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ARGUMENTAÇÃO E FILOSOFIA

   Sintetizando o contexto histórico Ateniense de modo a melhor enquadrar o tema, as ideias

principais a reter são as seguintes:

o A Polis é uma criação original do Mundo Grego, condição essencial para o

desenvolvimento da ideia democrática.

o A Grécia Antiga possuía um regime político em que o governo e a

administração pública se encontravam nas mãos dos cidadãos.

o No entanto, o conceito de cidadão não era tão vasto como hoje em dia, sendo que

apenas um décimo da população era considerado cidadão.

o Para se obter o estatuto de cidadão não se podia ser mulher, escravo ou

meteco, e tinha que se obedecer a um conjunto de regras.

o Nessa sociedade, fazer parte da vida política era uma espécie de obrigação para

qualquer cidadão.

o Todos os cidadãos se reuniam em Assembleia Popular, para decidirem por eles

mesmos dos assuntos públicos.

o A Retórica era assim um instrumento fundamental na Democracia Grega, na

medida em que permitia aos cidadãos apresentarem, esclarecer e resolver os problemas.

   A Democracia Grega apresenta-se como uma base para as democracias actuais, embora

com algumas diferenças significativas. Podemos assim estabelecer as igualdades e diferenças

destas duas democracias.

   Ao contrário do que acontece actualmente:

o A Democracia Grega era uma democracia directa;

o Os escravos eram a base da economia e eram deixados à margem da vida

política, evitando-se assim antagonismos de classes;

o Não existia qualquer diferença entre governantes e governados;

o A vida pessoal dos cidadãos e a sua vida política estavam estritamente

ligadas;

o Para conseguir levar a cabo a sua organização Democrática, Atenas dependia de

uma política externa de carácter Imperial, facto que constitui uma outra contradição

ou limitação do regime ateniense.


   Tal como hoje em dia:

o A argumentação racional, o Logos, era a chave da autoridade, sendo que quem

exercia o poder político necessitava sempre de apresentar razões aceitáveis;

o Existia uma relação intrínseca entre cidadania e participação;

o Havia a submissão à Lei e não a uma pessoa;

o Dava-se grande importância à Educação Cívica e Solidariedade.

    O Triunfo da Democracia e a Emergência da Retórica

   Após as grandes vitórias Gregas sobre o Império Persa, houve um triunfo político da

Democracia, como acontece de todas as vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E

visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo

pela persuasão, compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a

Retórica e a Oratória e, por conseguinte, os mestres da eloquência. Os sofistas, sequiosos de

conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloquência, de Retórica,

ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de consegui-lo. Contrário aos

ideais dos filósofos Gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, mas era

sobejamente retribuído.

   A Disputa entre Filósofos e Retores

   A Retórica foi descoberta pelos Gregos como forma democrática de resolver os problemas

da cidade. E, ao longo da história, a convivência entre retores e filósofos nem sempre foi

fácil, lutando ambos pela prioridade na formação dos cidadãos Gregos. Os retores, por um

lado, maioritariamente de influência sofista, defendiam um ensino que visava a formação dos

jovens enquanto cidadãos intervenientes através do discurso na vida da cidade. Pragmáticos

quanto baste, propunham a aprendizagem das competências e das técnicas necessárias para

se ser bem sucedido na vida pública. Já os Filósofos defendiam, especialmente Platão, um

ideal contemplativo, cujo fundamento da acção seria a busca da verdade e da sabedoria.

Neste ideal, a teoria precedia sempre a prática.

A Via da Retórica
   Górgias e Demócrito, sofistas, tinham uma abordagem antropológica da Retórica

(antrophos = homem). Consideravam que a única via para a verdade era a investigação pela

argumentação interpessoal. Nesta altura a Retórica é vista como uma prática ajustada às

necessidades do tempo.

   Os Sofistas

   Os sofistas apareceram no final do século V a.C., numa época em que a vida democrática

reclamava a participação dos cidadãos que se mostrassem aptos a fazê-lo. Vinham de vários

pontos da Grécia ou até do estrangeiro, apresentando tendência para relativizar os hábitos e

instituições atenienses e para pôr em causa a autoridade das tradições enraizadas. A sua

época de ouro foi, pode-se dizer, a segunda metade do século V a.C., na Atenas de Péricles,

capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Protágoras foi o maior de

todos, chefe de escola e teórico da sofística.

   Os sofistas são, pois, um conjunto de livres-pensadores que se propõem a ensinar a arte

da política e as qualidades que os homens devem possuir para serem bons cidadãos. Andam

de cidade em cidade proporcionando aos jovens que desejam alargar os seus horizontes

intelectuais uma aprendizagem eficiente, habilitando-os para o ingresso na vida política.

Voltavam-se para a formação prática dos homens, tentando torná-los bons cidadãos e

políticos eficientes, ensinando temas relativos à Moral, Política, Economia, Retórica e

Filosofia.

   Os sofistas põem de lado a procura da verdade em si mesma para insistirem na arte de

expor, argumentar e convencer. De facto, denota-se que estavam mais interessados no

poder do que no saber. A verdade torna-se assim subjectiva e relativa a cada um. A

insistência neste subjectivismo e relativismo fomenta a liberdade intelectual que leva as

pessoas a questionar os conceitos e valores do passado e, simultaneamente, a estabelecer

novos tipos de crenças e ideais. A Retórica apresenta-se assim como um poderosa técnica de

persuasão.

   No entanto, ao mesmo tempo, torna-se num catalizador de conversão do carácter absoluto

e universal da verdade em meras opiniões relativas. De tal modo que mesmo alguns se

chegaram a gabar de que seriam capazes de defender uma dada tese e, em seguida,

defender a tese oposta com razões igualmente fortes. Foi esta adulteração da Retórica por
parte dos Sofistas que acabou por ditar a sua expulsão do grupo dos Filósofos, visto que

agora podiam assim reprovar aos sofistas a sua falta de idoneidade moral e intelectual.

Agrava-se o cisma entre Sofistas e Filósofos. Apesar de tudo, hoje em dia considera-se que o

mérito dos sofistas reside na sua reflexão centrada no homem, formação cultural do homem,

vocação pedagógica, radicalidade argumentativa, desenvolvimentos da eloquência e

questionamento da tradição.

A Oposição por parte dos Filósofos

   Contra a Retórica e contra os sofistas vão acabar por se insurgir os filósofos, encabeçados

por Platão e Sócrates. Para melhor compreender este conflito, centremo-nos em Platão, que,

de forma exemplar, melhor personificou a reacção contra a sofística. As concepções

filosóficas de Platão acerca do mundo e da vida, o ideal de educação que propunha, o regime

político que pretendia ver instaurado na cidade, as suas origens de classe, tudo o

predispunha à rejeição da sofística. No entanto, acabou por ser a condenação e posterior

morte de Sócrates que o levou a tomar posição contra os sofistas. Este acontecimento

marcou profundamente Platão, levando-o a olhar com reprovação as instituições atenienses.

   Na “República” e nas “Leis” expôs as suas ideias políticas. À Liberdade Política preferia a

Ordem. Considerava que os governantes não deveriam ser escolhidos pelos cidadãos, já que

para governar seriam necessárias elevadas competências intelectuais e morais que era

preciso desenvolver. Os futuros governantes deveriam receber formação até aos trinta e

cinco anos de idade e só depois estariam aptos para a tarefa. Numa formulação célebre, a

cidade só seria bem governada quando os filósofos se tornassem reis, ou os reis recebessem

educação filosófica.

   Em contrapartida, os sofistas estavam perfeitamente integrados nas instituições

democráticas; consideravam as leis meras convenções resultantes de consensos entre os

homens, defendiam concepções cépticas ou relativistas acerca da verdade e, alguns de entre

eles, manifestavam nítida falta de seriedade intelectual.

  A Retórica, serva da Filosofia

   Com Platão, a Retórica sujeita-se ao papel de escrava da Filosofia. Este vê na Retórica

uma forma de manipular as técnicas argumentativas, postas ao serviço de interesses

particulares, desrespeitando a verdade. Platão opõe o verdadeiro conhecimento, procurado


pelo filósofo, ao pseudo-saber da Retórica sofista, que através do recurso à lisonja da

palavra, negligencia a verdade. Apesar de tudo, Platão serve-se da dialéctica, atribuindo-lhe

efeitos persuasivos para banir a contradição dos interlocutores, e da Retórica, utilizando-a

como método de comunicação e explicação da verdade. A Retórica platónica está assim ao

serviço da verdade e não das opiniões humanas, como a Retórica sofista.

Retórica e Oratória

   A Retórica, enquanto arte de falar com eloquência, não dizia respeito apenas ao aspecto

ornamental do discurso, mas também ao seu travejamento argumentativo. Para persuadir os

outros, é importante saber falar de forma eloquente, pois falar bem ajuda a expor e a fazer

ver melhor as razões, cativa e seduz a audiência, mas as razões são igualmente importantes

neste panorama. Assim, nos seus primórdios, a Retórica implicava também capacidade

argumentativa. Os seus dois aspectos estavam intimamente ligados. Tanto o estilístico –

elegância do discurso – como o argumentativo – razões que suportam e fundamentam as

opiniões – se encontravam conjugados.

   Posteriormente, fruto de vicissitudes de vária ordem, a Retórica degenerou num discurso

vazio cheio de floreados e figuras de estilo, frequentemente utilizadas como “cosmética”,

para disfarçar a ausência ou pobreza de ideias. Ainda hoje é mais que habitual se encontrar

altas figuras de Estado a mergulhar em autenticas “espirais de floreada eloquência”,

adequadamente aplicadas para esconder o desajuste ou falibilidade de certas políticas.

   Após a morte de Platão e Aristóteles dá-se na Grécia uma decadência política e social que

se reflecte particularmente na Filosofia. Esta abandona os grandes problemas teóricos e

passa a centrar-se na reflexão sobre os problemas relativos ao bem-estar e felicidade das

pessoas. Com a decadência política e social dos Gregos e a sua anexação no Império

Romano, a Retórica passa a ser cultivada como oratória, a arte de bem orar e discursar,

sendo utilizada pela sua organização formal e recursos estilísticos que embelezam o discurso.

Esta orientação da Retórica confere-lhe um sentido negativo, na medida em que o discurso

retórico prima pela beleza e forma em detrimento da riqueza do conteúdo. Na Idade

Moderna, com o privilégio do modelo demonstrativo lógico-matemático, há o desprezo pelo

que é tratado a nível das opiniões humanas.


Sofística
filosofia

 Objectivos políticos.  O discurso: meio para a verdade e


aperfeiçoamento dos humanos.
 Discurso mais forma que conteúdo.  Os filósofos procuram libertar e esclarecer
 Os mestres da oratória procuram convencer.  A linguagem e a eloquência são instrumentos,
não fins
 O discurso é a arte de sedução.  Subordina os instrumentos à verdade e ao
saber
 O discurso é instrumento de manipulação.  Uso da linguagem descomprometida dos
interesses humanos.
 Desenvolveu a retórica.  Desenvolveu a dialéctica.
 O seu relativismo gnosiológico exigiu a  Procura a salvação através do conhecimento.
«prova».
 Privilegiou a opinião (doxa).  Visa o esclarecimento e a compreensão.
  Privilegia a sabedoria (Sofia).

texto

A Crítica de Perelman

   “O ideal de vida contemplativa visava essencialmente a busca, o conhecimento e a

contemplação da verdade em si mesma, a ordem e a natureza das coisas ou da divindade: a

partir de tal conhecimento, o sábio deveria ser capaz de emitir as regras de acção, pública e

privada, fundadas no seu saber filosófico; a sabedoria, a acção racional, decorria

directamente do conhecimento em que se fundamentava e ao qual estava subordinada. O

orador educava os seus discípulos para a vida activa na cidade: propunha-se formar homens

políticos ponderados, capazes de intervir de forma eficaz tanto nas deliberações políticas

como numa acção judicial, aptos, se necessário, a exaltar os ideais e as aspirações que

deviam inspirar e orientar a acção do povo.”

Perelman, Retórica e Filosofia, “Crítica”, nº 8

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