Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Fundamentos de Bioquimica - Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquimica - Ricardo Vieira
Fundamentos de
Bioquímica
Textos
Textos didáticos
didáticos
Belém-Pará
2003
Apresentação
A bioquímica é, sem dúvida, uma das ciências mais fascinantes porque desmonta o ser vivo
em seus componentes básicos e tenta explicar o funcionamento ordenado das reações químicas que
tornam possível a vida, freqüentemente adjetivada como milagre ou fenômeno. Entretanto, o
processo químico muito bem organizado que estabelece toda a existência da vida em nosso planeta,
tem sido desvendado, continuamente, por cientistas do mundo inteiro. Muito já se sabe, porém o
desconhecido é a essência do conhecimento humano e a luta para desvendá-lo advém da natureza
desbravadora da humanidade, que não se furta com explicações empíricas e procura a razão dos
fatos ao invés de eternizá-los mitos.
Os capítulos que se seguem representam a organização de informações básicas para o
aprendizado de Bioquímica Humana, resultado do conteúdo das aulas que ministro há pouco mais
de uma década. Como tal, possuem um caráter estritamente didático, não dispensando, de forma
alguma, a consulta às referências bibliográficas sugeridas ao final de cada capítulo e outras,
existentes na literatura especializada.
Entretanto, não se tratam de “apostilas” repletas de dicas e “macetes” que tornam o ensino
estereotipado. Pelo contrário, é um trabalho realizado com carinho e atenção para facilitar o
aprendizado em bioquímica nos cursos de Farmácia, Medicina, Biologia, Biomedicina, Nutrição,
Enfermagem, Odontologia e áreas afins.
O formato eletrônico em arquivos PDF é uma alternativa econômica e prática de acesso aos
meus textos originais, contornando dificuldades editoriais próprias de nossa região. Acima de tudo,
este E-book (livro eletrônico) corresponde a um protótipo para uma futura publicação em formato
tradicional e, como todo material didático, estes textos estão em constante atualização, sendo a sua
opinião (informando falhas, sugerindo mudanças etc.) de extrema valia para a realização de um
trabalho cada vez mais completo, possibilitando um retorno positivo para o processo ensino-
aprendizagem.
Belém-Pará
2003
À Georgete,
minha companheira e cúmplice.
A meus pais,
Benedito e Scila Vieira, meus mestres.
A meus alunos,
meus inspiradores.
Capítulo 1
O que estuda a Bioquímica?
O
estudo da Bioquímica infere ais. Sobre este aspecto, veja o que dizem Al-
um conceito nato de que exis- berts, B. et al. (1997).
te uma química da vida, ou
"Evidências geológicas sugerem que houve mais de
então que há vida pela química. Antes que um um bilhão de anos de intervalo entre o aparecimen-
conceito filosófico ou religioso, a vida, aqui, to das cianobatérias (primeiros organismos a libe-
deve ser tratada como o resultado da maximi- rar oxigênio como parte do seu metabolismo) e o
zação de fatores físicos e químicos presentes período em que grandes concentrações de oxigênio
em um sistema aberto extremamente frágil: a começaram a se acumular na atmosfera. Esse in-
tervalo tão grande deveu-se, sobretudo, à grande
célula. Neste microscópico tubo de ensaio quantidade de ferro solúvel existente nos oceanos,
estão os componentes necessários para que o que reagia com o oxigênio do ar para formar e-
ser vivo complete o clássico ciclo da vida, ou normes depósitos de óxido de ferro."
seja, nascer, crescer, reproduzir e morrer, Certamente, este processo lento de libe-
tudo resultado de um processo natural de de- ração de oxigênio como um dejeto indesejável
senvolvimento de reações químicas típicas dos primeiros habitantes de nosso planeta, foi
com reagentes, produtos e catalisadores que, responsável pelo surgimento de um outro orga-
quanto melhor as condições ótimas de reação, nismo adaptado em consumir este oxigênio
melhor a eficácia com que serão executadas. como comburente de moléculas orgânicas libe-
Do ponto de vista químico, os seres rando, assim, a energia térmica tão necessária
vivos são constituídos de elementos bastante para a manutenção da vida.
simples e comuns em todo o universo: carbo- Mas, descrever o processo complexo
no, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio (bases que é a vida não é tarefa tão simples quanto
dos compostos orgânicos), além de uma infi- possa parecer. Na verdade desde que o universo
nidade de outros elementos presentes em surgiu há cerca de 20 bilhões de anos, a vida na
quantidades relativamente menores, mas de Terra tem apresentado mecanismos ímpares de
funções imprescindíveis ao funcionamento reprodução e desenvolvimento que muitas ve-
celular (p.ex.: ferro, enxofre, cálcio, sódio, zes são únicos na natureza e desafiam os con-
potássio, cloro, cobalto, magnésio etc.) ceitos bioquímicos como por exemplo os seres
O agrupamento desses elementos, em que habitam as fossas abissais vulcânicas do
moléculas com funções distintas, foi um pas- Pacífico, que sobrevivem à temperaturas supe-
so longo e decisivo para a afirmação do pro- riores a 120oC; ou os vírus, que não possuem
cesso de vida em nosso planeta. O processo estrutura celular sendo formados, basicamente,
de obtenção de energia através da glicose na apenas por proteínas e ácidos nucléicos.
ausência de oxigênio, por exemplo, é um pro- Um fato comum a todos os seres vivos,
cesso tão organizado que ele é exatamente o porém, é a presença de macromoléculas exclu-
mesmo em todos os seres vivos, diferindo sivas dos seres vivos (carboidratos, lipídios,
somente na forma como o produto final é pro- proteínas, vitaminas e ácidos nucléicos) deno-
cessado, sendo que a maioria dos seres vivos minadas de biomoléculas. Desta forma, a quí-
prossegue com o metabolismo aeróbio, porém mica da vida está atrelada a composição básica
todos os seres vivos, sem exceção, realizam o de todo ser vivo, uma vez que todos possuem
metabolismo anaeróbio de degradação da gli- pelo menos dois tipos de biomoléculas, como
cose. no caso dos vírus.
Existe uma relação direta entre a produ- Lavosier e Priestly (final do século
ção de oxigênio pelas cianofíceas e o surgi- XVIII), Pasteur, Liebig, Berzelius e Bernard
mento dos seres multicelulares levando a (século XIX) foram pioneiros na pesquisa de
incrível diversidade de espécies dos dias atu- qual seria a composição dos seres vivos, sendo
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 2
tação ao redor delas, induzida por pontes de metabólicos, baseiam-se na composição plas-
hidrogênio. Entretanto, a água também parti- mática (a parte líquida do sangue).
cipa ativamente em reações bioquímicas (p. O sangue exerce um importante papel
ex.: hidrólise, condensação) o que a torna um no estudo da bioquímica, uma vez que possui
dos componentes químicos mais importantes funções chaves na manutenção dos processos
para a vida. De fato, o simples achado de água fisiológicos. É indispensável pelo transporte de
na forma líquida permite a inferência de exis- nutrientes, metabólitos, produtos de excreção,
tência de formas de vida (pelo menos como gases respiratórios, hormônios e de células e
nós a concebemos) seja no mais árido e quen- moléculas de defesa. Em animais de grande
te deserto, nos gélidos e secos pólos da Terra porte, é indispensável como dissipador do calor
ou nas mais profundas, escuras e ferventes produzido pela alta taxa metabólica celular,
fossas abissais do Pacífico (e, quem sabe, em impedindo que as células entrem em colapso
outros planetas do nosso sistema solar). químico em virtude do aumento da temperatura
ambiente. A capacidade de coagulação é uma
importante propriedade sangüínea que garante
o fluxo constante do sangue nos vasos, evitando
perdas por hemorragia.
A maioria dos seres multicelulares pos-
sui sangue ou algum tipo de líquido com função
correlata (p.ex.: a hemolinfa de insetos), sendo
que mamíferos e aves possuem um sistema de
manutenção da temperatura corpórea extrema-
mente eficaz ("sangue quente"), o que não per-
mite modificações bruscas na temperatura de
reação bioquímica. Os demais animais de "san-
gue frio" não conseguem evitar as trocas de
temperatura com o meio ambiente e a tempera-
tura interna varia consideralvelmente, levando a
um metabolismo energético diversificado dos
Figura 1-1: A molécula da água possui polaridade de "sangue quente". Entretanto, vários peixes
devido à diferença de carga entre os átomos de hidro- velozes (p.ex.: tubarão, salmão) possuem me-
gênio e o de oxigênio que, por ser mais eletronegativo,
favorece a criação de uma nuvem eletrônica em torno
canismos particulares de aquecimento constante
de seu núcleo, induzindo a uma carga formal positiva do sangue para manter uma temperatura cons-
para os átomos de hidrogênio. Esta polaridade permite tante para suas as altas atividades metabólicas
o surgimento de pontes de hidrogênio o que torna a de predadores, o que os torna verdadeiros pei-
água um soluto perfeito para a maioria das biomolécu- xes de "sangue quente".
las. (Adaptado de Lehninger, A.L et al., 1995).
A água, ainda, é importante na manu-
tenção do equilíbrio químico celular mantendo
Em organismos multicelulares, a água
as concentrações de H+ e demais eletrólitos
distribui-se em dois ambientes: líquido intra-
dentro de faixas estreitas evitando variações
celular (LIC) e líquido extracelular (LEC)
letais de pH e osmolaridade. É claro que esta
que, por sua vez, compõe-se do líquido intra-
manutenção só é possível graças a um comple-
vascular (plasma sangüíneo) e líquido inters-
xo processo bioquímico e fisiológico envolven-
ticial nos seres mais complexos, como é o
do hormônios (p.ex.: aldosterona, cortisol),
caso do ser humano, objeto central de nosso
órgãos especializados (p.ex.: rins, pulmões,
estudo. O sangue é o mais importante com-
adrenais) e um sistema fisiológico de tampões
partimento líquido do organismo e serve de
bioquímicos (p.ex.: Hb/HbO2; H2CO3/HCO3-).
base para o estudo do metabolismo de vários
Em organismos marinhos, a água é a
compostos bioquímicos. Freqüentemente, os
responsável pelo fornecimento do oxigênio e
valores médios da concentração das biomolé-
dispersão de excrementos, como o CO2 e com-
culas em um indivíduo, para efeito de estudos
postos nitrogenados, que favorecem a matéria
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 4
Proteínas
São as biomoléculas mais abundantes,
possuindo inúmeras funções, dentre elas a
indispensável função catalisadora exercida
pelas enzimas, sem a qual não seria possível a
maioria das reações celulares (apesar de al-
gumas moléculas de RNA possuírem ação
catalítica idêntica a enzimas).
São formadas por aminoácidos ligados
por ligações químicas extremamente fortes
entre seus grupamentos funcionais amino
Figura 1-3: A estrutura tridimensional da mioglobina,
(NH2) e ácido carboxílico (COOH), as liga- proteína especializada em liberar o O2 que transporta,
ções peptídicas (Figura 1-2). somente em baixa pO2 o que traduz sua importância no
metabolismo muscular. (Adaptado de Campbel, M.K., 1995)
α-aminoácidos
NH2 R De fato, essa propriedade de assumir
formas variadas proporciona um papel impor-
H - C - CO O H H -N - C - H tante na estereoquímica celular, onde as reações
são quase todas enzimáticas e ocorrem com
R CO O H uma especificidade da enzima ao substrato ga-
rantida pela forma tridimensional final das pro-
Extremidade teínas. Quaisquer modificações nesta estrutura
amino-terminal Ligações
peptídicas modificará a afinidade da enzima pelo substrato
NH2 R e isso será utilizado pela célula para regular a
ação enzimática.
As proteínas normalmente abastecem e
H - C - CO N - C - H
suprem as necessidades corpóreas de aminoáci-
dos e do nitrogênio neles contido. Toda proteí-
R H CO O H
na presente na dieta de seres humanos é digeri-
da e entra na circulação como aminoácidos
Extremidade individualizados ou mesmo como dipeptídeos
carboxila-terminal
(compostos por dois aminoácidos), indo ao
Figura 1-2: A ligação peptídica entre dois aminoáci- fígado que inicia seu processo metabólico.
dos é extremamente rígida e não gira, porém pode doar Os animais são capazes de sintetizar
ou receber prótons quando em meio básico ou ácido.
somente 10 dos 20 aminoácidos necessários
Outras ligações ocorrem entre o res-
para a síntese protéica (os aminoácidos deno-
tante da cadeia carbonada dos aminoácidos,
minados não-essenciais: glicina, alanina, seri-
como ligações covalentes entre os grupamen-
na, prolina, cisteína, ácido aspártico, ácido glu-
tos -SH de dois aminoácidos cisteína, for-
tâmico, asparagina, glutamina e tirosina), e os
mando uma ponte dissulfeto, pontes de hidro-
outros 10 são incapazes de serem sintetizados e
gênio entre grupamentos polares da cadeia
devem estar presente na alimentação (os ami-
carbonada, ou até ligações fracas do tipo de
noácidos essenciais: treonina. lisina, metioni-
van der Waals, mas que garantem uma incrí-
na, arginina, valina, fenilalanina, leucina, trip-
vel estabilidade e conformação tridimensional
tofano, isoleucina e histidina).
única às proteínas, relacionada diretamente
com sua função (Figura 1-3).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 5
Alguns aminoácidos podem ser sinte- ponde a uma pequena fração do poderio bioló-
tizados no organismo mas a uma taxa que o gico das proteínas que são, sem dúvida nenhu-
torna essencial na alimentação, como é o caso ma, as biomoléculas de maior número de fun-
da arginina que é utilizada quase que inte- ções em um organismo vivo. A função energé-
gralmente na síntese da uréia e da histidina tica é prioridade de duas outras moléculas: os
que é produzida em quantidade insuficiente carboidratos e os lipídios.
para a síntese protéica, porém tornam-se qua-
se que desnecessários na dieta de adultos, Carboidratos
quando o crescimento (e, portanto, a fase de
maior síntese de proteínas estruturais) chega São os principais substratos energéticos
ao fim. Em contrapartida, os aminoácidos da célula, através da degradação da glicose por
ditos não-essenciais cisteína e tirosina são via anaeróbia e aeróbia (Figura 1-4). Popular-
sintetizados a partir dos aminoácidos essenci- mente são chamados de açúcares em virtude do
ais metionina e fenilalanina, o que os torna, seu mais conhecido representante, a sacarose,
de cera maneira, dependentes da presença formada por um molécula de glicose e outra de
desses aminoácidos essenciais. frutose com sabor doce característico. O amido
No fígado, os aminoácidos absorvidos (um polímero linear ou ramificado de glicose),
no processo digestivo são convertidos nas entretanto, é a forma de carboidrato mais co-
proteínas plamáticas: 1) albumina (função de mum na alimentação, representando cerca de
transporte); 2) α1-globulina (glicoproteínas e 90% dos carboidratos da dieta. Em mamíferos,
lipoproteínas de alta densidade); 3) α2- a lactose (formada por glicose e galactose) é
globulinas (haptoglobinas, transportadoras de importante fonte energética presente no leite,
hemoglobina que saem das hemácias); 4) β- apesar da maioria dos mamíferos utilizarem o
globulinas (transferrina, lipoproteínas de bai- leite como única fonte de alimento somente em
xa densidade) e 5) fatores da coagulação san- seus primeiros períodos de vida (em ratos al-
güínea (fibrinogênio e protrombina). No guns dias, em humanos cerca de um ano).
plasma sangüíneo encontra-se, ainda, uma
infinidade de proteínas produzidas em outros
locais do organismo, como é o caso das γ-
globulinas (os anticorpos) que são sintetizadas
por linfócitos e outras proteínas teciduais.
Alguns aminoácidos são convertidos,
no fígado, em bases nitrogenadas (para a sín-
tese de ácidos nucléicos) e outros produtos
nitrogenados. Em vários tecidos, possuem
funções das mais diversas, como base de sín-
tese de hormônios e neurotransmissores.
A parte nitrogenada dos aminoácidos Figura 1-4: A molécula de glicose (uma hexose - car-
metabolizada no fígado de mamíferos, anfí- boidrato de seis carbonos) em sua forma cíclica.
bios adultos, e tartarugas é convertida em
uréia e excretada pelos rins. Aves, répteis, De qualquer forma, os carboidratos são
insetos e invertebrados terrestres excretam o as principais biomoléculas energéticas, uma vez
nitrogênio protéico como ácido úrico, enquan- o metabolismo glicolítico anaeróbio é via co-
to que peixes, invertebrados aquáticos, anfí- mum de todos os seres vivos (à exceção dos
bios na forma larvária excretam na forma de vírus por não terem estrutura celular, sendo
amônia (crocodilos sintetizam, também, amô- considerados por muitos autores como formas
nia e tartarugas uréia a partir do nitrogênio intermediárias entre seres vivos e partículas
protéico). químicas de transmissão de infecções, assim
A cadeia carbonada dos aminoácidos é como os príons, estes compostos apenas de
convertida em intermediários do metabolismo proteínas).
energético celular, porém esta função corres-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 6
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 7
São requeridas na dieta em quantida- tos (somente a vitamina C pode atingir níveis
des mínimas, sendo chamadas de oligoele- de hipervitaminose por ingestão das fontes ali-
mentos (do grego oligos= pouco) juntamente mentares).
com alguns minerais. A maioria delas possui O uso indiscriminado de vitaminas co-
baixa resistência ao calor o que faz com seja mo medicamento por pessoas leigas que acredi-
necessário ingerir os alimentos que as contêm tam serem "elementos milagrosos e energéti-
crus, pois a cocção destruiria as vitaminas (as cas" é uma preocupação constante dos profis-
vitaminas lipossolúveis são as menos termo- sionais de saúde, atualmente, uma vez que tra-
lábeis). ta-se de moléculas altamente especializadas e
Entretanto, apesar do conceito geral de sua ação tóxica pode trazer a lesões graves para
que vitaminas são indispensáveis na dieta, o sistema biológico se não for administrada
nem sempre isso é verdade. Algumas não são com perícia e precaução.
necessárias na dieta de todos os animais, em
virtude de serem sintetizadas no organismo Minerais
(p.ex.: somente os primatas, alguns roedores e
pássaros não sintetizam a vitamina C). Outras São compostos de origem inorgânica
são sintetizadas por microrganismos da flora necessários para uma série de funções bioquí-
intestinal normal, sendo absorvidas indepen- micas importantes como, por exemplo, co-
dente da ingestão de fontes alimentícias (Vi- fatores de reações enzimáticas (Mg++, K+), fato-
tamina B12 e K). A vitamina K pode ser obti- res da coagulação (Ca++), regulação do equilí-
da pela conversão de um derivado do coleste- brio hidro-eletrolítico e ácido básico (Na+, K+,
rol após a ação da radiação ultravioleta solar e Cl-), elementos estruturais (Ca++, P-3, F-), trans-
é considerada por alguns autores mais um porte (Fe++) e muitas outras funções.
hormônio do que uma vitamina. As necessidades de minerais para as
Outra característica marcante das vi- funções fisiológicas podem ser divididas, arbi-
taminas é o fato de que a sua ausência especí- trariamente, em dois grupos: os macromine-
fica na alimentação causa uma doença caren- rais necessários em quantidades acima de 100
cial própria (p.ex.: o escorbuto na carência de mg/dia (cálcio, fósforo, sódio, potássio, clore-
vitamina C; o béri-béri na carência de B1). tos, magnésio) e microminerais necessários
Contudo, esta propriedade não é evidenciada em quantidades abaixo de 100 mg/dia (cobalto,
muito facilmente, pois em um estado de des- iodo, ferro, flúor, crômio).
nutrição, há a culminância de várias carências De maneira diferente aos demais nutri-
vitamínicas levando a um quadro sintomato- entes, os minerais possuem um processo de
lógico complexo e não apenas o aparecimento absorção intestinal incompleto, ou seja enquan-
de uma doença carencial específica. to todos os carboidratos, lipídios e proteínas
A maioria das vitaminas são cofatores ingeridos devem ser absorvidos (senão haverá
de reações enzimáticas (o que justifica em si proliferação bacteriana e, consequentemente,
sua necessidade em pequena quantidade, já distúrbios digestivos) os minerais possuem um
que as reações enzimáticas são recicláveis) e a limiar próprio para cada um deles (p.ex.: o Na+
sua inexistência na célula torna inviável o é de cerca de 180 mEq/l) acima do qual não há
processo de vida. Interessantemente, a admi- a passagem do mineral para a veia porta-
nistração de vitaminas em dosagens acima das hepática (que comunica o intestino e o fígado) e
necessidades diárias são utilizadas na terapêu- o excesso é excretado pelas fezes.
tica para corrigir sintomas que nem sempre Desta maneira, há um controle digestivo
tem correlação direta com sua ação biológica importante da concetração plasmática dos mi-
(p. ex.: a vitamina B6 é utilizada no tratamen- nerais. Contudo, quaisquer distúrbios digestivos
to de enjôos). Esta conduta terapêutica só (p.ex.: parasitários, inflamatórios, medicamen-
pode ser realizada sob prescrição médica, uma tos) podem alterar a absorção dos minerais le-
vez que altas dosagens de vitaminas podem vando a sua depleção e também de água, uma
ser tóxicas e só são possíveis com a adminis- vez que haverá distúrbio no balança hidro-
tração de vitaminas na forma de medicamen-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 10
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 11
• 1993 - Richard J. Roberts e Phylip A. Sharp pela descoberta de
split-genes.
• 1993 - QUÍMICA: Kary B. Mullins pela invenção do método da
PCR (Polymerase Chain Reaction - Reação em Cadeia da Polime-
rase) para a síntese in vitro de DNA e Michael Smith pelo estudo
em proteínas mutagênicas.
• 1992 - MEDICINA: Edmond H. Fisher e Edwin G. Krebs pela
descoberta da fosforilação reversível de proteínas.
• 1991 - MEDICINA: Erwin Neher e Bert Sakmann pela descoberta
das proteínas canais de íons celulares.
• 1989 - QUÍMICA: Sidney Altman e Thomas Cech pela descober-
ta de RNA com propriedade catalítica.
• 1988 - QUÍMICA: Johann Deisenhofer, Robert Huber e Harmut
Chel pela determinação da estrutura tri-dimensional do centro da
reação fotossintética.
• 1985- MEDICINA: Michael S. Brown e Joseph L. Goldstein pela
descoberta da regulação do metabolismo do colesterol.
• 1984 - MEDICINA: Niels K. Jerne, Georges J. F. Köhler e César
Milstein pela descoberta do controle do sistema imune.
• 1982 - MEDICINA: Sune K. Bergström, Bengt I. Samueksson e
Jonh R. Vane pela descoberta das prostaglandinas.
• 1982 - QUÍMICA: Aaron Klug pelo dewsenvolvimento de técni-
Figura 1-9 - Representação esquemática de uma célula cas de microscopia eletrônica por cristalografia para elucidar inte-
eucariota. rações proteínas/ácidos nucléicos.
• 1980 - QUÍMICA: Paul Berg pelos estudos de DNA recombinate
e Walter Gilbert e Frederik Sanger por seus estudos de sequenci-
amento de DNA.
• 1978 - MEDICINA: Werner Arber, Daniel Nathans e Hamilton O.
Curiosidades Smith pela descoberta das enzimas de restrição.
• 1978 - QUÍMICA: Peter D. Mitchel pela formulação da teoria
quimiosmótica para a síntese do ATP.
O estudo da bioquímica já rendeu 63 • 1977 - Roger Guillemin, Andrew V. Schally e Rosalyn Yalow
pela descoberta da produção de hormônios peptídeos cerebrais.
ganhadores do Prêmio Nobel de Química e • 1975 - QUÍMICA: Jonh Warcup Conforth e Vladimir Prelog pelo
Medicina, a mais importante premiação cien- estudo da estereoquímica de reações enzimáticas.
tífica, instituída desde 1901. Dentre eles, está • 1972 - MEDICINA: Gerald M. Edelman e Rodney R. Porter pela
descoberta da estrutura protéica dos anticorpos.
um dos únicos cientistas que ganhou duas • 1972 - QUÍMICA: Christian B. Anfinsen, Stanford Moore e
vezes o prêmio Nobel: é Frederick Sanger que William H. Stein pelos estudos na enzima ribonuclease.
• 1971 - MEDICINA: Earl W. Jr. Sutherland pela descorberta do
em 1958 descobriu a estrutura da insulina e mecanismo de ação dos hormônios.
em 1980 desenvolveu técnicas de seqüencia- • 1971 - QUÍMICA: Gerhard Herzberg pelo estudo da estrutura
eletrônica e geométrica dos radicais livres.
mento de DNA. Linus Pauling também ga- • 1970 - QUÍMICA: Luis F. Leloir por estudos na biossíntese de
nhou dois prêmios: em 1954 por seus estudos carboidratos
• 1968 - MEDICINA: Robert W. Holley, Har Gobind Khorana e
com ligações químicas de biomoléculas e em Marshall W. Nirenberg pela interpretação do código genético e a
1962 o prêmio Nobel da Paz. Neste seleto síntese protéica.
• 1964 - QUÍMICA: Dorothy Crowfoot Hodgkin pela criação de
clube de ganhadores de mais de um prêmio técnicas de Raios-X para estabelecer a estrutura de compostos bi-
Nobel consta, ainda, Marie S. Curie em 1911 oquímicos.
• 1964 - MEDICINA: Konrad Bloch e Feodor Lynen pela
ganhou o Nobel de Química e em 1903 o de descoberta do mecanismo e regulação do metabolismo do
Física. colesterol e ácidos graxos.
A seguir, a listagem completa dos ga- • 1962 - MEDICINA: Francis Harry Compton Crick, James Dewey
Watson e Maurice Hugh Frederick Wilks pela descoberta da es-
nhadores do Prêmio Nobel de Química e Me- trutura do DNA.
dicina com estudos bioquímicos. • 1962 - QUÍMICA: Max Ferdinand Perutz e John Cowdery Ken-
drew pelo estudo da estrutura de proteínas globulares.
• 1961 - QUÍMICA: Melvin Calvin pelo esclarecimento da fotos-
• 2000 - MEDICINA: Arvid Carlsson, Paul Greengard e Eric R
síntese.
Kandel pelos estudos na transdução de sinais no sistema nervo-
so. • 1958 - QUÍMICA: Frederick Sanger pela determinação da estru-
tura da insulina
• 1999 - MEDICINA: Günter Blobel por descobrir que proteínas
possuem sinais que regem sua localização e transporte celular. • 1959 - MEDICINA: Severo Ochoa e Arthur Kornberg pela des-
coberta da biosíntese de DNA e RNA.
• 1998 - MEDICINA: Robert F. Furchgott, Louis J. Ignarro e
Ferid Umrad pela descoberta da síntese de ácido nítrico no or- • 1957 - QUÍMICA: Alexander R. Todd pelo trabalho com nucleo-
ganismo e sua função no sistema cardiovascular. tídeos e co-enzimas.
• 1997 - MEDICINA: Stanley B. Prusiner pela descoberta dos • 1955 - MEDICINA: Axel Hugo Theodor Theorell pela descoberta
príons, novo modelo biológico de infecção de origem protéica. da natureza oxidativa de enzimas.
• 1997 - QUÍMICA: Paul B. Boyer e Jonh E. Walker pela eluci- • 1955 - QUÍMICA: Vincent Du Vigneaud pela síntese de hormô-
dação do mecanismo enzimático da síntese do ATP e Jens C. nios polipetídeos.
Skou pela descoberta da enzima responsável pela síntese do • 1953 - MEDICINA: Hans Adolf Krebs e Fritz Albert Lipmann
ATP. pela descoberta do ciclo do ácido cítico e do papel da coenzima-
• 1994 - MEDICINA: Alfred G. Gilman e Martin Rodbell pela A.
descoberta das proteínas-G.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 1 - O que Estuda a Bioquímica? 12
• 1954 - QUÍMICA: Linus Carl Pauling pelo estudo nas ligações Para testar seus conhecimentos
químicas de biomoléculas.
• 1950 - MEDICINA: Edward Calvin Kendal, Tadeus Reichstein 1. O que estuda a Bioquímica?
e Philip Showalter pela descoberta dos hormônios da córtex a- 2. Qual a composição química dos seres vivos? Que
drenal. são biomoléculas?
• 1943 - MEDICINA: Henrik Carl Dam e Edward Adelbert 3. Quais as funções das biomoléculas?
Doisy pela descoberta da Vitamina K.
• 1948 - QUÍMICA: Arne Wilhelm Kaurin Tiselius pela pesquisa
4. Quantos aminoácidos são verdadeiramente essenci-
em eletroforese de proteínas plasmáticas. ais e não-essenciais? Justifique sua resposta.
• 1947 - QUÍMICA: Robert Robinson pelo estudo de bioquímica 5. Qual o destino dos aminoácidos no metabolismo
vegetal. hepático?
• 1947 - MEDICINA: Carls Ferdinand Cori, Gerty Theresa Cori 6. Organize um quadro com as formas de excreção do
e Bernardo Alberto Houssay pela pesquisa no metabolismo do
glicogênio e da glicose. nitrogênio protéico nas diversas classes de animais.
• 1946 - QUÍMICA: James Batcheller Sumner, Jonh Howard 7. Comente sobre a importância da lactose como fonte
Northrop e Wendell Meredith Stanley pelos estudos em enzi- de energia em mamíferos?
mas. 8. O que é hiper e hipoglicemia?
• 1939 - QUÍMICA: Adolf Friedrich Johann Buternandt pelo
estudo dos hormônios sexuais e Leopold Ruzicka pelo estudo
9. Porque há redução do peso corpóreo quando restrin-
de terpenos e polimetilenos. ge-se o consumo de carboidrato?
• 1938 - QUÍMICA: Richard Khun pela pesquisa com carotenói- 10. Porque um paciente diabético assemelha-se a um
des e vitaminas. paciente em jejum prolongado, no que diz respeito
• 1937 - MEDICINA: Albert Szent-Györgyi Von Nagyrapolt ao metabolismo energético?
pela descoberta do metabolismo energético celular.
11. Quais dos ganhadores (ou seus trabalhos) do Prêmio
• 1936 - MEDICINA: Hallert Dale e Otto Loewi pela descoberta
da trasnmissão química do impulso nervoso.
Nobel de Química e Medicina que trabalharam com
• 1937 - QUÍMICA: Walter Norman Haworth e Paul Karrern modelos bioquímicos, você já tinha ouvido falar?
pelo trabalho com carboidratos, carotenóides, vitaminas A, B2 Qual a molécula que mais prêmios deu a seus pes-
e C. quisadores?
• 1931 - MEDICINA: Otto Heinrich Warburg pela descoberta da
natureza da ação das enzimas respiratórias.
• 1930 - QUÍMICA: Hans Fisher pela pesquisa dos grupamentos
metálicos da hemoglobina e clorofila.
• 1929 - QUÍMICA: Arthur Harden, Hans Karl August Von Para navegar na Internet
Euler-Chelpin pelo estudo das enzimas fermentadoras de açú-
car. HomePage do Prof. Ricardo Vieira:
• 1929 - MEDICINA: Christiaan Eijkman e Frederick Gowlans http://www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Hopkins pelo estudo com vitaminas.
• 1928 - QUÍMICA: Adolf Otto Reinhold Windaus pelo estudo The World Wide Web Virtual Library: Biosciences:
de vitaminas. http://golgi.harvard.edu/biopages/all.html
• 1927 QUÍMICA: Heinrich Otto Wieland pelo estudo da
constituição dos ácidos biliares.
• 1923 - MEDICINA: Frederick Grant e John James Richard Revista Brasileira de Análises Clínicas:
Macleod pela descoberta da insulina. http://www.terravista.pt/aguaalto/1207/boyle.html
• 1922 - MEDICINA: Archibald Vivian Hilll e Otto Fritz Meye-
rhof por estudos do metabolismo muscular AllChemy Web- Química e Ciências afins:
• 1915 - QUÍMICA: Richard Martin Willstätter pela pesquisa
com clorofila.
http://allchemy.iq.usp.br/
• 1910 - MEDICINA: Albrecht Kossel por seu trabalho em
bioquímica celular com proteínas e substâncias nucléicas. The Nobel Prize Oficial Site:
• 1907 QUÍMICA: Eduard Buchner pela descoberta da fermenta- http://www.nobel.se/
ção celular.
• 1902 - QUÍMICA: Hermann Emil Fisher pela pesquisa em
síntese de carboidratos e purinas.
A Brief History of Biochemistry:
• 1901 - QUÍMICA: Jacobus Henricus Van't Hoff pela lei de http://www.wwc.edu/academics/departments/chemistry/courses
pressão osmótica. /chem431/lectures/introlect.html
Biomania:
http://www.biomania.com.br/mapasite/map.htm
Biochemistry On-Line:
http://www.biochemist.com/home.htm
Science: http://intl.sciencemag.org/
Nature: http://www.nature.com/
Ricardo Vieira
Capítulo 2
Bioquímica dos Alimentos
A evolução das espécies sempre se Acontece que os compostos alimenta-
apoiou em novas maneiras de se obter energia res são sintetizados em tamanha quantidade
das mais variadas fontes para assim melhor que esses seres se viram obrigados a armaze-
aproveitar as matérias primas que a natureza nar parte de dele e excretar o excesso junto
oferece aos seres vivos. Seres mais sofistica- com oxigênio (sem dúvida, um “lixo de luxo”
dos na forma de obter energia, têm-se mostra- deste processo metabólico). Entretanto, o apa-
do superiores nesta escala evolutiva e seus recimento de oxigênio livre na atmosfera de-
descendentes impõem-se na pirâmide evoluti- morou cerca de um bilhão de anos desde o
va. aparecimento dos primeiros organismos fotos-
Um grupo numeroso de seres vivos sintéticos, as cianobactérias, como pode ob-
especializou-se em captar a energia luminosa e servar nos registros geológicos.
convertê-la em energia química para sintetizar Somente após esse longo período outro
algumas moléculas energéticas: são os autó- grupo de seres vivos, especializou-se em obter
trofos. As matérias-primas bases para essa a energia necessária para suas reações orgâni-
síntese de alimentos eram compostos abundan- cas alimentando-se dos nutrientes produzidos
tes na atmosfera primitiva, como o gás carbô- pelos organismos autótrofos e o O2 da atmos-
nico (CO2), amônia (NH3), água (H2O). Com a fera: são os heterótrofos. As formas primitivas
ajuda de energia proveniente das radiações eram, entretanto, unicelulares, sendo necessá-
luminosas do sol, por fotossíntese, começou- rio mais um bilhão de anos para a organização
se a acumular um composto até então escasso em seres multicelulares mais complexos (Figu-
na atmosfera: o oxigênio (O2) que era expelido ra 2-1).
pelos organismos fotossintéticos como dejeto
metabólico.
Figura 2-1 - A idade da terra é estimada em cerca de 4,5 bilhões de anos, sendo proposto que por volta do primeiro bi-
lhão tenha surgido as primeiras células fotossintéticas autótrofas. No entanto, o O2 atmosférico necessário para o surgi-
mento dos autótrofos só torna-se disponível cerca de 2 bilhões de anos depois, devido à absorção do oxigênio produzido
pelo ferro da superfície da terra, fato comprovado pela existência de enormes depósitos de óxido de ferro nos sedimen-
tos mais antigos do planeta. Os seres muticelulares demoraram cerca de 3 bilhões para surgirem, o que mostra a dificul-
dade da organização celular parcialmente possibilitada pelo metabolismo aeróbio. (Adaptado de Biologia Molecular da
Célula - Albert B. et al., p.16, 1997.)
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 14
Desta forma, começa-se a desenhar a Forma-se, então, um elo importante
complexa rede de relacionamento ecológico entre os seres vivos, construindo a complexa
entre produtores e consumidores, havendo teia alimentar que faz com que a Terra funcio-
total harmonia entre eles, uma vez que os ne como um gigantesco ser vivo e prossiga,
compostos nitrogenados produtos da degrada- lentamente, seus passos evolutivos.
ção dos heterótrofos eliminados para o meio O relacionamento entre consumidores e
(amônia, uréia, nitritos, nitratos) juntamente produtores está ligado à disponibilização de
com o CO2 produto das oxidações biológicas, carbono o oxigênio para os processos metabó-
passam a ser a principal fonte de matéria- licos, enquanto que os decompositores forne-
prima para a fotossíntese. cem, principalmente, o nitrogênio reciclado
Uma série de organismos especializou- dos tecidos mortos e dejetos, apesar de o ciclo
se em reciclar os dejetos metabólicos desses dos nitrogênio, carbono e oxigênio ser comum
organismos (p.ex.: fezes e urina), assim como para todos os seres vivos, de certa forma (Fi-
os seus corpos após a sua morte: os decompo- gura 2-2).
sitores)
Figura 2-2: O ciclo do carbono entre produtores (vegetal), consumidores (animal) e decompositores (fungos e bactérias).
Consumidores e produtores trocam entre si, principalmente, carbono e oxigênio enquanto que os decompositores reciclam o
nitrogênio.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 15
O ser humano, objeto de nosso estudo, (Vioult & Juliet); “Substâncias, em geral natu-
posiciona-se no topo desta teia alimentar, che- rais e complexas, que associadas às de outros
gando a mudar o ecossistema em prol de sua alimentos em proporções convenientes, são
sobrevivência, na procura da matéria-prima capazes de assegurar o ciclo regular da vida
para suas reações metabólicas. A despeito da de um indivíduo e persistência da espécie a
discussão ecológica, o conhecimento da estru- qual ele pertence” (Randon & Simonnet); “As
tura e funcionamento do corpo humano é ne- matérias, qualquer que seja a natureza, que
cessário para poder adaptar-se melhor às ad- servem habitualmente ou podem servir à nu-
versidades impostas pela evolução e, como trição” (Littré); “Substâncias necessárias à
tem feito, impor sua soberania entre as espé- manutenção dos fenômenos do organismo sa-
cies, sob o preço, infelizmente, da devastação dio e à reparação de partes que se faz cons-
do ambiente e a extinção de várias espécies. tantemente” (Claude Bernard); “Substância
Desta forma, o ato de obter substratos que, incorporada ou não ao organismo, nele
para as reações orgânicas básicas que ocorrem exerce função de nutrição” (Escudero).
no interior das células do organismo, em suma, Entretanto, o termo alimento possui
constitui o ato da alimentação. Basicamente, significado bastante complexo que ultrapassa
os nutrientes de origem alimentar são forneci- os limites da bioquímica devendo ser estudado
dos pelos carboidratos (açúcares), lipídios com um caráter multidisciplinar, uma vez que
(gorduras) e proteínas e possuem função pri- envolve a química, biologia, agronomia, vete-
mordial a produção de energia celular. Entre- rinária, nutrição, além das ciências da saúde.
tanto, essa concepção, puramente energética, Desta forma, a abordagem a ser realizada neste
pode cometer alguns equívocos uma vez que capítulo, diz respeito ao estudo da composição
muitas outras moléculas são requeridas para o química dos alimentos e da forma como é a-
funcionamento celular ou mesmo para propor- presentado para o metabolismo humano. Den-
cionar a absorção adequada dos nutrientes e tro deste ponto de vista, a digestão dos ali-
não estão envolvidas diretamente no processo mentos será abordada neste capítulo por se
de produção de energia. tratar de uma fase fisiológica adaptada às pro-
Assim sendo água, eletrólitos e vita- priedades dos alimentos. Nos capítulos corres-
minas, que não possuem uma função energéti- pondentes aos estudos de cada biomolécula,
ca direta, são alimentos indispensáveis para o serão abordadas peculiaridades de cada pro-
ser humano; precisam estar presentes na dieta cesso digestivo de interesse para o metabolis-
para suprir as necessidades diárias do orga- mo da biomolécula em questão.
nismo nas reações orgânicas uma vez que não
são sintetizados pelo organismo (a água pro- Classificação dos alimentos
duzida nas reações orgânicas supre apenas
cerca de 5% das necessidades diárias do ser Do ponto de vista biológico, os alimen-
humano). tos se agrupam em três classes:
De maneira semelhante, as fibras vege- a) Energéticos: são os que fornecem substra-
tais, que não possuem digestão intestinal não tos para a manutenção da temperatura cor-
sendo absorvidas, são indispensáveis na ali- pórea, liberando energia térmica necessária
mentação por manter a forma do bolo fecal, para as reações bioquímicas. São os carboi-
facilitando a absorção dos demais alimentos. dratos, lipídios e proteínas. Os carboidratos
Somente algumas bactérias e protozoários, são os alimentos energéticos por excelência,
presentes no sistema digestivo de ruminantes e pois são diretamente produzidos na fotos-
cupins, conseguem digerir as fibras vegetais síntese dos autótrofos e degradados em to-
(feitas, principalmente, de celulose) sendo, dos os organismos vivos, sem exceção, a
nestes animais, a principal fonte energética. partir de enzimas específicas. Os lipídios e
O conceito clássico de alimento varia as proteínas, apesar de possuírem poder e-
de acordo com o ponto de vista, como, por nergético superior ou igual aos carboidratos
exemplo: “A matéria prima para a fabricação (Tabela 2-1), têm funções outras no orga-
dos materiais de renovação do organismo” nismo, possuindo digestão e absorção len-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 16
tas, sendo utilizados secundariamente como cionando a concentração exata dos substra-
produtores de energia. tos (água), bem como agentes estabilizado-
Tabela 2-1: Calor de combustão e energia disponíveis res de várias enzimas ou mesmo regulando
nas fontes de alimentos mais importantes. a quantidade de água intracelular ou a exci-
tabilidade da membrana (minerais). Apesar
Calor de Combus- Oxidação de não serem digeridas ou absorvidas, as fi-
tão in vitro humana (in
(bomba calorimé- vivo) em bras vegetais desempenham função impor-
trica) em kcal/g kcal/g tante no processo digestivo, como será visto
Proteínas 5,4 4,1 (*) ainda neste capítulo.
Lipídios 9,3 9,3
Carboidratos 4,1 4,1
Etanol 7,1 7,1
Necessidade de alimentos
( )
* Oxidação das proteínas corrigidas pela perda dos
aminoácidos excretados na urina. O organismo requer nutrientes suficien-
Fonte: Harper, 1994, p. 608. tes para proporcionar energia livre correspon-
dente às necessidades diárias. A manutenção
A capacidade energética dos alimentos dá- do peso corporal constante é o melhor indica-
se devido ao alto calor de combustão das li- dor de que existe energia suficiente na dieta e
gações C-C (cerca de 54 kcal). No capítulo cada grupo alimentar fornece energia própria à
3 sobre Bioenergética, serão abordados te- sua composição química, com as necessidades
mas relativos ao poder calórico das biomo- individuais de energia dependendo de vários
léculas. fatores próprios do alimento e outros fatores
inerentes de quem se alimenta.
b) Plásticos ou estruturais: atuam no cresci- A ingestão dos nutrientes deve ser feita
mento, desenvolvimento e reparação de te- de forma balanceada de modo a permitir a ab-
cidos lesados, mantendo a forma ou prote- sorção sem carências ou excessos, pois caso
gendo o corpo. Novamente, proteínas, lipí- isso não seja observado, sobrevêm a desnutri-
dios e carboidratos são os principais repre- ção e a obesidade, respectivamente, que são
sentantes, estando presentes na membrana distúrbios patológicos oriundos da alimentação
celular e região intersticial. Em vegetais, o inadequada seja qualitativa ou quantitativa-
carboidrato celulose (um polímero de glico- mente.
se) representa o principal composto da pa- A desnutrição constitui-se um grave
rede celular que garante a forma da célula distúrbio alimentício inerente a ingestão de
vegetal, mesmo em períodos de excesso ou quantidades insuficientes para manter o meta-
escassez de água. O depósito cumulativo de bolismo basal. As substâncias de reserva são
celulose em algumas árvores apresenta re- rapidamente esgotadas e os subprodutos meta-
sistência comparada aos metais resistentes bólicos acarretam vários distúrbios que podem
como o ferro. A quitina é um polímero deixar seqüelas graves, apesar de, na maioria
muitíssimo parecido com a celulose (a ex- dos casos, o restabelecimento da dieta normal,
ceção de um grupamento -OH substituído promove a volta às condições de normalidade
por um NH2 no C2) e que confere extrema metabólica do indivíduo.
resistência ao exoesqueleto dos artrópodes. São comuns doenças nutricionais em
A água e os sais minerais representam os crianças (principalmente por um fator social,
componentes da alimentação que não são típico de países do terceiro mundo) e em adul-
exclusivos de organismos vivos, mais pos- tos em processo de emagrecimento espontâneo
suem funções estruturais importantíssimas. realizado por meio de dietas que levam em
consideração simplesmente a privação da ali-
c) Reguladores: aceleram os processos orgâ- mentação calórica.
nicos, sendo indispensáveis ao ser humano. Na ocorrência de desnutrição calórica
São as vitaminas, água, sais minerais e fi- associada a carência de proteínas, estabele-
bras vegetais. Favorecem a dinâmica celular cem-se as síndromes de má-nutrição conheci-
como catalisadores (vitaminas) ou propor- das como kwashiakor e marasmo.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 17
O kwashiakor é caracterizado por e- massa corporal mais rapidamente do que o
dema (devido a baixa quantidade de proteínas tempo que levou para perdê-la, e em quantida-
no sangue o que leva à retenção de água nos de, freqüentemente, superior àquela observada
tecidos), lesões na pele, despigmentação do antes da dieta.
cabelo, anorexia, hepatomegalia. É conse- Em adultos, o aumento da massa gor-
qüência ingestão inadequada de proteínas, durosa se dá pelo aumento do volume dos adi-
mesmo com quantidade suficiente de calorias. pócitos, o que torna o esvaziamento brusco, no
O marasmo caracteriza-se pela ausência de caso das dietas exageradas, um fator de flaci-
edema, para no crescimento e perda muscular dez para o tecido adiposo que fica propício a
extrema e é resultante de uma deficiência caló- ser reposto em seu volume quando termina a
rica prolongada com uma alimentação protéica dieta.
adequada. Freqüentemente, uma síndrome Desta forma, para o controle da obesi-
desnutricional resultante da combinação dessas dade (exceto para as formas geneticamente
duas doenças leva o indivíduo à morte. determinadas) o controle da massa corporal só
A obesidade, por outro lado, corres- é possível por um programa de reeducação
ponde a uma doença dos maus hábitos alimen- alimentar aliado a incorporação de hábitos de
tares, onde o excesso de lipídios e carboidratos atividades físicas para “queimar” o excesso de
(que se convertem em lipídios no fígado, como alimentos calóricos ingeridos diariamente.
veremos em capítulos posteriores) leva a um Na figura 3-1 está apresentada a fórmu-
acúmulo de lipídios nos adipócitos acima dos la de cálculo do índice de massa corporal
níveis normais de massa corpórea para o indi- (IMC) e as faixas de limite inferior e superior
víduo. Este acúmulo promove a duplicação do do peso ideal para um indivíduo, levando em
número de adipócitos favorecendo o aumento consideração sua altura e peso.
da massa corpórea além nos limites normais
para o indivíduo. Isso se dá devido ao tipo de
tecido adiposo existente nas primeiras fases da peso (kg)
IMC =
vida, o tecido adiposo multilocular ou verme- [altura (m)]2
lho, que desaparece rapidamente podendo ≤ 18,5 = subpeso 18,5 – 24,9 = normal
permanecer, entretanto, até a adolescência. 25 – 29,9 = sobrepeso >30,0 – 39,9 = obeso
Já no início da maturação sexual, entre- ≥ 40 = obeso grave (obesidade mórbida)
tanto, há somente o tecido adiposo do tipo
unilocular ou amarelo, que não mais se dupli- Limite inferior de peso: 20 x [altura (m)]2
Limite superior de peso: 25 x [altura (m)]2
ca, mas aumenta de tamanho até 100 vezes
levando a um aumento no volume do tecido Figura 2-3 - Fórmula de cálculo de índice de massa
adiposo sem, no entanto, o aumento no núme- corpórea (IMC) e limites de peso a partir do peso e
ro de células. altura de um indivíduo.
Um fato interessante é observado (Fonte: software Biobrás para consultas médicas -
quando um pré-adolescente obeso é submetido http://www.biobras.com.br)
a dieta hipocalórica e perde uma quantidade
significativa de massa corporal em um curto Alguns tipos de câncer estão intima-
período. Nestes casos, é observado o esvazia- mente relacionados com o tipo de dieta, como
mento progressivo das reservas de lipídios dos o câncer de esôfago, estômago, intestino gros-
adipócitos, sendo este estímulo desencadeante so, mama, pulmão e próstata. Aparecem, ge-
do processo de divisão celular o que faz com ralmente, entre os 70 e 80 anos sendo que 15%
que haja um número maior de adipócitos após têm sobrevida de 5 anos.
o término da dieta, apesar de conterem menos Outros fatores ambientais e genéticos
lipídios do que anteriormente. Entretanto, esse influenciam na gênese desses tipos de câncer,
número duplicado de adipócitos permite uma porém é observado que em países onde a inci-
maior absorção de lipídios quando o indivíduo dência de um tipo de câncer é baixa observa-se
retorna às condições alimentícias normais an- que os imigrantes para países onde a incidên-
terior à dieta, fazendo com que aumente a cia do câncer á alta, passam a ter um aumento
na incidência da doença, o que sugere a rela-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 18
ção do surgimento da doença com fatores cul- Balanceamento de alimentos
turais do país, como é o caso dos tipos de ali-
mentação. Para manter o equilíbrio do peso corpó-
A cárie dentária é um exemplo típico reo, uma dieta balanceada deve conter alimen-
de doença causada pelo acúmulo de alimentos tos de origem animal e vegetal composta dos
na cavidade bucal, nos espaços interdentários, vários tipos de biomoléculas, disposto de for-
que possibilita às bactérias e fungos da flora ma balanceada para suprir as necessidades
oral e àquelas presente na alimentação, prolife- energéticas do indivíduo.
rem e produzir produtos abrasivos (p.ex.: ácido Os carboidratos e lipídios são primari-
láctico, etanol, aminas) que destroem progres- amente calóricos, devendo ser distribuído com
sivamente a dentina dando origem à cárie. As parcimônia na alimentação. As proteínas pos-
proteínas são utilizadas pelas bactérias para suem alto valor biológico quando possuem
produzir uma matriz viscosa que se fixa aos grande variedade de aminoácidos. As vitami-
dentes (placa bacteriana) que permite a prolife- nas e minerais são requisitadas em pequenas
ração de microorganismos para a produção dos quantidades diárias. A água tem um volume
produtos abrasivos. diário de acordo com a perda por evaporação,
Muitas outras doenças estão relaciona- urina e fezes. Os alimentos disponíveis para o
das a distúrbios alimentares, dentre elas desta- ser humano são agrupados, de forma didática,
cam-se: em cinco grupos:
• Úlceras: relacionada com fatores alimenta-
• Grupo I - Leite e derivados: ricos em
res, genéticos e psicológicos. proteínas de alto valor biológico, grande
• Obstrução pilórica: por contração de uma
quantidade de cálcio, vitaminas A, D, E e
úlcera, processo tumoral ou anomalia con- do complexo B.
gênita e é caracterizada por vômitos, dis- • Grupo II - Carnes, ovos, peixes e maris-
tensão abdominal e acidose metabólica por cos - ricos em proteínas de alto valor bio-
perda de ácido clorídrico; lógico, ferro, vitamina A e do complexo B.
• Síndrome de Zollinger-Ellison: úlcera
• Grupo III- Gorduras e óleos.
péptica causada por um tumor pancreático; • Grupo IV - Cereais e derivados, legumes
• Anorexia: distúrbio nervoso que induz a
secos e produtos açucarados : ricos em
fobia de ganhar peso. carboidratos de carbono, proteínas de ori-
• Bulimia: relacionada com compulsão para
gem vegetal (baixo valor biológico), ferro,
comer forçando o paciente a estimular o vitamina B1 e fibras.
vômito para poder comer mais. • Grupo V - Hortaliças e frutos: ricos em
• Anemia perniciosa: acloridria e atrofia
vitaminas, minerais e fibras, com quanti-
gástrica promovem a incapacidade de se- dades variáveis de carboidratos.
cretar o fator intrínseco de absorção da vi-
tamina B12, fato comum em indivíduos Para distribuir os vários grupos de ali-
anorexígenos. mentos dentre as refeições diárias, pode-se
• Síndromes de má-absorção: devido a le-
estabelecer porções correspondentes a uma
sões na mucosa gastrointestinal que pode xícara de chá (cerca de 200 ml).
ser causada por microorganismos presentes • Grupo I: 2 a 3 porções
nos alimentos; • Grupo II: 1 a 2 porções
• Esteatorréia: falha na digestão ou absor-
• Grupo III: 2 a 3 porções
ção dos lipídios; • Grupo IV: 5 a 7 porções
• Diarréia: produção excessiva de matéria
• Grupo V: 5 a 7 porções
fecal por excesso de água nas fezes.
A orientação nutricional, entretanto,
depende de avaliação clínica de doenças que
podem ter complicações com a alimentação de
certos grupos de alimentos (p.ex.: hipercoles-
terolemia, diabetes mellitus).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 19
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 22
devido à existência de efeitos tóxicos severos • Bioflavonóides: frutas, vinho tinto, chá,
devido ao consumo exagerado. café.
Os edulcorantes sacarina (400x mais
doce que a sacarose) e o ciclamato (30x mais Alguns antioxidantes sintéticos como o
doce que a sacarose) chegaram a ser proibidos BHA (OH-anisol-butilado), o BHT (OH-
em 1970 nos EUA devido a estudos que indi- tolueno butilado), o TBHQ (OH-quinona buti-
cavam propriedades carcinogênicas, sendo lada) e os derivados do ácido gálico apresen-
readmitidos na década seguinte em níveis se- tam efeitos tóxicos e mutagênicos quando em
guros de ingestão diária aceitável (IDA). O doses altas em estudos em in vivo, sendo re-
aspartame (180x mais doce que a sacarose), comendado baixos valores para a IDA.
apesar de não apresentar efeitos tóxicos ou Conservantes como o ácido benzóico
mutagênicos, seus metabólitos (ácido aspárti- e sulfitos possuem largo uso na industrializa-
co, fenilalanina e metanol) podem apresentar ção de alimentos e somente em altas concen-
efeitos colaterais quando consumido em ex- trações podem induzir a reações alérgicas ou
cesso. A fenilalanina produzida contra-indica o destruição celular da mucosa intestinal. Da
uso desse adoçante em pacientes com o erro mesma forma, os aromatizantes naturais são
inato do metabolismo conhecido como fenilce- preferíveis aos sintéticos.
tonúria, uma vez que não podem metabolizar O benefício trazido para a sociedade
esse aminoácido tendo complicações neuroló- com o advento da industrialização dos alimen-
gicas severas. Em indivíduos normais, entre- tos é inegável, porém o cuidado com o uso
tanto, a observação da IDA DE 40mg/kg não indiscriminado de produtos tóxicos, mesmo
possui quaisquer efeitos colaterais. em baixas quantidades, pode trazer problemas
Os antioxidantes, em particular, pos- em longo prazo por efeito cumulativo, o que
suem uma função intracelular importante de- favorece a idéia de manter-se na dieta diária
vido a muitos compostos que possuem poder uma grande quantidade de produtos frescos ou
oxidante podem promover alterações irreversí- de confecção caseira.
veis em biomoléculas (p.ex.: ácidos graxos,
DNA, enzimas) de função essencial à vida o Tabela 2-6: Principais funções de aditivos em alimen-
que possibilita o aparecimento de doenças co- tos
mo o câncer, aterosclerose etc. Para tal, as Função Aditivos Alimentos
células têm a capacidade de produzir compos- Conservação ácido propiônico, pão, queijos, mar-
benzoatos, BHA, garinas, óleos, ge-
tos antioxidantes que neutralizam a ação dano-
BHT, nitrito de léias, picles, carnes
sa desses produtos tóxicos sódio, ácido cítri- processadas.
Freqüentemente, entretanto, há a neces- co.
sidade obtê-los de fontes alimentícias para Tecnologia alginatos, lecitina, misturas para bolo,
garantir um estado de saturação plasmática que de fabricação pectina, metil- balas, molhos para
impeça ou retarde o desenvolvimento de certas celulose, goma- saladas, maionese,
guar, citrato de leite de coco, sorve-
doenças (não confundir este alimentos, com os sódio, polissorba- tes, queijos proces-
antioxidantes utilizados como conservantes de tos, polifosfatos. sados.
alimentos). Modificação aspartame, sacari- sorvetes, iogurtes,
As principais biomoléculas presentes das caracte- na, baunilha, β- balas, pós para
nos alimentos com esta propriedade são: rísticas senso- caroteno, gelatinas, refrige-
riais glutamato de rantes, sopas.
• Vitamina C: frutas e legumes (citrinos,
sódio, eritrosina.
morangos, pimentos etc.).
Fonte: Toledo, MCF., 1999 In: Fundamentos de Toxi-
• Beta-caroteno (precursor da Vitamina cologia, pág.409.
A): frutas e vegetais de cores fortes (ce-
nouras, abóbora, alperces, legumes de fo-
lha verde etc.).
• Vitamina E: óleos vegetais, oleaginosas,
gérmen de trigo, sementes.
• Selênio: peixe e mariscos.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 23
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 25
Tabela 2-5: Resumo das ações digestivas dos prin- • os ácidos graxos de cadeia curta não são
cipais materiais alimentícios. reesterificados, ingressando rapidamente
Material Ação digestiva Produto final na circulação porta, fixando-se à albumina;
alimentício
Amido e gli- amilase salivar e maltose + gli-
• as vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K)
cogênio pancreática cose são absorvidas juntamente com os lipídios,
Dissacarídeos dissacaridases enté- monossacarí- sendo que sua absorção depende de uma
ricas deos absorção lipídica normal. A absorção da
Monossacarí- nenhuma - vitamina K é modificada pela ingestão e
deos metabolismo do cálcio.
Proteínas 1. ácido clorídrico e 1. polipeptí-
pepsina gástrica deos grandes
2. tripsina, quimo- 2. polipeptí- Água e eletrólitos:
tripsina e carboxi- deos, dipeptí- • a água tem absorção maior na mucosa do
peptidades pancreá- deos e intestino grosso;
ticas aminoácidos. • sódio é absorvido por mecanismo de trans-
3. aminopeptidase 3. aminoácidos.
entérica
porte ativo ligado a absorção de aminoáci-
Tri-acil- emulsão com bile, ácidos graxos e dos, bicarbonato e glicose;
gliceróis hidrólise pela lipase glicerol • transporte do cálcio está relacionado com a
(triglicerídeos) lingual (gástrica) e vitamina D e o hormônio paratireóide,
pancreática (*) sendo regulado por uma proteína fixadora
Colesterol separação das lipo- - de cálcio nas células intestinais;
proteínas de trans-
porte. Sua molécu- • ferro é absorvido após ser reduzido pelo
la, porém, não sofre ácido clorídrico gástrico sendo transporta-
processo digestivo do pelas células da mucosa intestinal antes
Ácidos nu- nucleases pancreá- nucleosídeos de se ligarem às proteínas transportadoras
cléicos ticas e entéricas plasmáticas. Há um limiar para o transpor-
(*) A ação da lipase pancreática é a mais importante, te na mucosa, sendo que há um limite de
com a lipase lingual exercendo sua função apenas no
estômago (= lipase gástrica) e com baixa atividade de-
saturação pela mucosa intestinal.
vido ao pH extremamente ácido (<2,0) do suco gástrico.
Ácidos graxos: Ácidos nucléicos:
• após a digestão, as micelas são absorvidas • são absorvidos na forma de nucleotídeos a
pela mucosa intestinal indo a parte corres- nível intestinal, sendo que grande parte das
pondente aos ácidos biliares para a circula- purinas (adenina e guanina) é convertida
ção porta hepática; em ácido úrico ainda na mucosa intestinal
• os ácidos graxos e os monoglicerídeos são e excretado pelas fezes;
absorvidos pela célula intestinal por difu- • ácido úrico presente no sangue correspon-
são; de ao decorrente da degradação das purinas
• os ácidos graxos de cadeia longa (acima de no fígado. Quando há um defeito hereditá-
16 carbonos) são reesterificados (num pro- rio com hiperatividade da síntese de ácido
cesso denominado síntese "de novo") para úrico, caracteriza-se uma doença genética
formar novos tri-acil-gliceróis, que se fi- muito comum conhecida como gota.
xam a apoliproteínas dando origem aos
quilomícrons;
• essas lipoproteínas (quilomícrons) são dre-
nados para o sistema linfático e transpor-
tadas para o duto torácico;
• uma vez que não vão ao fígado, há a depo-
sição dos tri-acil-gliceróis reesterificados
nos adipócitos só sendo degradados no
processo metabólico energético quando
houver a carência de carboidratos ou o
aumento da necessidade energética;
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 2 - Alimentos 26
EXERCÍCIOS
1. Qual a relação ecológica entre produtores, Gastro-Intestinal Research FoundationGIRF):
http://homepage.interaccess.com/~ring/girf/girf.html
consumidores e decompositores? O que is-
so diz respeito ao estudo dos alimentos? Vitaminas e Minerais:
2. Comente sobre a classificação dos alimen- http://www.cyber-north.com/vitamins/
tos do ponto de vista biológico.
3. Discuta a necessidade diária de alimentos
em relação aparecimento de doenças nutri-
cionais.
4. Qual a importância do Índice de Massa
Corpórea (IMC) no estudo de patologias
nutricionais?
5. Comente sobre doenças além da desnutri-
ção e obesidade que podem estar relacio-
nadas com os alimentos.
6. Conceitue taxa basal metabólica e efeito
termogênico dos alimentos.
7. Faça um levantamento de sua alimentação
diária média e relacione com sua atividade
física e IMC.
8. Qual a importância das fibras na alimenta-
ção?
9. Qual a importância do estudo da composi-
ção dos alimentos industrializados para a
manutenção da saúde humana?
10. Faça um resumo das principais ações de
digestão e absorção dos alimentos.
Tecnologia de Alimentos:
http://www.cetec.rmg.br/cetec/alimento/alimento.html
Biobrás:
http://www.biobras.com.br
Dispepsia:
http://www.geocities.com/HotSprings/5591/
Diarrhea:
http://regina.ism.ca/trakker/Medical/TravDiar.htm
Ricardo Vieira
Capítulo 3
Ácidos Nucléicos
N o auge dos estudos citológico,
em 1889, Johann Frederick
Miesher isolou do núcleo celu-
lar uma substância de caráter ácido não-
demonstrou a existência de um "princípio
transformante" em cepas de Dipoplococcus
pneumoniae responsável pela pneumonia ex-
perimental em camundongos (Figura 3-1) e de
protéica e apresentando fósforo em sua com- Avery, MacLeod e McCarty em 1944, que
posição, ao qual denominou nucleína. Este demonstraram que o DNA era este princípio,
ácido do núcleo (ácido nucléico) é que garan- através de experimentos onde o princípio
tia a propriedade de coloração por corantes transformante era destruído pela ação enzimas
básicos ao núcleo e que hoje se sabe tratar do que destroem o DNA.
ácido desoxirribonucléico (DNA) e do ácido
ribonucléico (RNA), apesar deste último ter
sido isolado, primariamente, no citoplasma
nas formas de RNA mensageiro (RNAm),
transportador (RNAt) e ribossômico (RNAr).
Com a invenção de um corante especí-
fico para DNA, Robert Feugen, em 1920,
proporcionou a descoberta que o DNA locali-
za-se nos cromossomos durante a divisão ce-
lular. Os cromossomos já haviam sido descri-
tos como fundamentais para o processo de
reprodução celular desde 1879 por Fleming,
entretanto nunca relacionados como portado-
res dos elementos responsáveis pelos caracte- Figura 3-1 - Experimento de Griffth (1928). cColô-
res hereditários, os genes. Na verdade Men- nias lisas (S) de D. pneumoniae induzem a morte d de
um camundongo por pneumonia, enquanto que colô-
del, em 1865, estabelecera os princípios uni- nias rugosas (R) não o fazem e. Quando submetido ao
versais da hereditariedade, porém seu trabalho calor, colônias R tornam-se inertes f, porém quando
permaneceu obscuro até de Vries, Correns & misturas a colônias S mortas pelo calor, transformam-
Tschermnan em 1900 redescobrirem o traba- se em letais g.
lho de Mendel e relacioná-lo com os achados
mais recentes da então recém-criada ciência, a Entretanto, foi somente em 1952 que
genética. O curioso é que em 1859, Charles os experimentos de Alfred Hershey e Martha
Darwin (seis anos antes de Mendel) já havia Chase identificaram o DNA como o respon-
revolucionado o pensamento ocidental com a sável pelas características genéticas de bacte-
formulação de seus princípios sobre a evolu- riófagos (Figura 3-2), sendo este conceito
ção, mas provavelmente não deve ter reco- hoje tido como quase que universal para
nhecido nos trabalhos de Mendel o compo- todos os seres vivos, já que H. Fraenkel-
nente essencial para a transmissão dos carac- Conrat & R. Williams em 1955 identificaram
teres selecionados pela natureza e que garan- os vírus do tabaco como possuidor somente
tiam a perpetuação da espécie. de RNA (os retrovírus), achado fundamental
De uma maneira geral, até 1952 não para impedir que o dogma científico de que o
havia consenso entre os cientistas sobre a ver- DNA é a único molécula guardiã dos caracte-
dadeira natureza química dos genes, com mui- res genéticos dos seres vivos.
tos acreditando tratar-se de proteínas altamen- Isto torna-se bem mais evidente com
te especializadas. Isto começou a ser esclare- os estudos de Stanley Prusiner e colaborado-
cido após os estudos de Griffth em 1928 que res sobre os PRIONS (Proteinaceous Infecti-
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 28
ous Particle) que são moléculas protéicas que sultados de trabalhos de Edwin Chargaff
se multiplicam independente de controle ge- (composição percentual idêntica de Adenina e
nético do DNA ou RNA como os vírus, mas Timina, Citosina e Guanina no DNA e dife-
são responsáveis por doenças infecciosas gra- rente no RNA), Linus Carl Pauling (estrutura
ves, como a observada entre tribos africanas molecular e comprimento de ligação de bases
praticantes do canibalismo e da encefalite nitrogenadas) e de Rosalind Franklin e Mau-
espongiforme bovina que acometeu o gado rice Wilkins (difração de raios-X mostrando a
europeu do fim deste século conhecido como natureza de dupla fita do DNA). O modelo
a doença da "vaca louca". favorece conclusões sobre o mecanismo como
o DNA se duplica e, ainda mais, como coor-
dena a síntese protéica a partir da síntese de
RNA a partir de um molde de DNA e a com-
binação de três nucleotídeos (códon) para a
decodificação deste código genético nos ri-
bossomos.
Nucleotídeos
Todas as células dos seres vivos pos-
suem DNA e RNA, com exceção dos vírus
que não são organismos celulares e possuem
DNA ou RNA em sua composição, nunca os
dois ao mesmo tempo (os PRIONS ainda
precisam ter melhor caracterizada sua relação
com os seres vivos, mas não possuem ácidos
nucléicos em sua composição, sendo somente
proteínas)
O DNA difere do RNA em vários as-
pectos que vão desde a composição molecu-
lar, forma estrutural, até a função e mecanis-
mo de síntese, possuindo, entretanto, várias
semelhanças que os torna moléculas irmãs e
de extrema importância para o estudo da bio-
química celular, por serem responsáveis por
Figura 3-4: Estrutura molecular da adenosina-tri-
todas as características da célula e as molécu- fosfato (ATP), um nucleotídeo. A base nitrogenada
las alvo da evolução. liga-se ao C1' e o fosfato no C5' da pentose.
Quimicamente, os ácidos nucléicos
são polímeros de nucleotídeos unidos por
ligações do tipo fosfo-di-éster, formando uma
molécula polimérica.
Nucleotídeos são as unidades básicas
dos ácidos nucléicos e são formados, sempre,
por uma molécula de pentose a qual se liga a
uma molécula de base nitrogenada e uma
molécula de fosfato em pontos específicos e
de maneira covalente, adquirindo forma estru-
tural helicoidal própria e característica do tipo Figura 3-5 - As pentoses presentes nos ácidos nucléicos
de molécula. Embora façam parte da compo- são a ribose (no RNA) e a desoxirribose (no DNA) que
possui uma -OH a menos no C2'.
sição dos ácidos nucléicos, os nucleotídeos
são encontrados na forma livre dentro da célu- As bases nitrogenadas presentes nos
la, sendo responsáveis por funções não rela- ácidos nucléicos são de dois tipos: as bases
cionadas diretamente com a reprodução celu- púricas, purínicas ou, simplesmente, puri-
lar, como é o caso do ATP (Figura 3-4). A nas e as bases pirimídicas, pirimidinicas ou
união das bases nitrogenadas à pentose, so- pirimidinas (Figura 3-6), com todas elas li-
mente, forma um nucleosídeo, ou seja, um gando-se à molécula de pentose no C1', sendo
nucleotídeo desprovido e fosfato. que nas purinas o ponto de ligação é o nitro-
A pentose (monossacarídeo de 5 car- gênio na posição 9 (N9) e nas pirimidinas é o
bonos) pode ser a ribose (no RNA) ou a de- N1. Presentes tanto no DNA quanto no RNA,
soxirribose (no DNA) ambas em sua forma encontram-se a adenina, citosina e a guanina,
cíclica pentagonal de furanose. Em um nucle- com a timina sendo própria do DNA e a uraci-
otídeo, convenciona-se identificar os carbonos la do RNA. Esta exclusão de bases nitrogena-
da pentose acrescentando o apóstrofo para das dá-se devido à impossibilidade da timina
diferencia-lo dos carbonos da base nitrogena- no RNA e uracila no DNA parearem forman-
da, desta forma o C1', C2', C3' e C5' estão do uma perfeita hélice.
aptos realizar ligações químicas através das
hidroxilas (-OH) livres nestes carbonos, com
exceção da desoxirribose que não possui hi-
droxila no C2' (Figura 3-5).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 30
tura final do DNA e RNA ocorre entre a hi-
droxila do C3' de um nucleotídeo com o
fosfato hidroxila do C5' do outro nucleotídeo,
de forma que sempre o C5' do primeiro
nucleotídeo terá um fosfato livre, enquanto
que o último nucleotídeo adicionado terá
sempre -OH livre no C3'. Esta uniformidade
na configuração da cadeia polimérica de
nucleotídeos, tanto de DNA quanto de RNA,
confere uma direção à molécula onde é
convencionado que o primeiro nucleotídeo de
uma determinada seqüência é o que tem a
extremidade 5' livre, enquanto que o último
terá a extremidade 3' livre.
Como todas as moléculas de ácidos
nucléicos são formadas por nucleotídeos po-
limerizados e como somente a base nitroge-
nada podem variar, o fosfato e a pentose não
são descritos em representações simplificadas
das seqüências de RNA e DNA (Figura 3-8).
A molécula de DNA, por ser em dupla fita,
Figura 3-6 - As bases nitrogenadas que fazem parte da possui as duas cadeias orientadas em sentido
composição dos ácidos nucléicos. As bases purínicas antiparalelo, ou seja, uma cadeia está no sen-
ligam-se ao C1' da pentose através do N na posição 9,
enquanto que as bases pirimidínicas ligam-se em C1’
tido 5'Æ 3', enquanto que a outra está no sen-
pelo N1. tido 3'Æ 5'. A molécula de RNA, em fita
Entretanto, é comum observar modifi- simples, possui somente orientação 5'Æ3'.
cações na estrutura molecular das bases nitro- Detalhes da estrutura de DNA e RNA serão
genadas após o processo de síntese do DNA abordados a seguir.
ou do RNA já haverem sido concluído, o que
pode levar, ocasionalmente, à presença de Estrutura molecular do DNA
uma pseudotimina no RNA quando há a meti-
lação no C5 da uracila e de pseudo-uracila no Quando Watson & Crick formularam
DNA por demetilação da timina (compare as sa teoria sobre a estrutura do DNA, confec-
diferenças da estrutura dessas bases nitroge- cionaram modelos em madeira das moléculas,
nadas na Figura 3-6). Essas modificações po- obedecendo a proporção entre o comprimento
dem ter função na estrutura da molécula (co- de ligação das bases nitrogenadas e da deso-
mo é o caso da pseudotimina que caracteriza xirribose. Em uma espécie de jogo de tentati-
uma das regiões do RNAt) ou ter reflexos va e erro, observaram que a única combinação
negativos para a vida da célula (como no caso possível para garantir a estabilidade de um
da metilação de timina em regiões codificado- modelo em dupla hélice revelava duas carac-
ras de proteínas na molécula de DNA). terísticas que viriam a ser fundamentais para a
A ligação entre os nucleotídeos ocorre, compreensão da química e biologia do DNA:
portanto, através de ligações covalentes ex- as duas cadeias são antiparalelas (opostas
tremamente fortes tendo um grupamento fos- entre si) e estão unidas por pontes de hidrogê-
fato como ligante, as ligações fosfo-di-éster nio.
(Figura 3-7). Essas ligações garantem um Estas observações permitem algumas
"esqueleto" covalente rígido para a molécula conclusões importantes, como o fato que as
de ácido nucléico e que só é clivado sob ação pontes de hidrogênio são bem mais fracas do
de enzimas hidrolíticas digestivas denomina- que a ligação covalente do esqueleto pentose-
das de nucleases (DNase e RNase). fosfato, fazendo delas o alvo do processo de
A ligação entre as moléculas de nucle- divisão celular, uma vez que a molécula de
otídeos que permite a polimerização e a estru- DNA pode ser quebrada em dois moldes (uma
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 31
paralela a outra) e depois ser reconstruído em através de duas pontes de hidrogênio, enquan-
duas novas moléculas idênticas. Este processo to que citosina lia-se somente com guanina
de duplicação do DNA é a chave da compre- através de três pontes de hidrogênio. Qualquer
ensão dos processos de divisão celular vitais outro tipo de ligação entre bases nitrogenadas
para a ciência, que até então não podiam ser é impossível e traria instabilidade estrutural à
compreendidos. A construção de uma cadeia molécula (Figuras 3-9 e 3-10).
polimérica de DNA requer que as duas cadei-
as alinhem-se de forma que as bases nitroge-
nadas adenina só podem ligar-se à timina,
Seqüência de DNA
5’-AAGTCCGTGCTGCGTGCGTGATGAATG-3’
3’-TTCAGGCACGACGCACGCACTACTTAC-5’
Seqüência de RNA
5’-UUAGGGCAUUGUACAUCCCUUAAACCU-3’
Figura 3-8 - Representação simplificada de uma seqüência de DNA e de RNA (oligonucleotídeo). Observe que a orien-
tação das duas cadeias de nucleotídeos do DNA é oposta entre si.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 32
(Figuras 3-11). As seqüências de DNA onde
há muitas ligações entre guanina e citosina
(GC) são mais resistentes, devido ao maior
número de pontes de hidrogênio formadas.
A direção do eixo da dupla hélice é
para a direita e em cada volta há cerca de
10pb (pb). Em conseqüência a esta conforma-
ção, há uma cavidade maior e uma outra me-
nor na forma de um sulco na superfície da
molécula, locais importantes de ligação com
proteínas estabilizadoras ou de outras envol-
vidas na regulação da replicação do DNA.
O genoma eucarioto
A molécula de DNA contém as se-
qüências responsáveis pela síntese das proteí-
Figura 3-11- Estrutura do DNA, segundo Watson &
Crick (1953). Uma volta completa possui cerca de
nas e dos RNA ribossômico e transportador
3,4nm e 10 pb; à distância entre as fitas é de cerca de que, junto com o RNA mensageiro (também
2,0nm. A cavidade maior e menor são sítios de ligação sintetizado a partir do DNA) são essenciais
a proteínas estabilizadoras e da replicação. para a síntese protéica. Quanto mais comple-
xo o organismo, mais adaptações bioquímicas
Uma forma de DNA obtido por síntese ele possui o que corresponde a necessidade de
in vitro é a C-DNA, na qual todas as seqüên- mais genes para expressar as características
cias são codificadoras, ao contrário das de- genéticas. A molécula de DNA torna-se cada
mais formas que há regiões não codificadoras vez maior e tende a se enovelar para ser con-
mesmo dentro das seqüências gênicas. tida dentro do núcleo celular.
Em virtude das moléculas de DNA Na forma linear as duas fitas são livres
serem extremamente grandes, a unidade de para rotação sobre seu próprio eixo o que fa-
medida é o kb (kilobase, ou seja, 1000 pb) vorece a um emaranhado de DNA que é visí-
que corresponde a 6,6 x 105 de peso molecu- vel ao microscópio óptico como a cromatina
lar e 340 nm de comprimento. Algumas espé- nuclear. Quando mais condensada a coloração
cies contêm moléculas simples de DNA, de da cromatina, mais compactado o DNA,
tamanho diminuto, como a bactéria E.coli (4 x quanto mais frouxa a coloração, menos denso
106 pb e 1,4 mm de comprimento). Supõe-se é o emaranhado molecular.
que o genoma (conjunto de genes) humano Proteínas da classe das histonas de-
possua cerca de 4,5 x 106 kb e 1,5m de com- sempenham papel fundamental na organiza-
primento distribuídos em 23 pares de cromos- ção dos cromossomos, promovendo o enove-
somos. lamento da molécula de DNA em torno de
Apesar de a grande maioria dos seres quatro tipos de histonas (H2A, H2B, H3 e
vivos possuírem a molécula de DNA em du- H4) repetidas duas vezes, formando um octâ-
pla fita e linear, o genoma dos seres vivos mero onde a molécula de DNA se enrola cer-
pode apresentar-se na forma de monofilamen- ca de duas vezes e meia (146pb) por sobre o
to e em cadeia circular. Os plasmídeos e cro- octâmero de histonas, formando uma estrutura
mossomos bacterianos, o DNA de cloroplas- na dimensão de 6 x 11nm denominada nucle-
tos e mitocôndrias e o DNA dos papovarírus osomo. Cada nucleossomo é afastado de outro
(p.ex.: vírus do herpes), possuem forma de através de um dímero de histonas H1 os quais
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 34
vão se agrupando formando um bloco com- antes da migração para as células filhas), ge-
pacto de cerca de 30 nucleossomos, afastados rando o aspecto característico em forma de X.
entre si por proteínas estabilizadoras que se Esses cromossomos metafásicos são
ligam em seqüências específicas da cadeia do fotografados e, a partir do padrão de bandas
DNA formando uma estrutura solenóide e que apresentam, são agrupados, par a par,
estas organizam-se nos filamentos de croma- formando uma espécie de mapa cromossômi-
tina (Figura 3-12). co, denominado de cariótipo (Figura 3-14).
As histonas são proteínas existentes Desta forma, os estudo do número de
em todos os eucariotas e o gene que as codifi- cromossomos e as regiões onde estão locali-
ca possui uma seqüência muito semelhante zados os genes, permite a detecção de inúme-
em todos os seres vivos, o que demonstra que ras doenças de origem genética, como a tri-
ela é uma das proteínas mais conservadas somia do cromossomo 23 (síndrome de
durante a evolução, dada sua importância para Down) ou a presença de translocações de re-
a estabilização do DNA. giões de um cromossomo para outro (p.ex.: a
Os blocos de nucleossomos compac- transferência de parte do cromossomo 9 para
tam-se nos cromossomos, que não podem ser o 22 na leucemia linfóide aguda – o cromos-
vistos em uma observação microscópica de somo Filadélfia).
uma célula que não esteja em divisão celular,
por um motivo bem simples: durante o perío-
do de atividade da célula, os genes devem
estar desenrolados ao máximo para facilitar a
síntese de RNAm para a iniciar a síntese pro-
téica, o que necessita que os cromossomos
estejam na forma desespiralizada.
No entanto, quando se inicia o proces-
so de divisão celular, após a duplicação da
molécula de DNA, é necessário que cada no-
va molécula migre para as células filhas, o
que é permitido graças à compactação máxi-
ma dos cromossomos, uma vez que somente
as enzimas da divisão celular estão ativas e
não há a necessidade da síntese de todas as
proteínas que normalmente existem na célula.
Na observação dos cromossomos du-
rante a divisão celular, através de técnicas de
coloração especiais (métodos citogenéticos),
pode-se observar que há áreas mais densas e
outras mais frouxas de cromatina, denomina-
das de heterocromatina e eucromatina, res-
pectivamente (Figura 3-13). Cada região de
heterocromatina corresponde a uma área de
menor atividade gênica e as de eucromatina a
de maior concentração de genes ativos.
O método de coloração de cromossomos mais
antigo e ainda usualmente utilizado basea-se
no corante de Giemsa que, após técnica de
coloração e descoloração seletiva, pode-se
estabelecer um padrão de bandas coradas (he-
terocromatina) e descoradas (eucromatina) Figura 3-12 – Enovelamento da molécula de DNA sobre as
dos cromossomos estudados em células cujo moléculas de histona, formando os nucleossomos e, poste-
riormente, os cromossomos.
processo de divisão celular foi interrompido
na metáfase (após a duplicação do DNA e
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 35
Anatomia do gene
O gene é uma seqüência de DNA que
contém o código genético para a síntese de
proteínas (a partir do RNAm), RNAt e RNAr.
Entretanto, como pudemos estudar anterior-
mente, o estudo citogenético evidencia áreas
no cromossomo onde não há atividade gênica,
o que significa dizer que nem todas as regiões
da molécula do DNA contêm informações
que codificam a síntese protéica. Isto é típico
do genoma eucariótico, que, devido a enorme
quantidade de gene, tem que enovelar tre-
mendamente impossibilitando que todas as
regiões do DNA estejam disponíveis para a
função codificadora.
Realmente, as regiões não codificado-
ras foram denominadas, primariamente, de
espaços intergênicos, DNA espaçador e até o
absurdo nome de “DNA-lixo” evidenciando a
idéia de que havia regiões entre os genes que
seriam simples espaços destinados a ficar
enovelado sem conter genes.
Figura 3-13 – Representação de cromossomo metafá-
sico corado pelo Giemsa revelando um padrão de ban- Entretanto, com o advento de técnicas
das (bandas G) que individualizam cada cromossomo e de análise da composição molecular do DNA
permite uma análise do papel dos cromossomos na foi descoberto que os genes não são compos-
biologia celular. tos de seqüências codificadoras contínuas,
mas que havia regiões não codificadoras den-
tro do próprio gene. E ainda mais, tanto as
regiões não codificadoras entre os genes
quanto às de dentro do gene possuíam função
na regulação da expressão do gene, funcio-
nando não como uma região simplesmente
espaçadora, mas também reguladora.
Dentro do gene, a região que contém
as seqüências codificadoras, são denominadas
éxons e as não codificadoras são denomina-
das íntrons (Figura 3-15).
Como a fita de DNA é dupla, apenas
uma delas é responsável pelo código genético,
que é “lido” no sentido 5’ Æ 3’, a direção em
que a enzima DNA polimerase, responsável
pela síntese do DNA. Desta forma, a fita
complementar pode codificar uma outra pro-
teína, pois possui direcionamento contrário e
seqüência nucleotídica diferente.
As células procarióticas possuem ge-
noma mais compacto, sem regiões não codifi-
Figura 3-14 – O cariótipo humano revela 23 pares de
cadoras, e a leitura se faz em ambas as fitas
cromossomos agrupados de acordo com os padrões de
bandas apresentados nas colorações citogenéticas. como uma maneira de melhorar a economia
da célula, o que faz com o genoma seja mais
prático e funcional. Os DNA mitocondrial e
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 36
dos plasmídeos também são organizados sem Cerca de 35pb antes do início do gene há uma
íntrons ou regiões não codificadoras. seqüência do tipo TTGACA e na posição de
Esta característica, de não haver regi- 10pb antes do gene há a seqüência TATAAT
ões codificadoras, entretanto, implica em di- que são o ponto de acoplamento da RNA po-
zer que qualquer mutação que ocorra em um limerase para o início da síntese do RNAm
genoma procarioto já provoca uma mudança que dará origem, futuramente, à proteína, co-
na seqüência de leitura de um gene, o que mo será descrito posteriormente. Essas se-
pode configurar-se como alteração genética qüências são as mesmas para todos os tipos de
importante. genes.
Em contrapartida, a existência de ex- Na região flanqueadora 3’ (ou downs-
tensas áreas não codificadoras no genoma tream – “rio abaixo”), logo após o término do
humano (cerca de 90% do DNA total), favo- gene, existe uma região rica em GC, seguida
rece uma certa proteção contra essas muta- de outra rica em AT, que vão possuir papel
ções, o que, de fato, é observado na alta taxa fundamental para que a RNA polimerase en-
de variabilidade dessas áreas não codificado- cerre a síntese do RNAm correspondente à-
ras em relação às regiões dos éxons. quele gene, conforme será mostrado posteri-
Essa grande variabilidade existente ormente, ainda neste capítulo.
nas regiões não codificadoras são, em sua Fazendo parte, ainda, do complexo de
maioria, repetições de seqüências de DNA regulação da expressão do gene, encontramos
que são denominadas de DNA satélite. Essas regiões muito afastadas do início do gene que
regiões apresentam uma seqüência de DNA exercem ação reguladora de sua expressão,
de mais de 100pb que se repetem em tandem denominadas de enhancers (estimuladores).
(uma atrás da outra). Outras regiões com cer-
ca de 3 a 5pb são denominadas de minissaté- A molécula de RNA
lites e aquelas com apenas 2pb repetidos são
denominadas de microssatélites. O número Existem três tipos básicos de RNA:
de repetições de certas regiões satélite varia mensageiro (RNAm), transportador (RNAt) e
tanto de indivíduo para indivíduo que consti- ribossômico (RNAr).
tuem uma “impressão digital molecular” e são A forma estrutural do RNA é de uma
utilizadas para caracterizar o DNA de vítimas fita simples em espiral que se arranja, na
de crimes, na investigação de paternidade e maioria das vezes, formando pregas entre si,
em outros casos de medicina forense. em virtude de pontes de hidrogênio ocorridas
Os genes são flanqueados por regiões entre as bases nitrogenadas dos nucleotídeos
que sinalizam para a enzima RNA polimerase da própria cadeia. Estas pregas dão a confor-
onde deve iniciar a sua expressão, na extre- mação e um grampo de cabelo (hairpins) às
midade 5’ (freqüentemente denominada regi- regiões onde elas ocorrem e são estruturas
ão upstream, em referência à expressão ingle- características das moléculas de RNAt e
sa “rio acima”). RNAr (Figura 3-16).
Figura 3-15 – Esquema de um gene eucariota. As zonas amarelas correspondem às regiões flanqueadoras que contêm as
regiões promotoras -35 e –10 (na extremidade 5’) e a região de terminação com os sítios GC e AT (na extremidade 3’).
As regiões codificadoras (éxons) e as não codificadoras estão representadas em verde e vermelho, respectivamente.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 37
A molécula de RNAm não possui tais O RNAt (transportador) realiza o
grampos, devido a necessidade estar linear transporte dos aminoácidos para a síntese
para ser “lida” pelos ribossomos durante a protéica mediada pelo RNAm. Existem 20
síntese protéica. Na verdade, a formação de tipos de RNAt (um para cada aminoácido),
tais grampos na molécula de RNAm ocorre possuindo quatro domínios comuns: 1) o pon-
como mecanismo favorecedor da edição da to de ligação com o aminoácido que transpor-
molécula após a transcrição direta do gene. ta, sempre a seqüência ACC na extremidade
3’; 2) a alça D, com a presença do nucleotí-
deo diidrouridina (formado por hidroxilação
da uracila); 3) a alça T com a presença de
timina formada por metilação da uracila (ch-
mada de ribotimidina); e 4) a alça do anticó-
don, que possui a seqüência que se ligará ao
RNAm no ribossomo durante a síntese protéi-
ca (Figura 3-17). Na molécula de RNAt é
observada a presença de outras bases modifi-
cadas como a pseudouridina (Ψ) e, algumas
vezes, um mesmo tipo de RNAt pode apre-
sentar ou C ou G em áreas em que não há
formação de pregas, representado na estrutura
Figura 3-16 – Modelo de formação das pregas entre os simplesmente como uma pirimidina (Y).
nucleotídeos de uma molécula de RNA, assumindo O RNAr (ribossômico) faz parte da
conformação que lembra um grampo de cabelo. composição molecular dos ribossomos, local
da síntese protéica, aonde se acopla o RNAm
O RNAm é responsável pelo código e, posteriormente, os aminoácidos. Possui
genético para a síntese protéica, estabelecido uma estrutura extremamente pregueada onde
entre ele e o DNA, sendo que a seqüência de se revelam domínios responsáveis pela estru-
3 nucleotídeos do DNA corresponde a se- tura tridimensional final dos ribossomos (Fi-
qüência de 3 nucleotídeos do RNAm (códon) gura 3-18).
que, por sua vez, corresponde a um aminoáci-
do específico no processo de síntese protéica.
O seu processo de síntese é denominado
transcrição e é um dos processos mais im-
portantes para a manutenção das característi-
cas celulares, uma vez que qualquer erro que
haja pode ocorrer em erro na tradução do co-
digo genético e o conseqüente erro na síntese
protéica. A molécula de RNAm é a forma
citoplasmática, porém imediatamente após a
transcrição, o RNA que foi copiado direta-
mente do DNA possui ainda as informações
dos íntrons, que não correspondem à nenhuma
informação genética. Este RNA é denomina-
do RNA heterogêneo nuclear (RNAhn) e é
submetido a um processo de retirada da se-
qüência correspondente aos íntrons denomi- Figura 3-17 – Modelo esquemático de uma molécula
do RNAt para o aminoácido fenilalanina. A extremida-
nado splicing (junção), além da adição de de 3' (ACC) é responsável pelo transporte do aminoá-
uma seqüência de cerca de 100 a 200 nucleo- cido. A alça do anticódon contém a seqüência com-
tídeos de adenina, denominado de cauda po- plementar ao RNAm (códon) durante a síntese protéi-
li-A, que será um importante regulador do ca. Em algumas regiões da molécula, há o pareamento
processo de controle da tradução protéica, intramolecular das bases, formando as pregas de fila-
mento em dupla hélice.
como será abordado posteriormente.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 38
metilguanosina, N-isopenteniladenina, dii-
drouridina e ribotimidina.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 3: Ácidos Nucléicos 39
tes em forma e função, que se acredita que tem a resistência a antibióticos. São passados
são evolucionariamente relacionados. de uma bactéria a outra através do processo
O DNA mitocondrial varia enorme- de conjugação bacteriana, onde uma bacteria-
mente de tamanho: em animais são relativa- na emite uma espécie de “tubo” para a outra
mente pequenos (menos que 20kb), em leve- bactéria, transferindo seu plasmídio.
duras são um pouco maiores (cerca de 80kb) e Os plasmídios são utilizados larga-
em plantas superiores são muito grandes (cen- mente em experimentos laboratoriais, como
tenas a milhares de kb). Apesar de haver pou- vetores de pesquisas que manipulam o DNA
cas regiões não codificadoras, quanto maior a do plasmídio para aceitarem seqüências de
molécula de DNA mitocondrial, maior a pre- DNA de outros organismos. Desta forma, as
sença de zonas não codificadoras. bactérias que “aceitam” esse plasmídio modi-
Intrigantemente, DNA mitocondrial é ficado podem duplicar o fragmento de DNA
mais semelhante ao DNA de bactérias, do que inserido artificialmente o duplica-lo muitas
com o DNA do núcleo da própria célula, o vezes fazendo com que um organismo que
que leva à especulação que os eucariotas ori- antes não possuía determinada seqüência de
ginariamente não possuíam mitocôndrias e, DNA (a bactéria) passe a expressar um novo
portanto, não sintetizavam ATP em larga es- genótipo. Esses experimentos são denomina-
cala. Em determinado momento da evolução dos de clonagem bacteriana e foram desen-
celular, houve uma relação simbiótica com volvidos na década de 80, junto com a mani-
bactérias que possuíam as enzimas necessá- pulação do genoma viral, sendo os primeiros
rias para esta função, convertendo-se nas mi- e bem sucedidos experimentos de engenharia
tocôndrias, hoje uma organela essencial para genética que deram início a uma era de gran-
os eucariotas, fazendo parte da bagagem des avanços na ciência, mas também de gran-
genética da célula. des preocupações éticas que vão desde à pa-
A estrutura das mitocôndrias oferecem tente de seqüências de DNA até a clonagem
sérios problemas para a tradução do DNA de seres humanos.
mitocondrial, havendo ribossomos mitocon-
driais que se ligam ao RNAm de maneira não
usual, possuindo um código genético próprio,
diferente do genoma nuclear. EXERCÍCIOS
Um fato importante par o estudo do 1. O que são PRIONS?
DNA mitocondrial, é que durante a penetra- 2. Descreva a anatomia do gene eucarioto.
ção do espermatozóide no óvulo, para a for- 3. Quais as principais características estrutu-
mação do zigoto, a região da cauda é perdida rais das moléculas de DNA e RNA?
e, com ela, a porção que contém as mitocôn- 4. No que consiste o DNA extra-genômico e
drias, responsáveis pela geração da energia qual a sua importância para os estudos de
necessária para a movimentação dos esperma- biologia molecular?
tozóides, desta forma, a herança mitocondrial
é, predominantemente, materna. REFERÊNCIAS DA INTERNET
Possuindo uma taxa evolutiva cerca de
10 vezes maior que o genoma nuclear, o DNA Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ
mitocondrial (assim com os íntrons) possui http://www.bioqmed.ufrj.br/sonda/
alta variabilidade entre as espécies, fazendo
Index of Genes on Human Chromossomes
com seja alvo de estudos que estabelecem a http://wehih.wehi.edu.au/gdbreports/
distância evolutiva entre as espécies, ajustan-
do uma espécie de relógio molecular e escla- Laboratório Genomic de Análise de DNA
recendo relacionamentos filogenéticos que os http://www.genomic.com.br/
métodos tradicionais de observação morfoló-
gica ou de divergência bioquímica não são DNA na investigação criminal
capazes de diferenciar. http://www.laboratoriopasteur.com.br/
O DNA de plasmídios de bactérias é
circular e pequeno e codifica genes que garan-
Ricardo Vieira
Capítulo 4
Aminoácidos e Proteínas
A
s proteínas são as moléculas A união entre dois aminoácidos, forma
orgânicas mais abundantes um dipeptídeo, assim como três unem-se
nas células e correspondem a formando um tripeptídeo e assim sucessiva-
cerca de 50% ou mais de seu mente, sendo que a união de vários aminoáci-
peso seco. São encontradas em todas as partes dos irá dar origem a uma cadeia polipeptídi-
de todas as células, tendo funções fundamen- ca. Algumas proteínas são formadas de ape-
tais na lógica celular. Em virtude desta impor- nas uma cadeia polipeptídica, enquanto outras
tância qualitativa e quantitativa, as proteínas são formadas por três, quatro ou mais. O que
têm sido largamente estudadas e seus segre- as diferencia umas das outras é a seqüência
dos desvendados, no que diz respeito à sua em que estarão dispostos os aminoácidos,
síntese ou aproveitamento metabólico. aliados a estrutura tridimensional assumida
As proteínas são macromoléculas de pela molécula.
alto peso molecular, polímeros de compostos São conhecidos 20 aminoácidos (Ala-
orgânicos simples, os α-aminoácidos. Nas nina, Arginina, Aspartato, Asparagina, Cisteí-
moléculas protéicas os aminoácidos se ligam na, Fenilalanina, Glicina, Glutamato, Gluta-
covalentemente, formando longas cadeias não mina, Histidina, Isoleucina, Leucina, Lisina,
ramificadas, através de ligações peptídicas Metinonina, Prolina, Serina, Tirosina, Treo-
envolvendo o radical amino (-NH2) de um nina, Triptofano e Valina) encontrados nas
aminoácido e o radical ácido (-COOH) de um moléculas de proteínas, com sua síntese con-
outro, havendo a liberação de uma molécula trolada por mecanismos genéticos, envolven-
de água durante a reação (Figura 4-1). do a replicação do DNA e transcrição do
RNA.
A metade dos aminoácidos é sintetiza-
da pelo organismo e vai suprir as necessida-
des celulares; aqueles que não são sintetiza-
dos precisam estar presentes na dieta e são
chamados de aminoácidos essenciais e os
aminoácidos não-essenciais aqueles que são
sintetizados no organismo.
A função energética dos aminoácidos
não é, certamente a sua principal função, uma
vez que carboidratos e lipídios são melhores
aproveitados no metabolismo energético. En-
tretanto, os aminoácidos são importantes fon-
tes de energia durante o exercício físico inten-
so e de longa duração fornecendo substrato
Figura 7-1: A ligação peptídica ocorre entre o para a neoglicogênese (aminoácidos glicogê-
grupamento -COOH de um aminoácido com o gru- nicos). Alguns aminoácidos, fornecem subs-
pamento -NH2 de outro. O primeiro aminoácido da tratos para a síntese de acetil-CoA que é a-
cadeia peptídica é aquele que possui o grupamento
amino-terminal e o último, o que possui o livre o proveitada no ciclo de Krebs, mas não podem
grupamento carboxila-terminal. O grupamento R ser convertidos em glicose (aminoácidos
sempre ocupa posição oposta ao próximo, devido ao cetogênicos). Outros conseguem fornecer
Cα ser assimétrico, o que vai contribuir para a for- substratos para ambas as vias (aminoácidos
ma tridimensional da proteína. ceto-glicogênicos). Em estados carenciais
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 41
Figura 4-2 - Os aminoácidos presentes nas proteínas agrupados de acordo com a polaridade do grupamento R. A)
apolares com R = cadeia hidrocarbonada; B) apolares com R = anel aromático; C) apolar com R contendo S; D)
apolar com R = H; E) polar não carregado com R contendo OH; F) polar não carregado com R = amida; G) polar
não carregado com SH; H) polar carregado positivamente (bases); I) polares carregados negativamente (ácidos).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 43
Tabela 4-2 - Principais características dos aminoácidos relacionadas com suas funções.
Grupamento R
Aminoácidos Símbolo Ceto- Glico- Essen- Não- Polar
gênico gênico cial essen- Não- Carregado Apolar
cial carregado (-) (+)
Alanina Ala (A) X X X
Arginina (1) Arg (R) X X X
Aspartato Asp (B) X X X
Asparagina Asn (N) X X X
Cisteína Cys (C) X X X
Fenilalanina Phe (F) X X X
Glicina (2) Gly (G) X X X
Glutamato Glu (Z) X X X
Glutamina Gln (Q) X X X
Histidina His (H) X X X
(3)
Isoleucina Ile (I) X X X X
Leucina Leu (L) X X X
Lisina Lys (K) X X X
Metionina Met (M) X X X
Prolina Pro (P) X X X
Serina Ser (S) X X X
Tirosina (4) Tyr (Y) X X X
Treonina (3) Thr (T) X X X X
Triptofano (3) Trp (W) X X X X
Valina Val (V) X X X
(1)
A arginina é produzida no hepatócito, porém consumida em grande escala na síntese da uréia, o que faz com
que seja classificada como essencial (pelo menos em crianças).
(2
) O R é um hidrogênio, o que faz com que o aminoácido, como um todo, possua certa polaridade devido ao
grupamento funcional, uma vez que o grupamento R é muito pequeno.
(3)
Aminoácido glicocetogênicos.
(4) A tirosina é sintetizada no ser humano a partir da fenilalanina, um aminoácido essencial
Figura 4-3 - Defeito na síntese ou controle das enzimas das vias metabólicas de aminoácidos podem levar a doenças
conhecidas como erros inatos do metabolismo. As setas pontilhadas indicam a existência de mais de um passo metabóli-
co. As enzimas deficientes são: 1) fenilalanina-hidroxilase (ou co-fatores como a 5,6,7,8-tetraidropterina); 2) via de sínte-
se do hormônio tiroidiano tiroxina ; 3) tirosinase; 4) homogentisato-dioxigenase; 5) via de síntese da melanina nos mela-
nócitos.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 45
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 46
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 48
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 50
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 4: Aminoácidos e Proteínas 52
EXERCÍCIOS
1. Comente a classificação dos aminoácidos
quanto a composição da cadeia R.
2. Conceitue aminoácidos essenciais, não-
essenciais, glicogênicos, cetogênicos e
glicocetogênicos.
3. O que são aminioácidos raros e não-
codificados?
4. Qual a importância dos aminoácidos no
estudo dos erros inatos do metabolismo?
5. Comente sobre a propriedade ácido-básica
dos aminoácidos.
6. Conceitue os vários níveis de organização
estrutural das proteínas.
REFERÊNCIAS DA INTERNET
Fundamentos de Bioquímica:
www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Webioquímica
www.pucpr.br/disciplinas/bioquimica/Webio1.html
3D Images of proteins
www.imb-jena.de/IMAGE.html
Ricardo Vieira
Capítulo 5
Enzimas
A
s enzimas são proteínas espe- reagentes (aqui denominados de substrato)
cializadas na catálise de rea- para convertê-las nos produtos, de uma ma-
ções biológicas, ou seja, elas neira a diminuir a energia necessária para le-
proporcionam que as reações químicas tor- var estes substratos ao estado de ativação e-
nem-se muito mais rápidas que a reação não nergética caracterizado por uma molécula em
catilada (a enzima nuclease estafilocócia ace- transição entre o substrato e o produto.
lera a reação em 5,6x1014 vezes!),o que as Freqüentemente, utiliza-se a analogia
coloca entre as biomoléculas mais importan- da chave-e-fechadura para designar a especi-
tes para o ser vivo havendo situações onde ficidade de uma enzima para seu substrato.
uma pequena queda ou aumento na atividade Porém esta comparação perde força quando se
enzimática acarreta problemas fisiológicos conhece enzimas que possuem mais de um
sérios. tipo de substrato ou substratos que sofrem a-
A própria evolução do conhecimento ção enzimática por mais de uma enzima. A-
bioquímico tem nas enzimas sua gênese, com lém disso, o próprio espaço existente para a
a descoberta do poder catalítico do suco gás- realização da ação enzimática não é tão “aper-
trico sobre as proteínas e da saliva sobre o tado” quanto pode sugerir uma chave-e-
amido no início do século XIX. Louis Pas- fechadura. Entretanto o encaixe espacial entre
teur, em 1850, postulou que as reações fer- a molécula do substrato com a enzima de-
mentativas do levedo, convertendo açúcar em monstra um preciosismo próprio das melhores
álcool, eram devidas a substâncias existentes chaves-e-fechaduras, abrindo as portas para as
dentro do levedo, as quais foram posterior- reações bioquímicas.
mente denominadas de enzimas (derivado do A ligação entre uma enzima a outra
latim en = dentro + zima = levedo). molécula se dá de maneira complexa, uma
Com o isolamento das enzimas fer- vez que há a formação de muitas ligações fra-
mentativas do levedo em 1897, teve início a cas entre os átomos componentes das molécu-
era mais produtiva da pesquisa em bioquímica las. As únicas ligações fortes que ocorrem
surgindo as principais hipóteses do funciona- nesta interação enzimática são as que ocorrem
mento das enzimas dentro da célula. Em entre partes das moléculas que se encaixam
1926, o isolamento da enzima urease, estabe- perfeitamente no plano tridimensional.
leceu a natureza protéica das enzimas, crian- A região da enzima onde ocorre este
do-se o conceito de que todas as enzimas são encaixe é denominada de sítio de ligação ou
proteínas, mas nem todas as proteínas são en- sítio catalítico e corresponde, geralmente, a
zimas. Na década de 80, entretanto, foram um entalhe na estrutura da molécula da enzi-
identificadas moléculas de RNA que possuem ma formado por uma seqüência de aminoáci-
atividade catalítica, as ribozimas, o que pôs dos que garante a forma de uma cavidade (Fi-
abaixo aquele conceito quase que dogmático. gura 5-1). Os demais aminoácidos da enzima
As enzimas, entretanto, são um capítu- são responsáveis por manter a forma deste
lo à parte no estudo das proteínas e, sem dú- sítio de ligação, havendo um ou mais sítios de
vida nenhuma, possuem suas bases de conhe- posicionamento que facilitam a ligação com
cimento voltadas para a compreensão da es- a molécula de substrato formando um com-
trutura tridimensional protéica. plexo reversível enzima-substrato. No subs-
Como uma proteína, uma enzima de- trato, há sempre um grupamento que favorece
pende da estrutura terciária (ou quaternária) uma ligação suscetível com o sítio catalítico
para exercer sua função catalisadora, uma vez da enzima.
que tem que interagir com as moléculas dos
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 54
A ligação do substrato com a enzima Existem várias enzimas que são pro-
forma um complexo enzima-substrato que duzidas em tecidos diferentes e catalisam a
logo se dissocia liberando a enzima intacta e o mesma reação, porém apresentam caracterís-
substrato, agora convertido no produto. De- ticas químicas ou físicas diferentes. Elas são
pendendo do tipo de enzima, esta reação pode chamadas de isoenzimas e, freqüentemente,
ocorrer entre mais de uma molécula e liberar podem apresentar afinidade diferente pelo
uma ou mais moléculas de produto. substrato.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 56
CLASSE 2 - Transferases: transferência de • Epimerases: promove a interconversão de
grupos de uma molécula para outra. epímeros (carboidratos que diferem pela
• Quinases: transfere grupos de alta energia. posição de apenas uma hidroxila).
• Mutases: move grupo de um ponto para o • Mutases: transferência de grupamentos em
outro da molécula uma mesma molécula formando isômeros.
• Fosforilases: quebra de uma ligação C—O • Racemases: formação de isômeros especu-
pela adição de Pi. lares inversos.
• Polimerases: reações de adição de uma
unidade de polimerização.
• Transaldolases: transfere um grupamento CLASSE 6 - Ligases: união de duas molécu-
aldeído de um substrato para outro. las acopladas à quebra de ATP.
• Transcetolases: o grupamento cetona é • Carboxilases: adição de CO2.
movido de uma molécula para outra. • Sintetases: ligação de duas moléculas com
• Transaminases (aminotrasnferase): quebra de pirofosfato (P—P).
transfere um grupamento amino de um a-
minoácido para um cetoácido. Por que as enzimas são catalisa-
CLASSE 3 - Hidrolases: quebra moléculas
dores tão eficazes?
por hidrólise.
As enzimas são essenciais para o me-
• Esterases: hidrolisa um éster em álcool e
tabolismo celular devido a vários fatores que
ácido.
envolvem seu papel que vão desde uma “eco-
• Lipases: promovem a quebra de ligações nomia” energética celular até a extrema adap-
ésteres entre um ácido graxo e o glicerol. tação às condições biológicas intracelulares.
• Nucleosidases: degrada nucleosídeos em
base nitrogenada + ribose. a) Ações na “economia” energética celular:
• Nucleotidases: degrada nucleotídeos em As enzimas são excelentes catalisado-
nucleosídeos + Pi. res biológicos por diminuir a necessidade e-
• Peptidases: quebra de ligações peptídicas. nergética para que as reações bioquímicas a-
• Fosfatases: hidrólise de ésteres, liberando conteçam, o que, por si só, já torna a reação
Pi. mais rápida e eficiente. Outros efeitos levam a
• Sulfatases: hidrólise liberando sulfato. aumentar a eficácia da reação enzimática, mas
sem dúvida essa “economia” celular é funda-
CLASSE 4 - Liases: corta ou sintetiza liga- mental para a compreensão da importância
ções C—C, C—O e outras, por reações que das enzimas para a biologia celular.
não oxidação ou hidrólise e sem envolvimen- Entretanto, as enzimas não alteram a
to de reações de transferência de grupamentos energia livre (G) da reação, em vez disso,
de uma molécula para outra. exercem sua função catalisadora reduzindo a
• Aldolases: forma ligação C—C após a li- energia de ativação (GAt) das reações quími-
gação de um aldeído ou cetona com outro cas, promovendo uma via de reação onde os
composto bioquímico. produtos são formados de maneira mais rápi-
• Descarboxilases: catalisa a remoção de da, com menos gasto de energia (Figura 5- 3).
CO2. Um aumento na energia livre em um
• Hidratases: liberação de água durante a sistema reacional corresponde à liberação da
formação do produto. energia existente dentro das moléculas e que é
• Sintases: catalisa uma síntese onde não há liberada quando os substratos são convertidos
gasto de ATP. em produtos. Assim, as reações exotérmicas
(aquelas que provocam um aumento da tem-
CLASSE 5 – Isomerases: formação de isô- peratura do meio) possuem valores negativos
meros. para a variação da energia livre (∆G) uma vez
que os produtos situam-se em patamares de
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 57
energia livre menores do que quando eram meio deixando um déficit energético após a
substratos, pois liberaram energia para o meio conversão dos substratos em produtos.
(e por isso o meio aquece). Na natureza, as reações químicas ten-
Pelo raciocínio inverso, as reações dem a ocorrer espontaneamente na direção
endotérmicas (aquelas que consumem calor onde há a dissipação da energia, ou seja, no
do meio) possuem valores de ∆G positivos, sentido em que a entropia (grau de desorga-
pois os substratos acumularam energia além nização) aumenta. Isto significa dizer que em
daquela que tinham inicialmente. Nesta situa- reações espontâneas, o produto final possui
ção, evidencia-se uma queda da energia livre uma variação de energia livre com valores
no sistema reacional, com os produtos “rou- negativos, indicando a natureza exotérmica
bando” calor do meio para poderem ser for- das reações. Em bioquímica, tal calor de rea-
mados. ção é utilizado para a realização de trabalho
celular e o termo mais adequado para esse
tipo de reação é exergônica.
Então, há uma tendência natural de ser
mantida os níveis energéticos antes e depois
da formação dos produtos, havendo apenas a
redistribuição da energia entre os produtos e o
meio reacional. Esses conceitos dizem respei-
tos aos princípios gerais da termodinâmica,
onde a conservação da energia (primeira lei) e
a mudança para níveis de maior entropia (se-
gunda lei) são leis universais para as reações
envolvendo a produção e consumo de energia
(para maiores informações, ver Capítulo sobre
Figura 5-3 – As enzimas diminuem a energia de ativação Bioenergética).
necessária para converter os substratos em produtos. A vari- As enzimas não modificam o processo
ação da energia livre, entretanto, não é alterada em relação à de produção ou consumo energético de uma
reação não catalisada. reação química, não alteram o equilíbrio da
reação, mas aumentam a velocidade da reação
A energia de ativação corresponde a por diminuir a energia de ativação dos subs-
uma determinada quantidade de energia que tratos. Isto acontece devido à conversão dos
os substratos necessitam receber para atingir substratos em produtos ocorrer pela facilita-
um nível energético de instabilidade que de- ção do alinhamento tridimensional entre os
sencadeie sua conversão em produto. De uma substratos, exigindo uma energia bem menor
forma geral, esta energia advém do meio rea- para a quebra do limiar energético para a for-
cional e está relacionada à afinidade existente mação dos produtos.
entre os substratos, além da direção energética Esta poderosa ação catalítica é possí-
da reação. Logo, para que uma reação ocorra, vel graças à forma tridimensional do sítio de
é necessário que o substrato receba energia catalítico da enzima (e o co-fator, na maioria
elevando seu estado de excitação molecular das vezes) com o substrato que permite uma
até um ponto em que possibilite sua conver- rápida reação, ao invés da reação não catali-
são em produto. sada que necessitaria de um movimento e ali-
Todas as reações químicas ocorrem nhamento aleatórios.
desta maneira, tanto as exotérmicas quanto às Poderíamos, portanto, generalizar uma
exotérmicas. Nas reações exotérmicas a ener- reação enzimática como:
gia de ativação recebida é devolvida comple- S + E Æ ES Æ EP Æ P + E
tamente para o meio, acrescida de mais ener- Onde S = substrato(s); E = enzima
gia decorrente do processo exotérmico. Nas (mais cofator, quando for o caso); ES = com-
reações endotérmicas, a energia de ativação plexo enzima substrato, EP = estágio que an-
recebida não é liberada totalmente para o tecede a liberação de P = produto(s).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 58
Nota-se que a formação de ES é limi- fígado para o sangue. Quando o indivíduo não
tante para a reação e ocorre em um tempo consegue sintetizá-la em concentrações ade-
mais rápido do que ocorreria se não houvesse quadas (em virtude de uma doença genética
a catálise enzimática. denominada de Doença de von Gierke) a gli-
Apesar de, teoricamente, as reações cose tende a se acumular nas células hepáticas
catalisadas por enzimas poderem ocorrer na e acaba sendo degradada por uma outra enzi-
sua ausência, em termos fisiológicos isto, na ma que, naturalmente, a degradaria em menor
maioria das vezes, é impossível. Por exemplo, velocidade. Esta nova enzima que passa a tra-
um mol de glicose (180g) quando convertida balhar mais, a glicose-6-desidrogenase, leva
totalmente em energia em equipamentos de à síntese de pentoses em grande quantidade e
laboratório, libera cerca de 680 kcal após gas- esta, por sua vez, acaba sendo convertida em
tar quase 200 kcal como energia de ativação bases nitrogenadas de onde a adenina e a gua-
para convertê-la em H2O e CO2. nina em excesso irão ser convertidas em áci-
Entretanto a mesma reação realizada do úrico que, finalmente, acaba se depositan-
nas células gasta somente cerca de 20 kcal (10 do nas articulações e causando uma doença
vezes menos energia) a título de energia de extremamente dolorosa denominada gota.
ativação, liberando os mesmos 680 kcal, isso Esta é apenas uma das muitas rotas metabóli-
graças à incrível economia proporcionada pe- cas em que o ácido úrico pode ser sintetizado
las enzimas do metabolismo energético. Por- devido a uma modificação na eficácia de en-
tanto, estas reações realizadas sem enzimas na zimas do metabolismo hepático (maiores de-
célula exigiriam uma temperatura corpórea 10 talhes serão abordados no Capítulo sobre me-
vezes maior (algo como 370oC) para poderem tabolismo de bases nitrogenadas).
ocorrer, fato impossível para os seres vivos
(pelo menos por aqueles que conhecemos nes- c) Alta eficiência mesmo em baixas concen-
te planeta). trações:
Um outro fator importante na consa-
b) A ação na ordem das reações celulares: gração das reações enzimáticas como esteio
Apesar da pouca energia necessária químico do ciclo da vida celular está no fato
ser um motivo muito forte para a eficácia das das enzimas serem regeneradas ao final do
reações enzimáticas, muitas vezes, a reação processo, podendo reagir com novas molécu-
não-catalisada é impossível em termos fisio- las do substrato sendo necessárias, portanto
lógicos devido à rapidez que se espera na em quantidades bastante inferiores das do
formação dos produtos para a continuidade do substrato, situação ideal para o meio extre-
ciclo biológico, ou mesmo pela necessidade mamente diluído do citoplasma exigindo um
de níveis energéticos de ativação superior ao gasto menor na síntese da enzima pelo meca-
suportado pela célula. nismo genético celular.
Ou seja, mesmo que a diferença ener-
gética entre a reação catalisada e a não catali- d) Especificidade enzima substrato como
sada não se constitua em impedimento para fator acelerador da reação:
que a reação ocorra, a lentidão na formação É fundamental para o sucesso da rea-
dos produtos simplesmente emperraria a ma- ção enzimática o fato que os substratos per-
quinaria bioquímica celular, levando a um manecem "presos" no sítio catalítico, redu-
colapso químico, modificando a ordem de re- zindo os movimentos aleatórios da molécula
ações devido ao acúmulo do substrato (por ser (redução da entropia) permitindo a catálise
lentamente degradado) e pela deficiência do mais rápida.
produto (já que é lentamente formado). Isto é, Além disso, quando se forma o com-
na maioria das vezes, simplesmente impossí- plexo enzima-substrato, as pontes de hidrogê-
vel em termos biológicos ou traz efeitos se- nio que venham a se formar fixando o subs-
cundários graves para o organismo. trato na enzima, ocorrem entre o substrato os
Por exemplo, a enzima glicose-6- grupamentos dos aminoácidos do sítio catalí-
fosfatase permite a liberação de glicose do tico (e na molécula do co-fator) e quase nunca
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 59
com a água do meio reacional. Esta ação é por retirar um composto (o substrato) que po-
denominada retirada da capa de solvatação de ter outras vias metabólicas importante e
e diminui a resistência física das moléculas produzir uma quantidade exagerada de um
dos substratos em reagirem. composto (os produtos) que podem ser inde-
Também é fundamental para a eficácia sejáveis à célula. Logo, não basta que uma
da reação enzimática, a modificação tridimen- enzima deixe de ser sintetizada para que ela
sional que a molécula da enzima sofre no pare de fazer efeito, uma vez que é continua-
momento que se liga com o substrato, favore- mente regenerada. Portanto, um mecanismo
cendo a formação das ligações necessárias de regulação da ação enzimática torna-se in-
para que os produtos sejam liberados, com o dispensável para o sucesso da ação catalítica.
alinhamento das partes afins das moléculas Em outras palavras, a enzima tem se “saber”
com o gasto mínimo de energia. A falta de quando parar e quando começar a trabalhar.
especificidade entre o sítio catalítico da enzi- Isto ocorre graças a vários mecanis-
ma com o produto formado é fundamental mos de controle onde o principal é uma dimi-
para a liberação da enzima para nova reação nuição (ou aumento) de sua atividade de a-
(Figura 5-4). cordo com o aumento (ou diminuição) de
compostos relacionados com o produto da
reação, o que estabelece um mecanismo de
feedback (retroalimentação, ou seja, informa-
ção a algo de trás por algo da frente) que pode
ser negativo ou positivo, de acordo com a
natureza da reação.
Por exemplo, o aumento da concentra-
ção de ATP celular favorece a inibição da ati-
vidade da maioria das enzimas do metabolis-
mo energético através de um mecanismo de
feedback negativo o que impede que as molé-
culas energéticas produzam indefinidamente
Figura 5-4 – Representação da complementaridade espacial e
ATP o que levaria à destruição da célula pelo
química entre enzima e substrato. A) regiões do substrato pos-
suem regiões complementares no sítio catalítico da enzima excesso de calor liberado no processo. No en-
(aqui representado uma ponte de hidrogênio, atração iônica e tanto, não há a necessidade do longo processo
interações fracas apolares); B) o complexo enzima-substrato se de síntese de mais enzimas para reiniciar o
forma com a retirada da capa de solvatação, o que diminui a processo em virtude de a queda de ATP ativar
resistência da molécula; C) o produto formado não tem especi-
as enzimas do metabolismo energético indu-
ficidade com a enzima; D) as regiões que antes se atraiam,
agora se repelem, regenerando a enzima. zindo a produção de mais ATP (esse processo
é denominado de regulação alostérica e será
Quando há a formação do complexo melhor detalhado ainda neste capítulo).
enzima-substrato o cenário molecular está
armado para que haja a formação dos produ- Mecanismos de ação enzimática
tos. Note que estes fatos ocorrem de uma ma-
neira muito rápida e dentro no sítio catalítico Vários mecanismos para a reação en-
e a especificidade das ligações fracas que o- zimática são propostos a partir da natureza
correm entre os grupamentos da enzima (e co- química dos substratos e cada reação enzimá-
fator) com o(s) substrato(s) proporcionam um tica possui uma peculiaridade que a torna úni-
aumento da velocidade da reação. ca. Entretanto, podemos agrupar os mecanis-
mos de reação enzimática em três mecanis-
e) A ação das enzimas é regulável: mos principais que abrangem a maioria das
Uma vez são produzidas, as enzimas reações enzimáticas. São eles:
iniciam sua ação catalítica até que a última
molécula de substrato seja convertida em pro-
dutos. Esta fato pode ser fatal para a célula
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 60
a) Catálise ácido-básica: É uma reação dependente do pH uma
Utiliza os íons H+ (catálise ácida) ou vez que o grupamento R de vários aminoáci-
-
OH (catálise básica) da água, ou a proprieda- dos varia sua carga elétrica com o pH o que
de ácido-básica de alguns aminoácidos, para interfere neste tipo de catálise. Os aminoáci-
promover a formação de um intermediário dos Aspartato, Glutamato, Histidina, Lisina,
entre os substratos e os produtos que se que- Cisteína e Tirosina são os que, freqüentemen-
bra rapidamente impedindo o retorno à forma te, estão presentes no sítio catalítico de enzi-
de substrato (Figura 5-5). mas que funcionam através deste mecanismo
de ação.
Figura 5-5 – Modelo de catálise ácido-básica de conversão de uma cetona em um enol. A) a reação não catalisada o-
corre espontaneamente somente com alta energia de ativação; B) modelo de catálise ácida com o grupamento ácido
representado por A-H ligado ao sítio ativo da enzima (curvas sinuosas em cinza); C) modelo de catálise básica onde :B
é o grupamento básico ligado à enzima. Tanto em B quanto em C, há o envolvimento do H+ da água que é esteqiome-
tricamente regenerada ao final (OH- + H+) assim como a enzima em sua configuração original ácida ou básica. Observe
que Há a formação de um composto traasnitório onde o substrato está ligado por ponte de hidrogênio à enzima. (Adap-
tado de Voet & Voet, 2000).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 61
Este tipo de reação enzimática é bastante formada uma ligação covalente entre a enzi-
comum e o grupamento ácido da enzima é ma e o substrato no composto intermediário.
representado A-H e o grupamento básico por Na Figura 5-6, está exemplificada uma
:B, representando o H+ da enzima que se li- reação enzimática por catálise covalente na
gará com o substrato e o ponto de ligação da conversão de oxalacetato (ácido carboxílico)
enzima com um H+ do substrato, respectiva- em acetona pela perda de CO2, reação extre-
mente. Os demais mecanismos de ação enzi- mamente lenta sem a ação enzimática.
máticos têm sempre alguma semelhança à
catálise ácido-básica. c) Catálise por íon metálico:
Uma reação que exemplifica bem este Os íons presentes na molécula da en-
tipo de catálise é a conversão espontânea de zima (ou do co-fator, principalmente Fe+2,
cetonas a enol, cuja energia de ativação é Fe+3, Cu+2, Zn+2, Mn+2 e Co+2) ou captados do
muito alta sem a catálise enzimática. Na pre- meio no momento da formação do complexo
sença de enzimas, a reação ocorre com menor enzima-substrato (Na+, K+, Mg+2 ou Ca+2),
gasto energético para a formação do comple- favorecem o alinhamento tridimensional do
xo de transição. substrato, estabilização do complexo transitó-
rio ou mediar reações de oxi-redução.
b) Catálise Covalente:
Há a formação de uma ligação cova-
lente entre a enzima (ou o co-fator) e o subs-
trato impedindo que haja a regeneração do
substrato e a rápida formação dos produtos.
Portanto, há sempre a necessidade de uma
reação adicional que permita a regeneração da
enzima.
A catálise covalente ocorre sempre en-
tre um agente nucleofílico (afinidade por pró-
tons) da enzima e um agente eletrofílico (a-
finidade por elétrons) do substrato. Os princi-
pais nucleófilos são a hidroxila (-OH), sulfi-
drila (-SH), amino (-NH3+) e o imidazol (da
histidina). Esses nucleófilos estão presentes
em aminoácidos polares, conforme pode ser
observado na figura ver figura 4.2 do Capítulo
sobre Aminoácidos e Proteínas.
Os eletrófilos mais comuns nos subs-
tratos são o íon hidrogênio (H+), cátions me-
tálicos, o carbono da carbonila (–COO-) e
iminas (R2–C=NH+, também denominada de
Base de Schiff).
Normalmente, este tipo de reação o-
corre em três etapas: 1) o nucleófilo (enzima)
se liga com o eletrófilo (substrato), formando
a ligação covalente; 2) retirada de elétrons Figura 5-6 – Catálise covalente. A) reação de descarboxi-
pelo eletrófilo; e 3) reversão da primeira etapa lação espontânea não catalisada de oxalacetato em acetona;
com a saída do catalisador. B) pormenorização dos passos da reação catalisada enzi-
Este tipo de reação é semelhante à ca- maticamente, onde os diversos híbridos de ressonância
tálise básica, envolvendo a adição de H+ ao formados permitem a ligação covalente do substrato com a
enzima (3) e a total regeneração da enzima, quebrando a
substrato, havendo a retirada e posterior (e ligação covalente e liberando o produto (8). Note que há
posterior adição) de –OH. A diferença deste saída e entrada de íons H+ e OH- (1, 3, 5 e 7) resultantes da
mecanismo de ação para a catálise básica é ação enzimática.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 62
Esta interação favorece uma maior es- cado em várias enzimas, apesar de não ter seu
tabilidade eletrostática, o que permite que a mecanismo totalmente elucidado através de
reação ocorra com menor necessidade energé- experimentos laboratoriais.
tica para atingir o estado de transição.
O papel desses íons metálicos é seme-
lhante ao íon hidrogênio nas reações enzimá-
ticas, ligando-se a grupos carregados negati-
vamente (p.ex.: a –OH da H2O) e transferin-
do-os para o substrato (mecanismo que lem-
bra a catálise ácida). Porém, os íons metálicos
são mais eficazes por que podem estar presen-
tes em concentração maior que os H+ sem
modificar o pH, além do que podem possuir
carga positiva maior que +1, favorecendo
uma reação mais eficaz.
Um mecanismo clássico por catálise
por íon metálico é a hidratação de CO2 em
bicarbonato (HCO3-) mediada pela anidrase
carbônica (Figura 5-7). A reação não catali-
sada forma ácido carbônico somente em altas
concentrações de CO2 o que acarreta a neces-
sidade de altas condições de pressão, incom-
patível com o ambiente celular. Entretanto, a
anidrase carbônica possui um íon Zn+2 em seu
sítio ativo que permite a transferência de –OH Figura 5-7 – Catálise por íon metálico. A) a hidratação de
para o substrato (CO2) favorecendo a forma- dióxido de carbono (CO2 )em bicarbonato (HCO3-) não
ção do bicarbonato e liberando o H+ para o catalisada; B) a catálise da reação pela enzima anidrase
carbônica. O Zn+2 no sítio ativo (1) absorve -OH da água o
meio.
que permite a atração do CO2 (2). A absorção de nova -OH
pelo Zn+2 (4) favorece a liberação do HCO3- e a regenera-
Mecanismos que aceleram a rea- ção da enzima (5). Observe que somente uma molécula de
H2O é degradada por mol de bicarbonato formado.
ção enzimática
Os mecanismos de ação enzimática Um outro tipo de mecanismo de rea-
baseados na catálise ácido-básica, catálise co- ção que incrementa a velocidade da reação é
valente e catálise por íons metálicos explanam observado quando estão envolvidos mais de
a grande maioria das reações enzimáticas. Po- um substrato e as enzimas favorecem um ali-
rém, algumas condições adicionais favorecem nhamento tridimensional entre as moléculas
um aumento considerável na velocidade da estabelecendo um grau de torção ideal para
reação enzimática, quando presentes na molé- que os substratos reajam entre si de maneira
cula de enzima. mais rápida e com menor necessidade de e-
É o caso da existência de pontos de a- nergia para atingir o estado de transição. Este
tração eletrostática entre a enzima e o substra- tipo de mecanismo é denominado de catálise
to que excluem totalmente a água no sítio de por efeitos de proximidade e orientação e é
ligação favorecendo uma reação em condi- uma maneira eficaz de acelerar a velocidade
ções de extrema rapidez devido à aproxima- da reação enzimática.
ção máxima entre enzima e substrato. A au- Por fim, um efeito fundamental para a
sência de água no sítio ativo leva a reação à garantia de uma alta eficácia catalítica está
condição de reação orgânicas em meio apolar atrelado ao fato de a enzima possuir maior
que são mais rápidas que as que ocorrem em afinidade pela molécula do estado de transi-
meio aquoso. Este tipo de mecanismo é de- ção do que pelo substrato. Este mecanismo de
nominado de catálise eletrostática e é verifi-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 63
ação de catálise por ligação preferencial à
molécula do estado de transição facilita a
formação rápida do estado de transição para
diminuir a tensão energética causada pela li-
gação com o substrato. Observe que as enzi-
mas que possuem tal propriedade possuem
alta afinidade pelo substrato, mas afinidade
ainda maior pela molécula do estado de tran-
sição, porém promovem sua liberação, uma
vez que o estado de transição é um estágio
rápido onde logo se forma o produto, com a
enzima liberando-o e se regenerando rapida-
mente.
Figura 5-8 - A velocidade da reação enzimática aumenta
com o aumento da concentração do substrato até o ponto em
Cinética enzimática que atinge sua velocidade máxima. A partir deste ponto, a
velocidade torna-se constante, independente do aumento da
Como já percebemos, a velocidade da concentração do substrato. KM (constante de Michaelis-
reação não é proporcional a existência de um Menten) corresponde à concentração de substrato suficiente
equilíbrio de reação favorável, ou seja, a for- para atingir a metade da velocidade máxima. O valor de
KM é igual a [S] quando a enzima encontra-se na metade de
mação de produtos em níveis de energia livre sua velocidade máxima.
(∆G) mais baixos que os substratos. A dimi-
Há a um aumento da velocidade da re-
nuição da energia de ativação (∆GAt) é o prin-
ação com o aumento da concentração do subs-
cipal efeito da ação enzimática. A velocidade
trato devido ainda haver enzima disponível
da reação está atrelada, portanto, não a um
para a catálise. Isto, entretanto, ocorre até um
valor negativo alto de ∆G, mas uma menor
determinado ponto onde há a equivalência
variação de ∆GAt, como é observado na rea- entre a concentração da enzima e do substra-
ção enzimática. to, o ponto de saturação da enzima. Na verda-
Qualquer reação química tem sua ve- de, a saturação da enzima não ocorre quando
locidade aumentada pelo aumento da concen- há partes equivalentes entre o substrato e a
tração dos reagentes. Nas reações catalisadas enzima, uma vez que há uma relação distinta
por enzimas, um aumento da concentração do entre as concentrações necessárias de enzima
substrato também aumenta a velocidade de para degradar o substrato em uma unidade de
reação, mas somente até um determinado pon- tempo, usualmente, um minuto.
to que corresponde a um valor da concentra- Assim, algumas enzimas estão funcio-
ção do substrato em que a capacidade catalíti- nando a pleno vapor quando existem, por e-
ca da enzima está no máximo e a reação atin- xemplo, 3 moles de enzima para cada três mo-
ge, portanto, sua velocidade máxima, não au- les de substratos ou, ainda, 5 moles de subs-
mentando mesmo que se aumente a concen- tratos para cada mol de enzima. Na Figura 5-9
tração do substrato (Figura 5-8). está representada a variação da velocidade da
Na prática, isto acontece quando exis- reação enzimática em função da concentração
te mais enzima disponível que substrato, ou do substrato, para uma enzima hipotética que
seja, quando a concentração da enzima está trabalhe em concentrações fictícias de 1 mol
saturada em relação ao substrato. de enzima degradando 1 mol de substrato em
Quando os substratos estão em con- um minuto.
centração bastante inferior a da enzima, há a Como pode ser observado, quando há
predominância da forma livre da enzima uma a saturação da enzima, a adição de mais subs-
vez que poucas moléculas de enzimas são ne- trato não promove o aumento da reação, no
cessárias para as poucas moléculas de substra- entanto, a enzima poderá degradar todo o
to. substrato adicionado, desde que tenha tempo
disponível para isso. Esta observação acres-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 64
centa um fator fundamental para o estudo da Km = constante do equilíbrio estacionário de
cinética enzimática: o tempo. Michaelis-Menten
[S] = concentração do substrato
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 65
Ou, deduzindo a expressão: A análise do gráfico duplo-recíproco
de Linewaver-Burk será melhor esplanada
1 KM 1 1 durante o estudo dos inibidores enzimáticos,
= x +
Vo Vmáx [S] Vmáx ainda neste capítulo.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 67
Variações na temperatura também diminuem com o substrato, entretanto a enzima não
a eficácia da reação enzimática por modificar promove sua quebra, ao invés disso fica im-
o equilíbrio químico. pedia de ligar-se com o substrato, que passa a
Variações extremas de pH (geralmente se acumular. Com o aumento da concentração
abaixo de 4,0 e acima de 8,0) e temperatura do substrato, aumenta a probabilidade da en-
(acima de 56oC) in vitro terminam por desna- zima ligar-se ao substrato e não ao inibidor o
turar de maneira irreversível as enzimas. que leva ao fim da inibição.
Entretanto, a variação de pH e tempe- Desta forma, o efeito inibidor se dá de
ratura não podem ser encarados como um me- maneira mais eficaz em concentrações baixas
canismo regulador, uma vez que há o decrés- do substrato e é revertido por grandes concen-
mo generalizado de todas as enzimas dentro trações de substrato. Esses efeitos podem ser
de uma mesma via metabólica. Tais fatores observados no gráfico de velocidade de rea-
são, portanto, acessórios no estudo da regula- ção (Figura 5-11) onde o ponto chave da aná-
ção enzimática. lise fica por conta da não mudança da veloci-
dade máxima da reação, que se torna, entre-
Mecanismos de inibição enzimá- tanto, mais lenta devido à diminuição do valor
do KM, conforme discutido anteriormente.
tica
b) Inibidores não-competitivos:
A reação enzimática pode, ainda, so- Reagem com a enzima livre, mas não
frer ação de agentes inibidores que diminu- no sítio catalítico. É o tipo clássico de regula-
em a velocidade da reação, agindo por meca- ção alostérica.
nismos diversos que podem ser produtos do Como a ligação do inibidor não se faz
próprio metabolismo celulares ou externas ao no sítio catalítico, não há diminuição da inibi-
organismo, como é o caso de vários tipos de ção com o aumento da concentração de subs-
medicamentos. Essa ação inibidora, longe de trato como na inibição competitiva. Logo, a
ser um empecilho à reação, mostra um eficaz única maneira de reverter a inibição é a reti-
mecanismo de regulação quando associado a rada do inibidor da molécula da enzima, o que
uma via metabólica onde o inibidor é um den- é feito, geralmente, por ação de outra enzima.
tre os muitos produtos da via. Como a queda na velocidade da rea-
Os mecanismos de inibição são, em ção ocorre independentemente da concentra-
sua maioria, reversíveis, havendo a regenera- ção do substrato, o KM sofre mínima ou ne-
ção da ação enzimática quando cessa ação do nhuma variação, o que indica que o aumento
inibidor. da inclinação do gráfico de Linewaver-Burk
Entretanto, alguns inibidores agem de (queda na velocidade) é induzido pela queda
forma mais drástica ligando-se irreversivel- da Vmáx, Na Figura 5-12 estão descritas as
mente à enzima, destruindo sua ação catalíti- implicações de uma inibição não competitiva
ca. Neste caso, somente a síntese de nova mo- na análise gráfica da cinética enzimática.
lécula de enzima restaura sua ação, o que nem Alguns tipos de inibidores não compe-
sempre é possível, pois a inibição pode levar à titivos podem combinar-se reversivelmente
morte da célula como é o caso de vários anti- com o complexo enzima-substrato ao invés do
bióticos desenhados para destruir enzimas substrato, evitando a formação de produtos.
chaves do metabolismo bacteriano. Este tipo de inibição é freqüentemente deno-
Os principais tipos de inibição podem minada de incompetitiva e obedece aos
ser agrupados em três grupos distintos: mesmos princípios cinéticos da inibição não-
a) Inibidores enzimáticos competitivos: competitiva.
Reagem reversivelmente com a enzi- c) Inibidores irreversíveis:
ma livre no sítio catalítico em competição Promovem uma alteração permanente,
com o substrato, para formar um complexo química, de algum grupo funcional essencial
enzima-inibidor. na molécula da enzima. Muitos medicamentos
A inibição ocorre em virtude de uma modernos são inibidores irreversíveis de uma
extrema similarida tridimensional do inibidor
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 68
reação enzimática específica o que confere
uma alta especificidade e poucos efeitos cola-
terais.
A destruição do sítio catalítico pro-
move a queda sumária da velocidade da rea-
ção enzimática, com a observação do aumento
do valor de KM e a queda da Vmáx. Este efeito
é o mesmo observado quando se analisa uma
mesma reação enzimática frente a concentra-
ções diferentes de enzima, devido ao efeito
inibitório ser definitivo e retirar as enzimas do
meio.
EXERCÍCIOS
1. Descreva a estrutura molecular básica das
proteínas.
Figura 5-11 – Análise gráfica da ação de inibidores 2. Conceitue isoenzimas, co-enzimas e holo-
enzimáticos competitivos. A) o efeito do inibidor leva enzimas.
a uma queda na curva, com aumento do KM e manu- 3. No que se baseia a classificação das enzi-
tenção dos valores de Vmáx; B) gráfico de Linewaver- mas?
Burk onde os valores inversos da velocidade e de [S]
revelam que a inibição competitiva ocorre com o au-
4. Quais as principais classes enzimáticas?
mento do KM (aumento da inclinação). 5. Por que as enzimas são catalizadores tão
eficazes?
6. Descreva os mecanismos de ação enzimá-
tica.
7. Comente sobre alguns fatores que acele-
ram a ação enzimática.
8. Quais as características básicas da cinética
enzimática?
9. Quais os mecanismos de regulação enzi-
mática?
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 5: Enzimas 69
Fundamentos de Bioquímica
www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Webioquímica
www.pucpr.br/disciplinas/bioquimica/Webio1.html
3D Images of proteins
www.imb-jena.de/IMAGE.html
Ricardo Vieira
Capítulo 6
Carboidratos
O
s carboidratos (também cha- Os carboidratos mais simples possuem
mados sacarídeos, glicídios, de três a oito carbonos, os monossacarídeos,
oses, hidratos de carbono ou e possuem a fórmula empírica Cn(H2O)n. A
açúcares), são definidos, quimicamente, como grande informação embutida por detrás desta
poli-hidróxi-cetonas (cetoses) ou poli-hidróxi- fórmula geral, na verdade, é a origem dos
aldeídos (aldoses), ou seja, compostos orgâ- carboidratos nos fenômenos fotossintéticos
nicos com, pelo menos três carbonos onde dos vegetais (Figura 6-2). Devido esta ori-
todos os carbonos possuem uma hidroxila, gem, os carboidratos contém na intimidade de
com exceção de um, que possui a carbonila sua molécula a água, o CO2 e a energia lumi-
primária (grupamento aldeídico) ou a carboni- nosa do sol utilizados em sua síntese.
la secundária (grupamento cetônico) (Figura A organização mais complexa entre
6-1). mais de uma molécula de carboidrato, gerará
polímeros formado pela perda de uma molé-
cula de água o que confere a fórmula geral
Cn(H2O)n-1 própria para esses carboidratos.
Alguns carboidratos, porém, possuem em sua
estrutura nitrogênio, fósforo ou enxofre não se
adequando, portanto, à fórmula geral.
A conversão da energia luminosa em
energia química faz com que esses compostos
fotossintéticos funcionem como um verdadei-
ro combustível celular, liberando uma grande
quantidade de energia térmica quando que-
Figura 6-1 - Os monossacarídeos mais simples. Como brado as ligações dos carbonos de sua molé-
os demais monossacarídeos, aqueles que possuem o cula, liberando, também, a água e o CO2 que
grupamento funcional aldeído são denominados aldoses lá se encontravam ligados.
e os que contêm o grupamento cetona são as cetoses. O
gliceraldeído já demonstra uma importante propriedade
dos carboidratos, a isomeria óptica graças ao seu carbo-
no 2 assimétrico.
Figura 6-2 - Os
carboidratos são
as biomoléculas
energéticas que
garantem a reci-
clagem do carbo-
no na biosfera. Na
figura está repre-
sentada a partici-
pação de mitocôn-
drias e cloroplas-
tos na reciclagem
do carbono.
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 71
De fato, desde a bactéria mais simples gia para movimentar elétrons em uma rede de
e antiga até os animais mais jovens na escala enzimas trasnportadoras de elétrons que ga-
evolutiva (entre eles, certamente, o homem) rantem ATP suficiente para unir átomos de
contém as enzimas necessárias para a quebra carbono do CO2 absorvido, armazenando a
da molécula da glicose, uma hexose, o princi- energia solar nas moléculas de glicose sinteti-
pal representante dos carboidratos. zadas neste processo fotossintético.
Todo o metabolismo energético celu- O sistema metabólico celular tem co-
lar gira em torno dos processos metabólicos mo base a utilização da energia contida nas
da glicose e vários distúrbios patológicos são moléculas de carboidratos e nas biomoléculas
evidenciados quando há uma deficiência nas a eles relacionados, no intuito de liberar ener-
vias metabólicas da glicose, como é o caso da gia térmica para as reações bioquímicas da
diabetes mellitus doença de alta incidência célula.
mundial caracterizada pela deficiência na fun- Esta energia térmica, por fim, é con-
ção do hormônio pancreático insulina, res- vertida em ligações altamente energéticas de
ponsável pela regulação da glicose sangüínea. fosfato na molécula de ATP durante o proces-
Os animais não são capazes de sinteti- so de respiração celular (fosforilação oxidati-
zar carboidratos a partir de substratos simples va) tornando o ATP um verdadeiro armazém
não energéticos, como os vegetais. Desta da energia solar que se conservou através de
forma, precisam obtê-los através da alimenta- todo esse fantástico processo biológico.
ção, produzindo CO2 (excretado para a atmos-
fera), água e energia (utilizados nas reações Os monossacarídeos
intracelulares).
Os lipídios são sintetizados nos vege- São os carboidratos mais simples.
tais e animais a partir da acetil-CoA, o produ- Possuem de 3 a 8 carbonos, sendo denomina-
to principal do metabolismo aeróbico da gli- do, respectivamente, trioses, tetroses, pento-
cose, sendo utilizados como fonte de energia ses, hexoses, heptoses e octoses.
quando há escassez de carboidratos. Da mes- Têm uma única unidade cetônica ou
ma forma, as proteínas são utilizadas como aldeídica, possuindo pelo menos um átomo de
fonte energética alternativa. Desta forma, carbono assimétrico (C*) existindo, portanto,
principalmente os animais, lipídios constitu- formas estereoisoméricas, com exceção da di-
em reserva energética sintetizada diretamente hidróxi-cetona, que não possui C* (ver Figura
a partir do metabolismo da glicose. 6-1).
Nos animais, há um processo de pro- Os C* possibilitam a existência de i-
dução de intermediários metabólicos da glico- sômeros ópticos e caracterizam a região da
se que simulam uma síntese, chamado neogli- molécula denominada centro quiral, do latim
cogênese que fornece carboidratos a partir de quiros = mão, em referência a conformação
percursores não glicídicos. Porém tal processo isomérica semelhante a duas mãos que não se
só é possível a partir de substratos provenien- superpõe mas são idênticas (Figura 6-3).
tes de um prévio metabolismo glicídico, lipí- Os monossacarídeos possuem, portan-
dico ou, principalmente, protéico, o que não to, inúmeros isômeros estruturais e ópticos,
supre a necessidade de obtenção de carboidra- com os quais compartilham a prioridade nos
tos pela alimentação, o que torna os animais processos bioenergéticos. Como todo com-
dependentes dos vegetais em termos de ob- posto orgânico que possui carbono assimétri-
tenção de energia. co, o número de isômeros ópticos é determi-
De fato, os vegetais são privilegiados nado por 2n (n= número de C* da molécula).
no sentido que garantem seu combustível ce- A glicose (como todas as hexoses) possui 16
lular através da fotossíntese. A clorofila isômeros ópticos devido possuir 4 carbonos
presente nas células vegetais é a única assimétricos, logo 24 = 16.
molécula da natureza que não emite energia Este grande número de isômeros leva
em forma de calor imediatamente após ter a ocorrência de uma mistura racêmica quando
tido seus elétrons excitados pela luz: ela os carboidratos encontram-se dissolvidos em
utiliza esta energia para movimentar elétrons
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 72
água. Entretanto, o equilíbrio tende para a mentos, mais estável). Esta denominação está
forma mais estável que é obtida por uma rea- relacionada com a semelhança com o furano e
ção intramolecular que ocorre entre a carboni- o pirano, poderosos solventes orgânicos mas
la do grupamento funcional com uma das que não tem nenhuma relação com os monos-
muitas hidroxilas da molécula, formando um sacarídeos, a não ser a semelhança estrutural
composto cíclico denominado hemiacetal. (Figura 6-5).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 73
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 74
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 75
nico), formados por unidades de açúcar alter- É grande a semelhança entre a estrutu-
nadas, uma das quais contém o grupamento ra molecular da quitina e da celulose, ambas
ácido. Estas estruturas, nas quais a porção isômeros β(1Æ4), o que as coloca como os
polissacarídica predomina, são chamadas pro- polissacarídeos mais resistentes da Terra e,
teoglicanas. sem dúvida, os mais abundantes, haja vista o
A carapaça dos insetos contém quiti- grande número de insetos e vegetais.
na, um polímero de N-acetilglicosamina) que
dá resistência extrema ao exo-esqueleto (Fi-
gura 6-13).
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 77
As células animais têm um revesti- deo formado pela galactose (ver Figura 6-9)
mento externo (glicocálix) macio e flexível ligada por ligação β(1Æ3) com a N-acetil
formado por cadeias de oligossacarídeos (pe- glicosamina (a mesma unidademonomérica
quenos polissacarídeos) ligadas a lipídeos e da quitina, ver Figura 6-13). Este dissacarídeo
proteínas. liga-se ao aminoácido serina ou treonina das
proteínas. Outros carboidratos, como a galac-
tose, a manose e a xilose, podem estar O-
ligados a proteínas, porém são mais raros.
Os glicolipídios correspondem a com-
postos existentes na superfície celular que
possuem função de marcador imunoquímico,
como é o caso dos antígenos do sistema san-
güíneo ABO que possuem a galactose, a N-
acetilglicosamina e a fucose os carboidratos
ligados aos lipídios da membrana.
Outro polissacarídeo importante é a
heparina, que possui função anticoagulante
nos vasos sangüíneos dos animais; é formada
por glicosamina + ácido urônico + os ami-
noácidos serina ou glicina.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 6: Carboidratos 78
Fundamentos de Bioquímica:
www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Gastroinfo:
www.gastroinfo.com.br/01_pancr.htm
Diabetes:
www.diabetic.com/education/pubs/dcctslid/sld048.htm
Ricardo Vieira
Capítulo 7
Lipídios
L
ipídios são biomoléculas carac- Os lipídios não são biomoléculas poliméricas
terizadas pela baixa solubilida- como os ácidos nucléicos, proteínas e os prin-
de em água e outros solvente cipais carboidratos, mas possuem uma capa-
polares e alta solubilidade em solventes apo- cidade de agrupar-se em moléculas complexas
lares. São vulgarmente conhecidos como gor- e possuem, muitas vezes, longas cadeias car-
duras e suas propriedades físicas estão rela- bonadas responsáveis pelas suas propriedades
cionadas com esta natureza hidrófoba. hidrofóbicas.
São moléculas que possuem uma Na verdade, todas as considerações
grande variedade de formas estruturais, tendo acerca do metabolismo lipídio advêm da ca-
em comum somente o fato de serem hidrofó- racterística hidrófoba das moléculas. Esta
bicas e serem biosintetizadas a partir da ace- propriedade não é uma desvantagem biológi-
til-CoA. Este fato coloca os lipídios como ca, mesmo o corpo possuindo cerca de 60%
uma importante molécula dentro do metabo- de água. Justamente por serem insolúveis, os
lismo energético, uma vez que a acetil-CoA é lipídios são fundamentais para estabelecer
a molécula que inicia os principais processos uma interface entre o meio intracelular e o
bioenergéticos. extracelular, francamente hidrófilos.
De certa forma, os lipídios possuem A membrana celular corresponde a es-
uma função energética mais reservada ao ar- ta barreira lipídica onde o impedimento de
mazenamento do que o aproveitamento puro e fluxo livre de compostos hidrossolúveis, co-
simples de seu poder energético, uma vez que, loca as proteínas de membrana como os por-
justamente pelo fato de serem muito calóri- tais de controle da composição celular.
cos, possuem vias metabólicas alternativas ao Possuem funções importantíssimas
metabolismo energético que, muitas vezes, para o metabolismo celular tanto de eucario-
levam a danos ao organismo gerando doenças tas como procariotas (Figura 7-1), podendo-se
graves, denominadas dislipidemias (ver relacionar como principais as seguintes:
Capítulo sobre metabolismo Lipídico).
Figura 7-1 – Os lipídios exercem as mais variadas e importantes funções no metabolismo dos seres vivos.
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 80
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 81
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 82
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 83
Fosfolipídios
São derivados dos triglicerídeos, onde
o terceiro ácido graxo é substituído por uma
cabeça extremamente polar contendo fosfato
(PO3-2) ligado a um composto X que pode ser
de várias origens (Figura 7-6). Geralmente o
Figura 7-5 - Os triglicerídeos são os principais acil- segundo carbono é um ácido graxo insaturado
gliceróis. A) uma molécula de glicerol une-se a três (freqüentemente o ácido araquidônico).
moléculas de ácidos graxos através ligações éster. B) O
triglicerídeo formado possui o primeiro e terceiro ácido
graxo no mesmo plano, opostos ao segundo ácido graxo.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 84
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 85
Ceras
São misturas álcoois graxos (com ca-
deia longa de 16 a 20C) e ácidos graxos (com
cadeia de 16 a 30C). Possuem função estrutu-
ra bem definida na formação de favos em
colméias de insetos sociais.
As baleias do tipo cachalote possuem
grande quantidade de ceras e outros lipídios
em uma enorme cavidade nasal especializada
que funciona como órgão flutuador, de acordo Figura 7-8 – Os principais esteróides.
com o fluxo sanguíneo. Essa mistura de lipí-
dios foi utilizada durante quase todo o século
XVII como produto de beleza capilar pela Terpenos
sociedade européia e americana, conhecido
como espermacete de baleia, além, é claro, São lipídios não saponificáveis que
da utilização como combustível juntamente possuem como estrutura base a unidade iso-
com a gordura do tecido adiposo da baleia. prenóide (Figura 7-9).
Este fato levou quase à extinção esses animais São, geralmente, de origem vegetal e
e ao conseqüente declínio da economia (na muitos possuem propriedades organolépticas
sociedade norte-americana, a indústria baleei- (sabor e odor agradável) sendo utilizadas co-
ra foi a principal base da economia durante mo especiarias na culinária mundial. Nos ve-
vários anos) fato superado graças à invenção getais, esses terpenos possuem função prote-
de máquinas movidas à combustível fóssil. tora contra microorganismos, uma vez que
não possuem sistema imunológico.
Lipídios esteróides As vitaminas E e K são terpenos de
função bioquímica especializada (ver Capitu-
Também chamados de esteróis, este lo 8 sobre Vitaminas).
grupo de lipídio não saponificável possui pos-
suem como estrutura molecular básica o nú-
cleo-pentano-per-hidro-fenantreno (Figura
7-8). Possuem função diversificada que vai
desde estrutural até a especializados hormô-
nios e vitamina (Vitamina D).
O colesterol é o principal representan-
te deste grupo e é sintetizado exclusivamente
em animais, possuindo função importante na
formação da membrana celular e na síntese de
ácidos biliares e hormônios esteróides (p.ex.:
os hormônios sexuais). Um similar vegetal do
colesterol, o fitosterol, não é absorvido du-
rante a digestão não possuindo, portanto fun-
ção metabólica ou patológica em seres huma-
nos.
O conhecimento do metabolismo das
lipoproteínas que transportam o colesterol Figura 7-9 – Os terpenos constituem-se lipídios cujos princi-
plasmático corresponde em importante passo pais representantes são de origem vegetal e possuem caracte-
no estudo da bioquímica aplicada a clinica de rísticas organolépticas. O mirceno (folha de louro), limoneno
(limão) e zingibereno (gengibre), o látex da borracha natural
pacientes com hipercolesterolemia, como será (sis-poli-terpeno), cinamaldeído (canela), eugenol (cravo) e
abordado com maiores detalhes no Capítulo elemicina (noz-moscada) são exemplos de terpenos ou deri-
sobre metabolismo lipídico. vados.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 86
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 7: Lipídios 87
EXERCÍCIOS
Fundamentos de Bioquímica:
www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Biobrás:
http://www.biobras.com.br
Ricardo Vieira
Capítulo 8
Vitaminas
E
m 1911, Casimir Funk isolou mentação básica era de arroz sem casca e co-
um composto cristalino do ma- zido excessivamente que destruía, por aque-
terial extraído da casca do ar- cimento, os resquícios de vitamina B1 do ar-
roz, utilizado para curar uma doença de pom- roz sem casca, além do peixe cru que comiam
bos denominada polineurite. A este composto em excesso e que possui enzimas que destro-
deu o nome de vitamina em virtude de ser em a vitamina B1.
considerada uma substância vital e possuir a Atualmente, entretanto, as doenças ca-
característica química de amina. Esta vitami- renciais vitamínicas são, na maioria das ve-
na, hoje em dia denominada vitamina B1, foi zes, observações raras visto que só se obser-
apenas a primeira de uma série de 13 compos- vam os sintomas característicos quando há a
tos que se descobriu que os seres humanos (e hipovitaminose exclusiva da vitamina em
muitos animais) não são capazes de sintetizar, questão, como descrito acima. O mais comum
sendo indispensáveis na alimentação, mesmo é a verificação de síndrome de desnutrição
que em doses diminutas, para garantir a reali- com sintomatologia complexa, resultante da
zação de várias reações bioquímicas, além de combinação de hipovitaminoses e carência de
serem agentes de patologias diversas quando nutrientes como os carboidratos, lipídios e
há uma carência nutricional. proteínas.
Apesar de somente no início do século As vitaminas são encontradas na mai-
XX ter sido isolado a primeira vitamina, o oria dos vegetais (principalmente cereais, fo-
conhecimento da existência de fatores nutri- lhas verdes e legumes) e produtos animais
cionais causadores de doenças quando ausen- (principalmente leite, ovos e fígado), com ex-
tes na alimentação remonta de muitos séculos ceção da vitamina B12 que é produzida so-
atrás. Hipócrates (300 a.C) já havia descrito mente por microorganismos mas que é arma-
um tipo de cegueira que era revertida com a zenada em tecidos animais (especialmente no
alimentação de fígado de animais, numa clara fígado), encontrada, portanto, nesses alimen-
alusão a deficiência de vitamina A. tos além de produtos da fermentação por mi-
No século XVI, as longas navegações croorganismos (como o iogurte, por exem-
transoceânicas dos exploradores, revelaram plo).
que os marinheiros sofriam de uma doença São classificadas em hidro e liposso-
descrita como escorbuto, caracterizada por lúveis, de acordo com sua característica quí-
sangramento gengival, hoje conhecida como mica de solubilidade. Exercem várias funções
conseqüência da hipovitaminose C. O interes- nos organismo, com uma alimentação conten-
sante é que os oficiais destes navios, muitas do cereais, vegetais verdes, legumes, carne e
vezes não apresentavam esses sintomas, fato suco de fruta suficiente para suprir as necessi-
que levou, em 1729, o médico inglês Jackson dades diárias.
Smith determinar a obrigatoriedade da inges- Muitas das vitaminas são termolá-
tão de suco de limão durante as viagens, como beis, (sensíveis ao calor) e fotolábeis (sensí-
medida preventiva contra o escorbuto, pois veis a luz), o que torna necessário que o ali-
ele observou que a alimentação da tripulação mento que as contêm seja ingerido cru (o co-
era diferenciada no que diz respeito a sucos zimento destrói essas vitaminas) e deva ser
cítricos. Esta medida foi suficiente para erra- armazenado ao abrigo da luz. Os alimentos
dicar o escorbuto. industrializados que devem ser esterilizados
Da mesma forma, o béri-béri, doença pelo calor precisam ser adicionados de quan-
carencial da vitamina B1, era freqüentemente tidades significativas dessas vitaminas para
relatada entre marinheiros japoneses cuja ali- garantir sua qualidade nutricional.
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 87
Algumas possuem a capacidade de se- TPP +
complexo multienzimático
rem produzidas no próprio organismo a partir 2-cetoglutarato succinil-CoA
de precursores, como é o caso da vitamina D TPP +
complexo multienzimático
a partir da pró-vitamina D (um derivado do piruvato acetil-CoA
colesterol) ativada pela radiação ultravioleta e TPP +
a vitamina B3 que é sintetizada a partir do transcetolase gliceraldeído 3-P +
triptofano, um aminoácido essencial. Outras xilulose 5-P + ribose 5-P sedoheptulose 7-P
possuem uma grande reserva hepática o que
as torna disponível por muito tempo depois de É uma vitamina termolábil e sensível a
suspendida a ingestão (como é o caso da vi- variação de pH, sendo inativa em soluções
tamina B12 suficiente por até 3 anos e as li- alcalinas.
possolúveis). A sua deficiência resulta em béri-
Popularmente, as vitaminas são co- béri, uma doença de sintomas cardio-
nhecidas como compostos energéticos e sinô- neurológicos e motores. Em alcoólatras a ca-
nimo de saúde e vigor físico. Independente de rência de tiamina expressa-se na síndrome de
seu caráter obrigatório na alimentação, deve- Wernik-Korsakoff, cujas causas está atrelada
se esclarecer que as vitaminas atuam princi- à insuficiência hepática que dificulta o arma-
palmente como cofatores de reações bioquí- zenamento e absorção não só da tiamina mais
micas e não como substrato das reações. de quase todas as vitaminas do complexo B.
Apesar algumas possuírem papel fun- Uma ingestão acentuada de peixe cru
damental no processo de estabilização de ra- pode levar a uma maior destruição de tiamina
dicais livres (vitaminas C, E e A), logo impor- devido a presença de enzimas tiaminases que
tantes como atenuantes do processo de enve- hidrolizam a enzima no trato digestivo, inati-
lhecimento celular e os processos relaciona- vando-a.
dos aos radicais livres, a maioria das vitami- Seu uso terapêutico específico está as-
nas possui ação terapêutica inespecífica a sua sociado a reversão da sintomatologia neuro-
ação biológica (a vitamina B6, por exemplo, é muscular de algumas doenças genéticas onde
cofator de reações de transaminação de ami- há a diminuição da atividade das enzimas on-
noácidos e é utilizada terapêuticamente em de ela é co-fator. Freqüentemente, é utilizada
vertigens e dores musculares). em associação com as demais vitaminas do
O uso terapêutico é realizado em altas complexo B para a melhoria de sintomas de
doses aicma das necessidades diárias e só po- fraqueza muscular de causas variadas.
dem ser adquiridos através de medicamentos A Figura 9-1 representa a forma ali-
uma vez que seria necessária uma quantidade mentar da tiamina.
enorme das fontes naturais para atingir a con-
centração terapêutica (com exceção da vita-
mina C), o que pode levar ao aparecimento de
efeitos adversos típicos da hipervitaminose.
Vitaminas Hidrossolúveis
Figura 9-1 - Estrutura molecular da tiamina. A
1. Vitamina B1 (tiamina): forma ativa de tiamina pirofosfato (TPP) é obtida
pela adição de dois fosfato na OH terminal.
Durante a absorção intestinal, é fosfo-
rilada a tiamina pirofosfato (TPP), sua forma
ativa, que vai ser grupamento prostético das 2. Vitamina B2 (riboflavina):
enzimas 2-cetoglutarato desidrogenase e A forma ativa é o FAD (flavina adeni-
transcetolase. na nucleotídeo) e o FMN (flavina adenina
mononucleotídeo), que recebem e prótons e
elétrons, convertendo-se de formas oxidadas
(FAD+ e FMN+) para reduzida (FADH2 e
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 88
FMNH2). O FAD é um importante transpor- com a pelagra. É o caso do erro inato do me-
tador de elétrons e prótons na cadeia respira- tabolismo conhecido como doença de Hart-
tória mitocondrial. nup onde o triptofano (e outros aminoácidos)
É uma vitamina de cor amarelada, possem a absorção diminuída. Em algumas
termoestável, porém fotolábil, que perde essa tipos de câncer desenvolve-se a síndrome
cor quando exposta a luz ou submetida a radi- carcinóide onde há o aumento do catabolis-
ação (um procedimento industrial comum pa- mo do triptofano, o que leva a pelagra.
ra aumentar a quantidade de vitamina D no Seu uso terapêutico está associado ao
leite). combate dos sintomas causados pela sua defi-
Nenhuma doença específica está asso- ciência, sendo que o uso terapêutico em ou-
ciada à sua carência, mas são observadas ra- tras manifestações clínicas é desaconselhado,
chaduras no canto da boca, seborréia e anemi- não devendo estar presente em doses acima de
a. Seu uso terapêutico é em associação com as 200mg/dia nos "coquetéis" de vitamina do
demais vitaminas do complexo B. complexo B, pois a hipervitaminose está rela-
Na Figura 9-2 pode ser observada a cionada à lesão hepática e hiperpigmentação
forma alimentar da riboflavina. da pele, além de vasodilatação (que induz a
queda da pressão arterial e faces rubras) e dis-
túrbios no metabolismo da glicose e ácido ú-
rico, levando a hiperglicemia e hiperuricemia.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 89
totênico ingerido naturalmente na alimenta-
ção.
Essa vitamina possui uma certa termo-
labilidade, com cerca de 1/3 sendo perdido
com o cozimento dos alimentos.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 90
fígado e músculos em grandes reservas, torna É termo e fotolábil, sendo destruída
o animal independente de grandes fontes ali- gradataivamente caso o alimento que a conte-
mentares. Os vegetais não sintetizam vitamina nha fique exposto a ação do sol ou se cozido.
B12, e por isso, os pacientes vegetarianos res- O escorbuto é a manifestação patoló-
tritos possuam o risco maior para a anemia gica clássica da carência de vitamina C e ca-
perniciosa. Os vegetarianos que comem ovos racteriza-se por sintomatologia relacioanda à
e/ou leite (chamados ovo, lacto ou ovo-lacto dimunição da síntese de colágeno (de hemor-
vegetarianos) possuem menor risco. ragias a queda de cabelos e dentes).
A vitamina B12 é uma vitamina ter- É usada, terapeuticamente, em altas
moestável, porém fotolábil. doses para prevenir a formação de radicais
livres, combatendo o envelhecimento celular.
O uso como antigripal não possui fundamento
científico, até o momento.
Normalmente, as doses acima de
400mg/dia já são compatíveis com a excreção
urinária, porém doses de até 12 mg/dia são
prescritas em pacientes que deseja-se diminuir
a ação do estresse oxidativo dos radicais li-
vres, como no caso de pacientes idosos.
Não há evidências acerca de sua toxi-
cidade, porém o risco de cálculos renais não
deve ser desprezado em virtude do oxalato ser
o produto final de seu metabolismo, quando
em excesso.
Figura 9-6 - A estrutura molecular da vitamina B12 Figura 9-7 - A estrutura molecular da vitamina C.
em sua forma de cianocobalamina.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 91
reservas que duram anos, o folato pode levar a
doença carencial em poucos meses, em virtu-
de de sua baixa quantidade armazenada
(5mg). A carência de vitamina B12 leva a um
"aprisionamento" do folato pois a ativação
pela tetra-hidro-folato redutase depende de
etapas do metabolismo da vitamina B12, o
que potencia os efeitos da anemia perniciosa. Figura 9-9 - Estrutura Molecular da biotina.
O ácido fólico encontra-se presente
principalmente em vegetais folhosos (daí seu
nome); é uma vitamina termo e fotoestável. Vitaminas Lipossolúveis
1. Vitamina A:
Na retina, faz parte dos pigmentos
fotorreceptores rodopsina e iodopsina, que
modifica sua conformação espacial (de cis
para trans) que desencadeia o processo de
transmissão do impulso nervoso da visão.
É encontrada na forma de retinol (um
álcool) e de retinal (um aldeído), também
chamadas de vitamina A1 (Figura 9-10). Exis-
te, ianda, a forma de 3-desidro-retinol, de-
nominada vitamina A2. É uma vitamina ter-
Figura 9-8 - Estrutura molecular do ácido fólico. moestável, porém fotolábil a luz UV e a expo-
sição ao oxigênio atmosférico.
É obtida, principalmente, na forma de
9. Biotina:
beta-carotenos, pigmentos amarelados de ve-
Também conhecida como vitamina
getais.
H, é coenzima de enzimas carboxilases, des-
carboxilases e transcarboxilases transportan-
do o CO2 para os substratos (Figura 9-9). É
produzida em grande quantidade pela flora
bacteriana intestinal normal do ser humano, o
que torna sua carência muito rara.
Biotina + CO2 +
piruvato carboxilase
Piruvato oxalacetato
Figura 9-10 - Estrutura molecular do retinol (Vitamina
Biotina + CO2 + A1). O retinal é um tipo de vitamina A1 onde a OH ter-
acetil-CoA carboxilase
Acetil-CoA malonil-CoA minal é substituída por um grupamento aldeído
(CHO).A forma de 3-desidro- retinol, o C3 apresenta
dupla ligação.
A deficiência de bioina é muito rara,
porém na clara do ovo existe a proteína avi-
dina que impede a absorção intestinal da bio- A xerolftlmi e a cegueira noturna
tina o que faz com pessoas que se alimentam são processos patológicos resultantes da sua
de maneira exagerada com ovos crus (o cozi- carência alimentar.
mento destrói a avidina) desenvolvam alguns É um potente antioxidante, sendo re-
sintomas inespecíficos como anorexia, náu- ceitado para este fim, inclusive para fins cos-
sea, vômito, palidez, depressão, dermatite e méticos melhorando a consistência de cabelos
glossite. e pele. Em aplicações subcutâneas, retarda o
É uma vitamina termo e fotoestável. envelhecimento da pele e melhora a regenera-
ção tecidual.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 92
Excesso de ingestão alimentar de caro- 3. Vitamina E (tocoferol):
tenóides leva a deposição desses pigmentos Possui importante função anti-
na pele dando-lhe um tom amarelado. Em, oxidante protegendo os lipidios de membra-
altas doses, apresenta efeitos colaterais neuro- nas (Figura 9-12). É termo e fotoestável.
lógicos severos, além de manifestações sistê- Em altas doses, é utilizada terapeuti-
micas como náuseas, dores abdominais, vômi- camente no tratamento da infertilidade agindo
to, cefaléia intensa. como estimulante da espermatogênese, apesar
São necessárias em doses diárias mui- de poder apresentar alguns efeitos colaterias
to pequenas na ordem de 1,5 mg/dia, expres- severos na coagulação sangüínea ou na regu-
sas em 5.000 unidades internacionais (1 UI lação hormonal.
= 0,3 µg). Um efeito interessante do uso excessi-
vo da vitamina E está relacionado com uma
2. Vitamina D: parente competição na absorção das demais
É produzida no organismo a partir da vitaminas lipossolúveis, o que pode induzir a
ativação pela UV do 7-desidrocolesterol for- carência delas.
mando o colecalciferol (vitamina D3) que é
convertido em 1,25-di-hidróxi-colecalciferol
por enzimas hepáticas e renais. Existe, ainda,
a forma de ergocalciferol (vitamina D2) que
é formada após a ativação ergosterol presente Figura 9- 12 - Estrutura molecular da Vitamina E.
em leveduras (Figura 9-11).
É necessária em dosagens diárias de
400UI (1 UI = 0,025µg) o que é obtido facil- 4. Vitamina K:
mente por síntese endógena. É cofator necessário para o processo
Não é uma vitamina verdadeira, e sim de coagulação sangüínea como no processo
funciona mais como um hormônio. Regula a de carboxilação. É produzida pelas bactérias
absorção do cálcio intestinal e o equilíbrio na intestinais, sendo sua carência muito rara eo-
liberação de cálcio e fósforo nos ossos. casiona distúrbios hemorrágicos, apesar de
É termo e fotoestável. Altas dosagens altas doses não prevenir hemorragias e poder
induzem a uma hipercalcemia que pode ser induzir à anemias hemolíticas e kernicterus
fatal ou favorecer processo de calcificação em (deposito de bilirrubina indireta no tecido
alguns órgãos. nervoso).
O raquitismo é a principal conse-
quência de uma carência nutricional de vita- Na tabela 8-1, encontra-se um resumo
mina D (nos adultos, osteomalácia). das principais informações sobre as vitami-
nas.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 93
Tabela 8-1 - Resumo das características principais das vitaminas.
Função bio- Necessi- Termo- Foto- Doença ca- Uso tera- Toxici-
Vitaminas Forma ativa química dades Fontes lábil lábil rencial pêutico dade
diárias
Coenzima na Sementes e SIM NÃO Béri-béri; Melhoria Não
B1 Tiamina- descarboxila- 2 mg grãos de Síndrome de do estado relatada
(Tiamina) Pirofosfato ção oxidativa cerais, vísce- Wernik- metabólico
(TPP) de α- ras, carne Korsakoff geral
cetoácidos magra e leite
B2 Componente Coenzima de Germe de NÃO SIM Rachaduras Melhoria Não
(Riboflavi- de FAD e transferência 3 mg cerais, vísce- na boca, do estado relatada
na) FMN de hidrogênio ras, carne seborréia. metabólico
magra e leite geral
B3 Componente Coenzima de Carne, fígado NÃO NÃO Pelagra; Melhoria Lesão
(Nicotina- do NAD e transferência 20 mg e grãos de síndrome da do estado hepática;
mida) NADP de cerais língua negra metabólico hiper-
hidrogênio em cães geral pigmen-
tação
B5 Componente Transferência Levedura, SIM NÃO Síndrome do Melhoria Não
(Ácido da Co-A de grupos acil 10 mg fígado, ovos, pé ardente do estado relatada
pantotêni- e acetil carnes e leite metabólico
co) geral
Transamina- Sementes e SIM SIM Dermatite, Anti- Reações
B6 Piridoxal ção e descar- 2 mg grãos de glossite e neurítico; alérgicas
(Piridoxina) Fosfato boxilação de cereais, car- neuropatias anti-enjôos.
(PALP) aminoácidos ne, viscera,
ovos e leite
B12 Coenzima Cofator de NÃO SIM Anemia per- Associada Não
(Cobalami- B12 (desoxi- reações de 5 µg Vísceras e niciosa ao trata- relatada
na) adenosil- metilação carnes mento da
cobalamida) doença
carencial
Transporte de Sementes e NÃO NÃO Anorexia, Associada Não
BIOTINA Biocitina ou grupos CO2 0,25mg grãos de náusea, vômi- ao trata- relatada
Biotinilisina em processos cereais, car- to, palidez, mento da
carboxilantes ne, víscera, depressão, doença
ovos e leite dermatite e carencial
glossite
Ácido tetra- Transferência NÃO NÃO Anemia per- Associada Não
Ácido fólico hidrofólico de grupos 0,4 mg Levedura e niciosa ao trata- relatada
(THF) formil (sínte- vegetais mento da
se de nucleo- verdes doença
tídeos) carencial
Vitamina C Não precisa Cofator em SIM SIM Escorbuto Antioxi- Aumenta
(Ácido ser ativado reações de 60 mg Frutas cítricas dante; o risco de
ascórbico) para exercer hidroxilação antigripal. cálculos
sua função renais
Regula o Leite, man- NÃO SIM Cegueira Antioxi- Reações
A ciclo visual 5.000 UI teiga, queijo, (luz noturna, dante; neuroló-
(Retinol) 11-cis-retinal através da óleo de fíga- UV) xeroftalmia. gicas e
formação de do de baca- sistêmics
Rodopsina a lhau, frutas e severas
partir da vegetais ricos
opsina em carotenos
Exposição da NÃO NÃO Raquitismo Associada Hipercal-
D 1,25 diidroxi- Regula a pele a luz osteomalácia. ao trata- cemia,
(Colecalci- colecalciferol concentração 400 UI solar, leite, mento da calcifica-
ferol) de cálcio queijo, man- doença ção de
plasmático teiga, óleo de carencial órgãos
fígado de moles,
bacalhau, cálculos
óleos vegetais renais
E Não precisa Antioxidante NÃO NÃO Desestabili- Antioxi- Distúr-
(α- ser ativado protetor dos 30 UI Óleos vege- zação da dante; bios
tocoferol) para exercer lipídios insa- tais membrana estimula a hormo-
sua função turados celular espermato- nais e na
gênese coagula-
ção
K Síntese hepá- Vegetais NÃO NÃO Distúrbios da Associada Anemia
(2-metil- Não precisa tica da pro- folhosos, coagulaçào ao trata- hemolíti-
1,4- ser ativado tombina e 1 mg flora bacteri- mento da ca, ker-
naftoqui- para exercer fatores VII, ana intestinal doença nixterus
noina) sua função IX e X da carencial
coagulação
sanguínea
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 8: Vitaminas 94
EXERCÍCIOS
Fundamentos de Bioquímica:
www.fundamentosdebioquimica.hpg.com.br
Vitaminas e Minerais:
www.cyber-north.com/vitamins
Webioquímica
www.pucpr.br/disciplinas/bioquimica/Webio1.html
3D Images of proteins
www.imb-jena.de/IMAGE.html
Ricardo Vieira
Capítulo 9
Fundamentos de Bioenergética
A
s células possuem a capacida- de enzimas especializadas (ATPases), libe-
de espetacular de sobrevive- rando a energia para o sistema reacional, em
rem de maneira independente um processo exergônico.
desde que lhes sejam fornecidos os substratos
básicos para as reações químicas intracelula-
res. Dispondo de alguns compostos carbona-
dos (aminoácidos, carboidratos, lipídios), vi-
taminas, água e minerais, a célula pode operar
o processo de síntese da maioria dos elemen-
tos necessários para seu funcionamento, sen-
do que em organismos complexos, grupos
celulares específicos agrupam-se formando os
órgãos com as mais diversas funções fisioló-
gicas. ADP + Pi + 7,3 kcal Æ ATP + H2O ∆Go= + 7,3 kcal/mol
Um grupo de substratos possui uma ATP + H2O Æ ADP + Pi + 7,3 kcal ∆Go= - 7,3 kcal/mol
função primordial para estas funções que é a
Figura 9-1 - A moeda energética dos negócios intracelulares:
de fornecer a energia térmica necessária para o ATP.
que essas reações ocorram. São os compostos
energéticos (carboidratos, lipídios e proteínas)
que são degradados convertendo a energia Não só o ATP exerce essa função (Ta-
química que une seus átomos em energia tér- bela 1), mas há uma prevalência de reações
mica. intracelulares que o utilizam como a molécula
Entretanto, esta liberação térmica não fornecedora de calor para as reações endotér-
acontece de forma indiscriminada, pois have- micas, talvez por um preciosismo evolucioná-
ria a incineração do meio celular se cada mo- rio que “preferiu” utilizar uma “moeda única”
lécula energética liberasse todo seu potencial para as “transações” energéticas celulares.
térmico para o meio. Neste momento entra em A molécula de ATP não é, entretanto,
ação moléculas especializadas em captar esta uma molécula de reserva energética por ex-
energia térmica liberada e liberá-la mais fa- celência, uma vez que perde muito rapida-
cilmente em etapas posteriores, fazendo com mente seu Pi, sendo, por isso, utilizada mais
que as moléculas energéticas transfiram a em reações que necessitem da liberação rápi-
energia armazenada na intimidade de suas da de calor.
ligações químicas, para uma única molécula, As melhores moléculas de armazena-
que passa a funcionar como uma moeda ener- mento real de energia são o amido, glicogênio
gética: a adenosina-tri-fosfato, o ATP (Figura e triglicerídeos que podem liberar a principal
9-1). molécula precursora da síntese do ATP, a
O ATP é formado a partir da adição de acetil-CoA (Figura 9-2). Esta molécula é res-
uma molécula de fosfato inorgânico (Pi = ponsável por iniciar o principal grupo de rea-
HPO4-) a uma molécula de ADP (adenosina- ções bioquímicas que desencadearão a síntese
di-fosfato) em um processo endergônico, ou de ATP: o Ciclo de Krebs, com a cadeia
seja com a formação de uma molécula que respiratória acoplada.
retirou calor do sistema reacional para poder Muitas são as formas de se produzir
ser sintetizada. acetil-coA na célula, mas o metabolismo dos
Eligação de alta energia formada (7,3 carboidratos constitui a principal via, quando
kcal/mol), é facilmente quebrada na presença a glicólise prossegue em aerobiose (em anae-
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 98
robiose, há a síntese se ácido láctico e uma colocando-se o indivíduo em uma câmara
baixa produção energética). isolada onde seja medida perdas de calor e
A β-oxidação de ácidos graxos tam- produtos excretados em relação à alimentação
bém libera significativa quantidade de molé- e o consumo de oxigênio, onde um litro de O2
culas de acetil-CoA para o Ciclo de Krebs, consumido equivale a, aproximadamente,
existindo, ainda, uma série de aminoácidos 4,83 kcal de energia gasta.
que fornecem seu esqueleto carbonado para a É comum expressar o poder calórico
síntese de ATP (o nitrogênio do grupamento em calorias. Porém, a unidade correta de me-
amino converte-se em, NH3 e depois em uréia dir o calor liberado pelos alimentos é a kilo-
e é excretado). caloria (kcal). No jargão nutricional, costu-
Como produto final da degradação do ma-se referir-se à kilocaloria como grande
carbono, oxigênio e hidrogênio dessas molé- caloria (Cal) para diferenciar da unidade calo-
culas energéticas, há a liberação de CO2, H2O ria (cal).
e energia térmica, que é armazenada no ATP Um kcal à energia necessária para
para ser liberada rapidamente, quando neces- elevar um litro de água em um grau centígra-
sária. do, de 17 para 18oC. Em artigos científicos,
freqüentemente, os valores de kcal são con-
vertidos em unidades de trabalho kilojoule
(kj) multiplicando-se pelo fator 4,14. Isto
reflete o fato que o calor liberado nas reações
celulares são convertidos em trabalho celular.
Neste texto, porém, iremos utilizar
valores em kcal por ser um valor de uso mais
geral e expressa valores verdadeiros de calor.
Desta forma, para efeito de raciocínio,
imagine que a temperatura de um ser humano
normal, que varia entre muito pouco (35 –
36oC) e precisa de uma certa quantidade de
calor constantemente produzida para manter
esta temperatura. Como cerca de 60% do peso
corpóreo corresponde a água, um homem de
70kg possui cerca de 42 litros de água. Assim,
para manter a temperatura corpórea neste ní-
Figura 9-2 - A molécula de acetil-CoA é inicia- vel, são necessários 42 kcal.
dora do ciclo de Krebs, a “gasolina” do “motor”
Após a morte, quando tem início a pa-
metabólico celular.
rada total dos processos metabólicos, o corpo
humano leva cerca de uma hora para entrar
Poder calórico dos alimentos em hipotermia definitiva (na primeira hora,
ainda há atividade metabólica em vários teci-
Em condições normais, a energia ab- dos). Assim sendo, pode-se pressupor o tem-
sorvida por via alimentar deve ser igual a e- po de uma hora para as 42 kcal serem consu-
nergia gasta, diariamente, por um indivíduo, o midas puramente para manter a temperatura
que confere um equilíbrio energético relacio- corpórea, o que sugere que é necessário cerca
nado a um balanço calórico alimentar, ou seja, de 1.008 kcal por dia (42kcal x 24 horas) so-
uma quantidade tal de alimentos das três clas- mente para manter a temperatura corpórea.
ses (energéticos, plásticos e reguladores) que Levando-se em consideração a reali-
proporcionem quantidades suficientes para as zação de atividades físicas, mentais e demais
atividades metabólicas básicas do organismo atividades metabólicas que requerem energia,
sem deficiências ou excessos de energia signi- pode-se compreender a intensa quantidade de
ficativos. energia liberada pelos alimentos em uma ali-
O gasto de energia varia amplamente mentação. Cada grupo de alimentos deve estar
em diferentes condições e pode ser medida
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 99
presente na alimentação diária de forma a danosa ao organismo, o que faz que um ani-
atender as necessidades individuais, tendo mal que não se alimente por mais de duas
como parâmetro, a produção de energia, le- semanas morra por inanição.
vando-se em consideração as necessidades Os animais hibernantes são exceção a
individuais de acordo com o biotipo, estado essa regra, pois os lipídios armazenados du-
fisiopatológico, idade, sexo, estilo de vida e, rante as estações quentes, garantem a energia
inclusive, características sócio-culturais. Para e água necessárias durante o inverno, sem
mais detalhes, ver Capítulo 2 sobre Bioquími- haver a ação danosa dos corpos cetônicos,
ca dos Alimentos. mas sim seu aproveitamento total no metabo-
É evidente que toda essa quantidade lismo energético. O camelo que contém em
de energia (ainda mais quando em excesso) suas corcovas grandes depósitos de gordura
não é liberada de uma só vez no organismo, que garante água e energia para as longas
pois isso é incompatível com a vida por gerar travessias do deserto.
calor insuportável pelas células. Desta forma, Os carboidratos (glicose) são a fonte
um emaranhado de reações químicas desen- primária de energia dos neurônios. Em sua
volveram-se nos organismos vivos como uma ausência, somente há a utilização dos corpos
forma de desviar a energia livre dos alimentos cetônicos, não havendo o metabolismo ener-
para moléculas especializadas em armazenar gético de ácidos graxos.
esta energia e liberá-las gradativamente du- As proteínas são utilizadas somente de
rante o tempo de vida (ATP, liberação mais forma terciária para a produção de energia,
imediata; glicogênio e ácidos graxos, libera- porém possuem inúmeras funções biológicas
ção mais gradativa). que as fazem essenciais na alimentação, ape-
Os carboidratos são os alimentos e- sar de serem “desmontadas” em aminoácidos
nergéticos por excelência, apesar de os lipí- na digestão e sintetizadas, no fígado, em todas
dios serem mais calóricos. Isto se dá, prova- as proteínas plasmáticas.
velmente por terem sido os primeiros A utilização de proteínas no metabo-
compostos fotossintetizados, armazenadores lismo energético indica um certo desperdício
da energia solar na intimidade de suas de um substrato tão diferenciado em uma fun-
moléculas.
Os lipídios são compostos primários ção básica como a produção de energia. Isto
de reserva energética na maioria dos animais só se observa quando há extrema carência
justamente pelo fato de serem primeiro arma- energética na ausência de glicose ou lipídios
zenados como indicativo de excesso de calo- disponíveis para o metabolismo energético ou
rias na alimentação. Em vegetais, o consumo quando há intensa atividade física.
de lipídios geralmente está atrelado aos pro-
cessos de manutenção de células germinativas As moléculas "altamente"
em sementes que ficam longo tempo sem o
fornecimento de carboidratos pela fotossínte- energéticas
se, uma vez que são separados do organismo
gerador. Mesmo nessas sementes, os carboi- O ATP não é a única molécula capaz
dratos (na forma de amido) estão presentes de receber e liberar energia térmica para as
como combustível energético. reações bioquímicas. A condição primordial
Os nutrientes energéticos ingeridos di- para uma molécula ser considerada "altamen-
ariamente, rapidamente são consumidos. As te" energética é ter a capacidade de transferir
reservas de glicogênio sintetizado a partir de grupamentos químicos durante reações bio-
excesso de glicose duram, no máximo, 24 química, liberando a energia para o meio (re-
horas, enquanto que as reservas de lipídios ação exergônica) possibilitando que os subs-
armazenadas nos adipocitos pode fornecer, tratos da reação absorva esta energia para ser
em tese, energia para cerca de um mês sem a produzido os produtos (reação endergônica)
ingestão de alimentos. Entretanto, a produção num acoplamento entre esses dois tipos de
de compostos secundários a degradação dos reação.
lipídios (os corpos cetônicos) possuem ação
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 100
Na tabela 9-1 estão apresentadas as Portanto, um excesso de produção de
principais moléculas energéticas e os grupos acetil-CoA não é um processo desejável, ha-
químicos transferidos durante o processo e- vendo um deslocamento constante para a sín-
xergônico. Nas Figura de 9-3 a 9-5 estão a- tese de aminoácidos e outros processos que
presentadas duas importantes moléculas consumam a acetil-CoA impedindo seu acú-
transportadoras de elétrons. mulo, até um limite tolerável pela célula que,
Muitas vezes, uma reação química não geralmente, corresponde a queda do pH devi-
utiliza totalmente a energia liberada pela mo- do ao acúmulo dos corpos cetônicos.
lécula energética, havendo o aumento da tem-
peratura no momento da reação. Este efeito As reações enzimáticas
pode ser benéfico para a célula, como no pro-
cesso de manutenção da temperatura corporal
As reações que acontecem no meio in-
nos mamíferos, mas, na maioria das vezes,
tracelular possuem o auxílio indispensáveis de
precisa ser impedido, havendo um processo
enzimas que não interferem na estrutura mo-
de regulação onde não há perda da energia em
lecular dos produtos, mas possibilitam sua
excesso.
rápida formação. Apesar de algumas molécu-
Isto quase sempre é observado quando
las de RNA possuírem propriedades enzimáti-
há a liberação de muitas moléculas de acetil-
cas (ribozimas), as enzimas clássicas são,
CoA no excesso alimentício de carboidratos,
quimicamente, proteínas que possuem uma
havendo o desvio da acetil-CoA para a síntese
estrutura tridimensional complementar a um
de colesterol, triglicerídeos e corpos cetôni-
substrato específico ajustando-se a ele em um
cos.
modelo chave-fechadura, permitindo a forma-
Este efeito metabólico também é ob-
ção dos produtos com um gasto mínimo de
servado na carência de glicose onde os ácidos
energia.
graxos passam a liberar grandes quantidades
Este processo acontece pela formação
de acetil-CoA para o processo energético,
de um complexo enzima-substrato que permi-
havendo o natural acúmulo de colesterol e
te que os substratos se encontrem de maneira
corpos cetônicos que trazem problemas fisio-
muito mais rápida e ordenada, diminuindo a
lógicos importantes para o ser humano como
energia necessária para que ocorra a reação
a aterosclerose e a cetoacidose, podendo, in-
(energia de ativação), liberando a enzima
clusive, levar a morte.
intacta ao final da reação (para maiores deta-
A acetil-CoA é utilizada, também, na
lhes ver Capítulo 5 sobre enzimas).
síntese de alguns aminoácidos, porém como
os aminoácidos não se armazenam no orga-
nismo, a síntese de lipídios fica privilegiada.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 101
necessárias em pequenas quantidades uma vez
que são reaproveitadas ao final da reação. De
fato, a maioria das reações biológicas são
enzimáticas e não ocorrem na ausência ou
inibição da enzima.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 102
ciclo de Krebs (ou do ácido tricarboxílico, o essencialmente anaeróbico, com o metabolis-
ácido cítrico). mo aeróbico produzindo quase vinte vezes
Aqui, há a liberação de elétrons que mais energia para os processos metabólicos
são transportados por compostos especializa- intracelulares. Desta forma, o ciclo de Krebs
dos gerando energia capaz de unir moléculas e a Cadeia respiratória correspondem à se-
de ADP com Pi formando ATP, na chamada qüência natural do metabolismo da glicose e
fosforilação oxidativa ou cadeia respirató- dos demais compostos energéticos (ácidos
ria. graxos e aminoácidos).
Quando há um excesso de glicose ali-
mentar, há o estímulo da síntese de glicogênio Tabela 9-2 - Os principais sítios das reações bioquími-
hepático e muscular (glicogênese), além da cas intracelulares.
conversão da acetil-CoA em excesso em tri- REAÇÃO BIOQUÍMICA LOCAL
Glicólise
glicerídeos e seu posterior depósito nos adi-
Síntese de ácidos graxos
pócitos (ver Capítulo 10 sobre Metabolismo). Síntese de corpos cetônicos citoplasma
Os ácidos graxos correspondem às Síntese do Colesterol
moléculas de maior poder calórico no Parte do ciclo da uréia
metabolismo celular, mas são utilizados Parte da gliconeogênese
Ciclo de Krebs
secundariamente à glicose. O processo
Cadeia respiratória mitocôndrias
enzimático mitocondrial da β-oxidação dos β-oxidação dos ácidos graxos
ácidos graxos, produz moléculas de acetil- Formação da acetil-CoA
CoA para o Ciclo de Krebs, além de NADH e Parte do Ciclo da uréia
FADH2 para a cadeia respiratória. Parte da gliconeogênese
Síntese e empacotamento de molé- retículo en-
O excesso de acetil-CoA é destinado à
culas complexas (glicolipídios, doplasmático
síntese de corpos cetônicos, outras moléculas glicoproteínas, lipoproteínas, hor- e aparelho de
energéticas. Os aminoácidos também são uti- mônios protéicos) Golgi
lizados para a produção de energia fornecen- Síntese de protéinas ribossomos
do acetil-CoA ou intermediários para a glico- Degradação de moléculas comple- lisossomos
neogênese ou o Ciclo de Krebs. xas
Síntese de DNA e RNA núcleo
Outras reações bioquímicas importan-
tes utilizando as moléculas energéticas ocor-
A glicólise, também conhecida como
rem em vários locais da célula de maneira
via de Ebden-Meyerhof, é a primeira via
contínua, havendo a regulação da degradação
metabólica da molécula de glicose e outras
dos substratos através de processos de regula-
hexoses. Todos os seres vivos (a exceção dos
ção da atividade enzimática. Na tabela 9-2
vírus) realizam, invariavelmente, a glicólise
estão relacionadas as principais localizações
seja em condições de aerobiose ou de anae-
de reações bioquímicas importantes.
robiose, com as enzimas glicolíticas presentes
Neste capítulo, trataremos das reações
no citoplasma.
do Ciclo de Krebs e Cadeia Respiratória e dos
Primariamente, a glicólise é um pro-
principais processos que antecedem a forma-
cesso anaeróbio onde se observa a formação
ção de acetil-CoA (Glicólise e β-oxidação de
de um produto final estável (lactato) e em
ácidos graxos).
condições de aerobiose, o metabolismo da
glicose prossegue com as demais vias produ-
Glicólise toras de energia (ciclo de Krebs e cadeia res-
piratória) mas somente se a célula possuir
A glicose é o principal substrato para mitocôndrias funcionais, uma vez que esses
as reações energéticas, sendo a glicólise o processos são todos intramitocondriais.
principal processo de utilização energética da A glicólise ocorre em uma seqüência
glicose, presente em todos os seres vivos, enzimática de 11 reações, divididas em duas
desde a mais antiga e simples bactéria até o fases: a primeira até a formação de duas mo-
mais recente e complexo organismo multice- léculas de gliceraldeído-3-fosfato caracteri-
lular. A glicólise, entretanto, é um processo za-se como uma fase de gasto energético de 2
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 103
ATPs nas duas fosforilações que ocorrem É importante observar que, sendo oxi-
nesta fase (Figura 9-6); a segunda fase carac- dado o piruvato, o NADH (produzido na gli-
teriza-se pela produção energética de 4 ATPs cólise) que seria utilizado para sua redução, é
em reações oxidativas enzimáticas indepen- poupado o que possibilita que os elétrons por
dentes de oxigênio, utilizando o NADH como ele transportado, possam penetrar na mito-
transportador de hidrogênios da reação de côndrias e convertidos em ATP, em última
desidrogenação que ocorre (Figura 9-7). análise, na cadeia respiratória.
O rendimento energético final do me- A primeira fase da glicólise é uma fase
tabolismo anaeróbio da glicose, portanto é: de gasto energético onde os produtos forma-
• 1a. FASE: - 2 ATPs dos são mais energéticos que a glicose. A
• 2a. FASE: +4 ATPS (= saldo bruto: 2 segunda fase, resgata a energia investida e
por cada lactato formado) libera parte da energia contida na molécula de
• SALDO: + 2 ATPs (saldo líquido) glicose.
Em condições de aerobiose, porém, o As reações irreversíveis impedem a
piruvato não é reduzido e sim oxidado nas reversão do processo e a liberação de glicose
mitocôndrias pelo complexo enzimático pi- para o meio extra-celular. A neoglicogênese
ruvato-desidrogenase (também chamado precisará "driblar" essas reações irreversíveis
piruvato-descarboxilase) havendo a forma- para gerar glicose. As enzimas desta via me-
ção de acetil-CoA e a liberação de uma molé- tabólica permitirão justamente nessa reversi-
cula de CO2 por cada piruvato oxidado. bilidade (ver capítulo 10 sobre metabolismo).
É formado, também, um NADH na re-
ação de desidrogenação, indo para a cadeia
respiratória, uma vez que já está dentro das
mitocôndrias.
Figura 9-6 - Na primeira fase da glicólise há o gasto da energia da ligação fosfato de duas moléculas de ATP. É
uma fase de investimento energético para a produção posterior maior da energia com a quebra da molécula. Duas
reações de fosforilações são irreversíveis o que obriga a não formação de glicose a partir do aumento da concetra-
ção do produto. Essas reações irreversíveis serão alvo de enzimas da neoglicogênese.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 104
Figura 9-7 -A segunda fase da glicólise é responsável pela produção energética equivalente a quatro ligações de alta ener-
gia do ATP mais a formação de dois NADH. Parte do BPG formado é usado como sinalizador para a liberação de O2 nos
tecidos pela hemoglobina.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 106
3. Oxidação do citrato a α-cetoglutarato: lico que inicia-se com a captação de uma mo-
catalisada pela enzima isocitrato- lécula de 2C (acetil-CoA) por um composto
desidrogenase, utiliza o NADH como de 4C (oxalacetato), gerando uma molécula
transportador de 2 hidrogênios liberados na de 6C (citrato) que é trabalhado enzimatica-
reação, havendo o desprendimento de uma mente para liberar os 2C iniciais como CO2,
molécula de CO2, a primeira da acetil- regenerando a molécula original de oxalaceta-
CoA. Há a formação de oxalo-succinato to, reiniciando o ciclo.
como intermediário ligado à enzima. Durante esta regeneração, são produ-
4. Descarboxilação oxidativa do α- zidos 4 substratos altamente energético deri-
cetoglutarato a succinil-CoA: é catalisada vados das reações de desidrogenação: 3 NA-
pelo complexo enzimático α- DH e 1 FADH2, além de um ATP no nível
cetoglutarato-desidrogenase e utiliza o dos substratos.
NADH como transportador de 2 hidrogê- Na verdade, os carbonos da acetil-
nios liberados na reação, havendo o des- CoA incorporados à molécula de citrato só
prendimento de mais uma molécula de são liberados como CO2, na segunda volta do
CO2 que corresponde ao último carbono Ciclo de Krebs e não imediatamente após a
remanescente da acetil-CoA, com as rea- formação do citrato. Entretanto, este detalhe
ções seguintes reorganizando o estado e- não diminui o fato que cada duas moléculas
nergético dos compostos com a finalidade de CO2 liberado, corresponde a molécula de
de regenerar o oxalacetato, molécula inici- acetil-CoA que entrou no Ciclo.
adora do ciclo, permitindo o Na Figura 9-9 está representado esta
prosseguimento do metabolismo da acetil- importante via metabólica celular.
CoA.
5. Desacilação do succinil-CoA até succina-
to: a enzima succinil-CoA sintase catalisa Na sua essência, o Ciclo de Krebs re-
esta reação de alto poder termogênico, ge- presenta a forma como a mitocôndria, utili-
rando um GTP (guanosina-tri-fosfato) que zando poucas moléculas do substrato oxlace-
é convertido em ATP (o único produzido tato pode converter uma quantidade enorme
no nível dos substrato do Ciclo de Krebs). de acetil-CoA já que no final do ciclo, o oxa-
6. Oxidação do succinato a fumarato: catali- lacetato se regenera e possibilita o a captação
sada pela enzima succinato-desidrogenase, de nova molécula de acetil-CoA. Sendo as-
utiliza o FADH2 como transportador de 2 sim, é a acetil-CoA a molécula iniciadora do
hidrogênios liberados na reação. Ciclo de Krebs, uma vez que o oxalacetato
funciona como uma espécie de substrato tem-
7. Hidratação do fumarato a malato: catali- porário do ciclo.
sada pela enzima fumarase (ou fumarato- Desta forma qualquer biomolécula que
hidratase) corresponde a uma desidratação ao ser degradada forneça acetil-CoA (p.ex.:
com posterior hidratação, gerando um isô- glicose, ácidos graxos, certos aminoácidos,
mero. etanol, ácido acético) é potencial “combustí-
vel” mitocondrial para a formação de ATP
8. TÉRMINO: desidrogenação do malato pelo Ciclo de Krebs. Entretanto, moléculas
com a regeneração do oxalacetato: catali- que forneçam o oxalacetato ao serem degra-
sada pela enzima malato-desidrogenase, dadas (p.ex.: alguns aminoácidos), ou qual-
utiliza o NADH como transportador de 2 quer substrato do ciclo de Krebs que conver-
hidrogênios liberados na reação. Na verda- ta-se em oxalacetato aumenta apenas a velo-
de, o Ciclo de Krebs não termina, verda- cidade de formação de ATP, mas não a sua
deiramente, com esta reação, pois outra quantidade já que o oxalacetato não é um
molécula de acetil-CoA condensa-se com o “combustível” propriamente dito do ciclo de
oxalacetato, reiniciando um novo ciclo. Krebs, mas o substrato para que ele aconteça.
Figura 9-9 - O Ciclo de Krebs. É produzido somente um ATP no nível dos substratos, sendo necessário que os hi-
drogênios e os elétrons retirados durante o ciclo sejam transportados para a cadeia respiratória para a produção de
ATP (3 ATPs por cada par de hidrogênios transportado pelo NADH e 2 por cada FADH2). Ao centro, a foto do cien-
tista alemão que dá nome a esta importante via metabólica.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 109
Figura 9-10 – A cadeia respiratória. Os elétrons transportados pelo NADH mitocondrial são doados para o
complexo I que favorece a formação de três fluxos de prótons no sentido matrizÆespaço intermembrana capazes
de gerar, cada fluxo, um ATP com o bombeamento do próton no sentido inverso (espaço intermembranaÆmatriz).
Os elétrons transportados pelo FADH2 só geram dois fluxos de elétrons. A ubiquinona é um transportador móvel
entre os complexos I e II para o complexo III, assim como o citocromo c é entre o complexo III e o IV.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 110
durante o fluxo de elétrons na cadeia respira- na membrana interna para poder entrar na
tória, criam um gradiente de baixo pH (devido cadeia respitarória.
à alta concentração de H+) e carga elétrica Quando a lançadeira é o glicerol-3-Pi-
positiva no espaço intermembrana. A partir desidrogenase, uma proteína superficial da
dessas diferenças de gradientes há movimen- membrana interna em contato somente com o
tação de uma outra bomba de prótons, agora espaço intermembrana, há a transferência dos
no sentido do espaço intermembrana para a elétrons direto par complexo III, via ubiqui-
matriz mitocondrial, através de um complexo nona, de forma semelhante aos elétrons trans-
protéico denominado complexo V que cor- portados pelo FADH2.
responde à enzima ATP sintase. Desta maneira, quando há o transporte
Esta enzima possui é semelhante a de elétrons do NADH citoplasmático via esta
uma maçaneta tanto na forma quanto no mo- lançadeira, cada NADH produz somente 2
vimento rotatório que realiza quando há o ATPs. Porém, a maioria das vezes, o NADH
fluxo de próton do espaço intermembrana citoplasmático transfere seus elétrons direta-
para a matriz mitocondrial. A porção corres- mente para o complexo I e a produção energé-
pondente à cabeça da maçaneta está voltada tica é idêntica ao NADH mitocondrial.
para a matriz mitocondrial e corresponde à
subunidade F1 que contém os sítios de liga-
ção do ADP e Pi para a formação do ATP.
β-Oxidação dos ácidos graxos
Quando os prótons são jogados para o
lado de fora da matriz mitocondrial, há a for- Os triglicerídeos são a principal forma
mação de um potencial eletroquímico positivo de obtenção dos lipídios na alimentação, tanto
externo que favorece a passagem dos prótons de origem animal quanto vegetal. Os três áci-
de volta para a matriz por dentro do comple- dos graxos presentes na molécula são os subs-
xo V. Nesta passagem há a liberação de calor tratos para uma via metabólica de extrema
suficiente para a união do Pi com o ADP para importância quando a glicose não consegue
formar o ATP. satisfazer as necessidades energéticas ou
Assim sendo, como cada par de elé- quando o organismo está sobre intensa carên-
tron transportado pelo NADH produz um flu- cia energética por exercício físico intenso.
xo de 3 prótons para fora da mitocôndria, a A degradação de ácidos graxos é esti-
entrada desses próton pelo complexo IV favo- mulada pelo glucagon, epinefrina e cortisol
rece a síntese de 3 ATPs, bem como os elé- que promovem a mobilização dos triglerídeos
trons transportados pelo FADH2 produzem do tecido adiposo, ativando uma lipase intra-
apenas 2 fluxos de prótons para fora da mito- celular sensível a esses hormônios que libera
côndria e, portanto, somente 2 ATPs são pro- os ácidos graxos para o sangue onde são
duzidos. transportados para todas as células ligados à
Desta forma, a cadeia respiratória cor- albumina.
responde a um passo fundamental e decisivo Uma vez na célula, os ácidos graxos
no processo de formação de energia química vão ser oxidados na mitocôndria liberando
armazenada no ATP, uma vez que há uma tantas moléculas de acetil-CoA quanto forem
grande produção de NADH e FADH2 nos o número de carbonos na ordem de uma mo-
processos exergônicos da célula. lécula de acetil-CoA para cada dois carbonos
Um fato importante, entretanto, é que do ácido graxo.
essa relação de 3 ATPs produzidos por cada Como o ácido graxo mais simples sin-
NADH só é 100% verdadeira quando se trata tetizado pelos animais contém 16 carbonos, 8
de NADH produzido dentro da mitocôndria e moléculas de acetil-CoA no mínimo são libe-
que trasnfere seus elétrons para o complexo I. radas por cada molécula de ácido graxo oxi-
Alguns NADH produzidos no cito- dada. Portanto, oxidar ácido graxo sempre vai
plasma não entram na mitocôndria e tem que levar a um excesso de acetil-CoA que não
“entregar” seus elétrons para uma lançadeira pode ser convertida novamente em ácidos
graxos nem colesterol, uma vez que no mo-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 111
mento metabólico não existe insulina para madas já se encontram na mitocôndria e po-
estimular essa via. dem seguir para o ciclo de Krebs e cadeia
A via restante é a da síntese de corpos respiratória, rapidamente.
cetônicos que, apesar de possuírem função Porém, o excesso da acetil-CoA for-
energética, podem trazer efeitos indesejáveis mado vai obrigar à sua saída para o citoplas-
para o organismo (ver Capítulo 10 sobre Me- ma para iniciar a síntese de ácidos corpos
tabolismo). cetônicos (ver capítulo 9 sobre Metabolismo).
A β-oxidação ocorre em cinco reações Os ácidos graxos podem, ainda, ser
próprias, sendo uma primeira citoplasmática e metabolizados através da α-oxidação, um
as demais intramitocondriais. processo que produz menos enrgia que a β-
1. INÍCIO: ativação do ácido graxo: a oxidação pois fornece apenas 1 NADH por
CoA é adicionada à molécula do ácido cada carbono oxidado , não produzindo ne-
graxo formando o ácido graxo ativado ou nhuma acetil-CoA.
acil-CoA (p.ex.: o ácido palmítico forma Só são α-oxidados ácidos graxos de 13
o palmitoli-CoA). Esta reação é catalizada a 18 carbonos. Geralmente este processo não
pela enzima acil-CoA sintase que utiliza é completo e gera ácidos graxos de número
duas ligações fosfato de uma única molé- ímpar.
cula de ATP, gerando AMP + PPi. Na mi- A maioria dos ácidos graxos possuem
tocôndria, a acil-CoA penetra com o auxí- número par de carbonos. Entretanto os ácidos
lio de um composto transportador chama- graxos de número ímpar quando β-oxidados e
do carnitina. formam uma molécula de propioil-CoA (3C).
Os ácidos graxos insaturados produ-
2. Desidrogenação da Acil-CoA: catalisada zem um FADH2 a menos por cada dupla liga-
pela enzima acil-CoA desidrogenase, uti- ção, em relação ao ácido graxo saturado de
liza o FADH2 como transportador dos mesmo número de carbonos.
dois elétrons e dois H+ liberados, forman- A ômega-oxidação é uma via muito
do o enoil-CoA. menos freqüente realizada por hidroxilases
envolvendo o citocromo P450 do retículo
3. Hidratação do enoil-CoA: sob a ação da endoplasmático das células animais, não sen-
enzima enoil-CoA hidratase, forma o 3- do um processo formador de energia, pois
OH-acil-CoA. gera metabólitos excretados pela urina (ácido
adípico e subérico).
4. Desidrogenação do 3-OH-acil-CoA: a
enzima 3-OH-acil-CoA desidrogenase
utiliza o NADH como transportador de Balanço energético do meta-
dois elétrons e um H+ retirados do substra- bolismo da acetil-CoA
to, formando o 3-ceto-acil-CoA.
Cada reação metabólica de desidroge-
5. TÉRMINO: clivagem (quebra) do 3- nação cujos transportadores de elétrons forem
ceto-acil-CoA: há a quebra da molécula o NADH e o FADH2, correspondem a proces-
gerando uma molécula de acetil-CoA e o sos extremamente exergônicos e que favore-
restante do ácido graxo original, agora cem a síntese de ATP na cadeia respiratória.
com dois carbonos a menos, que nova- Dentro deste quadro, o Ciclo de Krebs, que
mente liga-se a outra molécula de CoA fornece 3 NADH e 1 FADH2 para a cadeia
gerando um novo acil-CoA. O ciclo reco- respiratória produz, indiretamente, 11 ATPs.
meça até a formação da última molécula d Como gera, também, 1 ATP no nível dos
acetil-CoA. substratos (5a reação), há a formação de 12
ATPs por cada molécula de acetil-CoA que
A β-oxidação é uma via extremamente entra no ciclo (Tabela 9-3).
eficaz na produção de energia, já que as mo-
léculas de acetil-CoA, NADH e FADH2 for-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica - Capítulo 9: Fundamentos de Bioenergética 112
Tabela 9-3 - Saldo energético do ciclo de Krebs e Desta forma, um ácido graxo de 20
cadeia respiratória a partir de um acetil-CoA. carbonos possui o balanço energético bruto de
Ciclo de Krebs Cadeia Res- TOTAL 165 ATPs, devendo-se descontar desse total a
piratória
energia correspondente a 2 ATPs gasta no
3 NADH x 3 ATPs 9 ATPs
1 FADH2 x 2 ATPs 2 ATPs início do processo (Tabela 9-5).Tabela 9-5 -
Balanço energético bruto da β-oxidação de um ácido
1 ATP (no nível - 1 ATP graxo saturado de 20C.
dos substratos)
TOTAL - 12 ATPs
Ácido ATPs
graxo Ciclo Cadeia TOTAL
Como cada molécula de glicose, de 20C de Respi-
quando degradada na via glicolítica aeróbica, Krebs ratória
fornece 2 acetil-CoA e NADH, além de pro- No de molécu-
las de acetil- 10 12 120
duzir 4 ATPs no citoplasma (gastando 2 no CoA
início do processo - ver capítulo 5: Carboidra- No de NADH 9 - 3 27
tos), pode-se concluir que o saldo energético No de FADH2 9 - 2 18
total do metabolismo aeróbico de uma molé- TOTAL - - - 165
cula de glicose é de 38 ATPs (Tabela 9-4).
Este valor pode descer a 36 ATPs se Nos vegetais e algumas bactérias, a
considerarmos que o NADH citoplasmático acetil-CoA pode ser metabolizada por uma
produzido na glicólise pode utilizar a lança- via alternativa do Ciclo de Krebs chamada
deira glicerol-3-Pi-desidrogenase, como visto Via do glioxalato que consume 2 moléculas
anteriormente. de acetil-CoA formando uma molécula de
Na β-oxidação dos ácidos graxos, há succinato que é convertido em fosfoenolpi-
a produção de tantas acetil-CoA quantos fo- ruvato, que pode ser, finalmente, metaboliza-
rem o número de carbonos, além de 1 FADH2 da pelas enzimas da glicólise.
e 1NADH para cada vez que as enzimas mi- O ciclo do Glioxalato é muito ativo
tocondriais agem sobre o ácido graxo (o nú- nas sementes em germinação onde a acetil-
mero de NADH e FADH2 é sempre um a me- CoA fornecida na β-oxidação dos ácidos gra-
nos que o número total de acetil-CoA – ver xos são convertidos em moléculas de glicose.
capítulo 6: Lipídios). Os animais não realizam este ciclo,
pois não possuem as enzimas isocitrato-liase
e malato-sintase que são fundamentais para
esta via metabólica.
Tabela 9-4 - Saldo energético total (glicólise + Ciclo de Krebs + cadeia respiratória) do metabolismo aeróbico da glicose.
ATP no nível NADH FADH2 ATPs gerados na Quantidade total de
dos substratos cadeia respiratória ATPs
Glicólise (1a. fase) -2 - - - -2
Glicólise (2a. fase) +4 2 - 6 10
Oxidação de Piruvato - 2 - 6 6
Ciclo de Krebs +2 6 2 22 24
TOTAL +4 10- 2 34 38
Ricardo Vieira
Capítulo 10
Metabolismo
U ma das principais funções da
bioquímica é estudar o meta-
bolismo celular, ou seja, a
maneira como a célula sintetiza e degrada
cos). A forma final de absorção da energia
contida nessas moléculas se dá na forma de
ligações de alta energia do ATP o qual é
sintetizado nas mitocôndrias por processos
biomoléculas dentro de um processo coorde- oxidativos que utilizam diretamente o O2.
nado para garantir sua sobrevivência com o Desta forma, é essencial a presença de
máximo de economia energética. mitocôndrias e de oxigênio celular para o
O anabolismo (síntese das biomolécu- aproveitamento energético completo das
las) é sempre um processo que necessita de biomoléculas.
Quando não há mitocôndrias (p.ex.:
energia para que ocorra. Isto é típico de situa- nas hemácias) ou quando a quantidade de O2
ções onde o estado energético celular está disponível é insuficiente (p.ex.: em células
com excesso de substratos para a síntese e, musculares submetidas a extremo esforço
portanto, há bastante energia disponível no físico), o metabolismo anaeróbico ocorre.
meio celular. Entretanto, enquanto o metabolismo aeróbico
De maneira inversa, o catabolismo irá é comum a todas as biomoléculas energéticas,
liberar energia quando as biomoléculas forem o metabolismo anaeróbico é exclusividade
degradadas. Isto acontecerá sempre quando dos carboidratos, onde o produto final lactato
houver necessidade energética e as moléculas pode ser reciclado e gerar novas moléculas de
degradadas funcionarão como os substratos glicose (através da neoglicogênese), num
para a liberação de energia que o meio celular processo que necessita de mitocôndrias. Não
necessita. só o lactato é convertido em glicose por esta
As leis da termodinâmica estão inti- via, mas várias outras moléculas como ami-
mamente relacionadas com este processo bio- noácidos e o glicerol.
lógico, pois os princípios universais de manu- Algumas vias metabólicas são exclu-
tenção das massas e da energia durante as sivas de algumas biomoléculas, como é o caso
reações bioquímicas são mantidos e garantem da síntese de glicogênio a partir de glicose e
que a célula seja um perfeito “tubo de ensaio” da síntese de uréia no fígado, a partir do gru-
para as reações bioenergéticas. Anabolismo e pamento amino dos aminoácidos. Alguns pro-
catabolismo correspondem a processos anta- cessos, entretanto são comuns a todas as bio-
gônicos, mas que ocorrem de maneira articu- moléculas, como é o caso da neoglicogênese
lada permitindo a maximização da energia que utiliza como substrato o lactato proveni-
disponível dentro da célula. Dentro desse pon- ente do metabolismo da glicose, o glicerol
to de vista, cada molécula degradada libera proveniente dos ácidos graxos e vários ami-
energia para o meio que será utilizada por noácidos.
alguma reação de síntese num acoplamento Nas hemácias, em particular, uma via
perfeito das reações endergônicas e exergôni- metabólica não mitocondrial (a via da pento-
cas. se-fosfato) produz grandes quantidades de
As biomoléculas energéticas são os NADPH que possui função antioxidante e
carboidratos, lipídios e proteínas que são constitui importante rota metabólica nesta
obtidas em grandes quantidades durante a célula, apesar de também ocorrer em tecidos
alimentação ou são mobilizadas das reservas onde a síntese biológica é alta (p.ex.: nos he-
orgânicas quando são ingeridas em quantida- patócitos).
de insuficiente na alimentação ou quando o O metabolismo é dividido, didatica-
consumo energético aumenta grandemente mente, em três estágios distintos onde a pro-
(p.ex.: durante a realização de exercícios físi- dução de energia será disponibilizada a partir
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 114
de substratos específicos (Figura 10-1). Num Numa segunda fase, essas moléculas simples
primeiro estágio, as biomoléculas grandes são são degradadas em vias metabólicas específi-
degradadas em suas moléculas constituintes cas onde o produto final principal é a molécu-
em um processo que corresponde à digestão, la de acetil-CoA que é formada dentro das
quando há alimentos disponíveis. Dentro de mitocôndrias. As maneiras como a acetil-CoA
um ponto de vista de necessidade energética, é formada são muito variadas. De uma forma
esses substratos serão mobilizados das reser- geral, a glicólise forma piruvato a partir da
vas biológicas. Esta primeira fase promove a glicose no citoplasma que é convertido em
formação de 20 aminoácidos a partir da de- acetil-CoA na mitocôndria (ver capítulo 9
gradação protéica, ácidos graxos e glicerol a sobre Bioenergética).
partir dos triglicerídeos e glicose a partir do
amido alimentar ou do glicogênio muscular e
hepático.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 115
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 116
veis acima de 110 mg/dl, há um excesso do ção da insulina para a corrente sangüínea, ela
metabolismo oxidativo mitocondrial nas célu- liga-se a um receptor específico nas membra-
las beta o que determina a liberação de insuli- nas celulares das células alvo. O receptor para
na para a circulação sanguínea a partir de um insulina é uma glicoproteína com duas subu-
mecanismo complexo (Figura 10-3). Sabe-se nidades α e β (Figura 10-4). Após a ligação
que esse excesso do metabolismo mitocondri- da insulina com a subunidade α, o complexo
al nas células beta é devido a pouca atividade insulina-receptor estimula um sistema especí-
das vias de desvio do metabolismo energético fico envolvendo a fosforilação de tirosina na
comuns nas demais células (síntese de glico- subunidade β, o que ativa o sistema de segun-
gênio, lipídios e corpos cetônicos) o que acar- do mensageiro responsável pelas ações fisio-
reta uma grande produção de ATP mitocon- lógicas celulares.
drial, fato que desencadeia a liberação de in-
sulina para o sangue.
ácidos graxos dos adipócitos. É um potente em pessoas normais, age como um regulador
estimulador da neoglicogênese. da glicemia.
Sua secreção é estimulada pela hiper-
3. Somatostatina glicemia (de maneira idêntica à insulina), des-
conhecendo-se, porém, o significado fisioló-
A somatostatina pancreática é pro-
gico de tais ações, supondo-se tratar de um
duzida pelas células delta das ilhotas, possu-
resquício evolucionário.
indo forte ação parácrina (em células adjacen-
Existem evidências que a deposição de
tes), inibindo a secreção de insulina e gluca-
amilina nas células beta pancreáticas leva a
gon. Apresenta-se sob duas formas: uma ca-
sua destruição progressiva, estando este fato
deia peptídica única de 14 aminoácidos e ou-
associado a gênese da diabetes mellitus (ver
tra com o dobro, possuindo vida média de
capítulo 15 sobre Diabetes Mellitus).
cerca de 2 minutos (Figura 10-7).
A somatostatina atua, ainda, inibindo
a secreção dos hormônios gastro-intestinais
gastrina e secretina, diminui a motilidade gas-
tro-intestinal, da vesícula biliar e do pâncreas
exócrino.
5. Síntese do glicogênio
Ocorre, principalmente no fígado e
nos músculos, apesar de a maioria das células
possuírem as enzimas necessárias para esta
síntese. Os músculos, em razão de sua grande
Figura 10-7 - Estrutura secundária da somatostatina massa, apresentam cerca de 4 vezes mais gli-
pancreática de 14 aminoácidos. cogênio do que o fígado (Tabela 10-2). O
glicogênio é uma fonte imediata de glicose
4. Amilina para as células (principalmente os músculos)
quando há a diminuição da glicose sangüínea.
Este polipeptídeo pancreático foi iden-
A síntese de glicogênio ocorre sempre
tificado em células beta das ilhotas, possuindo
em condições de excesso de glicose e corres-
37 aminoácidos (Figura 10-8). Entre as fun-
ponde a importante rota de desvio do metabo-
ções observadas, destaca-se a estimulação do
lismo energético. Como toda reação anabóli-
secreção do suco gástrico e pancreático, dimi-
ca, é extremamente endergônica e produz uma
nuindo, entretanto, a motilidade intestinal e da
macromolécula solúvel que se deposita em
vesícula biliar, diminuindo o metabolismo
grânulos solúveis no citoplasma.
absortivo pós-prandial e, conseqüentemente,
Esta propriedade do glicogênio torna o
atrasando a absorção de carboidratos o que,
excesso de sua síntese um perigo para a célu-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 120
la, já que por ser solúvel e depositar-se no outras, formando um polímero α(1Æ4). A
citoplasma, leva ao aumento da concentração união inicial da molécula de UDP com a gli-
do citoplasma, tornando-o muito “viscoso” e cose-1-fosfato forma a UDP-glicose (uridina-
diminuindo a atividade enzimática celular, o difosfato-glicose) pela retirada do Pi do C1 da
que pode levar, inclusive, à morte celular. Por glicose-1-fosfato e do UTP.
isso, é fundamental que a célula possua um Uma primeira molécula de UDP-
mecanismo de regulação da síntese de glico- glicose é captada por uma proteína denomi-
gênio bem coordenado para impedir os efeitos nada glicogenina que se liga covalentemente
nocivos de um acúmulo de glicogênio. à glicose e libera o UDP. Esta união glicose-
A síntese de glicogênio é estimulada glicogenina é indispensável para a ação da
pela insulina, o que permite a rápida retirada enzima glicogênio sintase que promove a adi-
de glicose plasmática e seu depósito quase ção de pelo menos mais sete moléculas de
que imediato como glicogênio. É obvio que a glicose, em ligações α(1Æ4) sempre liberan-
glicose que penetra na célula terá que seguir do o UDP.
outras vias metabólicas, além da síntese de A partir daí, há o crescimento da ca-
glicogênio, uma vez que não possuímos um deia até cerca de 15 moléculas de glicose, a
órgão especializado para esse armazenamen- partir do qual, a enzima ramificadora (ami-
to, como é o caso dos vegetais que armaze- do-1Æ4,1Æ6-transglucosidase) promove a
nam o amido nas raízes e sementes. retirada de uma fragmento contendo cerca de
7 moléculas de glicose e o adiciona á molécu-
Tabela 10-2: Armazenamento de carboidratos em
adultos normais (peso médio de 70 kg).
la em uma cadeia paralela na oitava molécula
Carboidrato Peso Relativo Massa Total
de glicose em ligações do tipo α(1Æ6). A
Glicogênio 4,0% 72g (1) glicogênio sintase volta a atuar acrescentando
Hepático mais um fragmento de cerca de 15 moléculas
Glicogênio 0,7% 245g (2) de glicose para uma nova retirada de um
Muscular fragmento de 7 moléculas pela enzima ramifi-
Glicose extrace- 0,1% 10g (3) cadora.
lular
Desta forma, estas duas enzimas traba-
TOTAL 4,8% 327g
(1) lham coordenadamente possibilitando a for-
Peso do fígado: 1.800g;
(2)
Massa muscular: 35kg: mação de uma molécula de amido extrema-
(3)
Volume total: 10 litros. mente ramificada, o que garante sua alta solu-
(Adaptado de MURRAY et al., 2000, p.181). bilidade devido a estrutura tridimensional. A
molécula de glicogenina permanece ligada
Como visto anteriormente, a primeira covalentemente à molécula de glicogênio du-
reação do processo glicolítico é a formação de rante todo o processo.
glicose-6-fosfato a partir da fosforilação da O glicogênio fica disponível no fígado
glicose. A síntese de glicogênio se inicia pela e músculos, sendo consumido totalmente den-
ação da enzima fosfoglicomutase que forma tro de um intervalo que varia de 12 a 24 horas
glicose-1-fosfato a partir da glicose-6-fosfato. após a última refeição, dependendo das neces-
Esta enzima é ativada pela insulina e a glico- sidades energéticas.
se-1-fosfato não pode seguir para as vias gli- A enzima glicogênio sintase é regula-
colíticas, o que faz desta via um importante da por vários mecanismos, sendo que a ativa-
desvio do metabolismo energético e é fre- ção pela glicose-6-fosfato um dos mecanis-
qüente, portanto, quando há um excesso de mos mais eficazes. Esta enzima existe em
glicose como substrato energético. duas formas diferentes: forma inativa D (De-
A partir daí, há a incorporação de uma pendente de glicose-6-fosfato, não fosforila-
molécula de uridina-tri-fosfato (UTP) que da) e forma ativa I (Independente de glicose-
proporciona a ligação entre o C1 de uma mo- 6-fosfato, fosforilada). A forma inativa é ati-
lécula com o C4 de outra (reação catalisada vada por fosforilação, em mecanismos envol-
pela enzima glicogênio sintase), formando vendo os segundos mensageiros AMPc, Ca++
uma maltose inicial que logo será acrescida de e diacilgligerol, estimulados por vários hor-
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 121
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 122
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 123
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 124
Figura 10-11 - A neoglicogênese é um processo mitocondrial e citoplasmático que ocorre como a reversão da
glicólise onde as reações irreversíveis são substituídas por reações específicas da neoglicogênese, estimuladas pelo
glucagon, epinefrina e cortisol.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 125
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 126
Figura 10-12- Na via das pentoses para cada seis moléculas de glicose degradas, uma é convertida, novamente, a gli-
cose-6-fosfato o eu gera um ciclo sem fim. As cinco moléculas restantes são convertidas em ribose-5-fostato que é
requisitada para a síntese de nucleotídeos. Nas hemácias, no entanto, não há a formação de riboses e, portanto, a via das
pentoses passa a ter no NADPH formado o produto principal, já que ele é utilizado no processo de manutençãol da
hemoglobina no estado reduzido, o que possibilita a ligação reversível com o oxigênio. A deficiência genética da G6PD
leva a formação de uma hemácia frágil pelo depósito de metahemoglobina (hemoglobina oxidada irreversivelmente)
que sofre hemólise mais rapidamente que uma hemácia normal.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 127
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 128
Figura 10-12 - Síntese dos ácidos biliares. A partir do colesterol há a síntese dos ácidos biliares primários no fígado que são
excretados na bile. Uma vez no duodeno, sofrem a ação de bactérias intestinais produzindo os ácidos biliares primários. Devi-
do ao pH alcalino da bile e do conteúdo duodenal, os ácidos biliares apresentam-se na forma de sais biliares.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 129
ínas plasmáticas, assim como suas principais Nos adipócitos, os quilomícrons dei-
funções. xam grande quantidade de seu conteúdo de
Os quilomícrons são as primeiras li- triglicerídeos, convertendo-se em quilomí-
poproteínas do metabolismo lipídico. São crons remanescentes que são absorvidos
sintetizadas na mucosa intestinal transportan- pelos hepatócitos para a degradação do coles-
do os lipídios oriundos da dieta, principal- terol restante.
mente os triglicerídeos devido a grande quan- O colesterol é excretado na bile como
tidade existente na alimentação. ácido biliar ou como colesterol livre até a
São captados primeiro pelo duto linfá- saturação do sistema enzimático de síntese de
tico e depois pela circulação sanguínea indo, ácidos biliares, levando a necessidade da ex-
primeiro aos tecidos e somente depois para o portação do colesterol em excesso para os
fígado. tecidos extra-hepáticos.
Transportar os triglicerídeos da dieta e apresentá-los, aos A1, A2, A4, B48, C1,
Quilomícron adipócitos e tecidos periféricos cuja captação é mediada pela C2, C3, E
enzima lipase-lipoproteína, ativada pela apo-C2.
Apresentar os triglicerídeos e o colesterol remanescentes para B48, E
Quilomícron a degradação hepática, mediada por endocitose mediada pelo
remanescente receptor hepático que reconhece a apo-B48 e apo-E
Transportar os triglicerídeos endógeno para os depósitos no B100, C1, C2, C3, E,
VLDL tecido adiposo, com captação e hidrólise mediada pela enzima
lipase-lipoproteína
VLDL remanes- Endocitose mediada por receptor hepático e conversão a LDL B100, E
cente através remoção de apo-C2 e apo-E pela HDL plasmática
ou IDL
Transportar o colesterol endógeno para a degradação hepática B100
LDL e de outros tecidos através de endocitose mediada por recepto-
res para apo-B100.
Retirada do colesterol livre da corrente sangüínea esterefican- A1, A2, A4, C1, C2, C3,
HDL do-o e transferindo-os à VLDL remanescente. Retirada do D, E
LDL da parede dos vasos.
(Adaptado de MURRAY et al., 2000, p. 269)
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 130
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 131
tima porção do intestino delgado, onde ocorre na captação do colesterol plasmático, levando
a reabsorção em massa dos sais biliares, pro- a uma hiperolesterolemia de difícil tratamento
move uma queda na concentração de coleste- denominada hipercolesterolemia familiar.
rol sangüíneo devido o aumento da necessi- Na figura 10-16 está representado a estrutura
dade hepática de colesterol para a síntese de do receptor para LDL. Para maiores detalhes
sais biliares. sobre essa doença, ver capítulo 16 sobre Dis-
Desta forma, a VLDL remanescente lipidemias.
corresponde a uma lipoproteína com alto teor
de colesterol cujas apoC2 e apoE tendem a
sair da molécula, já que perderam sua função,
sendo transferidas de volta para a HDL.
A HDL, por sua vez, possui a capaci-
dade de transferir colesterol livre e ésteres de
colesterol do plasma para a molécula de VL-
DL. Ao final deste processo de recombinação
molecular entre as moléculas de HDL e VL-
DL, há a formação de uma nova lipoproteína,
a LDL.
A LDL possui em sua composição
quase que exclusivamente a apoB100 e uma Figura 10-15 - A captação do colesterol da LDL é media-
grande quantidade de colesterol que não é da por receptores celulares (LDL-R) que reconhecem a
captado pelo hepatócito. apoB100 da LDL. A regeneração do LDL-R é um impor-
tante mecanismo regulador da concentração de colesterol
O destino desse colesterol, entretanto, plasmático.
está assegurado em todas as células do orga-
nismo, devido à existência de receptores para
LDL. A captação de colesterol, entretanto,
ocorre, preferencialmente, nas células de teci-
dos que possuam grande necessidade de co-
lesterol para a síntese de membrana celular
devido a grande produção de células (medula
óssea, testículos, tecido epitelial) ou para a
produção de hormônios esteróides derivados
do colesterol (gônadas e supra-renais). O pró-
prio fígado capta colesterol da LDL quando
os níveis de sais biliares reabsorvidos diminu-
irem e houver necessidade de mais colesterol
para a síntese de novos sais biliares.
A captação da LDL se dá pela presen- Figura 10-16 - A estrutura do receptor celular para LDL
ça de receptor celular para a apoB100 que (LDL-R) revela cinco domínios distintos. Centenas de
promove a internalização do complexo recep- mutações no gene do LDL-R são responsáveis pelo acúmu-
tor/lipoproteína, possibilitando um controle lo de LDL colesterol no plasma. (Adaptado de Stryer,
da entrada de LDL na célula, uma vez que 1992).
todas estas células são capazes de sintetizar Com a endocitose do receptor celular
colesterol (Figura 10-15). de LDL, há uma regulação da entrada de co-
O receptor para LDL é uma proteína lesterol na célula que é dependente da quanti-
transmembrana com até 822 aminoácidos dade de colesterol necessária para a célula. As
distribuídos em cinco domínios diferentes células com alta atividade biosintética de
(um citoplasmático, um transmembrana e três hormônios esteróides serão as que mais capta-
extra-celulares). Os 18 éxons do gene do re- rão o colesterol da LDL, porém todas as célu-
ceptor para o LDL são alvos de mais de 600 las tendem a captar o colesterol.
mutações diferentes responsáveis pela falha
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 132
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 134
tastina) são utilizados para diminuir os ní- o citrato mitocondrial é a forma de saída da
veis plasmáticos de colesterol por inibir a acetil-CoA em excesso.
ação enzimática da HMG-CoA-redutase
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 136
adição de uma nova molécula de acetil-CoA tico (presente em quase todo tipo de gorduras
(2C) ao malonil-coA (3C), formando um pro- animais e vegetais) e ausente de carboidratos,
duto de 5C. portanto, promove a inibição da síntese de
Em seguida, há a perda de uma molé- ácidos graxos. Pelo contrário, alimentação
cula de CO2 gerando o ácido butanóico (4C). rica em carboidratos leva a um aumento da
A este ácido carboxilíco de 4C é adicionado síntese de ácidos graxos. A enzima ácido gra-
uma nova molécula de malonil-coA (3C) xo sintase também possui esse tipo de regula-
formando um composto de 7C. Uma nova ção.
retirada de CO2 leva à formação do ácido he- A cada três ácidos graxos formados
xanóico (6C). Assim, sucessivamente, há a são combinados com uma molécula de glice-
adição de moléculas de malonil-CoA e retira- rol (derivado do gliceraldeído-3-P do metabo-
da imediata de CO2 promovendo o crescimen- lismo da glicose) formando o triglicerídeo que
to da molécula de ácido graxo até a formação é “embalado” em uma VLDL para ser arma-
do ácido palmítico de 16C. zenado no adipócito (como visto anteriormen-
Estas reações utilizam o NADPH for- te).
mado na via das pentoses como composto Os triglicerídeos são sintetizados no
redutor nas reações de síntese de ácidos gra- fígado sob ação estimulante da insulina, por-
xos. tanto, quando há uma condição metabólica de
Em animais, o alongamento da molé- excesso de acetil-CoA, como no caso de um
cula de ácido graxo pode ocorrer na presença excesso de ingestão de carboidratos.
de um excesso de acetil-CoA sob a ação de Na Figura 10-23, está representado o
enzimas específicas para esse fim (elongases) processo de síntese dos ácidos graxos.
a partir do ácido palmítico. Os ácidos graxos
insaturados são formados a partir da ação de
enzinas denominadas dessaturases que tam-
bém utilizam o ácido palmítico como substra-
to, o que faz com os ácidos graxos insaturados
produzidos em animais nunca tenha a dupla
ligação antes do 16o carbono. Os ácidos gra-
xos que possuem dupla ligação em carbonos
de numeração inferior a 16 (p.ex.: ácido arac-
dônico, ácido linolíco) só são produzidos em
vegetais e são, por isso, denominados de ácios
graxos essenciais (ver Capítulo 7 sobre estru-
tura dos lipídios).
Os hepatócitos e os adipócitos são as
principais células produtoras de ácidos graxos
e triglicerídeos, apesar de a maioria das célu-
las possuírem o aparato enzimático para a sua
síntese.
A síntese de ácidos graxos é regulada
por modulação da atividade da enzima acetil-
CoA carboxilase, a primeira enzima dessa
via metabólica. A insulina promove sua ativa-
ção, enquanto que o glucagon e a epinefrina a Figura 10-23 - A síntese dos ácidos graxos. A) O processo
tornam inativa. inicia-se com a formação de malonil-CoA (3C) a partir de
Essa enzima também é inibida aloste- acetil-CoA (2C) e a adição de outra acetil-CoA para a
ricamente pelo malonil-CoA e pelo ácido formação de ácido butanóico, com perda de CO2. A partir
daí, há o aumento da cadeia pela adição de malonil-CoA e
palmítico, produto final da síntese, o que retirada de CO2 até a formação de ácido palmítico (16C).
constitui em um importante mecanismo regu- B) A enzima ácido graxo sintase possui dois domínios: um
lador. Uma alimentação rica em ácido palmí- de ligação ao malonil e outro de alongamento da cadeia.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 137
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 139
Figura 10-25 - A transaminação dos aminoácidos ocorre com a formação de um único aminoácido, o glutamato, e
um cetoácido para cada tipo de aminoácido metabolizado. O aceptor de amino é o cetoácido α-cetoglutarato.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 140
Figura 10-26 - A desaminação oxidativa é um processo intramitocndrial que gera amônia par a síntese de uréia. É esti-
mulada pelo ATP e inibida pelo GTP. O α-cetoglutarato é regenerado para o citoplasma.
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 141
que o fígado tornou-se incompetente em sua Krebs, ativando-o, o que faz com que a
função de degradar a amônia. Isto será res- síntese de uréia e o Ciclo de Krebs "ro-
ponsável pela principal causa do coma obser- dem" juntos, via metabólica denominada
vado em pacientes portadores de insuficiência por muitos de "Bicicleta de Krebs";
hepática crônica (ver capítulo 12 sobre Bio-
química da Função Hepática). e) Síntese da Uréia: a arginina formada sofre
ação da enzima arginase, que catalisa a
2. Síntese da uréia síntese da uréia e a liberação de uma mo-
lécula de ornitina que retorna a mitocôn-
No fígado, irá haver a produção de
dria, dando início um novo ciclo.
grande quantidade de um composto nitroge-
nado atóxico formado por duas moléculas de
O Ciclo da Uréia pode ser resumido
amônia, conjugadas com CO2 - a uréia. Esta
como um processo metabólico hepático que
reação se processa parte no citoplasma e parte
degrada amônia com a participação da orniti-
na mitocôndria do hepatócito. Na seqüência
na e cirtulina como transportadores dessa a-
de reações envolvendo a síntese da uréia (Fi-
mônia mitocondrial, favorecendo a liberação
gura 10-27), há a síntese do aminoácido argi-
da uréia formada no citoplasma.
nina e a participação dos aminoácidos não-
A "Bicicleta de Krebs" é uma expres-
codificados ornitina e citrulina.
são que lembra a integração existente entre o
A arginina é consumida em grande
ciclo da uréia e o metabolismo energético,
quantidade na produção de uréia o que faz
pois não se pode esquecer que a cada amônia
com que seja necessária na alimentação de
liberada significa que um aminoácido foi de-
animais jovens, em fase de crescimento. Por-
saminado e o cetoácido formado está apto
tanto, esse aminoácido apesar de ser sintetiza-
para o metabolismo celular. Por essas razões,
do torna-se essencial na alimentação.
pode-se perceber a importância dos aminoáci-
As reações do ciclo da uréia podem ser a-
dos para o metabolismo energético hepático,
grupadas em cinco fases:
além de que a síntese de glicogênio e de áci-
a) Formação da carbamoil-fosfato: na mi-
dos graxos impedem uma maior utilização de
tocôndria, há a hidratação de um CO2 e
carboidratos e lipídios exclusivamente para
uma NH3 (proveniente da desaminação do
produzir energia para o hepatócito.
glutamato), com o gasto de 2 ATP's;
Um problema adicional enfrenta os
músculos quando degradam aminoácidos para
b) Formação da citrulina: o carbomoil-
o metabolsimo energético: a amônia formada
fosfato doa seu grupamento carbomoil para
e necessita ser convertida em uréia mas o
a ornitina, que penetrou na mitocôndria a-
músculo não possui as enzimas para essa sín-
través de um transportador específico,
tese, somente o fígado. Logo, há a necessida-
formando a citrulina. A citrulina sai da mi-
de da formação de um produto não tóxico
tocôndria pelo mesmo transportador de or-
para transportar a amônia dos tecidos extra-
nitina;
hepáticos para serem metabolizadas até uréia
no fígado.
c) Formação do arginino-succinato: através
O aminoácido glutamina é o principal
da incorporação de aspartato na molécula
transportador de amônia plasmática após ser
de citrulina, com gasto de 1 ATP, no cito-
sintetizado a partir da união de glutamato com
plasma. Esse aspartato é mobilizado da
amônia pela ação da enzima glutamina-
mitocôndria através do mesmo
sintetase existente no músculo (Figura 10-
transportador que promove a entrada de
28). O glutamato não atravessa a membrana
glutamato na mitocôndria;
celular devido sua carga elétrica o que induz.
É uma reação que gasta ATP e produz
d) Síntese da Arginina: o arginino-succinato
a glutamina que será degradada até glutamato
sofre quebra, liberando uma molécula de
e amônia no fígado
fumarato e uma molécula de arginina. Es-
se fumarato é requerido para o Ciclo de
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 142
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 143
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 145
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 146
Ricardo Vieira
Fundamentos de Bioquímica – Capítulo 10 - Metabolismo 147
(CTP) pela adição de glutamina. O UMP pode Assim sendo, a ingestão de pirimidi-
ser convertido em timidina-monofosfato nas na alimentação leva à conversão hepática
(TMP) e este em TTP. Esses nucleotídeos são de citosina e uracila no aminoácido não-
utilizados para a síntese das bases nitrogena- codificado β-alanina, um importante precus-
das uracila, citosina e timina, que fazem parte sor da coenzima-A junto com a vitamina áci-
das moléculas de DNA e RNA, ou são utili- do pantotênico, enquanto que a timina é con-
zadas no metabolismo energético celular. vertida em β-amino-iso-butirato, um pre-
Da mesma forma que as purinas, essas cussor da neoglicogênese e que pode ser ex-
bases nitrogenadas possuem uma independên- cretada na urina.
cia celular de substratos alimentares (a exce- Na Figura 10- 32 está representado um
ção da ribose, é claro, considerando-se sua esquema relatando as principais vias do meta-
origem a partir da glicose). bolismo das bases nitrogenadas.
Figura 10-32 - O Metabolismo das bases nitrogenadas está relacionado com a formação de produtos de excreção
(ácido úrico) ou de intermediários metabólicos (β-alanina e ácido β-NH2-isobutírico).
Ricardo Vieira
O que é vida?
Ricardo Vieira
Professor de Bioquímica - Universidade Federal do Pará
E-mail: jrvieira@ufpa.br
O conceito de vida não é privativo da ciência, da mesma forma que não pode a religião ou a filosofia
requerer a propriedade deste conceito. Em ciência, instrumento de estudo dos fenômenos naturais
abordados neste Curso, não importa saber o que é a vida como um conceito pronto, mas sim estudar e
discutir o que é a vida, baseado em evidências comprovadas e reproduzíveis pelos cientistas.
Muitos cientistas pensaram nisto antes de se chegar ao estágio atual do conhecimento científico, por
isso é indispensável saber o papel desempenhado por esses grandes nomes dentro desse contexto em que a
vida também está inserida, a ciência.
Ricardo Vieira
O que é vida? 3
conservado em álcool e a denomina Bathybius haeckleli em homenagem a Haeckel.
• Tem início a ʺonda Bathybiusʺ que trás à tona a discussão da possibilidade da vida
poder surgir espontaneamente a partir de reações químicas.
• Em 1873 tem início a Expedição Challenger que viaja pelo mundo colhendo e
analisando amostras do lodo de fossas abissais ainda frescas e comprova que
Bathybius não passa de um artefato produzido pelo álcool utilizado como
conservante por Huxley.
Thomas Henry
Huxley
Ricardo Vieira
O que é vida? 4
Ricardo Vieira
A origem das biomoléculas
Ricardo Vieira
Professor de Bioquímica - Universidade Federal do Pará
E-mail: jrvieira@ufpa.br
A
pesar de frágil as evidências em Tabela 1 – Abundância relativa de elementos
virtude do insignificante número importantes para a vida em número
de planetas estudados (somente a de átomos por cada 1.000 átomos de
Terra!), a vida terrestre se apóia na existência de carbono.
água disponível em estado líquido, além de Elemento Abundância em Abundância no
temperatura compatível com o estágio de vida e organismos universo
de elementos químicos essenciais como Hidrogênio 80 – 250 10.000.000
hidrogênio, carbono, nitrogênio oxigênio, sódio, Carbono 1.000 1.000
magnésio, fósforo, enxofre, potássio, cálcio, Nitrogênio 60 – 300 1.600
manganês, ferro e zinco (Tabela 1). Oxigênio 500 – 800 5.000
O clássico experimento de Miller (Figura Sódio 10 – 20 12
1), em 1953, demonstrou a possibilidade da Magnésio 2- 8 200
formação de aminoácidos, carboidratos e Fósforo 8 – 50 3
nucleotídeos a partir de uma mistura de gás Enxofre 4 – 20 80
hidrogênio (H2), gás nitrogênio (N2), dióxido de Potássio 6 – 40 0,6
carbono (CO2), água (H2O), amônia (NH3) e Cálcio 24 – 50 10
metano (CH4) submetido a descargas elétricas e Manganês 0,25 – 0,8 1,6
radiação ultravioleta em temperatura compatível Ferro 0,25 – 0,8 100
à provável atmosfera primitiva terrestre. Esta Zinco 0,1 – 0,4 0,12
suposta composição química mínima é
(Fonte: CAMPBEL, 1995 – p.13)
perfeitamente plausível uma vez que tais
componentes encontram-se disponível em todo o
O experimento de Miller não se resume
universo e, certamente, deveriam estar presentes
em demonstrar a formação de compostos
em uma Terra “recém-nascida” (há torno de 4,6
orgânicos apenas de maneira aleatória, pois, se
bilhões de idade), conforme sugerido por John
assim fosse, a probabilidade de as reações
Haldane e Aleksander Oparin em 1929 e por
químicas se repetissem de maneira ordenada
Harold C. Urey em 1953.
(como ocorre nos seres vivos) seria quase zero
É claro que qualquer outro composto
tendo em vista as inúmeras combinações
químico presente poderia favorecer combinações
possíveis entre os átomos e moléculas. Mas,
diferentes gerando produtos ainda mais
diferente de uma reação apenas aleatória, as
complexos. O tempo de cerca de um bilhão de
moléculas primordiais têm que adquirir
anos disponível desde a origem da Terra até o
propriedades de autocatálise para poder justificar
surgimento da vida, há 3,4 bilhões de anos,
o prosseguimento das reações químicas em um
permitiram que, aleatoriamente, tais compostos
sentido: o da vida.
complexos fossem formados.
Parece difícil acreditar que algo tão
Desta forma, é viável a teoria que se uma
simples advindo de um evento aleatório poderia
molécula orgânica formada espontaneamente
gerar a diversidade de vida de nosso planeta. De
tivesse a propriedade de catalisar a síntese de
fato, os nucleotídeos podem se polimerizar de
outras moléculas idênticas, em algum momento o
maneira espontânea em reações químicas em
agrupamento de tais moléculas poderia levar à
condições semelhantes à atmosfera primitiva,
reprodução de um conjunto de moléculas com
porém os aminoácidos não têm essa capacidade
características químicas semelhantes, onde o
nem os carboidratos.
equilíbrio químico formado entre seu processo de
síntese e degradação favoreceria a multiplicação
de tais conjuntos de moléculas.
A origem das biomoléculas 2
Hoje, sabe-se que as proteínas com função Com os trabalhos de Sidney Altman,
enzimática são os catalisadores biológicos por Thomas Cech, Francis Crik e Leslie Orgel (todos
excelência e a impossibilidade de serem ganhadores de Prêmio Nobel), tornou-se plausível
sintetizadas em condições primitivas é um a teoria de que uma molécula formada
empecilho para a elaboração de uma teoria que espontaneamente em condições primitivas
abrangesse a origem de um sistema biológico na pudesse autocatalisar a síntese de outras
ausência de tais enzimas. Somente com a moléculas, agora não mais randomicamente, mas
descoberta, em 1982, de que a enzima peptidil- organizadamente e de maneira idêntica (CECH,
transferase (que catalisa a ligação peptídica que 1986; LEWIN, 1986).
ocorre nos ribossomos durante a síntese protéica) Este mundo pré-biótico onde uma espécie
é uma molécula de RNA, pôde-se formular teorias de “sopa orgânica” fervilhava ao calor e descargas
mais consistentes. Vários estudos demonstram a elétricas e novas macromoléculas complexas que
presença dessas moléculas de RNA em outros se multiplicavam, agora poderia abrigar um
sistemas biológicos (p.ex.: em retrovírus), como sistema químico estável, assim que as condições
reguladores do processo de splicing da molécula de reação química da Terra permitissem (Figura
de RNAm ou até mesmo sintetizadas em 2).
laboratório com propriedades catalíticas, sendo Provavelmente, vários milhões de anos se
denominadas de ribozimas (Tabela 2). passaram até a organização de um sistema
micelar onde partículas lipídicas pudessem
Tabela 2 – Reações catalisadas por ribozimas proporcionar um microambiente aquoso diferente
Reação Ribozima do meio externo e as reações químicas pudessem
Formação de ligações RNA ribossomal ocorrer de maneira organizada.
peptídicas De fato, a propriedade apolar dos lipídios
Clivagem de RNA, ligação de é um trunfo especial neste período pré-biótico,
RNA Auto splicing de onde as moléculas podem experimentar uma
Clivagem de DNA RNA sorte de combinações que se adaptam ou não às
Splicing de RNA condições ambientais.
Ligação de DNA Assim, as moléculas de RNA que
Polimerização, fosforilação, RNA sintetizado conseguem catalisar sua própria síntese podem
aminoacilação e alquilação de in vitro ser selecionadas nessas microesferas lipídicas e se
RNA multiplicar em bloco, uma protocélula.
Isomerização (ligação C-C)
(Adaptado de ALBERTS et al., 1999, p. 241)
Ricardo Vieira
A origem das biomoléculas 3
Ricardo Vieira
A origem das biomoléculas 4
surgimento da primeira célula primitiva
inaugurando a vida em nosso planeta.
Um momento crítico para o surgimento
da primeira célula era a existência de estruturas
químicas que possibilitassem reações em
ambientes aquosos diferentes ao do meio externo.
Em 1972, o cientista americano Sidney Fox
demonstrou a formação de microesferas após o
aquecimento contínuo dos compostos orgânicos
do experimento de Miller (Figura 3).
Ricardo Vieira
O que é vida? 5
LITERATURA RECOMENDADA
VIDEIRA, A.A.P & EL-HANI, C.N. O que é vida? Para entender a biologia do século XXI. Faperj - Editora
Relume Dumará. Rio de Janeiro, 2000.
INTERNET
O que é vida? http://www.nbi.dk/~emmeche
Ricardo Vieira