usei constantemente o pronome na primeira
pessoa, mais que em qualquer material que tenha escrito. Fiz isto
deliberadamente, não por egotismo, mas para deixar claramente
manifesto que trata-se de uma proposta definida feita por um
indivíduo que está preparado para efetuá-la se os meios forem
fornecidos. Quero deixar claro também que pretendo embarcar neste
grande empreendimento estribado, não em minha própria força, nem em
meus próprios cuidados. A menos que Deus me ajude nessa obra, que
acredito ter sido inspirada por Ele, qualquer tentativa de
executá-la não resultará outra coisa senão confusão, desastre, e
decepção. Mas se Deus é por nós -- e se não é, logo se saberá --
quem será contra? Confiando nEle para orientação, encorajamento, e
apoio, proponho entrar imediatamente nesta formidável campanha.

Não me atreveria a entrar nessa empreitada se não fosse chamado. Não


me atreveria preencher esse vácuo se não fosse premido pela
urgência. Se sou ou não chamado por Deus, e pelos gritos de agonia
de sofrimento de homens, mulheres e crianças, Deus deixará isso
claro para mim, e para todos nós; como deixou para Gideão quando ele
procurou por um sinal diante dele, por uma confirmação da mensageiro
divina, em seu empreendimento de conduzir as pessoas escolhidas
contra as hostes de Midiã. Da mesma forma eu procuro um sinal. O
sinal de Gideão foi arbitrário. Ele acabou fazendo uma seleção. Ele
ditou suas próprias condições; e apesar de sua fé vacilante, um
sinal foi dado a ele, e por duas vezes. Na primeira vez a lã estava
seca com toda terra em volta encharcada de orvalho; na segunda vez a
lã estava encharcada de orvalho com toda terra em volta seca.

O sinal que eu peço para me incentivar seguir adiante é único, não


duplo. É necessário e não arbitrário, e é de um tipo que até mesmo o
céptico mais teimoso ou o materialista mais cínico reconhecerá como
suficiente. Para fazer funcionar o Projeto esboçado neste livro, eu
tenho que ter amplos meios para fazê-lo. Quanto ao valor necessário
para operar este Plano de Campanha em sua plenitude, cobrindo toda a
terra com seus galhos carregados de todo tipo de frutos agradáveis,
não posso nem mesmo me aventurar conceber. Mas eu tenho uma idéia
definida do valor necessário para colocá-lo razoavelmente em
operação.

Por que eu falo sobre começar? Nós já começamos, e com que


consideráveis resultados! Nossa mão foi forçada pelas
circunstâncias. O mero rumor de nosso empreendimento chegou até
Antípodes, antes mesmo de ser descrito, e estimulou tal demonstração
de aprovação que meus Oficiais foram compelidos a começar agir mesmo
antes das ordens chegarem. Neste país temos trabalhado à beira do
pântano mortal durante alguns anos, e com resultados maravilhosos.

Temos nossos Abrigos, nossas Agências de Trabalho, nossa Fábrica,


nossos Escritórios de Informação, nossas Casas de Resgate, nossas
Irmãs da Favela, e outras atividades semelhantes, todas em andamento
e em boa ordem. A esfera destas operações pode ser ainda limitada; e
o que já fizemos é uma ampla prova de que aquilo que eu proponho
fazer é muito mais do que eu menciono aqui neste livro; portanto, o
sinal que eu peço pode não ser dado, mas mesmo assim eu irei levar a
luta adiante nas mesmas linhas. Para levar seriamente adiante esta
obra aqui esboçada -- estabelecer a tríplice Colônia, com todas suas
agências e filiais -- eu preciso de pelo menos cem mil libras.

17
Não há nenhum espírito ditatorial ou arrogante no pedido desse
sinal. É uma necessidade. Nem mesmo Moisés poderia ter atravessado
os Filhos de Israel com os pés secos através do Mar Vermelho a menos
que o mar se abrisse para eles passar.

Esse foi o sinal que deixou claro o que fazer, que deu força à sua
fé, e que determinou sua ação. O sinal que eu busco é um pouco
semelhante. Dinheiro não é tudo. Não é de forma alguma a coisa
principal. Midas, com todos seus milhões, não pôde de forma alguma
fazer o que era necessário para vencer a batalha de Waterloo, ou
manter a Passagem de Thermopylae. Mas os milhões de Midas são
capazes de realizar grandes e poderosas coisas, se esses milhões
forem enviados para fazer coisas boas sob a direção da Divina
sabedoria e do amor de Cristo.

Quão difícil é para os ricos entrar no Reino dos Céus! É mais fácil
convencer cem homens pobres a sacrificar as vidas deles do que
induzir um homem rico a sacrificar sua fortuna, ou mesmo uma porção
dela, por uma causa que, em sua indiferença, ele parece acreditar.

Quando eu examino o rol de homens e mulheres que deixaram amigos,


pais, casas, perspectivas, e tudo o que possuíam para caminhar sob o
ardente sol da distante Índia, manter-se com um punhado de arroz, e
morrer -- por Deus e pelo Exército de Salvação -- no meio de um
tenebroso paganismo , às vezes me maravilho dessa disposição em
deixar tudo, até mesmo a própria vida, por uma causa que não tem
suficiente poder para induzir um número razoável de pessoas ricas a
doar nem mesmo algumas meras superfluidades e luxurias de sua
existência. Espera-se muito daqueles que muito tem; mas, ai, ai,
quão pouco se recebe deles! Ainda é a viúva que a lança tudo que tem
na tesouraria de Deus -- quando aludimos ao dízimo de Deus, o rico
julga isto uma sugestão absurda , e revela seu enfado quando pedimos
apenas as farpas de pão que caem de suas mesas.

Aqueles que até aqui me acompanharam decidirão por si mesmos até que
ponto me ajudarão a levar a cabo este Projeto, ou se não me ajudarão
em nada. Acredito que nem diferenças sectárias nem sentimentos
religiosos devem ser levados em conta nesta questão. Mesmo que não
gostem de meu Salvacionismo, seguramente ele é melhor que estas
multidões de miseráveis, infelizes, sem ter nem mesmo alimento para
comer, roupas para vestir, e uma casa onde possam repousar seus
ossos cansados após o fim de mais um dia de labuta. Mesmo que essas
mudanças sejam acompanhadas de algumas noções peculiares e práticas
religiosas, por parte desses famintos, nus, moradores de rua, e
descrentes de qualquer religião. Deve ser infinitamente preferível
que eles falem a verdade, sejam virtuosos, criativos, contentes, e
até mesmo que orem a Deus, cantem Salmos, e saiam por aí com camisas
vermelhas, fanaticamente, como vocês dizem, «buscando o milênio» --
do que permanecer ladrões ou meretrizes, sem nenhuma fé em Deus, um
fardo para a Municipalidade, uma maldição para a Sociedade, e um
perigo para o Estado.

O fato de você não gostar do Exército de Salvação, eu me aventuro a


dizer, não é nenhuma justificativa para impedir sua simpatia e
cooperação prática em levar a cabo um Projeto que promete tanta
bem-aventurança aos membros da raça humana. Você pode não gostar de
nosso governo, de nossos métodos, de nossa fé. Seu sentimento para
conosco talvez possa ser descrito apropriadamente por uma observação
que escapou da boca de um célebre líder no mundo evangelístico, o
qual, quando perguntado sobre o que pensava do Exército de Salvação,
respondeu que «não gostava nem um pouco», mas que acreditava «ter
sido criado pelo Deus Todo Poderoso». Talvez, como entidade, podemos
não estar exatamente de acordo com seu modo de pensar, mas essa não
é a questão. Olhe para aquele oceano em trevas, onde tudo aquilo que
é humano está destruído, se contorcendo em angústia e desespero. A
questão é como salvar esses desafortunados. O caráter particular dos

17
métodos empregados, os estranhos uniformes usados pela tripulação do
barco salva-vidas, o barulho feito pelos motores, e os gritos de
entrosamento entre resgatados e resgatadores, tudo isso pode ser
contrário ao seu gosto e às suas tradições. Mas todas estas objeções
e antipatias são secundárias, nada disso pode ser comparado ao
resgate das pessoas para fora daquele mar de escuridão.

Se entre meus leitores há alguém que, ciente deste Projeto que aqui
apresento, mas que pelos mais variados motivos e meios se recusa
contribuir até mesmo com um único centavo que seja, a atitude dessa
pessoa é, pelo menos, vergonhosa. Pode haver quem acredite que os
homens que foram literalmente martirizados nesta causa enfrentaram a
morte por causa dos vis cobres que colecionaram para manter unidos
corpo e alma. Gente que pensa assim possivelmente não pode achar
nenhuma dificuldade em persuadir-se de que este Projeto não é outra
coisa senão mais uma tentativa de obter dinheiro para aumentar
aquela fortuna mítica que eu -- que nunca tirei um centavo dos
fundos do Exército de Salvação além de meras despesas corriqueiras
-- supostamente estou acumulando. Dessas pessoas peço apenas que
paguem pelo seu abuso, e asseguro que, por pior que falem de mim,
seriam mais brandos em suas infâmias se estivessem corretos na
interpretação de meus motivos.

Aparentemente há apenas duas razões para justificar a qualquer


homem, com um coração no peito, recusar cooperar comigo neste
Projeto: --

1. Ele deve ter uma convicção honesta e inteligente de que este


Projeto não pode ser levado a cabo com nenhuma medida razoável de
sucesso; ou,

2. Que ele (o objetor) está preparado com algum outro plano que
efetivamente alcançará a finalidade que meu Projeto contempla.

Vamos considerar a segunda razão primeiro. Se você tem algum plano


que promete efetivar a libertação destas multidões mais diretamente
que o meu, eu lhe imploro que o coloque imediatamente em execução.

Deixe-o visível à luz do dia. Mostre-nos não apenas sua teoria,


mostre-nos também as evidências que provam seu caráter prático e que
asseguram seu sucesso. Se seu plano suportar um exame meticuloso,
então vou considerá-lo aliviado da obrigação de ajudar-me -- mais
que isso, se depois de uma completa análise de seu plano eu
considerá-lo melhor que o meu, eu deixarei meu plano de lado,
colocarei meu plano na gaveta, e vou ajudá-lo em seu plano com todas
as minhas forças. Mas se você não tiver nada a oferecer, eu exijo
sua ajuda em nome desses cuja causa pelejo.

Agora, diante de sua primeira objeção que julgo poder expressar-se


em uma palavra -- «impossível». Essa objeção, se bem fundada, é
igualmente fatal a minhas propostas. Mas, em resposta, posso dizer
-- Como você sabe? Você já investigou? Assumirei que você leu o
livro, e que o considerou devidamente. Seguramente você não
rejeitaria um tema tão importante sem alguma reflexão. Entretanto,
meus argumentos podem não ter peso suficiente para propiciar uma
convicção, mas você tem que admitir que eles tem suficiente
importância para merecer uma investigação. Então venha e veja por
você mesmo o que já foi feito, ou, pelo menos, o que estamos fazendo
agora. Se não puder, envie alguém que confie e que seja capaz fazer
um julgamento justo. Não me importo quem você envie. É verdade que
as coisas do Espírito são espiritualmente discernidas, mas as coisas
da humanidade qualquer homem pode julgar, seja santo ou pecador,
desde que tenha uma inteligência comum e um sentido ordinário de
compaixão.

Porém, se puder, prefira um investigador que tenha um pouco de


conhecimento prático de economia social, e eu ficaria bem mais
contente se ele tivesse gasto um pouco do seu próprio tempo e um

17
pouco de seu próprio dinheiro tentando ele mesmo fazer esse tipo de
trabalho. Após tal investigação acredito que haveria apenas um
resultado.

Tenho mais um argumento a oferecer aos que eventualmente buscam


desculpas para não prestar qualquer ajuda financeira ao Projeto.

Esse Projeto não merece uma chance pelo menos a título de


experiência? Dezenas de milhares de libras são anualmente gastas em
«tentativas» com respeito a minerais, perfurações para encontrar
carvão, água, creio que há aqueles que acham que isso vale a pena,
que compensa gastar centenas de milhares de libras, que é válido
efetuar experiências para verificar a possibilidade de fazer um
túnel sob o mar entre este país e a França. Se estes aventureiros
falham em suas variadas operações, eles têm, pelo menos, a
satisfação de saber, mesmo que sejam gastas centenas de milhares de
libras, que elas não foram perdidas, e não reclamarão; porque pelo
menos tentaram realizar algo que sentiram que deveria ser feito; e
que tentar fazer as coisas é um dever, tentar fazer algo mesmo
falhando é melhor que nunca tentar nada. Neste livro acreditamos ter
encontrado uma razão suficiente para justificar a aplicação do
dinheiro e o esforço envolvido na execução desta experiência. Se,
todavia, o esforço não terminar nesse grande sucesso que predigo tão
confiantemente -- o qual todos temos que desejar ardentemente, e não
apenas desejar, mas ter a satisfação de tentar algum tipo de
libertação para estas pessoas miseráveis -- pelo menos haverá
resultados que reembolsarão amplamente cada centavo gasto na
experiência.

Tenho agora sessenta e um anos de idade. Nos últimos dezoito meses


minha sócia ininterrupta em todas minhas atividades durante quase
quarenta anos tem sido vítima de um indizível sofrimento, um
sofrimento a mais que se soma aos muitos anteriores, para
esgotamento de meu termo de serviço. Eu já sinto algo daquela
pressão que levou o agonizante Imperador da Alemanha a dizer, «eu
não tenho tempo nem mesmo para ficar cansado». Se eu consigo ver a
realização desta minha expectativa em qualquer grau considerável,
sem demora devo receber permissão para embarcar neste
empreendimento, com o fardo mundial que pesa constantemente sobre
meus ombros com relação à missão universal de nosso Exército, eu não
posso lutar sozinho nesse campo.

Mas eu confio que as classes altas e médias finalmente estão


acordando de seu longo sono com respeito à melhora permanente dessa
multidão que têm até aqui sido considerada como sendo eternamente
condenada ao abandono e ao desespero. É uma verdadeira vergonha para
a Inglaterra se -- a exemplo do Imperador e do Governo da Alemanha
em nossos dias -- simplesmente encolhermos nossos ombros, e
novamente voltarmos nossa atenção para nossos negócios ou para
nossos prazeres deixando estas multidões de miseráveis nas sarjetas
onde eles têm permanecido por tanto tempo. Não, não, não; o tempo é
curto. Levantemo-nos em nome de Deus e da humanidade, e limpemos
este triste estigma da bandeira britânica de que nossos cavalos são
melhor tratados do que nossos trabalhadores.

Será visto que este Projeto contém muitas sucursais. É provável que
alguns de meus leitores sejam incapazes de endossar o plano como um
todo, que alguns cordialmente aprovem algumas de suas
características. É provável que outros, embora o aprovem
cordialmente, não tenham nenhuma disposição de subscrevê-lo. Onde
isto ocorrer, estaremos alegres deles nos ajudar levar a cabo as
porções do empreendimento que mais especialmente são do agrado deles
e que é recomendável em seu julgamento. Por exemplo, um homem pode
acreditar na Colônia Ultramar, mas não sente nenhum interesse na
Associação Anti-Alcoólica; outro pode não simpatizar com a
emigração, mas pode desejar ajudar em uma Fábrica ou Casa de
Resgate; um terceiro pode desejar doar uma propriedade, ajudar no
Restaurante e no Abrigo, ou no ampliamento da Brigada da Favela.

17
Agora, embora eu considere o Projeto como uno e indivisível -- do
qual você não pode retirar nenhuma porção sem prejudicar o prospecto
como um todo -- é bastante praticável administrar a subscrição do
dinheiro de forma que os desejos de cada doador possa ser levado a
cabo. Então, as subscrições podem ser enviadas tanto para dentro de
um fundo geral do Projeto Social, como podem ser dedicadas de acordo
com a vontade do doador a quaisquer dos seguintes distintos fundos:
--

1. Colônia Urbana.
2. Colônia Rural.
3. Colônia Ultramar.
4. Brigada de Resgate Doméstico.
5. Casas de Resgate para Mulheres Caídas.
6. Associação Anti-Alcoólica.
7. Brigada Porta de Cadeia.
8. Banco do Homem Pobre.
9. Advogado do Homem Pobre.
10. Whitechapel Marinha.

Ou qualquer outro departamento sugerido anteriormente. Ao fazer este


apelo, refiro-me principalmente aos que têm dinheiro; mas dinheiro,
mesmo sendo indispensável, nunca foi a coisa mais necessária. O
dinheiro é o nervo da guerra; e, da forma como a presente sociedade
é constituída, nenhuma guerra, seja carnal ou espiritual pode ser
travada sem dinheiro. Mas há algo ainda mais necessário que
dinheiro. Nenhuma guerra pode ser empreendida sem soldados. Um
Wellington pode fazer muito mais em uma campanha que um Rothschild.
Mais que dinheiro -- bem mais, muito mais -- eu quero homens; e
quando eu digo homens, eu também quero dizer mulheres -- homens
experimentados, homens inteligentes, homens sensíveis, e homens de
Deus.

Nesta grande expedição, estou começando por um terreno com o qual


estou bem familiarizado, e em certo sentido, entrando em uma terra
desconhecida. Esse terreno é novidade para minha gente. Treinamos
nossos soldados para salvar almas, ensinamos nossos soldados a
dobrar seus joelhos, instruímos nossos soldados na arte e no
mistério de lidar com as consciências e com os corações dos homens;
e esses continuarão sendo os elementos principais de suas vidas.
Salvar a alma, regenerar a vida, e inspirar o espírito com o amor
eterno de Cristo é a obra à qual todos os outros deveres devem estar
estritamente subordinados nos Soldados do Exército de Salvação. Mas
a nova esfera na qual estamos entrando pedirá faculdades diferentes
das que temos até aqui cultivado, e pedirá conhecimentos de caráter
diferente; e os que têm estes dons, e que detêm informações
práticas, serão extremamente necessários.

Nesse momento nosso trabalho de Salvação mundial passa a limpo as


energias de todo Oficial sob nosso comando. Pela sua extensão temos
a maior dificuldade para manter o passo; e, quando este Projeto
tiver que ser levado na prática, enfrentaremos dilemas maiores do
que os que enfrentamos agora. De fato, haverá emprego para uma
multidão de energias e talentos que agora repousam dormentes, não
obstante, esta amplitude taxará ao extremo nossos recursos. Devido a
isto, reforços serão indispensáveis. Precisaremos dos melhores
cérebros, das pessoas mais experimentadas, e da energia mais
destemida da comunidade.

Eu quero Recrutas, mas não posso amolecer as condições para atrair


homens para nossas Cores. Eu não quero nenhum camarada nestas
condições, quero os que conhecem nossas regras e estão preparados
para submeter-se à nossa disciplina: aqueles que se unem a nós nos
grandes princípios são os que determinam nossa ação, cujo coração
está nesta grande obra para a melhoria da terrível multidão de
proscritos e perdidos. A estes dou boas-vindas ao serviço.

17
Pode ser que você não consegue dirigir uma reunião ao ar livre, nem
administrar uma reunião em recinto fechado. Pode ser que a labuta
por almas seja uma coisa que você nunca fez até agora. Nas vinhas de
Deus, porém, há muitos trabalhadores, e não é necessário que todos
façam a mesma coisa. Se você tem um conhecimento prático de
quaisquer uma dessas variadas operações mencionadas neste livro; se
você está familiarizado com agricultura, entende sobre construção de
edifícios, ou tem um conhecimento prático de algum tipo de
indústria, há um lugar para você.

Não podemos lhe oferecer bons salários, posição social, ou qualquer


resplendor e brilho de glória humana; na realidade, podemos prometer
pouco mais que rações, bastante trabalho duro, e provavelmente não
serão poucas as vezes em que você será desprezado por pessoas
mundanas; mas se em geral você acha que não pode de forma alguma
ajudar seu Deus e abençoar a humanidade, você pode corajosamente
enfrentar a oposição de amigos, abandonar prospectos terrestres,
pisotear seu orgulho, sair e segui-Lo nesta Nova Cruzada.

Para você que acredita no remédio aqui proposto, e na inteireza


destes planos, para você que tem a habilidade para me ajudar, eu
apelo agora confiantemente para a evidência prática da fé que está
em você. A responsabilidade já não é só minha. É tanto minha como
tua. É até mesmo mais tua do que minha se você detêm os meios pelos
quais eu posso levar a cabo o Projeto. Eu dou o que eu tenho. Se
você dá o que você tem a obra será feita. Se não for feita, se o rio
tenebroso da miséria continuar seu curso, tão largo e tão fundo como
está, as conseqüências baterão à porta daquele que virar as costas.
Eu sou apenas um homem entre companheiros, igual a você. A obrigação
para cuidar destas multidões de perdidos e arruinados não repousa em
mim mais do que em você. A mim veio a idéia, mas a você veio os
meios pelos quais pode ser realizada. O Plano foi agora publicado em
todo o mundo; você está com a palavra para dizer se ele vai
permanecer estéril, ou se vai frutificar em inumeráveis bênçãos para
todos os filhos dos homens.

APÊNDICE(*)
(*) [N.E.: Por não termos acesso à versão impressa de
«The Darkest England and the Way Out» alguns dados
estatísticos aparecem embaralhados como na versão
eletrônica inglesa que dispomos]

1. Exército de Salvação -- Um Resumo -- Posição das Forças, outubro


de 1890.

2. Circular, Formulários de Registro, e notas recentes do Bureau de


Trabalho.

3. A Experiência Bavariana de Rumford.

4. O Experimento Cooperativo de Ralahine.

5. O Sr. Carlyle e a Arrimentação de Desempregados.

6. «Cristandade e Civilização», pelo Rev. Dr. Barry.

O EXÉRCITO DE SALVAÇÃO

Posição de nossas forças em outubro de 1890.

=======

17
O TRABALHO SOCIAL DO EXÉRCITO.

Casas de Resgate (mulheres decaídas) ... ... 33


Postos nas Favelas... ... ... ... ... .. ... 33
Brigada Porta de Cadeia .... ... ....... ... 10
Restaurantes Populares ... ... ... ...... ... 4
Abrigos para Moradores de Rua .. ....... .... 5
Associações Anti-Alcoólicas..... ..... ... .. 1
Fabrica para «desempregados»....... .. ... .. 1
Bureaux de Trabalhadores .... ... ... ... ... 2

Total de Estabelecimentos 384

Circulação anual: 33.400.000


Circulação anual de outra publicações: 4.000.000
-----------
Circulação anual total da literatura salvacionista: 37.400.000
-----------

No Reino Unido --

«Brado de Guerra» 300.000 semanais


«Jovem Soldado» 126.750 semanais
«All the World» 50.000 mensais
«The Deliverer» 48.000 mensais

RELATÓRIOS GERAIS E ESTATÍSTICAS.

Custo Anual de Alojamentos.


Quartel para Treinamento de Oficiais
(Reino Unido) 28 #11,500
(Estrangeiro) 38 760

Furgões grandes para Evangelizar Aldeias


(apelidados de Fortes da Cavalaria)

Casas de Repouso para Oficiais 24 240 10.000

Reuniões em recinto fechado, semanais 28.351

Reuniões ao ar livre semanais


(principalmente na Inglaterra e Colônias) 21.467
-------
Total Reuniões semanais 49.818
-------

Número de Casas visitadas semanalmente


(apenas na Grã Bretanha) 54.000

Número de Colônias e Países ocupados

Línguas em que nossa Literatura é distribuída 15

Línguas em que a Salvação é pregada por nossos Oficiais 29

Número de Oficiais Locais (Oficiais Não Comissionados)


e Músicos 23.069

Número de Escriturários e Empregados em Escritório 471

Recepção semanal comum de telegramas, 600


e cartas, 5.400 no Quartel de Londres

Soma levantada anualmente de todas as fontes pelo Exército #750.000

17
Os Balancetes, propriamente elaborados por contadores profissionais,
são anualmente emitidos em conexão com o Quartel Internacional. Veja
o Relatório Anual de 1889 -- «Apostolic Warfare».

Também são produzidos trimestralmente Balancetes de cada Corpo do


Exército no mundo, são examinados e assinados pelos Oficiais Locais.
Balancetes Divisionais são emitidos mensalmente e examinados por um
Departamento Especial do Quartel.

Balancetes própria e independentemente auditados de cada Quartel


Territorial também são emitidos anualmente.

LIGA DE AUXILIO.

1. -- Pessoas que, sem necessariamente endossar ou aprovar


individualmente cada método usado pelo Exército de Salvação, está
suficientemente sensibilizado com seu grande trabalho na recuperação
de alcoólicos, resgatando os caídos -- em uma palavra, salvando o
perdido -- e que doam suas ORAÇÕES, INFLUÊNCIA, E DINHEIRO.

2. -- Pessoas que, embora olhando as coisas da mesma perspectiva do


Exército, não podem unir-se a ele, por estar ativamente
comprometidos no trabalho das próprias denominações deles, por causa
de saúde ruim ou outras fraquezas que proíbem levar qualquer parte
ativa no trabalho cristão. Ou são matriculadas como Subscritores ou
Coletores Auxiliares.

A Liga inclui pessoas de influência e posição, membros de quase


todas as denominações, e muitos ministros.

PUBLICAÇÕES. -- Auxiliares sempre serão providos com cópias


gratuitas de nosso Relatório, Balancete Anual e outros folhetos que
são produzidos e distribuídos pelo Quartel. Alguns de nossos
Auxiliares tem nos ajudado materialmente distribuindo nossa
literatura por toda parte, e fazendo arranjos para a provisão
regular de salas de espera, clínicas hidropáticas, e hotéis,
ajudando a dispersar o preconceito que muitos tem com a obra do
Exército.

«All The World» postado gratuita e regularmente a cada mês por


Auxiliares.

Para informação adicional, e para pormenores da obra do Exército de


Salvação em sua totalidade, solicite pessoalmente ou por carta ao
GENERAL BOOTH, ou para o Secretário Financeiro no Quartel
Internacional, 101, Rainha Victoria St., Londres, E.C., aos quais as
contribuições também devem ser enviadas.

Cheques e Postal Orders cruzados no «City Bank».

EXÉRCITO DE SALVAÇÃO: UM RESUMO.

ESCRITO POR UM OFICIAL DE SETENTA ANOS. Que é Exército de Salvação?

É uma Organização que existe para efetuar uma revolução radical na


condição espiritual da maior parte das pessoas em todo o mundo. Seu
alvo é não apenas produzir uma mudança na opinião, sentimento, e
princípios destas vastas populações, mas alterar o curso inteiro de
suas vidas, de forma que em vez de passar o tempo delas em
frivolidades e farras, se não nas formas mais totais de vício,
gastarão seu tempo servindo sua geração e adorando a Deus. Opera
principalmente em países de confissão Cristã onde a maioria das
pessoas cessou, de uma forma ou de outra, de adorar publicamente a
Jesus Cristo, ou de submeter-se à Sua autoridade. Até que ponto o
Exército teve sucesso?

17
Sua bandeira está desfraldada agora em 34 países ou colônias sob a
liderança de quase 10.000 homens e mulheres cujas vidas estão
completamente dedicadas à obra, organizando 49.800 reuniões
religiosas todas as semanas, e assistidas por milhões de pessoas que
dez anos atrás ririam dessa possibilidade.

Estas operações constituem os meios utilizados para seu crescimento,


como pode ser visto, especialmente diante do fato de que o Exército
tem 27 jornais semanais, com nada menos que 31.000.000 cópias que são
vendidas nas ruas, restaurantes, e recantos populares da maioria
irreligiosa. Isso para que eventualmente estas multidões de homens e
mulheres sejam convertidas.

Essas coisas não significam a criação de um mero e efêmero fogo de


palha, principalmente pelo fato do Exército ter acumulado nada menos
que #775.000 em propriedades, seus salões de reuniões pagam aluguéis
que chegam a #220.000 por ano, e tem uma renda total por ano, das
mais diversas fontes, que atinge 3/4 de milhão de libras por ano.
Agora considere como se conseguiu tudo isso. Em apenas vinte e cinco
anos o autor deste livro levantou-se absolutamente só na Zona Leste
de Londres, para Cristianizar multidões irreligiosas, sem conceber
em sua mente, nem mesmo remotamente, da possibilidade de tal
Organização ser criada.

Vamos considerar os obstáculos que o Exército de Salvação encontrou


pelo caminho.

O Exercito de Salvação tem enfrentado em cada país uma forma de


preconceito universal, desconfiança, e desprezo, e freqüentemente
uma forte antipatia. Esta oposição geralmente é expressa de uma
forma sistemática através de restrições impostas por Governos e pela
Polícia, que em muitos casos resultam em prisões, e efusões
condenatórias por parte de Bispos, Clero, Imprensa e outros,
naturalmente muitas vezes seguidos por pragas, maldições, gritos e
insultos da populaça. Por tudo isso, em país após país, o Exército
constrói seu espaço e conquista uma posição de respeito universal. E
o que tem feito para conquistar esse respeito? Onde quer que o
Exército vá ele convida para suas reuniões, em primeiro lugar,
aquela multidão de pessoas humildes, gente violenta e homens
blasfemos. Muitas vezes, quando descobrem a ausência de qualquer tipo
de repressão policial, interrompem os serviços, e freqüentemente
atacam os Oficiais do Exército ou suas propriedades com violência.
Não obstante casais de Oficiais enfrentem a audiência com a
absoluta certeza de recrutar pessoas para os Corpos do Exército,
muitos milhares deles que são agora proeminentes nas fileiras do
Exército jamais tiveram qualquer idéia do que fosse uma pregação
antes deles assistirem seus serviços; e boa parte deles se
convenceram profundamente de que todo conceito anterior que tinham a
respeito de religião era totalmente falso. Foi com este tipo de
material que Deus construiu aquilo que se considera uma das
corporações cristãs mais fervorosas da face da terra.

Muitas pessoas que observam o progresso do Exército revelaram um


estranho desejo de discernimento, falando e escrevendo como se tudo
isso fosse um mero modismo incidental, ou como se um indivíduo
pudesse pela simples força de vontade produzir tais mudanças nas
vidas dos outros, aleatoriamente. A mais leve reflexão será
suficiente para convencer qualquer indivíduo imparcial de que os
gigantescos resultados atingidos pelo Exército de Salvação só
poderiam ser alcançados pelos mesmos processos de adaptação,
desenhados para alcançar suas finalidades. E quais são os processos
pelos quais este grande Exército foi feito?

1. A base de todo sucesso do Exército de Salvação, sem considerar


sua fonte divina de força, é seu contínuo ataque direto ao mal
buscando pessoas para colocá-las sob a influência do Evangelho. O
Oficial do Exército de Salvação, em vez de se colocar em cima de

17
algum pedestal de dignidade para descrever a condição de decadência
dos membros da raça humana, na esperança de mantê-los distante de
sua pessoa, por um processo misterioso, ele vive uma vida melhor,
pelas ruas, de porta em porta, e de casa em casa, pondo suas mãos
naqueles que estão espiritualmente doentes, e conduzindo-os ao
Médico Todo-Poderoso. Em sua forma de falar e escrever o Exército
constantemente exibe esta mesma característica. Em vez de propor
teorias religiosas ou fingir ensinar algum sistema teológico, fala
bem ao estilo do velho Profeta ou Apóstolo, a cada indivíduo, sobre
seu pecado e dever, procurando trazer luz e o poder do céu a cada
coração e consciência, pois apenas assim o mundo pode ser
transformado.

2. E passo por passo, juntamente com este contato humano inequívoco


vai algo que não é humano.

A perplexidade e a contradição da maioria dos críticos das fontes


que fizeram brotar este Exército surge indubitavelmente do fato de
que eles elaboram respostas para seu sucesso sem admitir qualquer
poder sobre-humano assistindo seu ministério, contudo, dia após
dia, e noite após noite, os fatos maravilhosos vão se multiplicando.
O homem que ontem à noite estava bêbado em uma favela de Londres,
está na noite seguinte defendendo Cristo em uma plataforma do
Exército. O céptico inteligente que algumas semanas atrás
interrompia os oradores em Berlim, vertendo desprezo às
reivindicações deles por um conhecimento pessoal do Salvador
invisível, é no dia seguinte um crente completo como qualquer um dos
demais. A menina pobre, perdida, envergonhada, que há um mês atrás
perambulava faminta pelas ruas de Paris, é hoje uma dedicada e
modesta seguidora de Cristo, trabalhando em situação humilde. Para
os que admitem que temos razão dizendo «isto é obra de Deus», tudo é
bem simples, e nossa certeza de que os feios sedimentos da Sociedade
podem tornar-se seus ornamentos não requer nenhuma explicação
adicional.

3. Porém, todos estes milagres modernos teriam sido comparativamente


inúteis não fosse o sistema do Exército de utilizar os dons e a
energia de nossos convertidos. Suponha que sem qualquer reivindicação
do poder Divino o Exército tivesse sucesso em levantar dezenas de
milhares de pessoas, desconhecidas e aparte da comunidade, e as
transformasse em Cantores, Oradores, Músicos, e Lideranças, isso é
seguramente por si só um fato notável. Mas essas pessoas não apenas
se engajam em várias labutas em benefício da comunidade. Elas são
tomadas por uma ambição ardente de atingir o mais alto grau possível
de utilidade. Ninguém deseja mais do que nós ver a continuação desse
mesmo processo vitorioso entre nossos novos amigos da Custódia
Casual e da Favela. E se o Exército pôde realizar tudo isso
utilizando talentos humanos para os mais elevados propósitos, apesar
de predominar quase universalmente no seio das Igrejas uma prática
contrária, o que é que se pode esperar da Ala Social, diante do
exemplo do Exército?

4. A manutenção de todo esse sistema, naturalmente, ocorre em grande


parte devido à aceitação completa do governo e da disciplina
militar. Mas diante disto não podemos fechar os olhos ao fato de que
até mesmo em nossas próprias fileiras as dificuldades surgem
diariamente em virtude da lida dessas pessoas que eram antigamente
opressores e ofensivos. O velho sentimento que teria mantido Paulo
suspeito, obscuro, depois da conversão dele é, infelizmente, uma
parte da base conservadora da natureza humana que continua existindo
em toda parte, fato que tem que ser superado pela rígida disciplina
que dá segurança em todos os lugares e em todo o tempo, o novo
convertido deve ser tornado o mais importante para Cristo. Mas nosso
sistema Militar é um grande fato indisputável, tanto que nossos
inimigos às vezes nos reprovam por este motivo. A possibilidade de
criar uma Organização Militar, e afiançar execução fiel do dever
diário realmente é uma maravilha, mas uma maravilha realizada,
completamente da mesma maneira como é entre os Republicanos da

17
América e da França, entre os bem treinados militares alemães, ou os
súditos da monarquia britânica. É notório que podemos enviar um
oficial de Londres, desprovido de qualquer habilidade
extraordinária, para assumir o comando de qualquer corpo de exército
no mundo, com a certeza de que ele encontrará soldados ansiosos em
atender suas solicitações, e sem um pensamento que questione seu
comando, soldados que tanto quanto ele continuam fiéis às ordens e
regulamentos sob os quais estão alistados.

5. Mas os que mostram uma curiosa ignorância a respeito do sucesso


de nossa disciplina, como se ela fosse algo parecido com uma ordem
de prisão, como aquela que é forçada por um carcereiro ou um padre
católico. Pelo contrário, se a disciplina do Exército de Salvação
estivesse em extinção, e seu sucesso regular durante algum tempo
interrompido, certamente teria sido por uma tentativa de pedir algo
sem o necessário espírito jovial, sem a alegria do amor, que é sua
fonte principal. Ninguém pode familiarizar-se com nossos soldados em
parte alguma da terra sem ser imediatamente golpeado com a alegria
extraordinária de nossa gente, e esta alegria é por si só um dos
elementos que mais contribui para o crescimento, influência e
sucesso do Exército de Salvação. Mas se isto é assim, entre todas as
coisas boas que o Exército de Salvação faz, julgo que é provável que
seus melhores resultados estejam entre os mais pobres e os mais
miseráveis! Entre aqueles que nunca conheceram dias luminosos, e a
mera visão de uma face feliz significa uma grande revelação e
inspiração para eles.

6. Mas o sucesso do Exército de Salvação não vem com rapidez mágica;


esse sucesso depende, assim como qualquer trabalho real, de uma
infinita perseverança. Sem falar da perseverança do Oficial que fez
da salvação dos homens o trabalho de sua vida, o do qual, ocupado e
absorto com este grande alvo, espera-se naturalmente que permaneça
fiel, há multidões desses nossos Soldados que, após a labuta de um
dia duro pelo pão diário deles, em vez de algumas horas de lazer,
dedica boa parte de seu tempo livre para o serviço da Guerra. Vez
após vez, ouvimos algo sobre algum Soldado do Exército de Salvação
que detém um respeito quase universal em sua cidade, mas que
antigamente era conhecido como malfeitor, e ouvimos também que este
homem, desde a data de sua conversão, cinco a dez anos atrás,
raramente esteve ausente do seu posto, e nunca sem uma boa razão
para isto. Sua função pode ter sido comparativamente insignificante,
«apenas um guardião de porta», e «apenas um vendedor de Brado de
Guerra», contudo domingo após de domingo, noite após noite, ele está
presente, não importa quem seja o oficial dirigente, ele faz a sua
parte, ele é paciente, animado, pronto para socorrer o aflito, e
revela fidelidade sem vacilar em nada. A continuação deste processo
de compaixão depende em grande parte de liderança, e a criação e a
manutenção desta liderança foi uma das maravilhas do Movimento.

Temos hoje homens respeitados e reverenciados ao longo do país,


despertando multidões para um serviço mais dedicado, homens que
alguns anos atrás foram notórios campeões de iniqüidade em quase
toda forma de vício, e alguns deles foram cabeças de motim em
oposição violenta contra o Exército. Temos o direito de acreditar
que nessas mesmas linhas Deus está levantando líderes, de uma forma
infinita e imensurável.

Por trás de todo sucesso do Exército de Salvação há uma força contra


a qual o mundo pode zombar, mas sem a qual as misérias do mundo não
podem ser removidas, a força daquele Divino amor que inspirou o
Calvário, a força que Deus pode transmitir pelo Seu espírito para os
corações humanos em nossos dias.

É lamentável ver homens inteligentes tentando considerar, sem


admitir este grande fato, a abnegação e o sucesso dos Oficiais e
Soldados Salvacionistas. Se aqueles que desejam entender o Exército
considerassem apenas a dificuldade de gastar até vinte e quatro
horas com sua gente, quão diferentes em quase todos os sentidos

18
seriam as conclusões a que chegariam. Meia hora gasta ao lado de
muitos de nossos oficiais seria suficiente para convencer, até mesmo
o trabalhador bem sucedido, que a vida não pode ser vivida com
felicidade em tais circunstâncias sem um pouco daquele poder
sobrenatural que tanto sustenta como alegra a alma, completamente
independentemente dos ambientes terrestres.

O Projeto proposto neste livro, estamos bem satisfeitos com ele,


jamais teria qualquer chance de sucesso não fosse o fato de termos
uma vasta provisão de homens e mulheres, com o amor de Cristo
regendo seus corações, preparados para dedicar suas vidas a um
esforço de auto-sacrifício em benefício do mais vil e do mais rude,
uma dedicação que significa o mais alto dos privilégios. Mas mesmo
com tais homens e mulheres ousamos dizer que a realização deste
estupendo empreendimento seria impossível sem a ajuda material que o
Exército de Salvação necessita para colocá-lo em prática.

A OBRA SOCIAL DO EXÉRCITO DE SALVAÇÃO.

Quartel General Temporário 36, UPPER THAMES STREET, LONDRES, E.C.

OBJETIVOS. -- Reunir empregadores e trabalhadores para a vantagem


mútua deles. Fazendo conhecer os desejos de cada uma das partes,
provendo um método efetivo de comunicação.

PLANO DE OPERAÇÃO. -- A Abertura de um Escritório Central de


Registro, que no momento funciona no endereço acima, onde uma série
de informações serão colocadas a disposição para livre consulta de
empregadores, empregados, e qualquer pessoa interessada.

Salas de espera públicas (masculinas e femininas) na qual o


desempregado pode vir com a finalidade de esquadrinhar jornais,
inserir anúncios para emprego em todos os jornais a taxas mais
baratas. Mesas apropriadas que permitam aos usuários escrever seus
currículos. Caixas postais (para respostas a pedidos de emprego)
para trabalhadores desempregados.

As Salas de Espera também funcionarão como Ponto de Encontro onde os


empregadores podem encontrar e fixar compromissos com Trabalhadores
de todos os tipos, através de contratos. Isso anula armadilhas
montadas contra desempregados, pois estes não têm nenhum outro lugar
para esperar a não ser dentro dos Bares, que no presente é quase o
único «ponto de encontro» do trabalhador desempregado.

Geralmente levando ao conhecimento do público os desejos dos


desempregados por meio de anúncios, através de currículos, e
entrando em contato direto com os empregadores, elaborando
estatísticas com informações sobre o número de desempregados
ansiosos por trabalho, nas várias profissões e ocupações em que
trabalham.

A abertura de filiais do Agências de Emprego, tão rapidamente quanto


os fundos e oportunidades permitirem, em todas as grandes metrópoles
e centros industriais ao longo da Grã Bretanha.

Com relação à Agência de Emprego, propomos lidar com trabalhadores


qualificados e não-qualificados, formando agencias como a Sociedade
dos Carregadores de Cartazes [«Sandwich» Board Men's Society],
Sapateiros, Tapeceiros, Pintores, Faxineiros, Lenhadores, e outras
Brigadas, todas elas, como muitas outras, serão colocadas em
operação na medida em que prestem um auxílio ao público, atendendo
todo tipo de trabalhadores.

A Agência de Empregados Domésticos também será uma filial da


Agência, e haverá também uma Casa Para Empregados Domésticos sem
trabalho. Aqui e em outras áreas serão necessários fundos para
início das operações. Todas as informações, doações, etc., devem ser

18
endereçados ao local acima, direcionadas à «Agência de Trabalho»,
etc.

CENTRAL DE EMPREGOS. AGENTES LOCAIS E DEPARTAMENTO POSTAL.

Querido Camarada -- A carta anexa que está sendo enviada a nossos


Oficiais ao longo do Campo, explica o objetivo que temos em vista.
Seu nome foi sugerido a nós como alguém cujo coração está em
completa afinidade com qualquer esforço em nome da pobre e sofrida
humanidade. Estamos ansiosos para ter conectado com nossos Corpos do
Exército de Salvação, em qualquer localidade ao longo do Reino
Unido, todo camarada sensato, simpatizante com nossa obra, e que
atue como nosso Agente ou Correspondente local, e com quem
pudéssemos contar a qualquer momento para obter informações seguras,
e que assuma esta função como trabalho regular de comunicação
amorosa e útil com respeito à condição social em termos gerais no
bairro onde vive.

Apreciaríamos sua resposta, fazendo-nos conhecer o mais cedo


possível suas visões e sentimentos nesse assunto, estamos ansiosos
por agir imediatamente. Pretendemos acima de tudo obter informações
sobre desempregados e empregadores necessitando de trabalhadores, de
forma que possamos colocar essas informações em nossos registros, e
tornar conhecidos os desejos tanto de empregadores e como de
candidatos a emprego.

Teremos toda satisfação em manter contato com você, forneça alguns


fatos sobre as condições de vida em sua localidade, ou qualquer
idéia ou sugestão que gostaria de dar para nos ajudar com relação a
este bom trabalho.

O Serviço Social compreende não apenas a questão do trabalho,


compreende também a recuperação de presidiários e outras áreas na
obra Salvacionista, que geralmente labuta com as classes mais
sofridas da humanidade, de forma que você pode ser uma grande bênção
contribuindo para a obra de Deus cooperando conosco.

Afetuosamente, etc.

AGENTES LOCAIS E DEPARTAMENTO POSTAL.

Proposta para agente local, correspondente, etc.

Nome....................................................

Endereço.................................................

Ocupação..............................................

Se Soldado, qual Corpo?................................

Se não é Soldado, qual a Denominação?......................

Se falou com alguém sobre esse assunto, que resposta obteve?....


..........................................................
..........................................................

...........................................................
...........................................................

...........................................................

Assinado.....................................................

18
Corpo......................................................

Data............................ 189__.

Favor enviar-nos logo que possível, e entraremos em contato com o


Camarada que você propõe para esta vaga.

PARA EMPREGADORES.

Trazemos ao seu conhecimento o fato de que o Exército de Salvação


abriu no endereço acima (relacionado à sua Obra de Resgate Social),
uma Agência de Empregos para a Inscrição dos interessados de todas
as classes Laborais, tanto empregadores como candidatos a emprego em
Londres e ao longo do Reino Unido, nosso objetivo é colocar ambas as
partes em contato, para mútua vantagem, os que precisam de
trabalhadores e os que querem trabalho.

Foram feitas adaptações no endereço acima nas salas de espera, de


forma que os empregadores possam ver os homens e mulheres a procura
de emprego, e estes possam ter acomodações para escrever cartas, e
ver anúncios nos jornais.

Você está a procura de determinado tipo de trabalhador? Basta


preencher o formulário e enviá-lo para nós. Diante das descrições
fornecidas nos empenharemos em atender tuas necessidades. Todos teus
pedidos, é desnecessário dizer, terão nossa melhor atenção, não
importa se o trabalho é de caráter permanente ou temporário.

Também teremos o prazer, pelo escritório de informações do


Departamento do Trabalho, de lhe fornecer qualquer informação
adicional sobre nossos planos, nossos Oficiais também estarão
prontos a atender suas necessidades quando você necessitar de
mão-de-obra.

Como nada será cobrado para os registros, nem de empregadores nem de


candidatos a empregos, é óbvio que um desembolso considerável será
necessário para dar continuidade a estas operações, e uma ajuda
financeira será grandemente necessária.

Estaremos gratos por qualquer doação, por menor que seja, para
ajudar a cobrir o custo de funcionamento deste departamento. Apenas
em casos especiais daremos recomendações pessoais, pois teremos que
lidar com um números muito grande de pessoas totalmente
desconhecidas. Por favor envie seus comunicados ou doações para o
endereço acima, assinalando «Agência Central de Emprego», etc.

INICIAMOS UMA CAMPANHA CONTRA OS «SWEATINGS», estabelecimentos


escravizantes em que os empregados trabalham longas horas a salários
de fome, além de outras más condições de higiene e trabalho. VOCÊ
IRÁ NOS AJUDAR?

Prezado Sr. -- em conexão com o Setor de Reforma Social inauguramos


na Agência Central de Empregos um departamento que tratará
especialmente com mão de obra «não especializada», entre as quais
estão PLAQUEIROS, CARTEIROS, ENTREGADORES, FAXINEIROS, PINTORES.

É muito importante que trabalho dado a estes trabalhadores e outros


não mencionados, fosse remunerado com o mínimo de taxas e descontos
por parte do Contratante, ou pelos intermediários entre empregadores
e trabalhadores.

Em todas nossas operações nesse setor não propomos lucrar em cima


daqueles que beneficiamos; tudo que recebemos é inteiramente
aplicado no esquema, até o último centavo, será dedicado a pagar

18
despesas como prover placas para plaqueiros, alugar carrinhos de mão,
ou comprar equipamentos necessários.

Estamos muito ansiosos para ajudar as classes mais necessitadas,


especialmente os plaqueiros, muitos dos quais recebem salários
miseráveis; freqüentemente tão baixos que atingem apenas um xelim por
um dia inteiro de trabalho.

NÓS APELAMOS A TODOS AQUELES QUE SE COMPADECEM COM A HUMANIDADE


SOFREDORA, especialmente Religiosos, Filantropos e Sociedades, a nos
ajudar em nossos esforços, fazendo pedidos para a provisão de
Plaqueiros, Mensageiros, Faxineiros e outros tipos de trabalhadores em
nossas mãos. Nosso custo para plaqueiros será 2s. 2d., incluso as
placas, o contrato e a própria supervisão desses homens, Dois xelins,
pelo menos, irão direto para os homens; a maioria dos intermediários
dos plaqueiros recebem este valor, e alguns até mesmo mais, mas
freqüentemente pagam não mais que um xelim para os homens que
contratam. Estaremos satisfeitos em fornecer informações adicionais
sobre nossos planos, enviar um representante para explicações
adicionais, receber pedidos, etc.

Atenciosamente, etc.

AGÊNCIA CENTRAL DE EMPREGOS. AOS HOMENS E MULHERES SEM EMPREGO.

AVISO.

Um Registro Grátis, para todos os tipos de desempregados, foi aberto


no endereço acima. Se você quer trabalho, diga o que sabe fazer e
onde deseja trabalhar. Preencha um relatório com nome e endereço e
outras informações, ou preencha o formulário abaixo, e envie para o
endereço acima. Examine as páginas de anúncios dos jornais que
disponibilizamos. Mesas com canetas e tinteiros estão a sua disposição.
Se você mora longe leve formulários para serem preenchidos por amigos e
conhecidos que estão desempregados, e depois remetidos à Agencia de
Empregos aos cuidados do Comissário Smith.

Nome.......................................................

Endereço....................................................

...........................................................

Tipo de trabalho procurado........................................

Salário pretendido..............................................

-----------------------------------------------------------
I
Nome I
I
-----------------------------------------------------------
I
Idade I
I
-----------------------------------------------------------
I
Durante os últimos 10 anos você teve algum emprego regular?
I
-----------------------------------------------------------
I
Quanto tempo trabalhou?
I
-----------------------------------------------------------
I
Que tipo de trabalho?

18
I
-----------------------------------------------------------
Que trabalho sabe fazer?
I
-----------------------------------------------------------
I
Que faz nas horas vagas?
I
-----------------------------------------------------------
I
Quanto recebia quando estava regularmente empregado?
I
-----------------------------------------------------------
I
Quanto recebia quando trabalhava sem carteira assinada?
I
-----------------------------------------------------------
I
Você é casado?
I
-----------------------------------------------------------
I
Vive com sua esposa?
I
-----------------------------------------------------------
I
Quantos filhos tem e qual a idade deles?
I
-----------------------------------------------------------
Se você fosse colocado em uma fazenda para trabalhar naquilo que
pudesse, e fosse provido com comida, moradia, e roupas, com uma
perspectiva de andar pelos seus próprios pés, você faria tudo que
estivesse ao seu alcance?
-----------------------------------------------------------

COMO COUNT RUMFORD ABOLIU A MENDICÂNCIA NA BAVIERA.

Count Rumford foi um oficial americano que serviu com considerável


distinção na Guerra Revolucionária naquele país, e depois se
instalou na Inglaterra. Depois disso ele foi deslocado para a
Baviera onde foi promovido ao comando principal de seu exército, e
também dedicou-se energicamente ao Governo Civil. Naquele tempo a
Baviera estava literalmente enxameada por mendigos que não apenas
era algo desagradável à visão e vergonha da nação, como também um
terrível peso para o Estado. Count solucionou o problema acabando
com esta profissão miserável, o texto abaixo extraído de seus
escritos narram o método pelo qual ele conseguiu realizar essa
façanha: --

«A Baviera, pela negligência do Governo, e pelo abuso da bondade e


da caridade de sua boa gente, foi infestada com mendigos, que se
misturaram a vagabundos e ladrões. Eles estavam para o corpo
político como parasitas e vermes estão para as pessoas e para as
casas -- vivendo na mesma negligência preguiçosa». -- (Página 14.)

«Na Baviera haviam leis que protegiam os pobres, mas elas eram um
incentivo à negligência. E a mendicância tornou-se generalizada». --
(Página 15.)

«Em suma», diz Count Rumford, «estes detestáveis parasitas


proliferavam por toda parte; eles eram não apenas clamorosa e
grandemente descarados e impudicos, eles tinham acesso às artes mais
diabólicas e praticavam os crimes mais horrendos em sua lida infame.
Eles expunham e torturaram seus próprios filhos, e se aproveitavam
deles para extorquir esmolas de pessoas caridosas». -- (Página 15.)

18
«Nas grandes cidades a mendicância tornou-se uma impostura
organizada, com um tipo de governo e polícia própria. Cada mendigo
tinha sua característica, com uma ordem hierárquica e promoções,
como ocorre com outros governos. Haviam batalhas para decidir
reivindicações contraditórias, e um bom caráter não era nenhum
incentivo ao matrimônio ou legado vantajoso». -- (Página 16.)

«Ele viu que não bastava proibir a mendicância através da lei ou o


castigo pela prisão. Os mendigos não se preocupavam com isso. O
enérgico Count atacou essa questão de uma forma científica. Ele
estudou os pedintes e a mendicância. Como lidar com um mendigo
individualmente? Prendê-lo por um mês para que ao sair voltasse
novamente à mendicância? Isso não era nenhum remédio. A solução
evidente seria proibir-lhe mendigar, mas ao mesmo tempo dar-lhe
oportunidade para trabalhar; ensinar-lhe a trabalhar, o encorajar um
trabalho honesto. A sábia regra seria prover auto-sustento,
alimento, conforto, e trabalho a todo mendigo e vagabundo na
Baviera». -- (Página 17.)

«Count Rumford, sábio e justo, empenhou-se num processo de


recuperação de todo tipo de mendigos e vagabundos, convertendo-os em
cidadãos úteis, até mesmo aqueles que tinham afundado no vício e no
crime».

«'O que é mais necessário à vida?' Perguntou a si mesmo. 'Qual a


primeira condição de conforto?' A limpeza, que animais e insetos
prezam. A limpeza, que afeta o caráter moral do homem. A limpeza,
que é similar à compaixão pelos sofrimentos alheios. A idéia de que
a alma torna-se suja e depravada por influencia daquilo que é imundo
prevaleceu por muito tempo em todas as eras. A virtude é
incompatível com a sujidade. Nosso corpo está em guerra com tudo que
o suja».

«Seu primeiro passo, depois de um completo estudo e análise do


assunto, foi prover em Munique, grandes, bem ventiladas e elegantes
Indústrias, bem abastecidas com ferramentas e materiais necessários.
Cada Indústria foi provida com um grande refeitório e uma cozinha
suficientemente grande para propiciar um jantar econômico a todo
trabalhador. Havia mestres engajados com cada tipo de trabalho».

«Calor, luz, conforto, limpeza, e ordem, dentro e ao redor destas


casas, tornava-a atraente. O jantar era servido diariamente, grátis,
no princípio fornecido pelo Governo, depois pelas contribuições dos
cidadãos. Padeiros traziam pão amanhecido; açougueiros traziam
refugos de carne; os cidadãos traziam porções de alimentos -- tudo
pela alegria de ver-se livre da amolação da miséria. Os mestres de
trabalhos braçais foram providos pelo Governo. E enquanto tudo isso
era fornecido gratuitamente, todo mundo recebia o valor completo de
seu trabalho. Ninguém precisava implorar por nada; mas havia
conforto, comida, trabalho, pagamento. Ninguém era maltratado,
ninguém falava palavrão; em cinco anos nenhuma criança sofreu
qualquer agressão».

«Quando os preparativos desta grande experiência foram


silenciosamente finalizados, o exército -- o braço direito do poder
administrativo que tinha sido treinado para executar essa operação
-- entrou em ação juntamente com a polícia e os magistrados civis.
Regimentos da cavalaria se espalharam por toda cidade, com patrulhas
em todas as estradas, em rondas pelas vilas, mantendo a ordem e a
disciplina mais rígida, prestando extrema deferência às autoridades
civis, e evitando toda a ofensa às pessoas; foram instruídos de,
quando a ordem fosse dada, prender todo mendigo, vagabundo,
desertor, trazê-los diante dos magistrados. Esta operação militar
não custou nada mais que alguns acantonamentos rurais, e esta
despesa custou para o país inteiro menos de #3.000 por ano».

«Em 1º de janeiro de 1790 -- Dia de Ano novo, desde tempos


imemoriais, o feriado dos vagabundos, quando eles enxameavam pelas

18
ruas, na expectativa de algum presente -- oficiais comissionados e
não-comissionados foram distribuídos pela madrugada em três
regimentos de infantaria em diferentes pontos de Munique para
esperar as ordens. O Tenente-General Count Rumford reuniu em sua
residência os principais oficiais do exército e os principais
magistrados da cidade, e comunicou a eles seus planos para a
campanha. Então, vestiu seu uniforme e, com suas comendas e
condecorações brilhando no peito, seguiu o exemplo do soldado mais
humilde, saiu pelas ruas, não demorou muito um mendigo se aproximou
desejando um 'Feliz Ano Novo', e ficou aguardando o presente. 'Eu
fui para perto dele', disse Count Rumford, 'coloquei minha mão
suavemente em seu ombro, e disse-lhe que a mendicância daqui para a
frente não mais seria tolerada em Munique; e que se ele estivesse em
necessidade, ajuda seria dada; e se ele fosse descoberto novamente
em mendicância, seria severamente castigado'. Então ele foi enviado
para a Prefeitura, seu nome e residência foi inscrito e registrado,
e ele foi designado para efetuar reparos na Casa Militar da Indústria
pela manhã do dia seguinte, lá ele encontraria refeições, trabalho,
e salários. Todo oficial, todo magistrado, todo soldado, seguiu o
exemplo determinado; todo mendigo que resistisse seria preso, bastou
um dia para que a mendicância fosse abolida da Baviera. A mendicância
foi banida do reino».

«E agora vamos considerar qual foi o progresso e o sucesso desta


experiência. Parecia um risco confiar matérias-primas de indústria
-- lã, linho, fios, etc. -- nas mãos de mendigos comuns; transformar
gente debochada e depravada em pessoas ordeiras e úteis, era um
empreendimento árduo. Claro que a maior parte deles fazia um
trabalho ruim no princípio. Por meses eles custavam mais do que
produziam. Eles estragaram mais chifres do que produziam colheres.

«Empregados primeiramente nas operações mais grosseiras e rudes da


fabrica, aos poucos avançavam na medida em que melhoravam, e durante
algum tempo seus pagamentos eram maiores do que o resultado de seu
trabalho -- no intuito de encorajar a boa vontade, esforço, e
perseverança. Estas coisas valem qualquer soma. O povo pobre sentiu
que era tratado mais do que com justiça -- mas com bondade. Ficou
mais do que evidente que tudo aquilo concorria para o bem deles. No
princípio havia confusão, mas nenhuma insubordinação. Eles eram
desajeitados, mas não insensíveis à bondade. O velho, o fraco, e as
crianças foram colocados em tarefas mais fáceis. Os adolescentes
eram pagos para ficar simplesmente olhando até implorarem unir-se ao
trabalho, que para eles parecia um jogo. Ao redor deles reinava um
clima limpo, quieto, ordeiro, agradável, aprazível, gostoso,
divertido, alegre, ameno, calmo. Vivendo em suas próprias casas,
eles entraram a uma hora determinada pela manhã. Ao meio-dia eles
tinham um almoço quente, nutritivo. As provisões vinham de
contribuições ou eram compradas no atacado, e o aproveitamento dos
alimentos na cozinha chegava ao ponto da perfeição. Count Rumford
tinha planejado todo o aparato culinário de tal forma que três
mulheres preparavam um jantar para mil pessoas com lenha velha como
combustível ao custo de 4 1/2d.; um almoço para 1.200 pessoas
custava apenas #1 7s 6 1/2d., ou um-terço de centavo para cada
pessoa! Tudo isso na mais perfeita ordem -- no trabalho, nas
refeições, e em toda parte. Imediatamente após a companhia tomar
seu lugar à mesa, e a comida previamente servida, todos repetiam uma
curta oração. 'Talvez', diz Count Rumford, 'eu devesse pedir perdão
por praticar esse costume tão fora de moda, mas eu sou
suficientemente fora de moda para apreciar tais coisas'».

«O povo pobre foi generosamente pago pelo seu trabalho, mas apenas
pagamento em dinheiro era insuficiente. Era necessário o sentimento
de competição, o desejo de superação, o senso de honra, o amor à
glória. Não apenas pagamento, mas recompensas, prêmios, distinções,
foram dados aos mais meritórios. Foi dedicado um cuidado peculiar às
crianças. Primeiramente elas eram pagas pela simples presença, como
ociosos observadores, até suplicarem às lágrimas que lhes fosse
permitido trabalhar. 'Quão doces essas lágrimas eram para mim', diz

18
Count Rumford, 'não é difícil imaginá-las'. Certas horas foram
gastas por eles em uma escola, para a qual foram providos
professores».

«O efeito destas medidas foi bem notável. Aquelas pessoas eram


desajeitadas, mas não eram estúpidas, e mais rápido do que
pudéssemos imaginar eles aprenderam a trabalhar. Mas o mais
maravilhoso foi a mudança nos modos deles, na aparência, e mesmo na
expressão de seus semblantes. A alegria e a gratidão substituíram a
escuridão da miséria e a rabugice do desespero. Seus corações foram
amolecidos; eles eram gratos ao seu benfeitor, e ainda mais por
causa de seus filhos. Estes trabalhavam com seus pais, formando
pequenos grupos laboriosos cuja dedicação atraía o interesse de toda
visita. Os pais estavam contentes na crescente criatividade e
inteligência de seus filhos, e as crianças estavam orgulhosas de
suas próprias realizações».

«A grande experiência foi um completo e triunfante sucesso. Quando


Count Rumford escreveu sua narrativa, seu plano completava já cinco
anos de operação; seu plano foi, financeiramente, uma bagatela, e
não apenas baniu a pobreza, mas forjou uma total mudança nos modos,
hábitos, e na aparência, das pessoas mais abandonadas e degradadas
do reino».--(«Count Rumford», páginas 18-24.)

«O pobre é ingrato? Count Rumford achava que não. Quando, ao fim de


sua grande labuta ele caiu perigosamente doente, o povo pobre cujas
vidas resgatara da vergonha e da miséria, espontaneamente se reuniu
em torno dele, formou uma procissão, e entrou unido na Catedral para
oferecer suas orações conjuntas para a recuperação dele. outra
feita, quando estava ausente na Itália, e suposto gravemente doente
em Nápoles, eles reservaram um certo tempo a cada dia, após suas
horas de trabalho, para orar pelo seu benfeitor. Depois de uma
ausência de quinze meses, Count Rumford voltou com saúde renovada a
Munique -- uma cidade onde havia trabalho para todo o mundo, e onde
as pessoas conseguiam prover suas necessidades básicas. Quando ele
visitou a casa militar, a recepção que o povo pobre lhe proporcionou
arrancou lágrimas de seus olhos diante de todos os presentes. Alguns
dias após ele entreteu-se com 18.000 deles no jardim inglês -- um
festival promovido por 30.000 cidadãos de Munique». («Cunt Rumford»,
páginas 24-25.)

O EXPERIMENTO COOPERATIVO RALAHINE.

«Os recentes ultrajes de 'Whitefeet', 'Lady Clare Boys', e 'Terry


Alts' (trabalhadores) passaram da conta; até agora nenhum remédio
foi tentado por meio da força, com excessão de um proprietário
irlandês, Sr. John Scott Vandeleur, de Ralahine, município de Clare,
seu derradeiro xerife. No início do ano de 1831 Vandeleur e sua
família foram forçados a sair daquela área, sob escolta policial,
seu mordomo havia sido assassinado por um trabalhador escolhido por
sorteio em uma reunião para decidir quem deveria perpetrar a ação. O
Sr. Vandeleur veio até a Inglaterra buscar alguém que o ajudasse a
organizar os trabalhadores em uma associação agrícola e industrial,
que seria administrada nos princípios da cooperação. Foi-lhe
recomendado o Sr. Craig que, em um grande sacrifício de sua posição
e prospectos, consentiu prestar seus serviços».

«Ninguém exceto um homem de raro zelo e coragem teria tentado tão


aparentemente desesperada tarefa como aquela que o Sr. Craig
empreendeu. Tanto os homens que ele tinha que administrar -- Terry
Alts que tinha assassinado o mordomo do dono da terra -- como as
circunstâncias eram bem imprevisíveis para inspirar confiança no
sucesso de qualquer projeto que pudessem planejar. Os homens
geralmente falavam no idioma irlandês que o Sr. Craig não entendia, e
olharam para ele como uma pessoa suspeita enviada para se insinuar
em torno do segredo do recente assassinato. Por conseguinte ele foi

18
tratado com frieza, ou pior que isso. Em uma ocasião o contorno de
sua sepultura foi desenhado da campina próxima à sua casa, e ele
temeu pela sua vida. Porém, depois de um tempo, ele ganhou a
confiança destes homens, eles se tornaram selvagens devido ao
maltrato».

«A fazenda foi alugada pelo Sr. Vandeleur a um valor determinado, a


ser pago em quantidades fixas de produtos da fazenda que, aos preços
vigentes em 1830-31, representariam #900, incluindo nesse montante
edifícios, maquinaria, e os estoques providos pelo Sr. Vandeleur. O
aluguel era de apenas #700. Como a fazenda consistia de 618 acres
com apenas 268 cultivados, este aluguel era um muito alto -- um fato
que foi reconhecido pelo proprietário. Tirando o pagamento do
aluguel todo o lucro pertenceria aos sócios, divisíveis ao término
do ano se desejado. Eles começaram uma loja cooperativa para
provimento de alimentos e vestuário, e a propriedade passou a ser
administrada por um comitê de sócios, que pagavam salários a cada
associado homem ou mulher pelo trabalho realizado em notas de
trabalho que eram trocáveis na loja por bens ou dinheiro. Tanto a
bebida alcoólica como o tabaco foram proibidos. O comitê determinava
a cada homem os deveres do dia. Os sócios trabalhavam a terra, uma
parte era cultivada com hortas de verduras e legumes e pomares de
fruta, e outra parte era usada como fazenda leiteria, depósitos
foram construídos para armazenar feno para o gado. Foram criados
porcos e aves. Naquela ocasião os salários eram de apenas 8d. por dia
para os homens e 5d. para as mulheres, os associados recebiam nessa
faixa. Eles se mantinham com batatas e leite produzidos
principalmente na fazenda, também carne de carneiro e carne de
porco eram vendido a eles a preços extremamente baixos, assim eles
economizaram dinheiro ou notas de trabalho. A saúde e a aparência deles
melhoraram depressa, tanto que, com a doença rondando nos arredores,
não houve nenhum caso de morte ou doença séria entre eles enquanto
durou a experiência. Os homens solteiros moravam junto em um
edifício grande, e as famílias em cabanas. Assistidos pela Sra.
Craig, o secretário desenvolveu um brilhante sistema de educação
para jovens, e aqueles com idade suficiente para freqüentar
alternadamente a fazenda e a escola. Os arranjos sanitários estavam
em um estado alto de perfeição, e o treinamento físico e moral era
cuidadosamente assistido. Em relação a estes e outros arranjos
sociais, o Sr. Craig era um homem bem além do seu tempo, e desde
então ele construiu um nome conectado com suas aplicações em várias
partes do país».

«O 'Novo Sistema', como a experiência de Ralahine foi chamada, foi


considerado no princípio com suspeita e escárnio, mas rapidamente
ganhou aprovação no distrito, de forma que aqueles que antes estavam
arredios tornaram-se extremamente entusiasmados pela associação. Em
janeiro de 1832, a comunidade consistia de cinqüenta adultos e
dezessete crianças. O número total aumentou depois para oitenta e
um. Tudo era próspero, e não apenas foram beneficiados os sócios da
associação, a melhoria deles exerceu uma influência benéfica nas
pessoas do bairro. Esperava-se que outros proprietários imitassem o
excelente exemplo do Sr. Vandeleur, especialmente quando sua
experiência tornou-se por si só lucrativa, como também calculada
para produzir paz e satisfação na transtornada Irlanda. Justo quando
o ânimo estava elevado ao grau mais alto de expectativa, a
comunidade feliz de Ralahine foi quebrada por causa da ruína e dos
exageros do Sr. Vandeleur que tinha perdido sua propriedade no jogo.
Tudo foi vendido, e todas as notas de trabalho juntadas pelos sócios
teriam sido inúteis não tivesse o Sr. Craig, com nobre abnegação, as
resgatado do seu próprio bolso».

«Demos uma descrição bem escassa do sistema desenvolvido em


Ralahine. Os arranjos foram em todos os sentidos admiráveis, e
refletiram em grande crédito ao Sr. Craig como organizador e
administrador. O sucesso de sua experiência foi em grande medida
devido a sua sabedoria, energia, tato e paciência, e é bem
lamentável que ele não estivesse em posição de repetir a mesma

18
tentativa em circunstâncias mais favoráveis». («History of a
Co-operative Farm».)

[. . .]

A IGREJA CATÓLICA E A QUESTÃO SOCIAL.

O Rev. Dr. Barry leu um documento no dia 30 de junho de 1890 na


Conferência Católica, do qual separei alguns extratos para ilustrar
o elevado sentimento deste assunto por parte da Igreja Católica. O
Rev. Dr. Barry começou definindo o proletariado como formado por
aqueles que têm apenas uma posse -- sua mão de obra. Eles não têm
nenhuma terra, nenhum pedaço de terra, nenhuma casa, nenhuma
mobília, exceto poucas tábuas que eles chamam significativamente
pelo nome, nenhum emprego estável, o máximo que podem conseguir é um
auxílio miserável, e nos últimos 20 anos não tiveram nem mesmo
direito à educação. Esta classe, sem figuras de linguagem ou vôos de
retórica, é composta por sem teto, sem terra, destituídos, que
povoam nossas principais cidades, e eu chamo de proletariado. Sobre
o proletariado, ele declarou haver centenas de milhares crescendo
longe do alcance de todas as igrejas.

Ele continuou: É horrivelmente evidente que o Cristianismo


distanciou-se do povo; e que ficou terrivelmente para trás; e que,
em termos claros, temos em nosso meio uma nação de pagãos para os
quais os ideais, as práticas, e os mandamentos da religião são um
amontoado de coisas desconhecidas -- pouco notadas nos milhares e
milhares de conjuntos habitacionais para pessoas pobres, e mas
fábricas onde trabalham, como se Cristo nunca tivesse vivido ou
morrido. Como poderia ser o contrário? A grande massa de homens e
mulheres nunca tem tempo para a religião. O que é que se pode
esperar quando eles trabalham em dupla jornada? Quando se matam de
tanto trabalhar, antes do sol nascer e depois que o sol se põe
podemos vê-los e saber o que ocorre com eles, o que é que sobra para
o lazer após seis dias da semana? ... Temos que encarar este assunto
de frente. Não pretendo estabelecer a proporção entre as diferentes
seções em que estas coisas acontecem. Ainda menos coloco a culpa
nesses que são sem teto, sem terra e sem qualquer propriedade. O que
eu digo é que se o Governo de um país permite lançar milhões de
seres humanos em tal condição de vida e de trabalho como temos
visto, as conseqüências não podem ser outras. «Uma criança», disse o
Bispo Anglicano South, «tem o direito de nascer, mas não de ser
condenada ao inferno no mundo». Aqui há milhões de crianças
literalmente «condenadas ao inferno no mundo», nem suas cabeças
nem suas mãos são treinadas para qualquer coisa útil, a subsistência
miserável delas é recheada de sofrimento e de angústia, suas casas
fedem sob a lei do inquilinato que produziu toda uma Londres de
desterrados e uma horrível Glasgow, o direito delas a um pátio de
recreio e diversão foi reduzido à fedentina da sarjeta, e a grande
«lição objetiva» de suas vidas são seus pais bêbedos que muito
freqüentemente terminam na prisão, no hospital, e no asilo. Não é o
fato deles não serem cristãos que deve nos surpreender, mas o fato
deles nem ao menos entender por que deveriam ser....

A condição social criou este paganismo, esta barbárie, e esta


brutalidade tão familiar. Então a condição social deve ser mudada.
Nós levantamos a necessidade de uma fé pública -- de uma fé social,
e se você entende a palavra, de um Cristianismo leigo, secular. Este
trabalho não pode ser feito pelo clero, nem dentro das quatro
paredes de uma igreja. O campo de batalhas está na escola, em casa,
na rua, na taverna, no mercado, e onde quer que os homens se reunam.
Para tornar o povo Cristão é necessário restaurá-los para suas
casas, e suas casas para eles.

19
FIM DO LIVRO «NA TENEBROSA INGLATERRA E A SAÍDA».

ÍNDICE
PARTE I. A TENEBROSA INGLATERRA.
CAPÍTULO 1. Porque «A Tenebrosa Inglaterra»?
CAPÍTULO 2. O Lumpen
CAPÍTULO 3. Os Sem-Teto
CAPÍTULO 4. Os Desempregados
CAPÍTULO 5. Na Beira do Abismo
CAPÍTULO 6. Os Drogados
CAPÍTULO 7. Os Criminosos
CAPÍTULO 8. Os Meninos de Rua
CAPÍTULO 9. Qual a Saída?

PARTE II. O RESGATE.


CAPÍTULO 1. Uma Grande Tarefa
Seção 1. A Essência do Projeto
Seção 2. Meu Projeto

CAPÍTULO 2. Rumo ao Resgate! – A Colônia Urbana


Seção 1. Alimento e Abrigo para Todos
Seção 2. Trabalho para Desempregados -- A Fábrica
Seção 3. A Arregimentação de Desempregados
Seção 4. A Brigada Doméstica de Salvamento

CAPÍTULO 3. Rumo ao Campo! – A Colônia Rural


Seção 1. A Propriedade Agrícola
Seção 2. A Aldeia Industrial
Seção 3. A Aldeia Agrícola
Seção 4. A Fazenda Cooperativa

CAPÍTULO 4. Nova Inglaterra – A Colônia Ultramar


Seção 1. A Colônia e os Colonos
Seção 2. Emigração Universal
Seção 3. O Barco da Salvação

CAPÍTULO 5. Mais Campanhas


Seção 1. A Campanha da Favela – Nossas Irmãs Faveladas
Seção 2. O Hospital do Viajante
Seção 3. Regeneração de Criminosos – A Brigada Porta de Cadeia
Seção 4. Recuperação de Alcoólicos
Seção 5. Um Novo Refúgio Feminino – As Casas de Resgate
Seção 6. Uma Casa de Prevenção à Prostituição Infantil
Seção 7. Escritório para Localização de Pessoas Desaparecidas
Seção 8. Refugio para Meninos de Rua
Seção 9. Escolas Industriais

CAPÍTULO 6. Socorro em Geral


Seção 1. Melhoria de Moradias
Seção 2. Bairros Modelo na Periferia
Seção 3. O Banco do Pobre
Seção 4. O Advogado do Pobre
Seção 5. Departamento de Informações
Seção 6. Cooperativas Gerais
Seção 7. Bureau Matrimonial
Seção 8. Whitechapel Marítima

CAPÍTULO 7. O Que e Como fazer?


Seção 1. As Credenciais do Exército de Salvação
Seção 2. Quanto Custará?
Seção 3. Algumas Vantagens Apresentadas
Seção 4. Algumas Objeções Encontradas
Seção 5. Recapitulação

CAPÍTULO 8. Uma Conclusão Prática

19
APÊNDICE

Na Tenebrosa Inglaterra e A Saída


© 2004 - William Booth

railton@mail.com
Coletivo Periferia
http://www.geocities.com/projetoperiferia
Caixa Postal 52550, CEP 08010-971,
São Miguel Pta., São Paulo-SP, Brasil

19

Você também pode gostar