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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

A LOUCURA NAS LITERATURAS AMERICANA E BRASILEIRA DO


SÉCULO XIX

Ricardo Fernandes Marques

Niterói
2007.1
1

RICARDO FERNANDES MARQUES

A LOUCURA NAS LITERATURAS AMERICANA E BRASILEIRA DO


SÉCULO XIX

Projeto apresentado à
Universidade Estácio de Sá.

Niterói
2007.1
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................03

1. ANÁLISE DO CONTO DE EDGAR ALLAN POE:“O CORAÇÃO

DENUNCIADOR” ....................................................................................................04

2. ANÁLISE DO CONTO DE MACHADO DE ASSIS: “O ALIENISTA”…....08

3. CONCLUSÃO ......................................................................................................12

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................13
3

Faz-se necessário, em princípio, explicar o porquê do título por nós


escolhido.
Assim o fizemos por entender que deveríamos deixar claro o que iremos
abordar, para que não haja dúvida quanto ao tema por nós escolhidos.
Acreditamos ser de relevante importância uma análise como a que faremos
sobre este tema, pois esta questão parece ter sida igualmente importante para os
autores cujos contos iremos analisar e confrontar.
Desta forma através da aná lise dos contos “O Coração Denunciador” de
Edgar Allan Poe e “O Alienista” de Machado de Assis, pretendemos verificar quais
eram os conceitos de loucura abordados pelas Literaturas Americana e Brasileira do
século XIX, respectivamente, e para tal, além dos contos por nós aqui supracitados,
utilizaremos também outros dois trabalhos que irão abordar o mesmo tema, ou seja,
a loucura.
Acreditamos, através da leitura dos contos mencionados, que os conceitos
abordados no conto de Machado de Assis, são os conceitos de um representante da
ciência, conceitos estes realmente vigentes na época como iremos expor através de
excertos das obras acadêmicas que serão responsáveis por nossa fundamentação.
Também presentes, estarão concepções do senso comum vigentes na época
sobre a questão da loucura, além de outras análises também feitas nas obras
acadêmicas que nos ajudarão com a fundamentação de nossa argumentação.
Este será nosso objetivo principal - expor os posicionamentos distintos
encontrados em textos distintos, de autores distintos, sobre um mesmo tema.
Faremos esta análise por acreditar que o fator social é o maior responsável,
pela classificação do que venha a ser loucura, e através de dois estudiosos no
assunto, iremos analisar os contos confrontando as pesquisas feitas por estes dois
grandes nomes no que concerne à investigação da loucura.
Um destes nomes é o renomado filósofo, o francês Michel Foucault, que
dentre inúmeros trabalhos o que elegemos devido ao nosso tema, como
indispensável à nossa pesquisa é a obra “A História da Loucura”.
Um outro nome também importante é o psiquiatra Thomas S. Szasz, que em
seu livro “O Mito da Doença Mental” também expõe a questão da convenção social
sobre a loucura e da tentativa da psiquiatria, que através de sua ciência e de métodos
positivistas, tenta classificar questões comportamentais e de ordem da linguagem
como doença.
4

Sobre nossa afirmação da questão social na classificação da loucura e sobre o


posicionamento da psiquiatria, temos o seguinte trecho do livro “O Mito da Doença
Mental” do Sr. Thomas Szasz:
“Um psiquiatra que utiliza os métodos de análise da comunicação, e neles se
baseia, tem na realidade muito em comum com os praticantes das disciplinas que se
ocupam do estudo das línguas e do comportamento comunicativo, tais como a lógica
simbólica, a semiótica¹, a semântica e a filosofia. Não obstante, os supostos
problemas psiquiátricos continuam a ser depositados na estrutura tradicional da
medicina. O corpo conceitual da medicina, entretanto, fundamenta-se nos princípios
da física e da química, como de fato deveria fundamentar-se, pois foi e continua a
ser tarefa da medicina estudar, e se necessário alterar, a estrutura e função ou à
compreensão do corpo humano. Contudo, permanece o fato de que o uso humano
dos signos não se presta á exploração ou à compreensão nesses termos.”
Acreditamos que as exposições preliminares que se faziam necessárias, antes
de começarmos a discutir propriamente nossa análise, já foram feitas, cabendo a nós,
a partir de então, começarmos por expô- las.
No conto “O Coração Denunciador” de Edgar Allan Poe, temos o
protagonista como narrador também.
Ele, através de alguma argumentação, tenta expor os motivos que o levaram
a cometer o crime o qual confessou, contudo a todo o momento, não admite ser
classificado como louco e para tal, detalhadamente expõe todos os detalhes dos atos
que cometera.
Ele faz esta análise de forma a mostrar que tudo o que fizera, fizera com
requinte de inteligência, e esta é a justificativa que ele fornece para que não possa
ser classificado como louco, pois segundo ele, loucos não teriam a capacidade de
discernimento que ele possui, nem tão pouco poderiam ser brilhantes ao ponto que
ele fora.
A partir do que ele, o narrador que também é protagonista da história nos diz,
podemos fazer uma análise textual e verificar que o posicionamento vigente no
senso comum da época é que a loucura acometia os menos favorecidos
intelectualmente e que os atos insanos poderiam ser remetidos a problemas sociais,
inclusive de ordem financeira como expõe Michel Foucault no seguinte trecho:
¹ O Termo semiótica designa a ciência dos signos.
5

“No começo do século XIX, Spurzheim² fará a síntese entre todas essas
análises num dos últimos textos que lhes é destinado. A loucura, “mais freqüente na
Inglaterra do que em qualquer outro lugar”, é apenas o preço da liberdade que ali
reina, e da riqueza presente em toda parte. A liberdade de consciência comporta
mais perigos do que a autoridade e o despotismo ”.
“Os sentimentos religiosos... atuam sem restrições; todo individuo tem a
permissão de pregar a quem quiser ouvi- lo; e a força de ouvir opiniões tão
diferentes, “os espíritos se atormentam na busca da verdade”. Perigos da indecisão,
da atenção que não sabe onde fixar-se, da alma que vacila. Perigo também das
querelas, das paixões, do espírito que se fixa obstinadamente no partido que tomou
(...)”.
Em seu discurso o personagem-narrador diz que ele não estava interessado
no ouro de sua vítima, e confirma a questão que Foucault menciona do “perigo
também das querelas, das paixões, do espírito que se fixa obstinadamente no partido
que tomou (...)”.
Veremos agora o início do texto para que possamos analisar de forma mais
técnica esta questão.
“É impossível dizer como a idéia me penetrou primeiro no cérebro. Uma vez
concebida, porém, ela me perseguiu dia e noite. Não havia motivo. Não havia cólera.
Eu gostava do velho. Ele nunca me fizera mal. Nunca me insultara. Eu não desejava
seu ouro. Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Um de seus olhos se parecia com
o de um abutre... um olho de cor azul-pálido, que sofria de catarata. Meu sangue se
enregelava sempre que ele caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente,
fui- me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar- me daquele olho para
sempre”.
“Ora aí é que está o problema. Imaginais que sou louco. Os loucos nada
sabem. Deveríeis, porém, ter- me visto. Deveríeis ter visto como procedi
cautelosamente! Com que prudência... com que previsão... com que dissimulação
lancei mãos a obra!”
Com este trecho podemos ver nitidamente a questão “do espírito que se fixa
obstinadamente no partido que tomou”, em outras palavras a idéia fixa.
² Johann Gaspar Spurzheim (1776-1832) foi um medico alemão que se tornou um dos
chefes proponentes da Frenologia, uma das ramificações da neurociência, criada
aproximadamente em 1800 por Franz Joseph Gall (1758-1828).
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O narrador menciona no excerto que supra citamos além da questão da idéia


fixa, a do interesse pelo vil metal, que neste caso, ele refuta, e diz que não fora esta a
razão. Questão esta, que segundo Foucault, através de Spurzheim, poderia ser um
motivo para atos de loucura cometidos.
Ainda comentando sobre a questão da loucura no século XIX, Foucault nos
brinda com esta excelente ponderação que se torna imprescindível à nossa análise
sobre o conto de Edgar Allan Poe:
“Realiza-se assim uma nova divisão da loucura: de um lado, uma loucura
abandonada à sua perversão, e que determinismo algum poderá desculpar; do outro,
uma loucura invertida, mas complementar, dos valores burgueses, É esta, e esta
apenas, que aos poucos adquirirá direito de cidadania na razão ou, antes, nas
intermitências da razão; é ela que terá a responsabilidade atenuada, cujo crime se
tornará ao mesmo tempo mais humano e menos punível. Se se considera que ela é
explicável, é porque ela se revela invadida por opções morais nas quais as pessoas se
reconhecem. Mas há um outro lado da alienação, a de que Royer-Collard³ falava sem
dúvida em sua famosa carta a Fouché 4 , quando evocava a “loucura do vício”.
Loucura que é menos que a loucura, porque absolutamente estranha ao mundo
moral, porque seu delírio só fala do mal. E enquanto a primeira loucura se aproxima
da razão, mistura-se a ela, deixa-se compreender a partir dela, a outra é rejeitada
para as trevas exteriores; é aí que nascem essas noções estranhas que foram
sucessivamente, no século XIX, a loucura moral, a degenerescência, o criminoso
nato, a perversidade: estas são outras tantas “más loucuras” que a consciência
moderna não conseguiu assimilar, e que constituem o resíduo irresistível do
desatino, e das quais não se pode proteger a não ser de um modo absolutamente
negativo, através da recusa e da condenação absoluta.”
É justamente esta divisão da loucura que nos interessa. Essa “loucura
abandonada à sua perversão, a loucura moral, a degenerescência, o criminoso
nato, a perversidade”,são justamente os tipos de loucura das quais podemos ver em
nossa análise de “O Coração Denunciador” de Edgar Allan Poe.
³ Pierre Paul Royer-Collard (21 de Junho 21, 1763 – 2 Setembro, 1845), foi um

estadista e filósofo francês, líder do grupo dos Doutrinários durante a Restauração de Bourbon
(1814-1830).
4 Joseph Fouché, duque de Otranto, (Pellerin, 21 de maio de 1763 — Trieste, 25 de

dezembro de 1820) foi um político francês e ministro durante a era napoleônica.


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Podemos através de um pequeno excerto do conto, perfeitamente ilustrar a


questão da perversidade, da degenerescência. Vejamos os seguintes trecho s:
“Eu nunca fora mais bondoso para com o velho do que durante a semana
inteira antes de matá- lo.”
“Num instante, arrastei-o para o soalho e virei a pesada cama sobre ele.
Então sorri alegremente por ver a façanha realizada.”
“Se ainda pensais que sou louco, não mais o pensareis, quando eu descrever
as sábias precauções que tomei para ocultar o cadáver. A noite avançava e eu
trabalhava apressadamente, porém, em silencio. Em primeiro lugar, esquartejei o
corpo. Cortei- lhe a cabeça, os braços e as pernas.”
“Arranquei depois três pranchas do soalho do quarto e coloquei tudo entre os
vãos. Depois recoloquei as tábuas, com tamanha habilidade e perfeição que nenhum
olhar humano – nem mesmo o dele – poderia distinguir qualquer coisa suspeita.
Nada havia a lavar... nem mancha de espécie alguma... nem marca de sangue. Fora
demasiado prudente no evitá-las. Uma tina tinha recolhido tudo... ah, ah, ah!”
Acreditamos ser importante revelar o porquê do título do conto de Edgar
Allan Poe, pois o título, mais uma vez, toca no assunto por nós abordado.
“O Coração Denunciador”, nada mais é do que o coração do morto, o qual
fora esquartejado e posto sob o soalho.
O personagem-narrador diz que não sofre de loucura, mas que possui uma
doença que lhe aguçou os sentidos, e quando da visita de policiais, que batem à porta
para investigar uma denúncia de gritos no local, ele, o personagem- narrador, começa
a ouvir o coração da vítima a bater, acreditando em ter os sentidos aguçados ao
extremo. Ele acredita também que os policiais que ali estão ouvem tudo e fingem
que não. Neste momento ele confessa o crime, pedindo para que os policiais
arranquem as tábuas e verifiquem o corpo, e o horrendo coração que ali bate.
Acreditamos que através desta breve análise sobre o conto “O Coração
Denunciador”, tenhamos exposto a argumentação de alguém que não quer ser
classificado como louco e que para tal se utiliza de adjetivos que não poderiam ser
atribuídos a um louco pela sociedade de sua época. O mesmo julgava-se inteligente,
sagaz, perspicaz e tais atributos não poderiam ser atribuídos a loucos.
Tentamos mostrar que a questão da loucura, especialmente neste conto,
através de certa fundamentação com o estudo de Foucault, refere-se à questão da
idéia fixa, e da perversidade.
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Gostaríamos agora de fazer uma análise do conto de Machado de Assis, “O


Alienista”, para só então ao término do mesmo, expormos nossas conclusões no
concernente ao confronto dos dois contos, e desta forma verificar a proximidade ou o
afastamento de posicionamentos referentes à Loucura.
Para iniciarmos nossa análise, gostaríamos de apresentar um pequeno resumo
sobre a história, sobre a qual falaremos.
Desta forma começaremos por expor o seguinte:
Simão Bacamarte, médico, renomado em Portugal decide tudo largar para viver
na pequena cidade de Itaguaí.
Lá chegando dispõe-se a estudar a loucura e demonstrando a caridade para com
os “loucos” cria uma casa para cuidá-los, porém seu íntimo interesse está na ciência.
Esta casa para loucos, como menciona Foucault, tem o mesmo objetivo dos
antigos leprosários europeus, tendo como única diferença a criação, pois os leprosários
quando desativados na Europa, foram incumb idos de abrigar toda e qualquer sorte de
pessoas que através do simples método da observação, como fizera nosso personagem
Simão Bacamarte, eram consideradas loucas e entregues a própria sorte e postas nestes
antigos abrigos para leprosos, que vieram a se tornar asilos. Vejamos o seguinte trecho
de Foucault:
“É numa certa experiência do trabalho que se formulou a exigência,
indissoluvelmente econômica e moral, do internamento. Trabalho e ociosidade traçaram
no mundo clássico uma linha de partilha que substituiu a grande exclusão da lepra. O
asilo ocupou rigorosamente o lugar do leprosário na geografia dos lugares assombrados,
bem como nas paisagens do universo moral. Retomaram-se os velhos ritos da
excomunhão, mas no mundo da produção e do comercio. É nesses lugares da ociosidade
maldita e condenada, nesse espaço inventado por uma sociedade que decifrava na lei do
trabalho uma transcendência ética, que a loucura vai aparecer e rapidamente
desenvolver-se ao ponto de anexá- los. Dia chegará em que ela poderá recolher essas
praias estéreis da sociedade através de uma espécie de antiqüíssimo e obscuro direito de
herança. O século XIX aceitará e mesmo exigirá que se atribuam exclusivamente aos
loucos esses lugares nos quais cento e cinqüenta anos antes se pretendeu alojar os
miseráveis, vagabundos e desempregados.”
Simão Bacamarte construiu seu próprio asilo e através da observação, do
positivismo vigente na época classificou e desclassificou os loucos de sua cidade, assim
como os trancou e os destrancou também.
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No que concerne à questão do positivismo, temos como seu precursor o também


filosofo francês Augusto Comte 5 , e sobre esta corrente sociológica que muito se pode
ver a influência em nosso personagem Simão Bacamarte, temos o seguinte por nós
pesquisado:

“O Positivismo é uma corrente sociológica cujo precursor foi o francês Augusto


Comte (1798-1857). Surgiu como desenvolvimento sociológico do Iluminismo, a que se
associou a afirmação social das ciências experimentais. Propõe à existência humana
valores completamente humanos, afastando radicalmente teologia ou metafísica. Assim,
o Positivismo - em sua versão contiana, pelo menos - associa uma interpretação das
ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana, desenvolvida na
segunda fase da carreira de Comte”.

“O antropólogo estrutural Edmund Leach 6 descreveu o positivismo em 1966 na


aula Henry Myers da seguinte forma ”:

"Positivismo é visão de que o inquérito científico sério não deveria procurar


causas últimas que derivem de alguma fonte externa mas sim confinar-se ao estudo de
relações existentes entre fatos que são diretamente acessíveis pela observação."

“O Positivismo teve grande repercussão na segunda metade do século XIX, mas,


a partir da ação de grupos contrários (marxistas, comunistas, fascistas, reacionários,
católicos, místicos), perdeu influência no século XX. ”

Com esta afirmação de Leach, podemos claramente atribuir o método positivista


ao que fazia Simão Bacamarte em sua pesquisa sobre a Loucura, e como procedia com
sua classificação e entendimento sobre o que observava.

5 Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (Montpellier, 19 de Janeiro de 1798 —


Paris, 5 de Setembro de 1857) foi um filósofo francês e o pai da Sociologia.

6 Sir Edmund Ronald Leach (7 de Novembro, 1910 – 6 Janeiro, 1989) foi um antropólogo
social Britânico.
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Podemos chegar a esta conclusão através do seguinte excerto:

“Isto feito, começou um estudo aturado e contínuo; analisava os hábitos de cada


louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as
tendências; inquiria da vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da
revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de outra espécie,
antecedentes na família, uma devassa, enfim, como a não faria o mais atilado
corregedor. E cada dia notava uma observação nova, uma descoberta interessante, um
fenômeno extraordinário. Ao mesmo tempo estudava o melhor regímen, as substâncias
medicamentosas, os meios curativos e os meios paliativos, não só os que vinham nos
seus amados árabes, como os que ele mesmo descobria, à força de sagacidade e
paciência.”

Desta forma nosso personagem Simão Bacamarte lança-se as observações e


julga quem de direito deve ser internado na Casa Verde, nome do asilo que criara, e
quem não deve. Ele chega a classificar os tipos de loucuras. Através do narrador,
podemos facilmente visualizar estas observações:

“Os loucos por amor eram três ou quatro, mas só dois espantavam pelo curioso
do delírio. O primeiro, um Falcão, rapaz de vinte e cinco anos, supunha-se estrela
d’alva, abria os braços e alargava as pernas, para dar lhes certa feição de raios, e ficava
assim horas esquecidas a perguntar se o sol já tinha saído para ele recolher se. O outro
andava sempre, sempre, sempre, à roda das salas ou do pátio, ao longo dos corredores, à
procura do fim do mundo.”

O Sr. Thomas S. Szasz, também faz críticas severas ao metodo de observação e


da perspectiva tomada pela psiquiatria e pelo uso da metáfora doença mental, que
confunde, pois segundo o mesmo, doença só pode ser atribuida a um fator fisico, e desta
forma o tratamento também é prejudicado.

Para tal devemos ler e refletir sobre o seguinte trecho:

“Até a metade do século XIX, e mais além, doença significava uma desordem
corporal cuja manifestação típica era a alteração da esturutrua física: isto é, uma visível
deformidade, enfermidade, ou lesão, como uma extremidade disforme, uma pele
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ulcerada, uma fratura ou ferimento. A partir desse significado original, a doença era
identificada através de uma alteração da esturtura corpórea, e os médicos distinguiam
doenças de não-doenças de acordo com o que podiam detectar em termos de uma
mudança anormal na estrutura do corpo de uma pessoa. Eis por que, depois que a
dissecação do corpo foi permitida, a anatomia tornou-se a base da ciência médica: desse
modo, os médicos eram capazes de identificar numerosas alterações na estrutura do
corpo, as quais de outra forma não seriam aparentes. Com o desenvolvimento de
métodos mais especializados para examinar os tecidos e líquidos corpóreos, a perícia
dos patologistas em detectar as doenças do corpo até então desconhecidas cresceu
astronomincamente. Os métodos e critérios anatômicos e patológicos continuam a
desempanhar um papel constantemente crescente na identificação de alterações na
integridade fisioquímica do corpo e na distinção entre as pessoas que apresentam tais
sinais identificáveis de doença e as que não os apresentam.”
“É importante compreender claramente que a moderna psiquiatria – e a
identificação de novas doenças psiquiátricas – não começou pela identificação de tais
doenças através dos métodos estabelecidos pela patologia, mas pela criação de um novo
critério estabelecido de alteração detectável da estrutura corpórea foi agora
acrescentado o recente critério de alteração da função corpórea; e, da mesma forma que
a primeira era detectada através da observação do corpo do paciente, a última era
dectada pela observação de seu comportamento. Eis como e por que a histeria de
conversão tornou-se o protótipo dessa nova classe de doenças – convenientemente
chamadas “mentais” para distingui- las das que são “orgânicas”, e também
convenientemente chamadas “funcionais” para contrastar com as chamadas
“estruturais”. Portanto, se na medicina moderna elas foram descobertas, na psiq uiatria
moderna elas foram inventadas.”
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Com isso, gostaríamos de expor aqui, como pretendemos desde o começo, um


paralelo entre os dois contos que apesar de serem totalmente diferentes abordam o
mesmo tema.
Através da ajuda da fundamentação de nossas afirmativas sobre a loucura
expressa no conto de Edgar Allan Poe, através de seu personagem- narrador que a todo
tempo argumenta não ser louco e para tal, descreve todo o aconteceminto, segundo o
próprio, de forma clara, saudável, brilhante e inteligente, recusando-se a classificar
como louco justamente por possuir tais atributos, desta forma, através de um recurso
estilístico, analisando o texto pelo texto, verificamos que estas qualidades, as quais ele
se apega para não se classificar como louco, estão vigentes em sua sociedade; em sua
época.
E em Machado de Assis, não é diferente, o personagem por pertencer ao grupo
da ciência, responsável por qualificar e caracterizar a loucura, vale-se do método
positivista da observação que também assim o faz baseado nas convenções do certo e do
errado, do lógico e do ilógico presentes também em sua sociedade; em sua época.
Concluimos que muito do que se considera, do que se considerou e do que se
considerará loucura, está baseado tão somente na observação e na declaração tácita da
sociedade dentro de um espaço-tempo, não havendo fundamentação científica para tal; e
que os métodos utilizados deveriam ser os das ciências humanas e não os das ciências
naturais, tendo em vista que em sua maioria referem-se a questão de convenção e de
segregação social.
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9. Bibliografia:
Livros

1. ASSIS, Machado de. O Alienista. São Paulo: FTD, 1994. (Grandes leituras).

Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. A

Escola do Futuro da Universidade de São Paulo.

2. FOUCAULT, Michel, 1926-1984. História da loucura: na Idade

clássica/Michel Foucault; tradução José Teixeira Coelho Neto. – 8.ed. – São

Paulo: Perspectiva, 2005. – (Estudos; 61)

3. POE, Edgar Allan, 1809,1849. Contos de Terror de Mistério e de Morte /

Edgar Allan Poe; tradução de Oscar Mendes. – Rio de Janeiro: Ed. Nova

Fronteira, 1981.

4. SZASZ, Thomas S.. O Mito da Doença Mental. São Paulo. Ed. Circulo do

Livro.

Sites

1. http://www.bibvirt.futuro.usp.br

2. http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis

3. http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe

4. http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Szasz

5. http://pt.wikipedia.org/wiki/Michel_Foucault

6. http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Alienista

7. http://en.wikipedia.org/wiki/The_Tell-Tale_Heart

8. http://www.eapoe.org/works/tales/thearta.htm

9. http://en.wikipedia.org/wiki/Johann_Spurzheim

10. http://en.wikipedia.org/wiki/Pierre_Paul_Royer-Collard

11. http://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Fouch%C3%A9
14

12. http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo

13. http://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte

14. http://en.wikipedia.org/wiki/Edmund_Leach

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