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VISÃO RESTAURADA DAS ESCRITURAS

Roberto C. P. Junior

VOLUME 1
(Exegese-11-Volume1 – Agosto de 2006)

Observações:
• Livro diagramado para impressão frente em papel A4;
• Proibida a reprodução de trechos desta obra sem prévia autorização
do autor. Permitida a impressão parcial ou total para leitura pessoal
exclusivamente, sem fins comerciais;
• Obra registrada no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca
Nacional – RJ sob número 335.968;
• E-mails para correspondência com o autor:
rjunior@yahoo.com
rcpj@library.com.br

1
VISÃO RESTAURADA
DAS ESCRITURAS

Nova Interpretação dos Evangelhos


e Outros Textos Bíblicos

2
Assim como Jesus, Filho de Deus, é do Pai, do mesmo modo o é o Espírito
Santo. Ambos, por conseguinte, partes Dele mesmo, pertencendo-Lhe
inteiramente, de modo inseparável.
Abdruschin
(Na Luz da Verdade – dissertação “Deus”)

3
Felizes os que seguem o caminho da retidão e vivem segundo a Lei do
Senhor.
(Salmo 119:1)

Este é o meu Mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos
amei.

(João 15:12)

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NOTAS

1. Esta é uma obra em dois volumes. Cada tomo apresenta seu próprio Índice
Remissivo. A lista das Referências Bibliográficas é a mesma para ambos os
volumes.

2. Os versículos dos Evangelhos canônicos apresentados em destaque neste livro


foram em sua maior parte extraídos de A Bíblia Anotada da Editora Mundo Cristão.
Utilizou-se por vezes também as demais versões universalmente consagradas,
sobretudo nas citações incorporadas ao texto, nos casos em que as respectivas
traduções se mostraram mais apuradas ou mais claras.

3. Versículos de textos deuterocanônicos foram extraídos da Tradução Ecumênica da


Bíblia da Edições Loyola, de A Bíblia de Jerusalém da Editora Paulus, da Bíblia
Sagrada da Editora Vozes, e da Bíblia dos Capuchinhos da Editora Difusora
Bíblica. A numeração dos versículos do livro de Eclesiástico varia segundo o texto
base adotado: a Vulgata latina ou a Septuaginta grega.

4. A numeração dos capítulos do livro de Salmos varia de acordo com o texto utilizado
pela respectiva Bíblia, segundo o padrão adotado: hebraico ou grego.

5. A transcrição e análise das sentenças supostamente proferidas por Jesus, indicam


que o autor admite como verdadeiro o sentido transmitido por elas, e não a exatidão
textual das palavras ou sua composição nas frases.

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S U M Á R I O

VOLUME 1

Introdução .................................................................................................................. 9

Capítulo 1 – A Missão do Salvador


• A Necessidade da Vinda do Messias ................................................................ 10
• Correlação entre a Época Messiânica e a Atual................................................ 35

Capítulo 2 – Jesus Ensina aos Homens as Leis de seu Pai


• Leis Inflexíveis Regem a Criação ..................................................................... 46
• A Lei da Reciprocidade..................................................................................... 59
• A Lei do Movimento......................................................................................... 66
• A Lei de Atração da Igual Espécie ................................................................... 84

Capítulo 3 – A Abrangência das Parábolas do Mestre


• O Semeador....................................................................................................... 91
• O Joio e o Trigo................................................................................................. 94
• O Grão de Mostarda e o Fermento.................................................................... 98
• O Tesouro e a Pérola ......................................................................................... 99
• A Rede............................................................................................................. 100
• O Rei e os Servos Devedores.......................................................................... 101
• Os Trabalhadores na Vinha............................................................................. 104
• Os Dois Filhos................................................................................................. 105
• Os Lavradores Maus ....................................................................................... 106
• As Bodas ......................................................................................................... 107
• As Virgens....................................................................................................... 109
• Os Talentos...................................................................................................... 110
• As Minas ......................................................................................................... 111
• O Bom Samaritano.......................................................................................... 112
• O Amigo Necessitado ..................................................................................... 114
• O Rico Insensato ............................................................................................. 114
• O Servo Vigilante............................................................................................ 116
• A Figueira Estéril ............................................................................................ 117
• A Porta Estreita ............................................................................................... 118
• Os Convidados ................................................................................................ 122
• O Filho Pródigo............................................................................................... 123
6
• A Torre e o Rei................................................................................................ 125
• A Ovelha e a Dracma Perdidas ....................................................................... 126
• O Juiz Iníquo ................................................................................................... 126
• O Bom Pastor .................................................................................................. 127

Capítulo 4 – Aspectos Desconsiderados da Doutrina de Cristo


• A Severidade do Verdadeiro Amor................................................................. 129
• Origem e Conseqüências do Pecado ............................................................... 133
• Conceito de Família ........................................................................................ 151
• O Servir Libertador ......................................................................................... 168
• Tornai-vos como as Crianças! ....................................................................... 170

Índice Remissivo........................................................................................ 174

Referências Bibliográficas........................................................................ 178

VOLUME 2

Capítulo 5 – Aspectos Desconhecidos da Doutrina de Cristo


• Possessões
• Milagres Possíveis e Impossíveis
• A Redenção pela Palavra
• Filho de Deus e Filho do Homem
• A Promessa da Segunda Vinda

Capítulo 6 – Os Alicerces da Boa Nova


• O Cânon Bíblico
• A Composição dos Evangelhos
• Erros Enuviantes de Tradução

Capítulo 7 – Advento e Missão do Filho do Homem


• Profecias Extrabíblicas
• Fundamentações Escriturísticas e Apócrifas
• A Palavra da Verdade

7
Índice Remissivo

Referências Bibliográficas

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INTRODUÇÃO

Esta nova exegese das Escrituras não tem nenhuma semelhança com as interpretações correntes
dos textos bíblicos.

As interpretações atuais são todas frutos de uma doutrina prévia, sedimentada em dogmas de fé e
em determinações da razão, nunca do coração. A intuição espiritual jamais pôde fazer frente ao
raciocínio calculista na atividade de compreensão dos textos bíblicos e, devido a isso, a lógica
cristalina de muitos ensinamentos de Cristo não pôde emergir do cipoal de crenças torcidas e preceitos
dogmáticos.

O raciocínio pode e deve ser uma ferramenta afiada nas mãos do espírito, mas nunca extrapolar
suas funções, do contrário passa de instrumento a tutor do ser humano, escravizando-o. A intuição tem
de conduzir, dirigir, determinar; ao raciocínio cabe a tarefa de executar, de tornar compreensível e
utilizável no âmbito terreno o que foi previamente estabelecido pela intuição. Do contrário, o resultado
é discórdia, confusão e cisão em todos os campos da atividade humana, aí incluídas as concepções de
fé.

A divisão do Cristianismo em múltiplas facções ao longo da História foi mais um resultado dessa
inversão de valores. Todas elas derivaram de teologias puramente intelectivas, materialistas, que em
seus múltiplos desdobramentos chegaram a encobrir totalmente o sentido original da Palavra salvadora
de Cristo. Cada nova explicação racionalista das palavras atribuídas a Jesus sempre deu origem a
controvérsias, cismas e até excomunhões recíprocas, e por conseguinte também a novas e sectárias
ramificações do credo cristão, apoiadas em dogmas inéditos ou reformulados, mas sempre moldados
com vistas a sustentar as próprias concepções. Nenhuma das múltiplas confissões cristãs, oriundas de
tantos litígios, se inteirou até hoje de que a erudição não tem nenhum valor se não estiver subordinada
à intuição. E que uma tal situação insana já impede de antemão a compreensão de qualquer
ensinamento de cunho espiritual.

A interpretação bíblica que se segue não compartilha desse padrão. Não é mais uma explicação
neodogmática de pontos polêmicos do ministério de Jesus. Tampouco constitui uma tentativa de fazer
brotar mais um ramo na milenar árvore do Cristianismo, já repleta de galhos das mais variadas formas,
tamanhos e matizes. Trata-se, sim, de uma nova interpretação, lógica, absolutamente autônoma e
independente, sem nenhuma preocupação nem correlação com os conceitos formulados pelas inúmeras
denominações cristãs, cujos fiéis se julgam todos herdeiros da doutrina de Cristo.

Um único objetivo preencheu este trabalho: procurar fazer aflorar, da forma mais clara e
completa possível, o verdadeiro sentido dos ensinamentos do Mestre contidos no Novo Testamento.
Para tanto, a análise dos quatro Evangelhos, em conjunto com outros textos bíblicos, foi feita à luz da
Mensagem do Graal de Abdruschin, a obra NA LUZ DA VERDADE (publicada pela Editora Ordem
do Graal na Terra), sem a qual, aliás, jamais me teria sido possível escrever este livro.

Roberto C. P. Junior

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CAPÍTULO 1
A MISSÃO DO SALVADOR

A Necessidade da Vinda do Messias


Se observarmos atentamente os fundamentos das grandes religiões monoteístas, verificaremos
que elas apresentam uma característica comum: todas, sem exceção, ensinam que o Criador dos
Mundos – em suas diversas denominações – é perfeito, a própria perfeição.
Disso se depreende então que tudo quanto Ele fizer, todos os Seus atos, terão de ser também
necessariamente perfeitos, efetivados dentro da mais absoluta lógica e exatidão, como decorrência
direta dessa Sua perfeição intrínseca. Portanto, não seria nenhum acinte, nenhuma arrogância
desmedida, se as Suas criaturas procurassem compreender a lógica inerente aos atos divinos, ao
contrário, essa disposição demonstraria um interesse legítimo pela Vontade perfeita de seu Criador
Certamente nenhuma criatura boa pensaria em fazer conscientemente algo que desagradasse a
Quem lhe outorgou a vida. Por isso, ao se deparar com qualquer fonte de informações que
alegadamente tenha provindo do seu Criador, ela deve esforçar-se ao máximo para compreendê-la
acertadamente, deve empregar nisso toda sua capacitação. Isso significa fazer uso não apenas do
raciocínio, mas principalmente da intuição, que é a voz do espírito. Em outras palavras, ela tem de
sentir a verdade patente das informações com que se depara; estas têm de calar fundo em seu coração.
Tal fonte não pode naturalmente conter falhas ou lacunas, antes precisa encadear-se numa lógica
absoluta, perfeita, já que provém da perfeição. Caso ela encontre algo que não se coadune com uma
lógica perfeita, então não lhe restam senão duas possibilidades: ou ela mesma não está se esforçando
da maneira correta para compreender a lógica divina, ou, então, aquela fonte de informações não
provém diretamente do Criador, pois evidentemente Ele jamais daria alguma orientação errônea às
Suas criaturas.
As religiões monoteístas possuem como cerne justamente essas fontes, que são seus livros
sagrados. Esses livros têm sua origem numa Palavra revelada, que em seguida toma a forma de
Escritura sagrada. Os cristãos dispõem da Bíblia, um conjunto de 66 livros (sem contar os
deuterocanônicos) divididos em duas partes, escritos por cerca de 40 autores num período aproximado
de 16 séculos, e do qual já foram impressos mais exemplares do que qualquer outro livro na história
humana.1 Esse conjunto de obras literárias é apresentado como sendo a Palavra de Deus inspirada, e
por essa razão tido por muitos cristãos como inerrante, infalível e perfeito. Desse modo, todos eles têm
não somente a prerrogativa mas até o dever de procurar compreender a Palavra consignada nesses
textos, para que possam abranger a coerência que necessariamente tem de estar embutida nela.
O Novo Testamento da Bíblia traz relatos da passagem de Jesus, o Filho do Deus Altíssimo,
sobre a Terra. Esse acontecimento constitui a base desse conjunto de livros, e será nosso ponto de
partida para examinar com lógica e acuidade os conceitos ali expressos.
Durante essa nossa jornada pelos meandros bíblico-cristãos iremos ver de tudo. Vamos nos
deparar com recantos encantadores e abismos insondáveis, paisagens exuberantes e desertos áridos;
cruzaremos com andarilhos idealistas, com quem trocaremos alegres cumprimentos, para logo em
seguida esbarrarmos numa gente mal-encarada e mal-intencionada. Veremos o que é belo e o que é
feio, o útil e o nefasto, alegria e tristeza. Quando a viagcoem tiver terminado, poderemos fazer um
balanço do caminho percorrido. Teremos saído enriquecidos da expedição se, durante o trajeto,
tivermos aproveitado para tirar fotos nítidas daquilo que realmente interessa à criatura humana: os
verdadeiros ensinamentos provindos do Alto e, principalmente, se tivermos aprendido a gravar para

1
A palavra “Bíblia” é originada do grego biblos, que designa a casca interior do junco de que era feito o papiro. A antiga
cidade portuária fenícia de Biblos levava esse nome devido ao intenso comércio de papiros. O conceito atual é de “conjunto
de livros”. Estima-se que a distribuição da Bíblia, completa ou em partes, já tenha atingido mais de dois bilhões de
exemplares em todo o mundo.
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sempre essas fotos no álbum de nossas almas, de modo que se tornem uma naturalidade no querer, no
pensar e no atuar.
Repleto de siglas, pontuações e números que indicam os vários textos, capítulos e versículos
extraídos da Bíblia, nosso livro se apresenta como um mapa-papiro, adaptado a fazer essa viagem no
tempo por entre reinos e impérios. Essas indicações são necessárias, pois permitem a cada viajante
verificar por si mesmo as passagens que mais lhe interessam, de modo a poder se aprofundar no tema
tratado e chegar às suas próprias conclusões.
Vamos então dar início à nossa longa, instigante e algo acidentada viagem pelas Escrituras com a
questão da vinda de Jesus. Quais foram as causas que motivaram a chegada do Salvador à Terra? Por
que ele veio para cá justamente naquela época? Sua vinda poderia ter sido antecipada ou postergada,
ou mesmo cancelada?
As doutrinas cristãs asseveram que Jesus veio até aqui para nos salvar e, segundo interpretação
corrente, para redimir a humanidade do pecado original, cometido por Adão, através de sua morte na
cruz. Essa concepção, porém, levanta de imediato algumas questões:
• Por que esse ato de redenção não foi perpetrado logo após o pecado adâmico, e sim somente muito,
muito tempo depois? De acordo com a genealogia apresentada no Evangelho de Lucas (cf. Lc3:23-38),
passaram-se nada menos que 76 gerações desde Adão até o nascimento de Jesus. Por que a humanidade
teve de viver na iniqüidade durante todo esse tempo, sobrecarregada com a culpa de seu pai primevo?

• E durante esse período de espera, para onde iam depois da morte todas aquelas almas que ainda não
haviam sido redimidas? Para o céu não poderiam ir, já que estavam manchadas pelo pecado; para o
inferno também não, já que não haviam feito nada de tão grave assim além de nascer; para o purgatório
é evidente que não poderiam ir, já que essa região só foi instituída em 1439, por deliberação do
Concílio de Florença.

• E por que teve de vir o próprio Filho de Deus para realizar essa redenção? Se para Deus tudo é possível
(conforme crença generalizada), Ele não poderia simplesmente, através de um ato de Vontade, declarar
que o pecado original e o hereditário estavam extintos, e que a partir daquele momento todos os seres
humanos encontravam-se limpos diante Dele? Desse modo não precisaria ter enviado Seu Filho até esta
Terra, exclusivamente para sofrer e morrer em nosso lugar. Teria sido poupado esse imenso sacrifício.
Tudo teria sido muito mais fácil e todos teriam ficado felizes para sempre.

• É possível, aliás, alguém tomar sobre si a culpa de outrem para expiá-la? Nenhum tribunal terreno
sequer consideraria uma hipótese dessas, de tão absurda. E isto, mesmo quando sabemos que “o
homem comparado com Deus não é justo” (Jó9:2). Mesmo nos tempos antigos, qualquer magistrado
que sentenciasse dessa maneira seria considerado abominável diante do Senhor: “Quem absolve o
ímpio e quem condena o justo, ambos são abomináveis diante do Senhor” (Pv17:15). Poderia, então, tal
idéia de expiação substitutiva corresponder à lógica perfeita da Justiça divina? Poderia essa Justiça
divina, sob determinadas circunstâncias, ser assim menos justa ou menos perfeita que a dos homens, ao
permitir a alguém pagar pelos erros dos outros? Só se Cristo foi uma exceção… Mas podem haver
exceções na perfeição da Vontade do Onipotente? Perfeição não pressupõe justamente a mais completa
imutabilidade? Perfeito não significa imutável, inalterável? Os cristãos de todos os tempos não
ensinaram sempre a mais absoluta imutabilidade de Deus e de Sua Vontade perfeita? Como podem
então existir exceções naquilo que é perfeito? Não está escrito: “Perfeita é Sua obra, e justos todos os
Seus caminhos” (Dt32:4)?

• E também não está escrito: “Senhor, Tu és justo, e tuas decisões são retas” (Sl119:137), e ainda: “As
decisões do Senhor são a Verdade, todas elas são justas” (Sl19:10)? Não constituem tais sentenças
afirmações inequívocas sobre a absoluta inflexibilidade da Justiça divina? Inflexibilidade que o próprio
patriarca Abraão já dera mostras de haver compreendido muito bem, ao descartar a possibilidade de o
Senhor condenar um inocente como pecador, o que a seu ver seria um ato injusto da parte Dele: “Longe
de Ti fazeres tal coisa: fazer morrer o justo com o pecador, de modo que o justo seja tratado como
pecador! Longe de Ti! Não fará justiça o Juiz de toda a Terra?” (Gn18:25). Essa convicção de Abraão
sobre a perfeição da Justiça do Todo-Poderoso foi posteriormente compartilhada por Moisés, outro
patriarca bíblico: “Ó Senhor! Ó Senhor! Deus misericordioso e clemente, (…) que perdoa a iniqüidade,
11
a rebeldia e o pecado, mas não declara inocente o culpado” (Ex34:6,7). Por fim, o famoso rei Salomão,
dirigindo-se ao Criador, também se pronunciou com a mesma certeza de seus antepassados sobre Sua
indesviável Justiça: “És justo, governas o Universo com justiça, e condenar alguém que não mereça ser
castigado parece-Te incompatível com Teu poder” (Sb12:15). Daí vem então uma última pergunta: será
que essa Justiça divina assim tão incorruptível e intangível, e por isso mesmo tão louvada nas épocas de
Abraão, Moisés e Salomão, deixou de valer no tempo de Jesus? Deixou de ter validade justamente em
relação ao Filho de Deus?… Não foi o Senhor mesmo que ordenou por intermédio de Moisés: “Não
matarás o inocente e o justo” (Ex23:7)?, determinação essa reiterada depois pelo Seu próprio Filho
Jesus: “Se soubésseis o que significa ‘misericórdia é o que eu quero e não sacrifício’, não condenaríeis
os que não têm culpa” (Mt12:7)?”
As dúvidas suscitadas pela análise mais acurada de uma passagem bíblica qualquer não devem
ser encaradas como transgressões pecaminosas. Não são heresias nem propensões sacrílegas, ao
contrário, constituem estímulos importantes, fundamentais mesmo, para se chegar à veracidade dos
fatos. O espírito inquiridor é, antes de tudo, um espírito que se movimenta, condição incontornável
para conservar-se sadio e útil na Criação. O movimento é justamente uma das leis da Criação, da qual
trataremos mais à frente. É justamente a movimentação espiritual que torna possível a compreensão
acertada das verdades bíblicas e sua aplicação no cotidiano, como, aliás, este próprio livro aqui procura
fazer, no uso das inúmeras e valiosas citações bíblicas que compõem e emolduram o texto. Já no início
do Cristianismo esse tipo de abordagem era tido como uma especial consideração e grande apreço
pelos textos bíblicos. O apóstolo Paulo, por exemplo, faz em suas cartas nada menos que 104 citações
formais do Antigo Testamento, mas sempre apenas daquilo que julga verdadeiro, como apoio às suas
posições.
Um grande erro cometido pelos muitos intérpretes da Bíblia é considerá-la em seu sentido literal,
ao pé da letra por assim dizer. E, dentre esses, os mais rígidos e intransigentes são os chamados
fundamentalistas, que se esmeram nesse método interpretativo, acreditando estarem assim conservando
a pureza pedagógica dos ensinamentos bíblicos.
Quem se vale desse “método” de interpretação tem, necessariamente, de abrir mão de toda a
lógica, do contrário ficará retido já nos primeiros versículos de qualquer livro da Bíblia. Somente
deixando totalmente a lógica de lado é possível crer em coisas inverossímeis. Isso, porém, não é
nenhum sinal de grandeza, mas apenas da mais rija auto-ilusão. Tomemos, por exemplo, o relato do
dilúvio e a estória de Noé, que nada mais é do que a reprodução da tábua XII de um texto muito bem
conhecido da literatura mesopotâmica, composto pelo menos 1600 anos antes do Gênesis hebreu,
denominado Épico ou Epopéia de Gilgamesh, do qual foram encontradas várias versões (cerca de
noventa) e cuja difusão foi bastante ampla na Antiguidade. Nesse relato, o protagonista é o mesmo
Noé da Bíblia e se chama “Utnapistin”. Vemos um paralelo na mitologia grega quando Zeus manda
um dilúvio contra a humanidade, do qual Prometeu pôde advertir apenas seu filho Decalião, que
consegue salvar-se num barco juntamente com a esposa, Pirra. A epopéia é um gênero literário bem
definido nos tempos antigos, sempre glorificando o valor heróico e as proezas físicas. Os salmos 114,
136 e 137, por exemplo, também são epopéias.
Segundo o Gênesis, o resultado final do dilúvio foi este: “exterminados foram todos os seres que
havia sobre a face da Terra, o homem e o animal, os répteis, e as aves do céu, foram extintos da Terra;
ficou apenas Noé, e os que com ele estavam na arca” (Gn7:23). Quem toma essa sentença como
literalmente verdadeira, demonstra não ter a mínima noção das condições de vida reinantes na Terra de
matéria grosseira. Só a idéia de que todas as espécies de animais foram salvas na arca não se sustenta
diante de qualquer análise lógica, pois crença cega e lógica são ferramentas mutuamente excludentes.
Ou ficamos com uma ou com outra. O dilúvio foi uma chuva de grandes proporções que atingiu uma
bem determinada região da Terra, onde se encontrava Noé que, de fato, logrou sobreviver ao construir
uma arca muito resistente para si, sua família e alguns animais. E é tudo. Roselis von Sass narra o que
realmente aconteceu em sua obra O Livro do Juízo Final.
Na tarefa de compreensão da Bíblia o fundamental mesmo é não ser fundamentalista. Já se
definiu o fundamentalista bíblico como alguém sempre furibundo com alguma coisa... Infelizmente a
realidade não está longe disso.

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A interpretação bíblica literal, ou literalista, tão restrita, levada a efeito pelos fundamentalistas de
hoje, é o mesmo de que se valia a Inquisição para condenar inocentes à morte, tendo sido utilizada
também para obrigar o astrônomo Galileu a abdicar, em 1633, do conceito heliocêntrico de Copérnico
(a Terra girando em torno do Sol), que ele defendia. A Igreja avalizava há séculos o sistema
geocêntrico de Ptolomeu, e com base nisso ensinava que o Sol e todos os demais astros visíveis
orbitavam a Terra. O movimento do Sol em torno da Terra era para ela biblicamente inequívoco: “[O
Sol] principia numa extremidade dos céus, e até a outra vai o seu percurso” (Sl19:6). Por conseguinte,
nosso planeta era o centro de tudo quanto foi criado e a Terra o astro mais importante de todo o
Universo. É interessante observar que o conceito astronômico-eclesiástico então vigente, de absoluta
supremacia terrena nos domínios cosmológico e religioso, continua imperando até os dias de hoje, pois
não são poucos os que acreditam que a vida surgiu apenas aqui na Terra…
A comissão encarregada do julgamento de Galileu se pronunciou nos seguintes termos: “A
doutrina de que a Terra não é o centro do Universo e nem é imóvel, e que se move, até mesmo por
rotação diária, é filosoficamente absurda e teologicamente falsa.” Acreditava-se que se a Terra de fato
girasse em seu eixo, os pássaros seriam atirados para fora do planeta, as nuvens ficariam para trás e as
construções desmoronariam. Em termos teológicos, a teoria de Galileu foi condenada porque não se
ajustava às evidências bíblicas do movimento do Sol em torno da Terra, em especial à sua espetacular
freada sobre a cidade de Gibeom: “o Sol se deteve no meio do céu, em Gibeom, e não se apressou a
pôr-se, quase um dia inteiro” (Js10:12-13).
Galileu acabou se retratando, mas nunca se conformou com isso no íntimo, como ficou
demonstrado nesse desabafo dirigido por carta a uma amiga: “Poderá ser herética uma opinião que
nada tem a ver com a salvação da alma? Ou acaso se poderá dizer que o Espírito Santo não quis nos
ensinar verdades que são necessárias à nossa salvação? O Espírito Santo pretende nos ensinar como se
vai ao céu, e não como vai o céu.” Diz a lenda que, logo após abjurar de suas convicções, por meio de
uma extensa fórmula de retratação estabelecida pelo tribunal, o grande astrônomo teria sussurrado:
“Eppur si muove” – “Contudo, se move”, aludindo ao movimento da Terra em torno do Sol, que ele
sabia existir.
A condenação de Galileu deixou seqüelas em muitos campos. O grande filósofo e matemático
francês René Descartes (1596 – 1650) chegou a iniciar um livro em que aceitava as idéias de
Copérnico (1473 – 1543), mas quando soube que Galileu havia sido condenado por defender as
mesmas idéias, Descartes, educado pelos jesuítas, prontamente abandonou o trabalho.
O próprio Copérnico, sabedor que suas teorias seriam consideradas heréticas, hesitou bastante
em publicá-las. Até tentou se garantir a priori, dedicando sua obra ao papa Paulo III, mas sem sucesso.
Seu livro só foi retirado do Index de livros proibidos pela Igreja no ano de 1835, e mesmo assim a
desconfiança permaneceu. Quando, em 1839, uma estátua em sua homenagem foi inaugurada em
Varsóvia, sua cidade natal, nenhum padre quis oficiar o evento, pois todos sabiam que o herege
Galileu havia se apoiado nas idéias de Copérnico. Galileu só foi reabilitado pela Igreja em fins do
século XX.
No entanto, no início desse mesmo século XX, mais precisamente no ano de 1909, a Pontifícia
Comissão Bíblica do Vaticano, criada por Leão XIII em 1902, defendeu enfaticamente o “sentido
literal-histórico” do trecho referente à Criação do mundo e do ser humano conforme estabelecido no
Gênesis (cf. Gn1-3), propondo para designá-lo as expressões: “índole e forma histórica” e “narração de
fatos realmente acontecidos”.
Todos os que fazem uso ou aceitam concepções assim tão limitadas dos textos das Escrituras
fecham para si mesmos reconhecimentos mais elevados, que poderiam obter caso encarassem a Bíblia
como um livro essencialmente espiritual, que trata de assuntos espirituais. Muitos dos esclarecimentos
ali contidos simplesmente não podem ser tomados ao pé da letra, visto serem apresentados sob a forma
de alegorias e metáforas, como explicações de fenômenos de natureza espiritual. Também fala
indiretamente a favor disso as muitas falhas históricas dos livros bíblicos, indicando que o foco do
leitor precisa estar voltado para o lado oposto, o dos ensinamentos espirituais, que só podem ser
assimilados pela intuição. Tentativas de interpretação literal de metáforas de cunho espiritual não são
mais do que meros exercícios de raciocínio, algo impossível de se obter êxito. O raciocínio não tem
capacidade para alcançar o que se situa acima do terrenal em suas análises, visto que ele próprio é um

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produto do cérebro material. Por isso, comprime tudo quanto se depara em concepções por demais
estreitas, irremediavelmente circunscritas ao âmbito do espaço e tempo terrenais.
O segundo grande erro nas interpretações bíblicas é considerar todos os textos como divinamente
inspirados, portanto infalíveis em tudo, isentos de erros. Essa concepção, dita ortodoxa, não leva em
conta as evidências de múltiplas alterações, supressões e acréscimos nos textos bíblicos, sem contar as
falhas inerentes às traduções. Para todos os intérpretes bíblicos e adeptos que não atentarem a esses
dois erros básicos, a Bíblia permanecerá para sempre um livro “fechado com sete selos” (Ap5:1).
Disso não fazem parte as inconsistências numéricas e de nomenclatura, que são realmente
muitas, porque se trata de dados meramente marginais, minúcias sem nenhuma importância para o
espírito humano. O problema só se torna grave quando essas e outras incoerências são atribuídas à
Vontade do Onipotente. Essa última advertência é especialmente relevante para os textos do Antigo
Testamento, onde freqüentemente vemos a imagem do Criador como um Ser irascível, temperamental,
violento e ciumento, e ainda pessoalmente interessado nas inúmeras desavenças e guerras dos povos
antigos de uma determinada e bem diminuta região da Terra.
São relatos desconcertantes, como o de que o Senhor teria colocado Abraão à prova, pedindo que
imolasse seu amado filho Isaac, oferecendo-o em holocausto a Ele, o Todo-Poderoso (cf. Gn22:1,2).
Ou quando o Senhor diz que vai endurecer o coração do faraó para ele não deixar o povo sair do Egito
(cf. Ex4:21), e logo depois o castiga por ter um coração duro. Ou o ocorrido com o jovem Uzá, que
apenas por ter tentado segurar a Arca da Aliança transportada num carro novo, para evitar que
tombasse porque os bois haviam tropeçado, foi impiedosamente fulminado pelo Senhor (cf. 2Sm6:2-
7). Ou ainda o caso do homem flagrado apanhando lenha em dia de sábado, que o Senhor condena a
morrer apedrejado por toda a comunidade (cf. Nm15:32-36). Ou, então, o desapiedado envio de leões
por parte do Senhor para matar samaritanos (cf. 2Rs17:25), acrescido das felicitações a quem se
dispusesse a esmagar recém-nascidos contra uma rocha (cf. Sl137:9), selvageria de praxe naquela
época para evocar simbolicamente o extermínio de um povo em suas próprias raízes. Isso tudo, depois
de sermos informados que o Senhor mandara um “espírito maligno” atormentar Saul (cf. 1Sm16:14), e
que ordenara ao profeta Ezequiel ficar deitado de lado por 390 dias para carregar a culpa de Israel
(cf. Ez4:4,5).
Há também o episódio envolvendo os dois filhos de Aarão, Nadab e Abihu, sumariamente
consumidos por um fogo enviado pelo Senhor, pelo crime de Lhe haverem oferecido um incenso não
autorizado. (cf. Lv10:1,2). Os dois filhos do sumo sacerdote Aarão pagaram com a vida essa pequena
falta, mas o próprio Aarão, artífice intelectual e material do bezerro de ouro, portanto do primeiro ato
de idolatria do povo eleito, não sofreu nenhuma punição, sequer uma reprimenda. Pelo contrário.
Continuou recebendo todas as deferências inerentes a seu elevado cargo, e o livro de Eclesiástico
afirma até que o Senhor “aumentou ainda mais a glória de Aarão, atribuindo-lhe uma herança e
partilhando com ele as primícias dos frutos da terra” (Eclo45:25).
Será que essas narrativas não dão o que pensar aos leitores da Bíblia, em particular os do Antigo
Testamento? Como podem aceitar semelhantes arbitrariedades? Como podem supor que tais coisas
tenham sido escritas sob orientação do Espírito Santo? Não seria tudo isso antes a prova,
ofuscantemente clara, de que tais passagens não podem constituir, nem de longe, uma autêntica
Palavra de Deus?... É incrível que possam ler impassíveis, sem nenhuma reação, essa outra declaração
atribuída ao Senhor do Universo sobre as leis que dera a Seu povo eleito: “Eu mesmo lhes dei leis que
não eram boas e costumes que não fazem viver” (Ez20:25). Ou, então, supor que Ele mesmo tenha
criado as trevas e o mal: “Eu formo a Luz e crio as trevas, faço a paz e crio o mal. Eu, o Senhor, faço
todas estas coisas” (Is45:7). Já quero avisar aqui que essa última frase não é do profeta Isaías, mas sim
de um impostor, de quem falaremos no segundo volume dessa obra.
E o que dizer das imagens antropomórficas (características físicas humanas) e antropopáticas
(características sentimentais humanas) que representam o Todo-Poderoso nos relatos bíblicos?
A maior parte delas são blasfêmias inomináveis. O patriarca Jacó se envolve numa luta pessoal com
Ele, corpo a corpo, do tipo briga de rua com pontapé na coxa, em que os dois pelejam a noite inteira
até o alvorecer e… Jacó vence! (cf. Gn32:22-28). Nos primeiros livros da Bíblia, o Criador de Todos
os Mundos é apresentado como um truculento marechal-de-campo de Israel, instalado numa barraca de
campanha próxima ao acampamento, dando ordens militares a toda hora e mandando passar “a fio de

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espada” os povos subjugados (cf. por exemplo Dt20:13; Js6:21), e cuja ira só é aplacada com
sacrifícios de animais inocentes, holocaustos esses designados de “coisa santíssima” (Lv6:18). Nos
relatos dos combates de Israel faz-se menção até a um inacreditável “Livro das Guerras do Senhor”
(Nm21:14), que afortunadamente se perdeu, senão seria mais um texto a nos despejar registros
sangrentos, como se deduz dessas pequenas amostras, criminosamente atribuídas ao Senhor dos
Mundos: “Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: cada um ponha a sua espada sobre a coxa; e passai e
tornai pelo arraial de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, e cada um a seu amigo, e cada um a
seu próximo” (Ex32:27); “Ouve, pois, agora a voz das palavras do Senhor: (...) Vai, pois, agora [Saul],
e combate Amaleq. Não lhe pouparás nada. Matarás homens e mulheres, crianças e recém-nascidos, e
também bois, ovelhas, camelos e jumentos” (1Sm15:1,3); “Eu [o Senhor] os ataco como uma ursa
despojada de seus filhotes, rasgo-lhes o peito e aí os devoro como uma leoa” (Os13:8).
Tais crueldades serviram de justificativa para muitas futuras guerras religiosas, mas não podem
fazer nenhum sentido para quem deixa falar sua intuição espiritual e procura refletir por si mesmo
sobre tudo, a fim de chegar às próprias conclusões.
Muitos povos antigos acreditavam que, numa guerra, não era o exército mais forte que vencia, e
sim o respectivo deus que velava por aquela nação. Daí essa concepção ter sido transposta para o povo
de Israel, de quem o próprio Senhor do Universo seria então o guardião exclusivo. É incrível, mas o
conceito é esse mesmo. Podemos confirmar isso pela versão contrária, elaborada pelos inimigos do
Estado hebreu. O rei Mesa, do país Moabe, deixou registrada numa estela chamada “Pedra Moabita”
uma homenagem ao seu deus Camos, porque “me propiciou a vitória sobre todos os meus inimigos”.
Diz ele na gravação que outrora Israel havia subjugado Moabe porque o deus Camos estava irritado
com o país, mas que depois Camos lhe explicou como vencer Israel. Moabe conta como matou sete
mil israelitas e levou os objetos pertencentes ao Deus de Israel como oferendas a Camos. Quando era
Israel que vencia os inimigos a estória era a mesma, com a diferença de que seus triunfos no campo de
batalha ficaram registrados na Bíblia, como tendo sido proporcionados pelo Todo-Poderoso Criador.
Que semelhantes absurdos estejam presentes na Bíblia, não é surpresa para quem chega a
conhecer o nível de adulterações e inserções nela praticadas ao longo dos séculos. Mas que tantas
pessoas, nos dias de hoje, ainda possam aceitar credulamente esses textos fantásticos, sem nenhum
questionamento, é simplesmente desalentador.
Não vamos aqui nem comentar as conotações grosseiras de cunho sexual, verdadeiramente
constrangedoras, que se vê em vários trechos dos livros bíblicos. É compreensível que não se
encontrem muitas abordagens e estudos sobre essas passagens, pois são por demais embaraçosas. Mas,
como de fato não acrescentam mesmo nada a ninguém, também nós podemos passar muito bem sem
elas. Basta-nos essa exortação paulina: “A Vontade de Deus é que vos afasteis da imoralidade sexual”
(1Ts4:3).
Uma pessoa de espírito vivo e intuição aguçada jamais se deixará iludir por estórias desse tipo,
por ditos fantasiosos, absurdos, criados por mentes tão fanáticas quanto tolhidas, que desconheciam
por completo as leis que governam a Criação. Muito pelo contrário. Uma tal pessoa procurará discernir
nos textos bíblicos, com o máximo cuidado e rigor, aquilo que permaneceu puro na transcrição da
Vontade do Senhor aos antigos profetas, transmitida por elevados guias espirituais, e o que foi
simplesmente inserido, deformado e torcido por mãos humanas. Ficará com o primeiro conjunto e
rejeitará o segundo, sem pestanejar.
É um falso dilema imaginar que ou se deve aceitar tudo como está na Bíblia ou é preciso rejeitá-
la integralmente. Rejeitar a Bíblia por inteiro é jogar fora a criança dos ensinamentos profundos
juntamente com a água do banho das interpolações espúrias. Como em muitas outras situações
relevantes da vida, também aqui a posição certa é a intermediária. Deve prevalecer como guia o
caminho do meio, onde tomamos o que é certo e repelimos o que é errado, tal como o apóstolo Paulo
ensinou aos Tessalonicenses: “Examinai tudo e guardai o que for bom” (1Ts5:21).
Vamos, pois, examinar tudo! Vamos guardar o que for bom de verdade! Façamos como os
cidadãos de Beréia, que “a cada dia examinavam as Escrituras para ver se tudo era assim mesmo”
(At17:11). Nesse áureo caminho do meio teremos possibilidade de encontrar ricos veios, onde se
acham encravadas pepitas preciosas, apenas aguardando o diligente trabalho de escavação para serem
colhidas e aproveitadas. Basta retirar o entulho que as encobre. Procedendo assim em relação aos

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textos bíblicos, estaremos cumprindo da maneira mais natural essa outra exortação de Paulo, desta vez
dirigida aos Efésios: “Discerni o que agrada ao Senhor, e não tomeis parte nas obras estéreis das
trevas” (Ef5:10). A Bíblia é um manancial de belos ensinamentos, desde que corretamente
interpretados e aplicados, limpados de todas as falsas inserções.
Alguém vai logo dizer que “toda Escritura é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir,
para educar conforme a Justiça” (2Tm3:16). Sim, pura verdade, mas somente aquilo que pode ser
chamado de Escritura, proveniente de legítima inspiração espiritual, que na seqüência do estudo
pessoal nos torna de fato “capacitado e bem preparado para toda boa obra” (2Tm3:17). Tão-só esse
tipo de Escritura é realmente útil, belo e proveitoso para os seres humanos! Não o restante, não os
vários erros inseridos na Bíblia, os quais não se originam de nenhuma inspiração, mas tão-somente do
raciocínio torcido de fanáticos religiosos de séculos passados. Em relação a essas invenções místicas e
interpretações torcidas daí decorrentes, temos de cumprir mais essa outra exortação de Paulo: “Rejeita,
porém, as fábulas mundanas e estórias de gente caduca” (1Tm4:7). Vamos, pois, andar com nossas
próprias pernas, vamos deixar de lado fábulas mundanas e estórias caquéticas de gente caduca.
Todas as narrativas em que o onipotente Criador aparece como um Ser vingativo, perverso,
rancoroso, têm de ser rejeitadas integralmente, pois Ele é a própria Perfeição, a própria Justiça viva, o
Amor eterno. Como, então, o Senhor Deus, imutável de eternidade em eternidade em Sua perfeição
absoluta, poderia mudar tanto de personalidade ao passar do Antigo para o Novo Testamento?… Que
todas as imagens contrárias à Justiça perfeita e à sublime misericórdia do Todo-Poderoso são apenas
falsificações humanas, mentiras pura e simplesmente, já fica patente nessa declaração do próprio Filho
de Deus a respeito do Pai: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lc6:36).
Misericordioso Ele é, era e sempre será. Nunca injusto.
E que a Vontade do Senhor era transmitida indiretamente, através de elevados seres para isso
encarregados, pode ser reconhecido pelas fórmulas recorrentes (mais de 350 vezes nos livros
proféticos) do tipo: “Assim diz o Senhor:…”, ou: “A Palavra do Senhor veio a [nome do profeta]”, por
vezes seguida ainda de uma explicação: “A Palavra do Senhor veio a ele numa visão” (Gn15:1).
Segundo o apóstolo Pedro, esses antigos profetas foram “homens que falaram da parte de Deus”
(2Pe1:21)2. Os textos apocalípticos são ainda mais claros a respeito, pois são tipicamente transmitidos
ao vidente por um anjo ou outra personalidade, que esclarece o significado das imagens. Só nesse
sentido se pode, portanto, falar de uma Palavra indiretamente inspirada, e apenas em relação àquilo
que realmente permaneceu puro na Bíblia. Como diz a escritora Roselis von Sass, é uma arrogância
incompreensível pensar que o onipotente Deus pudesse se aproximar de uma insignificante criatura
humana…
Mas voltemos à questão da vinda de Jesus. Será que houve uma razão específica para Deus-Pai
ter enviado Seu Filho à Terra naquele momento preciso da história humana? Para responder a essa
pergunta, bem como às demais levantadas anteriormente, temos de retroceder até a origem
propriamente do ser humano.
A história descrita no Gênesis são quadros de acontecimentos espirituais, indicativos da
formação e desenvolvimento do gênero humano. Não podem, portanto, ser interpretados ao pé da letra,
esmiuçados numa seqüência temporal segundo nossos sentidos de espaço e tempo. Afinal, não é tão
desconhecido assim que o Paraíso descrito na Bíblia é uma região espiritual. Essa região, e ainda
outras mais elevadas, foram aquelas propriamente criadas pelo Todo-Poderoso, “Aquele que constrói
nos céus Suas altas moradas” (Am9:6). Só bem depois é que surgiram os diversos outros planos da
Criação, em sentido descendente, dentre os quais se encontra o Universo material a nós visível com a
nossa pequena Terra. O conjunto de todos os planos da imensa obra da Criação constitui as “muitas
moradas da Casa do Pai” (Jo14:2), onde vivem e atuam criaturas segundo sua espécie e grau de
desenvolvimento. A indicação de que a Luz surgiu antes do Sol (cf. Gn1:3,16) não é, pois, nenhum
enigma como aparenta, pois essa Luz constituiu o irromper das irradiações criadoras, em sentido

2
O termo “profeta” se origina do grego profanai, que significa literalmente “falar em nome de alguém”, portanto não
necessariamente sobre acontecimentos futuros. Em hebraico o termo é nabí, tal como aparece em Ezequiel por exemplo:
“Saberão que existe um nabí no meio deles” (Ez2:5). A raiz desse termo nabí tem o sentido de “convocar”, “chamar”, de
modo que, no Antigo Testamento, o profeta se apresentava e atuava no meio do povo como um convocado pelo Alto. Por
conseguinte, não era um trabalho que pudesse ser exercido por vocação pessoal, mas sim por convocação de cima.
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amplo, de onde se originou toda a imensa obra da Criação, e da qual a materialidade com seus astros
perfazem apenas a última ramificação. A teoria da criação do mundo através do “Big Bang” é correta
em si. Contudo, esse evento nada mais foi do que o último e mais fraco efeito da grande sentença
“Faça-se a Luz!” (Gn1:3), que deu origem aos vários planos da Criação em ordem descendente e, por
fim, fez surgir também os mais distantes e densos mundos: os da matéria fina e grosseira. Aqui, na
materialidade, nós “apenas ouvimos um pequeno eco de Sua Palavra” (Jó26:14), a qual já criara antes
os planos espiritual e enteal3.
O livro do Gênesis alude ao surgimento de planos supraterrenos com a indicação de que o
Criador “separou as águas debaixo do firmamento das águas acima do firmamento” (Gn1:7). Essas
águas situadas “acima do firmamento” estão situadas além do universo material a nós visível, sendo
constituídas de uma espécie diferente. A palavra latina firmamentum designa o que é “firme”, visível e
perceptível, usada no Gênesis para descrever o mundo material. A expressão “mundo” significa a parte
material da Criação propriamente, tal como indicado no livro da Sabedoria, onde se diz que “a mão
todo-poderosa criou o mundo da matéria informe” (Sb11:17). Quando de seu retorno ao Pai, Jesus
disse: “Saí do Pai e vim ao mundo [matéria]; agora deixo o mundo e volto para o Pai” (Jo16:28).
Enquanto estava na Terra, Jesus naturalmente era “a Luz do mundo” (Jo8:12), mas ele mesmo avisou
expressamente: “Meu reino não é deste mundo” (Jo18:36).
Na verdade, o mundo material não foi propriamente criado pelas mãos do Todo-Poderoso, mas
apenas se desenvolveu posteriormente do verdadeiro plano criado por Ele, o reino espiritual. Por isso,
unicamente no “mundo”, isto é, na materialidade, podem existir pecado, culpa e expiação, decorrentes
da imperfeição inerente a este que é o degrau mais baixo da Criação. Essas coisas poderiam existir
aqui, mas não deveriam existir. O que aconteceu foi que “o pecado entrou no mundo, (…) e através do
pecado, a morte” (Rm5:12). A morte espiritual é conseqüência desse pecado que entrou no mundo,
num certo momento da história humana.
Além da materialidade, ou melhor, acima dela, existem vários outros planos ou “céus” de
espécies correspondentemente diferentes. Nas versões mais fidedignas do Gênesis lemos que “no
princípio, Deus criou os céus [plural] e a Terra” (Gn1:1). O apóstolo Paulo contou aos Coríntios ter
sido “arrebatado até o terceiro céu” (2Co12:2). Os livros apócrifos também mencionam vários “céus”
criados. Num desses textos, o patriarca Levi narra aos filhos uma visão na qual diz ter divisado água
entre o primeiro e o segundo céus. Outros relatos apócrifos dos tempos bíblicos falam de gente que
teria sido levada até o sétimo céu. De fato, há vários céus ou degraus acima da matéria grosseira,
dependendo de como são considerados. Na Grande Pirâmide do Egito, os cinco enormes blocos de
pedra sobre o teto da Sala do Juízo representam os “cinco degraus do Universo”, conforme esclarece
Roselis von Sass em seu livro A Grande Pirâmide Revela Seu Segredo. O texto denominado
Arcônticos afirma haver sete céus, cada qual com um governante, e que acima de todos se encontra
uma “Mãe Luminosa”... Essa Mãe Luminosa é a mesma “mulher vestida com o Sol” do Apocalipse
(cf. Ap12:1), de quem falaremos mais à frente.
A história da Criação descrita no Gênesis já era bem conhecida na Antiguidade, através de outras
cosmogonias paralelas muitos semelhantes entre si. Numa dessas, um documento egípcio, o ser divino
Ptah também faz surgir a Criação por meio de sua palavra e descansa em seguida. O deus egípcio
Knum e o babilônico Marduk modelam figuras de barro e lhes insuflam o sopro da vida. O texto
mesopotâmico denominado Épico de Atrakhasis apresenta a história da Criação praticamente tal como
a descrita no Gênesis, mas é pelo menos quinhentos anos mais antigo. O cerne de todas as narrativas é,
porém, sempre o mesmo: há o surgimento de uma Criação perfeita, vindo em seguida a queda do ser
humano, com suas graves conseqüências. O antigo livro hindu Rig-Veda, uma coletânea sobre a vida e
os poderes dos deuses, afirma que “todas as almas eram puras antes da queda”. A palavra Veda
significa “saber”. A história de uma época inicial de felicidade, antes do falhar da criatura ser humano,
não é portanto conservada apenas na Bíblia, mas subsistiu em diversas tradições, como demonstrado a
seguir (citado do Manual Bíblico de Halley):

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Sobre os seres oriundos desse plano da Criação, ver O Livro do Juízo Final, de Roselis von Sass.
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• Tradição persa: “Nossos primeiros pais, inocentes, virtuosos e felizes, habitavam um jardim onde havia
uma árvore da imortalidade, até o momento em que surgiu, em forma de serpente, um espírito
maligno.”

• Tradição hindu: “Na primeira era, as pessoas estavam isentas do mal e das enfermidades, possuíam
tudo o que desejavam e tinham vida longa.”

• Tradição grega: “As primeiras pessoas, na idade áurea, viviam livres do mal e das aflições, desfrutando
a comunhão com os deuses.”

• Tradição chinesa, mongólica e tibetana: “Houve uma era feliz, em que as pessoas tinham alimentos
com fartura e viviam cercadas de animais mansos.”

• Tradição germânica: “A raça original desfrutava uma vida de festividades perpétuas.”


Alguns mitos africanos apresentam quadros parecidos. Num deles, o Criador pune a
desobediência da mulher retirando-se das proximidades dela. Diz o mito: “Ele desapareceu para além
do lago. Depois, ninguém mais O ouviu. E com Deus desapareceram também a felicidade e a paz;
os frutos, a caça e todos os alimentos que antes se ofereciam espontaneamente, tudo se fez raro; mais
ainda, a morte fez sua entrada, além de outras misérias.” Contos populares do Oriente Médio falam
que o homem tivera certa vez a imortalidade a seu alcance, mas que a perdeu por se deixar seduzir e
amedrontar por deidades maléficas.
O livro do Gênesis também mostra que no início tudo se desenvolvia maravilhosamente no
conjunto da obra da Criação, conforme previsto na Vontade do Onipotente. A certa altura, porém,
surge uma ruptura naquela ordem perfeita, quando uma de Suas criaturas faz algo contrário à Vontade
Dele, instigada pela serpente. O casal humano dá ouvidos a uma outra voz que não a da sua intuição,
sucumbe à tentação e, de livre vontade, contraria um mandamento do seu Senhor, isto é, peca.
O quadro espiritual mostra bem nitidamente o falhar da criatura “ser humano”, num determinado
momento do seu desenvolvimento.
Vejamos o que esse quadro espiritual indica no curso da evolução do ser humano na Criação.
Quando Deus fez surgir a Criação deixou impressas nela, na forma de leis inflexíveis, as marcas
de Sua Vontade, à qual todo o conjunto da Criação teria de obedecer: “Por Sua Palavra o Senhor fez
Suas obras e a Criação obedece à Sua Vontade” (Eclo42:15). Essas leis inseridas na Criação, que
trazem em si a Sua Vontade perfeita, sustentam toda a obra, de modo que esta se desenvolve
autonomamente, dentro das diretrizes estabelecidas por essa Vontade. São leis inexoráveis, das quais
ninguém pode fugir: “Ele deu uma ordem e tudo foi criado; Ele fixou tudo pelos séculos sem fim e
estabeleceu leis a que não se pode fugir!” (Sl148:5,6). São leis perenes, perfeitas, que dão testemunho
da própria perfeição do Legislador, e que por isso jamais admitem a mínima alteração.
Foi por essa razão também que Jesus disse ter vindo “cumprir, e não revogar a Lei” (Mt5:17).
Ele se referia ao conjunto de leis instituídas por seu Pai na Criação, as quais jamais iria querer
derrogar, e das quais a fundamental Lei de Retorno ou da Reciprocidade já fora magistralmente
incrustada nos livros de Levítico e de Tobias, na forma de mandamentos: “Não te vingarás nem
guardarás rancor aos filhos do teu povo, mas amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv19:18)4;
“Não faças a ninguém o que não queres que te façam” (Tb4:15).
Oriundo da Criação e, portanto, como tudo o mais, também sujeito a essas mesmas leis
inflexíveis, surgiu outrora o ser humano nesta Terra. Também ele se desenvolvia esplendidamente no
início dos tempos. Como criatura puramente intuitiva, obedecia incondicionalmente às leis existentes,
cumprindo assim automaticamente a Vontade do seu Criador. Os seres humanos dos tempos
primordiais assemelhavam-se realmente a “boas sementes, semeadas pelo Filho do Homem”
(Mt13:37), as quais germinavam, cresciam e produziam frutos abundantes, porque estavam totalmente
integradas às leis da Criação.

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Lamentavelmente, esse mesmo livro de Levítico fala também da necessidade de sacrifícios e holocaustos de animais,
como se fossem agradáveis ao Senhor. Voltarei ao assunto no segundo volume desta obra.
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Assim passaram-se milhares, centenas de milhares de anos.5 Tudo se desenvolvia com perfeição.
O ser humano daquelas eras longínquas ainda era uma peça útil na engrenagem perfeita do Universo.
O livro do Gênesis diz que, ao concluir Sua obra, o Criador “viu tudo quanto havia feito e achou que
era muito bom” (Gn1:31). Tudo era muito bom, inclusive o ser humano: “Deus fez reto o ser humano”
(Ecl7:29). O mal ainda era desconhecido na obra da Criação.
Chegou então o tempo previsto no curso do desenvolvimento em que o ser humano deveria ter o
intelecto despertado, o raciocínio até então inativo. Com a ajuda de seu raciocínio ele deveria tornar
mais bela e produtiva sua vida na Terra. Deveria mostrar-se como um administrador leal do
maravilhoso mundo a ele presenteado, digno da grande confiança nele depositada; um administrador
que “governasse o mundo com piedade e justiça” (Sb9:3). Deveria cuidar para que por ocasião da
colheita futura tivesse produzido os mais belos e suculentos frutos. Isso é o que se esperava dele,
conforme indica o início da parábola dos lavradores maus:
“Havia um homem, dono de casa, que plantou uma vinha. Cercou-a de uma sebe, construiu nela
um lagar, edificou-lhe uma torre e arrendou-a a uns lavradores. Depois se ausentou do país. Ao
tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe tocavam.”
(Mt21:33,34; Mc12:1,2; Lc20:9,10)
Para ajudar os seres humanos a cuidar corretamente dos frutos por eles produzidos aqui na Terra,
agora que seu intelecto fora despertado, o Senhor enviou-lhes um auxiliador. Esse auxiliador era
Lúcifer, oriundo de uma região muito acima do Paraíso.
Lúcifer, cujo nome significa “o portador da luz”, deveria ser para a humanidade que se
desenvolvia na matéria o que um jardineiro amoroso é para um canteiro de flores. Deveria ajudá-la a
utilizar o intelecto como um adubo eficaz para o pleno desenvolvimento dos frutos gerados pelo
espírito. Ocorre, porém, que ele optou por seguir numa outra direção. Preferiu fazer uso de um método
diferente, todo seu – contrário à Vontade do Criador – para execução de sua missão nas materialidades.
Ao invés de auxiliar com amor, conforme era sua incumbência, Lúcifer preferiu tentar. Com isso ele
queria testar, a seu modo, as sementes de que fora encarregado de cuidar, de maneira que aquelas que
se desenvolvessem de forma errada acabariam por ser destruídas um dia, num determinado estágio de
sua evolução. É ele, portanto, “o inimigo que semeia joio na sementeira do Filho do Homem”
(Mt13:25).
Aos seres humanos Lúcifer, que devido ao seu método de atuação se tornara “mentiroso e pai da
mentira” (Jo8:44), apresentou o raciocínio, que deveria ser um mero adubo para o plantio das
faculdades espirituais, como já sendo o mais precioso fruto que lhes era dado cultivar em toda a
existência. Para fazê-los esquecer de que se originaram do reino espiritual, na Luz, apontou-lhes a luz
de seu próprio intelecto. Essa situação é indicada alegoricamente no Gênesis com a imagem da
serpente incitando o casal humano a experimentar o “fruto da árvore do conhecimento” (cf. Gn3:1-6).
E, de fato, ao provar do fruto da árvore do conhecimento o ser humano se inebriou. E julgou ser
poderoso, grande, forte. Nada lhe parecia impossível com as capacitações recém-adquiridas do seu
intelecto. Desse modo o raciocínio, que deveria ser propriamente apenas um instrumento do espírito,
passou a dirigir o destino dos seres humanos. Este foi o assim chamado pecado original, que acabou
desencadeando todos os demais. Tal pecado consistiu em elevar o raciocínio, que deveria permanecer
um mero executor da vontade espiritual, à posição de dirigente reservada ao espírito.
A imagem bíblica disso é a do casal humano que sucumbe aos ditames da razão, a qual desperta
neles um sentimento de querer-saber-melhor que se coloca acima das disposições do seu Criador. Foi a
mulher a primeira a ser seduzida pelo fulgor dos frutos do raciocínio: “A mulher viu que seria bom
comer da árvore, pois era atraente aos olhos e desejável para dar entendimento” (Gn3:6). Assim,
devido à sua queda inicial, “a mulher está na origem do pecado” (Eclo25:24). Isso, porém, não reduz
em nada a culpa do homem, pois ao aceitar a fruta oferecida pela companheira ele mostrou que
concordava com o procedimento feminino de chamar a atenção sobre si, não mais devido a seus
elevados dotes espirituais, mas sim somente pelos seus atrativos corpóreos, tal como exigia o
raciocínio que passou a dominar. De nada lhe valeu tentar depois transferir a culpa para a mulher,

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A respeito dessa época, ver a obra Os Primeiros Seres Humanos, de Roselis von Sass.
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quando interrogado pelo Senhor: “A mulher que puseste ao meu lado, foi ela quem me deu do fruto da
árvore e eu comi” (Gn3:13).
A partir daí o raciocínio passou a ditar a conduta da raça humana. O pecado havia entrado no
mundo. O próprio espírito do ser humano não mais conseguia se fazer valer e, conseqüentemente, não
mais se desenvolvia. Ao contrário, atrofiava-se mais e mais em razão dessa inatividade forçada. Sua
voz, a intuição, tornava-se cada vez mais baixa, até virar um sussurro, que mal podia ser percebido.
Nada mais conseguia suplantar a força crescente do raciocínio, colocado num trono de soberano que
não lhe pertencia. E assim aconteceu que “toda a carne corrompeu seu caminho sobre a Terra”
(Gn6:12), e os malefícios gerados pelo cultivo unilateral do raciocínio se alastraram com velocidade
sinistra: “O Senhor viu que a maldade do homem se multiplicava na Terra; o dia todo seu coração não
fazia outra coisa senão conceber o mal” (Gn6:5).
Essa situação só poderia redundar num fim: a morte espiritual do ser humano, a condenação
eterna, que equivale a ter “o nome riscado do Livro da Vida” (cf. Ex32:33). No segundo volume deste
livro veremos que o nome indica a própria existência do indivíduo, de modo que ter o nome apagado
na Criação significa deixar de existir espiritualmente. É a essa morte espiritual que se refere a
advertência divina tão grave: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque,
no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn2:17).
Muitos estudiosos bíblicos ainda hoje se perguntam, espantados, como o Criador pôde ter
mentido aí, pois Adão e Eva comeram do fruto proibido e não morreram; assim, aparentemente, quem
disse a verdade foi a serpente: “É certo que não morrereis” (Gn3:4). Também há quem tente explicar
essa dificuldade dizendo que no início não estava previsto que o ser humano morresse terrenamente,
mas sim que viveria indefinidamente no Paraíso, o Jardim do Éden, o qual estaria localizado no
próprio planeta Terra, na região da Mesopotâmia, berço da Babilônia. Logo onde... A morte terrena só
teria entrado no mundo com a dentada de Eva na maçã. Não fosse isso, a raça humana teria continuado
a viver indefinidamente naquele local idílico, às margens dos rios Tigre e Eufrates, no atual Iraque,
enquanto animais e plantas continuariam a nascer e a morrer normalmente… Alguns mapas e tratados
medievais retificam essas coordenadas e colocam o Paraíso terrestre em regiões mais aprazíveis, como
o Azerbaijão e a Armênia... Quanto a Adão, tão sôfrego estava em pecar que acabou engasgando com
a fruta, o que deu origem ao “pomo (maçã) de Adão”, repassado por hereditariedade a todos os
descendentes do sexo masculino.
Parece-me desnecessário rebater conceitos assim tão pueris, por isso vamos nos ater à primeira
concepção e o conseqüente assombro dos que imaginam que o Criador não disse a verdade com aquela
advertência dirigida ao casal humano, de que acabariam por morrer se comessem do fruto proibido.
Como em tantas outras dúvidas, também essa decorre da falta de aprofundamento nos conceitos
bíblicos, que são essencialmente espirituais. O Criador não pronunciou nenhuma mentira, pois
evidentemente “Deus não é homem, para que minta” (Nm23:19), visto que Ele é a própria Verdade: “o
Senhor Deus é Verdade” (Jr10:10). E sendo Ele a Verdade, também o serão logicamente todas as Suas
palavras, como já bem sabia o rei Davi: “Só Tu és Deus, e as Tuas palavras são a própria Verdade”
(2Sm7:28). A metáfora bíblica não diz respeito à morte terrena absolutamente, e sim à morte espiritual.
Era essa morte espiritual que não estava prevista para a raça humana, pois “Deus não fez a morte, nem
se alegra na perdição dos vivos” (Sb1:13). A morte espiritual entrou no mundo por influência do
tentador, e atinge somente aqueles que lhe são submissos: “Foi por inveja do diabo que a morte entrou
no mundo, e experimentam-na os que são do seu partido” (Sb2:24). A filiação a esse partido diabólico
é compulsória para quem segue os preceitos de Lúcifer, e se mostra de maneira visível na alma do
condenado através de uma marca em sua testa.
A teologia tradicional, porém, irá rejeitar essa interpretação, por soar um tanto
desagradavelmente. Ninguém gosta de ouvir falar em morte, quanto mais de morte espiritual. Por isso,
já no século V, a Igreja tachou de heréticas as idéias cristalinas do bispo Juliano de Eclano, em seu
embate de mais de doze anos com o monge Aurélio Agostinho (354 – 430), doutor da Igreja e autor da
mortífera “doutrina da graça”, posteriormente ratificada pelo Concílio de Orange em 529. Além de se
ver derrotado pela sua Igreja, Juliano acabou excomungado, deposto e exilado ao se recusar a
subscrever os nove anátemas lançados pelo Concílio de Cartago contra outro grande teólogo da época,

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Pelágio (360 – 425), o qual ensinava que a salvação estava nas mãos do próprio ser humano. As trevas
nunca dormiram no ponto aqui na Terra, seu quartel-general.
Vale a pena descrever aqui sucintamente as doutrinas correntes naquele tempo, no início da
história cristã, antes de avançarmos. Pelágio afirmava que a salvação podia ser alcançada pela própria
pessoa, mediante escolha certa e esforço próprios. Isso se dava pelo exercício do livre-arbítrio, dom
dado por Deus ao ser humano e parte integrante de sua natureza. Pelágio dizia que o livre-arbítrio
adequadamente exercido produz a virtude, bem supremo devidamente seguido da recompensa, pois
cada um tem a prerrogativa de escolher entre o bem e o mal, e daí arcar com as conseqüências. Além
do livre-arbítrio, o Senhor dotara o ser humano de virtudes que jaziam escondidas, à espera de serem
trazidas à tona pelo próprio indivíduo, como o interessar-se pelo próximo. No entender de Pelágio, a
compaixão era “sentir a dor alheia como se fosse a sua própria”. Em relação ao pecado, ele asseverava
que a predisposição ou inclinação para o mal já era, em si mesma, resultado do pecado, e que o hábito
de pecar acabava por enfraquecer a vontade do ser humano e obscurecia seu pensamento. Também
sustentava que o pecado, sendo interno, não poderia ser transferido de uma pessoa à outra, algo que, a
seu ver, seria imoral. Se o mal pudesse ser herdado, dizia, então a bondade e a Justiça de Deus
estariam destruídas. “O homem não pode acusar o pecado original de responsável por suas fraquezas”,
asseverava ele. E insistia: “Tudo o que é bom e tudo o que é mal é feito por nós, não nasce conosco.”
Pelágio ainda pregava que o Criador não havia ordenado nada de impossível ao ser humano, e que a
fraqueza da carne era meramente um pretexto para não se fazer o bem, conforme prescrito pelo
Senhor. De Pelágio são também essas palavras:
“Ninguém conhece melhor a medida de nossa força do que Aquele que no-la
concedeu. Ninguém tem uma melhor compreensão do que está dentro de nossas forças do
que Aquele que nos dotou dos próprios recursos de nosso poder. Ele não desejou
determinar nada impossível, pois é justo.”
Doze séculos antes de Pelágio pronunciar essas palavras, o profeta Miquéias ensinava com o
mesmo sentido à sua gente:
“Já te foi revelado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor requer de ti: nada mais que praticares
a justiça, amares a lealdade e andares humildemente diante do teu Deus.”
(Mq6:8)
E o autor de Eclesiástico reiterava alguns séculos depois:
“Ele [o Senhor] conhece as obras do ser humano. Não mandou ninguém agir como ímpio e a
ninguém deu licença para pecar.”
(Eclo15:20,21)
Infelizmente, como com quase todas as coisas boas, também essa doutrina pura e verdadeira de
Pelágio, reminiscência dos verdadeiros ensinamentos de Cristo, foi considerada herética pela Igreja e
sumariamente rejeitada. Pelágio e seus ensinamentos foram condenados no Concílio de Éfeso, no ano
431. Ainda antes dessa condenação, em 416, dois sínodos no norte da África já haviam reprovado o
pelagianismo. Nessa época, o papa Inocêncio I recebeu uma carta de cinco bispos, dentre eles
Agostinho (que tinha Pelágio como “arrogante e rebelde”), relatando o resultado das sindicâncias
movidas contra Pelágio e seu discípulo Coelestius. Após ler a carta, o papa se pronunciou nos
seguintes termos: “Declaramos, em virtude de nossa autoridade apostólica, que Pelágio e Coelestius
estão excluídos da comunhão da Igreja, até que se libertem das armadilhas de Satanás.” Os prelados
africanos já haviam providenciado impor dentro do catolicismo, pela força se necessário, a teologia
desenvolvida por Agostinho. Como garantia adicional, os comandantes da cavalaria imperial na Itália
haviam recebido como suborno oitenta magníficos garanhões, criados em propriedades episcopais na
África.
Pelágio morreu na Palestina em 425; Coelestius e Juliano, expulsos da Igreja, rumaram para
Constantinopla em 429, onde foram calorosamente recebidos pelo patriarca Nestório, outro grande
lutador da Verdade dos tempos antigos, de quem voltarei a falar neste volume.

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São espíritos de vulto como esses que nos permitem vislumbrar como seria o nosso mundo se a
humanidade inteira não tivesse hospedado com tanto carinho as trevas em seu coração... Alguma coisa
de Pelágio ainda conseguiu sobreviver até a idade moderna, conservada por espíritos mais evoluídos e
não adormecidos. Deve-se atribuir o extraordinário impulso que a nação norte-americana
experimentou desde a sua fundação, nos campos moral e material, a certos conceitos pelagianos
inseridos na doutrina protestante dos primeiros colonizadores.
Contrapondo-se furiosamente a Pelágio, o qual afirmava que as pessoas são perfeitamente
capazes de não pecar, Agostinho estabeleceu um princípio diametralmente oposto: “non posse non
peccare” – é impossível não pecar. Por fim, coroando suas prédicas, Santo Agostinho mandava todos
atentarem à sua doutrina da dupla predestinação, segundo a qual os seres humanos já nascem
reservados ou para a morte eterna ou para a vida eterna, com a ressalva de que esses últimos só
poderão obter a salvação pela “graça divina”, onde nenhum empenho pessoal é exigido do agraciado.
Ao contrário dos muitos outros despautérios de Agostinho, este último sobreviveu incólume
através dos séculos, sendo aceito irrefletida e indistintamente por quase todos os cristãos até hoje, pois
vem ao encontro de sua crônica indolência espiritual, contribuindo para nutri-la permanentemente.
A concepção de uma “salvação gratuita” subsistiu garbosamente, e se configura na mais danosa, na
mais perigosa de todas as suas sandices, pois não é mais do que um salvo-conduto garantido para a
morte espiritual.
Assim como o herói Pelágio, Juliano também não concordava de maneira alguma com as idéias
de Agostinho, e mostrou-se indignado com seus ataques ao sexo e ao casamento. Não podia conceber,
explicou, que o ato necessário à reprodução fosse algo demoníaco, tendo de ser praticado sobre o véu
da vergonha. Juliano estava certo, claro. Se Agostinho tivesse se aprofundado na Bíblia, saberia da
Epístola aos Hebreus: “Digno de honra entre todos seja o matrimônio e imaculado o leito conjugal”
(Hb13:4), e se veria repreendido em suas idéias por Paulo: “Saiba cada um viver seu matrimônio com
santidade e honra” (1Ts4:4). Em relação a Adão, Juliano era de opinião que este havia prejudicado
exclusivamente a si próprio com sua queda no pecado. E, tal como Adão, os seres humanos não
precisariam pecar, pois têm a escolha voluntária. O próprio fato de o Criador ordenar à criatura
humana praticar o bem era a prova de que esta é capaz de agir assim. Em vista disso, Juliano apenas
rebateu serenamente o já afamado e futuro santo Agostinho: “A morte terrena não é nenhum castigo
pelo pecado de Adão, mas um processo natural, como o despertar do sexo e o nascimento de uma
criança – natural, necessário e universal para todas as espécies vivas. A morte espiritual é que se torna
assunto de escolha.”
Juliano estava absolutamente certo, mais uma vez. A morte espiritual é, sim, assunto de escolha
exclusivo do próprio indivíduo. Trata-se, porém, de um acontecimento tão pavoroso, que a Bíblia traz
inúmeras indicações e advertências a respeito, como essas: “Ela [a besta] seduz os habitantes da Terra
graças aos prodígios que lhe fora concedido realizar” (Ap13:14), mas os que “adoram a besta não têm
seus nomes inscritos no Livro da Vida” (Ap13:8). Os mortos são condenados quando é aberto o Livro
da Vida, pois o Livro mostra que seus nomes não estão lá (cf. Ap20:12): “Quem “não for achado
inscrito no Livro da Vida será lançado para dentro do lago de fogo” (Ap20:15): “esta é a segunda
morte, o lago de fogo” (Ap20:14).
A segunda morte sofrida por esses perdidos é, pois, a morte espiritual, a condenação eterna,
novamente nada tendo a ver com a morte terrena. A besta que seduz os seres humanos é o raciocínio
unilateralmente cultivado, contrário a tudo quanto se acha acima da matéria, portanto adversário do
espiritual, do divinal, e por conseguinte do próprio Deus. A humanidade inteira foi seduzida pela besta:
“E toda a Terra, maravilhada, seguiu a besta” (Ap13:3). É o mais perigoso e seguro instrumento nas
mãos de Lúcifer para a perdição da humanidade. Aqueles que, por fim, não quiserem ou não puderem
domar esse animal, serão implacavelmente destruídos por ele no tempo do Juízo Final, perecendo
espiritualmente. São esses então os condenados no Juízo, os que não quiseram atentar em tempo certo
à Palavra salvadora do Senhor, e que devido a isso sucumbiram sob o instrumento do tentador.
Era a essa morte espiritual que Jesus se referia quando redargüiu a alguns fariseus que
procuravam testá-lo: “Morrereis nos vossos pecados” (Jo8:24). Assim como os atuais intérpretes
racionalistas da Bíblia, aqueles fariseus de outrora também não entendiam que Jesus lhes advertia da
morte espiritual, e não da terrena, e achavam que ele estava com um demônio qualquer por afirmar em

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seguida que quem observasse sua Palavra não morreria. Jesus estava querendo dizer que quem
cumprisse sua Palavra jamais sofreria a morte espiritual. Os fariseus não entenderam, e pensaram que
ele se referia à morte terrena:
“Em verdade, em verdade vos digo: se alguém guardar a minha Palavra, nunca verá a morte.
Disseram-lhe então os judeus: Agora é que estamos certos de que tens demônio! Abraão morreu,
os profetas também, e tu dizes: ‘Se alguém observar a minha Palavra, nunca experimentará a
morte’? Porventura és tu maior que o nosso pai Abraão, que morreu? E os profetas morreram
também!”
(Jo8:51-53)
Somente aquele que guardar a Palavra de Jesus não verá a morte eterna… Essa morte eterna, ou
morte espiritual, é a desintegração do espírito humano, a total extinção de sua personalidade
consciente. Como o Criador é a Luz primordial, isso implica que a ruína eterna, a condenação,
significa na realidade estar permanentemente desligado dessa Luz, desprovido da consciência do
existir, ficando para todo o sempre apartado do Senhor: “Eles serão punidos com a ruína eterna, longe
da face do Senhor” (2Ts1:9). Esse é o terrível fim reservado a todos os que se deleitam com o fruto da
árvore do conhecimento, que fazem do raciocínio sua mais sublime divindade, visto que então nunca
mais lhes será facultado comer do “fruto da árvore da vida, reservado aos vencedores” (Ap2:7).
Os vencedores, por sua vez, são os outros. São aqueles seres humanos que se desenvolveram de
modo certo na Criação, ficando portanto livres da condenação ou segunda morte: “A segunda morte
não tem poder sobre eles” (Ap20:6); “o vencedor não será atingido pela segunda morte” (Ap2:11). São
eles os que foram “inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (Ap21:27), e que por isso se tornaram
capacitados a reingressar no Paraíso, onde poderão “viver eternamente” (Gn3:22). Por terem sido
vencedores do mal, foi-lhes assegurado que seus nomes permaneceriam registrados no Livro da Vida:
“Os vencedores, vestidos de vestiduras brancas, jamais terão seus nomes apagados do Livro da Vida”
(Ap3:5). São eles as ovelhas que assimilaram no íntimo a Palavra do pastor, e que por isso não
morrerão: as “ovelhas que ouvem a voz do pastor, e que jamais perecerão eternamente” (Jo10:27,28).
São todos os que, tal como a comissão dos setenta formada por Jesus (cf. Lc10:1), podiam “alegrar-se,
pois seus nomes estão arrolados nos céus” (Lc10:20).
Todos eles “seguiram a Lei” estritamente, isto é, pautaram suas vidas pelo conjunto das leis
eternas da Criação, a “Lei que subsiste para todo o sempre; todos aqueles que a seguem adquirirão a
vida, mas os que a abandonam morrerão” (Br4:1). Cada um desses vencedores, desses verdadeiros
fiéis que adquiriram a vida eterna, e que portanto jamais precisarão experimentar a decomposição na
morte espiritual, cada um deles é a prova viva da veracidade do testemunho de Davi ao Senhor: “Não
deixarás o Teu fiel experimentar a decomposição” (Sl16:10; At2:27). São eles os justos, cujas “almas
estão nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá” (Sb3:1), e que por conseguinte viverão
eternamente: “os justos viverão para sempre” (Sb5:15). Essa mesma promessa foi dada de modo
particular àquele escriba que interpretara corretamente as prescrições para se alcançar a vida eterna.
Disse-lhe Jesus na ocasião: “Respondestes corretamente; faze isto e viverás” (Lc10:28), ou seja: age
dessa maneira conforme estás dizendo e viverás eternamente. Séculos antes, o profeta Amós já tinha
exortado seu povo com palavras semelhantes, indicando como teriam de atuar para poderem angariar a
vida eterna: “Buscai o bem e não o mal, para que vivais!” (Am5:14).
É, portanto, exclusivamente a todos esses vencedores fiéis que assiste o direito à árvore da vida,
pois eles lavaram as suas vestes: “Felizes os que lavam as suas vestes, para terem direito à árvore da
vida” (Ap22:14). Observe-se que os espíritos humanos vencedores lavaram, eles mesmos, as suas
vestes, isto é, eles mesmos limparam suas almas da sujeira do pecado, pois a alma é propriamente a
veste do espírito, assim como o corpo terreno é a veste da alma. Em latim, alma é anima, palavra que
indica a vitalidade interna de uma pessoa, aquilo que efetivamente “anima” e incandesce o ser humano
terreno, ou, melhor dizendo, seu corpo de matéria grosseira.
A concepção de alma suja, aliás, já era bem conhecida na Antiguidade. No Primeiro Livro de
Macabeus, após a profanação do Templo de Jerusalém feita pelo rei sírio Antíoco IV Epífanes6, está

6
Antíoco significa antagonista, e Epífanes vem de epifania, porque esse rei acreditava ser a manifestação de Zeus na Terra.
Seus subalternos o chamavam de “Epímanes”, que significa “o louco”.
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dito que ele ordenara que os filhos da terra “se tornassem abomináveis” (1Mc1:48). No original
hebraico está literalmente: “que manchassem as suas almas”, algo muito mais grave para os hebreus
do que uma simples impureza física, e que demandaria a necessidade de a própria pessoa lavar-se
interiormente, isto é, purificar sua alma.
No Novo Testamento, também vemos como alguns Coríntios que viviam em pecado igualmente
se deram a esse trabalho indispensável de lavar suas próprias almas da imundície do pecado: “Tais
foram alguns de vós [pecadores], mas vós vos lavastes, (…) e fostes justificados em nome do Senhor
Jesus Cristo” (1Co6:11), asseverou o apóstolo Paulo. Aqueles Coríntios, portanto, só puderam ser
justificados porque eles mesmos lavaram suas almas do pecado. Em sua segunda carta a essa
comunidade, Paulo os exorta a prosseguirem nesse trabalho de purificação: “Caríssimos, purifiquemo-
nos de toda mancha do corpo e do espírito” (2Co7:1). Também o profeta Isaías já transmitira em sua
época essa ordem clara do Senhor, para que cada pecador se lavasse, ele mesmo, de suas faltas: “Lavai-
vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer
o bem!” (Is1:16,17).
Tão-somente os que passam a viver de acordo com a Palavra da Verdade do Senhor são capazes
de se limpar da sujeira do pecado, e desse modo portarem novamente “vestiduras brancas” (Ap7:13),
isto é, trazerem novamente purificadas as vestimentas de seus espíritos, ou seja, suas almas. Pois com
isso eles efetivamente as “alvejaram no sangue do Cordeiro” (Ap7:14), isto é, passaram a viver de
acordo com os ensinamentos de Jesus e assim limparam suas almas da sujeira do pecado. Jesus foi o
“Verbo tornado carne” (Jo1:14), que teve seu sangue derramado em prol da Verdade de sua
Mensagem. Note-se mais uma vez que foram eles mesmos que se lavaram de seus próprios pecados ao
viverem segundo a Palavra. Em outras palavras, “pela obediência à Verdade, purificaram suas almas”
(1Pe1:22).
Como vimos, o teólogo Juliano dizia que a morte terrena era um processo natural, e nisso estava
igualmente certo. A morte terrena nunca poderá inspirar nenhum terror em quem se esforça em agir de
acordo com a Vontade do Criador. Bem pelo contrário. O ser humano que em sua vida pensar na
morte, viverá de tal maneira que não precisará temê-la. Sabendo que encontrará do outro lado apenas o
resultado de sua atuação no lado de cá, ele simplesmente não pecará mais: “Em tudo o que fizeres
lembra-te de teu fim, e jamais pecarás” (Eclo7:40).
Mas vamos sair do desvio e retomar o fio da meada. Estávamos discorrendo sobre a inversão
contínua de valores entre espírito e raciocínio no início do desenvolvimento da raça humana,
conseqüência do pecado original, um fato denunciado por Jesus em sua época. A raça humana
começou a se inclinar para o mal pouco depois de ter o raciocínio despertado, numa época que
equivalia à juventude da humanidade: “A inclinação do coração do homem é má desde a sua
mocidade” (Gn8:21).
Desgraçadamente, essa situação insana foi se agravando cada vez mais com o tempo.
O raciocínio supercultivado, incapaz de reconhecer tudo quanto se acha além da materialidade, tornou-
se então para a humanidade da era moderna, em definitivo, “o anticristo, que nega o Pai e o Filho”
(1Jo2:22). Na época em que João escreveu sua primeira epístola, ele avisou que o anticristo já estava
no mundo: “Ouvistes dizer que o anticristo virá; pois bem, ele já está no mundo” (1Jo4:3). Esse
anticristo do raciocínio que já estava no mundo no tempo de João, e segundo Paulo já atuando: “o
mistério da iniqüidade já está em ação” (2Ts2:7), é aquele que se ergueria contra toda determinação
divina e que acabaria por chegar até os altares: “aquele que se ergue e se insurge contra tudo o que se
chama Deus ou se adora, a ponto de se assentar em pessoa no templo de Deus e proclamar-se deus”
(2Ts2:4).
Atrás do atuante anticristo raciocínio – o “deus deste mundo que cega o entendimento” (cf.
2Co4:4), encontra-se, porém, seu grande fomentador e instigador, o próprio Anticristo em pessoa:
Lúcifer. Para tanto, ele se vale do instrumento que disseminou entre a humanidade, o raciocínio
unilateralmente cultivado, que roubou o lugar do espírito. As três personagens das trevas retratadas no
livro do Apocalipse: o dragão, a besta e o falso profeta (cf. Ap16:13), representam respectivamente
Lúcifer, o raciocínio humano supercultivado, e os apologistas da crença falsa. O Apocalipse diz que “o
falso profeta fazia maravilhas a serviço da besta” (Ap19:20), à qual “o dragão deu-lhe a sua própria
força, o seu trono e grande poder” (Ap13:2). Os seres humanos tornaram-se com isso adoradores de

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Lúcifer e de seu instrumento, o raciocínio supercultivado: “E adoraram o dragão, porque havia dado
poder à besta, e adoraram a besta, dizendo: quem é comparável à besta, e quem pode combater contra
ela?” (Ap13:4); “E adoraram-na todos os habitantes da Terra, aqueles cujos nomes não estão inscritos,
desde o princípio do mundo, no Livro da Vida do Cordeiro” (Ap13:8). O falso profeta seduziu “todos
os que haviam recebido a marca da besta e adorado sua estátua” (Ap19:20). Essa última sentença
significa que a crença falsa se apoiaria exclusivamente no raciocínio, em conjecturas intelectivas, para
seduzir os seres humanos até o ponto de esses literalmente adorarem a besta raciocínio, e com isso
terem marcados na testa de suas almas o estigma dos espiritualmente mortos. Que nada pode vir de
bom dessas três personagens, fica claro no início da visão da sexta e penúltima taça da Ira de Deus que
é derramada sobre a Terra: “Então vi sair da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso
profeta três espíritos imundos semelhantes a rãs” (Ap16:13).
A figura do dragão é por excelência relacionada como o inimigo de Deus desde tempos
imemoriais. Essa imagem nada tem a ver com os animais alados de tempos passados, os dragões
voadores da época de Atlântida. O livro Atlântida – Princípio e Fim da Grande Tragédia, da escritora
Roselis von Sass, apresenta vários quadros de interação dos dragões voadores com os seres humanos,
há mais de dez mil anos... Porém, na época em que os livros bíblicos começaram a ser compostos, o
saber a respeito desses animais já se extinguira por completo, de modo que não causa surpresa ver as
menções a “dragão voador” que aparecem no livro de Isaías (cf. Is14:29; 30:6) com uma conotação
negativa. As muitas lendas e visões proféticas que utilizaram a imagem de um monstro para
personificar o mal dentro do mundo, acabaram sendo associadas a um dragão simplesmente, e a
imaginação humana cuidou de transformar aqueles animais maravilhosos em figuras horrendas.
Assim é que já no antigo mito grego de Perseu, aparece um reino devastado e oprimido por um
dragão, que exige sempre novas vítimas humanas, até ser morto pelo herói. Na literatura
mesopotâmica, o deus principal, Marduk, luta contra o terrível dragão Tiamat; arremessa contra ele os
“quatro ventos”, seus aliados, e por fim crava uma flecha no peito do monstro ofegante. Nos escritos
do Zoroastrismo aparece o dragão Azhi Dahaka, que usurpa o trono terrenal e causa “miséria, fome,
fome, luto, lamentação, calor e frio excessivos” no mundo, além de colocar demônios vivendo junto
aos seres humanos. O dragão é vencido por Atar, filho de Ahuramazda (o Criador), que o lança num
oceano profundo. Entre os hititas, povo de que se tem notícia há pelo menos três milênios antes de
Cristo, temos o relato do dragão Iluianka, emblema de todas as forças trevosas, o qual morre numa luta
contra o “Grande-deus”. Uma escultura hitita mostra o dragão, em forma de serpente, sendo ferido
pelo Grande-deus com uma lança, ao mesmo tempo em que este faz cair sobre o monstro raios em
grande quantidade. A imagem de um cavaleiro subjugando com a lança um monstro parecido com um
dragão, que a Igreja cuidou de transformar no seu “São Jorge” é, portanto, um quadro espiritual muito
antigo. Representa o Filho do Homem em luta pessoal contra o Anticristo Lúcifer. Uma vaga
recordação dessa luta aparece no livro de Isaías, onde se diz que “o Senhor matará o dragão” (cf.
Is27:1). “Matar” não é a expressão adequada, mas sim “neutralizar”, pois Lúcifer é eterno e encontra-
se atualmente manietado. Relatos paralelos vêm do antigo Egito, os quais mencionam uma deusa
prestes a dar à luz um menino e um dragão que procura arrebatá-lo. O dragão sabe o que lhe espera e
tenta impossibilitar o desenvolvimento do menino, que representa o Filho do Homem enquanto este
ainda está se preparando para sua missão. Narrativa semelhante aparece no livro do Apocalipse, onde
vemos que o “grande dragão de fogo com sete cabeças e dez chifres” (Ap12:3) também fracassa em
sua intenção de devorar um menino, “o filho varão que veio para governar todas as nações com cetro
de ferro” (Ap12:5), e que acabara de nascer da “mulher vestida com o Sol, tendo a Lua embaixo dos
pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap12:1). Essa mulher resplandecente não é a
“Virgem Maria”, nem tampouco representa a imagem do Antigo Testamento parindo o Novo, como
alguns supõem. Ela é a rainha primordial de toda a feminilidade, e encontra-se em altura
inimagináveis.
O Anticristo ergueu a cabeça ao máximo pouco antes do Juízo por meio de seus solícitos servos
terrenos, os seres humanos de raciocínio, para os quais a intuição não é mais do que uma megera
domada. Um dos sinais mais claros disso foi o advento da chamada religião natural e do Iluminismo,
ambos no século XVIII. A religião natural alegava que a “razão iluminada” era a fonte e a norma

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máximas para a fé cristã, enquanto que o Iluminismo rejeitava qualquer concepção que não pudesse ser
explicada em bases puramente racionais.
Os prosélitos dessa religião natural ensinavam que a razão humana em seu desenvolvimento
máximo era capaz de conduzir as pessoas à convicção acertada sobre Deus, sobre o sentido da
moralidade, a vida após a morte, etc. Para eles, Jesus fora o maior profeta de todos os tempos e só.
Sobre o Iluminismo, é muito irônico que tenha passado para a História com esse nome, pois tal
movimento deveria ser chamado com muito mais propriedade de “Obscurantismo”. Se por um lado se
opunha às superstições clericais, por outro enaltecia o raciocínio ao máximo, como único antídoto
contra todo tipo de fé. Os iluministas franceses chegaram a ponto de estabelecer um “culto à razão”, e
para tanto esculpiram uma estátua de uma mulher nua simbolizando o raciocínio humano divinizado: a
“deusa razão”. A catedral de Notre Dame, rebatizada de “Templo da Razão”, foi consagrada a essa
“deusa razão”, tendo sido ali devidamente entronizada. Durante o “Festival da Razão” foi construída
uma montanha cenográfica no interior da catedral, com um segundo templo no cume. Em alguns
lugares se desenvolveu até uma liturgia do raciocínio, uma celebração em que cientistas substituíam
sacerdotes e faziam experiências de laboratório no altar. Um dos arautos do Iluminismo louvava a
auto-satisfação humana, afirmando que o amor da humanidade substituía o Amor de Deus, de modo
que o comportamento dos homens não seria julgado futuramente pelo Criador, mas sim apenas pela
posteridade humana.
O raciocínio humano só pôde obter assim tamanho poder e influência sobre a humanidade,
chegando a ser literalmente adorado por ela, porque já fora cultivado e enaltecido durante milênios por
essa mesma humanidade, como sua mais excelsa divindade. Essa vitória incondicional do raciocínio
significou propriamente a derrota do espírito, as exéquias do ser humano espiritual. O alcance desse
triunfo em nossa época pode ser avaliado já pela aversão inconsciente de se tocar em temas espirituais.
A simples menção da palavra espírito hoje em dia já causa certo mal-estar na maioria das pessoas.
Basta que ouçam ou leiam essa palavra para seu raciocínio entrar imediatamente em ação, procurando
fazê-las acreditar que estão frente a algo não muito sério… A não ser que o conceito de espírito
apareça insidiosamente associado à sagacidade do raciocínio e outros atributos intelectuais ou físicos.
Nesse caso a estória é outra. Fala-se aí com indisfarçado orgulho de espírito superior, espírito
empreendedor, espírito vivo, espírito público, espírito esportivo, espírito de luta, presença de espírito,
espirituoso, etc. Sempre no sentido de enaltecer qualidades externas, nunca internas.
O mesmo efeito se observa com qualquer outro conceito extramaterial que o intelecto não pode
assimilar. Assuntos legitimamente espirituais não desencadeiam mais em nossa época sentimentos de
alegria e interesse, mas apenas de descaso e rejeição, provocados pelo próprio raciocínio, no seu
esforço em manter-se no trono usurpado. Significativamente, a palavra que em hebraico significa
raciocínio também é usada para conceituar astúcia e ardis maus...
Assim, o espírito encontra-se hoje subjugado, inativo, sem se fazer notar, sem poder fazer frente
à onipresente tirania do seu verdugo racionalista. O raciocínio humano sempre atacará com violência
qualquer perigo à sua hegemonia, qualquer ameaça ao domínio que exerce sobre o espírito
adormecido, como, por exemplo, uma interpretação bíblica que mostre justamente essa situação.
Este é, portanto, o retrato sem retoques do ser humano hodierno: o ente de espírito que se
envergonha de sua origem espiritual, o escravo do seu próprio raciocínio, a lânguida criatura, que
desprovida de qualquer vivacidade interior aceita apaticamente as mais grotescas mentiras religiosas e
as mais estapafúrdias fantasias místico-ocultistas. Se a humanidade tivesse se utilizado
proveitosamente da árvore do conhecimento, sem se “deleitar com seu fruto”, isto é, sem cultivar
unilateralmente o raciocínio, tendo ao mesmo tempo cuidado de regar o jardim de suas aptidões
espirituais, teríamos hoje um paraíso na Terra, pois “o fruto do espírito é amor, alegria, paz, paciência,
amabilidade, bondade, lealdade…” (Gl5:22). Como isso não aconteceu, temos de sobreviver num
mundo dilacerado pelo ódio, conspurcado pela cobiça, envenenado pela inveja e afundado na miséria.
É o mundo que o intelecto tem a oferecer, quando dissociado do espírito. O mundo de Caim. Um
mundo em que o raciocínio adquiriu tal supremacia sobre o espírito, que o matou literalmente. Que não
precisaria ser assim, fica patente nessa exortação do Senhor dirigida a Caim, pouco antes de este
assassinar Abel, movido pela inveja da posição elevada do irmão, como representante da atuação
espiritual humana: “O Senhor disse a Caim: ‘Por que estás zangado e com o rosto abatido? Se

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procederes bem, certamente voltarás a erguer o rosto” (Gn4:6). No entanto, Caim não procedeu bem;
matou Abel, e com isso o ser humano terreno nunca mais pôde erguer o rosto acima das coisas
puramente materiais. A supremacia do raciocínio sobre o espírito foi o primeiro e mais grave pecado
da humanidade, que gerou todos os demais.
O ser humano pôde pecar dessa forma porque dispõe do livre-arbítrio, e conscientemente utilizou
essa dádiva na direção errada, indicada pelos apaniguados luciferianos. Ele, de fato, podia pecar, mas
não devia pecar, pois sempre contou com numerosos auxílios, quase indescritíveis, ao longo de
milênios e milênios, para que trilhasse o caminho verdadeiro.
O livre-arbítrio é uma característica inerente ao espírito e necessária ao seu desenvolvimento:
“Desde o princípio Deus criou o ser humano e o entregou às mãos do seu arbítrio” (Eclo15:14). Por
meio dele o ser humano tem a possibilidade de tomar decisões próprias, e através dos efeitos
retroativos dessas decisões, isto é, “através da colheita do que foi semeado” (Gl6:7), amadurecer pela
vivência no reconhecimento do que é certo e do que é errado.
O desenvolvimento espiritual só se efetiva através de vivências, do saber adquirido pelas
vivências. Tal saber, bem entendido, não é o que se aprende em cursos de filosofia ou em escolas
ocultistas, mas sim o saber da vida, o saber de como viver em conformidade com as leis que regem a
Criação. Esse saber indelével não pode ser obtido por meio de rituais místico-religiosos nem por
ascetismo, mas pelo estreito convívio com o próximo, na azáfama do dia-a-dia. Tal saber adquirido
pela vivência cotidiana é capaz de moldar o caráter do ser humano, de lapidar seu íntimo no sentido do
aperfeiçoamento espiritual, que é o objetivo último da vida terrena: “O ferro com o ferro se aguça, e o
homem afina-se no contato com os outros” (Pv27:17).
Esse saber próprio, pessoal, adquirido através de vivências, passa a pertencer realmente ao
espírito humano, nada tendo a ver com o aprendizado obtido em escolas e universidades. Tudo quanto
é aprendido durante a vida não segue com a alma em sua jornada para o Além, mas cai para trás
juntamente com o corpo terreno: “Mal deixam de respirar, regressam ao pó da terra; nesse mesmo dia
acabam seus projetos” (Sl146:4). Somente aquilo que foi vivenciado torna-se propriedade da alma, que
a leva consigo para o outro lado. Os que só se preocupam em aprender e aprender, sem aproveitar
integralmente as vivências para um crescente reconhecimento da Verdade que jaz nas leis da Criação,
malbaratam seu tempo terreno; esses estão “sempre aprendendo, sem nunca chegar ao conhecimento
da Verdade” (2Tm3:7).
Só o que foi vivenciado é que se torna, portanto, um saber. É este saber legítimo que possuem os
verdadeiros sábios, e não os parcos conhecimentos humano-terrenais, quer sejam científicos ou
esotéricos. Não são ares doutorais nem semblantes de pretensa paz mística que fazem do diletante um
sábio.
A propósito, é interessante notar que o livro bíblico de Provérbios faz um contraste permanente
entre “sábio e insensato”, e não entre “sábio e ignorante”, mostrando com isso que dotes intelectuais e
conhecimento adquirido não tornam o erudito um sábio. Erudição não é sabedoria, segundo o livro de
Provérbios. A erudição ainda está muito longe do verdadeiro saber. O erudito não será mais do que um
grande insensato se não souber ou não quiser viver de maneira certa, se não procurar conhecer o
verdadeiro significado da vida e das leis que governam a Criação.
São justamente essas leis régias da Criação que estabelecem um caminho de desenvolvimento
bem definido ao espírito humano, onde a conscientização advém através de vivências, decorrentes de
suas próprias resoluções. Se fosse possível de outro modo, então o Criador poderia simplesmente ter
feito o ser humano sem livre-arbítrio, de maneira a lhe garantir de antemão a bem-aventurança. 7
Poderia, inclusive, fazê-lo imune ao pecado. No entanto, Ele “permitiu que todos os povos andassem
nos seus próprios caminhos” (At14:16). Permitiu, porque o livre-arbítrio está indissoluvelmente ligado
ao espiritual humano, e não lhe pode ser retirado sem mais nem menos. Uma tal arbitrariedade as leis
da Criação, instituídas pela Sua própria Vontade perfeita, não permitem, assim como também não
permitem nenhum ato arbitrário de absolvição de pecados. O dom do livre-arbítrio condiciona a mais
severa responsabilidade de uma criatura.

7
Sobre esse tema, ver a dissertação “O Ser Humano e Seu Livre-Arbítrio”, no segundo volume da obra Na Luz da Verdade,
de Abdruschin.
27
As pessoas deveriam afastar resolutamente de si qualquer tentativa de convencê-las de um
perdão arbitrário de pecados, pois tal coisa é simplesmente impossível, é uma ilusão desmedida, além
de ser demonstração de ilimitada presunção. Deveriam se lembrar sempre de que “a soberba precede a
ruína, e a presunção precede a queda” (Pv16:18). A atual presunção do ser humano terreno é o sintoma
mais nítido de sua queda, de uma profunda queda nas profundezas…
O ser humano é, a rigor, um ente bem pequeno no gigantesco conjunto da obra da Criação,
apesar de naturalmente estar convencido do contrário. Tão pequeno, que só pode começar a se
desenvolver conscientemente em distâncias incomensuráveis da Fonte da Vida, de Deus, como é o
caso deste nosso pequeno mundo material, uma das últimas e mais afastadas moradas da Casa do Pai.
Aqui lhe é possível dar início a um vagaroso desenvolvimento da sua autoconsciência, através das
vivências decorrentes do seu livre-arbítrio.
Uma maturação lenta, paulatina, rumo a uma sabedoria crescente, arduamente conquistada, e
cuja obtenção plena realmente “vale mais do que a prata, e o seu lucro mais do que o ouro” (Pv3:14).
Uma verdadeira sabedoria, que “não se troca por ouro maciço, nem se compra a preço de prata”
(Jó28:15), pois “quem encontra a sabedoria encontra a própria vida” (cf. Pv8:35). Uma sabedoria
abrangente, que pode ser resumida como sendo “o testamento do Altíssimo e o conhecimento da
Verdade” (Eclo24:32), e que permite ao espírito tornado sábio trilhar o caminho reto: “Torna-te sábio e
guia teu espírito pelo caminho reto” (Pv23:19). Todavia, só quem se move direito na Criação pode
obtê-la realmente, porque ela, a sabedoria, “mantém-se longe do orgulhoso, dela não se lembrarão os
mentirosos; (…) os insensatos não a atingirão e os pecadores não chegarão a vê-la” (Eclo15:8,7).
Quanto mais sábio o ser humano se tornar nesse processo indispensável de amadurecimento,
rumo à autoconsciência, tanto mais incondicionalmente sintonizará sua vontade no sentido da Vontade
do seu Criador. Com isso ele nada mais deseja senão seguir pelo caminho da Verdade de Deus, e dirá
por fim em seu coração: “Eu escolhi o caminho da Verdade, e me conformo às Tuas normas”
(Sl119:30). O resultado final dessa sábia escolha será sua própria salvação: “Quem age com sabedoria
será salvo” (Pv28:26).
Um tal ser humano terá se tornado também, como conseqüência natural de sua sabedoria
adquirida, muito mais humilde, pois terá adquirido um vislumbre claro do verdadeiro papel que exerce
dentro da Criação, porque “se alguém julga saber alguma coisa, ainda não sabe como deveria saber”
(1Co8:2). Assim, ele se torna a comprovação viva de que “com os humildes está a sabedoria”
(Pv11:2). Essa contingência de humildade associada à verdadeira sabedoria pode sempre ser observada
junto aos legítimos sábios. Quando o filósofo grego Sócrates, por exemplo, recebeu do oráculo de
Delfos o honroso título de “o mais sábio dos homens”, respondeu que isso se devia ao fato de ser o
único que sabia que nada sabia… Vemos aí a comprovação de que “diante da honra vai a humildade”
(Pv18:12), ou de que “o humilde de espírito obterá honra” (Pv29:23).
A verdadeira humildade brota naturalmente do coração, pela percepção da pequenez humana
diante da magnificência e perfeição da obra da Criação. É uma característica pessoal, íntima. Jamais
tentará se evidenciar mediante frases de efeito ou situações arranjadas, que nada mais são do que
elucubrações do raciocínio com o único fito de provar a todo custo que... se é “humilde”! A legítima
humildade não é formada por tais lantejoulas nem se apóia nelas. Um tal teatro pode até fazer com que
o respectivo ator pareça ser uma pessoa modesta, não porém humilde. A modéstia é uma virtude que
se evidencia externamente, e por isso pode ser dissimulada e apresentada como tal. A humildade não.
A humildade real se evidencia interiormente, moldando-se numa oração e adoração permanentes,
silenciosas e intensas, ao Todo-Poderoso Criador, pelo reconhecimento da inconcebível graça de poder
existir. Desse modo, um ser humano altivo pode perfeitamente trazer em si a legítima humildade, e
devido a isso apresentar também uma modéstia normal, ao passo que um outro que se esforça em
parecer muito modesto aos olhos de seus pares, freqüentemente tem a alma cheia de vaidade e
presunção, na qual não há nenhum lugar para a humildade. Todavia, só um interlocutor que faça uso de
sua intuição pode perceber a diferença entre essas duas espécies de seres humanos, sem se deixar
enganar pelas aparências.
Voltando ao processo do desenvolvimento humano, constatamos que a humanidade como um
todo não quis trilhar aquele caminho de evolução natural, rumo à aquisição da legítima sabedoria e da
autoconsciência do existir, da qual decorre a legítima humildade como conseqüência natural, mas

28
preferiu seguir pelas falsas veredas indicadas pelo raciocínio unilateralmente cultivado, seu idolatrado
pecado original. Por parte da Luz todos os esforços possíveis foram feitos para que os seres humanos
reconhecessem ainda em tempo o erro que estavam cometendo com a glorificação do seu raciocínio e
se libertassem rapidamente daquela situação insana, cujo resultado final só poderia ser sua própria e
automática destruição, para preservação da integridade da obra de Deus e dos outros seres que nela
vivem.
Ainda em tempo… porque tudo na Criação dispõe de um prazo estabelecido para se efetivar.
Depois da semeadura vem o desenvolvimento, a frutificação e a colheita. Com o espírito humano – que
como tudo o mais está submetido às mesmas leis – ocorre exatamente da mesma forma. Também para
o gênero humano “o fim tem data marcada” (Dn8:19).
As boas sementes da semeadura do Filho do Homem mencionadas no início deste capítulo,
provenientes do Paraíso, deveriam se desenvolver e por fim dar magníficos frutos por ocasião da
messe. Agora, na época da colheita, no assim chamado Juízo Final, todos os espíritos humanos já
deveriam estar plenamente amadurecidos, prontos para retornar conscientemente à sua verdadeira
Pátria espiritual, o Paraíso. O Paraíso é “a nossa Pátria que está nos céus” (Fp3:20), a denominada
Jerusalém celeste bíblica, a “cidade do Deus vivo” (Hb12:22), que o apóstolo Paulo chama de “nossa
mãe” (cf. Gl4:26). É a cidade das “ruas de ouro” (cf. Ap21:21), iluminada pela “glória de Deus”
(Ap21:23), o lugar da “assembléia dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus” (Hb12:23).
A imagem da Jerusalém celeste que desce do céu (cf. Ap3:12;21:2), vista em espírito pela vidente que
recebeu o Apocalipse (cf. Ap21:10), quer indicar que, após o Juízo, a Terra terá se tornado tal como é
no Paraíso, onde impera exclusivamente a Vontade de Deus. Será o tempo da efetivação do clamor
expresso na oração Pai Nosso: “Venha a nós o vosso reino”. Nesse tempo a Terra será assim como é a
Jerusalém celeste, e “as nações andarão à sua luz, e os reis da terra levar-lhe-ão a sua opulência”
(Ap21:24). Então “nunca mais entrará nela o que é impuro, nem alguém que pratique a abominação e a
mentira; entrarão nela somente os que estão inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” (Ap21:27); “a
morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores já
passaram” (Ap21:4). As coisas ruins antigas, de antes do Juízo, já terão sido extintas, e toda dor e
pavor provocados pelos seres humanos, inclusive a morte espiritual, não existirão mais na Criação.
Será a morte da morte.
O livro do Gênesis menciona a saída do Paraíso (o reino espiritual) das boas sementes
inconscientes, os germes de espíritos humanos, com a expressão alegórica “tendo expulso o ser
humano…” (Gn3:24). Esse fato não foi nenhum castigo decorrente do pecado original, que ainda não
havia ocorrido, mas sim um processo indispensável e natural no curso do desenvolvimento
progressivo. Do mesmo modo, a imagem da paulatina conscientização do germe humano, com o
reconhecimento de sua nudez e a necessidade de se cobri-la, também foi um fenômeno natural: “Os
olhos de ambos se abriram e souberam que estavam nus. Tendo costurado folhas de figueira, fizeram
tangas para si” (Gn3:7). Essa imagem mostra a contingência indesviável para o germe espiritual de se
cobrir com invólucros de mesma espécie do ambiente, em seu percurso descendente rumo à
materialidade grosseira. O Gênesis ainda diz que “o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher roupas
de pele com as quais os vestiu” (Gn3:21). No popular livro apócrifo de Jubileus, escrito em meados do
século II a.C., o Criador também presenteia o homem e a mulher com vestimentas quando eles saem
do Paraíso. O grande teólogo Orígenes (185 – 253), de quem falarei daqui a pouco, afirmava que as
folhas que Deus deu a Adão e Eva no Jardim após a queda eram, na verdade, os corpos deles, pois
antes eram espíritos puros...
Essa metáfora bíblica sobre o reconhecimento da nudez pelo casal humano, e a necessidade que
ambos sentiram de cobri-la quando se lhes despertou a noção do bem e do mal, é um quadro que
evidencia o início do processo de conscientização do espírito humano, objetivo último e fundamental
de sua passagem pelas várias partes da Criação, e que lhe possibilita, por fim, o próprio retorno ao
Paraíso. Para um espírito desenvolvido, que já tenha angariado um determinado grau de
autoconsciência, corpo e alma serão sempre invólucros intangíveis, absolutamente invioláveis e
incorruptíveis. Jamais uma tal pessoa, assim evoluída, consentiria ter o corpo exposto à contemplação
pública, nem tampouco a alma desnudada diante de pretensos especialistas anímicos. Seu inabalável
sentimento de pudor é a mais forte proteção contra a degradação de sua elevada condição humana.

29
Como o sentimento do pudor está diretamente relacionado ao nível de conscientização, ele é,
sim, uma medida exata, direta e infalível, do próprio valor espiritual do indivíduo. Um ser humano que
tenha afastado de si todo o pudor é um ser vazio espiritualmente. E um ser vazio espiritualmente
deixou de cumprir sua prerrogativa fundamental, a própria razão de sua existência, que é a obtenção e
manutenção da autoconsciência adquirida em suas peregrinações pelas materialidades. Naturalmente,
essa medida infalível é válida também no caso oposto, e nos dois sentidos. Assim, quanto mais
enobrecido for um ser humano, tanto mais íntegro e inabalável será seu sentimento de pudor, corporal
e anímico, com o que ele também cumpre da forma mais natural o conselho tão importante: “Não abras
o coração a qualquer um” (Eclo8:22).
O castigo, propriamente dito, derivado do pecado original, foi a impossibilidade, também
absolutamente automática, de o germe espiritual poder retornar ao Paraíso como espírito
autoconsciente. Essa exclusão definitiva do Paraíso foi, portanto, provocada pelo próprio ser humano
muito tempo depois de sua saída de lá como semente espiritual, devido ao seu voluntário
acorrentamento à matéria, decorrente do supercultivo do raciocínio – o pecado original – com o
conseqüente enfraquecimento de seu espírito.
Desde a eclosão do pecado original não faltaram auxílios à humanidade desencaminhada, cada
vez mais perdida no labirinto de seus erros. De tempos em tempos foram enviados a ela espíritos
auxiliadores, a fim de adverti-la e exortá-la a retomar o caminho certo. Krishna, Lao-Tse, Zoroaster,
Buda, Maomé e ainda outros foram espíritos auxiliadores8. Suas doutrinas eram originalmente puras e
correspondiam à Verdade, adaptadas logicamente às respectivas épocas e povos.
Os ensinamentos ministrados pelos auxiliadores dos tempos antigos mostravam porque, onde e
como os seres humanos estavam errando, e a maneira de corrigir o erro a tempo, de modo que quando
chegasse a época do Juízo Final todos estivessem aptos a subsistir espiritualmente. Por isso, eles
também são chamados Precursores ou Preparadores do Caminho, isto é, aqueles que vieram antes da
chegada do Juiz, o Filho do Homem, para preparar o caminho dele, ou, dito de outra forma, para
preparar as almas humanas para sua vinda.
Os Precursores advertiram e exortaram as criaturas humanas para que elas se modificassem ainda
em tempo e pudessem retomar o caminho do reconhecimento da Verdade, com a conseqüente
evolução de seus espíritos. Caso contrário, as sementes espirituais humanas, que antes do pecado
original se desenvolviam maravilhosamente no grande campo de cultivo da matéria, acabariam se
perdendo, por imprestáveis e nocivas. Exatamente como se dá também numa lavoura, quando
sementes estragadas não conseguem germinar ou dão origem a plantas fracas, tendo de ser descartadas
por ocasião da colheita.
As doutrinas trazidas por esses espíritos preparados, em épocas para isso bem determinadas,
eram em todos os sentidos puras e verdadeiras, embora com formas diferentes, consentâneas às
características dos povos a que eram destinadas. Todavia, em razão de a humanidade como um todo ter
se desviado do caminho ascendente, invariavelmente acontecia algo insólito: decorrido certo tempo da
morte do respectivo preceptor, os dirigentes que o sucediam começavam a imiscuir coisas estranhas à
doutrina, de modo que esta acabava se transformando em algo muito diferente dos ensinamentos
originais, tornando-se por vezes até mesmo contrária a estes. Os sucessores envolviam a verdade das
doutrinas originais em mentiras inventadas, consciente ou inconscientemente, quase sempre com vistas
a angariar maior poder e influência terrenais. Isso acontecia sempre, decorrente do avanço crescente e
ininterrupto da mentira sobre a Terra, em todos os campos da vida humana, como um dos mais
asquerosos frutos do domínio do raciocínio sobre o espírito. Foram esses dirigentes, pois, os que
“mudaram a Verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador”
(Rm1:25); são eles igualmente os “homens de espírito corrompido e desprovidos de Verdade, que
julgam ser a piedade uma fonte de lucro” (1Tm6:5), e que exploram os adeptos com palavras
mentirosas: “Por ganância, vos explorarão com palavras mentirosas” (2Pe2:3). Essa conduta de
desvirtuamento posterior de doutrinas corretas é tão antiga, que o livro de Juízes (governadores), com
data estimada de redação no século X a.C., já dá indicações a respeito:

8
O leitor que se interessar pela vida e obra de Lao-Tse, Zoroaster e Buddha, encontrará os esclarecimentos que procura nas
obras de mesmo nome publicadas pela Editora Ordem do Graal na Terra.
30
“Sempre que suscitava juízes, o Senhor estava com o juiz. Enquanto o juiz vivia, o Senhor livrava
os israelitas das mãos dos inimigos, (...). Mas, quando o juiz morria, eles voltavam a corromper-
se, mais ainda que seus pais, seguindo deuses estranhos para os servir e adorar.”
(Jz2:18,19)
Pode-se dizer que a humanidade inteira (salvo raríssimas exceções) rejeitou os auxílios trazidos
pelos Precursores, auxílios enviados com imenso cuidado e Amor pela Luz, para os desencaminhados
seres humanos terrenos: “Eles foram rebeldes à Luz, ignoraram seus caminhos e não permaneceram
em suas veredas” (Jó24:13). Foram rebeldes contra seu Criador, que é a própria Luz e o Amor
(cf. 1Jo1:5;4:8).
Também os profetas bíblicos dos tempos antigos foram espíritos auxiliadores. Advertiram e
exortaram, sempre com vistas a uma mudança de atitude da humanidade, para que no final dos tempos
ela estivesse apta a subsistir no Juízo Final. Entretanto, seus esforços foram igualmente em vão: “O
Senhor lhes enviou profetas para os reconduzir a Si; estes profetas testemunharam contra eles, mas eles
não deram ouvidos” (2Cr24:19). Os profetas dos tempos antigos não foram ouvidos, e “seu sangue foi
derramado sobre a terra, desde o justo Abel até Zacarias” (Mt23:35). Significativamente, o nome
Zacarias tem o sentido de “Yahweh se lembra”9…
Os auxílios provenientes da Luz não surtiram efeito, “os profetas foram mortos e os enviados
apedrejados” (Mt23:37; Lc13:34). Esta situação é descrita na segunda parte da parábola dos lavradores
maus, mencionada anteriormente:
“Ao tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe
tocavam. E os lavradores, agarrando os servos, espancaram um, mataram outro, e a outro
apedrejaram. Enviou ainda outros servos em maior número, e trataram-nos da mesma sorte.”
(Mt21:34-36)
No próprio Antigo Testamento já haviam surgido indicações claras desse comportamento
inacreditável, como descrito nessas passagens: “Foram rebeldes e revoltaram-se contra Ti. Rejeitaram
a Tua Lei, mataram os Teus profetas, que os repreendiam para se converterem a Ti. Cometeram
grandes abominações” (Ne9:26); “O Senhor, Deus de seus pais, começando de madrugada, falou-lhes
por intermédio dos Seus mensageiros, porque se compadecera do Seu povo e da sua morada. Eles,
porém, zombaram dos mensageiros, desprezaram as palavras de Deus e mofaram dos seus profetas, até
que subiu a Ira do Senhor contra o Seu povo, e não houve remédio algum” (2Cr36:15,16).
A expressão “começando de madrugada” indica que os auxílios enviados pelo Criador chegaram
logo, assim que se tornou evidente que os seres humanos haviam enveredado por um caminho falso.
Naquela época longínqua, as sementes humanas já estavam então irremediavelmente “cobertas
de espinhos” (Mt13:22; Mc4:18,19; Lc8:14), só se interessando ainda pelos aspectos materiais de suas
existências, não tendo mais nenhum anseio pela vida espiritual. Isso também foi uma decorrência
direta do pecado original, que elevara o raciocínio a ídolo. Como ele, o raciocínio, é um produto do
cérebro humano terreno, sempre divisará valores unicamente em coisas materiais, que dão frutos
materiais, terrenalmente visíveis e palpáveis, sem se aperceber que tais frutos não contêm nenhuma
vida, visto não provirem do espírito. Os frutos do raciocínio serão sempre produtos da árvore do
conhecimento, nunca da árvore da vida; serão sempre frutos efêmeros, jamais eternos. Essa árvore da
vida é mesmo de vital importância para a criatura humana, apesar de a humanidade terrena nada saber
de sua forma e localização. O fato de justamente o primeiro e último livros da Bíblia fazerem menção
a essa árvore da vida (cf. Gn2:9;3:22,24; Ap2:7;22:2,14,19) deveria sinalizar aos pesquisadores o grau
de relevância dessa árvore extraordinária, tema difundido também em muitas mitologias. Os povos
antigos tinham exato conhecimento dela; sabiam que não se tratava de nenhum conceito abstrato e sim
9
A palavra Yahweh é uma das formas transliteradas do nome de Deus existente no Antigo Testamento hebraico, com
quatro letras, as quais também podem aparecer de forma variada: YHVH, JHVH, JHWH, IHVH, YHWH. Os antigos
autores judeus achavam que o nome do Criador era de tal forma sagrado que devia ser impronunciável, no que eram
naturalmente ajudados por seu alfabeto consonantal. Em seu lugar eles diziam: Adonai – o Senhor, HaShem – o Nome, ou
Shekhinah – a Presença. A antiga forma abreviada Yah foi utilizada na composição do grito hebraico de louvor “louvai
Yah” – hallelû Yah, de onde adveio a expressão “aleluia”. As outras formas mais conhecidas de transliteração para o
português do nome Yahweh são: Iavé, Javé, Jeová.
31
de uma árvore real, embora não localizada na matéria visível. Na obra A Grande Pirâmide Revela Seu
Segredo, Roselis von Sass traz a descrição que um antigo sábio da Caldéia, de nome Aphek, futuro
sacerdote-rei do país, fez dessa árvore. É uma exposição de impressionante beleza, que todos os
pesquisadores sinceramente interessados deveriam conhecer.
Somente quem se nutre dessa árvore da vida, pela maneira correta de viver, pode produzir frutos
espirituais. Em contraste com os do raciocínio, os frutos ou obras do espírito contêm vida em si, e por
isso trazem valores verdadeiros, perenes. Por isso, Jesus disse aos seus ouvintes que no futuro, ou seja,
quando estivessem novamente encarnados na Terra, reconheceriam dessa maneira os responsáveis por
esses valiosos frutos espirituais: “Assim, pois, é por seus frutos que os conhecereis” (Mt7:20). Por seus
frutos ou por suas obras significa por sua atuação, isto é, pelo seu modo de ser, em suma, por tudo
quanto deles emana: pensamentos, palavras e atos. Se eles pertencessem à Luz, então os frutos de seu
atuar só poderiam ser bons, pois “o fruto da Luz se chama: bondade, justiça, verdade” (Ef5:9). Àqueles
servos do futuro, Jesus se dirigiu nos seguintes termos em seu tempo: “Vós sois a luz do mundo. (…)
Assim brilhe também a vossa luz diante das pessoas, para que vejam as vossas boas obras e louvem o
vosso Pai que está nos céus” (Mt5:14,16). Àqueles servidores e também a todas as outras pessoas que
agissem como tal, que produzissem os mesmos bons frutos, seria entregue o reino de Deus: “[O reino
de Deus] será entregue a um povo que lhe produza os respectivos frutos” (Mt21:43).
Por outro lado, quem hoje se deixa engodar pelos frutos do raciocínio, como o são as falsidades
da fé cega e tanta coisa mais, mostra não ter dado atenção a essa advertência de Cristo, e nem
procurado pelas boas obras daquelas pessoas. As obras rígidas do raciocínio procuram aparentar vida
sem tê-la, assim como os seres humanos de puro raciocínio que a elas se dedicaram. No final do
segundo volume deste livro, veremos que essa auto-ilusão do ser humano de raciocínio, já morto
espiritualmente, não se sustentará diante do Juiz, que lhe diz: “Conheço tuas obras: tens fama de estar
vivo, mas estás morto!” (Ap3:1).
Assim aconteceu que durante todo o período concedido para o seu desenvolvimento, a maior
parte da humanidade preferiu prosseguir pelo caminho antinatural. Ela se desenvolveu sim, mas no
sentido inverso do preconizado pelas leis naturais. Com isso, acabou assinando sua própria sentença de
morte. E assinou-a conscientemente, com um sorriso de superioridade, desafiando abertamente seu
Criador, desprezando todos os auxílios vindos de cima, escarnecendo das inúmeras advertências e
exortações que lhe foram dirigidas para que retomasse ainda em tempo o caminho natural
levianamente abandonado. Uma tragédia colossal, cuidadosamente preparada pelos próprios atingidos
por ela…
Visto de cima, o quadro se afigurava desesperador, já bem antes da época de Jesus. O tempo da
colheita das sementes humanas se aproximava e elas não se desenvolviam como fora previsto, apesar
dos esforços envidados pelo Alto. Salvo sempre raras, muito raras exceções, elas não atentavam às
palavras admoestadoras dos Precursores e dos profetas. Contudo, se não se modificassem a tempo, só
haveria por fim joio a ser colhido no campo de trigo; todas estariam perdidas quando chegasse a época
do Juízo Final, e “o Filho do Homem já não encontraria fé na Terra” (Lc18:8).
Por isso, como recurso extremo, como o maior de todos os auxílios aos transviados e por isso
mesmo arrogantes e vaidosos seres humanos terrenos, “vindo a plenitude do tempo Deus enviou Seu
Filho” (Gl4:4) a essa Terra tão conspurcada. Jesus foi a Palavra de Deus encarnada, o Amor do Pai que
peregrinou pelo mundo. Quão imenso foi esse acontecimento, ser humano algum jamais poderá
compreender. Em lugar algum e em tempo algum poderá compreender, pois o alcance de tal ato de
graça ultrapassa em muito a capacidade de assimilação do espírito humano.
Se a humanidade como um todo não tivesse construído tão diligentemente a estrada larga do mal,
nem enveredado tão cheia de si por ela rumo ao abismo, a vinda de Jesus não teria sido necessária.
Mas, para que os poucos bons não acabassem sendo arrastados conjuntamente no sorvedouro lúgubre
das trevas cada vez mais densas, para que suas pequenas chamas espirituais se conservassem acesas até
a época do Juízo Final, o Amor de Deus se dispôs a descer até esta Terra. Chegou aqui para desobstruir
e indicar novamente para eles o estreito caminho que conduzia às alturas, o qual se achava por demais
maltratado, muito mal cuidado, em virtude de ter sido escassamente utilizado até então, porque fora já
completamente esquecido e abandonado por todos. Jesus veio à Terra para mostrar à humanidade esse
caminho certo para cima. Ele o reabriu, para que pudéssemos seguir por ele e assim encontrarmos a

32
salvação. Por conseguinte, quem quiser seguir por esse caminho, “deve, pessoalmente, caminhar como
Jesus caminhou” (1Jo2:6), ou seja, deve em tudo agir segundo o exemplo dado por Jesus.
Foi essa, unicamente, a necessidade da vinda do Filho de Deus à Terra, o profetizado e
aguardado Messias10, o único que ainda poderia trazer salvação às sementes humanas em via de se
perder no campo de cultivo da matéria. Foi este o verdadeiro e único sacrifício de Amor do Pai. Uma
tentativa desesperada, extremada, conforme indicado na parábola da figueira estéril, que veremos mais
à frente. O descaminho da humanidade, que alguns séculos antes já indicava uma situação de urgência,
transformou-se em emergência no tempo de Jesus. Foi, sim, por culpa exclusiva dos homens que a
primeira aliança do Senhor apresentou defeito, tornando necessária a vinda do Filho de Deus para
estabelecer uma segunda: “Se a primeira aliança fosse sem defeito, não se procuraria substituí-la por
uma segunda” (Hb8:7). Transcrevo aqui um trecho da dissertação “Deus”, da obra Na Luz da Verdade,
a Mensagem do Graal de Abdruschin:

“A cada geração se foi alargando mais o abismo e os seres humanos cada vez
mais se algemavam à Terra. Tornaram-se seres humanos de raciocínio atados à Terra,
que se chamam materialistas, denominando-se assim até com orgulho, porque não se
dão conta das suas algemas, visto que naturalmente, com a condição de estarem
firmemente atados ao espaço e ao tempo, seu horizonte se estreitava simultaneamente.
Como devia ser encontrado, a partir daí, o caminho para Deus?
Era impossível, se o auxílio não viesse de Deus. E Ele se apiedou. O próprio
Deus em Sua Pureza não mais podia se revelar aos baixos seres humanos de raciocínio,
porque estes não estavam mais capacitados a sentir, ver ou ouvir Seus mensageiros, e os
poucos que ainda o conseguiam eram ridicularizados, porque o horizonte estreitado dos
materialistas, atados apenas ao espaço e ao tempo, recusava cada pensamento, referente
a uma ampliação existente acima disso, como sendo impossível, porque para eles era
incompreensível.
Por isso também não bastavam mais os profetas, cuja força já não conseguia se
fazer valer, porque, por fim, até os pensamentos básicos de todas as tendências
religiosas haviam-se tornado puramente materialistas.
Portanto, tinha que vir um mediador entre a divindade e a humanidade
transviada, e que dispusesse de mais força do que todos os outros até então, para poder
se fazer valer. Poder-se-ia perguntar: por causa dos poucos que, sob o mais crasso
materialismo, ainda ansiavam por Deus? Estaria certo, mas seria denominado pelos
adversários preferencialmente como presunção dos fiéis, ao invés de reconhecerem
nisso o Amor de Deus e ao mesmo tempo severa Justiça, que com a recompensa e o
castigo oferecem ao mesmo tempo salvação.
Por esse motivo Deus, em Seu Amor, por um ato de Vontade, separou uma parte
de Si mesmo, encarnando-a num corpo humano do sexo masculino: Jesus de Nazaré,
daí por diante o Verbo feito carne, o Amor de Deus encarnado, o Filho de Deus!”

O Verbo feito carne! Uma parte do Amor do Criador encarnada aqui na Terra, o “Filho do Seu
Amor” (Cl1:13) junto de nós! Ensinando, advertindo, exortando, procurando salvar do desastre
iminente! Durante algumas poucas décadas, as atenções nas muitas moradas da Casa do Pai estiveram
voltadas diretamente para cá, para o nosso pequeno planeta, desde aquela singela noite em Belém, num
estábulo de carneiros, até o terrível desfecho do Gólgota. O resultado de um tão imenso ato de graça
para a humanidade está indicado na última parte da parábola dos lavradores maus, proferida por Jesus
poucos dias antes de ser morto:

10
A palavra Messias provém do hebraico Mashiah – Escolhido ou Ungido, traduzido para o grego como Khristos (de khrio
– ungido), de onde se originou o termo “Cristo”. A palavra Cristo não é, portanto, um nome próprio, mas sim um título
atribuído a Jesus, conforme transparece nas confissões de Pedro: “[Tu és] o Cristo de Deus” (Lc9:20); “Deus o constituiu
Senhor e Cristo” (At2:36).
33
“E por último enviou-lhes o seu próprio filho, dizendo: A meu filho respeitarão. Mas os
lavradores, vendo o filho disseram entre si: Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo, e
apoderemo-nos de sua herança. E, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram.”
(Mt21:37-39)
No segundo volume deste livro veremos qual foi o real significado para a humanidade da morte
de Jesus Cristo.

34
Correlação Entre a Época Messiânica e a Atual
Não existem acasos nos fenômenos da Criação. Tudo se processa dentro da mais severa lógica
estabelecida pelas leis que a sustentam, as quais traduzem a própria Vontade do Todo-Poderoso.
Vontade essa absolutamente indesviável e imutável, porque Ele, o Criador, permanece sempre o
mesmo. “Tu és sempre o mesmo” (Sl101:28), louva o rei Davi, porque “a Verdade do Senhor
permanece eternamente” (Sl117). E o Senhor o confirma pela boca do profeta Malaquias: “Eu sou o
Senhor, e não mudo jamais” (Ml3:6). Com o processo da vinda de Jesus não poderia ser diferente, mas
teria de inserir-se obrigatoriamente dentro dessa imutabilidade da Vontade divina.
As profecias sobre a chegada do Messias, registradas nas antigas Escrituras do povo judeu, são
uma indicação de que a necessidade de um mediador divino já se tornara patente há muito tempo,
vários séculos antes de sua vinda. O pavoroso culto de Baal, por exemplo, começou a se alastrar pela
Babilônia há sete mil anos…
Também a própria escolha do povo judeu para abrigar em seu seio o Filho de Deus não foi
nenhum acaso, nenhum ato arbitrário, mas apenas uma decorrência direta e automática de uma das leis
da Criação, denominada Lei de Atração da Igual Espécie. Naquela época em que a humanidade já
estava inteiramente mergulhada nas trevas, descendo cada vez mais celeremente rumo ao descalabro
total, o povo judeu era o que ainda conservava a concepção mais pura, mais verdadeira da existência
de um Deus Único, angariada séculos antes à custa de pesado sofrimento, sob o jugo dos egípcios. E,
posteriormente, quando o raciocínio também começou a se imiscuir em sua doutrina, ameaçando
degradá-la, a mão de ferro dos romanos cuidou de manter viva, num pequeno grupo desse povo, aquela
concepção pura inicial sobre o onipotente Criador dos Mundos.
Como Jesus veio das alturas máximas, ele só poderia encarnar-se no povo que espiritualmente se
encontrasse como o mais elevado, segundo a Lei. Ao descer através dos planos da Criação ele se
encaminhou então para o povo que dele mais se aproximava em suas concepções e esforços em
direção ao Alto. Este povo era o povo judeu, mais precisamente o pequeno grupo que se manteve fiel
até aquela época, o qual, com isso, cumpriu efetivamente a antiga promessa feita diante de Moisés:
“Tudo o que o Senhor falou, faremos” (Ex19:8), constituindo então – e somente esse pequeno grupo –
o que ainda se podia chamar de “uma nação santa” (Ex19:6), “porção escolhida entre todos os povos”
(Ex19:5).
Tratava-se do pequeno número de justos que tinha restado da casa de Israel, o “resto salvo de
Israel” (cf. Rm9:27): “Não restará de vós nada além de um pequeno número no meio das nações para
onde o Senhor vos tiver levado” (Dt4:27). Esse grupo reduzido era constituído dos “sobreviventes de
Israel”, o “resto de Sião” ou o “remanescente de Jerusalém”, cujos nomes estavam inscritos para vida,
e onde pôde se encarnar então o rebento de Yahweh – o Messias: “Naquele dia, o rebento de Yahweh
se cobrirá de beleza e glória, o fruto da terra será motivo de orgulho e um esplendor para os
sobreviventes de Israel. Então o resto de Sião e o remanescente de Jerusalém serão chamados santos, a
saber, o que está inscrito para a vida em Jerusalém” (Is4:2,3). Sião, ou monte Sião, é a colina onde
Jerusalém foi edificada, sendo freqüentemente associada à própria cidade.
O período em que se deu a encarnação do Filho de Deus nesse pequeno grupo humano tampouco
foi obra do acaso, mas sim ocorreu num bem determinado momento da História. Se não tivesse
ocorrido precisamente naquela época, teria sido impossível uma encarnação em tempo posterior,
porque a humanidade já teria afundado tanto que uma ligação direta com a Luz não teria sido mais
possível. O resultado é que ninguém mais na Terra poderia ser salvo, e quando chegasse a época da
colheita, o Juízo Final, não haveria mais um ser humano sequer que pudesse “estar de pé na presença
do Filho do Homem” (Lc21:36), isto é, não haveria mais ninguém capaz de subsistir ao Juízo
desencadeado pelo Filho do Homem.
Jesus chegou a esta Terra há pouco mais de dois mil anos, mais precisamente em 12 a.C.
segundo nossa atual (e errônea) contagem de tempo. Seu nascimento foi anunciado pelo aparecimento
de um cometa gigantesco, conhecido hoje como Estrela de Belém. Mateus diz em seu Evangelho que
35
os reis magos foram guiados até o local do nascimento por uma estrela: “Vimos a sua estrela no
Oriente, e viemos para adorá-lo” (Mt2:2). Esse acontecimento é descrito mais explicitamente no
Evangelho apócrifo de Tiago: “Vimos um astro muito grande que brilhava entre as demais estrelas e as
eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nele temos conhecido que em Israel nasceu um rei, e viemos adorá-
lo.” Também é digno de nota, sobre a magnificência da Estrela de Belém, essa declaração um tanto
hiperbólica do bispo Inácio de Antioquia, no ano 107: “Uma estrela brilhou no céu mais do que
qualquer outra estrela, e todas as outras estrelas junto com o Sol e a Lua formaram um coro ao redor da
estrela de Cristo, que superava todas em esplendor.” No século III, Orígenes esclareceu que essa
estrela fora na verdade um cometa.
A Estrela de Belém foi um grande cometa anunciador que surgiu no céu em 12 a.C., e cujos
registros chegaram, sim, até nossa época. O historiador Dio Cassius, por exemplo, autor de uma longa
história de Roma, desde a sua fundação até 229 d.C., fala de um cometa avistado em Roma em 12 a.C.,
na época em que morreu Marcus Agrippa, o famoso comandante romano. Registros astronômicos
chineses datados do século 1 d.C., os quais trazem anotações de anos precedentes, também mencionam
o aparecimento de um cometa em 12 a.C. Segundo o historiador e pesquisador Nikos Kokkinos, os
Gregos e os Romanos observaram e descreveram 135 cometas antes do advento do Cristianismo,
sendo que o último deles foi justamente no ano 12 a.C.
Alguns pesquisadores acreditam que esse astro tenha sido o cometa Halley, que periodicamente
se aproxima da Terra em sua órbita pelo sistema solar. Essa suposição não é verdadeira. Apesar da
fama incomum que desfruta, o cometa Halley é pequeno e sem importância quando comparado a um
cometa anunciador, como o foi a Estrela de Belém. Esse fato, porém, não é do conhecimento dos
astrônomos e das autoridades eclesiásticas de hoje, como já não o era na Antiguidade e na Idade
Média. Quando o próprio cometa Halley surgiu no céu no ano de 1456, causou um temor generalizado
na Europa.
Um outro pesquisador, também convencido da data de 12 a.C. para o nascimento de Jesus, é
Jerry Vardaman, diretor do Instituto de Arqueologia da Universidade de Mississipi e professor de
religião. Dr. Vardaman elaborou um minucioso estudo das moedas cunhadas no início da era cristã e
chegou a algumas conclusões interessantes. Ele verificou que muitas dessas moedas trazem inscrições
em letras minúsculas, feitas pelos usuários da época, sendo bastante comuns as alusões a Jesus. Uma
das moedas, cunhada em Damasco no ano 16 d.C., no tempo do rei nabateu Aretas IV, traz várias
referências a Jesus, tais como: Jesus – Rei dos Judeus, Rei, Messias, e também a frase: “Ano Um de
Jesus de Nazaré na Galiléia”. Outra dessas moedas traz as palavras REX JESVS (Rei Jesus) seguidas
da data LZKT, que corresponde ao ano 15 d.C. da nossa era. E numa outra moeda, cunhada na época
de Agripa I, em 43 ou 44 d.C., está escrito que “o Reino de Jesus iniciou-se no ano LZKT”. Segundo o
Dr. Vardaman, Jesus somente poderia ter iniciado seu ministério em 15 ou 16 d.C., conforme indicado
nessas inscrições, se tivesse nascido em 12 a.C. A corroborar essa tese, ele lembra que o historiador
Flávio Josefo (37 – 100) também coloca o início da pregação de Jesus no período compreendido entre
15 e 19 d.C.
De acordo com o Evangelho de Lucas, essa data teria sido um pouco mais tardia,
correspondendo a época que “Pôncio Pilatos era governador da Judéia” (Lc3:1), o que, pelo que se
sabe, indica algum ponto entre 26 e 36 d.C. Mas devemos lembrar que Lucas não é taxativo a respeito,
pois diz genericamente que “ao iniciar seu ministério, Jesus tinha cerca de trinta anos” (Lc3:23). Este
“cerca” é uma partícula grega indeterminada, usada aí provavelmente em alusão a outras conhecidas
figuras bíblicas do passado, como José, Davi e Ezequiel, cujas atuações também tiveram início com a
idade de trinta anos (cf. Gn41:46; 2Sm5:4; Ez1:1). De qualquer modo, as datas podem mesmo variar
para mais ou para menos, dependendo de qual dos quatro calendários em vigor na época seja
considerado para os cálculos: o relativamente novo calendário juliano, o sírio-macedônio, o egípcio, e
o bastante móvel calendário lunar judaico. Esse último era tão móvel, mas tão móvel, que o começo de
um mês só era oficialmente declarado caso duas testemunhas fidedignas atestassem terem visto a luz
da Lua logo após o pôr-do-sol do último dia do mês anterior.
Sobre tudo isso, temos ainda a contribuição adicional de uma passagem do Evangelho de João,
quando Jesus é questionado pelos judeus por ter afirmado que Abraão se alegrara por ter visto seu dia:
“Perguntaram-lhe, pois, os judeus: Ainda não tens cinqüenta anos e viste Abraão?” (Jo8:57). Em que

36
pese a impossibilidade de se conhecer a idade real de Jesus nessa época, é de se supor que se ele
tivesse trinta e poucos anos os judeus teriam dito algo como: “Ainda não tens quarenta anos e viste
Abraão?”
Outro aspecto relevante desse tema é a informação de Lucas segundo a qual Jesus nasceu na
época do “primeiro recenseamento, quando Quirino era governador da Síria” (Lc2:2). O census sempre
foi um dos pilares do sistema de governo romano, mas esse detalhe mencionado por Lucas tornou-se
um quebra-cabeça insolúvel para teólogos e exegetas, pois até então se supunha que esse Quirino –
Publius Sulpicius Quirinius – havia efetuado um único recenseamento na Palestina, em 6 d.C., data
que não combinava com o nascimento de Jesus. O professor Vardaman, porém, informa que existe
uma inscrição mencionando outro censo conduzido sob Quirino, que teria sido justamente o primeiro,
em 12 a.C., ano em que ele foi inicialmente cônsul em Roma. Alguns historiadores já admitem que
Quirino cuidou de uma comissão especial para realizar um censo na Palestina por volta de 10 a.C.,
porém a data correta é mesmo 12 a.C. Que o ano 12 a.C. foi de recenseamento geral é atestado pelo
imperador romano Claudius, o qual afirma que seu pai, Drusus, conduziu um censo na Gália naquele
ano. As autoridades romanas de então precisavam descobrir quantas pessoas moravam em cada parte
do Império, a fim de poder calcular o valor correto do imposto tributum capitis, equivalente ao nosso
imposto de renda. Daí o decreto de Augusto para um censo geral em todo o Império. Mais tarde os
fariseus iriam questionar Jesus sobre a legalidade desse imposto (cf. Mc12:14).
Bem, naquela época longínqua em que Jesus chegou à Terra, em 12 a.C. portanto, a região da
Palestina vivia um raro período de paz que já durava 25 anos. Contudo, no campo religioso a tensão
era constante entre os dois grupos religiosos judaicos mais proeminentes: os saduceus e os fariseus. A
rixa só iria ceder com a união de ambos contra um inimigo comum: o Messias.
A palavra saduceu deriva do hebraico sedhokin, que significa “justos”. Também se atribui essa
designação ao nome Sadoc, outrora nomeado sumo sacerdote na época de Salomão (cf. 1Rs2:35). Na
versão bíblica grega da Septuaginta, de que virei falar mais à frente, Sadoc aparece grafado como
“Sadduc”, o que pode realmente ter dado origem ao nome “saduceu”. Os sacerdotes judeus teriam esse
Sadoc como seu antepassado, considerando-se assim descendentes diretos dele e, por conseguinte,
também de Aarão, irmão de Moisés.
Muitos pesquisadores afirmam que os saduceus constituíam as principais famílias judaicas, de
onde saíam quase todos os sumo sacerdotes do Templo, cargo que seria transmitido por
hereditariedade. Consta, porém, que eram racionalistas por excelência, mundanos, no que
contrastavam fortemente com o grupo rival: o dos fariseus. Aliás, os dois partidos discordavam em
praticamente tudo na vida. O único registro que se tem de um trabalho conjunto entre ambos, e bem
profícuo, foi a perseguição implacável que moveram contra Jesus.
Apesar de rigorosos e formalistas no campo doutrinário, os saduceus pareciam muito mais
interessados em desfrutar suas riquezas do que tratar de maçantes assuntos religiosos. Há, inclusive,
indícios de que na época da ocupação romana chegaram a colaborar ativamente com o invasor, e é
sintomático o fato de terem obtido cargos importantes em Jerusalém justamente no tempo de Herodes
e dos procuradores romanos. Pareciam ser uma espécie de alto clero oportunista. A respeito de seu
comportamento no exercício dos cargos que exerciam, o historiador e seu contemporâneo, Flávio
Josefo, relata o seguinte em sua obra Antiguidades Judaicas: “Toda vez que obtinham um cargo,
observavam – contra a vontade e por obrigação – o que os fariseus diziam, porque do contrário o povo
não os aceitaria.” E acrescenta: “Os saduceus são de humor intratável, mesmo entre eles.”
Os saduceus não acreditavam no futuro Juízo, em anjos, em espíritos, em milagres e na
concepção reinante sobre a ressurreição corpórea. Também não atribuíam à tradição oral, tão
prestigiada pelos fariseus, o mesmo valor da palavra escrita. Eram, assim, bastante conservadores no
que dizia respeito aos preceitos da tradição escrita de sua religião. Embora não recusassem
integralmente os salmos e os escritos dos profetas, consideravam como única diretriz válida a Torá ou
Pentateuco (do grego pente – cinco e teuchos – rolo), os cinco primeiros livros da Bíblia, numa atitude
frontalmente contrária aos que acreditavam que os 22 livros, que na época formavam o Antigo

37
Testamento, também eram especiais. 11 Esses textos correspondem aos 39 livros que compõem o
Antigo Testamento na divisão moderna.
Os fariseus, por sua vez, constituíam o grupo dos progressistas de então, dada a facilidade com
que incluíam seus próprios conceitos na interpretação da lei de Moisés, como por exemplo a
ressurreição dos mortos. Acredita-se que o termo fariseu derive do aramaico perishayyã, que significa
“separados”, numa alusão aos que com seu estrito devotamento à lei das Escrituras se mantinham
separados de tudo quanto era impuro, em especial do “povo da terra”, isto é, do povo ignorante pouco
afeito às prescrições: o “povinho que não conhece a Lei” (Jo7:49).
Os fariseus “consideravam-se justos e desprezavam todos os outros” (Lc18:9); pregavam a
Justiça de Deus, o Julgamento Final, o Paraíso celeste, e aguardavam a chegada do Messias
profetizado… Para eles, a salvação só era possível mediante a observância rigorosa da lei religiosa,
tanto da prescrição escrita como da tradição oral – a “tradição dos antigos” (cf. Mt15:2; Mc7:3)
repassada de geração em geração, e por isso procuravam fazer tudo o que, segundo suas concepções,
ela regulava: oravam, davam o dízimo, lavavam-se antes de comer, purificavam utensílios domésticos
e, além do jejum ritual obrigatório, faziam dois jejuns suplementares por semana. No sabá (do hebraico
shabbath – repouso), que designa o sábado como dia de descanso, eles não realizavam nenhuma tarefa
e nem se afastavam mais de dois mil côvados (880 m) de suas casas, dentre outras 37 proibições
adicionais estabelecidas para esse dia. Alguns interpretavam literalmente a recomendação de Moisés
de trazer consigo as palavras de Deus (cf. Dt6:8;11:18), e por isso portavam sobre a fronte e os braços
estojos contendo pergaminhos com trechos das Sagradas Escrituras12, uma prática que Jesus criticou
abertamente (cf. Mt23:5). Alguns se dedicavam ao estudo das Escrituras em tempo integral. Preferiam
fazer negócios somente entre membros do grupo, pois assim tinham certeza do pagamento do dízimo
das mercadorias, conforme as regras. Sobre esse costume, Jesus disse que os fariseus pagavam “o
dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho e deixavam de lado os ensinamentos mais importantes”
(cf. Mt23:23). Flávio Josefo diz o seguinte sobre o rigorismo dos fariseus: “Um grupo de judeus com
fama de superar todos os outros a respeito da religião e na exata interpretação da lei.”
Os fariseus eram, pois, rigidamente dogmáticos, para não dizer credulamente obtusos. A prática
religiosa deles estava adstrita às exterioridades de sua crença, à observância rigorosa dos 613 preceitos
que compõem a lei mosaica, divididos em 248 mandamentos (número de partes do corpo que devem
cumpri-los) e 365 proibições (número de dias do ano em que se deve observá-las), além das milhares
de normas complementares. Intimamente, porém, eram em sua maioria maus, pérfidos. Por essa razão,
todas as suas ações tinham de se mostrar como más, apesar de exteriormente se esforçarem em passar
por homens santos, profundamente compenetrados em cumprir os preceitos de sua religião, por eles
mesmos interpretados.
Jesus foi sistematicamente atacado pelos fariseus, e em todas as oportunidades desmascarava sua
falsidade. Numa ocasião, repetindo o epíteto colocado sobre eles por João Batista (cf. Mt3:7), chamou-
os de “raça de víboras”, ao mostrar que os frutos de seu atuar tinham necessariamente de ser maus, já
que eles próprios eram maus interiormente:
“Ou fazei a árvore boa e o seu fruto bom, ou a árvore má e o seu fruto mau, porque pelo fruto se
conhece a árvore. Raça de víboras! Como podeis falar coisas boas sendo maus? Porque a boca
fala do que está cheio o coração.”
(Mt12:33,34)
Com “coração” Jesus se referia ao íntimo do ser humano, ao seu âmago mais profundo, isto é, à
sua vontade interior ou vontade intuitiva, que provém do espírito. Certa feita, após curar um paralítico,
Jesus percebeu que alguns doutores da lei estavam íntima e silenciosamente acusando-o de
blasfemador, e prontamente os indagou: “Por que discorreis assim em vossos corações?” (Mc2:8).

11
Havia, inclusive, uma teoria segundo a qual esses textos tinham de ser mesmo em número de 22, porque assim se
igualavam às letras do alfabeto hebraico. Isso acabou sendo fácil de se arranjar: bastou reunir num livro único os textos de
Juízes e Rute, e em outro os de Jeremias e Lamentações.
12
Até hoje ainda se pode ver judeus ortodoxos portando caixinhas presas na cabeça e no braço, chamadas filactérios, com
trechos das Escrituras.
38
A Bíblia, por sinal, fala que o coração do homem pode ser puro (Sl24:4;73:1), sincero (Gn20:5),
reto (Dt9:5; 1Rs3:6), enganoso (Jr17:9), e afirma que o Senhor “examina o coração” (Sl17:3; Jr12:3;
Rm8:27). Conforme veremos mais à frente, não é o Senhor, pessoalmente, que examina o coração do
ser humano, mas sim isso se dá de maneira autônoma, através das leis que Ele inseriu em Sua Criação,
as quais envolvem Sua criatura por todos os lados, como se Sua mão estivesse de fato sobre ela: “Por
trás e pela frente me envolves, e pões sobre mim a Tua mão” (Sl139:5). É dessa maneira que se
manifesta a onisciência do Criador.
O coração é, portanto, o íntimo propriamente do ser humano, “a fonte da qual não pode jorrar do
mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso” (Tg3:11). Esse íntimo, a vontade interior, é o retrato do
verdadeiro ser humano espiritual, assim como ele realmente é e não como procura aparentar aos seus
semelhantes. O espírito humano é o único que conta para os efeitos das leis da Criação. Aquele cujo
espírito é puro não precisa temer nenhum castigo: “Feliz o homem a quem o Senhor não atribui
nenhum delito e em cujo espírito não há falsidade” (Sl32:2).
As leis que governam a Criação, originadas da Vontade do Criador, consideram justamente essa
vontade interior, o coração do homem, e por isso não se deixam enganar por simples aparências ou
maquinações exteriores. Por isso, também está escrito que “o homem vê a aparência, mas o Senhor
olha o coração” (1Sm16:7). No Saltério, ou Livro dos Salmos, vemos uma alusão a essa contingência
no procedimento tolo dos malfeitores, que acham que permanecerão impunes porque ninguém está
vendo suas intrigas e ardis, mas que acabam sendo atingidos inexoravelmente pela reciprocidade:
“Teimam no mau propósito; falam em secretamente armar ciladas; dizem: ‘Quem nos verá?’ (…) É
um abismo o pensamento e o coração deles. Mas Deus desfere contra eles uma seta; de súbito se
acharão feridos” (Sl64:6,7,8).
Jesus também aludiu muito claramente à reciprocidade referida ao estado do coração humano
nessa advertência dirigida aos fariseus:
“Vós sois os que justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece vossos
corações.”
(Lc16:15)
Este era o material humano que Jesus tinha de defrontar, uma amostragem bastante significativa
da profundidade espiritual em que se encontrava a humanidade inteira, no curso de sua queda
irrefreável que vinha já de milênios.
De lá para cá a situação, evidentemente, ficou pior, porque a humanidade como um todo
escolheu continuar afundando no abismo. Os erros básicos, condenados tão incisivamente por Jesus há
dois mil anos, permaneceram na essência os mesmos, a despeito das novas formas em que se
apresentam hoje. Assim, podemos perfeitamente estabelecer um paralelo entre a época em que Jesus os
denunciou e agora, no tempo presente. A própria expressão “fariseu” trasladou-se inalterada para a
nossa época, como uma mistura condensada de vaidade espiritual e hipocrisia.13
Dentre as várias passagens em que Jesus aponta a hipocrisia inerente aos fariseus e escribas,
estes últimos também chamados doutores da lei (intérpretes das Escrituras), há uma que mostra de
maneira muito clara o erro de se preocupar com as aparências em detrimento do aperfeiçoamento
interior, espiritual:
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Porque limpais o exterior do copo e do prato, mas
estes por dentro estão cheios de rapina e intemperança. Fariseu cego! Limpa primeiro o interior
do copo, para que também o seu exterior fique limpo. (…) Ai de vós, escribas e fariseus,
hipócritas! Porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas
interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundície. Assim também vós pareceis
justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e iniqüidade.”
(Mt23:25-28)
Dessa hipocrisia profundamente entranhada em seu ser, aqueles fariseus deram mostras em
diversas oportunidades, culminando com a preocupação piedosa de não adentrar ao palácio de Pilatos
13
Ver, a respeito, a dissertação “Evitai os Fariseus!”, no terceiro volume da obra Na Luz da Verdade, a Mensagem do Graal
de Abdruschin.
39
para “não se contaminarem” (cf. Jo18:28), enquanto que o objetivo deles ali era levar um inocente à
morte.
A hipocrisia e a iniqüidade denunciadas por Jesus naquela época estão hoje prodigiosamente
espalhadas pela Terra inteira, muito bem protegidas sob o nome de mentira, apanágio pungente do
farisaísmo mais descarado. É bastante significativo que a palavra que designa mentira em hebraico –
sheker, possa ser aplicada não somente à esta, mas a qualquer outro pecado…
A mentira é, de fato, o âmago de todo o pecado, de todo o mal, e por isso tudo, mas tudo mesmo
na vida humana atual está impregnado de mentira. Regimes políticos e profissões, religiões e ciências,
artes e literatura, crenças esotéricas e filosofias multifacetadas, nada ficou livre dela, como
conseqüência natural da profunda queda espiritual de toda a humanidade. Nada pôde manter-se
apartado dela e muita coisa nem mesmo quis. Vivemos hoje sob o império da mentira. É como se toda
a Terra tivesse sido envolta por um único e denso lodaçal sufocante, que fez submergir sem resistência
toda a orgulhosa raça humana, juntamente com suas falsas obras, impedindo qualquer integrante dessa
espécie de chegar à tona mesmo que queira, muito menos ainda de voltar a ver com clareza e respirar
ar puro.
Desde os tempos bíblicos, praticamente ninguém mais deu a devida atenção à advertência:
“Guarda-te da mentira em qualquer circunstância: persistir nela não leva a nada de bom” (Eclo7:14).
A explicação desse notório pouco caso é, muito realisticamente, de que “ela [a mentira] se encontra
continuamente na boca dos imbecis” (Eclo20:26). Hoje em dia, é a mentira que prepondera por toda a
Terra: “É a mentira e não a verdade que prevalece na Terra” (Jr9:2).
Mas como são tolos os que imaginam poder escapar da reciprocidade com o escudo da mentira,
que com auto-ilusões procuram acalmar a si mesmos e a outrem. Eles dizem: “Quanto ao flagelo
ameaçador, ele passará sem atingir-nos, porque fizemos da mentira o nosso refúgio e atrás da falsidade
nos escondemos” (Is28:15). Quantos não têm hoje essa frase impregnada em seus corações?… Todos
eles sucumbirão em suas mentiras e falsidades.
A mentira é o sintoma mais drástico, mais visível, do terrível processo de enrijecimento dos
conceitos que norteiam a vida humana. Mudam apenas as denominações dos muitos erros, falhas e
pecados, transfigurando-se em situações que são não apenas aceitas mas até desejadas. Adultério é
amor livre, corrupção é esperteza, ladroeira é criatividade financeira, e por aí vai. Frutos putrefatos da
cobiça humana, adubados pela mentira.
A mentira tornou-se o esteio da vida moderna, a base dos relacionamentos familiares,
profissionais e públicos. A primeira lição que uma criança aprende, ainda no berço, é como mentir e
enganar, com os seguidos exemplos dados pelos pais e parentes próximos. Mentem entre si
diuturnamente pais e filhos, professores e alunos, patrões e empregados, governantes e governados.
Todos indiferentes à máxima de que “mais vale um ladrão do que um mentiroso contumaz”
(Eclo20:27), ou de que “mais vale um indigente do que um mentiroso” (Pv19:22), sem tampouco se
importar de que “os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor” (Pv12:22), e de que “a porção que
cabe a todos os mentirosos é o lago ardente de fogo e enxofre, que é a segunda morte” (Ap21:8), pois
“o que profere mentiras não escapa” (Pv19:5).
A chamada linguagem diplomática, esse polido e hermético idioma com que os chefes de Estado
falam uma coisa querendo dizer outra, é a própria mentira institucionalizada. Na política atual os
exemplos de falsidade são tantos que nem é possível discorrer sobre eles.
O enrijecimento fez da mentira uma característica aceitável, até necessária para a convivência
diária, e a mentira retribuiu à altura, retirando das religiões o que ainda lhes restava de movimentação
espiritual. Os dogmas de múltiplas espécies espelham a mornidão abafadiça das respectivas doutrinas,
fazendo do mundo da fé uma imensa Laodicéia espiritual.
Nada é pior do que ser “morno” em matéria de fé. Os “frios” (céticos) ainda poderão chegar ao
reconhecimento, mediante vivências e reciprocidades duras, e os “quentes” (convictos) precisam
cuidar de permanecer em contínua movimentação espiritual, a fim de não caírem. Mas os “mornos”
não têm nenhuma chance. Estão eternamente refestelados em sua crença tépida, surdos e cegos diante
de todas as advertências e avisos. Antepõem a qualquer exortação mais dura, a satisfação daquilo que
julgam ter em mãos. São esses mornos que serão expelidos pelo Juiz: “Conheço a tua conduta. Não és

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frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és morno, nem frio nem quente, estou para
vomitar-te de minha boca” (Ap3:15,16).
A rigor, não se verifica nenhuma diferença de vulto entre as práticas religiosas atuais e as dos
antigos fariseus. Também hoje o que conta são as exterioridades, as orações recitadas mecanicamente
“em vãs repetições” (Mt6:7) e as ofertas monetárias. São essas as coisas que sobejam nas “doutrinas
várias e estranhas com que as pessoas se deixam envolver” (Hb13:9), de modo que elas mesmas
“enganam o próprio coração, e a sua religião é vã” (Tg1:26). Em matéria de religião, realmente, “não
há nada de novo sob o Sol” (Ecl1:9). Lamentavelmente.
Como não imaginar que esse questionamento de Jesus, dirigido aos fariseus e sua tradição
enrijecida, não seja válido nos dias de hoje?
“E vós, por que transgredis o mandamento de Deus por causa da vossa tradição? (…) Anulastes a
Palavra de Deus em nome da vossa tradição.”
(Mt15:3,6)
E como também não imaginar que as palavras abaixo, pronunciadas por Jesus há dois milênios,
não sejam igualmente válidas para a época presente? Inteiramente válidas?...
“Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram,
ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais as tradições dos homens. Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a
vossa própria tradição. (…) Assim, anulais a Palavra de Deus por causa da vossa tradição, que
passais uns para os outros.”
(Mc7:6-9,13)
E no que difere a atuação dos pregadores dos tempos atuais em relação aos fariseus de
outrora?…
“Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Percorreis o mar e a terra para converter alguém, e
quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes mais do que vós.”
(Mt23:15)
Os saduceus e fariseus estão todos aí novamente.
Os saduceus aferravam-se estritamente à letra da “Lei de Moisés”, e afora esse legalismo não
viam mais nada à sua frente, ao passo que os fariseus se devotavam à “tradição dos antigos”, única
maneira de se compreender as Escrituras, no entender deles. Qualquer semelhança com as duas
principais facções cristãs atuais não é mera coincidência. Por cima dos fundamentos da pura doutrina
original de Cristo, apenas “edificou-se ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha” (1Co3:12),
nada se conservando hoje dos legítimos ensinamentos espirituais.
Assim como os saduceus e fariseus seguiam seus próprios caminhos, no fiel cumprimento dos
preceitos de sua religião, na ilusão de estarem cumprindo ao mesmo tempo a Vontade do Senhor, os
dirigentes e adeptos das crenças religiosas atuais também se afastaram resolutamente da Verdade
trazida pelos Precursores e posteriormente pelo próprio Filho de Deus. São eles todos a “geração pura
a seus próprios olhos, mas que não se lavou de sua imundície!” (Pv30:12).
Já no início do Cristianismo Paulo disse: “Não somos como tantos outros que mercadejam a
Palavra de Deus” (2Co2:17). Quão longe essa prática mercantilista está do significado original da
palavra “religião”, que no latim comporta três sentidos entrelaçados: religio: lealdade, consciência do
dever; relegere: revisitar, retornar ao que fora abandonado; religare: reatar, tornar a ligar. A
verdadeira religião, portanto, é uma re-ligação leal, aquilo que permite (ou devia permitir) ao ser
humano religar-se com fidelidade ao Criador, depois de se ter afastado voluntariamente Dele. Era isso
o que as religiões cristãs deveriam proporcionar a seus adeptos… No entanto, os pregadores de hoje só
fazem mesmo pregar o Redentor na cruz sempre de novo, crucificando continuamente a Palavra
Sagrada com suas mentiras de “salvação gratuita” e “justificação pela fé”. Assassinam novamente a
Palavra todos os dias vezes sem conta, sem piedade, com os cravos da indolência espiritual.
Uma pessoa só poderá tirar proveito de uma religião instituída se, após minuciosa análise, tomar
para si apenas aquilo que pode admitir como certo, isto é, aquilo que ela tem convicção íntima de
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corresponder à Verdade. Deve nisso seguir o exemplo de Lucas, que só se decidiu a escrever seu
Evangelho “depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem” (Lc1:3). Não deve
imaginar que é grandeza de espírito aceitar coisas que não compreende, ou, pior, que no fundo sente
como erradas mas que ainda assim assimila para si, só porque alguém já se ocupou com aquilo antes.
Muito pelo contrário! O questionamento de coisas que ela não considera certas em sua religião mostra
que seu espírito ainda está vivo, e que se insurge imediatamente contra todo o falso e insano, através
de sua voz, a intuição. Não deveria nunca se esquecer de que muita coisa que é “elevada para os
homens é abominável diante de Deus” (Lc16:15).
Os símbolos utilizados nas várias religiões têm seu valor enquanto forem considerados como tal,
como estímulos importantes, necessários até, para dirigir os pensamentos dos adeptos de modo menos
turvo ao Altíssimo Criador dos Mundos. O que passa disso é idolatria. Unicamente uma crença viva,
proveniente da Verdade e, sobretudo, vivificada pela própria pessoa, pode transformar-se em
convicção, e tão-somente a plena convicção é capaz de impulsioná-la a ascender espiritualmente, a
modelá-la num ser humano sempre e sempre melhor, preceito que, aliás, sempre foi o fundamento de
toda doutrina verdadeira.
As doutrinas verdadeiras sempre ensinaram a incondicional responsabilidade pessoal e a
imprescindível movimentação espiritual própria. Somente mais tarde, quando os sucessores e
dirigentes dessas puras doutrinas originais se esmeraram em “aperfeiçoá-las” por conta própria é que
esses ensinamentos tão fundamentais foram relegados para o segundo e terceiro planos, ou até mesmo
completamente suprimidos. Em seu lugar foram então inseridas as formas ocas da fé cega, que não
exigem nenhum esforço de aperfeiçoamento interior do indivíduo, e que justamente por isso sempre
receberam calorosa acolhida por parte do rebanho de adeptos, desejosos de continuar no aconchego de
sua fatídica letargia espiritual. São esses adeptos submissos “os incautos, cujos corações foram
enganados com suaves palavras e lisonjas” (Rm16:18).
Os verdadeiros convocados e profetas de todos os tempos foram, ao contrário, invariavelmente
severos e duros, muito duros, para com os povos que lhes era dado guiar. Agiam assim por amor, por
saberem que só com intensa movimentação espiritual o ser humano pode ascender espiritualmente e,
por fim, alcançar o Paraíso. Não se preocupavam se suas palavras pareciam ou não agradáveis aos
ouvintes, mas cumpriam fielmente a incumbência que haviam recebido do Senhor: “Dirás a eles
Minhas Palavras, quer escutem, quer não” (Ez2:7). Aliás, como fez também João Batista com suas
admoestações tão firmes, e igualmente o apóstolo Paulo: “Estaria eu agora procurando o favor dos
homens ou o de Deus? Acaso procuro agradar os homens? Se eu ainda agradasse os homens, não seria
mais servo de Cristo.” (Gl1:10). Os verdadeiros profetas nunca se preocuparam se os homens de seu
tempo falavam mal deles. Ao contrário, dada a profundidade espiritual do povo, teriam ficado
preocupados é se começassem a falar bem, conforme o próprio Jesus advertiu seus discípulos: “Ai de
vós quando todos falarem bem de vós, pois era assim que seus antepassados tratavam os falsos
profetas” (Lc6:26).
Os legítimos convocados sempre tiveram os olhos voltados unicamente para a missão de advertir
e exortar a massa indolente, pouco se incomodando se esta apreciava ou não suas palavras. Já os
demais líderes, os convocados a seus próprios olhos e os falsos profetas de todos os tempos, sempre
procuraram dispensar a humanidade do tão necessário movimento espiritual. Figuradamente falando,
os primeiros apresentavam e ainda hoje apresentam apenas as ferramentas para que o próprio espírito
humano possa lapidar-se e, com isso, ascender espiritualmente, enquanto que os segundos ofereciam e
ainda hoje oferecem somente uma sedutora espreguiçadeira espiritual, na forma de uma linguagem
entorpecente e tranqüilizadora, incentivadora de sua indolência e aduladora de suas fraquezas: “Eles
são do mundo; por isso falam a linguagem do mundo, e o mundo ouve-os” (1Jo4:5).
Os primeiros são legítimos servidores da Luz, os segundos prestimosos servos das trevas.
A humanidade como um todo nunca teve a menor dúvida sobre como agir: ficou com os segundos e
hostilizou os primeiros. Sempre. Recostou-se na espreguiçadeira mortal a ela oferecida pelos falsos
profetas e cochilou tranqüila, relaxada, sob os acordes inebriantes da fé cega. Os seres humanos, em
sua imensa maioria realmente relaxados, nunca se mostraram dispostos a seguir o conselho tão
incisivo: “Mais vale ouvir a reprimenda de um sábio do que a cantilena dos insensatos” (Ecl7:5).

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As puras doutrinas originais provenientes do Alto se degeneraram em religiões de fé cega, com
conceitos cada vez mais torcidos e amortecidos, cada vez mais distanciados da Verdade, e com isso
também cada vez mais distintas umas das outras e irreconhecíveis entre si. Só uma coisa ainda une
todas essas crenças, numa característica comum: o incentivo à mornidão interior, à flacidez espiritual,
que devido a isso se espalhou devastadoramente pelo mundo inteiro como uma pandemia mortal, uma
contagiosa abulia espiritual de alcance planetário.
A maior prova de que as atuais religiões não correspondem às doutrinas originais dadas pelos
Precursores, e posteriormente à Verdade trazida por Jesus, é a hostilidade mútua entre elas, velada ou
não. Nunca poderia acontecer que doutrinas provenientes da Luz pudessem fomentar a discórdia entre
si. Se as religiões tivessem permanecido puras, poderiam hoje até ter formas diferentes, mas seriam
complementares, convergentes, já que os ensinamentos originais provieram da mesma Fonte. Jamais
poderiam ser incompatíveis e muito menos antagônicas, visto que “a sabedoria do Alto é, antes de
tudo, pura, depois pacífica, bondosa, conciliadora, cheia de compaixão e de bons frutos, simples e sem
disfarce” (Tg3:17). Que assim não é, prova que as atuais doutrinas não são legitimamente espirituais,
mas formadas unicamente pelo raciocínio humano-terrenal, tal como já acontecia no tempo do
apóstolo Paulo: “Com efeito, se há entre vós invejas e rixas, não sois carnais e vos comportais de
maneira meramente humana?” (1Co3:3).
É uma triste ironia que justamente muitos desses crentes que maltratam e desprezam o próximo,
ainda façam proselitismo da pureza e da castidade. Quão longe se encontram eles também da
verdadeira castidade! Somente aquele que ao agir procura não causar nenhum dano ao seu semelhante,
pode ser considerado casto: “Não trames nenhum mal contra o amigo que, confiante, se assenta junto
de ti” (Pv3:29).
Mas o real sentido deste e de tantos outros ditos sábios, o ser humano religioso da época atual
não consegue mais reconhecer. Simplesmente não pode. O conhecimento da Verdade que a
humanidade chegou a possuir num passado remoto, reavivado com imenso amor e desvelo por Jesus,
perdeu-se novamente na noite dos tempos. Uma noite terrivelmente longa, de espesso negrume,
moldada e sustentada pela mentira, que durante séculos e séculos manteve essa Terra afundada nas
trevas, cuidando para que o Sol da Verdade não voltasse a brilhar sobre ela e seus habitantes.
Aconteceu finalmente conforme fora previsto por Pedro: “O caminho da Verdade cairá em descrédito”
(2Pe2:2).
E assim chegamos à situação atual, em que a humanidade se habituou inteiramente às trevas em
que vive, nada mais querendo saber da Luz. Os seres humanos de hoje absolutamente “não conhecem a
Luz (…), pois estão acostumados aos terrores da escuridão” (Jó24:16,17). Acostumamo-nos com as
trevas do mundo em nossa peregrinação pela matéria, assim como um viandante noturno se acostuma
com a escuridão de uma noite sem luar… Mas assim como os olhos materiais se tornam cegos se
privados de luz por muito tempo, os olhos espirituais também se tornam definitivamente cegos se
imersos em trevas durante um período demasiado longo.
Contudo, quem agora não quiser mais se deixar iluminar pela Luz da Verdade, que mais uma vez
cinge a Terra, este não poderá subsistir na nova época que se avizinha. Somente os que caminharem
integralmente sob essa Luz vivenciarão a alegria do novo tempo, sendo eles mesmos objeto de alegria
para o Alto. Exatamente assim como já acontecera com João em relação à sua comunidade: “Minha
maior alegria é ficar sabendo que meus filhos caminham na Luz da Verdade” (3Jo4).
A Verdade provém do Criador. Ela nutre e revigora o espírito humano, e é para ele o caminho
reto da ascensão espiritual. Já o seu antônimo, a mentira, é um produto exclusivo da nossa espécie
humana degenerada. Essa última corrói a alma, suga as derradeiras forças do espírito e é para ele o
poço que o conduz com a máxima segurança às profundezas da perdição eterna.
A palavra “dogma” deriva do grego dokein, geralmente aparecendo na locução dokein mo, cujo
significado original é: “parece-me”, “apraz-me”. As doutrinas cristãs mudaram esse despretensioso
significado inicial para o seguinte: “coisa estabelecida de modo definitivo que não admite a menor
contestação”. Um cristão que aceita irrefletidamente essa acepção se reveste, ele mesmo, de uma
camisa de força espiritual, fortemente amarrada pelos dirigentes de sua religião. Abre mão com isso da
autoridade sobre si próprio, transformando-se espiritualmente em pouco mais que um zumbi
teleguiado, um títere resignado, mesmo que terrenalmente seu raciocínio lhe assegure do contrário. A

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palavra grega para autoridade é exousia, e seu significado básico é justamente “liberdade de escolha”.
O dogma veda essa imprescindível liberdade de escolha, obstrui a atuação do livre-arbítrio da pessoa
humana, mantendo-a espiritualmente presa nas concepções de outrem.
Gostaria de intercalar aqui minha resposta a uma questão levantada pela Tradução Ecumênica da
Bíblia em sua Introdução à Epístola aos Gálatas. Quero dizer que respondo com um SIM, muito
enérgico e decidido, a essa pergunta: “Será que as instituições da Igreja não enclausuram demasiadas
vezes os cristãos em limites dentre dos quais eles pensam ter assegurada a própria salvação e se
gloriam de praticar a lei do Cristo, reduzida a meio de estar em ordem com Deus?” Sim, enclausuram,
como enclausuram! Quando, depois da morte terrena, esses cristãos enclausurados se virem
caminhando penosamente no Além, a fé cega que eles e todo os milhões de sua igual espécie tão
levianamente deixaram entranhar em seu ser, se lhes moldará à sua frente em barras rígidas, que os
impedirão de ascender à Luz. Essas barras, tão grossas e inflexíveis como sua própria crença errada, só
poderão ser transpostas por aqueles que, ainda em tempo, conseguirem lançar fora todo o lastro falso,
todos os dogmas, e ansiarem de todo coração por verdadeiros reconhecimentos espirituais. Poucos,
muitos poucos, nessa situação crítica, conseguirão escapar a tempo dessa imensa prisão coletiva e
recuperar a perdida liberdade espiritual.
Quem aceita um dogma, isto é, quem acolhe em si irrefletidamente uma crença qualquer
elucubrada por outrem e apresentada como verdade inquestionável, este mergulha voluntariamente
numa espécie de buraco negro, do qual nunca mais poderá sair. Fica-lhe assim vedada, por culpa
própria, a possibilidade de encontrar e reconhecer a Luz da Verdade. Tal como o astronômico, esse
buraco negro da fé cega também suga tudo quanto dele se aproxima inadvertidamente, com uma
formidável força de atração que não permite que nada se lhe escape. Essa força de atração tão colossal,
à qual quase ninguém consegue resistir, é a dispensa da necessária movimentação espiritual. E tal
como o astronômico, o buraco negro da fé cega também retém até mesmo a luz, a tênue luz de algum
possível reconhecimento verdadeiro, oriundo da intuição, encobrindo-a nas profundezas letais da
indolência espiritual. O som claro da legítima Palavra do Filho de Deus jamais poderá se propagar no
vácuo de uma fé cega.
Os dogmas religiosos, quaisquer que sejam, constituem mortalhas para o espírito humano, ao
envolver o adepto na ilusão de estar trilhando um caminho seguro, verdadeiro, muito bem pavimentado
pelos escribas modernos. O caminho da fé cega é confortável, largo, nada exigindo do andarilho senão
uma certa atenção para com os sinais colocados em suas margens: os ritos e as práticas criados pelo
intelecto confessional, que mais não fazem senão fomentar a vaidade de cada afiliado. Nesse falso
caminho, os fiéis têm a ilusão onírica de estar marchando muito à frente de todos quantos não
professam a mesma crença. Uma viagem em tudo semelhante à proporcionada por narcóticos, com a
diferença de que nesta não há nenhum retorno para o espírito humano…
O comportamento de muitos cristãos de hoje é a repetição moderna da imagem dada por Jesus
sobre o fariseu e o publicano14, que oravam juntos no templo:
“O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo desta forma: Ó Deus, graças te dou porque
não sou como os demais homens, ladrões, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;
jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé,
longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê
propício a mim, pecador!”
(Lc18:11-13)
Em seguida, Jesus deixa claro quem realmente tinha valor aí:
“Digo-vos que este [publicano] desceu justificado para sua casa, e não aquele [fariseu], porque
todo o que se exaltar será humilhado, mas o que se humilha será exaltado.”
(Lc18:14)

14
Os publicanos eram coletores de impostos. Os judeus os consideravam traidores e apóstatas, visto que cobravam tributos
para os ocupantes romanos. Só o fato de eles trabalharem em contato com estrangeiros já os tornava “imundos” aos olhos
dos judeus piedosos. Além disso, os tributos eram mesmo pesados: havia imposto sobre o rendimento, a comida, venda de
terras, compras diversas, exercício de profissões, além de taxas alfandegárias internas. Acredita-se que metade da renda de
um pequeno produtor daquela época era esvaída em impostos, o que os deixava pouco acima do patamar de subsistência.
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O caminho confortável (porque só tem descida) trilhado pelos adeptos da fé cega, tido por tantos
como seguro, é na verdade o “caminho espaçoso que conduz para a perdição” (Mt7:13), é “a estrada
larga que conduz à morte” (Pv12:28), cujo fim é o abismo insondável: “o caminho dos pecadores é
bem pavimentado, mas seu fim é o abismo” (Eclo21:10). Em sentido oposto está o “apertado caminho
que conduz para a vida” (Mt7:14), muito mais difícil de ser percorrido, requerendo do postulante uma
disciplina férrea e perseverante para o bem, pois tão-somente “quem observa a disciplina caminha
para a vida” (Pv10:17), ao passo que “aquele que rejeita a disciplina despreza sua alma” (Pv15:32).
Oito séculos antes da vinda de Cristo, o poeta grego Hesíodo intuiu esta mesma imagem e a
transcreveu com a linguagem que lhe era própria: “O mal você pode obter facilmente, e em
quantidade: a estrada é suave e está sempre perto. Contudo, à frente da excelência os deuses imortais
colocaram suor; o caminho para a excelência é longo, íngreme e áspero de início.”
Esse caminho disciplinado para o Alto, em direção à Pátria espiritual, que se pauta
exclusivamente pelas leis da Criação, é aquele escalado pelo verdadeiro sábio, pois só “quem age
sabiamente há de salvar-se” (Pv28:26). Por isso, “o sábio escala o caminho da vida, para evitar a
descida à morada dos mortos” (Pv15:24). Ao contrário da cômoda estrada larga que desliza para a
morte espiritual, o caminho que conduz para cima, para a vida eterna, necessita portanto ser escalado
com todo o empenho pelo próprio interessado, requerendo esforço pessoal, permanente, no sentido do
progresso espiritual.
O ser humano tem a escolha. Ainda.

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CAPÍTULO 2
JESUS ENSINA AOS HOMENS AS LEIS DE SEU PAI

Leis Inflexíveis Regem a Criação


Antes de discorrermos com maior profundidade a respeito dos ensinamentos de Jesus sobre as
leis da Criação de seu Pai, vamos procurar formar uma imagem da natureza e atuação delas.
Há um princípio básico da ciência do Direito que afirma: “o desconhecimento de uma lei não é
uma justificativa válida para se descumpri-la”. Essa diretriz, porém, é impossível de ser observada para
as leis existentes, tal seu número e complexidade. Uma pessoa que quisesse, realmente, conhecer toda
a gama de leis a que está sujeita no curso de sua vida terrena, teria de gastá-la inteiramente no estudo
aprofundado das inúmeras legislações em vigor. E é bastante provável que não atingisse seu objetivo.
Mas esse princípio permanece válido para as leis da Criação, a que o ser humano igualmente está
sujeito durante sua peregrinação, já que ele próprio é também uma espécie dentro dela, como tantas
outras. O princípio permanece válido porque, contrariamente às dos homens, essas leis naturais são
muito simples e claras. Ninguém pode desobedecê-las sob alegação de ignorância, pois basta um
mínimo esforço de observação para se reconhecê-las. São elas, sim, os “atributos invisíveis de Deus,
que claramente se reconhecem desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que
foram criadas.” (Rm1:20). A Criação inteira, formada e sustentada por esses atributos, constitui a fala
do Senhor às Suas criaturas, a Sua linguagem: “Sua harmonia se estende sobre toda a Terra, e Sua
linguagem até as extremidades do mundo” (Sl19:5). O filósofo Fílon de Alexandria (20 a.C.? – 50
d.C.) chamava essa linguagem de “Lei não escrita da Natureza”. O cientista e filósofo inglês Francis
Bacon (1561 – 1626), seguindo na mesma linha, afirmou que “não há, de longe, nenhuma
interpretação superior à da Natureza”.
Todas as leis descobertas pela ciência nada mais são do que efeitos mínimos, apenas
terrenalmente perceptíveis, dessas leis universais abrangentes, que traspassam tudo, perfluem tudo e
mantêm tudo o que existe, inclusive o plano material da Criação posterior e, por conseguinte, também
esse nosso pequeno planeta.
A terceira lei de Newton ou lei da ação e reação, por exemplo, segundo a qual um corpo sempre
reage com força igual e em sentido contrário àquela aplicada sobre ele, é um efeito grosso-material, em
escala reduzida, de uma lei universal básica denominada Lei de Causa e Efeito, ou mais
apropriadamente Lei da Reciprocidade.
Em sentido amplo, essa lei faz retornar a cada pessoa aquilo que ela mesma produziu, seja
através de pensamentos, palavras ou ações. Devolve a cada indivíduo o que foi gerado, não importando
se foram coisas boas ou más. O que a física conhece é o efeito terreno, na matéria grosseira a nós
visível, de uma lei cujo enunciado básico Jesus já dera à humanidade há dois mil anos com as palavras:
“o que o ser humano semear, isso ele colherá” (Gl6:7).
A Lei da Reciprocidade faz de cada ser humano juiz de si mesmo, coloca em suas mãos o
controle do tear da Criação, através do qual é tecido o tapete do seu destino. A própria palavra carma
(do sânscrito karman) significa ação, correspondendo a uma re-ação natural e automática a um ato
prévio praticado pelo ser humano.
Como a Lei da Reciprocidade estabelece que tudo aquilo que produzimos retorna sempre a nós
mesmos, aos geradores, então fica claro que se semearmos coisas boas colheremos frutos bons, doces e
suculentos, e que se semearmos coisas más teremos então de deglutir frutos amargos e podres.
Observe-se que Jesus não disse que o ser humano poderia colher, ou que talvez colhesse, mas sim
afirmou taxativamente: colherá, sem meio-termo, sem escolha, sem escapatória.
É uma situação análoga a que ocorre numa semeadura aqui na Terra. Sabemos, por exemplo, que
numa plantação de arroz não pode brotar nenhum ramo de trigo, e que numa de feijão jamais surgirá
um grão de soja. Essa regra vale para qualquer espécie vegetal: “acaso pode uma figueira produzir
azeitonas ou uma videira produzir figos?” (Tg3:12). Não, não pode, assim como “não se colhem figos
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de espinheiros nem uvas de urtigas” (Lc6:44). A esse respeito, também o filósofo latino Sêneca (4 a.C.
– 65 d.C.) já constatara muito apropriadamente : “O bem não sai do mal, assim como o figo não sai da
oliveira.”
Continuando com essa metáfora da semeadura, podemos asseverar que se porventura semearmos
cardos, não poderá surgir dessa sementeira nenhuma fruta apetitosa. Naturalmente ninguém duvidará
disso, de tão óbvio. Contudo, essa mesma lei natural que atua numa sementeira terrena de modo assim
tão implacável, não admitindo o menor desvio em seus efeitos, a ponto de considerarmos isso de uma
obviedade ululante, essa mesmíssima lei age igualmente sobre o ser humano, que nada mais é também
do que um fruto da Criação, como tantos outros.
Um fruto, aliás, bem pequeno dentro do imenso pomar da natureza, uma criatura como qualquer
outra, apenas com a diferença marcante de ser a única que trabalha diligentemente há milênios pela sua
própria destruição. Por ser uma criatura, o ser humano está sujeito incondicionalmente às leis naturais,
que nunca permitem que algo insano permaneça conspurcando indefinidamente a natureza…
Esse ensinamento de incondicional reciprocidade já fora transmitido à humanidade em
numerosas passagens do Antigo Testamento, sempre pródigo em esclarecer que tanto o justo como o
ímpio são responsáveis pelo seu próprio destino, confirmando com esses adágios sábios que, de fato,
“peso e balança justos pertencem ao Senhor” (Pv16:11). Vejamos alguns deles:
• Quem derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu. (Gn9:6);
• Como fizeste aos outros, será feito contigo! Os atos que praticaste cairão sobre tua cabeça! (Ab15);

• Aqueles que cultivam a iniqüidade e semeiam a miséria são também os que as colhem. (Jó4:8);

• Sua maldade se volta contra ele, sobre o crânio lhe cai a própria violência. (Sl7:17);

• O Senhor me tratou conforme a minha justiça, retribuiu-me segundo a pureza de minhas mãos.
(Sl18:21);

• A ti, Senhor, pertence a graça, pois a cada um retribuis segundo as suas obras. (Sl62:13);

• Comerão do fruto do seu procedimento, e dos seus próprios conselhos se fartarão. (Pv1:31);

• O salário do justo é a vida; o ganho do ímpio, o pecado. (Pv10:16);

• A justiça dos retos os salva, mas em sua própria cobiça os pérfidos se prendem. (Pv11:6);

• O homem bondoso faz bem a si mesmo, mas o cruel a si mesmo se fere. (Pv11:17);

• O perverso recebe um salário ilusório, mas o que semeia justiça terá recompensa verdadeira. (Pv11:18);

• Tão certo como a justiça conduz para a vida, assim quem segue o mal para a sua morte o faz.
(Pv11:19);

• Quem promove o bem se enriquecerá; quem dá de beber, mata a própria sede. (Pv11:25);

• Quem procura o bem alcança favor, mas o que corre atrás do mal, este lhe sobrevirá. (Pv11:27);

• Cada um se farta de bem pelo fruto da sua boca, e o que as mãos do homem fizerem ser-lhe-á
retribuído. (Pv12:14);

• A desgraça persegue os pecadores; aos justos, a paz e o bem. (Pv13:21);

• Quanto àquele que paga o bem com mal, não se apartará o mal da sua casa. (Pv17:13);

• Quem semeia injustiça recolhe desgraça. (Pv22:8);

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• Quem abre uma cova nela cairá; quem rola uma pedra, sobre ele cairá. (Pv26:27);

• Quem leva os retos para o mau caminho cairá na sua própria armadilha, mas os íntegros herdarão o
bem. (Pv28:10);

• Cada qual será tratado segundo suas obras. (Eclo16:14);

• Quem lança uma pedra no ar, a vê recair sobre sua cabeça; a ofensa feita por traição atingirá também o
traidor. (Eclo27:25);

• O mal que o homem comete retorna contra ele. (Eclo27:27);

• O justo é feliz, pois comerá o fruto de suas ações. Infeliz o mau, ai dele, pois será tratado segundo
mereçam seus atos. (Is3:10,11);

• Como fizeste, assim se fará contigo: o teu malfeito tornará sobre tua cabeça. (Ab15).
Ainda no âmbito do Antigo Testamento, os livros do Pentateuco registram vários quadros de
reciprocidade. Vemos ali que enquanto o povo israelita se mantinha fiel às condições da Aliança com o
Senhor, a viagem através do deserto e a vida corriam bem para todos, mas quando desobedecia, isto é,
quando pecava, o resultado eram atrasos, derrotas e morte. No livro de Juízes vemos a mesma situação
repetida vezes sem conta: recompensa na obediência, castigo na desobediência. Sem contemporização.
O profeta Amós se referiu à impossibilidade de alguém fugir dos efeitos da reciprocidade com uma
imagem bastante singela: “É como o indivíduo que foge de um leão e topa com um urso; ou que,
entrando em casa, apóia a mão na parede e é mordido por uma cobra” (Am5:19). O apóstolo Paulo
aludiu à reciprocidade que atingiu os israelitas durante o êxodo em sua primeira Epístola aos Coríntios:
“A maior parte deles desagradou a Deus, e por isso caíram mortos no deserto” (1Co10:5).
No Novo Testamento também encontramos várias passagens indicativas da atuação da Lei da
Reciprocidade. Particularmente no livro do Apocalipse 15 o conceito de reciprocidade está sempre
presente, como neste exemplo: “Se alguém leva para cativeiro, para cativeiro vai; se alguém matar à
espada, necessário é que seja morto à espada” (Ap13:10). A sabedoria popular assimilou essa verdade
da reciprocidade indesviável e formou o conhecido ditado: “Quem com ferro fere, com ferro será
ferido”.
Todavia, quando Jesus disse que o ser humano teria de colher o que semeasse, estava
transmitindo o funcionamento dessa Lei da Reciprocidade de uma maneira absolutamente abrangente e
condensada, que mais clara não poderia ser. Tal lei, que atua tão inflexivelmente em relação às
sementes produzidas pela natureza, a ponto de, conforme vimos, nem nos darmos conta dela, atua
também com a mesma inflexibilidade, com a mesma segurança e implacabilidade em relação às
sementes produzidas pelo próprio ser humano, que são suas intuições, seus pensamentos, suas palavras
e suas ações. Essas sementes também são plantadas num campo específico de cultivo, constituído de
uma matéria mais fina do que a que compõe nosso mundo terrenal, razão pela qual não as distinguimos
com nossos olhos corpóreos. Contudo, elas igualmente brotam lá naquele campo, também crescem e
dão os frutos correspondentes, os quais então têm de ser colhidos por quem as semeou.
Uma semeadura má de matéria fina é como uma pedra amarrada com um fio elástico e presa à
mão de uma pessoa, que a lança com maior ou menor força contra algo ou alguém. Atingindo ou não
seu alvo, a pedra sempre retornará para a pessoa que a jogou, também com maior ou menor
intensidade, dependendo da força com que foi lançada. A pessoa em questão pode representar a
humanidade, um povo, uma comunidade, ou ainda o próprio ser humano individual. A pedra
representa o produto gerado pela vontade má: as intuições negativas, os maus pensamentos, as palavras
maldosas e as ações erradas. O elástico, por sua vez, é absolutamente indestrutível: representa a
atuação dessa incontornável Lei da Reciprocidade. Tão incontornável ela é, que o apóstolo Paulo
advertiu os Gálatas na explosiva carta que lhes dirigiu: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer!”
15
A palavra apocalipse deriva do grego apokalypsis: re-velação, significando literalmente “retirar o véu”. Na verdade, nem
tudo o que é revelado nessa revelação é relevante, mas só o que se revela revelador. Esse tema é tratado no segundo volume
deste livro.
48
(Gl6:7). A respeito dessa sentença, diz Abdruschin em sua obra Na Luz da Verdade, dissertação “Eu
sou o Senhor, Teu Deus!”:

“O saber da perfeição de Deus e o fato de tê-la sempre em mente são a chave


para a compreensão da obra de Deus, à qual pertence igualmente o próprio ser humano.
Então reconhecerá a força dominadora e a severa advertência da sentença: ‘Deus
não se deixa escarnecer!’ Por outras palavras: Suas leis se cumprem ou se efetuam
imutavelmente. Ele deixa funcionar as engrenagens da Criação, conforme as ajustou.
Um homúnculo nada alterará nisso. Se o tentar, o máximo que poderá conseguir será
que todos aqueles que o seguirem cegamente sejam dilacerados juntamente com ele. De
nada lhe adianta, se acredita de modo diferente.”

O ser humano que tem convicção na Justiça do Criador, sabe intimamente que nada de mal
poderá atingi-lo se ele mesmo não tiver dado motivo para isso. Se é tocado por algo desagradável,
então tem de apontar o dedo somente para si mesmo; da mesma forma, ele também saberá que agiu
corretamente quando recebe inesperadamente algo de bom. Tudo o que fazemos aos outros fazemos,
na realidade, a nós mesmos. Aquilo que damos, recebemos; o que semeamos, colhemos. Sempre.
Tanto em qualidade como em quantidade. Não existem injustiças nos efeitos da reciprocidade. Em sua
segunda Epístola aos Coríntios, Paulo ensinou: “aquele que semeia pouco, pouco também ceifará, e o
que semeia com fartura, com abundância também ceifará” (2Co9:6).
Se não existem injustiças, naturalmente também não podem existir sofrimentos injustos.
Geralmente se considera os acidentes, as doenças graves, as decepções, etc., como golpes arbitrários
do destino, como dores perfeitamente dispensáveis, uns “azares” da vida que atingem ao acaso essa ou
aquela pessoa. É o que aparentam externamente, contudo não é assim.
Não existe nenhum tipo de injustiça nos efeitos recíprocos que nos atingem nesta nossa época.
Não há arbitrariedade de espécie alguma. Tudo, mas tudo mesmo que nos toca agora foi gerado por
nós mesmos, em algum ponto da nossa existência. O homem sempre colhe o que semeia. Sempre
colhe. Com efeito, “o mal não sai do pó, e o sofrimento não brota da terra: é o homem quem causa o
sofrimento como as faíscas no ar” (Jó5:6,7). Sim, nenhum fio de cabelo nos pode ser arrancado
(cf. Lc21:18), se nós mesmos não tivermos fornecido as condições para isso.
A dor que nos assola vez ou outra, seja do corpo ou da alma, não tem apenas a função benfazeja
de ajudar a conservar a saúde física, mental e anímica. A sua atuação vai além. Ela é um efeito direto
da Lei da Reciprocidade – a guardiã da ordem na Criação. É o efeito final de uma atuação anterior
contrária às disposições que regem a natureza. Quem é atingido por uma dor deve não somente
procurar limpar as toxinas do corpo e da alma, mas também reconhecer que fez algo de errado, quer se
trate da vontade interior, dos pensamentos, das palavras ou dos atos praticados. A gravidade do erro
que foi perpetrado outrora pode ser avaliada pela intensidade da dor que nos atinge, pois não podemos
receber nada diferente daquilo que nós mesmos geramos, que nós mesmos semeamos.
Há aqueles que, misteriosamente, são atingidos só de raspão por alguns poucos golpes
esporádicos, e chegam ao fim da vida com apenas algumas escoriações. Outros, ao contrário, são
duramente golpeados, profunda e continuamente, de modo que suas feridas nunca cicatrizam
inteiramente. Para eles, a vida se resume num martírio intermitente. Passam suas vidas monitorando
temerosamente essa espada de Dâmocles da dor, que vez por outra desce inesperadamente sobre eles,
golpeia-os sem dó nem piedade e retorna à sua posição ameaçadora. Por que essa diferença?
A dor nunca é obra do acaso, nunca é injusta. Dores tidas como injustas só são consideradas
assim porque falta à humanidade hodierna a visão das verdadeiras causas. Essa visão lhe foi sendo
subtraída paulatinamente, ao longo de milênios, à medida que se afastava cada vez mais do modo
correto de vida, preconizado por leis universais e reiteradamente ensinado a ela pelos vários
Precursores e profetas dos tempos antigos. Hoje, a maior parte dos seres humanos é constituída de
míopes e cegos espirituais, absolutamente incapazes de enxergar essa verdade tão simples, de que tudo
quanto nos atinge foi provocado por nós mesmos, como seres de espírito que somos, em alguma época
da nossa existência, que abrange milhares de anos e não apenas algumas poucas décadas de uma única
vida terrena.

49
É essa visão curta que impede a humanidade de descobrir quem colocou as espadas de dor
individuais sobre a cabeça de cada um. Cada um de nós forjou sua própria espada e a colocou sobre a
cabeça no exato momento em que deu o primeiro passo em qualquer um dos inúmeros falsos atalhos
abertos por essa mesma humanidade, os quais levam por fim à perdição, desprezando assim o caminho
verdadeiro previamente existente, colocado à nossa disposição pelo Criador. E quanto mais longe
alguém enveredou por algumas dessas falsas veredas, sem dar atenção aos avisos e advertências que
ainda chegavam até ele, tanto mais afiado foi se tornando o fio da sua espada particular e tanto mais
golpes recebeu e continua recebendo, na tentativa de fazê-lo reconhecer seu erro e retomar ainda a
tempo o caminho certo, tão leviana, teimosa e criminosamente abandonado. Portanto, há de se
reconhecer somente imenso Amor nos efeitos recíprocos dolorosos que nos atingem em nossa
peregrinação pelas materialidades, independentemente da crença de cada um, os quais nos conservam
vivos espiritualmente: “[O Senhor] corrige o homem com dores no leito, para impedir sua alma de cair
na cova, e sua vida de cruzar o canal da morte” (Jó33:19,18).
Poderíamos fazer uma analogia disso com uma situação bastante comum do dia-a-dia, quando se
vai fazer uso de um automóvel. Ao se abrir a porta, uma borboleta ou qualquer outro inseto voador
entra no carro e começa a se debater no vidro da frente. A pessoa que está no carro procura ajudar a
borboleta a escapar dali, dando-lhe pequenos golpes com a mão. Para a borboleta, porém, a situação é
desesperadora: além de estar presa em algo que não vê, ainda existe alguma coisa tentando golpeá-la
por trás! Ela não sabe que aqueles golpes estão, na verdade, auxiliando-a, para que reencontre o
caminho da liberdade perdida. De maneira semelhante ocorre com o ser humano que por vontade
própria ficou preso nas teias invisíveis dos falsos caminhos, mas que, mesmo assim, se mostra
merecedor de auxílio, devido aos esforços sinceros em querer seguir os preceitos do seu Criador.
Receberá sua ajuda com toda a certeza, pouco importando a forma como isso se dê, se lhe causa ou
não algum sofrimento momentâneo. Um ser humano que tenha adquirido um tal reconhecimento
jamais se atreverá a perguntar novamente: “Se o Senhor está conosco, por que nos vieram todos esses
males?” (Jz6:13). Saberá que a reciprocidade é efeito do mais puro Amor!
Cito aqui um trecho da dissertação “O Guia Espiritual do Ser Humano”, da obra Na Luz da
Verdade, de Abdruschin:

“Graça e Amor, única e exclusivamente, se encontram nos efeitos de todas as


leis que existem na Criação, e as quais, ascendendo, convergem finalmente para a única
e grande lei fundamental: a lei do Amor!”

Uma dor profunda é capaz de libertar a intuição dos emaranhados terrenos e de levá-la a uma
região de onde pode advir auxílio. A dor profundamente intuída eleva-se qual um grito de socorro,
mesmo que ainda não se tenha moldado numa oração. E quando a aflição está no auge, aí é que o
auxílio do Senhor se encontra mais próximo de nós: “Perto está o Senhor de todos os que O invocam,
de todos os que O invocam em verdade. Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas
tribulações” (Sl145:18;46:1). A súplica de uma alma aflita eleva-se poderosamente para cima, porque
nesse momento tudo quanto é inferior terá ficado para trás: “Senhor, escuta minha oração e chegue a
Ti o meu clamor! Não me ocultes o Teu rosto no dia da minha angústia!” (Sl102:2,3). Para esta alma
que clama auxílio, purificada pela dor, o Senhor não ocultará o Seu semblante, mas a libertará de sua
angústia pela atuação das leis que inseriu na Criação: “Na sua aflição, clamaram ao Senhor, e Ele os
livrou de suas angústias” (Sl107:6).
O livramento permanente da angústia é garantido pela disposição íntima do aflito de viver daí
em diante de modo renovado, sempre em conformidade com as leis naturais. Decorre de sua firme
intenção de finalmente voltar-se para o Senhor e escutar Sua voz, a qual fala nitidamente para ele
através dessas mesmas leis: “Quando estiveres na aflição, quando tudo isto te ocorrer, nos dias futuros,
voltarás ao Senhor, teu Deus, e escutarás Sua voz” (Dt4:30). Essa “volta ao Senhor para escutar Sua
voz” é a mesma coisa que “fazer a Sua Vontade”, condição incontornável para poder também ser
ouvido por Ele, nesse colóquio entre o Criador e Sua criatura: “Se alguém é piedoso e faz a Sua
Vontade, a este Ele ouve” (Jo9:31).

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A Lei da Reciprocidade também dispõe sobre o equilíbrio. Observamos nitidamente seus efeitos
nos locais onde a influência humana ainda não chegou. Um ecossistema ainda não corrompido pela
ação humana desagregadora estará sempre em equilíbrio. Jamais apresentará uma disparidade
acentuada entre o número de espécies que o compõem. Também nunca se observará ali algum dos
integrantes tentar destruir o ecossistema, visando angariar vantagens para si… Não haverá tampouco
uma espécie desprovida do necessário para sua sobrevivência, tendo de passar por penúrias materiais.
As aves do céu, por exemplo, “não semeiam, não colhem nem ajuntam em celeiros, contudo o Pai
celeste as sustenta” (Mt6:26); Ele também “dá alimento aos animais e aos filhos dos corvos” (Sl147:9).
Sim, “o Senhor dá o alimento a todo ser vivo, pois eterno é Seu Amor” (Sl136:25), ou seja, cada uma
de Suas criaturas sempre disporá do necessário para a manutenção da vida terrena, em consonância
com a atividade das leis universais eternas, oriundas do Amor divino: Ele “nos dá tudo com
abundância, para nosso usufruto” (1Tm6:17).
Os seres que pertencem a um ecossistema dão de alguma maneira algo para o todo, e recebem
em contrapartida o necessário para sua subsistência. Vivem num equilíbrio contínuo entre o dar e o
receber. Mesmo as espécies do reino vegetal obedecem automaticamente a essa Lei do Equilíbrio.
Plantas e árvores recebem da natureza os nutrientes do solo e dão a ela flores e frutos; utilizam o gás
carbônico da atmosfera e devolvem a ela o oxigênio.
Já a espécie humana se comporta de maneira diferente. Justamente ela, que com sua organização
social deveria constituir um exemplo vivo de obediência incondicional à Lei do Equilíbrio, desprezou-
a com teimosia, na mais leviana autopresunção, apresentando-se arrogantemente diante do Criador
com a “mão aberta para receber e fechada para retribuir” (Eclo4:31).
Devido à sua constituição espiritual, a espécie humana ocupa uma função especial dentro da
natureza. Sua missão consiste em elevá-la e enobrecê-la, aperfeiçoando na matéria o modo de
cumprimento das leis vigentes. Assim estava previsto. Um contínuo e harmônico desenvolvimento,
terreno e espiritual, levado a efeito pela atuação do espírito humano na matéria, sem enaltecer um em
detrimento do outro. Tal como Jesus indicou na frase: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é
de Deus” (Mc12:17).
No entanto, como vimos no capítulo anterior, essa expectativa não se confirmou. Todas as outras
espécies continuaram obedecendo a seu modo, instintivamente, as leis da Criação, mas o ser humano,
o elevado ente espiritual que deveria zelar pela natureza, não deu nenhuma importância a essas leis
básicas. Leis que vigoravam antes do seu aparecimento na Terra… Não procurou conhecê-las nem
compreendê-las, muito menos ainda cumpri-las. Colocou-se presunçosamente acima delas, como se
não lhe dissessem respeito. Em sua inconcebível arrogância arvorou-se em senhor da Criação,
enquanto nem cumpria seus deveres de simples hóspede dentro dela. Plantou sementes más, e por isso
colhe hoje os frutos correspondentes: violência, miséria, fome, doenças.
Essas desgraças não são obras do acaso, não são golpes do destino nem castigos divinos, mas
tão-somente efeitos automáticos da vontade humana errada. Jamais esteve previsto que coisas desse
teor tivessem de existir aqui na Terra, nem em parte alguma da Criação. Foi a própria humanidade que
insistiu em criar para si mesma esses males, ao atuar sistematicamente durante milênios e milênios em
sentido diametralmente oposto ao indicado por essas leis férreas. Foi ela que montou sua caixa de
Pandora com esse horrores, que a Lei da Reciprocidade tratou de abrir. Ao invés de direcionar seu
livre-arbítrio para incrementar ainda mais a beleza circunjacente, como era com razão dela esperado, a
humanidade fez o inverso disso. E agora… agora ela olha perplexa para o resultado do seu querer,
obrigada a viver em meio ao horror de suas obras falsas.
A Bíblia nos dá indicações sobre o porquê dessa calamidade, conforme enfatiza o teólogo
italiano Bruno Maggioni: “A visão da Bíblia é de que o sofrimento não vem de Deus como algo
positivo; vem do pecado.” Sim, do pecado gerado e praticado em múltiplas formas pelo Homo sapiens,
que de “sapiens” só tem mesmo esse irônico título auto-outorgado, visto que jamais quis de fato
adaptar-se sabiamente, como um ser pensante, às vigentes leis naturais. Longe disso. Nossa espécie
optou por construir para si um habitat artificial aqui na Terra, onde passaram a vigorar outras leis,
desconhecidas da natureza até então: egoísmo, cobiça, imoralidade, inveja, astúcia, ódio. O ser
humano quis dominar a natureza imaculada para reinar inconteste sobre ela para sempre. E, para tanto,
não se deteve diante de nada: poluiu o ar, sujou rios e mares, envenenou o solo, maltratou e matou

51
animais que, como ele, também tinham o mesmo direito de viver e se desenvolver neste planeta. Ele é
a própria imagem do destruidor, do “perverso, de coração cruel, que não atenta para a vida dos seus
animais” (Pv12:10). Tudo tinha de girar em volta dele, o Universo inteiro havia sido criado
unicamente para servi-lo…
Rematada tolice é pouco para descrever tamanha arrogância, à qual é preciso acrescentar ainda
uma enorme dose de estupidez. Só mesmo estupidez em alta dosagem não deixa perceber que tudo
quanto é vivo na natureza apresenta um múltiplo valor de utilidade. De bactérias a baleias, de arbustos
a sequóias, tudo tem sua função no mundo. A necessidade de ser útil no conjunto da natureza é
condição indispensável para uma espécie poder continuar a fazer parte dela. Enquanto uma
determinada espécie seguir esse curso natural de desenvolvimento, aperfeiçoando continuamente a
contribuição que dá à natureza como um todo, ela tem assegurada sua permanência no mundo,
protegida pela própria natureza. Mas, se por qualquer motivo se afastar desse caminho natural,
tornando-se nociva ao invés de útil, será simplesmente eliminada do mundo, por efeito automático de
leis também naturais. Uma espécie mutante perniciosa é automaticamente excluída, para resguardo e
proteção das demais espécies. Trata-se apenas de um processo de autoconservação global, que a
humanidade está sendo obrigada a vivenciar agora da maneira mais dramática possível, na forma de
doenças terríveis, alterações das condições ambientais do planeta e catástrofes naturais crescentes.
A humanidade se comporta, já há muito, como uma unha infeccionada de um artelho, a qual vem
resistindo a todas as tentativas de cura. Contudo, se a infecção avança e se mostra mesmo incurável, é
preciso extrair a unha ruim, para que o dano não progrida e acabe afetando o funcionamento de todo o
pé. No lugar da unha arrancada, logo crescerá uma nova unha sadia. A única coisa desconcertante no
processo curativo análogo em curso no corpo da Criação, é que essa unha, que representa a
humanidade, já está tão degenerada pela doença que acredita poder continuar crescendo fora do
corpo…
Ainda como decorrência direta da lei básica da Reciprocidade, temos também a necessidade de
movimentação na Criação.
Na escola aprendemos que um corpo só pode conservar seu movimento se suplantar as forças
que a ele se antepõem. Na Terra, o atrito e a gravidade agem freando o movimento dos corpos, de
modo que é preciso sempre gastar determinada quantidade de energia para se conservar um movimento
qualquer. Automóveis, aviões e foguetes queimam combustível para manterem-se em movimento;
pássaros têm de vibrar suas asas para permanecerem no ar, e peixes as suas barbatanas para não
afundar. Todo corpo precisa de um aprovisionamento contínuo de forças, que despende para
conservar-se em movimento. E tem de prosseguir movimentando-se continuamente, se não quiser
descer do lugar em que se encontra.
Se for impedido disso por qualquer motivo, a lei da adaptação o moldará de acordo com o
respectivo grau de movimentação. Normalmente se diz que pingüins, emas e avestruzes não podem
voar porque suas asas são muito pequenas e inapropriadas para o vôo. Na verdade acontece o
contrário. Por terem deixado de voar devido à sua adaptação de vida no solo, suas asas se atrofiaram e
não permitem mais que esses pássaros voem. O bicho-da-seda é outro exemplo: por ter sido cultivado
por tanto tempo pelo homem, perdeu a capacidade de voar. Se o ser humano, por qualquer motivo, não
movimentar suas asas espirituais, essas igualmente se atrofiarão, de modo que não poderá mais alçar
um vôo às alturas, mesmo que queira.
Na Criação, parar significa estagnação, retrocesso, a que se segue a deterioração. Se um cantor
não exercita sua voz, ela logo perde o timbre e a vivacidade; se deixarmos de falar ou escrever uma
língua que tivermos aprendido, logo esqueceremos seus princípios básicos e teremos dificuldades
crescentes em nos comunicar com ela; se um braço fica engessado por muito tempo, se atrofia e
enrijece; se a água da chuva se acumula numa poça qualquer, apodrecerá em pouco tempo. Na física,
esse fenômeno de perda de utilidade, ou “aumento da desordem”, é chamado de entropia. Os cientistas
constataram que num sistema fechado (sem movimentação), a desordem, portanto a entropia, sempre
cresce com o tempo. Esta é, aliás, a base da segunda lei geral da termodinâmica.
Essa lei terrenamente reconhecida, porém, é apenas mais um corolário, somente mais um efeito
visível na matéria de uma lei muito mais ampla: a Lei do Movimento na Criação. Essa Lei do
Movimento estabelece que a conservação e o desenvolvimento só são possíveis através da

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movimentação permanente. Assim como acontece com as demais, também essa lei atravessa todos os
planos da obra da Criação, perfluindo por conseguinte todas as suas criaturas. Por essa razão, o espírito
humano também está sujeito a ela, independentemente se vive aqui na Terra ou em alguma outra parte
do assim chamado Além.
Por isso, se quiser manter-se sadio, se pretender, inclusive, permanecer existindo, o espírito
humano precisa movimentar-se continuamente. E na direção certa. Tem de aperfeiçoar-se
constantemente no sentido do bem. Tem de fazer prevalecer sua vontade sobre os obstáculos que a ela
se antepõem, como o comodismo, a indolência, as falsas diretivas impostas pelo raciocínio cismador, a
crença cega e tanta coisa mais. Se não se animar em suplantar esses obstáculos, também ele, o espírito
humano, acabará estacionado em seu desenvolvimento, cuja conseqüência inicial é o atrofiamento de
suas capacitações e, por fim, a sua própria e automática desintegração. No gigantesco mecanismo da
engrenagem universal uma peça defeituosa é simplesmente lançada fora num dado momento, para que
o conjunto inteiro não sofra danos.
Foram igualmente esses dois maiores inimigos da humanidade em todas as épocas: o domínio
irrestrito do raciocínio e a concomitante indolência do espírito, que cuidaram de eliminar todos os
impérios que já passaram por aqui, tidos e havidos como eternos em suas respectivas épocas, mas cujo
apogeu nada mais era no fundo do que uma mistura pútrida de cobiça e crueldade. Quadros falsos,
pintados com violência e lustrados com imoralidade, recobertos com um verniz de glória aparente.
Desde tempos imemoriais “o poder passa de uma nação a outra pela injustiça, pela violência e pela
riqueza” (Eclo10:8). E o resultado final sempre foi destruição e descalabro por toda a parte. Acaso
alguém supõe que agora, em nossa época, o processo será diferente? Vale lembrar que as leis da
natureza são as mesmas de outrora, e que elas são imutáveis, eternas… A História mostra com muita
nitidez como a violência é completamente inútil para a conservação de um Império. É o mesmo filme
de sempre, o mesmo roteiro, apenas rodado com outras personagens e em outras paragens. Assim se
mostraram a ascensão e queda dos Impérios Assírio, Babilônico, Romano, Bizantino, Britânico... No
auge de seu poderio, os colonizadores ingleses gostavam de dizer que no Império Britânico “o Sol
nunca se põe”. E os povos colonizados completavam: “e o sangue nunca seca...”.16
Da criatura humana é exigido, pois, que se movimente continuamente na direção certa, a fim de
manter sadia a si própria e seu ambiente. Essa movimentação deve servir-lhe também para obter uma
compreensão clara de suas atribuições dentro do imenso mecanismo da obra em que vive. Jamais
esteve previsto que o desenvolvimento do ser humano aqui na Terra tivesse de se processar no escuro,
às apalpadelas, sem uma compreensão clara de sua origem e missão. Pelo contrário. Desde o
nascimento do primeiro ser humano na Terra, já estava determinado que ele teria informações
crescentes sobre o sentido da vida e seu papel na engrenagem universal. Mas isso sempre e somente
quando atingisse, por si mesmo, um determinado grau de maturidade. Nunca antes, pois o solo precisa
estar adequadamente preparado para a semeadura, caso contrário ela não vinga.
Essa contingência espiritual de o ser humano ter de se esforçar sozinho para amadurecer
remonta, pois, aos primórdios da humanidade, e desde então não mudou de maneira alguma.
Permaneceu sempre a mesma, porque é determinada por essa Lei do Movimento na Criação. No
Antigo Testamento também vemos referências claras a respeito dessa lei, como nessa passagem de
Eclesiastes: “Quem somente observa o vento nunca semeará, e o que olha para as nuvens nunca
segará” (Ecl11:4).
Uma lei da Criação é, por definição, imutável, pois o que já é perfeito não pode, evidentemente,
estar sujeito a aperfeiçoamentos. É contingência indesviável que o ser humano precisa amadurecer por
si mesmo, através das vivências que encontra em suas peregrinações nas materialidades, caso quiser
ascender. Atingido um certo grau de maturidade, torna-se-lhe então possível acolher reconhecimentos
mais elevados, que levantam um pouco mais para ele o véu da atuação do mecanismo do Universo,
mas sempre dentro das limitações impostas pelo conceito que tem de espaço e de tempo.
O conceito de espaço e tempo também depende categoricamente da movimentação do espírito,
estando, portanto, vinculado à Lei do Movimento. As idéias científicas de tempos mutáveis, que

16
Exceção notável a essa seqüência de reinos fundamentados na violência foi o Império Inca. Ao leitor que desejar
conhecer mais sobre os Incas, o último povo na Terra ainda ligado à Luz, indica-se a obra A Verdade Sobre os Incas, de
Roselis von Sass.
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podem ser esticados ou encolhidos, são apenas tentativas de se compreender a variação do conceito de
espaço e de tempo, este sim mutável.
De fato, não é o tempo que muda, e sim a percepção que temos dele. Quanto mais elevado for
um espírito humano, tanto mais vivenciará e assimilará num determinado tempo. Em outros planos da
Criação, os conceitos de espaço e tempo são completamente diferentes, permitindo que um ser humano
nessas regiões vivencie muito mais do que seria possível aqui na Terra. Lá não atua mais o raciocínio
preso à matéria, e sim a intuição espiritual, que proporciona uma vivência muito mais intensa de tudo.
E isso vai num crescendo até o plano espiritual da Criação, denominado Paraíso, o destino final dos
espíritos humanos que se desenvolveram de modo certo. Lá, um ser humano vivencia no espaço de um
dia terreno tanto quanto em mil anos terrenos. Foi por isso que Pedro disse: “com o Senhor [isto é, no
reino Dele], mil anos são como um dia” (2Pe3:8), reproduzindo o mesmo ensinamento contido no
salmo: “Pois mil anos são aos teus olhos como o dia de ontem que passou” (Sl90:4), e que também
aparece no livro apócrifo de Jubileus: “Mil anos são como um dia no céu” (Jb4:29).17
A passagem a seguir tem o mesmo sentido: “Verdadeiramente, um dia em vossos átrios vale
mais que milhares fora dele” (Sl84:11). Esses átrios representam a região mais elevada que um ser
humano pode alcançar quando plenamente maduro: o reino espiritual a ele destinado, como máxima
distinção que possa ser conferida a um espírito humano. Correspondem aos vestíbulos de um Templo
excelso, o Supremo Templo do Graal, situado muito acima do Paraíso, no ápice da Criação primordial.
Quanto maior mobilidade apresentar, pois, um espírito humano, quanto mais aplicado e atuante
for, tanto mais vivenciará num certo espaço de registro de tempo, mesmo aqui na Terra. Exteriormente
isso se mostra como uma aparente dilatação temporal, isto é, tem-se a impressão de que para uma
determinada pessoa o tempo parece esticar, de forma a permitir que ela faça tudo a que se propusera.
Interiormente, porém, dá-se o contrário. Para aquela mesma pessoa o tempo parece voar, de modo que
mal consegue utilizá-lo como gostaria na consecução dos seus objetivos. Contudo, não foi o tempo que
voou com tamanha rapidez, e sim a respectiva pessoa é que atuou diligentemente dentro dele. Foi ela
que propriamente “voou” dentro do tempo, e por isso, somente por isso, ele pareceu passar tão rápido.
Dizem que, no fim da vida, Leonardo da Vinci se queixou de não ter tido tempo de fazer tudo quanto
gostaria…
O tempo está indissoluvelmente ligado ao espaço. Tempo-espaço é o binômio concedido a cada
criatura para o seu desenvolvimento, esteja ela na matéria ou em qualquer outra parte da Criação. A
primeira frase da Bíblia diz que “no princípio, Deus criou o céu e a Terra”. Esse “princípio” quer
significar o aparecimento do tempo e do espaço, dois conceitos atrelados à toda obra criada. Antes
desse “princípio” só existia o que não foi criado: o próprio Criador e a eterna esfera divina. O gênero
humano atua e se desenvolve dentro do espaço e do tempo inerentes à Criação: o Senhor do céu e da
Terra “fixou a seqüência dos tempos e os limites para a sua habitação” (At17:26).
O cientista Albert Einstein, um dos poucos que sobressaíram do costumeiro padrão rígido dos
discípulos da ciência, através de uma impressionante segurança intuitiva, estabeleceu como base de
sua revolucionária teoria da relatividade que as leis da natureza permanecem as mesmas para todos os
observadores em movimento livre. Com isso, ele demonstrou que o espaço e o tempo estavam
intimamente relacionados, de modo que um não poderia existir sem o outro.
Isso é um fato, contudo o tempo não se altera. Ele permanece parado. O que muda é, conforme
dito, a percepção que temos dele, segundo nossa própria mobilidade espiritual. É como numa viagem
de trem, em que a paisagem parece passar com maior ou menor rapidez diante da janela, conforme a
velocidade da composição. Apesar de dar essa impressão, não é a paisagem que se movimenta, e sim o
trem é que passa por ela com velocidade maior ou menor. A paisagem é o tempo, o trem é o espírito
humano, a velocidade é sua capacidade de vivenciar. Isso vale não somente para a vida terrena, mas
para toda a existência humana. A tão sonhada máquina do tempo sempre esteve ao alcance do ser
humano: é ele próprio.
Mesmo aqui na Terra podemos observar essa diferença de percepção do tempo ao longo da vida.
Todos nós, certamente, já notamos uma mudança na velocidade de assimilação dos fatos a partir da
adolescência. A partir daí o tempo parece correr mais rápido, porque é nessa época que o espírito passa
17
Ver, a respeito, a dissertação “E Mil Anos São Como Um Dia”, no segundo volume da obra Na Luz da Verdade, a
Mensagem do Graal de Abdruschin.
54
a atuar. Na infância tínhamos a nítida impressão de que o tempo passava mais devagar. Parecia
decorrer uma eternidade até o período de férias chegar; a festa de Natal, sempre ansiosamente
aguardada, era um evento que se repetia mui raramente; o dia do aniversário, então, parecia até um
golpe de sorte quando finalmente despontava. À medida que crescemos, a estória se inverte. Parece
que o tempo se acelera. Mal repetimos nossas eternamente imutáveis resoluções de ano novo, e as
semanas e meses já iniciam sua desabalada carreira. Quando nos damos conta já estamos prestes a
ultrapassar o primeiro semestre, para logo em seguida nos surpreendermos com os primeiros acordes
natalinos. E, no entanto, sabemos que as intermináveis horas da infância possuem os mesmos fugazes
60 minutos da fase adulta.
A explicação dessa mudança de percepção está, pois, na vivência. É a vivência do ser humano
que se intensifica a partir de certa idade, e não o tempo. O tempo não muda. Os movimentos dos
ponteiros do relógio apenas registram numericamente nossa passagem dentro do tempo aqui na Terra.
O tempo não passa, nós é que passamos dentro dele. Quando o corpo terreno atinge um determinado
estado de maturação, na adolescência, o espírito dentro dele passa a se fazer valer plenamente, e então
as vivências se intensificam. O simples início natural e automático da atuação espiritual já é, pois,
suficiente para alterar a percepção do tempo, mesmo aqui na Terra, em escala reduzida.
Contudo, na quase totalidade dos casos o espírito não atua como deveria a partir dessa época tão
especial da vida. Ao invés de se manter no comando da situação, conforme seria de se esperar e, aliás,
como é sua função, o espírito humano quase sempre se curva às imposições do raciocínio,
excessivamente estimulado e unilateralmente desenvolvido já no início da segunda década de vida.
A vontade espiritual não consegue se sobrepor à intelectiva, e assim o espírito, que é tudo no ser
humano, que é a bem-dizer ele próprio, quase sempre se torna escravo do seu raciocínio, um mero
instrumento a ele concedido para utilização durante a vida terrena.
Por isso, toda essa correria da vida moderna não constitui nenhum incremento real de vivência
para o espírito, conforme Jesus já indicara na advertência a Marta, irmã de Maria de Betânia: “Marta,
Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas; no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo
uma só” (Lc10:41). Toda essa lufa-lufa dos nossos dias é tão-só fruto da atividade cerebral, que
naturalmente só pode encontrar valor em coisas materiais, visíveis e palpáveis, inteiramente
consentâneas com o conceito terreno de espaço e tempo. O que se acha além do espaço-tempo terrenal,
o cérebro humano, pela sua própria constituição, não é capaz de assimilar nem de avaliar, enquanto
que o espírito, único capacitado para isso, encontra-se por demais fraco e sonolento para assumir a
tarefa.
E assim o ser humano passa pela vida terrena, celeremente, sem se preocupar em saber quem ele
é, de onde vem e qual a finalidade da sua existência. Pior: passa através da vida sem mesmo procurar
saber como deve proceder para poder continuar existindo na Criação. Nada disso tem importância para
ele, o espírito adormecido no esquife intelectual. Se o espírito humano atuasse como deveria, suas
vivências seriam incomensuravelmente mais ricas, transformar-se-iam em reconhecimentos
duradouros, indeléveis, e com isso em evolução.
Mas vamos voltar para o que aprendemos na escola. A gravitação descoberta por Newton,
dissecada posteriormente pela física relativística e constituindo até agora o último entrave à elaboração
de uma “teoria do campo unificado”, é igualmente o efeito terrenamente visível de uma segunda lei
básica da Criação: a Lei da Gravidade.
O enunciado da lei da gravitação universal, de Newton, estabelece que um corpo sempre atrai
outro com uma força proporcional ao produto de suas massas e ao inverso do quadrado da distância
que os separa. 18 Essa conta ainda precisa ser multiplicada por um fator invariável: a constante
gravitacional “G”. Aqui, na materialidade, podemos até determinar experimentalmente o valor dessa
constante gravitacional, medindo a força de atração entre dois corpos de massas conhecidas.
A absoluta perfeição com que essas interações se evidenciam no Universo material causa
assombro aos cientistas que se ocupam com o estudo delas. Um conceituado físico descobriu que se a
força que mantém unidos prótons e nêutrons fosse apenas alguns pontos percentuais mais intensa do
que é, o Universo não teria hidrogênio, e a água e as estrelas não poderiam existir. A vida seria
18
Uma nota curiosa: Newton era um cristão devoto e achava que sua melhor obra era uma interpretação do Livro bíblico de
Daniel. Deixou inúmeros comentários e referências a esse Livro, todos solenemente ignorados pela posteridade.
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impossível nessas condições. Um outro pesquisador verificou que se a constante gravitacional de
Newton tivesse um valor minimamente diferente, só existiriam estrelas dos tipos gigantes azuis e anãs
brancas, o que igualmente tornaria impossível o surgimento da vida em qualquer parte do Universo.
A mecânica quântica, que estuda a interação entre partículas subatômicas, destrinchou as forças
conhecidas na natureza em quatro tipos: gravitacional, eletromagnética, nuclear forte e nuclear fraca,
mas defende (com muita propriedade) que todas elas são provavelmente facetas distintas de uma força
única, a qual ainda não foi possível descrever numa teoria unificada. Dessas quatro interações
conhecidas, somente a gravitação ainda não se mostrou “quantificável” pela mecânica quântica, o que
naturalmente não invalida a teoria da existência de um campo único.
Essas quatro manifestações de força descritas pela mecânica quântica, terrenamente perceptíveis,
são, mais uma vez, expressões da muito maior e absolutamente abrangente Lei da Gravidade, da qual a
gravitação descoberta por Newton também constitui apenas um efeito mínimo. Como todas as outras, a
Lei da Gravidade perpassa toda a Criação, e não apenas os corpos siderais materiais, nos quais se
reconhece uma pequena parcela de seus efeitos.
Em sentido amplo, essa lei faz com que cada espírito humano ascenda ou desça às regiões a que
pertence, segundo sua constituição anímica. Ambos, ascensão e queda, são efeitos justos e indesviáveis
dessa Lei da Gravidade Espiritual que, tal como as outras leis universais, mantém em funcionamento
perfeito a imensa engrenagem da Criação, ajustada até as minúcias desde o início dos tempos. Almas
pesadas e sujas, carregadas de vícios e pendores, afundam após a morte terrena para regiões
igualmente densas e lúgubres, consentâneas com a constituição delas. Já almas leves e limpas,
purificadas, preenchidas de verdadeiro amor ao próximo e alegria de viver, ascendem automaticamente
para regiões mais luminosas.
Daí a advertência de Jesus: “Ficai de sobreaviso para que os vossos corações não fiquem pesados
pela embriaguez, pelas orgias e pelas preocupações da vida,…” (Lc21:34). Daí também o incitamento
explicitado nesse trecho da Epístola aos Hebreus: “Desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que
tenazmente nos assedia, corramos com perseverança a carreira que nos está proposta” (Hb12:1). Um
peso acarretado não somente por ações, mas também por pensamentos e até por palavras: “A cada um
será peso a sua palavra” (Jr23:36).
A atuação dessa lei também é retratada na história do homem rico e avarento que depois da
morte vai para um lugar de tormentos, nas profundezas. Lá ele vê Abraão e Lázaro “ao longe”, e pede
ao mendigo Lázaro, que conhecera em vida, que o ajude, o qual se encontra agora num lugar de paz,
numa região elevada. Mas Abraão, que está ao lado de Lázaro, lhe diz: “Está posto um grande abismo
entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá
passar para nós” (Lc16:26). Ou seja, a Lei da Gravidade cuida de manter a separação entre o que é
trevoso e o que é luminoso.
Com isso, já nos tornamos aptos a responder a pergunta: “Quem é que sabe se o espírito dos
humanos sobe para o alto e se o espírito dos jumentos desce para baixo, para a Terra?” (Ecl:3:21).
A alma do animal sempre ascenderá automaticamente, por efeito dessa lei, à região a que pertence por
sua constituição. Como a alma do animal não pode se tornar pesada, já que este nunca atua de modo
contrário às leis da natureza, sua alma enteal sempre ascenderá até o respectivo ponto de origem,
situado acima da materialidade. Poderá até conservar sua forma, caso tenha se fortalecido pelo
sentimento de amor. Já em relação ao ser humano… depende. Depende de como ele atuou aqui na
Terra com sua vontade intuitiva, seus pensamentos e suas ações. Se atuou de modo certo, sua alma,
incandescida pelo espírito, também ascenderá a regiões luminosas, consoantes à sua leveza. Mas, se
atuou erradamente, sua alma tornada com isso escura e pesada igualmente afundará, por efeito dessa
mesma Lei da Gravidade, a regiões tenebrosas e densas, de mesma constituição.
O filósofo grego Platão (427 – 347 a.C.) já dizia que uma pessoa muito apegada ao mundo
terreno ficava pesada após a morte, e não poderia mais ascender ao “mundo das idéias”, tendo de
retornar à Terra para uma nova vida na matéria. O Padre e Doutor da Igreja, Clemente de Alexandria
(150 – 213) – Titus Flavius Clemens – dizia que esse mundo das idéias não era outro senão o reino de
Deus, e que Platão havia aprendido de Moisés que se tratava de um lugar que continha todas as coisas
universalmente.

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A matéria age como uma âncora para espíritos de níveis distintos, de modo que todos podem se
encontrar e se comunicar aqui. Em nenhum outro lugar da Criação isso é possível. É como uma
imagem de balões multicoloridos, presos a fios de comprimentos diferentes e amarrados num mesmo
lugar. Os balões mais altos e de cores mais vivas (espíritos mais evoluídos) estão fixados no mesmo
plano dos balões mais baixos e mais esmaecidos (espíritos menos evoluídos), possibilitando um
intercâmbio entre eles. Algo que, mesmo aqui na matéria, não é muito comum. Pela Lei de Atração da
Igual Espécie, que abordarei em seguida, os balões mais altos procuram ficar naturalmente próximos,
enquanto que os mais baixos também se ajuntam automaticamente. Um balão mais alto pode perceber
a limitação do mais baixo; pode, inclusive, movido de amor, inclinar-se para ele e indicar o caminho
para cima, mas não está apto a levá-lo consigo para as alturas onde paira. Essa possibilidade depende
inteiramente do balão mais baixo. Ele é que tem de adquirir mais gás e conseguir mais fio, se quiser
ascender espiritualmente. E quanto mais alto subir, maior fulgor também adquirirá sua cor. Depois da
morte terrena, que equivale ao rompimento do fio, cada balão subirá por efeito da Lei da Gravidade até
onde lhe permite sua quantidade de gás, e lá, naturalmente, só encontrará outros balões semelhantes,
de mesmo tamanho e forma.
Estreitamente ligada à Lei da Gravidade encontra-se uma terceira lei básica da Criação: a Lei de
Atração da Igual Espécie. Como não podia deixar de ser, também esta perflui integralmente o
espírito humano, esteja ele ainda aqui na Terra ou não. Essa lei estabelece que uma determinada
espécie sempre atrai outra igual. E isso em todos os campos da vida humana.
Na Terra, esse fato é nitidamente reconhecível nas afinidades entre as pessoas, quer se trate de
pendores ou qualidades. Alcoolistas, fumantes, trapaceiros, jogadores e viciados em sexo sempre
encontram pessoas de igual espécie para tratar de assuntos afins. Do mesmo modo, uma pessoa de
índole nobre também reconhece imediatamente outra semelhante, de mesma espécie, com a qual pode
tratar de temas elevados. Cabe lembrar aqui essa constatação do apóstolo Paulo: “Os que se inclinam
para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que inclinam para o espírito, das coisas do espírito”
(Rm8:5). É também efeito dessa lei a constatação de que “o justo encontra sua alegria na prática da
justiça” (Pv21:15). A igual espécie aqui é o legítimo sentimento de justiça, que os justos trazem
naturalmente em si.
Os ditados populares: “dize-me com quem andas que te direi quem és”, “cada qual com seu
igual”, “cada ovelha com sua parelha” e ainda outros semelhantes, originaram-se da observação
inconsciente dos efeitos dessa Lei de Atração da Igual Espécie na vida cotidiana. Reconhecemos um
eco dessa lei no livro de Levítico, onde o Senhor ordena: “Não acasalarás animais de espécie diferente.
Não semearás em teu campo duas espécies de semente, nem usarás roupa tecida com duas espécies de
fio” (Lv19:19). Já o autor do livro Eclesiástico percebeu que “pássaros da mesma espécie aninham-se
juntos” (Eclo27:9). Sim, e por isso mesmo sempre se poderá delinear características semelhantes entre
dois amigos que não se largam: “Assim como o rosto se reflete na água, assim o coração de um se
reflete no do outro” (Pv27:19).
Na mencionada história do homem rico, Lázaro e Abraão estão juntos num plano elevado porque
ambos são de igual espécie espiritual. É o mesmo conceito que transparece no final do livro apócrifo
4Esdras, quando o protagonista, Esdras, é levado “ao lugar onde estão os que se parecem com ele”
(4Esd14:49,50).
A Lei de Atração da Igual Espécie, atuando em conjunto com a Lei da Reciprocidade, é de
extrema importância também nas encarnações. Ao contrário do que se imagina comumente, não
existem acasos numa encarnação, assim como não existem acasos em fenômeno algum da natureza.
Uma alma não pode encarnar-se num determinado lugar, numa certa condição social e numa família
específica se antes não tiverem sido satisfeitas as disposições para isso, determinadas pelas leis
primordiais. Uma encarnação é o resultado final de múltiplas contingências, determinadas por fios do
destino que se sobrepõem e se entrelaçam, urdidos em vidas terrenas anteriores, assim como pela
concomitante atração da alma pela sua espécie igual.
A alma prestes a encarnar é atraída para aquele local, para aquela família cujas pessoas têm
afinidades anímicas com ela. Força especial de atração exercem justamente as fraquezas, porque são
estas que precisam ser dirimidas numa vida terrena. Desse modo, cada vida aqui na Terra é uma

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oportunidade sem igual para se corrigir antigos erros, sobrepujar fraquezas e evoluir espiritualmente. A
vida terrena é uma autêntica dádiva dos céus.
Cada vida terrena é, sim, uma dádiva do Amor do onipotente Criador, presente em toda Sua obra
gigantesca, e assim também neste nosso plano material. Cada esporo, cada óvulo ou ovo fecundado –
os zigotos de seres humanos e animais – encerram em si a promessa da continuação do grandioso
espetáculo da vida, fornecendo continuamente novos atores a este palco terreno, onde todos entram em
cena para desempenhar os mais variados papéis, em novos atos descortinados por efeitos de leis
universais, aprendendo com estas na grande trama do desenvolvimento progressivo. Uma eterna
renovação periódica de vida, num permanente dar e receber, direcionada exclusivamente para o
aperfeiçoamento da própria vida.
Além do papel preponderante nas encarnações, a Lei de Atração da Igual Espécie também forma,
como mencionado, o respectivo âmbito de matéria fina de uma pessoa, segundo a espécie de seus
pensamentos e intuições. Esse ambiente não é percebido pelos nossos olhos corpóreos, que são
constituídos de uma matéria mais grosseira, contudo é perfeitamente sentido por quem está nas
proximidades da pessoa em questão. Provavelmente muitos já devem ter notado como uma pessoa boa,
interiormente pura, refresca imediatamente o ambiente em que adentra, tão-somente com sua presença.
São pessoas que despertam uma misteriosa simpatia, sem causa visível, como a moça Ester, que
“conquistava a benevolência de todos os que a viam” (Est2:15).
Por outro lado, certamente não haverá quem já não tenha percebido a situação oposta – muito
mais comum – em que uma pessoa, também só com a sua presença, talha o ar à sua volta, oprimindo
desagradavelmente os que lhe estão próximos. Em ambos os casos foi a respectiva pessoa que formou
um âmbito luminoso ou escuro ao seu redor, pelo efeito da Lei de Atração da Igual Espécie, o qual é
então percebido pelas demais pessoas. Naturalmente, ambas receberão as conseqüências de seu modo
de ser, boas ou más, através da atuação da já mencionada Lei da Reciprocidade.
Vemos que tal como as leis humanas, as leis da Criação igualmente acarretam conseqüências
danosas para quem as desobedece. De fato, a definição geral é, em princípio, a mesma: lei é uma
diretriz de conduta que, se não for cumprida, acarreta penalidades ao faltoso. Essas penalidades devem
ser proporcionais ao alcance do prejuízo causado pela falta e, de tal forma, que para o indivíduo
submetido a uma lei pareça-lhe muito mais sensato obedecê-la do que descumpri-la. À primeira vista,
essa definição pode ser considerada válida para os dois tipos de leis existentes: as leis terrenas,
instituídas pela vontade humana, e as leis da Criação ou universais, instituídas pela Vontade do
Criador. As aparentes semelhanças entre ambas, porém, terminam aqui.
As leis humanas regem a vida em sociedade de uma pessoa enquanto ela está aqui na Terra. As
leis da Criação, por sua vez, condicionam a própria existência do ser humano, moldando todo seu
destino, esteja ele ainda aqui na Terra ou em qualquer outro plano da Criação.
As leis humanas são intrinsecamente imperfeitas e devido a isso mutáveis, tanto no tempo como
no espaço. Uma lei promulgada há um mês pode já não estar em vigor hoje, e a legislação de um país
não se aplica a outro. Os seres humanos têm o poder de alterar à bel-prazer suas leis, de modo
arbitrário, segundo as necessidades do momento. O Criador não. Suas leis da Criação são
absolutamente perfeitas, e justamente por isso não estão sujeitas a qualquer alteração. Jamais poderão
ser ampliadas, reduzidas ou revogadas. Muito menos aperfeiçoadas. Existem desde o início dos tempos
e permanecerão existindo por toda a eternidade, imutáveis, intangíveis e incorruptíveis: “As obras das
Suas mãos são verdadeiras e justas, todos os Seus preceitos são firmes, fixados para todo o sempre,
feitos de retidão e de Verdade” (Sl111:7). Daí também o sentido das sentenças: “Nem um i ou um til se
omitirá da Lei, sem que tudo seja cumprido” (Mt5:18); “É mais fácil passar o céu e a Terra, do que cair
um til sequer da Lei” (Lc16:17). Essas são indicações claras de que por fim tudo tem de se cumprir
dentro do conjunto das leis da Criação, na sua mais rigorosa observância, e de que elas não admitem o
menor desvio ou alteração em sua inflexibilidade absoluta.
Como é absurdo, em vista disso, o preceito de que “os fins justificam os meios”. Como é
verdadeiramente maquiavélica essa frase de autoria do filósofo Maquiavel (1469 – 1527), pois os fins
nunca justificam os meios! Nem os meios nem os maus!… Só quem já perdeu os mais comezinhos
sentimentos de justiça pode abraçar um tal lema deturpado. Deturpado e tolo ao extremo, já combatido
severamente pelo apóstolo Paulo: “E então, por que não faríamos o mal para que daí resulte o bem,

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como alguns pretendem caluniosamente que nós digamos? Estes sim, merecem a condenação!”
(Rm3:8).
Ao contrário das leis humanas, as leis que sustentam a Criação são, como vimos, extremamente
simples. A própria simplicidade. Podem ser compreendidas perfeitamente por qualquer um,
independentemente do seu grau de instrução. Nem poderia ser diferente, já que a elas estão submetidas
todas as criaturas, e assim também o próprio espírito humano, não importando se na Terra é um
analfabeto ou um PhD.
As leis humanas são falhas por natureza, visto serem produtos exclusivos do intelecto limitado.
Estão repletas de brechas que permitem descumpri-las, sem acarretar ao infrator nenhuma sanção.
Estão sujeitas a injunções políticas e interpretações dúbias, contribuindo para a especialização
crescente de consultores que ensinam a burlá-las legalmente. Já com relação às leis da Criação nunca
existiu, nem jamais existirá, um único caso em que uma criatura humana tenha descumprido alguma
delas sem ter ficado imediatamente sujeita às conseqüências desse descumprimento. Em nenhuma
hipótese sua culpa poderá ser “prescrita” por decurso de prazo nem sua pena comutada.
Por serem poucas, extremamente simples, absolutamente lógicas e tão incisivas para a existência
do ser humano, não há nenhuma desculpa para seu descumprimento sob alegação de ignorância. O não
cumprimento dessas leis por alegado desconhecimento demonstra que o infrator – poderíamos dizer
também pecador – não se interessou por elas e nem fez o mínimo esforço para assimilá-las e pô-las em
prática: “Não são, com efeito, os que escutam a Lei que são justificados diante de Deus; justificados
serão aqueles que a põem em prática” (Rm2:13). Quando se diz que “é Deus quem justifica”
(Rm8:33), então isso se dá pela atuação da Sua Lei da Reciprocidade, que Ele inseriu na obra da
Criação.
Quem não põe em prática, em toda sua vida, o conjunto das leis de Deus, mostra que não se
movimentou para tanto, o que já constitui uma transgressão direta à Lei do Movimento.
O desconhecimento do funcionamento das leis naturais embota o espírito humano, enrijece-o, embaça-
lhe a vista e destrói paulatinamente sua capacidade de discernimento.
Pôr em prática as leis da Criação, isto é, cumpri-las, equivale a ajustar-se voluntariamente à
Vontade do Criador, que as instituiu. E essa Vontade estabeleceu que em seus caminhos de
desenvolvimento na matéria, assim como em outras partes da Criação, o ser humano deverá encontrar
tão-somente alegria, felicidade e paz bem-aventurada: “Guarda Suas leis e Seus Mandamentos que
hoje te dou para tua felicidade” (Dt4:40). Descumprir essas leis significa agir contra a Vontade do
Criador, o que faz o ser humano angariar então para si exatamente aquilo de que elas procuram
preservá-lo: dor, sofrimento, angústia, desespero e pavor. Por isso, grande sabedoria há em cumprir os
Mandamentos do Senhor: “O sábio de coração aceita os Mandamentos” (Pv10:8).
Quanto mais elevado for um ser humano, quanto mais sábio se tornar em seus caminhos de
desenvolvimento espiritual, tanto mais incondicionalmente se submeterá às leis da Criação instituídas
por Deus, já que assim lhe fica assegurada de antemão a felicidade. É esta a maior sabedoria que um
ser humano pode almejar. É a suprema arte de viver.

A Lei da Reciprocidade
Conforme visto, as leis básicas da Criação são três: a Lei da Reciprocidade, a Lei da Gravidade e
a Lei de Atração da Igual Espécie. Como já mencionei alguns exemplos da atuação da Lei da
Gravidade, vamos nos ater aqui às explicações de Jesus sobre a atuação das outras duas leis
primordiais.
Especificamente em relação à Lei da Reciprocidade, dada sua abrangência, vamos dividi-la em
duas: a Lei da Reciprocidade propriamente dita e a Lei do Movimento que, como analisado, é uma
decorrência natural daquela. O movimento não só existe em toda a Criação como até se constitui no
sustentáculo de todo o existir. Na obra Na Luz da Verdade, dissertação “Destino”, Abdruschin traz o
seguinte esclarecimento sobre a Lei da Reciprocidade agindo como impulsionadora do movimento
contínuo no Universo:

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“As pessoas falam sobre destino merecido e destino imerecido, recompensa e
castigo, desforra e carma.
Tudo isso são apenas designações parciais duma lei existente na Criação: a lei
da reciprocidade!
Trata-se de uma lei que existe na Criação inteira desde os seus primórdios, lei
essa que foi entrelaçada inseparavelmente no vasto processo do evoluir eterno, como
parte indispensável do próprio criar e do desenvolvimento. Como um gigantesco
sistema de finíssimos fios de nervos, essa lei mantém e anima o gigantesco Universo,
impulsionando permanente movimento, um eterno dar e receber!”

Jesus não poupou esforços para transmitir aos seres humanos o sentido das leis universais da
Criação, particularmente da Lei da Reciprocidade. Em múltiplas oportunidades instou os ouvintes a
cuidarem de suas próprias ações, porque no efeito recíproco que elas geram teriam eles mesmos,
infalivelmente, de arcar com as conseqüências. Uma de suas primeiras indicações a esse respeito é a
seguinte:
“Tu, porém, ao dares esmola, ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita, para que a
tua esmola fique em secreto, e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.”
(Mt6:3,4)
Há quem procure explicar essas palavras com a indicação de que no Templo havia uma câmara
de segredos, na qual os devotos depositavam secretamente suas ofertas, para que os pobres dali
recebessem seu sustento “em secreto”. O sentido das palavras de Jesus, porém, não se refere a tais
coisas, não diz respeito a algo tão restrito, tão mundano. Jesus, com seus ensinamentos, sempre dava
orientações amplas para a atuação do espírito humano na Criação, e não para simples afazeres
cotidianos durante sua curta estada aqui na Terra.
Quando ele adverte o ser humano para que, ao dar esmola, ignore a mão esquerda o que faz a
direita, está primeiramente ensinando que um ato bom só tem valor quando provém do íntimo do ser
humano, caso contrário será apenas mera exterioridade, produto da vontade mental, o raciocínio, com a
finalidade de se destacar entre outras pessoas. Só o raciocínio evidencia essa preocupação com
destaques e honrarias terrenas, não o íntimo do ser humano, não o espírito. Este último não precisa de
holofotes para se fazer valer e nem anseia por isso.
A Lei da Reciprocidade leva em conta justamente o íntimo do ser humano e não as
exterioridades que ele procura aparentar na Terra. Se o íntimo não for puro, não fará a menor diferença
a quantidade ou valor das esmolas que ele distribui na Terra, como supõem tantos em sua tola
esperança, não confessada, de que estas lhes devam ser creditadas de alguma maneira no céu, como se
fossem um investimento metafísico de retorno garantido.
A segunda parte do ensinamento: “e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará”, mostra que
um ato legitimamente bom do ser humano, proveniente de sua vontade intuitiva, portanto de seu
âmago mais profundo, acarreta infalivelmente a recompensa devida pela atuação automática da Lei da
Reciprocidade, que traz em si a Vontade do Pai. O ver em secreto indica, pois, uma atuação autônoma,
ininfluenciável e absolutamente justa dessa lei. Esse ensinamento já havia sido dado no Antigo
Testamento, também em linguagem metafórica: “Se disseres: não o soubemos; não o perceberá Aquele
que pesa os corações? Não o saberá Aquele que atenta para a tua alma? E não pagará Ele ao homem
segundo as suas obras?” (Pv24:12).
A indicação da atuação automática da Lei da Reciprocidade fica ainda mais clara na seqüência
abaixo, num trecho da oração Pai Nosso dada por Jesus e a explicação que se lhe segue:
“E perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores. (…) Porque se
perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não
perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai não vos perdoará as vossas ofensas.”
(Mt6:12,14,15)

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Se uma pessoa causa intencionalmente mal a outra, fica ligada a esta por fios de reciprocidade,
além de pôr em marcha os efeitos recíprocos correspondentes ao seu ato, quer se trate de uma ação
visível, de palavras, ou mesmo de pensamentos.
Se o ofensor se arrepende e pede perdão ao atingido, este último tem efetivamente a prerrogativa
de perdoá-lo, já que ambos estão ligados entre si por esses fios de reciprocidade. De outro modo não
pode haver nenhum perdão, não sem o desencadeamento do respectivo retorno cármico sobre o
ofensor, com o reconhecimento do erro por parte deste e o conseqüente resgate da culpa, situação em
que ele estará efetivamente perdoado sob o ponto de vista das leis naturais. Em conformidade com
essas leis, Jesus disse aos discípulos: “Se por sete vezes no dia [teu irmão] pecar contra ti, e sete vezes
vier ter contigo, dizendo: estou arrependido, perdoa-lhe” (Lc17:4).
Essa contingência de ligação pessoal entre ofensor e ofendido, condicionada pela Lei da
Reciprocidade, já descarta de pronto qualquer pretensão de um possível perdão concedido por alguém
que não esteja diretamente ligado por esses fios de reciprocidade. Quando Jesus disse a Pedro: “O que
ligares na Terra será ligado nos céus, e o que desligares na Terra será desligado nos céus” (Mt16:19),
estava simplesmente indicando a prerrogativa do espírito humano de poder ligar e desligar esses fios,
segundo sua própria maneira de atuar frente à Lei da Reciprocidade. É algo que diz respeito a todos os
seres humanos terrenos, indistintamente. Nada mais do que isso. Em nenhum lugar está dito que Pedro
fora agraciado aí com um dom especial, sobrenatural, nem tampouco que a partir daquele episódio
teria autoridade sobre os demais discípulos.
Pedro foi um ser humano comum, com virtudes e falhas como qualquer outro, e chegou até a
participar daquela disputa bobinha para ver qual dos discípulos era o maior (cf. Mc9:33-35). Antes de
negar o Mestre por três vezes (cf. Mt26:70,72,74), ele já fora admoestado por ter dormido enquanto
Jesus orava no Getsêmani, apesar de este lhe ter pedido, e também aos demais discípulos, que
permanecessem em vigília. Disse Jesus severamente a Pedro naquela ocasião: “Nem sequer pudeste
vigiar uma hora comigo!” (Mt26:40). E quando Paulo esteve em Antioquia, afirma em relação a Pedro
que precisou “resistir-lhe face a face, porque tornara-se repreensível” (Gl2:11).
Esse entrevero entre Paulo e Pedro é mais uma indicação de que os dois apóstolos eram pessoas
normais, comuns. Durante um interrogatório, os judeus viram que eles eram “pessoas simples e sem
instrução” (At4:13). Ambos tinham suas qualidades e também seus erros, como qualquer pessoa bem-
intencionada. Foram grandes homens, mas nunca “santos” intangíveis ou algo semelhante. No entanto,
uma nota de rodapé da católica Bíblia de Jerusalém traz um esclarecimento peculiar sobre a imagem de
Pedro ligando e desligando coisas no Além: “Caber-lhe-á [a Pedro], pois, abrir ou fechar o acesso ao
Reino dos Céus, por meio da Igreja.” Um cristão que aceita isso, que acredita nisso, faz pleno jus em
permanecer no seio dessa Igreja, até o fim. Destino equivalente merecem os fiéis que aceitam sem
refletir a orientação racionalista de alguns dirigentes evangélicos, segundo a qual “deve-se usar apenas
a inteligência e o raciocínio em assuntos de religião, e nunca dar ouvidos ao coração.”
Com sua alusão a ligar e desligar fios da reciprocidade, Jesus também nos dá uma indicação
nítida de como deve ser a disposição interior para com nossos semelhantes. Devemos estar prontos a
perdoar quem quer que nos tenha ofendido e tenha se arrependido: “Se teu irmão pecar contra ti,
repreende-o; se ele se arrepender, perdoa-lhe” (Lc17:3). A palavra que em grego indica perdão é
metanoia, que tem o sentido de mudar de atitude, redirecionar o coração. O ofensor precisa, portanto,
querer de fato se redimir de sua má ação, redirecionando seu modo de ser e de atuar, do contrário a
concessão do perdão seria apenas uma condescendência imprópria por parte do ofendido, que só faria
fortalecer o mal. Contudo, se houver um arrependimento sincero, então não devemos perdoar o
próximo apenas “sete vezes”, mas “setenta vezes sete” (Mt18:22), diz alegoricamente Jesus. Em outras
palavras, não deve haver limite para esse tipo de perdão.
Também o ato de perdoar precisa ser sincero, pois guardar rancor, ou, pior, alimentar desejos
íntimos de vingança, já constituem outras más ações provenientes da vontade interior, e
conseqüentemente dão ensejo à formação de um novo carma pesado, de mais fios ruins de
reciprocidade, que igualmente terão de ser resgatados um dia. O Saltério e o Eclesiástico advertem
sobre a irritação alimentada contra o próximo: “Não te irrites por causa dos maus (...). Desiste da ira,
depõe o furor, não te irrites, só iria piorar” (Sl37:1,8); “Lembra-te dos Mandamentos, e não guardes
rancor contra teu próximo” (Eclo28:7).

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No final da parábola do rei e dos servos devedores podemos observar o resultado dessa piora.
Ali, um dos servos, cuja elevada dívida tinha sido perdoada pelo seu senhor, não foi capaz de perdoar
o seu conservo, que lhe devia uma ninharia. Vejamos a atitude tomada pelo senhor desses servos ao
saber do fato e a conclusão de Jesus:
“E indignando-se o seu senhor, o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse toda a dívida. Assim
também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu irmão.”
(Mt18:34,35)
Nota-se aí também, mais uma vez, a menção ao íntimo do ser humano, ou seja, ao seu coração, à
sua vontade intuitiva.
Um pensamento ou desejo mau, oriundo dessa vontade intuitiva, já basta para ativar o
mecanismo da reciprocidade, independentemente se tenha ou não podido ancorar-se na pessoa a que é
destinado. Essa ancoragem só se dará se a pessoa visada tiver um âmbito de igual espécie em torno de
si, condensado pela Lei de Atração da Igual Espécie. Por isso, uma pessoa interiormente boa, que
conserva puro o foco dos seus pensamentos, isto é, o seu nascedouro no íntimo, no coração,
estabelecerá a paz e conservará para si uma vida feliz, protegida de qualquer influência má externa:
“Guarda o teu coração acima de tudo, porque dele provém a vida” (Pv4:23). Uma tal pessoa encontrar-
se-á sempre resguardada de quaisquer conformações exteriores de ódio, inveja, maus-olhados, etc.,
pois as próprias leis da Criação concedem a ela uma proteção automática e eficaz: “Como o pássaro
que foge e a andorinha que voa, a maldição gratuita não atinge a sua meta” (Pv26:2).
Em sentido inverso, o processo é idêntico. Pensamentos e intuições de verdadeiro amor ao
próximo, de piedade ou compaixão sincera (não de pena ou dó), além de trazerem bons efeitos ao autor
na reciprocidade, embelezam o âmbito da pessoa visada e a soerguem, desde que, do mesmo modo,
essa pessoa tenha como dar guarida a esses bons influxos, ou seja, desde que seu próprio âmbito fino-
material apresente uma espécie análoga. Caso tratar-se de uma pessoa interiormente má, geradora de
maus pensamentos, essas boas influências igualmente não podem ancorar-se nela devido ao âmbito de
espécie diferente, e ela ficará então privada das bênçãos que lhe adviriam dessa ligação.
Em todos esses processos é de se notar, com nitidez cristalina, a Justiça perfeita que reina na
Criação, ajustada até as minúcias. Jesus descreveu com muita clareza essa situação no seguinte trecho
do Evangelho segundo Lucas:
“Ao entrardes numa casa, dizei antes de tudo: Paz esteja nesta casa! Se houver ali um filho da
paz, repousará sobre ele a vossa paz; se não houver, ela se voltará sobre vós.”
(Lc10:5,6)
Esse dizei indica a exteriorização de um desejar íntimo, capaz de atuar na pessoa a que é
direcionado, desde que esta seja realmente um “filho da paz”, isto é, desde que tenha um âmbito de
matéria fina de mesma espécie (paz) em torno de si. Do contrário, esse desejar não pode repousar
sobre ela, ou seja, não pode ancorar-se nela devido ao ambiente de matéria fina de espécie diferente,
tendo de retornar ao gerador.
No trecho a seguir, Jesus fornece um outro modo de expressão para o mesmo conceito de retorno
das ações praticadas em relação a outrem:
“Com o critério com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos
medirão também.”
(Mt7:2; Mc4:24; Lc6:38)
No Evangelho de Marcos, esse trecho aparece seguido da sentença: “…e ainda se vos
acrescentará.” Esse complemento também se justifica, porque quando alimentamos uma determinada
vontade em nosso íntimo, ou nos aprofundamos num pensamento qualquer, congregamos
automaticamente formas análogas de matéria fina pela atração da espécie igual, as quais reforçam
ainda mais o pensamento e a vontade intuitiva original. Disso advém que as conseqüências de retorno
na reciprocidade também serão aumentadas, tanto no bom como no mau sentido: “Dai e ser-vos-á
dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço” (Lc6:38); “Não
semeies nos sulcos da injustiça, para não vires a colhê-la sete vezes mais” (Eclo7:3).
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A própria natureza nos dá mostras da atuação dessa lei: de alguns poucos grãos de milho
plantados iremos colher várias espigas, cada uma delas com múltiplos grãos. A espécie básica do que
foi semeado não mudou, continuou sendo milho, mas a quantidade colhida foi multiplicada. Esse
mesmo efeito, de um avolumar contínuo da semeadura original, aparece nessa outra frase bíblica, que
acabou se tornando um ditado muito conhecido em todo o mundo: “Semeiam vento, colherão
tempestade!” (Os8:7).
Quando alimentamos dentro de nós algum pensamento ou vontade intuitiva estamos – do ponto
de vista das leis naturais – pedindo por algo. Algo que nos será entregue infalivelmente, seja bom ou
ruim, quer estejamos aqui na Terra ou não, pois “todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e ao que
bate, se abrirá” (Lc11:10). Jesus indica alegoricamente essa contingência, no caso de vontade boa, na
passagem abaixo:
“Qual dentre vós é o pai que, se porventura o filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? Ou se lhe pedir
um peixe, lhe dará uma cobra? Ou se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião?”
(Lc11:11,12; Mt7:9,10)
A reciprocidade é tão incisiva para o espírito humano, que Jesus reiteradamente indicava para o
próximo, isto é, para a necessidade de se fazer desinteressadamente o bem ao próximo, pois em virtude
dos efeitos retroativos dessas ações, o que fizermos ao nosso semelhante estaremos fazendo, na
verdade, a nós mesmos. Essa exortação do Mestre é especialmente nítida nas duas passagens abaixo:
“Amarás teu próximo como a ti mesmo.”
(Mt22:39; Mc12:31; Lc10:27)

“Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles.”
(Lc6:31; Mt7:12)
Foi por essa razão também que na sua primeira Epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo os exorta
a “não buscar o próprio interesse, e sim o de outrem” (1Co10:24). Esse interessar-se
preponderantemente pelo seu semelhante, de todo coração, é prova de verdadeiro amor ao próximo, é o
sinal da passagem do egoísmo para o altruísmo, a ratificação de que a respectiva pessoa realmente
passou a amar seu próximo como a si mesma.
Também não por outro motivo Tiago, em sua tão esclarecedora epístola, denomina mui
acertadamente de lei régia o “amarás teu próximo como a ti mesmo” (Tg2:8), enquanto que novamente
Paulo, nas epístolas dirigidas aos Romanos e aos Gálatas, afirma ainda mais enfaticamente que “tudo
nessa sentença se resume” (Rm13:9, Gl5:14). Paulo, inclusive, põe o amor no topo da lista dos
magníficos frutos do espírito (cf. Gl5:22), e deixa claro que nada é maior do que o amor
(cf. 1Co13:13). O teólogo e tradutor Jerônimo, do século IV, de quem falarei mais adiante, conta que
os discípulos do velho apóstolo João, cansados de ouvi-lo repisar sempre de novo a exortação “amai-
vos uns aos outros”, perguntaram-lhe porque lhes repetia sempre a mesma coisa. E João respondeu:
“Porque esse é o mandamento do Senhor, e com apenas esse que se cumpra, é quanto basta.” E assim
é.
Quem realmente cumpre essa sentença jamais causará sofrimento a outrem durante sua
peregrinação. Essa é a lei básica que contém tudo quanto precisamos saber. Por isso, os verdadeiros
auxiliadores da humanidade de todos os tempos sempre deixaram consignado a seus respectivos povos,
de alguma maneira, o sentido dessa lei fundamental:
• “Não firais os outros com o que vos fere.” (ensinamento budista);

• “Eis a súmula de todo o dever: não façais aos outros o que, se fosse feito a vós, vos causaria dor.”
(Mahabharata – poema épico hindu);

• “O que não é de teu agrado não o faças também ao próximo. É essa toda a doutrina da Lei, todo o
restante é apenas explicação.” (rabino Hillel);

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• “Amarás o próximo como a ti mesmo, é o que há de mais importante na Torá!” (rabino Aqiba –
Talmude);

• “Nenhum de vós sois um crente até devotar pelo próximo o amor que devotais a vós mesmos.”
(Maomé).
É sempre o mesmo ensinamento, o mesmo preceito essencial, apenas expresso de modo
diferente. O conceito aí inserido é tão importante, que Jesus o transmitiu novamente reformulado aos
seus discípulos, como sendo um novo mandamento. Ele não o retirou dessas religiões, ao contrário:
como ele era a Verdade integral na Terra, nas suas palavras já estava inserido tudo aquilo que em
outras religiões existia de verdade. O mandamento é o seguinte:
“Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros
assim como eu vos amei.”
(Jo13:34)
É na nossa maneira de ser, na consideração e respeito para com o próximo, que está esse “amar”
de que nos fala Jesus. E uma pessoa que já tenha atingido um amplo progresso, não conhecendo mais
nenhuma cobiça terrena, passa então a sentir amor por todos os seres humanos, conforme exemplifica
novamente João em sua primeira epístola: “Sabemos que passamos da morte para a vida porque
amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte” (1Jo3:14). O estoicismo, doutrina
elaborada pelo filósofo grego Zenão (336 – 264 a.C.), já pregava que o ideal ético máximo é alcançado
quando passamos a amar todos os homens como a nós mesmos, isto é, quando nosso amor próprio
passa a incluir toda a humanidade, com igual intensidade. As virtudes máximas do estoicismo são:
justiça, bravura, prudência e temperança. Zenão também dizia que o ser humano precisava aprender a
ser auto-suficiente (ensinamento também de Platão), e que devia saber como suportar a dor sem receio.
A indicação claríssima de Jesus sobre a reciprocidade, de que por fim o ser humano tem
necessariamente de colher sempre algo da mesma espécie do que foi semeado, pode, por extensão, ser
entendida também como a impossibilidade de alguém colher bons frutos se sua sementeira foi ruim.
Essa impossibilidade é retratada da seguinte maneira no Evangelho de Mateus:
“Colhem-se porventura uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim toda árvore boa
produz bons frutos, porém a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa produzir
frutos maus, nem a árvore má produzir frutos bons.”
(Mt7:16-18; Lc6:44)
O que fatalmente acontecerá com a árvore (o ser humano) que só produz frutos maus (intuições,
pensamentos, palavras, ações), não deixa margem a dúvidas:
“Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo.”
(Mt7:19)
A Lei da Reciprocidade também esclarece muitos outros aparentes enigmas da atualidade. É o
caso, por exemplo, das mortes violentas, através de acidentes ou assassínios. Quando não é ocasionado
por alguma negligência (que igualmente indica uma culpa pessoal pelo ocorrido), esse tipo de morte é
sempre um retorno cármico, decorrente de um ato de violência praticado anteriormente, nesta ou numa
outra vida terrena. Jesus chegou a mencionar isso quando de sua prisão pelos soldados romanos.
Naquela ocasião, um dos que estavam com ele sacou da espada e cortou a orelha de um servo do sumo
sacerdote, que acompanhava a guarnição romana. A advertência do Mestre a esse respeito não poderia
ser mais clara:
“Embainha a tua espada, pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão.”
(Mt26:52)
O que fazemos a outrem sempre volta para nós mesmos. Se alguém causa intencionalmente
danos a uma pessoa, receberá o retorno na mesma forma do ato praticado, e na intensidade
proporcional ao sofrimento causado àquela pessoa e também a outras atingidas direta ou indiretamente

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pela ação má. É o justo retorno da Lei da Reciprocidade, instituída pelo Criador: “É justo diante de
Deus que os atribuladores recebam tribulações como retribuição” (2Ts1:6).
A reciprocidade atinge sempre o “eu”, o espírito do ser humano autoconsciente, esteja ele ainda
na Terra, como ser humano terreno, ou já no Além, como alma humana. Assim, os casos de recém-
nascidos portadores de deformidades físicas também não constituem nenhum mistério para quem
conhece a justa atuação da reciprocidade, visto essa atingir o ser humano por completo, em toda sua
existência, a qual abrange várias vidas terrenas. Nenhum ser humano pode nascer com um defeito
físico qualquer se ele mesmo não tiver dado motivo para isso numa outra vida. O rei Salomão
demonstrou conhecer esse processo, ao constatar que, se tinha vindo à Terra num corpo sem mancha,
era porque possuía uma alma boa: “Eu era, sem dúvida, criança bem-dotada e recebera, em quinhão,
boa alma; ou antes, como era bom, viera a um corpo sem mancha” (Sb8:19,20).
Como as leis da Criação perfluem o ser humano integralmente: espírito, alma e corpo terreno,
elas igualmente cuidam de fornecer a ele o necessário para a subsistência durante sua estadia aqui na
Terra. Onde houver escassez material, então foi ele próprio que formou isso para si. Jamais esteve na
Vontade do Criador que qualquer uma de Suas criaturas tivesse de conhecer necessidades materiais,
muito menos pobreza ou miséria.
O ser humano é traspassado por uma força que lhe permite viver, a qual provém do Doador de
toda a força: “A força pertence a Deus” (Sl62:12). A força é neutra, e pode ser dirigida tanto para o
bem como para o mal. Através de seus pensamentos, palavras e ações, ele tem o poder de dirigir essa
força, recebendo para si mesmo depois de certo tempo, através do equilíbrio mantido pela Lei da
Reciprocidade, tudo quanto ele próprio formou com essa força neutra a ele doada. Ao fazer uso dessa
força ele dá à Criação conformações geradas através de seus pensamentos, palavras e ações; após certo
tempo, recebe então da Criação aquilo que anteriormente havia dado a ela, sejam coisas boas ou ruins.
O espírito humano, preenchido pela força, incandesce automaticamente o corpo terreno dado a
ele para sua peregrinação na Terra. Uma pequena parte dessa força, um efeito diminuto do dar e
receber, ele utiliza então para manter são e vigoroso seu corpo terreno durante os anos em que viverá
aqui na matéria mais grosseira. Pelo seu trabalho ele dá materialmente algo à Terra, parte da Criação
material, e por isso recebe dela o necessário para a sua vida terrena: alimento, vestuário e moradia.
Recebe tudo isso de modo inteiramente automático e justo, pressuposto que cumpra suas
obrigações de espírito humano diante do Criador, de um hóspede benquisto no lar da Criação,
conforme descrito nessa passagem do livro de Levítico: “Se andardes nos Meus estatutos, se
guardardes Meus Mandamentos e os cumprirdes, então Eu vos darei as vossas chuvas a seu tempo, e a
terra dará os seus produtos, e a árvore do campo os seus frutos” (Lv26:3,4). A Terra é propriedade do
Onipotente, e todos nós somos apenas Seus hóspedes nela, conforme diz o Senhor: “A Terra pertence-
me, e vós sois apenas estrangeiros e Meus hóspedes” (Lv25:23). O sábio rei Davi tinha exata
compreensão dessa condição do ser humano diante do Supremo, a de um simples hóspede: “Diante de
Ti não passamos de migrantes, hóspedes como todos os nossos pais” (1Cr29:15).
Cabe ressaltar que se não fosse essa dádiva chamada trabalho, que sempre teve a incumbência de
manter a raça humana em permanente movimento aqui na Terra, laborando em prol de sua subsistência
corporal e aperfeiçoamento espiritual, ela já há muito teria se auto-extinguido, bem antes até do
término do prazo concedido para seu desenvolvimento. Teria afundado inteira na indolência mortífera,
pela qual sempre nutriu incontestável pendor.
Se a vida pudesse ser realmente como a maioria das pessoas gostaria que fosse: um dolce far
niente perpétuo, adviria logo a estagnação e com ela a doença e a morte, pois outra coisa não pode
surgir com o fim da movimentação. Não é coincidência nem acaso, por exemplo, a ocorrência de
tantas mortes, aparentemente prematuras, pouco depois da conquista tão acalentada da aposentadoria,
nos casos em que esses aposentados realmente passam a exercer a profissão de administradores da
ociosidade remunerada, fazendo do ócio seu negócio. Ao desejarem aproveitar o resto da vida para
descansar, elas, sem o saberem, a encurtam de vez. Na verdade, acabam se aposentando da própria
vida… Uma vida sem movimento é uma vida inútil, e como já dizia Goethe, “uma vida inútil é uma
morte antecipada”. Ao contrário do que parece, a boa-vida não é uma vida boa. Inclusive, ou melhor,
especialmente, no campo espiritual. Se a falta de movimentação do corpo terreno traz doença e morte,
o mesmo se verifica com o espírito humano. Um espírito humano estagnado, que não se anima em

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tomar o caminho de sua própria evolução, contentando-se com uma aposentadoria dogmática qualquer,
também acabará morrendo, por descumprimento da mesma Lei do Movimento, que veremos logo a
seguir. Nesse caso, porém, trata-se da morte espiritual, equivalente à condenação eterna.
No campo terreno, a movimentação garante a permanência do ser humano em seus caminhos
pela matéria grosseira. Uma pessoa que se esforça em utilizar exclusivamente para o bem a força a ela
outorgada, nunca se verá na contingência de ficar privada do necessário à sua subsistência. Pode passar
por algumas dificuldades momentâneas, pode ficar sem uma ou outra coisa, mas jamais conhecerá a
miséria. Pelos efeitos automáticos da Lei da Reciprocidade uma tal situação é impossível. Ela acabará
encontrando o trabalho que lhe compete, tudo caminhará bem e será feliz: “Do trabalho de tuas mãos
comerás, feliz serás, e tudo te irá bem” (Sl128:2).
Em primeira linha o ser humano recebe, pois, dádivas espirituais por efeito dessa Lei da
Reciprocidade, as quais, se corretamente utilizadas e desenvolvidas, trarão como retorno a
possibilidade de se alcançar o alvo supremo: viver eternamente em sua verdadeira Pátria, o Paraíso.
Em grau de importância proporcionalmente menor, recebe ele também dádivas materiais, que são
igualmente efeitos dessa mesma lei, as quais atingem o ser humano em sua passagem provisória pela
Terra. Essa contingência também foi descrita por Jesus numa de suas preleções:
“Não andeis, pois, a indagar o que haveis de comer e beber, e não vos entregueis a inquietações.
Porque os gentios de todo o mundo é que procuram essas coisas, mas vosso Pai sabe que
necessitais delas. Buscai, antes de tudo, o Seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas.”
(Lc12:29-31)
Sempre e sempre de novo se reconhece que tudo, mas tudo mesmo, se encontra exclusivamente
nas mãos do próprio ser humano. Unicamente ele é senhor do seu próprio destino, unicamente ele
decide o que vai encontrar em suas peregrinações através da Criação: penúria ou abundância, tristeza
ou alegria, sofrimento ou felicidade, perdição ou salvação. Ele decide, ele planta, ele colhe.

A Lei do Movimento

“Pedi e dar-se-vos-á, procurai e encontrareis, batei e abrir-se-vos-á.”


(Mt7:7; Lc11:9)
Não é muito difícil reconhecer o ensinamento principal de Jesus contido neste versículo. Trata-se
da movimentação! O Filho de Deus exorta aqui os seres humanos a se movimentarem para conseguir o
que necessitam ou almejam. Se uma pessoa quiser conservar-se sadia de corpo e alma, tem de se
movimentar terrenal e espiritualmente. Do contrário, atrairá para si a doença e a morte, como
conseqüência natural de tudo que permanece estagnado na Criação. O que vale para o corpo físico vale
também para o espírito, pois trata-se da mesma lei a exigir movimentação contínua do ser humano.
A própria Criação material não pode prescindir do movimento. Ela própria só se mantém e se
desenvolve porque permanece em contínua movimentação, num eterno ciclo de formação e
decomposição, de frutificação e colheita, conforme essa explicação de Jesus a respeito do
funcionamento do Reino de Deus:
“O Reino de Deus é assim como se um homem lançasse a semente à terra, depois dormisse e se
levantasse, de noite e de dia, e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como. A terra
por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga e, por fim, o grão cheio na espiga.”
(Mc4:26-28)
A necessidade absoluta de movimento em tudo não deixa subsistir a concepção tão em voga
entre os cristãos de que basta “crer” no Filho de Deus para se obter a salvação. Tão cômodo não é.
“Também os demônios crêem e tremem” (Tg2:19). De nada adianta se o fiel acredita nas palavras do
Salvador e ao mesmo tempo não se esforçar muito energicamente, com todo seu ser, em agir de acordo
com elas em tudo na vida. De nada adianta apreciar uma boa doutrina ou até ficar “assombrado” com
ela, como fez Herodes em relação a João Batista (cf. Mc6:20). É preciso transformá-la em ação. Já
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bem dissera o apóstolo Paulo aos Coríntios: “O Reino de Deus não consiste em palavras, mas em
ação” (1Co4:20). Contemporâneo de Paulo, o rabino Aqiba afirmava que o estudo da Lei de Moisés
era importante “porque levava à ação”.
Se fosse possível de outro modo, que o ser humano pudesse conseguir a salvação sem um
esforço ascensional próprio, Jesus teria dito: descansai e dar-se-vos-á, aguardai e achareis, contemplai
e abrir-se-vos-á… Isso, porém, ele não fez. O próprio interessado é que tem de movimentar-se para se
libertar do mal a ele aderido e tomar o caminho da ascensão espiritual. Ele mesmo é que tem de limpar
sua alma, ou “lavar sua vestidura” (Ap7:14;22:14) para que “sejam sempre alvas as tuas vestes”
(Ecl9:8), pois a alma é propriamente a vestimenta do espírito, seu invólucro ou corpo de matéria fina.
É esse corpo fino-material que a própria pessoa tem, pois, de tornar luminoso e radiante, conforme
Jesus indica nesta passagem:
“Reparai, pois, que a luz que há em ti não seja trevas. Se, portanto, todo o teu corpo for luminoso,
sem ter qualquer parte em trevas, será todo resplandecente, como a candeia quando te ilumina em
plena luz.”
(Lc11:35,36)
A necessidade da limpeza interior (da alma) é também claríssima quando Jesus diz que os
fariseus só cuidavam de limpar o exterior dos copos e dos pratos:
“Vós, fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e
perversidade.”
(Lc11:39)
Os fariseus, pois, se mostravam irrepreensíveis em sua observância ortodoxa da religião,
enquanto que internamente suas almas permaneciam sujas, repletas de iniqüidade.
Jesus sempre exortava os homens a produzirem, eles mesmos, bons frutos, a se movimentarem
portanto, e não permanecerem parados, sonolentamente recostados em suas crenças atávicas:
“Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento, e não presumais de vós mesmos, dizendo: Temos
por pai Abraão (…).”
(Mt3:8,9)
Unicamente através do movimento é possível produzir bons frutos, e também unicamente através
do movimento é possível livrar-se dos maus frutos. A libertação do errado e do mal depende sempre
apenas da própria pessoa, da sua movimentação. No esforço sincero e diligente à procura de uma saída
do labirinto em que entrou reside uma atitude de doação, e por isso ela pode receber auxílio, em
obediência à Lei do Equilíbrio. Não diferentemente. Nem imediatamente. Foi ela própria quem quis
entrar no labirinto, apesar de todas as advertências e avisos. Mais ainda, ela até ajudou a construir esse
labirinto, com sua maneira errada de pensar, falar e atuar. Por isso, ela tem primeiro de reconhecer que
se encontra de fato num labirinto, e que por conseguinte a vida que leva tem de estar errada. Depois
desse reconhecimento ela precisa ainda mostrar que realmente quer sair de lá, ou seja, tem de se
esforçar, de se movimentar nesse sentido. Então, e somente então, receberá o auxílio pretendido, mas
sempre na medida exata do seu próprio empenho. Não mais. Essa é a verdadeira graça outorgada a
todos que encaram a sério sua própria salvação. Trata-se de uma efetivação da Lei do Equilíbrio, em
atuação conjunta com a Lei do Movimento, ambas derivadas da grande e imutável Lei da
Reciprocidade.
A mudança de rota e o viver de modo correto tornou-se difícil ao ser humano atual devido à
indolência de seu espírito, preso que está dentro do labirinto de erros. Tornou-se difícil, mas não
impossível. É um caminho penoso, mas não existe outro. Não outro que leve para cima, pois estreito é
o caminho que conduz às alturas… O labirinto do viver errado foi construído numa região muito
profunda, consentânea com a Lei da Gravidade Espiritual. Por isso, quem quiser sair de lá precisa de
início escalar paredões íngremes, ásperos, até conseguir, pouco a pouco, vislumbrar um pouco mais de
luz à sua frente, quando então a subida não será mais tão difícil e a saída já estará nitidamente
reconhecível. Este é o único e verdadeiro esforço que um ser humano pode e tem de fazer em prol de
sua salvação, diligentemente, e não acaso cursar uma faculdade de teologia ou gastar a vida inteira no
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estudo árido e unilateral da Bíblia. Quem for sincero nessa sua empreitada e se esforçar
correspondentemente, perseverando sem desanimar, poderá então contar com uma corda para se alçar
desse lugar. A corda, evidentemente, não o livra do esforço de subir, mas o conduz para fora com
absoluta certeza, se ele mesmo não esmorecer na escalada.
A verdadeira Palavra de Deus é essa corda de salvação, que Ele oferece às Suas criaturas
humanas em via de se perder. A Palavra é uma corda! Não é uma escada rolante e muito menos um
elevador. Quem quiser se salvar tem de subir por essa corda. Ele mesmo tem de subir! De modo algum
será içado comodamente do labirinto de erros em que fez tanta questão de medrar ao longo de
milênios. Sem esforço próprio ninguém ascende, ninguém progride, sequer um milímetro. Tão-
somente os esforços pelo bem podem produzir um “fruto glorioso” (cf. Sb3:15), e somente aquele que
se esforça poderá um dia apoderar-se do reino dos céus:
“Desde os dias de João Batista até agora o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se
esforçam se apoderam dele.”
(Mt11:12)
O pesquisador W. E. Vine afirma que o verbo grego empregado aí, biázo, indica “um esforço
vigoroso”. Sim, é isso mesmo. Sem um esforço espiritual vigoroso para cima ninguém poderá entrar
no reino espiritual.
Outro tema relacionado é um trecho da carta de Paulo a Timóteo, onde este fica sabendo que a fé
tem de ser combativa no bom sentido, atuante, e que a vida eterna precisa ser conquistada por ele
mesmo: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna à qual foste chamado” (1Tm6:12). A
garantia da conquista permanente da vida eterna é dada justamente pela Lei do Movimento. O espírito
humano que já atingiu o estado de poder viver no plano espiritual da Criação, continua a se
movimentar ininterruptamente lá, procurando retribuir ao seu Criador, em alegre atuação, a dádiva da
vida eterna. Ele procura se aproximar do equilíbrio entre o dar e o receber, mas como, por mais
perfeita que seja a sua atuação, permanecerá sempre um eterno devedor de seu Deus, visto que
continua a receber renovadas graças por efeito da Lei da Reciprocidade, a existência nos páramos dos
bem-aventurados se torna uma atividade constante e feliz: a vida eterna, que se traduz num progresso
crescente e ilimitado da atuação espiritual humana dentro da Criação.
É uma ilusão desmedida imaginar que a fé cega seja uma espécie de nave espiritual coletiva
rumo ao céu, a desobrigar seus ocupantes do esforço contínuo em melhorar como seres humanos. Esse
tipo de fé não passa de um entorpecente espiritual, de um veneno letal para o espírito humano. Quem
se deixa embalar pelos dogmas da fé cega torna-se um suicida espiritual. Só faz enfraquecer
voluntariamente seu espírito com essa inatividade forçada e, a tal ponto, que se torna por fim incapaz
de se movimentar por si mesmo, acabando por morrer de inanição espiritual. Docemente iludido com a
quimera de uma “salvação pela graça”, de uma “justificação pela fé”, o que encontrará no fim do
caminho será sua própria morte espiritual.
Também os que chamam de “orar aos céus” a litania cotidiana de reclamar da vida e
choramingar misérias, não passam de mendigos preguiçosos. Desprezíveis como estes. Com essa
indolência inaudita, o futuro que tais deserdados do destino formam para si mesmos é pavoroso. Com
suas asas espirituais atrofiadas eles só vegetam ainda nessa vida… embalados na cadência monocórdia
de suas rezas recitadas, sem dispor mais de forças para encontrar o verdadeiro pão da vida e muito
menos de se alimentar com ele.
Diz Abdruschin na Mensagem do Graal, dissertação O Clamor pelo Guia:

“A expressão ‘Ora’ eles aceitaram, mas o restante ‘e trabalha’, ‘trabalha em ti


mesmo’, que a isso se liga, ignoraram.”

Vemos a confirmação dessa sentença na primeira epístola aos Tessalonicenses: o “Orai sempre”
(1Ts5:17), prontamente aceito, seguido do trabalha em ti mesmo, ignorado por todos: “Não apagueis o
espírito. Examinai tudo com discernimento. Guardai-vos de toda espécie de mal” (1Ts5:19, 22).

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Guardar-se de toda espécie de mal é permanecer livre de todas as trevas, é livrar-se delas!… De
nada nos servem as orações se ao mesmo tempo não procedermos uma radical reorientação em nossas
vidas: “Abandonemos as obras das trevas e vistamos as armas da Luz!” (Rm13:12).
A necessidade premente de observar a Palavra, como pré-requisito para se obter a bem-
aventurança, aparece ainda em vários outros trechos dos Evangelhos. Vejamos mais alguns deles:
“Pois o enviado de Deus fala as palavras Dele, porque Deus não dá o Espírito por medida. O Pai
ama o Filho e todas as coisas tem confiado às suas mãos. Por isso quem crê no Filho tem a vida
eterna; quem, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele
permanece a Ira de Deus.”
(Jo3:34-36)
As duas primeiras frases testificam que Jesus é uno com Deus-Pai, que é um plenipotenciário,
pois “fala as palavras Dele” e “tudo Ele confiou às suas mãos”. O próprio Jesus reafirma essa
contingência: “Eu e o Pai somos um” (Jo10:30). A expressão “não dar por medida” equivale a não dar
de forma limitada. A corroborar o conceito de que Jesus e o Pai são um só, está a expressão que ele
usava quando se dirigia a Deus: Abba, palavra aramaica que designa, em sentido intimista, apenas o
próprio pai daquele que fala (cf. Mc14:36), algo como “papai” ou “pai querido”. Essa expressão
escandalizava sobremaneira os fariseus, visto que nas preces judaicas jamais poderia ser utilizada para
se dirigir ao Criador. O fato de Jesus chamar Deus de Pai, e de uma forma tão íntima, foi um dos
principais motivos do ódio suscitado contra ele: “Os judeus ainda mais procuravam matá-lo, pois, além
de violar o sábado, chamava a Deus de Pai, fazendo-se assim igual a Deus” (Jo5:18). Numa conversa
com Filipe, Jesus reitera que ele e o Pai são um só:
“Não crês que eu estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por
mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim faz as Suas obras.”
(Jo14:10)
Jesus, o Filho de Deus, é desse modo a própria Palavra de Deus encarnada. Nesse sentido é que
está dito que quem crê no Filho, portanto na Palavra enviada à Terra por Deus, terá a vida eterna.
O apóstolo Pedro sabia que a possibilidade da vida eterna estava contida nas palavras de Jesus: “Tu
tens as palavras da vida eterna” (Jo6:68), disse dirigindo-se ao Mestre.
Contudo, esse “crer” está muito longe de significar crença passiva, como supõem tantos adeptos
entusiasmados da fé cega. Significa, isso sim, pôr em prática essa Palavra, e com o máximo empenho
possível, do contrário, para todos os efeitos a respectiva pessoa “se mantém rebelde contra o Filho e
não verá a vida” (Jo3:36), ou seja, não alcançará a vida eterna. Tão-somente pela ação, pelas obras
provenientes da movimentação do espírito, a fé adquire real valor. Em sua rica epístola, Tiago
esclarece de modo magistral essa necessidade: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé
sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (Tg2:18). Algumas Bíblias
substituem “obras” por “ações” nessa frase, aproximando-a ainda mais do sentido original.
O profeta Neemias também indicava, à sua maneira, a necessidade imperiosa de se cumprir a
Palavra de Deus, sem o que o ser humano seria lançado fora de Sua Casa, isto é, seria expulso da
Criação: “Sacudi também a dobra do meu manto e disse: ‘É assim que Deus sacudirá fora de Sua Casa
e longe dos Seus bens todo homem que não cumprir Sua Palavra!’ ” (Ne5:13). Cumprir a Palavra de
Deus é cumprir Sua Vontade. Neemias estava absolutamente certo com essa analogia, pois tudo quanto
existe fora do Criador pode efetivamente ser considerado como Seu manto: o Senhor “está envolto
num manto de Luz” (Sl104:2), o qual tem de ser mantido limpo pelos seres que o tecem e pelos que
podem nele viver, como nós, seres humanos. No entanto, nenhuma parte desse manto contém em si
algo do próprio Criador, tendo apenas se originado Dele, mais precisamente de Sua irradiação. A
centelha de uma chama não é o próprio fogo, assim como um raio de luz solar também não é o próprio
Sol…
Todo aquele que imagina que basta “crer” na pessoa de Jesus e “aceitá-lo” como Salvador,
cantando hinos em seu louvor, para logo ter perdoados seus pecados e angariado libertação através do
“sangue derramado de Cristo”, age exatamente como os mais obliterados pagãos com suas idolatrias,
conforme reza a doutrina de dois livros hindus: “Os que são purificados por se banharem nas águas
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deste rio [Ganges], e cujas mentes estejam devotadas a Quesava, obtêm a libertação final. O rio
sagrado, ouvindo-se dele falar, ao ser desejado, visto, tocado, ao se banhar nele, ou ao se cantar hinos
por ele, dia a dia purifica todos os seres. E aqueles que mesmo vivendo à distância exclamarem ‘Gangá
e Gangá’ [nome do rio Ganges] serão libertados dos pecados cometidos durante as três existências
prévias. Males acumulados durante gerações são destruídos. Simplesmente por banhar-se no Gangá a
pessoa é imediatamente purificada.” A crença num perdão tranqüilo e fácil dos pecados é, pois,
idêntica entre hindus e cristãos. Nisso, eles são irmãos de fé. E o resultado – nulo – de semelhante
concepção é o mesmo para ambos os grupos.
Quando Jesus permaneceu alguns dias entre os samaritanos, a pedido deles, o evangelista João
diz que “muitos outros creram nele por causa de sua Palavra” (Jo4:41), o que evidencia estarem
dispostos a cumprir, a transformar em ação essa Palavra de Jesus em suas vidas. Realmente, de nada
vale ser apenas um ouvinte da Palavra, porque “se alguém é ouvinte da Palavra e não praticante,
assemelha-se ao homem que contempla num espelho o seu rosto natural, pois a si mesmo se contempla
e se retira, e logo se esquece de como era a sua aparência” (Tg1:23,24). Desse modo, esse tal nunca
terá se apossado realmente da Palavra, a ponto de ela estar como que impregnada em sua carne e em
seu sangue, e por conseguinte também jamais se encontrará de fato justificado diante do Senhor.
Por isso, Jesus já advertiu outrora que o espírito é bem-intencionado, mas a carne é fraca: “O
espírito é decidido, a carne é fraca” (Mt26:41). A carne, isto é, o corpo físico, não transforma em ação
tudo aquilo que já era vontade no espírito, de modo que “o corpo corruptível é um peso para a alma”
(Sb9:15).
Cabe ressaltar que a doutrina da “justificação pela fé” – que como não poderia deixar de ser
acabou contribuindo decisivamente para o atual estado de sonolência espiritual do cristão – está em
grande medida baseada numa falha de tradução de um texto bíblico. Sim, numa mera e antiga falha de
tradução. Com efeito, na Bíblia hebraica, o profeta Habacuc afirma que “o justo viverá por sua
fidelidade” (Hab2:4), enquanto que a versão grega da Septuaginta 19 utilizada pelo apóstolo Paulo
trazia no lugar a fórmula: “o justo viverá pela sua fé”, o que é algo muito diferente (cf. Rm1:17;
Gl3:11). Essa segunda forma só faz fomentar a indolência espiritual do ser humano, inimiga visceral
de qualquer possibilidade de salvação, pois fé cega não salva ninguém: “Que adianta alguém dizer que
tem fé, quando não a põe em prática? Acaso esta fé poderá salvá-lo?” (Tg2:14). Cerca de metade dos
manuscritos gregos da época, porém, traziam a forma correta: fidelidade. Se Paulo tivesse feito uso de
um desses manuscritos, o erro não teria passado para o Novo Testamento.
E se Lutero tivesse feito uso de sua intuição, não teria sido induzido ao erro de uma “salvação
pela fé”, doutrina que desenvolveu justamente dessa passagem torcida da Epístola aos Romanos.
Conseqüentemente, também não teria propalado o que chamava de “sensação bem-aventurada de
segurança”, uma certa “convicção íntima” de salvação que mais danosa não poderia ser para a
movimentação do espírito humano. Nem Paulo nem Lutero sabiam das falhas da Septuaginta, a qual
difere do texto original em cerca de 2700 palavras, ou cerca de um oitavo da Bíblia hebraica.
É oportuno sublinhar que os manuscritos mais antigos das cartas de Paulo são unciais, isto é,
manuscritos que usam somente maiúsculas, sem sinais de pontuação e separação de palavras.
A pontuação surgiu muito tempo depois, sendo usada de acordo com a interpretação pessoal dos
copistas. A sentença de Paulo, tal como aparece em muitas Bíblias, acabou ficando desse tipo: “Aquele
que é justo pela fé, viverá.” Agora o leitor atente para essa outra forma, perfeitamente possível, com
uma simples mudança de posição da vírgula e a substituição de fé por fidelidade: “Aquele que é justo,
pela fidelidade viverá.” Que diferença! A primeira forma adormece o espírito, a segunda o desperta!...
Também chama a atenção o fato de a expressão “mediante a fé”, que aparece no seguinte trecho
da carta aos Romanos: “Por sua ação mediadora [de Jesus] é que temos acesso, mediante a fé, ao

19
A palavra “septuaginta” vem do grego e significa “setenta”. Também chamada simplesmente de “LXX”, a Septuaginta é
a mais antiga versão grega do Antigo Testamento, traduzida do original hebraico entre 250 e 350 a.C., supostamente por
ordem do rei Ptolomeu II do Egito, para atender os judeus que residiam fora da Palestina. O título está ligado à hipótese de
ter sido elaborada por 72 tradutores, seis de cada uma das 12 tribos de Israel. O certo é que a tradução não foi obra de um
único autor, pois a qualidade varia bastante de um livro para outro. Um aspecto interessante da Septuaginta é que o
tetragrama YHWH, que indica o nome de Deus, não foi traduzido para o grego, mas mantido com os caracteres hebraicos
originais, o que mostra a profunda reverência que os tradutores devotavam ao nome do Criador.
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estado de graça no qual nos encontramos” (Rm5:2), não constar de vários códices antigos, portanto
mais abalizados, particularmente o Vaticanus do século IV 20 . É de se supor que tenha sido
convenientemente inserida aí por algum dedicado teólogo dos tempos antigos. A fé só adquire real
valor quando evidenciada pela ação e sustentada pelo amor, estágio indispensável para que se
transforme em convicção: “Com efeito, em Jesus Cristo, o que vale é a fé agindo pelo amor” (Gl5:6).
A convicção é o degrau seguinte à fé e superior a esta; a convicção advém da fé anterior: “Guarda para
ti, diante de Deus, a convicção que te é dada pela fé” (Rm14:22).
Quando Paulo diz que “a pessoa é justificada pela fé, sem a prática da lei” (Rm3:28), visto ser
“de todo evidente que a lei não justifica ninguém diante de Deus” (Gl3:11), está aludindo às obras
prescritas pela lei mosaica, às coisas meramente exteriores dos fariseus, tal como se vê hoje em dia
também nas religiões cristãs, apenas revestidas de formas diferentes. A fé de que Paulo fala não é uma
fé morta. Aos Tessalonicenses, ele diz que para serem salvos é preciso que tenham “fé na Verdade”
(2Ts2:13). Na Verdade, não na mentira de uma crença falsa. E essa fé na Verdade por ele aludida
também não era algo contemplativo, inerte e passivo, mas se evidenciava pela ação.
Ao contrário do que é comumente apregoado, Paulo exortou os cristãos a demonstrarem pela
ação a mudança interior ocorrida em suas vidas. Ele, por exemplo, insistiu com as mulheres para que
deixassem as coisas fúteis como penteados complicados, pérolas e vestes luxuosas e “se ornassem com
boas obras” (1Tm2:10), as verdadeiras boas obras oriundas de uma vida reta: “modéstia e bom senso”
(1Tm2:9). Ao seu amigo Tito, Paulo exortou expressamente: “Em tudo, mostra-te modelo de boas
obras, de integridade na doutrina, de dignidade, de palavra sã e irrepreensível” (Tt2:7), e ainda
afirmou que o povo do Senhor devia ser “zeloso na prática do bem” (Tt2:14). E para que não restasse
dúvida sobre o que julgava premente, o apóstolo também instou Tito a falar com firmeza sobre essas
coisas aos demais companheiros: “Desejo que tu fales com firmeza destas coisas, para que os que
acreditaram em Deus se empenhem na prática de boas obras, pois isso é bom e útil para os homens”
(Tt3:8). Essas boas obras são em primeira linha o pensar puro, o falar verdadeiro e o agir correto. Tudo
o mais vem daí. Aos Filipenses, Paulo deixou claro que a salvação estava nas próprias mãos deles,
como decorrência de sua atuação: “Trabalhai com temor e tremor pela vossa salvação” (Fp2:12).
Paulo não foi menos explícito sobre a necessidade de renovação interior, e da nova conduta daí
decorrente, em sua carta aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos,
renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da Vontade de Deus,
a saber, o que é bom, o que Lhe agrada, o que é perfeito” (Rm12:2). Com muita freqüência, Paulo
exortava suas comunidades para que observassem os Mandamentos.
Todas as demais tradições que associam Paulo ou Pedro com o ensino de uma tranqüila
“salvação pela graça” à la Agostinho, sem empenho e mérito próprios, ou não são de autoria deles ou
foram “ajustadas” pela comunidade cristã dos primeiros séculos, quando a indolência espiritual, qual
nuvem negra abafadiça, já começava a encobrir a verdadeira doutrina de Cristo. Paulo parece até ter
previsto isso, pois já na sua época chegou a advertir os Tessalonicenses para que não se deixassem
iludir por “alguma instrução ou carta atribuída a nós” (2Ts2:2). Não podemos nos esquecer também
que a Epístola aos Romanos, que aliás não foi escrita por Paulo e sim por Tércio (cf. Rm16:22), onde
essas idéias estão mais disseminadas, é muito mais recente do que a Epístola de Tiago, a qual se
contrapõe vigorosamente a elas. Tiago morreu martirizado em 60 d.C., o que leva os estudiosos a
estimar a data de composição de sua epístola cerca de dez anos apenas após a morte de Jesus, enquanto
que a Epístola aos Romanos teria sido escrita pelo menos trinta anos depois da crucificação. Sendo
mais antiga, a Epístola de Tiago certamente está mais próxima dos ensinamentos originais de Jesus, de
quem, aliás, ele era irmão.
Contudo, se quisermos admitir a hipótese de que Paulo tenha deliberadamente escrito algum
despautério desse tipo, então temos de dizer aqui, com toda calma, que Paulo estava errado, e que
nesse aspecto sua crença era falsa. A bem da verdade ele já havia se equivocado uma vez, ao supor que

20
Até o século III aproximadamente os livros eram confeccionados em rolos; a partir do século IV passaram a ser
montados em códices, em número cada vez maior. Esses códices são os predecessores do livro moderno, constituídos de
folhas de papiro (depois de pergaminho) dobradas e costuradas. O códice Vaticanus tem esse nome porque é conservado na
Biblioteca do Vaticano, enquanto que o códice Sinaiticus é chamado assim porque foi descoberto no mosteiro de Sta.
Catarina, no Monte Sinai, no século XIX.
71
a volta de Cristo era iminente em sua época (cf. 1Ts4:17), tendo depois de empurrar alguns
Tessalonicenses de volta ao trabalho: “Quem não quer trabalhar também não coma” (2Ts3:10). Pedro
apóstolo, igualmente, achava que o fim de todas as coisas era iminente (cf. 1Pe4:7).
Também precisamos levar em conta o aspecto da conversão de Paulo. Ele teve uma vivência
muito profunda na estrada para Damasco, que o marcou para sempre. De um momento para outro,
passou de erudito fariseu e perseguidor implacável dos cristãos para o mais ardoroso arauto da boa
nova de todos os tempos. Nessa experiência dramática ele pôde constatar que mesmo um pecador
obstinado como ele poderia ser perdoado, caso redirecionasse totalmente seu modo de ser. O
reconhecimento pessoal de que ele, contra toda a lógica humana, poderia ser perdoado de suas graves
culpas, certamente lhe pareceu como uma “graça imerecida do Alto”, e simplesmente procurou
externar isso de algum modo para seus semelhantes. Ao seu amigo Timóteo ele havia dito ser “o
principal dos pecadores” (cf. 1Tm1:15), e mesmo assim pôde encontrar redenção ao dar um rumo
totalmente outro à sua vida de até então.
Não conhecemos as palavras exatas que ele usou para explicitar isso aos seus, pois sabemos
muito bem que todos os antigos escritos cristãos foram meticulosamente alterados nos séculos
seguintes por mãos pouco limpas, impelidas por espíritos menos limpos ainda. Mas podemos ter uma
pequena idéia analisando as alterações mais recentes, que por terem sido praticadas em cima da edição
latina chamada “Vulgata”21, são bem conhecidas e documentadas. Uma delas é a promessa de Paulo
aos Efésios: “Pela graça fostes salvos” (Ef2:5). A versão correta, porém, tal como aparece
originariamente na Vulgata, é: “Por cuja graça [de Cristo] fostes salvos”. A promessa de salvação
sempre esteve diretamente ligada à graça proporcionada pela missão de Cristo, que foi trazer sua
Palavra salvadora à Terra. Somente no cumprimento integral dessa Palavra reside a perspectiva de uma
salvação, e nunca através de qualquer “dom gratuito”, conforme insinuam as versões vernáculas,
conscientemente deturpadas.
Mas a despeito desses erros intencionais inseridos nas palavras de Paulo, algumas de suas
posições são mesmo indicativas de falhas próprias. Além do erro sobre a segunda vinda iminente de
Cristo, sua concordância implícita com a escravidão então reinante acabou sancionando muitos males
posteriores. Não cabe aqui a alegação ingênua e tendenciosa de que a escravidão era uma prática
comum naquela época, e que Paulo nada mais fez do que estipular algumas regras para o cristão
escravo. A submissão não é uma característica própria do espírito, e por essa razão a escravidão não é
natural entre os seres humanos. A considerar como suas as frases a seguir – e parece que são mesmo –
podemos afirmar, sem medo de errar, que faltou intuição ao apóstolo nessas suas preleções: “Escravos,
obedecei em tudo aos vossos senhores daqui da Terra, não servindo apenas diante dos olhos, como
quem procura agradar os seres humanos” (Cl3:22); “Escravos, obedecei aos vossos senhores desse
mundo como ao próprio Cristo, com temor e grande respeito e de coração sincero” (Ef6:5). Baseada
nessas indicações bíblicas, a seita dos puritanos, um grupo presbiteriano muito rígido, estritamente
apegado à letra das Escrituras, fazia normalmente tráfico de escravos durante o início da colonização
americana, comprando negros da África e vendendo índios para as Índias Ocidentais. E para os
católicos abismados com essa prática dos puritanos, vai a informação de que na Idade Média a Igreja
era a maior proprietária de escravos na Inglaterra, e que mais de um século antes dos Puritanos, o papa
Inocêncio VIII (reinado de 1484 a 1492) já distribuía gratuitamente escravos mouros aos seus cardeais
e amigos. As epístolas de Paulo ratificavam todos esses procedimentos.
Por fim, temos de nos convencer, de uma vez por todas, de que tanto Paulo como seu colega
Pedro eram pessoas normais, com qualidades e defeitos como qualquer um, sujeitos a erros e acertos.
Vimos que os dois chegaram até mesmo a ter uma querela particular bem áspera. Mas, assim como
Paulo, Pedro também ensinava que só o íntimo tem real valor diante do Senhor, e não as coisas
exteriores: “Vosso adorno não consista em coisas externas, mas na personalidade que se esconde no
vosso coração, marcada pela estabilidade de um espírito suave e sereno, coisa preciosa diante de
Deus” (1Pe3:3).
A antiga teologia farisaica de uma salvação obtida através da prática ritualística estava
estruturada, a bem dizer, nas mesmas duas pedras angulares da aconchegante teologia cristã atual de
21
O nome Vulgata advém das características do texto, redigido sob forma literária comum, ou “vulgar” no sentido
etimológico, de onde surgiu a terminologia de “versão divulgada”.
72
uma justificação gratuita pela fé: crença cega e indolência espiritual, os dois principais e mais letais
venenos para o espírito humano. Todos os fiéis cristãos que se deixam conduzir aqui na Terra pelo
doce encantamento de uma justificação pela fé, obtida por “graça” como gostam de dizer, portanto de
uma salvação desvinculada da indesviável Justiça, não vão achar graça nenhuma da realidade que os
aguarda após a morte. O terno sentimento de estarem enlevados na fé se transmutará no horroroso
reconhecimento de estarem enleados em pesadas cadeias de mentiras. Terão de vivenciar no Além, da
forma mais amarga, os frutos gerados por essa fantasia presunçosa, que só pôde medrar no charco da
mais viscosa indolência espiritual, desprovida de todo movimento interior. Serão forçados a aprender,
da maneira mais dolorosa possível, a severa declaração do Senhor: “Não vou declarar justo o
culpado!” (Ex23:7).
Foi para escapar dessa armadilha sedutora de uma utópica salvação gratuita, inventada pelos
fomentadores da vaidade e da inércia espiritual, que o salmista clamou ao Senhor para não permitir
que fosse iludido, e que o salvasse pela Sua Justiça: “Em Ti, Senhor, me refugio; que eu nunca seja
confundido. Salva-me pela Tua Justiça!” (Sl31:2).
As criaturas humanas que sorvem avidamente esse entorpecente inebriante de uma pretensa
salvação gratuita desprovida de qualquer mérito pessoal, e que não cultivam dentro de si mais nenhum
anelo pelo espiritual, nenhum anseio pela Luz, apenas provam com isso sua absoluta inutilidade na
Criação.
Na hora da angústia suprema, que procurem então se defender com sua doce fé cega, que
procurem clamar com aparente direito que acreditavam piamente “serem deuses” (cf. Jo10:34), que
“haveriam de julgar os próprios anjos” (cf. 1Co6:3), porque assim estava nas Escrituras! Talvez se
convençam então, nesse momento, de que numerosos textos bíblicos foram de fato alterados e
enxertados por dedicados servidores de Lúcifer, a fim de moldá-los à vaidade e presunção humanas,
constituindo com isso os ardis mais eficazes para conduzi-los diretamente à perdição eterna,
transformando-os em “cadáveres desonrados, alvos de vergonha eterna entre os mortos” (Sb4:19).
E, no entanto, bastaria um mínimo de esforço, uma pequeníssima movimentação espiritual para
se colher trigo verdadeiro em meio ao joio bíblico. Um trabalho que pode fazer a diferença entre a vida
e a morte eterna para o cristão. A necessidade de movimentação interior contida no “crer” joanino,
mencionado acima, pode ser percebida por qualquer um que ainda ouça a voz da intuição e não seja
totalmente alérgico à atividade espiritual. Só não poderá senti-lo aquele cujo raciocínio já cuidou de
amordaçar sua intuição para sempre. Este ficará muito satisfeito em adotar o “crer” letárgico ensinado
pelas Igrejas, falso, que nada mais exige dele senão uma submissão bronca às formas mortas de uma fé
cega, para glória dele mesmo e de seus assemelhados, mas não da de Deus: “Como vos é possível crer,
se andais à procura da glória uns dos outros, e não procurais a glória que vem do Deus único?”
(Jo5:44), adverte Cristo.
A exigência premente de movimentação espiritual implícita no “crer” bíblico pode, inclusive, ser
inferida dos próprios originais grego e hebraico. Em hebraico o termo é ’aman, que em essência
significa ser firme e sólido, e daí fiel e atuante. A palavra correspondente em grego é pisteuo, que
igualmente possui um significado muito mais profundo. Nessa palavra, que aparece nada menos que
248 vezes no Novo Testamento, estão implícitos os conceitos de “colocar dentro da fé”, “manter
ligação pessoal por meio de uma certeza absoluta”, “comprometer-se pessoalmente com a fé”, jamais
indicando algo parecido com “aceitar apaticamente”, conforme transparece do conceito de fé
atualmente pregado pelas igrejas.
O verbo pisteuein significa tanto confiar como aderir, conforme enfatiza o teólogo Bruno
Maggioni: “Deve ser uma confiança tão grande que leve a mudar de vida e a entrar no seu
seguimento.” O escritor André Chouraqui esclarece que se trata de uma adesão ao Senhor, à Sua
Palavra e à Sua Vontade. Em sua premiada versão francesa da Bíblia, ele substituiu o “acredito”,
geralmente usados como tradução de pisteuo, por “adiro” e “tenho adesão”, indicando com isso a
necessidade de um engajamento absoluto, com responsabilidade pessoal, na doutrina de Jesus. Em seu
Evangelho de 21 capítulos, João usa o verbo grego “crer” (pisteuein) nada menos que 98 vezes, e
nenhuma vez o substantivo correspondente à “fé” (pistis), o que mostra a distinção que fazia entre os
dois conceitos. O especialista Josep-Oriol Tuñi diz que essa freqüência ainda é aumentada se
considerarmos as “numerosas expressões equivalentes a crer e que são usadas no mesmo sentido:

73
receber Jesus, suas palavras, seu testemunho.” Josep-Oriol dá outros 17 exemplos nesse sentido no
Evangelho de João.
Quando Jesus afirmou: “Vim como Luz para o mundo, para que aquele que crê em mim não
permaneça na trevas” (Jo12:46), estava aludindo justamente a esse necessário engajamento em sua
Palavra e a conseqüente mudança voluntária de vida, para que a respectiva pessoa pudesse então sair
das trevas em que se encontrava. E quando disse àqueles judeus que haviam acreditado nele: “Se
permanecerdes na minha Palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos” (Jo8:31), estava do mesmo
modo esclarecendo que além de simplesmente acreditar que ele era o enviado de Deus, deveriam
também cumprir as diretrizes de sua Palavra, isto é, deveriam em tudo agir de acordo com ela.
Crer em Jesus significa, pois, inserir-se incondicionalmente na Mensagem de Cristo, a qual
estipula que a criatura humana tem de se esforçar em agir sempre corretamente, em todas as situações
da vida. Crer em Jesus é acreditar na sua Palavra e viver de acordo com ela. É amar a Deus sobre
todas as coisas e o próximo como a si mesmo. É fazer aos outros exatamente o que queremos que seja
feito a nós.
Se o sentido fosse o que a teologia cristã ensina, teríamos de admitir os maiores absurdos. Por
exemplo: um estuprador e assassino pego em flagrante estaria salvo se, ainda no camburão,
confessasse Jesus como seu Salvador e acreditasse na sua morte redentora, ao passo que a vítima, caso
não fosse cristã, naquele mesmo momento já estaria queimando no inferno. O criminoso vai ficar
algum tempo hospedado numa prisão, mas quando morrer será recebido por Jesus no céu, com coros
angélicos de júbilo, suficientemente altos para abafar os gritos de dor da vítima assassinada, em seus
tormentos nas profundezas infernais. Só mesmo uma pessoa sem nenhum discernimento, com a
intuição já totalmente obliterada e a alma já completamente enrijecida, pode aceitar semelhante coisa e
outras ainda piores, que decorrem da transmutação do crer atuante, oriundo da severa doutrina de
Jesus, na aceitação apática de uma salvação gratuita e imerecida.
E conforme Tiago ainda exorta no tesouro bíblico que é a sua epístola (escrita, aliás, num grego
impecável, e com toda justiça conhecida como “Literatura de Sabedoria do Novo Testamento”), é
absolutamente indispensável “ser praticante da Palavra, e não apenas ouvinte, enganando a si mesmo”
(Tg1:22), haja vista que “alguém é justificado com base naquilo que faz e não simplesmente pela fé”
(Tg2:24). Ser praticante da Palavra outra coisa não quer dizer senão viver segundo as leis da Criação,
significa praticar a Lei, o conjunto das leis naturais. Como já mencionado, foi precisamente esse
conceito que Paulo procurou transmitir ao Romanos:
“Não são os que ouvem a Lei que são justos diante de Deus, mas os que praticam a Lei é que
serão justificados.”
(Rm2:13)
Também é significativo que a palavra credere (crer) em latim seja derivada de cor-dare – “dar o
coração”… Teodoro, bispo na Cilícia de 392 a 428, assim explicava o sentido desse “crer” aos
convertidos: “Quando dizeis ‘creio’ perante Deus, mostrais que permaneceis firmes com Ele, que
jamais vos separeis Dele e que julgareis mais elevado, que qualquer outra coisa, ser e viver com Ele, e
conduzir-vos de uma maneira que esteja em harmonia com os Seus Mandamentos.”
Guardar os mandamentos de Jesus significa observá-los, isto é, cumpri-los, movimentar-se para
tanto. E essa Palavra, que provém do Pai, habitará então dentro daquele que a cumprir. Ter a Palavra
habitando dentro de si significa tê-la assimilado de tal modo que se a pratica sem reservas. Tudo
quanto uma tal pessoa fizer, todas as suas palavras, pensamentos e intuições, estarão automaticamente
dentro do sentido dessa Palavra, como se ela estivesse impregnada em sua carne e em seu sangue. Não
precisa mais cismar antes de praticar uma ação qualquer para ter certeza de estar agindo corretamente,
pois a própria pessoa se molda integralmente, naturalmente, de acordo com a Palavra. De uma tal
pessoa pode-se então dizer que, de fato, Cristo vive nela, pois Jesus foi a Palavra de Deus encarnada na
Terra. É nesse sentido que Paulo afirmou aos Gálatas: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive
em mim” (Gl2:20). Quem chega a esse ponto, de ter realmente o Filho de Deus habitando dentro de si,
isto é, sua Palavra viva, este alcançará a vida eterna: “Quem tem o Filho de Deus, tem a vida”
(1Jo5:12).

74
Contudo, não é preciso se submeter a uma religião instituída para conhecer os mandamentos de
Jesus. Bem o contrário, infelizmente. As religiões atuais não ensinam a seguir os ensinamentos de
Cristo, senão os delas mesmas, os quais se limitam a citar a doutrina de Jesus e, quando muito, a
clamar por salvação, sem que o fiel tenha de despender o mínimo esforço para tanto. Essa contingência
pode ser reconhecida por qualquer pessoa ainda viva espiritualmente. O grande escritor russo Leon
Tolstoi, por exemplo, chegou a ingressar num mosteiro, mas acabou rompendo com a Igreja e foi
excomungado. No entanto, é dele esse testemunho: “A essência do ensinamento de Cristo é a de se
seguir seus mandamentos. Aqueles que só repetem ‘Meu Deus, Meu Senhor’ não irão para o céu, mas
sim apenas aqueles que cumprem a Vontade de Deus.” Tolstoi poderia orgulhar-se de sua
excomunhão. Poderia colocar o decreto excomungatório num quadro, com uma bela moldura, e exibi-
lo com orgulho a seus temerosos concidadãos, como um atestado legítimo da mais genuína liberdade
de espírito, da mais aguçada vivacidade espiritual, que rejeita qualquer comodismo e superstição. A
sua “heresia” acabou convalidando sem querer o sentido original dessa palavra, que oriunda do grego
hairesis significava simplesmente “uma escolha”. Uma escolha absolutamente certa no seu caso.
Só cumpre a Vontade de Deus quem cumpre a Sua Palavra. É com esse sentido, o da aceitação e
prática integrais da Palavra, que a Ceia foi instituída por Jesus. O comer de seu corpo e o beber de seu
sangue, simbolizados pelo pão e o vinho, significam a aceitação e o cumprimento total da Palavra de
Cristo, já que ele próprio era a Palavra encarnada, “o pão de Deus que desceu do céu” (Jo6:33). Esse
conceito não era de difícil compreensão na época, pois os judeus sempre usaram a metáfora de “comer
e beber” para indicar a acolhida no íntimo de algo relevante. Nisso está o significado da declaração de
Jesus: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer viverá eternamente, e o pão que eu
darei pela vida do mundo é a minha carne” (Jo6:51), “pois minha carne é verdadeira comida e meu
sangue é verdadeira bebida” (Jo6:55). Assim, quem comesse de sua carne e bebesse de seu sangue
teria a vida eterna, mas quem a isso se recusasse ficaria privado dela (cf. Jo6:53). Essa condenação
seria imposta mesmo que uma tal pessoa participasse exteriormente da Ceia eucarística, pois
continuaria impura caso não tivesse assimilado interiormente a Palavra: “Examine-se pois a si mesmo
o homem, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque todo aquele que o come e bebe
indignamente, come e bebe para si a condenação” (1Co11:28,29).
Jesus jamais poderia imaginar que, alguns séculos depois, essas suas palavras tão belas dariam
origem a violentas disputas entre os teólogos de variadas tendências. No início, a comemoração da
Ceia era acompanhada de uma simples refeição entre os cristãos, onde cada convidado trazia um prato
para a mesa comum. A refeição era abençoada pelo bispo local com uma “oração de ação de graças” –
a eucharistia (do grego charis – graça). Com o tempo, porém, essa oração de ação de graças tornou-se,
ela própria, uma consagração dos elementos da Ceia, e a repetição do rito passou a representar a
“renovação do sacrifício vicário” de Jesus, algo que nunca havia ocorrido nas primeiras celebrações.
É claro que os antigos romanos não poderiam mesmo entender uma tal doutrina, e julgavam que
a seita cristã praticava uma espécie de canibalismo com suas idéias de comer “carne e sangue”.
A prática do beijo de saudação entre irmãos e irmãs (como os cristãos se tratavam) – o chamado
“ósculo santo” (cf. Rm16:16; 1Co16:20; 2Co13:12; 1Ts5:26), prática que Justino confirma em sua
obra Primeira Apologia, do ano 150 – foi vista pelos romanos como prova de que o incesto também
era prática comum entre os membros da seita. Tudo isso contribuiu para incrementar as perseguições
cristãs no início da nossa era. Não é de admirar que o historiador e senador romano Tácito (25d.C. –
125d.C.) tenha chamado o Cristianismo de “detestável superstição”, e os cristãos de antanho de
“pessoas notoriamente depravadas”. E que um outro romano daquela época, Luciano de Samosata
(115d.C. – 200d.C.), tenha afirmado que os cristãos “adoravam um sofista crucificado e viviam
segundo suas leis”. As trevas não iam perder uma oportunidade dessas de deturpar os ensinamentos de
Jesus já no nascedouro do Cristianismo.
A Ceia instituída por Cristo antes de sua morte foi uma Ceia de despedida, tal como transparece
no Evangelho de João (cf. Jo13:1-4). Um documento apócrifo conhecido como Doutrina dos Doze
Apóstolos, muito bem conceituado até hoje, traz instruções para uma refeição de ação de graças, mas
em nenhum momento a relaciona à “morte expiatória” de ninguém. Essa concepção só foi estabelecida
mais tarde, com a contínua repetição da Ceia associada à idéia de uma “morte sacrifical” de Cristo.

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Sedimentada tal concepção, surgiu o debate de se saber até que ponto Jesus estaria efetivamente
presente naquela consagração, levada a efeito milhares de vezes por dia, no mundo inteiro.
Essa controvérsia eucarística entre os cristãos pouco difere daquela irrompida entre os antigos
fariseus, quando Jesus afirmou que sua carne era o pão vivo que ele daria ao mundo, para que quem
dele comesse vivesse eternamente (cf. Jo6:51). Tal como os atuais cristãos, os fariseus de outrora só
conseguiam fazer uso de seu limitado raciocínio na tentativa de compreender as palavras de Cristo, ao
invés de simplesmente hauri-las com a intuição: “Os judeus discutiam entre si: ‘Como é que ele pode
dar a sua carne a comer?’” (Jo6:52). Os cristãos de hoje também acham que Jesus de alguma forma
quis dar literalmente seu corpo para ser comido entre os fiéis. O que efetivamente é deglutido na Ceia
é que se tornou a grande questão entre eles.
Nesse embate teofágico pelejam os defensores da “consubstanciação” (protestantes
sacramentalistas) e os da “transubstanciação” (católicos). Os primeiros acreditam que o corpo e o
sangue de Cristo se unem espiritualmente ao pão e ao vinho durante a Ceia, enquanto que os últimos
crêem que pão e vinho são efetivamente transformados no corpo e no sangue reais de Jesus por ocasião
da consagração. O fato de esses elementos continuarem tendo invariavelmente a aparência e o sabor de
pão e de vinho é designado de “acidente” pela teologia católica, isto é, uma contingência meramente
acidental. A transubstanciação foi fixada como dogma de fé em 1215, no Concílio Latrão IV, o qual
estabeleceu que “cada partícula da hóstia consagrada, não importa quão partida esteja, contém todo
o corpo, sangue e alma de Jesus Cristo”.22 Essa concepção foi reafirmada no Concílio de Trento, em
1551, com a declaração de que “Jesus Cristo está verdadeira, real e substancialmente presente no
santo sacramento”, com o complemento de que os demais sacramentos ministrados pela Igreja,
instituídos por Cristo, também eram indispensáveis à salvação dos leigos, e que a confissão auricular
era uma prática divina. A hóstia passou a ser erguida durante a celebração como uma reação às
heresias de então, que negavam a presença de Jesus na eucaristia.
A transubstanciação acabou, inclusive, dando ensejo a novas abordagens eucarísticas, como a
veneração da custódia e a negação do cálice aos participantes da missa, para evitar que algum fiel
eventualmente derramasse o vinho transubstanciado. Já os protestantes consideravam inaceitável que o
vinho não pudesse ser oferecido aos participantes da celebração. Uma xilogravura do século XVI, no
início da eterna briga entre católicos e protestantes, mostra um pastor condenando ao inferno um padre
que celebrava uma missa, porque apenas o pão era oferecido aos fiéis. Esse primeiro século de
contenda entre as duas grandes facções antagônicas já deixava antever o que o futuro nos reservaria em
termos de encarniçada rixa cristã. Na Inglaterra, a rainha Maria I (1516 – 1558), católica fanática,
perseguiu sem tréguas os protestantes, ostentando no final do seu reinado a cifra de 280 “hereges”
devidamente queimados, enquanto que sua irmã e sucessora Elisabeth I (1533 – 1603), protestante
convicta, cuidou de acossar a seu modo os católicos do reino… Para quem meneia a cabeça diante de
uma tal intolerância medieval, saiba que até o ano de 1835 a discriminação contra católicos era legal
em algumas regiões dos Estados Unidos, e que no Brasil, não faz muito tempo, filhos de pais espíritas
não podiam freqüentar escolas onde estudavam crianças católicas.
Desde a Idade Média os cristãos vêm brigando entre si para ver quem detém a concepção exata
sobre os mistérios da Ceia instituída por Cristo. No ano de 1054 o papa e o patriarca ortodoxo
(equivalente ao papa na Igreja Ortodoxa) se excomungaram mutuamente devido à discórdia sobre se o
pão da Ceia devia ser levedado ou não… Certamente nenhum dos dois se lembrou da advertência de
Paulo: “Evita as discussões tolas e descabidas, sabendo que geram rixas” (2Tm3:23).
Essa importante divergência teológica não parece ter preocupado muito os fiéis da época
medieval, que consideravam a hóstia consagrada portadora de poderes mágicos, independentemente do
modo de preparo. Na Inglaterra, especialmente, era prática comum levar a hóstia às escondidas para
curar doenças de animais, apagar incêndios, fertilizar o solo, preparar encantamentos de amor, proteger
criminosos, etc.

22
Esse Concílio também estabeleceu a proibição da cirurgia na prática da medicina entre as ordens religiosas, para que não
se derramasse nenhum sangue. Intervenções cirúrgicas só poderiam ficar a cargo de homens não letrados. Com isso, surgiu
uma distinção entre médicos – cavalheiros membros da nobre profissão – e cirurgiões, esses últimos praticantes já de algum
trabalho manual, em geral atuando como barbeiros.
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É interessante notar que na remota Antiguidade ninguém teria aceitado a idéia de que uma hóstia
pudesse conter a divindade, conforme se depreende dessa confissão do rei Salomão: “É verdade que
Deus poderia habitar sobre a Terra? Os próprios céus e o céu dos céus não te podem conter!”
(1Rs8:27). O primeiro mártir cristão, Estevão, também sabia que “o Altíssimo não mora em casa feita
por mãos humanas” (At7:48). Parece que naquelas épocas longínquas as pessoas tinham uma noção
mais acertada da grandeza do Todo-Poderoso do que os fiéis cristãos de hoje.
Mas voltemos às exortações de Jesus para se cumprir sua Palavra. O trecho a seguir é uma
ratificação do anterior:
“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como também eu
tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e no seu amor permaneço.”
(Jo15:10)
Mesmo quando Jesus dava as indicações necessárias para o ser humano tornar-se um “filho” de
Deus, estava subjacente a necessidade de movimentação interior:
“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.”
(Mt5:9)
Aqui Jesus faz menção àqueles que possuem legítima paz íntima, e que são capazes, devido à sua
pureza de alma, de transmitir essa paz aos seus semelhantes. Paz interior, porém, só pode possuir quem
assimila e cumpre a Palavra. Tão-somente este é conduzido pelo Espírito de Deus, a Sua Vontade
Sagrada, podendo ser considerado como uma criança da Criação ou um “filho” de Deus: “Os que são
conduzidos pelo Espírito de Deus, esses é que são filhos de Deus” (Rm8:14). Assim, unicamente com
empenho pessoal um ser humano pode alcançar o estado de poder ser considerado um “filho” de Deus.
Essa denominação, porém, não significa que ele traga em si qualquer coisa de divino, mas sim que
pelo direcionamento correto do seu livre-arbítrio ele passou a cumprir as determinações do Criador
contidas na Palavra, tornando-se então, por adoção, um Seu “filho”. Só poderemos ser tidos na conta
de “filhos adotivos” de Deus se cumprirmos a Palavra transmitida por Seu Filho unigênito, enviado por
Ele à humanidade pecadora: “Deus enviou o Seu Filho, (…) para que nos seja dado ser filhos
adotivos” (Gl4:4,5).
Que é necessário cumprir os mandamentos contidos na Palavra para alguém poder tornar-se um
“filho” do Todo-Poderoso Criador, também fica patente no trecho a seguir:
“Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos
torneis filhos de vosso Pai celeste.”
(Mt5:44,45)
O sentido que transparece dessas palavras é: fazei isso que digo, cumpri o que determino, para
que então possais tornar-vos filhos do Pai celeste. Cumprida essa exigência, a respectiva pessoa estará
de fato “nascida de novo”, ou “nascida de Jesus ou de Deus”, pois não pecará mais: “Todo aquele que
é nascido de Deus não vive na prática de pecado” (1Jo3:9), só exercendo a justiça: “Reconhecei que
todo aquele que pratica a justiça nasceu dele” (1Jo2:29). No trecho abaixo Jesus elucida a situação dos
“filhos de Deus”, tidos como merecedores de subsistir no Juízo e permanecer vivos espiritualmente por
toda a eternidade:
“Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento, mas os que são havidos por dignos de
alcançar a era vindoura e a ressurreição dentre os mortos, não casam nem se dão em casamento.
Pois não podem mais morrer, porque são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da
ressurreição.”
(Lc20:34-36)
Jesus havia sido inquirido aí por um grupo de saduceus a respeito da ressurreição dos mortos. Os
saduceus não acreditavam neste conceito (cf. At23:8), e é forçoso dizer que pelo menos nisso estavam
certos. De fato, não há nada na Torá ou Torah (da raiz hebraica yarah – ensinar, instruir), indicando
algo parecido com a idéia corrente de “ressurreição dos mortos”. De mais a mais, já o antiqüíssimo
livro de Jó, que se supõe ter sido escrito entre os século XI e X a.C., é bem taxativo a respeito. Na
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sentença reproduzida a seguir, a expressão dormir é um eufemismo para indicar a morte, como
normalmente acontece nos escritos do Antigo Testamento: “Assim como o homem quando dormir não
ressuscitará, a menos que o céu seja consumido não despertará, nem se levantará do seu sono”
(Jó14:12). Ou seja, é mais fácil o céu ser consumido do que um morto ressuscitar em carne.
Jó sabia muito bem que a morte terrena era um acontecimento natural, apenas o “lugar de
encontro de todos os mortais” (Jó30:23). Ele foi tão claro em seu ensinamento contrário a uma idéia de
ressurreição corpórea dos mortos que, por ocasião da tradução da Bíblia hebraica para o latim, a
chamada Vulgata, um outro trecho de seu livro foi intencionalmente torcido e retorcido com vistas a
justificar essa doutrina da ressurreição física dos mortos, já em voga na Igreja. O trecho no original
hebraico dizia textualmente:
“Eu sei que meu defensor vive e prevalecerá, por fim, sobre o pó da terra; e mesmo que me
tenham destruído a pele, na minha carne, contemplarei a Deus.”
(Jó19:26)
O paciente Jó está simplesmente dizendo que por maior sofrimento que padecesse aqui na Terra,
não perderia sua confiança no Senhor; continuaria a contemplá-Lo na observância de Suas leis,
nitidamente reconhecíveis na Criação. É evidente que não se trata de um “ver” literal. É o mesmo
sentido da bem-aventurança expressa por Jesus: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão
a Deus” (Mt5:8). Agora, o leitor preste bem atenção nessa mesma sentença dita por Jó tal como
aparece na Vulgata latina, a qual serviu de base para as primeiras traduções nas línguas modernas:
“Pois eu sei que o meu redentor vive e que, no último dia, eu ressuscitarei da terra e, de novo, serei
revestido da minha pele; e, na minha carne, eu verei a Deus.” Comentários dispensados…
A idéia da ressurreição dos mortos defendida pelos fariseus estava baseada na tradição oral, a
qual era rejeitada pelos saduceus. A concepção reinante na época junto aos fariseus sobre essa
ressurreição é a que lamentavelmente subsiste ainda hoje, isto é, a de uma ressurreição física (corpo
terreno) no Dia do Juízo Final, algo completamente impossível segundo as leis perfeitas da Criação.
Impossível realmente. Como será que as pessoas imaginam um tal acontecimento surreal em
relação a si mesmas? Emergindo do túmulo e flutuando no ar com um corpo glorioso, envolto em
esvoaçantes vestes brancas? E que idade terá esse corpo? Seguramente uns vinte e poucos anos… Por
que não oito ou oitenta? Por que não exatamente “trinta anos em perfeito vigor”, como ensina
Agostinho? E quem foi cremado e teve suas cinzas espalhadas ao mar, como fica sua situação? E o
cristão que tiver a má sorte de ser evaporado numa explosão atômica? E um seu antepassado distante,
tão desafortunado quanto, que foi integralmente devorado pelos leões no Coliseu romano? Voltará à
vida de excrementos fossilizados, ou quiçá da raiz dalguma velha oliveira italiana por eles adubada?...
O Homem de Neanderthal também vai ressuscitar no final dos tempos com aquele mesmo corpo
desengonçado?
O fato é que nem Moisés nem Jesus ensinaram um absurdo desse quilate, de que o corpo físico
ressuscitaria no final dos tempos. Nem no final nem antes. Aquela estória de sepulcros se abrindo e
corpos de santos ressuscitando logo após a morte de Jesus é tão-só fruto de uma fantasia desregrada,
que não pode impressionar ninguém capaz de refletir por si mesmo e que ainda ouve a voz de sua
intuição. E que “santos” eram aqueles? Quando foram canonizados e por quem? A primeira
canonização de que se tem notícia data do ano 993... Seriam aqueles antigos santos que “oferecem
sacrifícios consumados pelo fogo ao Senhor” (Lv21:6)? Santos que matavam animais inocentes? Por
que tiveram a primazia de ressuscitar antes de todo mundo? E teria sido mesmo uma primazia?... O
retorno à vida daquela sinistra multidão de espectros parece mais roteiro de um filme de terror:
“Abriram-se os túmulos e muitos corpos de santos, que estavam mortos, ressuscitaram; e saindo dos
sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na Cidade Santa e apareceram a muitos”
(Mt27:52,53). Posso perguntar onde anda esse pessoal? Ainda perambulando pela Cidade Santa e
assombrando a muitos? Ou teriam morrido uma segunda vez?... Não sabiam esses mortos-vivos
santificados que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez” (Hb9:27)? Ou será que subiram
todos irmanados ao céu, com seus novos corpos ressurretos, sem darem a mínima a que “carne e
sangue não podem herdar o Reino de Deus” (1Co15:50)? Acaso há alguma testemunha ocular dessa
sublevada ascensão coletiva de defuntos insepultos?...
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Por falar em ascensão corpórea, ninguém também viu o bom ladrão subindo em carne e osso
para o céu no dia da crucificação, o que naturalmente teria sido fácil de constatar, já que naquele
mesmo dia de sua morte ele estaria no Paraíso, conforme asseverou Jesus.
Aquele bom ladrão ascendeu ao Paraíso como espírito humano depois de sua morte terrena, em
obediência ao processo natural de evolução previsto na Vontade de Deus, quando não havendo mais
necessidade de novas encarnações o espírito ascende ao reino espiritual, enquanto que o invólucro
terreno permanece na matéria, de onde se originou: “o pó voltará à terra de onde saiu, e o espírito
voltará para Deus que o concedeu” (Ecl12:7), conforme, aliás, já fora prescrito ao homem terreno
desde os primórdios: “tu és pó e ao pó retornarás” (Gn3:19).
Na sua longa conversa com Nicodemos, Jesus também esclareceu essa diferenciação:
“O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do espírito é espírito.”
(Jo3:6)
Os próprios samaritanos, tão desprezados pelos judeus, não ensinavam a idéia de ressurreição
dos mortos, e o próprio apóstolo Paulo ainda ratificou aos gregos de Corinto, com uma clareza
meridiana, que “carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus” (1Co15:50). Aliás, os gregos
daquela época, convictos dos ensinamentos de seu patrício Platão sobre a imortalidade da alma, nunca
engoliram a idéia de uma ressurreição física do corpo terreno, algo incompatível com as leis vigentes,
e que seria indigno de Deus e de Sua perfeição. Nem havia na língua grega um termo para exprimir
essa idéia, e por isso os textos bíblicos fazem uso aí de duas palavras comuns: “levantar” e “despertar”.
Os gregos costumavam fazer um trocadilho com a palavra sōma (corpo) e sēma (tumba), e
adotavam como regra de vida o princípio basilar do grande filósofo grego, segundo o qual “não se
pode acreditar em nada que seja indigno de Deus”. Nesse ensinamento platônico estava implícito o
preceito de que se deve dar a Ele, ao Todo-Poderoso Criador, a honra da perfeição, pois “na verdade,
tudo é Dele, por Ele e para Ele” (Rm11:36). Dos escritos de Platão, eles também sabiam que o mal era
basicamente a ausência de Deus e que o ser humano é livre em sua escolha (Timeu), e também que não
podia haver dois deuses: um bom e outro mau. Se o mundo ia alternadamente bem e mal, como uma
roda que gira ora para a frente e ora para trás, então isso se devia ao fato de obedecer ora à impulsão
divina, ora a si mesmo (Política).
A crença antinatural de uma ressurreição corpórea foi mais um produto exclusivo do raciocínio
humano torcido, que só consegue divisar valores no que é material. O conceito correto referente à
ressurreição citada na Bíblia é: ressurreição de tudo quanto é morto durante a época do Juízo Final.
No tempo do Julgamento final, tudo quanto está aparentemente morto e sepultado no espírito humano,
todas suas falhas e pendores serão despertados para a vida, terão de se manifestar, para que ele se
mostre como realmente é, e assim se julgue. É esse o sentido da expressão: “Teus mortos, porém,
reviverão! Seus cadáveres irão se levantar!” (Is26:19).
Quanto aos espiritualmente mortos, não vão ressuscitar, mas sim acordar no Julgamento, quer
queiram quer não. Os mortos espirituais serão despertados para o reconhecimento de sua culpa na
época do Juízo, que é “o tempo do julgamento dos mortos” (Ap11:18), antes de serem extirpados da
Criação. Os espiritualmente vivos, porém, “ressuscitarão de entre os mortos” (Rm7:4) para a vida
eterna; estes, portanto, ressurgirão dentre os espiritualmente mortos, os condenados no Juízo. É a eles
que se dirige o brado: “Desperta, ó tu que dormes, levanta de entre os mortos, e Cristo te iluminará”
(Ef5:14). Cristo aqui significa a Palavra da Salvação, que era ele próprio.
Essas duas situações são retratadas no livro de Daniel, onde ambas as espécies de seres humanos
despertarão no Juízo, mas apenas aqueles que tiverem seus nomes escritos no Livro da Vida obterão a
vida eterna: “Só escapará, então, quem for do teu povo, quem tiver seu nome inscrito no Livro. Muitos
dos que dormem no solo poeirento acordarão, uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, para o
horror eterno” (Dn12:1,2). A situação dessas duas espécies de seres humanos despertadas no Juízo é
mostrada da seguinte maneira no livro de Provérbios: “A luz dos justos brilhará jubilosa; a lâmpada
dos maus se apagará” (Pv13:9).
Sobre o destino desses maus, os espiritualmente mortos que acordarão para o horror eterno, os
“mortos que foram julgados segundo suas obras” (Ap20:12), também podemos ler nos livros de Isaías
e da Sabedoria: “Estão mortos, não reviverão, são sombras, não se levantam mais. Tu castigaste,
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destruíste, apagaste a memória dessa gente” (Is26:14); “Deus os precipitará, silenciados, de cabeça
para baixo, sacudi-los-á desde as suas bases; eles ficarão em desolação até o fim, mergulhados na dor,
e sua memória perecerá” (Sb4:19).
No Evangelho de João também aparece essa imagem do despertar espiritual no Juízo, onde uns
acordarão para a vida eterna e outros para a condenação:
“Vem a hora em que todos os que estão nos túmulos ouvirão sua voz, e sairão. Aqueles que
fizeram o bem ressuscitarão para a vida; e aqueles que praticaram o mal, para a condenação.”
(Jo5:28,29)
Os espiritualmente vivos é que são, portanto, os verdadeiros ressurretos espirituais, que “se
entregam a Deus como vivos de entre os mortos” (Rm6:13), aqueles que devido à sua radical
transformação interior fizeram jus ao galardão da vida eterna, podendo então ser chamados “filhos de
Deus”, pois Ele não é Deus de mortos e sim de vivos, conforme esclarece Jesus:
“Quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido no Livro de Moisés, no trecho referente à
sarça, como Deus lhe falou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó? Ora,
Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos.”
(Mc12:26,27)
Nenhuma dessas declarações do Senhor Jesus justificam a concepção de uma ressurreição física
dos mortos. O corpo terreno é formado de matéria, e em razão disso terá de permanecer sempre no
âmbito material do qual se originou, jamais podendo alcançar outros planos da Criação situados acima
dele, os quais são de espécie e constituição completamente diferentes. Uma decorrência absolutamente
natural e lógica de leis eternas, imutáveis e perfeitas. No assim chamado Além, no mundo de matéria
mais fina, só podem estar almas humanas, cuja constituição é idêntica à do respectivo plano. E no
plano mais alto a que um ser humano pode alcançar, no plano espiritual denominado Paraíso, só
podem estar espíritos humanos exclusivamente, sem invólucros de outras espécies. Jamais um corpo
material poderá ascender até o plano espiritual da Criação, ou mesmo a regiões acima deste. Isto, as
leis perfeitas da Criação não permitem.
Não posso deixar de registrar aqui a opinião de um eminente teólogo tradicional, que afirma ser
heresia a crença na subsistência da alma “às expensas da ressurreição corporal”. Tire o leitor suas
próprias conclusões dessas palavras do sobranceiro teólogo: “Essa [heresia] não ocorre com tanta
freqüência entre eruditos e teólogos cristãos, mas sim entre o povo leigo, simples e biblicamente semi-
analfabeto.”
Ressurreição corpórea, porém, é uma concepção tão inadmissível, tão contrária às leis da
Criação, que essa impossibilidade absoluta foi aproveitada por Abraão na imagem que fez durante
aquela conversa com o ex-homem rico no Além, para convencê-lo de que seus parentes jamais
acreditariam em suas advertências: “Se não escutam Moisés nem os profetas, mesmo se alguém
ressuscitar dos mortos, não acreditarão” (Lc16:31).
Ressurreição corpórea, a bem dizer, verifica-se em cada nascimento terreno. Uma ressurreição
na carne, em virtude da nova vida terrena que se inicia, e não uma ressurreição da carne, pois a alma,
o invólucro mais fino do espírito, é sempre o mesmo, podendo se apresentar mais limpo ou mais sujo,
conforme viveu o ser humano, o que fatalmente se evidenciará naquela nova vida terrena. O que muda
em cada encarnação é unicamente a vestimenta mais externa, denominada corpo humano terreno, num
processo que se repete várias vezes mas que não é infinito, visto que para tudo há um tempo
determinado, e assim também para o desenvolvimento previsto do espírito humano. Durante esse
período concedido para seu desenvolvimento, o ser humano repete continuamente o ciclo de morte e
renascimento, de partir para o mundo do Além e, de lá, retornar para uma nova encarnação: “O Senhor
é quem dá a morte e a vida, faz descer à morada dos mortos e de lá voltar” (1Sm2:6).
O escritor e teólogo grego Orígenes, um dos mais destacados pensadores cristãos, já ensinava a
“preexistência da alma” nos primórdios do Cristianismo, idéia aceita também por outras figuras de
destaque daqueles tempos antigos, como Jerônimo e Clemente de Alexandria. Orígenes não tinha
nenhuma dúvida sobre a preexistência da alma e a reencarnação. Contudo, no Concílio Constantinopla
II, em 553, seus ensinamentos foram formalmente declarados heréticos, e assim permanecem até hoje.
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A concepção de vidas sucessivas foi desaprovada naquele Concílio por influência do imperador
Justiniano, cuja esposa, escravocrata convicta, teria ficado apavorada com a possibilidade de ter de
reencarnar como escrava… A reencarnação foi rejeitada num pleito sinodal, tendo perdido pelo
apertado placar de 3 a 2. Há quem sustente que o fator preponderante para essa derrota não foi a
ingerência do imperador, mas sim a percepção dos clérigos da época de que o conceito
reencarnacionista enfraqueceria o poder da Igreja, já que concederia aos católicos tempo demais para
buscarem a salvação. Agostinho chegou a escrever uma carta ao papa Inocêncio I, advertindo-o sobre a
necessidade de se condenar as idéias sobre vidas sucessivas, sob pena de a Igreja perder a sua própria
autoridade... Além disso, se um fiel pudesse continuar evoluindo após a morte, seja no Além ou numa
nova vida terrena, então não haveria mais lugar para indulgências e muito menos para missas
encomendadas (e bem remuneradas) em prol dos entes falecidos. Seria um desastre!
Se o retorno à matéria para uma nova vida terrena não fosse um fato, seriam falsas todas as
inúmeras assertivas bíblicas que prevêem uma dura reciprocidade para os maus, terrenamente visível, a
qual não se tenha verificado durante a mesma vida em que esses atos malévolos foram praticados.
Nesse caso, a injustiça campearia por toda a Bíblia, e um livro poderia ser escrito só com esses relatos
de aparente injustiça. A própria Palavra de Jesus estaria desqualificada, pois em relação aos crimes
cometidos contra os antigos profetas ele anunciou: “Por isso se pedirá conta a esta geração do sangue
de todos os profetas derramado desde a criação do mundo, (...). Sim, eu vos digo: esta geração terá de
prestar conta disso” (Lc11:50,51). Aquela geração má teria de prestar contas um dia pelos crimes
praticados contra os profetas, decorrente da Lei da Reciprocidade. Se o resgate não ocorreu naquela
vida em particular, veio seguramente numa outra, possivelmente até na atual.
A alegação de muitos teólogos cristãos, contrários à reencarnação, de que “aos homens está
ordenado morrerem uma só vez” (Hb9:27) é novamente apenas fruto de uma estreiteza de visão. Nosso
corpo físico, de fato, morrerá uma única vez, visto que uma ressurreição no mesmo corpo é coisa
impossível. O ser humano espiritual, porém, o eu individual, não cessa de existir com a morte terrena.
Ele só deixará de existir na Criação se sofrer a morte espiritual, que é o acontecimento mais terrível
que pode atingir um espírito humano que já tenha chegado à autoconsciência. Aquela criatura que se
desviar da Palavra do Senhor, agindo contra as Suas leis, será por fim arrastada à essa morte espiritual,
o que evidentemente só ocorrerá uma vez e para sempre. Mas isso será então apenas culpa dela própria
exclusivamente, visto que “a alma que pecar, esta morrerá” (Ez18:4), de modo que “cada um morrerá
por seu próprio pecado” (Jr31:30). O Talmude hebraico também enfatiza a gravidade dessa
incondicional reciprocidade para o espírito humano ao afirmar que “não há morte sem pecado, e não
há sofrimento sem iniqüidade.”
Ressalte-se que o salmista bíblico também diz que os “mortos descem todos ao Silêncio”
(Sl115:17), ao passo que “nós, os vivos, bendiremos o Senhor, desde agora e para sempre” (Sl115:18).
Se para os espiritualmente vivos esse louvor ao Senhor era “para sempre”, então não poderia tratar-se
de uma única vida terrena, mas sim da existência total do espírito humano, que compreende várias
vidas na Terra e também no Além, até poder viver eternamente (para sempre portanto) no Paraíso.
Enquanto os espiritualmente mortos descem ao Silêncio, sendo por conseguinte esquecidos para
sempre com sua morte espiritual, a qual ocorre apenas uma vez, os vivos bendirão o Senhor, também
para sempre. Por isso, o salmista podia clamar com a mesma convicção: “Vou guardar Tua Lei para
sempre, por todos os séculos!” (Sl119:44).
Jesus não falou explicitamente sobre reencarnação e outros assuntos porque se encontrava frente
a uma imaturidade muito grande, até mesmo de seus discípulos. Foi com tristeza que lhes declarou:
“Tenho ainda muita coisa a vos dizer, mas não sois capazes de compreender agora” (Jo16:12). No
Evangelho de Marcos, principalmente, vemos que os discípulos quase nunca entendiam direito as
palavras do Mestre. Se Jesus aparecesse hoje, com mais razão ainda evitaria falar desses temas com os
atuais cristãos.
Mas voltemos aos saduceus, quase esquecidos. Eles haviam interpelado Jesus com uma charada
que citava uma prescrição de Moisés, na qual consta que no caso de um casal não ter filhos e o marido
vier a falecer, o seu irmão deve desposar a viúva e suscitar descendência ao falecido (cf. Dt25:5-10).
Com base nisso, inventaram uma estória mirabolante de sete irmãos, na qual o mais velho era casado e
não tinha filhos. Ao morrer esse irmão mais velho o segundo desposa a viúva, sem também ter filhos

81
com ela. O segundo marido também morre e a situação se repete com o terceiro. E assim vai até o
sétimo, o último. A questão suscitada pelos saduceus era: “De qual irmão a mulher será esposa no dia
da ressurreição, visto que os sete a desposaram?” (Lc20:33).
Jesus explica que enlaces matrimoniais tal como conhecemos na Terra não existem nos planos
do Além, e cita como exemplo a situação dos que se tornam “filhos de Deus”. Diz ele que os que
forem dignos de ressuscitar dentre os mortos, ou seja, aqueles aptos a alcançar a vida eterna, “não
mais se casam nem se dão em casamento” (Lc20:35) como fazem as pessoas aqui na Terra. De fato,
relações maritais como conhecemos só existem aqui, no plano da matéria mais grosseira. No Gênesis,
por exemplo, não há nenhuma indicação para os seres humanos se “reproduzirem” no Paraíso, mas
somente quando estes passam a viver na Terra, degrau indispensável no seu processo de
desenvolvimento.
Os filhos da ressurreição também “não podem mais morrer” (Lc20:36), isto é, não sofrerão a
morte espiritual ou condenação eterna por ocasião do Juízo Final. Serão iguais aos anjos23 no sentido
de que ambos possuem a vida eterna. Como foram dignos de alcançar a vida eterna, então já podem ser
chamados “filhos de Deus”, ou filhos da ressurreição, visto que ressuscitaram dentre os mortos, dos
espiritualmente mortos. Novamente transparece aqui a necessidade de esforço pessoal para se alcançar
um dia a condição de poder ser chamado “filho de Deus”.
Só quem se esforça em se tornar um “filho de Deus” pela obediência à Palavra – em contraste
com os que não cumprem os Mandamentos – pode um dia alcançar a vida eterna, entrar no reino dos
céus. Tal esforço equivale a um movimentar-se no sentido do aperfeiçoamento contínuo, observando
irrestritamente as leis ou Mandamentos da Vontade de Deus. No trecho a seguir, Jesus sintetiza essa
contingência:
“Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos
homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar
será considerado grande no reino dos céus. Pois vos digo que se a vossa justiça não exceder em
muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.”
(Mt5:19,20)
Ninguém pode hoje exceder a justiça dos modernos escribas e fariseus apenas “crendo” no
Salvador e em suas palavras. Ao contrário. Se para obter a salvação fosse suficiente “acreditar” em
Jesus e “aceitá-lo” como Salvador, ele não teria alertado com tanta ênfase os seres humanos para o
perigo de entrar pela porta larga e seguir pelo caminho espaçoso do comodismo (cf. Mt7:13). A porta
larga não passa de uma ampla arapuca e o caminho espaçoso a que ela dá acesso é falso, pois foram
ambos moldados pelo raciocínio humano, atado ao espaço e tempo terrenos. Nunca conduziram para
cima, para o reino dos céus, mas sim para baixo, para a morte espiritual. Conforme já dito, o caminho
para a vida é muito mais difícil de ser trilhado: ele é apertado, e a porta que lhe dá acesso é estreita
(cf. Mt7:14). Em outras palavras, não é um caminho cômodo, confortável, mas sim requer –
novamente – esforço pessoal para se poder seguir por ele. Na severa linguagem do apóstolo Paulo, as
pessoas precisam desenvolver sua salvação com “temor e tremor” (Fp2:12). Não basta absolutamente
acreditar no Senhor e clamar por ele, mas é preciso em tudo agir no sentido da Sua Vontade, pois “a
fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg2:17), ensina Tiago. O lúcido Tiago é mesmo de uma
clareza ofuscante sobre esse ponto, pois insiste: “Assim como o corpo sem espírito está morto, assim
também a fé sem obras está morta” (Tg2:26). Mais claro impossível.
E como é possível, depois das palavras abaixo, que o ensinamento basilar de Jesus sobre a
necessidade de movimentação própria tenha sido desconsiderado?
“Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a
Vontade de meu Pai que está nos céus.”
(Mt7:21)

23
A palavra “anjo” deriva do grego aggélos, que significa “mensageiro”. O correspondente termo em hebraico – mal’akh
tem o mesmo sentido. Os anjos são, de fato, os mensageiros da Vontade divina. Os nomes deles e dos arcanjos (do grego
arkhos – chefe de anjos) invariavelmente terminam em “El”, que é o mais antigo nome semita referido ao Criador.
82
Aquele que faz a Vontade do Pai… Somente este entrará um dia no reino dos céus! “O mundo
passa, e também a sua concupiscência; mas aquele que faz a Vontade de Deus permanece
eternamente” (1Jo2:17). A vida eterna só será alcançada por aquele que atua em conformidade com a
Vontade do Senhor, a Verdade divina. É a Lei do Movimento em vigor! Os outros apenas mentem para
si mesmos com palavras vazias, imaginando estar inseridos no ensino de Jesus: “Se dissermos que
estamos em comunhão com ele [Jesus] e andamos em trevas, mentimos e não praticamos a Verdade”
(1Jo1:6).
Em contrapartida, aquele que se movimenta espiritualmente e faz a Vontade do Criador, que
cumpre diligentemente as Suas leis, já aqui na Terra tem sua vida transformada, conforme Tiago
também prescreve em sua epístola: “Quem considera atentamente a Lei perfeita, Lei da liberdade, e
nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, este será bem-aventurado no
que realizar” (Tg1:25). Operoso praticante!… A bem-aventurança do espírito humano reside
unicamente na sujeição voluntária e diligente às leis universais. Tão-somente este ser humano é
realmente livre, ao passo que quem procura “libertar-se” dessas leis torna-se na realidade um escravo,
um eterno escravo do pecado…
A bem-aventurança de um espírito liberto não abrange apenas bons efeitos retroativos
decorrentes de um modo de vida correto, mas traz consigo também o sentido de proteção contra
eventuais retornos cármicos negativos. Quem realmente acolhe a Palavra dentro de si e a pratica,
angaria como que um escudo contra antigos e maus efeitos retroativos, que se efetivam pela Lei da
Reciprocidade. Um carma pesado, pronto a efetivar-se através de um efeito de retorno ruim, não
precisa abater-se com toda sua potencialidade sobre a pessoa que o gerou. Mesmo numa situação de
extremo perigo como essa, a criatura humana não fica desamparada, não fica indefesa. Mesmo aqui é
ela própria a determinar sua senda, a fornecer os fios com que o tear da Criação tece o tapete do seu
destino, com a trama e a urdidura correspondente à sua vontade real. Se ela mudou seu modo de ser
nesse intervalo e realmente esforçou-se em melhorar em tudo, cuidando de purificar sua vontade, seus
pensamentos, palavras e ações, se nas suas vivências procurou enobrecer tudo com que entrou em
contato, se, enfim, procurou cumprir o que prescrevem as Mensagens de Deus, então não concede mais
em si nenhuma ancoragem para a efetivação integral de um carma grave. A Lei de Atração da Igual
Espécie a protege disso.
Como ela melhorou por esforço próprio, como ascendeu espiritualmente de patamar, então
também não traz mais em si a mesma espécie má do retorno cármico. Não pode mais ser atingida
integralmente pelo carma ruim a ela ligado, pelo simples fato de que espiritualmente não se encontra
mais lá embaixo, naquele mesmo nível de quando o gerou por meio de uma atuação errada qualquer.
O efeito cármico danoso só poderá atingi-la de modo muito enfraquecido, bastante atenuado,
simbólico até, com o que então será remido da mesma forma.
Exteriormente, essa situação se apresenta como se uma tal pessoa estivesse protegida com um
escudo contra as adversidades da vida. Jesus retratou isso na alusão ao homem que edifica sua casa
sobre a rocha:
“Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem
prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; e caiu a chuva, transbordaram os rios, sopraram
os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, que não caiu, porque fora edificada sobre a
rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um
homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e caiu a chuva, transbordaram os rios,
sopraram os ventos e deram com ímpeto contra aquela casa, e ela desabou, sendo grande a sua
ruína.”
(Mt7:24-27)
O mau efeito retroativo não causou nenhum dano ao homem prudente, que tinha ouvido e
praticado as palavras de Jesus. Note-se que está dito: “quem ouve estas minhas palavras e as pratica”,
ou seja, quem se movimenta para inseri-las integralmente em sua vida. Jesus, pois, exorta
continuamente os homens para que assimilem sua Palavra e a conservem dentro de si, mediante
contínua vigilância. As ações de assimilar e conservar os ensinamentos contidos na Palavra
pressupõem indiscutivelmente um esforço próprio, pessoal. Assim, é a própria pessoa que dá forma à
sua proteção, como um escudo, não podendo mais ser atingida tão duramente na reciprocidade.
83
O mundo pode até desmoronar à sua volta, mas ela estará protegida: “Se tombarem mil a teu lado e dez
mil à tua direita, tu não serás atingido” (Sl91:7).
Isaías também já havia descrito esse importante processo do simbolismo no destino humano
quando da transmissão dessa exortação da parte do Senhor, numa linguagem compreensível ao povo
da época: “Aprendei a fazer o bem! Buscai o direito, corrigi o opressor! (...) Então, sim, poderemos
discutir, diz Yahweh: Mesmo que os vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a
neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim, tornar-se-ão como a lã” (Is1:17,18). A
reciprocidade será consideravelmente atenuada pela boa vontade legítima, atingindo o pecador que se
esforça pelo bem com uma intensidade diminuída, correspondente a uma nova coloração, suavizada,
de suas faltas.
O trecho a seguir fala novamente dessa necessidade de conservação do que foi assimilado, uma
atribuição impossível de ser cumprida pela insossa fé cega aprendida. Naquele tempo o sal, de sabor
inalterável, era usado para conservar os alimentos:
“Bom é o sal, mas se o sal vier a tornar-se insípido, como lhe restituir o sabor? Tende sal em vós
mesmos, e paz uns com os outros.”
(Mc9:50)
A necessidade de vigilância contínua fica ainda acentuada sobremaneira no trecho abaixo,
quando Jesus fala da perseverança, logo depois de uma menção clara à Lei da Reciprocidade (“não se
perderá um só fio de cabelo…”):
“Sereis odiados por todos por causa do meu nome; mas nem um só cabelo da vossa cabeça se
perderá. É pela vossa perseverança que ganhareis a vida.”
(Lc21:18)
Pela perseverança ganharemos a vida… vida eterna! Pela nossa contínua vigilância e
movimentação espiritual, perseverando no bem até o fim: “Quem perseverar até o fim, esse será
salvo” (Mc13:13). Paulo diz o mesmo aos Romanos, ao lhes garantir que o resultado da perseverança
em praticar o bem seria a obtenção da vida eterna: “Vida eterna para aqueles que, por sua
perseverança em praticar o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade” (Rm2:7). A Epístola aos
Hebreus também diz o mesmo sobre a necessidade de movimentação perseverante, no sentido certo:
“De fato, é de perseverança que tendes necessidade, para cumprirdes a Vontade de Deus e alcançardes
o que Ele prometeu” (Hb10:36). Quem age com essa firmeza será necessariamente feliz, assegura
Tiago: “Eis que temos por felizes aos que perseveram firmes” (Tg5:11).
Quero finalizar esse tópico mencionando uma informação da biblista Marie Vidal, estudiosa do
Judaísmo. Segundo ela, o pronome relativo hebraico asher é usado para designar a planta dos pés,
dando imediatamente a idéia de avanço, de movimentação para frente. Não por acaso, o termo que
designa “feliz” é um derivado deste: ashrei. Assim, na etimologia judaica, movimentação no sentido
certo e felicidade estão intimamente relacionados, o que é uma verdade primordial.

A Lei de Atração da Igual Espécie


Considerando-se que a caridade também faz parte dos ensinamentos de Jesus, as alusões a ele
atribuídas de que será tirado dos pobres até o pouco que possuem, nunca foram bem compreendidas.
Cuidadosamente se passou ao lado dessas palavras, sem levantar muita poeira, porque o real sentido
delas não foi reconhecido.
A causa da incompreensão, porém, assim como de tantas outras passagens, reside novamente
apenas na tentativa de interpretação literal das palavras do Mestre. Jesus veio das alturas máximas, e
por isso suas palavras tinham um alcance muito maior do que podia fazer crer o estreito campo de
visão das pessoas que o ouviam. Jesus abrangia com a vista todos os efeitos das leis da Criação de seu
Pai, e procurava então direcionar a vida das pessoas no sentido de se adaptarem a essas leis. Vejamos o
trecho controverso:

84
“Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será
tirado.”
(Mt13:12; Mc4:25; Lc8:18)
O conceito aí expresso é ainda reforçado pelo final das parábolas dos talentos (cf. Mt25:28,29) e
das minas (cf. Lc19:24-26), que serão analisadas mais detalhadamente no capítulo 3. Em ambas as
histórias, um senhor manda tirar a única mina ou o único talento do servo relapso e entregá-lo ao
respectivo servo bom, que obtivera dez talentos ou dez minas.
O sentido correto é o de que cada ser humano precisa utilizar com afinco os dons espirituais que
recebeu, e sempre no sentido certo, conforme prescrevem as leis da Criação. Quem se esforça em
ascender espiritualmente recebe de modo automático, na medida do seu empenho, a força necessária
para continuar progredindo. Já quem negligencia seu desenvolvimento espiritual permanece estagnado,
e com isso se torna um elemento nocivo na engrenagem universal.
Por isso, estes últimos acabarão por perder o pouco que ainda possuem de força mediante a
atuação da Lei de Atração da Igual Espécie, que faz com que esta reflua para aqueles que a utilizam de
maneira certa. É como um ímã, que tornado mais forte atrai poderosamente os elementos homólogos.
Esse fenômeno, porém, diz respeito ao âmago do ser humano, à atuação do espírito, nada tendo que
ver com pobreza e riqueza materiais. É dessa maneira que se cumprem as palavras dessa antiqüíssima
promessa. E o livro de Provérbios acrescenta no mesmo sentido: “Há quem pareça rico, não tendo
nada, e quem pareça pobre e possua grandes riquezas” (Pv13:7).
Os ensinamentos de Jesus eram sempre direcionados ao espírito humano, o único realmente vivo
no ser humano, que aliás é o próprio ser humano:
“O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita.”
(Jo6:63)
Apesar de não ter convivido com Jesus, o apóstolo Paulo demonstra ter compreendido isso muito
bem, conforme se depreende dessas palavras dirigidas aos Coríntios em sua primeira epístola: “Qual
dos homens sabe as coisas do homem, senão o seu próprio espírito que nele está?” (1Co2:11). Do
mesmo modo quando afirmou que apenas “o homem espiritual ajuíza todas as coisas” (1Co2:15), e
que ele mesmo “aplicava a realidades espirituais uma linguagem espiritual” (1Co2:13). Somente o
espírito humano tem capacidade de discernir, com infalível certeza, o que é certo e o que é errado. Isso
se dá através da intuição e não por ponderações do raciocínio: “O espírito do homem é lâmpada do
Senhor, que penetra todos os recônditos do ser” (Pv20:27).
De uma maneira geral, porém, os discípulos de Jesus não tinham uma compreensão clara do
espiritual humano e de sua atuação, como freqüentemente deram mostras com suas perguntas. Foi o
caso, por exemplo, daquele episódio em que os fariseus questionaram Jesus pelo fato de os seus
discípulos não lavarem as mãos quando comiam. Jesus responde que não é o que entra pela boca que
contamina o homem, e sim o que dela sai (cf. Mt15:2,11). Os discípulos não compreenderam o que ele
quis dizer com isso e mais tarde lhe pediram um esclarecimento. Vejamos a resposta do Mestre:
“Também vós não entendeis ainda? Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para
o ventre e depois é lançado em lugar escuso? Mas o que sai da boca vem do coração, e é isso que
contamina o homem. Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios,
prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem,
mas o comer sem lavar as mãos não o contamina.”
(Mt15:16-20)
O homem aqui é o ser humano espiritual. Conforme já dito, o coração a que Jesus se refere é
sempre o íntimo do ser humano, a vontade de seu espírito ou vontade intuitiva. Os pensamentos que se
formam por influência de uma vontade intuitiva má também serão maus, assim como as conseqüentes
ações más visíveis na matéria: adultérios, prostituição, falsos testemunhos, etc. A vontade intuitiva má
contamina o homem, porque a expressão dessa vontade fica gravada na alma, o invólucro do espírito.

85
Assim, a alma fica efetivamente contaminada pela vontade má.24 E tal processo de contaminação ainda
é intensificado pela Lei de Atração da Igual Espécie. Por isso, a morte terrena não livra o espírito
humano de sua contaminação, já que esta permanece aderida à alma.
Sobre o conceito de adultério, cabe um esclarecimento. Esse delito não se restringe apenas aos
cônjuges, mas inclui qualquer um que procure destruir um casamento mediante difamações e outros
meios. Quem assim age já viola da forma mais grave o mandamento de Jesus: “O que Deus uniu, o
homem não deve separar” (Mt19:6). Pois comete adultério ao querer dar cabo de uma união
verdadeira, contraída diante do Todo-Poderoso, onde cada cônjuge procura tornar viva, em si e no
outro, a antiga expressão indicativa de pleno acolhimento do que é mais sagrado para a criatura
humana: “Teu Deus seja o meu Deus” (cf. Rt1:16; Jt11:23). Terá por conseguinte de arcar com as
conseqüências de haver impedido a união de duas almas e as bênçãos que adviriam desse enlace. Um
crime dos mais sórdidos, autêntico adultério consumado.
Os pensamentos e as intuições do ser humano não são coisas inexistentes, não são um “nada”
apenas porque não se pode vê-los. Eles tomam forma no mundo de matéria mais fina que circunda
estreitamente a nossa Terra. Por serem de matéria mais fina não conseguimos percebê-los com nossos
olhos corpóreos, que são constituídos de matéria mais grosseira.
Nesse mundo fino-material os pensamentos e as intuições adquirem formas segundo o que foi
pensado ou intuído. Não é difícil compreender que formas originadas de maus desígnios, como cobiça,
inveja, ódio, etc., não podem ser bonitas, tampouco ter uma atuação benfazeja entre os seres humanos.
As formas das intuições originadas do ódio, por exemplo, são chamadas “fúrias”, e visam apenas a
destruição. Em Roma, as divindades infernais eram chamadas exatamente de fúrias, e na Grécia
tinham o nome de erínias. Essas erínias eram representadas portando chicote, serpentes e tochas,
brandindo tudo isso diante do rosto das vítimas que perseguiam.
As formas de pensamentos são os “fantasmas”, as ditas “assombrações” já vistas por muitos e
que desde tempos remotos amedrontam outros tantos, sem saberem que são geradas pelas próprias
pessoas. Adquirem também conformações horrendas quando produzidas por maus pensamentos, como
aconteceu com aqueles ímpios que “tinham imaginado escravizar a nação santa” (Sb17:2): Eles foram
“apavorados por fantasmas, tétricos fantasmas de rostos lúgubres (...), foram perseguidos por
fantasmas monstruosos (…)” (Sb17:3,4, 17).
As formas de pensamentos e intuições ficam ligadas ao gerador por meio de um fio de matéria
fina, o qual só pode ser desfeito mediante uma outra sintonização íntima. Nem a morte terrena é capaz
de desfazer os fios que ligam os geradores às suas conformações de matéria fina, sejam elas boas ou
más. Evidencia-se com isso a promessa de que suas obras os seguirão: “As obras dos que morrem os
acompanham” (cf. Ap14:13). Os que morrem aqui na Terra encontrarão no Além as suas obras, as
conformações de matéria fina por eles mesmos geradas enquanto viviam num corpo terreno. Por isso,
ai daqueles cujas obras forem más: “Seus crimes se levantarão contra eles, para acusá-los” (Sb4:20);
“Todas as ações do homem são votadas à corrupção, e a obra de suas mãos o seguirá” (Eclo14:19).
Moisés disse a mesma coisa com as palavras: “Sabei que o vosso pecado vos achará” (Nm32:23).
Mediante a Lei de Atração da Igual Espécie essas formas de pensamentos e intuições ainda são
reforçadas por outras de mesmo tipo, e também em decorrência dessa lei são elas atraídas para junto
daquelas pessoas que trazem alguma característica de igual espécie. No caso das fúrias é o ódio, em
maior ou menor grau. Agarram-se a essas pessoas e influenciam-nas continuamente com o ódio de que
são constituídas. Daí para as pessoas assim atacadas perpetrarem uma ação violenta, visível na matéria
grosseira, é um passo muito curto.
Culpados dessa ação violenta são todos os que contribuíram para a geração das fúrias, e não
apenas o malfeitor que, sob a influência delas, a desencadeou na matéria grosseira. Este último foi
apenas o elo mais fraco de uma extensa corrente de ódio. Em sua primeira epístola, João afirma que
“todo aquele que odeia seu irmão é um homicida” (1Jo3:15), indicando com isso que os fomentadores
de ódio já incorrem em grave culpa, o que é um fato, em virtude da geração de fúrias. Jesus reforça
esse ensinamento ao afirmar que não somente quem mata terá de “responder ao tribunal”, mas também
todo aquele que se encoleriza com o próximo (cf. Mt5:21,22). Uma cólera que pode crescer até um
24
Ao leitor que se interessar em conhecer o aspecto das almas contaminadas, indica-se O Livro do Juízo Final, de Roselis
von Sass, capítulo “O Enigma das Doenças e do Sofrimento”.
86
ódio totalmente cego. As fúrias podem enlouquecer toda uma multidão que se tenha aberto para elas,
pela nutrição recíproca e crescente do sentimento de ódio, tal como aconteceu com a massa das
pessoas que vociferavam contra Cristo: “Crucifica-o! Crucifica-o!” (Lc23:21). Com isso, elas
transgrediram da pior forma possível a ordem do Senhor: “Não tomarás o partido da maioria para fazer
o mal” (Ex23:2). Coisa semelhante fez também a multidão que se levantou contra Paulo em Éfeso,
dirigindo-se em massa ao teatro num frenesi de fúria, com gritarias e imprecações; e, no entanto, lemos
que “a maioria nem mesmo sabia por que estava reunida” (At19:32).
Quem deixa o ódio tomar conta de si contribui, sem o saber, para a ocorrência de uma ação
violenta em algum lugar do mundo, e conseqüentemente angaria parte da culpa, mesmo que nada
conheça disso. Essa é também a razão do crescimento desmesurado da violência em nossa época. Um
efeito automático do processo do Juízo Final, que libera agora todas as fúrias geradas, nesse período de
ceifa, restituindo aos seus fomentadores e adoradores de igual espécie tudo aquilo que formaram com
tanto afinco mediante sua vontade odiosa. Por isso, quem em nossa época ainda se permite ficar
furioso com alguma coisa, demonstra ter no íntimo a mesma espécie trevosa das fúrias, pois só as
trevas podem manifestar-se raivosamente.
O livro do Apocalipse menciona essas fúrias soltas no Juízo com a imagem de gafanhotos
liberados quando é aberto o poço do abismo, por influência da “estrela que tinha caído do céu”
(Ap9:1), os quais se espalham pela Terra inteira (cf. Ap9:3). As fúrias estavam amontoadas naquele
poço do abismo – uma central de igual espécie localizada nas profundezas, de acordo com a Lei da
Gravidade. Quando esse poço é aberto no Juízo, as fúrias são libertadas. Todavia, elas só podem causar
danos àqueles que não têm o selo de Deus na fronte: “Foi-lhes dito que não danificassem a vegetação
da terra, nem as ervas nem as árvores, mas somente as pessoas que não levassem na fronte a marca do
selo de Deus” (Ap9:4). As nuvens de gafanhotos evocam imediatamente a idéia de uma quantidade
inumerável, vastos enxames à cata de alimento… Os gafanhotos do Apocalipse têm formas humanas,
alimentam-se do terror e atormentam as pessoas: “Os seus rostos eram como rostos de homens; tinham
também cabelos, como cabelos de mulheres; os seus dentes eram como dentes de leões. (…) Na sua
cauda estava o poder de atormentar as pessoas. (...) E o seu tormento era como tormento de escorpião
quando fere alguém” (Ap9:7,8,10,5). O livro da Sabedoria evoca essa situação com a frase: “Enviaste
contra eles multidão de bichos mudos em vingança, para que soubessem que pelas coisas em que
alguém peca, por essas é também atormentado” (Sb11:15,16). Nada menos do que nove palavras da
Bíblia hebraica são normalmente traduzidas por “gafanhotos”, o que mostra a importância da imagem
transmitida por esses terríveis insetos voadores no tempo do fim. O profeta Joel descreve dessa
maneira a imagem da invasão dos gafanhotos (fúrias) no tempo do Juízo:
“O que deixou o gafanhoto cortador comeu-o o gafanhoto migrador; o que deixou o migrador
comeu-o o gafanhoto devorador; o que deixou o devorador comeu-o o gafanhoto destruidor. (...)
Meu país foi invadido por uma multidão forte e inumerável, os seus dentes são como dentes de
leão, e as mandíbulas, como de leoa. (...) Como o clarão da aurora, um exército poderoso e forte
vai se estendendo pelas montanhas. Exército igual a esse nunca houve e, por muitas gerações,
jamais haverá. Parecem cavalaria, avançam como animais de combate. Seu ruído é o de carros de
guerra pulando pelas serras, estalando como chama que devora a palha, como exército poderoso
em ordem de batalha. Diante deles os povos se apavoram, ficam todos pálidos de medo. (...)
Invadem a cidade, correm por cima das muralhas, sobem às casas, entram pelas janelas como
ladrões. Sua presença sacode a terra, balança o céu, encobre o Sol e a Lua e apaga o brilho das
estrelas. (...) Sim, grande é o Dia do Senhor e mui terrível! Quem o poderá suportar?”
(Jl1:4,6;2:2,5,6,9-10,11)
Só poderá permanecer livre dessas influências furiosas, que agora estão soltas pelo mundo em
sua missão de devastação, assim como de qualquer outra influência de configurações más, aquele ser
humano que tiver algo contrário dentro de si em relação à espécie básica ruim delas, ou seja: amor no
lugar de ódio, nobreza em lugar de sordidez, sinceridade em lugar de falsidade, altruísmo em lugar de
egoísmo, coragem em lugar de medo e assim por diante. Portanto, em relação às configurações de
espécie má (quaisquer que sejam), a própria Lei de Atração da Igual Espécie fornece uma proteção
automática e eficiente ao ser humano que se esforça continuamente pelo bem, ao impedir que essas
configurações nocivas adiram a ele.
87
No entanto, para se conservar essa proteção a vigilância tem de ser mesmo contínua, permanente,
em favor do bem, pois freqüentemente “o fascínio da frivolidade obscurece os verdadeiros valores e a
vertigem do desejo abala a mente sem malícia” (Sb4:12). Em contraste com a mornidão da maioria, já
vimos que a pessoa realmente boa tem de perseverar até o fim no caminho do bem, para poder
subsistir nessa época: “Devido à crescente iniqüidade, o amor esfriará na maioria; mas quem
perseverar até o fim, este será salvo” (Mt24:12,13). É essa perseverança que indica o valor de uma
pessoa boa, na qual o amor não esfriou. Somente esta pode, então, contar com o auxílio do Amor de
Deus em suas aflições, o qual a protegerá das enlouquecedoras formas de medo no Juízo, cada vez
mais robustecidas. João já dissera à sua comunidade: “No amor não existe medo; antes, o perfeito
amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no
amor” (1Jo4:18). Aquele que tiver medo no Juízo demonstra não ter se aperfeiçoado no amor; e como
ele não tem amor dentro de si, falta-lhe também a confiança na onipotência e na Justiça do Senhor, que
se evidenciam justamente pelo Amor auxiliador. Esse grande Amor auxiliador, por sua vez, não pode
atuar nele porque não encontra uma igual espécie em seu íntimo, que permita a ancoragem. Sua alma
não é aperfeiçoada no amor, e devido a isso só conhecerá o medo no Juízo.
As concentrações de formas de pensamentos, que também podem ser chamadas de centrais,
explicam muitos outros aparentes enigmas da época atual. Como a imensa maioria das pessoas gera
continuamente pensamentos malévolos, essas centrais de maus pensamentos adquiriram uma força
colossal no presente, atuando retroativamente sobre os seres humanos de sua igual espécie, que
influenciados por isso geram ainda mais pensamentos maus, robustecendo permanentemente as
próprias centrais. Um círculo vicioso, de conseqüências devastadoras para a humanidade. Daí o
crescimento exponencial no mundo do sensualismo, da inveja, do egoísmo, da violência e de todas as
outras excrescências humanas.
Sob outro enfoque, também reside nesse fenômeno a causa das muitas “coincidências”
inexplicáveis, como o fato freqüentemente observado de uma descoberta científica ou de uma invenção
ocorrer quase simultaneamente em países distantes entre si. Os pesquisadores estavam, sem o saber,
conectados uns com os outros, alimentando idéias e pensamentos análogos, sendo por sua vez
alimentados por estes. Todos trabalharam em conjunto na matéria mais fina, sem disso terem
conhecimento. As posteriores ciumeiras e acusações de plágio se mostram assim sob uma ótica bem
diferente.
Esse fenômeno das formas de pensamento também esclarece o indiscutível fascínio que a Bíblia
exerce já há séculos sobre grande parcela da humanidade. Como a maioria das pessoas que a lêem
realmente acreditam ter nas mãos a autêntica “Palavra de Deus”, acabam dispensando a ela uma
atenção toda especial, sem nenhuma isenção. Esse devotamento unilateral, continuamente alimentado
por milhões e milhões de almas, retorna a elas mesmas através do processo descrito acima, criando
uma poderosa atmosfera de encantamento que freqüentemente desemboca num fanatismo cego.
Mas isso é então uma algema espiritual, que as impede de ver com imparcialidade o que a Bíblia
possui de belo e de útil, de reconhecer e assimilar sua sabedoria, mas também de rejeitar aquilo que
não passa de fantasia humana. Esse influxo é tão intenso que pode incandescer o estudo bíblico até o
paroxismo, dando origem a debates intermináveis sobre o significado desse ou daquele episódio, à
publicação de centenas de livros e tratados sobre uma única passagem mal compreendida das
Escrituras, sempre na suposição de que a Bíblia deva se auto-explicar, levando todos, teólogos,
exegetas, apologistas e leigos a uma lastimável perda de tempo em seu tão necessário processo de
desenvolvimento espiritual. Mergulhados nesse biblicismo cego, nessa verdadeira bibliolatria, que
nada mais é do que uma egolatria, eles dissecam continuamente as Escrituras e deixam de lado o
principal… deixam de viver segundo os verdadeiros ensinamentos de Jesus, única possibilidade de
angariar a vida eterna:
“Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam
de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes a vida.”
(Jo5:39,40)
Não quereis vir a mim... Os examinadores da Bíblia não querem vir a Jesus, a Palavra viva
enviada pelo Pai aos seres humanos, para que eles pudessem ter a vida eterna!...
88
O ser humano pode e deve utilizar o fenômeno descrito acima em proveito próprio, com vistas a
uma contínua ascensão espiritual. Aquele, por exemplo, que só admite limpidez à sua volta, acaba
igualmente recebendo influência das pequenas centrais de bons pensamentos, decorrente da atração da
igual espécie, sendo com isso paulatinamente fortalecido em sua boa vontade, ao passo que aquele
outro que não tem anseio pelo bem acaba efetivamente sendo “tentado pela sua própria cobiça, quando
esta o atrai e seduz” (Tg1:14). Foi justamente para evitar essa situação deletéria que Paulo dirigiu a
seguinte exortação aos Filipenses, em tudo concorde com o funcionamento da Lei de Atração a Igual
Espécie: “Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é amável,
tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso
pensamento” (Fp4:8).
Quando Jesus falou do argueiro (cisco) e da trave nos olhos, também aludia a essa lei da Criação:
“Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, mas não reparas na trave que está no teu
próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave
no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave de teu olho e então verás claramente para tirar o argueiro
do olho de teu irmão.”
(Mt7:3-5; Lc6:41,42)

O ensinamento contido neste episódio é bastante simples. Quando notamos algo em nosso
próximo que nos desagrada profundamente, sentindo ímpetos até de repreendê-lo por sua falta, então
isso é um sinal infalível de que possuímos aquele mesmo defeito em grau muito maior, pois “o homem
que julga outro, a si mesmo se condena, pois pratica as próprias coisas que condena” (Rm2:1). Basta
pensar que quando apontamos um dedo para alguém, temos outros três dedos apontando para nós
mesmos… É bem o caso de se perguntar aí: “Quem és tu para julgares teu próximo?” (Tg4:12). O ser
humano incorre em grave erro se pensa que assim poderá escapar do grande Julgamento: “Ó homem,
tu que julgas os que praticam tais coisas e, no entanto, as fazes também tu, pensas que escaparás ao
Julgamento de Deus?” (Rm2:3).
A Lei de Atração da Igual Espécie é que nos leva a ver de imediato nos semelhantes algo de que
nós mesmos somos portadores. E quando esse algo é um defeito, então sentimos uma forte repulsa.
Vemos nitidamente o argueiro (o defeito) no olho do próximo e não atentamos para a trave (o mesmo
defeito em escala muito maior) em nosso próprio olho. Só nos seria lícito querer retirar o argueiro dele
se, antes, tivéssemos tirado a nossa trave, do contrário essa atitude não é um ato de amor mas apenas
hipocrisia. Estaríamos sendo inflexíveis em relação ao próximo e condescendentes conosco, fazendo
uso, portanto, de dois pesos e duas medidas, algo abominável ao Senhor: “Dois pesos e duas medidas,
são ambos abomináveis diante do Senhor” (Pv20:10). Temos de fazer exatamente o inverso: sermos
implacáveis com nossas falhas e compreensivos com as do próximo. Compreensão não é
condescendência imprópria. Esta é própria de quem é con-descendente, isto é, de quem desce junto.
Em grego, “condescendência” é synkatabasis, cujo significado etimológico é exatamente “descer para
estar junto”. Isso é falso amor, que além de não ajudar em nada o sofredor, ainda traz um enorme
perigo para o pretenso auxiliador. Quem desce espiritualmente do seu patamar para poder estar no
nível do infrator, não se encontra mais em condições de admoestá-lo por seus erros e acaba afundando
junto com ele, por efeito da Lei da Gravidade Espiritual. Compreensão é diferente. Compreensão é
sofrer junto, como fez o bom samaritano, para estar apto a conceder auxílio verdadeiro. Sofrer junto
não é descer espiritualmente, ao contrário, é um ato de legítimo amor ao próximo, cujo efeito último é
justamente a ascensão espiritual das duas partes envolvidas.
Essa atuação da Lei de Atração da Igual Espécie se verifica até mesmo nas expectativas
negativas em relação a nossos semelhantes. Por exemplo: uma prevenção gratuita sobre possíveis
demonstrações de inveja, cobiça ou vaidade de alguém, normalmente dizem mais sobre o próprio
precavido do que sobre a pessoa objeto da atenção. Se de uma determinada pessoa, ou grupo de
pessoas, estamos sempre esperando algum comportamento negativo em relação a algo, então temos de
procurar, contra as nossas certezas mais íntimas, indícios de idêntica conduta negativa em nós
próprios. Temos de ser aí implacáveis conosco, se quisermos reconhecer a verdade dos fatos.

89
Esse fenômeno é mais um auxílio outorgado pelo Criador em nosso caminho de
desenvolvimento espiritual. É como se passássemos pela vida segurando um espelho voltado para nós
mesmos, que assim nos aponta imediatamente as falhas que ainda temos de corrigir. É uma ajuda
inestimável para o aperfeiçoamento de cada um, desde que se tenha a necessária humildade e isenção
para reconhecer que aquela mesma falha que nos parece particularmente destacada em nosso
semelhante, está profundamente arraigada em nós mesmos, e em grau muito maior.
Mas se a humildade faltar, a pessoa continuará no erro, sem se aperceber disso. É provável até
que tal erro cresça nela pela atração da espécie igual e a faça afundar espiritualmente cada vez mais,
com o que as trevas se condensam ainda mais em torno dela. E com isso ela afunda mais e mais, por
efeito da Lei da Gravidade Espiritual, sem se dar conta de sua queda, pois “quem anda em trevas não
sabe para onde vai” (Jo12:35).

90
CAPÍTULO 3
A ABRANGÊNCIA DAS PARÁBOLAS DO MESTRE

Em diversas ocasiões Jesus procurou transmitir seus ensinamentos aos seres humanos por meio
de parábolas. Nessas singelas histórias, que abrangem cerca de um terço do material contido nos
Evangelhos sinóticos, estavam embutidos o modo de atuação das leis da Criação e o caminho que o ser
humano deve trilhar dentro dela. As parábolas transmitiam a Verdade de Deus numa forma que os
ouvintes podiam assimilar com facilidade, caso abrissem seu coração para elas.
É justamente por isso que os fariseus não entendiam nada do que Jesus falava, pois procuravam
dissecar suas palavras com o raciocínio, ao invés de hauri-las com a intuição. Seus outros ouvintes, ao
contrário, compreendiam perfeitamente o que ele procurava transmitir: “Jesus lhes anunciava a Palavra
usando muitas parábolas como estas, de acordo com o que podiam compreender. Nada lhes falava sem
usar parábolas” (Mc4:33).
Jesus elevou a prática de falar por parábolas, já utilizada na Antiguidade por Platão e Aristóteles,
e presença constante na literatura rabínica antiga, a uma arte tão sublime, que suas narrativas são
capazes de conduzir o espírito humano para o caminho da salvação, desde que este se dê ao trabalho de
compreendê-las com acerto.
Essa característica do Salvador despontou quando ele ainda era bem jovem e vivia com sua
família terrena. O livro Jesus, o Amor de Deus, da Editora Ordem do Graal na Terra, mostra que
naquela época ele costumava contar estórias edificantes para seus irmãos. Estes ouviam enlevados as
narrativas do irmão mais velho, e assim se lhes despertava o anseio de agir sempre de maneira correta
em tudo. Maria, sua mãe, também ouvia com satisfação essas prédicas cativantes do filho, que
contribuíam bastante para manter a harmonia no lar.
Vamos então procurar vislumbrar o que Jesus quis transmitir aos seres humanos com essas
maravilhosas lições de vida que são as suas parábolas.

O Semeador

“Eis que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho, e vindo as
aves a comeram. Outra parte caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu visto
não ser profunda a terra. Saindo, porém, o sol, a queimou, e porque não tinha raiz, secou-se.
Outra caiu entre os espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram. Outra, enfim, caiu em terra
boa, e deu fruto: a cem, a sessenta e a trinta por um.”
(Mt13:3-8; Mc4:3-8; Lc8:5-8)
Jesus concede uma explicação para essa parábola logo depois de tê-la proferido. Em relação às
sementes que caem à beira do caminho, o esclarecimento é o seguinte:
“A todos que ouvem a Palavra do reino e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que
lhes foi semeado no coração. Este é o que foi semeado no caminho.”
(Mt13:19)
A expressão “semeado no coração” mostra bem a profundidade com que a Palavra, que traz os
esclarecimentos sobre as leis da Criação, deve ser assimilada. Conforme já visto, coração tem o mesmo
sentido de âmago mais profundo, o íntimo do ser humano. A Palavra é nutrição para o espírito, não
para o corpo. Somente o espírito pode assimilar a Palavra e compreendê-la realmente. A Palavra não
pode frutificar no solo árido do raciocínio humano, mas apenas no seu espírito, no seu coração. A
respeito do estado lastimável do coração do povo em geral, Jesus já tinha avisado pouco antes:

91
“O coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com os seus ouvidos e fecharam
os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o
coração, se convertam e sejam por mim curados.”
(Mt13:15)
Com essa parábola da sementeira, Jesus mostra como os seres humanos deviam assimilar a
própria Palavra de que ele era portador. Entender a Palavra com o coração significa apropriar-se
integralmente dela, o que só é possível quando se a coloca em prática pela movimentação do espírito,
em obediência à Lei do Movimento.
Com maligno deve-se entender aqui o princípio mau, errado, inserido na matéria por Lúcifer, a
fim de desviar os que não são suficientemente firmes em si mesmos. É o chamado “princípio das
tentações”. Daí a advertência de Pedro: “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo, vosso adversário, anda em
derredor, como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (1Pe5:8). A palavra hebraica para
tentação é nasah, que significa também pôr à prova ou examinar, indicando um preceito errado,
incompatível com o Amor e a bondade do Onipotente.
Daí a advertência de Jesus: “Vigiai e orai, para não cairdes em tentação” (Mt26:41). Essa
exortação não indica que se uma pessoa velar e orar ela não será tentada, mas sim que se fizer isso ela
não cairá em poder da tentação.25 Aliás, cada pessoa aqui na matéria grosseira se acha de tal modo
protegida, que é uma vergonha enorme deixar-se engodar por uma tentação, cuja força é muito menor
que a dela própria. Foi exatamente isso que Paulo disse aos Coríntios: “Não vos sobreveio tentação
alguma que ultrapassasse as forças humanas” (1Co10:13). A resistência à tentação não deveria ser uma
miraculosa exceção entre os seres humanos, mas uma regra geral com um final feliz: “Feliz o homem
que resiste à tentação” (Tg1:12).
A exortação do Mestre para se conservar a máxima vigilância espiritual, para com isso não se
cair em tentação, foi dirigida não apenas aos discípulos, mas a todos os homens: “O que vos digo, digo
a todos: vigiai!” (Mc13:37). E o “orai” teria de ser legítimo, fruto da intuição espiritual, e não uma
reza mecânica qualquer, mesquinha: “Não sejas mesquinho na tua oração” (Eclo7:10). Não há valor
numa oração sem coração. De nada adianta a um indivíduo orar se, ao mesmo tempo, não estiver
comprometido em cumprir a Lei de Deus, pois orações desse tipo não passam de hipocrisia
condenável: “Quem desvia os ouvidos para não ouvir a Lei, até a sua oração será execrável” (Pv28:9).
Esse tipo de oração não se eleva a nenhuma região luminosa, não consegue ultrapassar nem o teto que
abriga o hipócrita rezador. Somente quem coloca a Palavra em prática em todos os aspectos da vida
pode manter a vigilância espiritual e orar com a alma aberta. Este é o único modo de permanecer
protegido contra as tentações das trevas e livrar-se do mal aderido a si.
A Palavra dada pelo Filho de Deus, que era ele próprio encarnado, protege e guarda aquele que
procura não pecar mais, porque este renasceu em si mesmo, passando a viver segundo o sentido dessa
Palavra. É também este o significado do “nascer de novo” (Jo3:3) ou “nascer de Deus” que aparece na
primeira Epístola de João:
“Nós bem sabemos que todo aquele que nasceu de Deus não peca, mas o Filho de Deus o guarda,
e o maligno não o apanha. E bem sabemos que somos de Deus, ao passo que o mundo inteiro está
sob poder do maligno.”
(1Jo5:18,19)
A semente que cai à beira do caminho indica aquela pessoa que não põe a Palavra em prática em
sua vida. Desse modo, ela não é capaz de assimilá-la, não se lhe torna algo próprio e acabará por
perdê-la nas armadilhas postas à sua frente pelos acólitos luciferianos.
Vejamos a explicação de Jesus para as sementes que caem em solo rochoso:
“O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a Palavra e a recebe logo com alegria,
mas não tem raiz em si mesmo, sendo antes de pouca duração; em lhe chegando a angústia ou a
perseguição por causa da Palavra, logo se escandaliza.”
(Mt13:20,21)

25
Ver, a respeito, a dissertação “Não Caiais em Tentação!” no terceiro volume da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin.
92
Estes são os entusiastas volúveis, o fogo de palha. Reconhecem o valor da Palavra, posto que a
ouvem com alegria, mas devido à sua superficialidade não a ancoram firmemente dentro de si, não a
enraízam em seus espíritos. São as sementes que brotam rapidamente e logo secam. Assim como os
primeiros, eles não se animam a colocar a Palavra efetivamente em prática em suas vidas, porque isto
demanda perseverança e se choca inevitavelmente com os conceitos e hábitos que predominam no
mundo – “os raios do sol já os fazem secar, porque não tinham raiz”.
A explicação dada por Jesus para as sementes que caem em meio aos espinhos é a seguinte:
“O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a Palavra, porém os cuidados do mundo e a
fascinação das riquezas sufocam a Palavra, e fica infrutífera.”
(Mt13:22)
Como a Palavra é dirigida ao espírito, ela é um guia para a existência inteira do ser humano, e
não apenas para os poucos anos de uma curta vida terrena. As pessoas que colocam o intelecto acima
do espírito, o raciocínio acima da intuição, acabam por colocar também – como conseqüência natural –
a vida material e seus prazeres acima da vida espiritual, o efêmero sobre o valioso.
Jesus não condena a posse de riquezas, mas sim o deixar-se envolver por elas. Para os fracos de
espírito, a comodidade proporcionada pelos bens materiais pode facilmente abafar neles a Palavra
recebida, tal como um espinheiral.
Foi para evitar essa situação que Jesus deu àquele jovem rico o conselho para que se desfizesse
de seus bens e o seguisse (cf. Lc18:18-23). O conselho referia-se exclusivamente àquele jovem e aos
de sua igual espécie, que se deixam enlevar pela posse de riquezas em detrimento do progresso
espiritual. Não se referia, absolutamente, a uma diretriz geral para toda a humanidade. Para esses tais,
que se deixam literalmente absorver pelas riquezas deste mundo, será realmente mais fácil “um camelo
passar pelo fundo de uma agulha”26 (Mt19:24) do que entrarem eles no reino dos céus, pois não é
possível ao mesmo tempo “servir a Deus e às riquezas” (Mt6:24).
Jesus dá a seguinte explicação para o último lote de sementes, o quarto, que cai em boa terra:
“Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a Palavra e a compreende; este frutifica, e
produz a cem, a sessenta e a trinta por um.”
(Mt13:23)
Vemos então que somente a quarta parte dos que ouviram a Palavra de fato a compreenderam e
deixaram que frutificasse dentro de si. E Jesus nem menciona aqueles que nada quiseram saber da
Palavra de Deus, e que constituem a imensa maioria dos seres humanos.
Ouvir a Palavra e compreendê-la realmente outra coisa não é senão assimilar a Palavra dentro de
si e colocá-la em prática. Quem procede assim passa a viver de tal modo que se torna, ele próprio,
uma bênção para a Criação em que vive. Das capacitações que desperta em si mesmo pelo modo
correto de viver, ele retribui em abundância para o mundo em redor. Alguns mais (cem e sessenta por
um), outros menos (trinta por um), segundo o nível de desenvolvimento espiritual de cada um, mas
todos sempre em absoluta conformidade com a lei do equilíbrio contínuo: o dar e o receber. O trecho
correspondente no Evangelho de Lucas é um pouco diferente, mas a característica da boa semente –
frutificar com perseverança – permanece:
“A que caiu em boa terra são os que, tendo ouvido de bom e reto coração, retêm a Palavra; estes
frutificam com perseverança.”
(Lc8:15)
Infelizmente, a boa terra – as almas purificadas e aneladas pela Luz, tão necessária para o
perfeito plantio e plena frutificação da Palavra, é cada vez mais escassa no mundo. Só o que se vê hoje
em dia são pequenas ilhotas de boa terra aqui e acolá, cercadas de vastidões de solo rochoso e
espinheirais cerrados…

26
Alguns pesquisadores afirmam que o termo correto é “corda trançada” e não “camelo”, mas o sentido permanece o
mesmo.
93
A possibilidade outorgada aos seres humanos de produzirem frutos em abundância, pelo
desenvolvimento certo e aplicação perseverante de suas capacitações, é igualmente retratada nas
parábolas dos talentos e das minas, que veremos mais à frente.

O Joio e o Trigo

“O reino dos céus é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo; mas
enquanto os homens dormiam veio o inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou-se. E
quando a erva cresceu e produziu fruto, apareceu também o joio. Então, vindo os servos do dono
da casa, lhe disseram: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?
Ele, porém, lhes respondeu: Um inimigo fez isso. Mas os servos lhe perguntaram: Queres que
vamos e arranquemos o joio? Não! replicou ele, para que ao separar o joio não arranqueis
também com ele o trigo. Deixai-os crescer juntos até a colheita, e no tempo da colheita direi aos
ceifeiros: Ajuntai primeiro o joio, atai-o em feixes para ser queimado, mas o trigo recolhei-o ao
meu celeiro.”
(Mt13:24-30)
Em seguida, Jesus procura explicar aos seus discípulos o significado da parábola:
“O que semeia a boa semente é o Filho do Homem, o campo é o mundo, a boa semente são os
filhos do reino, o joio são os filhos do maligno; o inimigo que o semeou é o diabo, a ceifa é a
consumação do século, e os ceifeiros são os anjos.”
(Mt13:37-39)
O sentido amplo dessa parábola, em conjunto com a explicação de Jesus, é o seguinte:
O Filho do Homem espalhou sementes de seres humanos na matéria. É dessa atuação, aliás, que
advém a denominação “Filho do Homem”, significando que a humanidade inteira se originou dessa
sua semeadura, em consonância com a Vontade do Criador, que é ele próprio. Com efeito, a expressão
hebraica que traduz Filho do Homem: ben ’adhám, significa em essência “Filho da humanidade”, ou
seja, o Filho do Altíssimo para a humanidade.
Corroborando essa notícia da atuação criadora do Filho do Homem, o chamado Livro das
Parábolas (incluído no apócrifo Livro de Enoch), informa que a denominação Filho do Homem foi
pronunciada antes da Criação, indicando com isso que esse título não está relacionado a Jesus. A
versão etíope desse livro diz o seguinte: “E nessa hora o Filho do Homem recebeu um nome na
presença do Senhor dos Espíritos. E antes de o Sol e os dois signos serem criados, antes de serem
criadas as estrelas do céu, ele recebeu um nome perante o Senhor dos Espíritos.”
Essa imagem de seres humanos se desenvolvendo a partir de germes espirituais indica um
fenômeno da Criação que se repete regularmente. O ser humano, de fato, se desenvolve de “sementes
espirituais”, provenientes do Paraíso, e para lá retorna depois de plenamente amadurecido. As
influências que determinam o processo de germinação dessas sementes podem realmente ser vistas
como um hálito de vida proveniente do Criador, a Origem de toda a vida: “Ele insuflou em suas
narinas o hálito da vida, e o homem se tornou um ser vivo” (Gn2:7). Depois de criado pela Vontade de
Deus, o Espírito Santo, o homem é vivificado pelo sopro do Criador, que o anima com Seu alento.
Nesse sentido, está certo o depoimento de Eliú, amigo de Jó: “O Espírito de Deus me criou, e o sopro
do Todo-Poderoso me deu a vida” (Jó33:4).
Sobre o evento de retorno dessas sementes ao Paraíso, já então como espíritos autoconscientes
plenamente maduros, é bastante significativa a seguinte passagem do Evangelho apócrifo de Tomé:
“Bem-aventurados vós, os solitários e escolhidos, porque encontrareis o reino; vós provindes dele, e
conseqüentemente voltareis novamente para lá.”27

27
Ao leitor que desejar conhecer o processo da semeadura de germes espirituais, e de seu desenvolvimento nas
materialidades até a autoconsciência da criatura plenamente amadurecida, indicam-se as seguintes dissertações da obra Na
Luz da Verdade, a Mensagem do Graal de Abdruschin:
94
O ser humano terreno desenvolvido de um germe espiritual, que mediante múltiplas vivências na
matéria adquire lentamente, paulatinamente, a autoconsciência, tornando-se uma individualidade
completa, não representa de maneira alguma o quadro, acalentado por tantos, do homem criado
diretamente à imagem e semelhança de Deus. Como seria possível isso? Será que alguém nessa Terra
acredita mesmo, no fundo do seu coração, que ele, um mero ser humano terreno em desenvolvimento,
é a própria imagem e semelhança do Onipotente? Olhe bem para dentro de si mesmo e responda com
honestidade... A criatura humana terrena como imagem e semelhança do Todo-Poderoso Criador...
Semelhante a Ele, mas não a ponto de cumprir Seus Mandamentos e viver segundo Sua Vontade!
Nesse ponto os seres humanos abrem mão prontamente de qualquer semelhança com Ele, e decretam
que o Senhor teve de enviar Seu Filho Unigênito à Terra, para resgatar a culpa deles, Suas criaturas,
feitas à Sua imagem e semelhança... Não existem palavras para descrever uma tal prepotência. Só
mesmo depois da morte os partidários desse despautério reconhecerão o tamanho de sua arrogância. E
então desejarão não haver nascido.
A descrição no Gênesis do homem feito “à imagem e semelhança de Deus” (Gn1:26) – imago
Dei – não se refere ao ser humano terreno, e sim ao surgimento, em sentido amplo, do espiritual
masculino e feminino na obra da Criação, no ponto de saída da esfera divina.28 Convenhamos… Justos
sejamos. É impossível que dissesse respeito a uma criatura tão limitada, a um ser que acabou se
degenerando por vontade própria, que negligenciou por completo sua missão espiritual e que se
afastou, da forma mais vil, de seu próprio Criador. Os seres efetivamente criados à imagem e
semelhança de Deus são espíritos primordiais, isentos de erro e pecado, cuja origem encontra-se muito
acima do alvo máximo a que um espírito humano pode almejar: o reino espiritual denominado Paraíso.
Se um dia o ser humano conseguir chegar até o Paraíso, sua Pátria verdadeira, por haver se tornado um
espírito completo e perfeito, então poderá ser considerado uma “cópia” daquelas eternas imagens de
Deus primordialmente criadas. Uma cópia! Isso, se ele conseguir chegar até lá… E mesmo lá
continuará sendo sempre “menor do que os seres celestiais” (Sl8:6), que vivem na esfera divina.
Adão e Eva foram pontos de partida do espiritual humano. Foram criados no reino espiritual,
mas nunca estiveram encarnados na Terra ou em qualquer outra parte da matéria. O fato de terem
surgido já desenvolvidos, sem terem sido crianças, demonstra que isso se deu num plano muito acima
do Paraíso, onde os seres que lá vivem foram efetivamente criados pela vontade divina, tornado-se
imediatamente autoconscientes, sem precisar antes se desenvolver de uma semente. O nome “Eva”
significa simplesmente “vivente”. Na língua sumeriana, o ideograma que representa o termo “vivente”
é o mesmo que indica “costela”.
Tão-somente os espíritos humanos que já se encontram no Paraíso podem ser chamados de
“imagem e semelhança de Adão” (Gn5:3), isto é, cópias de uma imagem primordial de Deus. São
esses espíritos humanos perfeitos que se assemelham aos espíritos primordiais, os quais foram criados
por primeiro, na parte mais excelsa da Criação. Contudo, nós, seres humanos terrenos, estamos
inimaginavelmente longe de tudo isso.
O Criador não precisa de ninguém, não depende de nada, ao passo que todos os seres surgidos,
criados ou desenvolvidos, são inteiramente dependentes Dele. O teólogo e filósofo alemão
Schleiermacher (1768 – 1834) intuiu muito bem o significado disso, ao afirmar que “Deus é o Ser de
quem todas as criaturas são dependentes, ao passo que Ele não depende de nada”. O grande Arquiteto
do Universo muito menos ainda precisa da criatura ser humano: “O Deus que fez o mundo e tudo que
nele existe, o Senhor do céu e da Terra, (…) não é servido por mãos humanas, como se precisasse de

ƒ Volume 2: O Ser Humano e Seu Livre-Arbítrio; Desenvolvimento da Criação; A Força Sexual em Sua
Significação para a Ascensão Espiritual; Eu Sou a Ressurreição e a Vida, Ninguém chega ao Pai a Não Ser por
Mim; Sexo; Criatura Humana.
ƒ Volume 3: Germes Espirituais.
28
Na Bíblia há dois relatos da Criação: o primeiro vai de Gn1 a Gn2:3 e o segundo de Gn2:4 a Gn2:25. No primeiro relato
está dito que Deus criou o ser humano como “macho e fêmea” (Gn1:27), dando a entender que masculino e feminino
surgiram simultaneamente na Criação. No segundo relato, porém, o Senhor primeiro forma o homem do pó da terra
(Gn2:7), e depois surge a mulher da sua costela (Gn2:22), indicando que o masculino teria sido criado primeiramente. O
leitor poderá encontrar o esclarecimento dessa aparente discrepância na dissertação “O Circular das Irradiações”, no
terceiro volume da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin.
95
alguma coisa” (At17:24,25). Sobre o Aquém e o Além, ele disse: “Quem faz uma distinção entre este
mundo e o além-mundo ilude a si mesmo.”
Schleiermacher foi “acusado” de gnosticismo e semipelagianismo, dísticos na verdade honrosos,
identificando alguém capaz de refletir por si mesmo e que procura dar forma às próprias intuições. Ele
se opôs ao Iluminismo ao afirmar que o que determina o valor do ser humano não é o lúmen da razão,
e sim o do coração, como matriz fundamental da vida espiritual. De Friedrich Ernst Schleiermacher
são também essas palavras: “O que comumente se chama crer, ou seja, aceitar o que outrem fez, querer
ponderar e imitar no sentimento o que outrem pensou e sentiu, é um serviço duro e indigno, e em vez
de ser o que há de superior na religião, como se imagina, é exatamente aquilo a que se deve renunciar
aquele que pretende penetrar em seu santuário. (...) Vocês conseguiram tornar a vida terrena tão rica e
variada que já não necessitam da eternidade e, depois de haver criado um universo para vocês mesmos,
estão dispensados de pensar Naquele que os criou.”
Retornemos à parábola. “Mas enquanto os homens dormiam, veio o inimigo dele.” Enquanto os
seres humanos se encontravam nos estágios iniciais do seu percurso na matéria, ainda não totalmente
desenvolvidos em sua autoconsciência, portanto não inteiramente despertos, numa fase que
poderíamos chamar de pré-adolescência espiritual, Lúcifer chegou com a missão de cuidar das
sementes humanas em via de crescimento. Contudo, ao invés de cumprir essa sua incumbência no
sentido da Vontade do Criador, ele atuou de modo diferente, fazendo de tudo para exterminá-las.
Agindo assim, ele se tornou um “inimigo” declarado do semeador.
O princípio das tentações implantado por Lúcifer na matéria é absolutamente contrário ao
preceito do amor prestimoso desejado pelo Criador, pois “Deus mesmo a ninguém tenta” (Tg1:13). Os
que sucumbem ao maligno, isto é, a esse princípio errôneo, desenvolvem-se como joio no campo de
cultivo da matéria, portanto de maneira errada.29 Em contraste a eles estão os que se desenvolvem de
maneira certa, em conformidade com a Vontade do Criador, sem se deixar engodar pelas armadilhas
das trevas: são estes os “filhos do reino”, o trigo. Que não deveria haver nenhum joio no campo de
trigo do Filho do Homem fica claro pela perplexidade dos servos pouco antes da colheita: “Senhor,
não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?”
Lúcifer então “retirou-se” depois de disseminar seu princípio errado na matéria, isto é, ele não
permaneceu na Criação material, mas sim afundou em profundezas abissais, devido à atuação da Lei
da Gravidade, que puxa para baixo tudo quanto se torna pesado e trevoso. No Livro de Isaías há,
inclusive, um poema que retrata essa queda de Lúcifer, chamado ali de “estrela da manhã” e “clarão da
madrugada” (e simplesmente Lúcifer na versão latina Vulgata). Nos panteões mitológicos da
Antiguidade, a estrela da manhã ou estrela-d’alva, isto é, o planeta Vênus, representava o anjo caído. O
sentido básico do texto de Isaías é o de um ser originalmente luminoso, brilhante, que é vencido e cai
nas profundezas: “Como despencaste das alturas do céu, tu, estrela da manhã, clarão da madrugada?
Estás derrubado por terra, tu que derrubavas as nações! E, no entanto, dizias no teu coração: ‘Hei de
subir até o céu; acima das estrelas de Deus colocarei o meu trono, estabelecer-me-ei na montanha da
Assembléia, nos confins do norte. Subirei acima das nuvens, tornar-me-ei semelhante ao Altíssimo.’
Foste, porém, precipitado à Mansão dos Mortos, chegaste ao fundo do Abismo!” (Is14:12-15).
A expressão “montanha da Assembléia” ou “monte da Congregação”, que aparece nesse poema,
é a tradução corrente do original hebraico Saphon, o monte Saphon. De acordo com poemas
mitológicos datados de 1400 a 1200 a.C., gravados em escrita cuneiforme em tábuas de argila,
descobertos a partir de 1929 em escavações na antiqüíssima cidade síria de Ugarit (atual Ras Shamra),
Saphon é o nome da montanha onde reside Baal, o grande servo de Lúcifer, chamado nesses escritos
de “senhor da Terra”. Sobre esse monte Saphon, a escritora Roselis von Sass diz o seguinte em sua
obra O Livro do Juízo Final:
29
O joio é um tipo de gramínea que se mistura aos cereais. É uma erva daninha, também conhecida como “cizânia” (do
grego zizanion), cujo significado é: desarmonia, rixa, discórdia. Até meados do século XVI o joio era conhecido na Europa
pelo nome usual de cizânia, de modo que semear joio era o mesmo que semear cizânia. O joio é difícil de ser extirpado e se
parece muito com o trigo, diferenciando-se deste somente quando plenamente amadurecido, por suas sementes pretas e
menores, as quais conservam por muito tempo o poder germinativo. O joio não serve de alimento porque não contém
propriedades nutricionais, ao contrário, suas sementes, freqüentemente cobertas com uma espécie de mofo embriagador,
causam tonturas se ingeridas e podem até mesmo levar à morte. Outro diferencial importante é que o joio é menos denso e,
por isso, mais leve que o trigo.
96
“Baal intitulava-se ‘senhor do monte Saphon’! O monte Saphon é um importante
centro do mundo astral (matéria grosseira mediana) que circunda o planeta terrestre. (…) O
planeta de matéria grosseira mediana que envolve estreitamente a Terra chama-se ‘Saphon’.
O monte de igual nome é o ponto mais importante, porém não é o mais alto, pois ali
existem montanhas bem mais elevadas… No monte Saphon encontra-se uma edificação
ampla tendo no centro um grande Templo. (…) Todos os portadores da Verdade, que
vieram no decorrer do tempo para cumprir uma missão na Terra, permaneceram durante o
tempo de espera nesse monte do Templo de Saphon, a fim de se prepararem para as
incumbências na matéria grosseira e tomar contato com as almas humanas. Aproveitavam
bem o tempo, enquanto tinham de esperar que os corpos infantis na Terra, ligados a eles,
atingissem o estado de maturação para servir como instrumentos de seus espíritos. (…)
Também o espírito humano Jesus, preparado como instrumento para a atuação de Jesus, o
Filho de Deus, o Portador do Amor divino, deteve-se no monte Saphon. Já ali ele
vivenciara todas as etapas de sofrimento, pois até no monte Saphon, o monte da iluminação,
ele viu almas humanas portando em suas testas o sangrento estigma de Baal, o sinal de
Lúcifer.”

Baal, o mais poderoso servo de Lúcifer, é citado numerosas vezes na Bíblia, desde os primeiros
livros. Seu culto foi introduzido na Samaria durante o reinado do rei Acab de Israel (874 – 853 a.C.),
quando os fiéis de Yahweh foram perseguidos. A despeito de um e outro rei um pouco mais
empenhado em cumprir os antigos Mandamentos, a Bíblia mostra que a situação só piorou desde
aquela época, tanto no reino do norte – Israel, como no reino do sul – Judá. Mais de duzentos anos
depois da morte desse Acab, o profeta Jeremias transmitia a seguinte mensagem do Senhor:
“Abandonaram a Lei que lhes dei, não ouviram a Minha voz, nem a seguiram; foram atrás da
obstinação do seu coração, atrás dos ídolos de Baal” (Jr9:12). Do nome Baal, que significa senhor,
originou-se a palavra Belzebu, forma condensada de Baal-zebul – “Senhor Principesco”, de onde
adveio por sua vez a designação “Príncipe dos Demônios” (cf. Mt9:34).
A cidade de Ugarit estava na pujança de sua história pouco antes da época do Êxodo, e parece
que era mesmo um celeiro de Baal na região. Outras tabuinhas grafadas em escrita cuneiforme dizem
que o Ser Supremo, El (que já vimos ser um dos antigos nomes referidos ao Criador), conhecido pelo
povo de lá como “Pai da humanidade”, teve seu posto ocupado por Baal. As escritas dizem que Baal se
apoiava em sua irmã Anate, cuja atuação era de dar inveja no próprio Baal, conforme se constata
desses extratos em que ela esmaga os habitantes de duas cidades: “Eis que Anate combateu no vale e
açoitou as multidões do litoral. Sob seus pés as cabeças eram como bolas. Ela pendurou as cabeças na
cintura, afundou até os joelhos no sangue dos heróis. Anate golpeava e ria, o coração pleno de alegria.”
O relato diz que após terminada a luta, Anate forçou El a permitir que Baal edificasse um palácio onde
ele pudesse reinar. As instruções gravadas nas tabuinhas indicam que essas estórias eram lidas em voz
alta... Essa Anate é provavelmente Baalat, a primeira serva feminina de Lúcifer, que Roselis von Sass
descreve em O Livro do Juízo Final, no tópico “O Culto de Baal”.
Como os seres humanos dispõem do livre-arbítrio, cabe a eles decidir se querem se desenvolver
como joio ou como trigo. Enquanto apenas se inclinarem para o lado errado, ainda têm possibilidades
de retomar o caminho certo do desenvolvimento de seus espíritos. Os ensinamentos dos Precursores, as
advertências dos profetas dos tempos antigos e posteriormente a doutrina do próprio Filho de Deus,
Jesus, tiveram essa finalidade primordial. Também o incansável apóstolo Paulo se ocupou com isso em
várias oportunidades, como nessa exortação aos Efésios: “Procedei como filhos da Luz” (Ef5:9).
Somente após o término do prazo concedido ao desenvolvimento de cada germe espiritual, é que se
pode afirmar com segurança quem se desenvolveu como trigo e quem preferiu tornar-se joio na
Criação. Então é chegada a hora da ceifa.
Que essa ceifa, a consumação do Juízo Final, está estreitamente ligada ao Filho do Homem, o
responsável pela semeadura, fica claro na explicação subseqüente de Jesus:
“Pois assim como o joio é colhido e lançado ao fogo, assim será na consumação do século.
Mandará o Filho do Homem os seus anjos, que ajuntarão de seu reino todos os escândalos e os

97
que praticam a iniqüidade, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de
dentes.”
(Mt13:40-42)
Nós nos encontramos exatamente nesta época, em que o joio está sendo separado do trigo.
A separação é automática, porque agora cada qual é forçado a se mostrar como realmente é, como se
desenvolveu desde a semeadura, se como joio ou como trigo. Isso tem de se evidenciar bem
nitidamente no presente, a época da colheita. O ser humano que ainda ouve sua intuição, que ainda não
está totalmente obliterado pelo raciocínio materialista, tem agora de se movimentar muito
energicamente no sentido da ascensão espiritual, para não acontecer de ser achado demasiado leve
nessa separação entre joio e trigo: “Foste pesado na balança e considerado leve demais” (Dn5:27).
Estamos vivendo a plena efetivação do Juízo Final, o proclamado Dia do Senhor ou Dia do
Juízo, vaticinado com tanta ênfase nas antigas Escrituras: “Deus pedirá contas, no Dia do Juízo, de
tudo o que está oculto, quer seja bom, quer seja mau” (Ecl12:14); é o “Dia em que o Senhor debulhará
o seu cereal desde o Eufrates até o ribeiro do Egito; e vós, ó filhos de Israel, sereis colhidos um a um”
(Is27:12).
Colhidos um a um… O prazo concedido para o desenvolvimento do ser humano expirou, “o
tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo” (Mc1:15). Ou ele desperta agora, retomando o
caminho certo, estreito, há muito abandonado, ou se perderá no Juízo, perecendo espiritualmente como
joio imprestável, quando então reconhecerá, com o maior horror e desespero, que efetivamente “há
caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Pv14:12). Neste
último caso seu destino será tal que ele perderá a autoconsciência adquirida até aqui, sofrendo então,
entre os maiores tormentos (choro e ranger de dentes) a morte espiritual, a segunda morte, que é o
“salário do pecado” (Rm6:23).
Por fim, Jesus explica que, após a limpeza de todo o mal no Juízo, virá o Reino de paz:
“Então os justos brilharão como o Sol no Reino de seu Pai. Quem tem ouvidos, ouça.”
(Mt13:43)

O Grão de Mostarda e o Fermento

“O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu
campo, o qual é, na verdade, a menor de todas as sementes, e crescida é maior do que todas as
hortaliças, e se faz árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos. (…) O
reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de
farinha, até ficar tudo levedado.”
(Mt13:31-33; Mc4:30-32; Lc13:18-21)
Nessas duas parábolas conjuntas Jesus fala do processo de evolução da Criação, em consonância
com a Lei do Movimento. A Criação inteira permanece em constante desenvolvimento, crescendo
sempre mais e mais. Novos mundos vão sendo continuamente formados dentro dos vários planos da
gigantesca Obra, de modo que sempre haverá moradia para as criaturas que nela se desenvolvem.
A esse respeito, diz Abdruschin em sua obra Na Luz da Verdade, a Mensagem do Graal,
dissertação “Desce da Cruz!”:

“Assim vai se tornando cada vez maior o Reino de Deus, edificado e ampliado
gradualmente pela força dos espíritos humanos puros, cujo campo de atuação terá de ser
a Criação posterior, que poderão dirigir do Paraíso, visto eles mesmos já haverem
percorrido antes todas as partes e assim chegado a pleno conhecimento delas.”

As próprias obras do ser humano estão sujeitas a esse processo de desenvolvimento ou de


fermentação, quer sejam boas ou más. As configurações de intuições e de pensamentos também fazem
98
parte dessas obras, e igualmente se robustecem através da Lei de Atração da Igual Espécie. Jesus
alertou os seres humanos a não fazerem uso do “fermento dos saduceus e fariseus” (Mt16:6,12;
Mc8:15), isto é, a não alimentarem o que é errado dentro de si, pois tal como as obras boas, as más
também cresceriam e dariam os frutos correspondentes.
Quando Jesus esteve na Terra, sua Palavra da Verdade atuou aqui como um germinante grão de
mostarda: “A Palavra do Senhor crescia e se firmava com grande poder” (At19:20), iluminando o
caminho ascendente para os seres humanos. Se eles tivessem prosseguido nesse caminho, sem se
desviar por falsos atalhos, abertos por conceitos dogmáticos, também nossa Terra seria hoje uma cópia
dos páramos luminosos situados mais acima. Os seres humanos terrenos teriam finalmente cumprido
sua missão e feito de sua morada provisória na matéria mais um jardim de Deus, incrustado como
pérola dentro da imensa obra-prima da Criação.

O Tesouro e a Pérola

“O reino dos céus é semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo-o
achado, escondeu. E transbordante de alegria vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo.
O reino dos céus é também semelhante a um que negocia e procura boas pérolas, e tendo achado
uma pérola de grande valor, vendeu tudo o que possuía e a comprou.”
(Mt13:44-46)
Nessas duas parábolas encadeadas Jesus mostra que o reino dos céus é incomparavelmente mais
valioso do que os reinos terrenos. Mostra também qual deve ser a disposição do ser humano que quiser
alcançá-lo. Nenhum esforço pode ser demasiado para tanto, pois os reinos do nosso mundo terreno não
são nada comparados com a vida eterna no reino espiritual do Paraíso.
O ser humano deve colocar como alvo máximo de sua existência alcançar um dia esse reino
celeste. Deve mostrar, através de todo seu ser, a seriedade com que encara sua própria salvação,
esforçando-se permanentemente em viver em conformidade com as leis de Deus.
Novamente fica implícito aqui o erro de se apegar a coisas de pouco valor, como os efêmeros
bens materiais. E se tais bens se tornarem mesmo um pendor para quem os possui, como no caso
daquele jovem rico, então é melhor mesmo se desfazer deles para manter aberta a possibilidade de
atingir o reino dos céus. Jesus, inclusive, já havia advertido para não se amontoar tesouros aqui na
Terra, e sim no céu:
“Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a Terra, onde a traça e a ferrugem corroem e
onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde nem traça
nem ferrugem corroem, e onde ladrões não escavam nem roubam.”
(Mt6:19,20; Lc12:33)
Paulo expressou o mesmo sentido com as palavras: “Miramos às coisas invisíveis e não às
visíveis; pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno” (2Co4:18). O convívio com
os gregos e sua filosofia de vida espiritualista parece ter feito muito bem ao grande apóstolo...
O repositório do ser humano será formado lá onde apontar seu coração, isto é, sua vontade
intuitiva. Por isso, ele deve direcioná-la para o alto, no sentido do aperfeiçoamento espiritual, e assim
juntar tesouros no céu. Tesouros terrenos não poderão salvar ninguém no Juízo Final: “Nem sua prata
nem seu ouro poderão salvá-los. No Dia da Ira do Senhor, toda a Terra será devorada pelo fogo do Seu
zelo” (Sf1:18). Somente aquele que orientou sua vida segundo as leis de Deus na Criação receberá
auxílio, e não quem pôs sua esperança em bens terrenos ou no dinheiro: “Emprega o teu tesouro
segundo os preceitos do Altíssimo, e isto te aproveitará mais do que o ouro” (Eclo29:14).
Às pessoas que agem diferentemente, isto é, que só pensam em acumular tesouros na Terra, cabe
ainda essa duríssima advertência de Tiago: “O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se; sua
ferrugem servirá de testemunho contra vós e devorará a vossa carne como fogo. Entesourastes, afinal,
para os vossos últimos dias!” (Tg5:3).

99
A Rede

“O reino dos céus é ainda semelhante a uma rede, que lançada ao mar recolhe peixes de toda
espécie. E quando já está cheia, os pescadores recolhem-na para a praia e, assentados, escolhem
os bons para os cestos, e os ruins deitam fora. Assim será na consumação do século: Sairão os
anjos e separarão os maus dentre os justos, e o lançarão na fornalha ardente; ali haverá choro e
ranger de dentes.”
(Mt13:47-50)
Nessa parábola, Jesus fornece uma outra imagem para o processo do Juízo Final. Ao invés da
colheita mencionada na parábola do joio e do trigo, a analogia é com uma rede de pesca. Mas aqui
também se alude à coexistência de maus e bons até o fim dos tempos, salientando o destino terrível
reservado a quem se tornou imprestável. Jesus sempre procurava deixar claro que no final do período
concedido para o desenvolvimento da humanidade haveria uma rigorosa seleção entre bons e maus,
entre os que se tornaram úteis e os que se mostraram nocivos na vinha do Senhor.
Contudo, o cerne desses ensinamentos é o de que sempre esteve nas mãos do próprio ser humano
– mediante seu livre-arbítrio – desenvolver-se para cima ou para baixo, em direção à Luz ou às trevas.
Não há meio-termo. Vamos lembrar que essa Luz primordial é o próprio Deus, e que as trevas são
totalmente estranhas à Luz: “Deus é Luz, e não há Nele treva alguma” (1Jo1:5). Os ensinamentos
também estabelecem que, conforme a resolução tomada, o ser humano teria então de arcar com as
respectivas conseqüências. Ele poderia escolher, mas depois teria de colher.
Uma análise um pouco mais atenta dessas parábolas já bastaria para demonstrar que a salvação,
absolutamente, não pode ser conseguida sem um empenho pessoal do interessado.
Unicamente aquilo que o ser humano assimila dentro de si, por convicção própria, tem valor.
Unicamente aquilo que ele realmente pode “ver”, isto é, compreender, lhe tem serventia e pode
auxiliá-lo na escalada para o reino luminoso do espírito. O resto é debulho, que faz as vezes de liturgia
para os cegos espirituais e de púlpito para os doutrinadores, seus guias igualmente cegos.
Os fariseus, que com sua conduta hipócrita corporificavam a antítese dos ensinamentos de
Cristo, visto se aferrarem aos dogmas de sua doutrina artificial, na ilusão de estarem assim vivendo
também de modo agradável a Deus, foram por Jesus mui apropriadamente denominados de guias
cegos:
“Guias cegos! que coais o mosquito e engolis o camelo. (…) Deixai-os, são cegos, guias cegos.
Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco.”
(Mt23:24;15:14)

100
O Rei e os Servos Devedores

“O reino dos céus é semelhante a um rei, que resolveu ajustar contas com os seus servos. E
passando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele, porém, com
que pagar, ordenou o senhor que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo quanto possuía, e
que a dívida fosse paga. Então o servo, prostrando-se reverente, rogou: Sê paciente comigo e tudo
te pagarei. E o senhor daquele servo, compadecendo-se, mandou-o embora, e perdoou-lhe a
dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem
denários, e agarrando-o o sufocava, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu conservo,
caindo-lhe aos pés, lhe implorou: Sê paciente comigo e te pagarei. Ele, entretanto, não quis;
antes, indo-se, o lançou na prisão até que saldasse a dívida. Vendo os seus companheiros o que se
havia passado entristeceram-se muito, e foram relatar ao seu senhor tudo o que acontecera. Então
o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me
suplicaste; não devias tu igualmente compadecer-se do teu conservo, como também eu me
compadeci de ti? E, indignando-se, o seu senhor o entregou aos verdugos até que lhe pagasse
toda a dívida. Assim também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes cada um a seu
irmão.”
(Mt18:23-35)
Essa parábola mostra o doloroso contraste entre o perdão divino e o “perdão” humano. É quase
uma afronta dar o mesmo nome para essas duas situações, tão díspares que são entre si.
Para saldar sua enorme dívida, o primeiro servo teria de vender tudo quanto possuía, e ele
próprio também teria de ser vendido junto com sua família. Essa situação mostra que a gravidade dos
efeitos cármicos é proporcional ao tamanho da falta cometida. Isso, porém, não exclui a possibilidade
de perdão, pela atuação da mesma Lei da Reciprocidade, desde que o respectivo ser humano se integre
realmente dentro das leis divinas. Não foi o que aconteceu com o servo que, devido à sua humildade
inicial teve saldada a dívida de dez mil talentos, equivalente a uns 60 milhões de denários (renda de
um rei por dez anos aproximadamente), mas que depois não foi capaz de perdoar uma dívida ínfima de
apenas 100 denários. Com essa atitude, sua culpa ficou ainda muito maior do que antes, e
conseqüentemente também o mau efeito retroativo que se formou a partir daí.
O perdão divino não tem nenhuma semelhança com o perdão humano. Uma criatura perdoada
através das leis naturais da Criação encontra-se novamente tão pura e limpa quanto uma outra que
nunca tenha errado. Não existe mais nenhuma diferença entre elas. Mais ainda: não é nem mesmo
possível distinguir qual delas errou!…
Imagine-se por exemplo dois irmãos gêmeos, absolutamente idênticos, vestidos também de
maneira igual. Suponhamos que um deles sempre tenha cuidado de sua vestimenta, mantendo-a limpa,
impecável, evitando principalmente passar por lugares onde pudesse se sujar. O outro, ao contrário,
negligenciou isso, não deu importância à sujeira que ia se acumulando em suas vestes e tampouco
evitou passar por caminhos pouco limpos. Dessa forma sua vestimenta tornou-se imunda com o tempo,
não tendo mais nenhuma semelhança com a do seu irmão. Um dia, então, esse segundo irmão se deu
conta de toda aquela sujeira aderida à sua roupa e decidiu limpá-la a todo custo. Depois de muito
trabalho, proporcional ao tamanho da sua própria indolência e negligência, ele conseguiu limpar
totalmente sua vestimenta, de forma que ela ficou novamente igual a do seu irmão gêmeo, que jamais
se havia sujado. Pois bem, se esses dois irmãos se colocarem agora à nossa frente, ninguém poderá
dizer qual deles havia deixado sujar a sua roupa. E não só: a rigor, isso não tem mais a mínima
importância! Com o trabalho que teve para limpar sua roupa, o segundo irmão expiou o erro cometido
e encontra-se agora novamente tão limpo e puro como o primeiro irmão.
Assim também atua a Justiça divina, que perdoa realmente uma criatura que pecou, se esta
reconhece o seu erro e se esforça diligentemente em repará-lo. Depois de perdoada é impossível dizer
se uma tal criatura pecou, pois seu erro foi de tal forma extinto que nenhum sinal dele permaneceu
dentro da obra da Criação. Isso é realmente perdoar! Uma tal pessoa encontra-se agora efetivamente
perdoada, porque de fato “o Senhor não se lembrará mais dos seus pecados” (Hb8:12). Ela poderá
retomar o caminho ascensional do espírito, sem precisar temer mais nenhuma condenação. O ímpio
que se arrepende e redireciona sua vida em base nova não conhecerá a morte espiritual, e seus crimes
101
não serão mais lembrados: “Quanto ao ímpio, se ele se converter de todos os pecados que cometeu e
passar a guardar os Meus estatutos e a praticar o direito e a justiça, certamente viverá, ele não morrerá;
nenhum dos crimes que praticou será lembrado” (Ez18:21,22), porque “a justiça livra da morte”
(Pv10:2). O perdão divino, portanto, só depende dele, de seu comportamento: “Se ele caminhar
segundo as leis da vida, evitando cometer a iniqüidade, certamente viverá e não morrerá; nenhum dos
pecados que cometeu será lembrado contra ele” (Ez33:15,16).
Bem ao contrário ocorre com o ser humano em relação ao seu próximo. Freqüentemente, com
ares de magnanimidade, ele o faz saber que lhe perdoa por uma pequena falta cometida, mas nunca
deixará de exclamar aos quatro ventos: “Ah! Aquele lá é fulano, que me fez isso e aquilo outro; eu,
porém, já o perdoei!…” Hipocrisia. Somente hipocrisia reside no falso perdão humano. Interiormente
ele continua agarrando e sufocando seu semelhante, gritando continuamente para ele: Paga-me o que
me deves!...
Se o ser humano ouvisse mais a voz de seu coração, então sua maneira de ser seria
completamente diferente. Muito mais altruísta, interessado no bem-estar do próximo e agindo sempre
nesse sentido, o que só poderia redundar em bênçãos para si através da reciprocidade. Em sua carta a
Tito, Paulo alude a isso quando lhe pede que exorte os membros da comunidade a “serem prontos para
toda boa obra, não injuriar ninguém, serem pessoas de paz, benevolentes, dando provas de mansidão
para com todos” (Tt3:1,2).
Tudo seria completamente diferente se o ser humano realmente “atentasse ao conselho de seu
coração, visto que nada lhe pode ser mais fiel do que ele” (Eclo37:17). Mas, infelizmente, seu
raciocínio, sempre voltado apenas para si mesmo, encontra rapidamente todo tipo de argumentação
egoística para abafar a fraca e já quase inaudível voz conselheira do coração, a intuição do seu espírito,
que ainda se manifesta por vezes aqui e acolá através de dúvidas exortadoras.
O espírito vivo reconhece rapidamente o falso em tudo, e através da intuição procura fazer valer
sua vontade. Todavia, como ele, o espírito, está muito enfraquecido pelo domínio do intelecto, numa
tibieza que vem já de milênios, suas tímidas exortações quase nunca são páreo para as violentas
rebatidas do raciocínio.
E assim o ser humano aceita como verdadeiras coisas que não existem, como é o caso da
esperança num perdão divino fácil, convenientemente adaptado à sua inércia espiritual. Ninguém
consegue obter perdão para seus pecados através de penitências, contribuições monetárias, jejuns,
número de orações proferidas e outras tarifas eclesiásticas. Ao contrário do que é ensinado pela Igreja,
não é a quantidade de orações que garante seu atendimento. Sobre isso, o Senhor já advertira por meio
do profeta Isaías: “Ainda que multipliqueis as orações, de forma alguma atenderei” (Is1:15). Sem
esforço próprio, esforço interior perseverante em melhorar, não se avança um milímetro sequer no
desenvolvimento espiritual e, conseqüentemente, não se pode remir coisa alguma. De nada adianta se o
ser humano pensa ou acredita que as coisas sejam diferentes. De nada vale se ele crê na existência de
um perdão arbitrário, só porque essa idéia lhe foi incutida por algum guia cego, hábil em coar
mosquitos e engolir camelos. Sua ignorância a tal respeito é apenas uma culpa a mais, pois conforme
já dito ele nunca ficou sem auxílio para poder compreender corretamente as leis das Criação. “Se
disseres: ‘Mas, não o sabia!’ Aquele que pesa os corações não o verá? Aquele que vigia tua alma não o
saberá? E não retribuirá a cada um segundo o seu procedimento?” (Pv24:12).
Sobre a prática de jejum e outras penitências e mortificações, é oportuno dizer que não passam
de graves transgressões às leis da natureza, e da forma mais vil. Só mesmo alguém muito mesquinho, e
sobretudo muito vaidoso, pode sentir-se engrandecido em maltratar o corpo, o bem mais precioso de
que dispõe aqui na Terra, a ferramenta indispensável para o amadurecimento de seu espírito. A este,
pois, cabe a sentença do livro de Eclesiástico: “Não há ninguém pior do que aquele que maltrata a si
mesmo” (Eclo14:6). Embora não maltratasse a si mesmo, o papa Clemente VI não dava muita trela a
esse livro de Eclesiástico, pois em 1384 ele patrocinou pessoalmente uma flagelação pública na cidade
de Avignon…
Um corpo voluntariamente macerado é o sinal visível de que o respectivo espírito já se encontra
na mesma condição. Como um tal “piedoso” penitente não é mais capaz de dar uma contrapartida
espiritual de valor pela graça da vida, em razão do estado deplorável de seu espírito e da sujeira
impregnada em sua alma, ele só consegue tecer com seu raciocínio um mísero sucedâneo material,

102
uma “compensação” grotesca, canhestra, na forma de um sofrimento qualquer infligido ao corpo. Com
essa prática, porém, ele se torna duplamente culpado: por lesar seu corpo e por acreditar que isso possa
ser do agrado do Senhor.
A crença num Amor divino que tudo perdoa arbitrariamente, sem levar em conta a indesviável
Justiça, contribuiu ainda mais para a queda do ser humano. Ele pôde assim entregar-se a toda sorte de
vícios e paixões, pôde maltratar seu próximo tanto quanto quis, pôde, enfim, fazer tudo quanto julgasse
necessário para satisfazer suas cobiças e ambições terrenas, pois no final bastava fazer um leve aceno
em direção ao Alto e cumprir alguma penitência para recuperar sua posição de fiel exemplar. “Por não
terem reconhecido a Justiça que vem de Deus, e terem procurado estabelecer a sua própria justiça, não
se submeteram à Justiça de Deus” (Rm10:3).
Cumpriu-se assim entre a humanidade a instrução luciferiana básica do “viver até exaurir-se”,
princípio hedonista em vigor na Terra há sete mil anos, imiscuído sem disfarces em algumas frases
bíblicas: “Nada existe de bom para o ser humano debaixo do Sol, a não ser comer, beber e divertir-se”
(Ecl8:15). Um princípio que o autor do livro da Sabedoria e Isaías já haviam denunciado
corajosamente em suas épocas, com uma forte dose de ironia nas palavras: “Nosso nome será
esquecido com o tempo, e ninguém se lembrará de nossas obras. (...) Vamos, pois, desfrutemos as
coisas boas do presente, embriaguemo-nos com os melhores vinhos e perfumes. (…) Ninguém de nós
falte à nossa orgia; deixemos em toda parte as marcas de nossa alegria; afinal, é essa a nossa parte, o
quinhão que nos toca” (Sb2:4,6,7,9); “Eis o júbilo e a alegria: matam-se bois, degolam-se carneiros,
come-se carne, bebe-se vinho, comer, beber… pois amanhã haveremos de morrer!” (Is22:13), “Ai dos
que são valentes para beber vinho, e fortes para misturar licores” (Is5:22). Isaías era mesmo bastante
irônico em suas admoestações, e não economizou motejos ferinos na descrição que fez da idolatria
(cf. Is44:13-20).
A propósito, convém interpor aqui que mais de dois séculos depois dessas tiradas irônicas de
Isaías, o grande filósofo grego Sócrates elevava a figura da ironia à condição de arte em Atenas, a
ponto de receber um nome especial: a ironia socrática, estudada até hoje nos cursos de filosofia. É
preciso, porém, não confundir a fina e competente ironia do tipo socrático, que com poucas palavras
põe abaixo as mais rijas elucubrações do raciocínio e as mais delirantes fantasias do sentimento, com
uma ofensa irônica qualquer, direcionada a uma pessoa em particular, com o único fito de lhe causar
sofrimento. O resultado da primeira é salutar, ao sacudir a alma humana enrijecida por dogmas de
múltiplas espécies, enquanto que o da segunda é danoso, ao infligir dores profundas no íntimo de uma
pessoa. O segundo caso é mais apropriadamente denominado de sarcasmo ou escárnio, do qual
lançavam mão os sacerdotes e escribas contra Jesus, sempre que podiam: “A outros salvou, a si mesmo
não pode salvar!” (Mt27:42).
Da legítima ironia o próprio Jesus fez uso em algumas ocasiões. Por exemplo, quando chamou os
fariseus de “justos” (cf. Mt23:28), ou quando, depois de ter sido acusado de agir pelo “poder de
Belzebu”, disse que nesse caso então Satanás estaria “dividido contra si mesmo”, já que ele estava ali
justamente destruindo as influências demoníacas (cf. Lc11:17,18). Paulo também foi bastante irônico,
cáustico até, ao fazer uma comparação entre os complicados Coríntios e os apóstolos, dos quais ele era
o mais destacado: “Já estais saciados! Já sois ricos! Sem nós, já vos tornastes reis! (…) Nós somos
loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo! Nós somos fracos, e vós, fortes! Vós, honrados, e
nós, desprezados” (1Co4:8,10). Também não foi menos irônico quando chamou de “superapóstolos”
(2Co11:5) os falsos doutrinadores que estavam desviando os membros dessa comunidade. E não
podemos deixar de lado a contundente Epístola de Tiago, quase toda moldada em farpas vigorosas e
ironias desconcertantes. No Antigo Testamento, o profeta Amós desfere uma ironia cortante aos seus
ouvintes pecadores e hipócritas: “Ide em peregrinação a Betel para pecar! A Guilgal para pecar ainda
mais! Então, levai, de manhã, os sacrifícios de comunhão, ao terceiro dia, vossos dízimos! Queimai
com pão a oferenda de louvor!” (Am4:4,5). Outro exemplo no Antigo Testamento de incisiva ironia, e
bastante divertida, foi dada por Elias ao comentar o fracasso dos profetas de Baal em invocar sua
divindade: “Gritai mais alto, pois sendo deus pode estar ocupado; porventura ausentou-se ou está de
viagem, ou talvez esteja dormindo e seja preciso acordá-lo” (1Rs18:27).
Em relação à citada ironia de Isaías, sobre o desregramento de conduta do povo, o historiador
grego Tucídides, que viveu de 465 a 395 a.C., praticamente repetiu as palavras do grande profeta ao

103
descrever em sua obra Histórias da Guerra do Peloponeso os costumes promíscuos que vigoravam na
Grécia antiga: “Buscavam-se os proveitos e os prazeres rápidos, já que a vida e as riquezas eram
igualmente efêmeras (…). O prazer e todos os meios para alcançá-lo, eis aí o que se julgava belo e útil.
Ninguém era detido nem pelo temor dos deuses, nem pelas leis humanas (…); além disso, não se
pensava viver tempo bastante para ter de prestar contas de suas faltas.”
Profunda verdade reside nessas palavras de Tucídides. O ser humano terreno tem vivido sempre
assim, dissolutamente, inescrupulosamente, “seguro do perdão, acumulando pecado sobre pecado”
(Eclo5:5). No entanto, não só nenhuma de suas faltas lhe foi perdoada dessa maneira, como também se
sobrecarregou com mais uma culpa colossal, ao acreditar na concepção de uma benevolência arbitrária
e injusta do Criador. Uma blasfêmia do mais baixo tipo.
Os poucos que vez ou outra se perguntam se essa estória de perdão complacente estaria certa,
infelizmente afastam logo de si tais pensamentos exortadores, seja por temor de tocar em algo
“sagrado”, seja por atribuir esse tipo de questionamento a uma incumbência específica dos teólogos de
sua religião. Se existe gente encarregada de estudar essas coisas e fornecer as devidas respostas, por
que se incomodar? E se tantas pessoas aceitam uma tal concepção, por que questioná-la?… Mas se tal
concepção constituir um pilar central, uma coluna mestra de sua fé, um dogma, então seria pecado até
mesmo pensar que poderia não estar certo!
Com essa preguiça de refletir o ser humano afunda mais e mais espiritualmente. E quanto mais
afunda, mais erros comete e menos capaz se torna de reconhecer sua própria queda, bem como os
derradeiros auxílios que ainda chegam para ele na Criação. Essa situação prossegue até o ponto em que
fica totalmente excluído de qualquer auxílio espiritual, quando será inexoravelmente entregue aos
verdugos até pagar toda a dívida. Terá se tornado então um inimigo consumado de Deus, sem
possibilidades de voltar atrás, mesmo que julgue ser uma pessoa boa e um fiel legítimo, cumpridor
exemplar dos deveres estabelecidos por sua religião. Como os fariseus no tempo de Cristo.

Os Trabalhadores na Vinha

“O reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugada para assalariar
trabalhadores para a sua vinha. Saindo pela terceira hora viu, na praça, outros que estavam
desocupados e disse-lhes: Ide vós também para a vinha e vos darei o que for justo. Eles foram.
Tendo saído outra vez perto da hora sexta e da nona procedeu da mesma forma, e saindo por
volta da hora undécima encontrou outros que estavam desocupados e perguntou-lhes: Por que
estivestes aqui desocupados o dia todo? Responderam-lhe: Porque ninguém nos contratou. Então
lhes disse ele: Ide também vós para a vinha. Ao cair da tarde disse o senhor da vinha ao seu
administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes o salário, começando pelos últimos indo até
os primeiros. Vindo os da hora undécima recebeu cada um deles um denário. Ao chegarem os
primeiros pensaram que receberiam mais, porém também estes receberam um denário cada um.
Mas, tendo-o recebido, murmuravam contra o dono da casa, dizendo: Estes últimos trabalharam
apenas uma hora, contudo os igualastes a nós, que suportamos a fadiga e o calor do dia. Mas o
proprietário, respondendo, disse a um deles: Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo
um denário? Toma o que é teu e vai-te, pois quero dar a este último tanto quanto a ti. Porventura
não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom?
Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos.”
(Mt20:1-16)
Ao longo de milênios os seres humanos foram instados a se modificarem, a cumprirem a
Vontade do Criador e com isso a se tornarem servos úteis em Sua vinha, a obra da Criação.
Até um certo limite do prazo concedido para o desenvolvimento da humanidade (a hora
undécima), ainda será possível ao ser humano desvencilhar-se de seus erros aderidos, sobrepujar sua
indolência interior e empreender o caminho da ascensão espiritual. Esta ascensão, porém, requer sua
colaboração consciente no aperfeiçoamento da obra da Criação, isto é, um servir. Quem ascende
espiritualmente já colabora automaticamente no aperfeiçoamento da obra, pois tudo quanto dele emana

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é naturalmente belo e construtivo. Suas intuições e pensamentos só poderão gerar ainda novas
configurações benfazejas.
Observe-se que o dono da casa foi especialmente severo para com os trabalhadores que
encontrou na hora undécima: “Por que estivestes aqui desocupados o dia todo?”, perguntou. Esse
“dia” abrange aqui a existência pregressa do ser humano, que remonta a muitos milênios, ao longo de
várias vidas terrenas. O sentido é: “Por que não aproveitastes o tempo de que dispusestes até agora, em
vossa existência, para vos tornardes úteis na Criação?”
A resposta dos trabalhadores: “Porque ninguém nos contratou”, mostra que o ser humano mui
dificilmente se anima a empreender voluntariamente sua escalada espiritual. Como isso exige esforço
pessoal, na maior parte das vezes ele prefere recostar-se comodamente no conforto de alguma fé cega,
que não exige dele nenhuma movimentação. Só quando é atingido por algum impulso externo (o
chamado para a contratação), na forma de uma vivência marcante, seja de dor ou de alegria, é que
desperta nele, por vezes, o anseio de iniciar a ascensão espiritual (o trabalho na vinha).
Outro ensinamento contido nessa parábola diz respeito ao tempo necessário para o
desenvolvimento do espírito, o qual é diferente para cada um. Essa contingência, porém, não deve
suscitar qualquer tipo de incompreensão ou mesmo de inveja, como a manifestada pelos trabalhadores
que laboraram mais tempo, do contrário eles só prejudicarão a si mesmos, pois “onde há inveja e
sentimento faccioso, aí há confusão e toda espécie de coisas ruins” (Tg3:16).
Não é relevante se os que começam a se desenvolver mais tarde acabam por atingir o mesmo
nível espiritual dos demais. Os seres humanos não são iguais; cada um de nós se encontra num
determinado degrau de evolução, resultado da maneira como tem aplicado as faculdades que lhe foram
outorgadas: os “talentos” da outra parábola. Uns ascendem mais rápido, outros mais lentamente. O que
realmente importa é iniciar a ascensão e perseverar na escalada (Lei do Movimento), para poder então
obter o galardão da vida eterna (cf. 1Co3:8), o qual, naturalmente, tem o mesmo valor – um denário –
para todos quanto fizerem jus a ele. O dono da casa mostrou-se generoso para com os últimos
trabalhadores, sem no entanto ser injusto para com os primeiros, a quem pagou conforme combinado e
no tempo certo. Ninguém, portanto, tem o direito de se queixar por ter despendido mais tempo na
ascensão espiritual do que seu próximo, porque isso é uma decorrência do ritmo pessoal de cada um,
do modo como ele mesmo se esforça em viver de acordo com as leis da Criação. Uma queixa ou
inconformismo nesse sentido é um tipo de mesquinharia que o dono da vinha condena severamente:
“São maus os teus olhos porque eu sou bom?”
Há quem tome essa parábola como sendo a prova de que a entrada no reino dos céus ocorre por
privilégio e não por mérito. Mas é exatamente o contrário! Nesta, como em todas suas outras
parábolas, Jesus exorta os seres humanos a se movimentarem continuamente, a em tudo agir de acordo
com sua Palavra, pois somente assim, através do próprio esforço, lhes será facultado ingressar um dia
no Paraíso. Não foi sem razão que o Mestre falou tanto desse esforço pessoal como condição prévia
para se adentrar no reino de Deus: “A lei e os profetas vigoraram até João; desde esse tempo vem
sendo anunciado o Evangelho do reino de Deus, e todo homem se esforça por entrar nele” (Lc16:16).
Quem cumpre os ensinamentos contidos na Palavra salvadora ascende com segurança, passo a
passo, ao reino dos céus, mesmo que aqui na Terra seja desprezado por seus concidadãos por se
recusar a manietar-se com algemas dogmáticas, que só puderam ser forjadas pelo raciocínio torcido de
líderes religiosos. Por outro lado, todos os fariseus modernos que já se julgam salvos, que se têm na
conta de especialmente benquistos pelos céus porque cumprem diligentemente as regras de sua
religião, instituídas por outros seres humanos da mesma espécie deles, jamais lograrão entrar no reino
dos bem-aventurados. Ficarão para trás, enquanto que os de espírito livre que hoje são por eles
desprezados, os que atualmente são os últimos, se tornarão então os primeiros, e com isso, finalmente,
“nada continuará como era; o que é baixo será elevado e o que é elevado será abaixado” (Ez21:31).

Os Dois Filhos

“Um homem tinha dois filhos. Chegando-se ao primeiro, disse: filho, vai hoje trabalhar na vinha.
Ele respondeu: Sim senhor, porém não foi. Dirigindo-se ao segundo disse-lhe a mesma coisa. Mas
105
este respondeu: Não quero; depois, arrependido, foi. Qual dos dois fez a vontade do pai?
Disseram: o segundo. Declarou-lhes Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos
precedem no Reino de Deus.”
(Mt21:28-31)
Essa parábola complementa a anterior, dos trabalhadores na vinha.
O que realmente tem valor na vida de uma pessoa é o marco a partir do qual ela se decide a viver
de acordo com as leis da Criação, isto é, a cumprir a Vontade do seu Criador. A sua possível recusa de
até então, qualquer que seja o motivo, não é mais decisiva para o seu destino, já que ela mesma lhe deu
uma outra direção, como se tivesse mudado a chave de desvio de uma ferrovia. Bem diverso daquela
outra que sabe, que sente nitidamente que deve mudar sua maneira de ser, que chega até a se propor a
isso vez por outra, mas que nunca se anima a movimentar-se permanentemente nessa direção.
Mais uma vez fica clara a necessidade de transformar em ação a boa intenção prévia manifestada
pelo ser humano. A boa intenção prévia não tem nenhum valor se, no íntimo, o ser humano não agir de
modo correspondente. O que vale é sempre a atuação, e não palavras ocas: “Não amemos só com
palavras e de boca, mas com ações e de verdade!” (1Jo3:18), já alertava João sua comunidade. De nada
adianta prometer algo e não fazer. Tal atitude é típica dos fariseus, que “dizem e não fazem” (Mt23:3),
de onde, aliás, se originou o ditado notório: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.
Mas quando a vontade intuitiva se ancora firmemente no bem, então também os pensamentos, as
palavras e os atos da respectiva pessoa se moldarão de acordo. É este o filho que efetivamente foi
trabalhar na vinha do Pai, que, portanto, mesmo em hora tardia, cumpriu a Sua Vontade.

Os Lavradores Maus

“Havia um homem, dono de casa, que plantou uma vinha. Cercou-a de uma sebe, construiu nela
um lagar, edificou-lhe uma torre e arrendou-a a uns lavradores. Depois ausentou-se do país. Ao
tempo da colheita, enviou os seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe tocavam.
E os lavradores, agarrando os servos, espancaram um, mataram outro e a outro apedrejaram.
Enviou ainda outros servos em maior número, e trataram-nos da mesma sorte. E por último
enviou o seu próprio filho, dizendo: A meu filho respeitarão. Mas os lavradores, vendo o filho,
disseram entre si: Este é o herdeiro; ora, vamos, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança. E,
agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e o mataram.”
(Mt21:33-39; Mc12:1-8; Lc20:9-15)
O sentido dessa parábola já foi esclarecido no capítulo 1 – tópico A Necessidade da Vinda do
Messias. Trata-se da vinda à Terra dos profetas dos tempos antigos e, por fim, do próprio Filho de
Deus.
A imagem do dono de casa que planta a vinha e, com todo o cuidado, a cerca de tantas
facilidades, mostra o imenso Amor do Criador para com Suas criaturas, ao lhes oferecer tudo quanto
necessitam em seu labor nas materialidades, que ao mesmo tempo constitui para elas o caminho para o
amadurecimento espiritual.
Na seqüência fica claro que essas criaturas, os seres humanos, não se comportaram como
administradores leais do maravilhoso mundo posto à disposição deles. Rejeitaram os Precursores e os
profetas dos tempos antigos e, por último, assassinaram o próprio Filho de Deus. Fazendo uso errado
da prerrogativa de que foram presenteados, o livre-arbítrio, agiram de modo contrário ao desejado pelo
dono da vinha. O assassínio do Filho de Deus era uma possibilidade conhecida pela Luz, em vista da
profundidade espiritual em que já se encontrava a humanidade, uma possibilidade que de modo algum
se teria efetivado se os homens tivessem acolhido a Mensagem de Jesus no coração.
Para quem ainda mantém seu espírito aberto há de causar espanto, ao ler essa parábola, que as
interpretações atuais sejam unânimes em condenar os assassinatos dos profetas dos tempos antigos,
como crimes brutais que realmente foram, mas não o praticado contra Jesus. Contudo, a parábola não
faz nenhuma distinção entre os dois casos, ao contrário, deixa claro que a morte do filho do dono da
106
casa foi um ato mau, perverso, não previsto e muito menos ainda desejado, tendo constituído uma
circunstância agravante dos crimes praticados anteriormente. Os lavradores, pois, não respeitaram
nem mesmo o filho do dono da casa, como este esperava, e sim o mataram.
Que a morte do filho foi um crime bárbaro, fica claro logo após o término da parábola, quando
Jesus pede aos que o ouviam que expressassem sua opinião, recebendo então uma resposta
absolutamente lógica e inequívoca:
“Quando, pois, vier o senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe: Fará
perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a vinha a outros lavradores que lhe remetam
os frutos nos seus devidos tempos.”
(Mt21:40,41)
Realmente, não seria de se esperar um desfecho diferente. Em seguida, Jesus esclarece as
conseqüências da atitude errada dos lavradores maus:
“Perguntou-lhe Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: a pedra que os construtores rejeitaram, essa
veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos?30
Portanto, vos digo que o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que lhe
produza os respectivos frutos. Todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços, e aquele sobre
quem ela cair ficará reduzido a pó.”
(Mt21:42-44)
O Reino de Deus só será alcançado por aquele que produzir bons frutos, que, portanto, se ajustar
às leis da Criação. Agir contra essas leis equivale a cair sobre a pedra angular31, representada pela
Palavra encarnada que foi Jesus (cf. At4:11), sendo, portanto, “ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra
angular” (Ef2:20), oriundo de Deus para ensinar os homens como cumprir essas leis. Se não cumpri-
las, a respectiva pessoa só conseguirá se machucar e até mesmo ser despedaçada, pois a pedra não será
com isso de modo algum abalada. E sobre quem a pedra cair, este será reduzido a pó, isto é, quem agir
contra essas leis receberá infalivelmente sobre si o retorno de sua má ação, através da reciprocidade.
Para estes, a pedra angular, a lei viva, se torna então uma “pedra de tropeço”, em que “muitos
tropeçarão e cairão, serão quebrantados, enlaçados e presos” (Is8:15). Daí também as palavras de
Jesus: “Bem-aventurado aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Lc7:23).
Por outro lado, o efeito inverso, reservado a quem cumpre as leis da Criação, também já havia
sido descrito pelo profeta Isaías: “Será uma pedra preciosa, angular, bem firme. Aquele que confiar
nela não tropeçará. Usarei o direito como cordel de medir e a justiça como nível” (Is28:16,17). Confiar
na justiça da lei é o mesmo que confiar no Senhor, de todo o coração, deixando de se apoiar no
raciocínio cismador: “Confia no Senhor de todo o coração e não te estribes no teu próprio
entendimento” (Pv3:5).

As Bodas

“O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu filho. Então enviou os seus
servos a chamar os convidados para as bodas, mas estes não quiseram vir. Enviou ainda outros
servos com este recado: Dizei aos convidados: eis que já preparei o meu banquete: os meus bois e
cevados já foram abatidos e tudo está pronto, vinde para as bodas. Eles, porém, não se
importaram, e se foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio; e os outros, agarrando
os servos, os maltrataram e mataram. O rei ficou irado, e enviando as suas tropas exterminou
aqueles assassinos e lhes incendiou a cidade. Então disse aos seus servos: Está pronta a festa,
mas os convidados não eram dignos. Ide, pois, para as encruzilhadas dos caminhos e convidai
para as bodas a quantos encontrardes. E saindo aqueles servos pelas estradas reuniram todos os

30
Jesus faz menção aqui ao salmo 118, versículos 22 e 23.
31
A pedra angular, principalmente a da base, mantinha unidas duas paredes de uma construção. Era empregada como guia
para as outras pedras, de modo que todas elas tinham de se ajustar à pedra angular do alicerce, para que o prédio pudesse
ser construído.
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que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete ficou repleta de convidados. Entrando,
porém, o rei para ver os que estavam à mesa, notou ali um homem que não trazia veste nupcial, e
perguntou-lhe: Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial? E ele emudeceu. Então ordenou o
rei aos serventes: Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o para fora, nas trevas; ali haverá choro e
ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos.”
(Mt22:2-14)
Muitos são chamados... Chamados são os que trazem em si determinadas capacitações. Poucos
são escolhidos... Escolhidos são os chamados que efetivamente transformam em atos as suas
capacitações.
A história descrita nessa parábola é praticamente idêntica à narrada na parábola da grande ceia,
que aparece no Evangelho segundo Lucas (cf. Lc14:16-24), onde os convidados dão várias desculpas
esfarrapadas para não comparecer. Em vista disso, vamos nos ater apenas a esta, já que o ensinamento
central vale para ambas.
O reino dos céus, o Paraíso, aguarda que os espíritos humanos cheguem até lá. Todos foram
convidados pelo Senhor, contudo a maioria não quis ir. Eles mesmos não quiseram ir! Ao fazerem uso
errado de sua liberdade de resolução, seu livre-arbítrio, eles decidiram não ascender até lá…
Apesar dos imensos esforços despendidos pela Luz, através da dedicação e amor dos servos
enviados, para que tomassem o caminho da ascensão espiritual e assim pudessem chegar até o reino do
espírito, onde então poderiam usufruir as alegrias eternas que lhes estavam reservadas (as festas das
bodas), eles resolveram não ir, e por motivos pífios, meramente terrenais. Aferraram-se a
preocupações e interesses terrenais, em detrimento do espiritual. Os Precursores e profetas (os servos
do rei) procuraram indicar novamente aos seres humanos o caminho para alcançar a meta que lhes
estava destinada, ou seja, participar do banquete celeste. Para esse acontecimento tudo já fora, pois,
preparado no reino do espírito – “os bois e cevados (porcos engordados) já haviam sido abatidos” –
faltando apenas a chegada dos convidados.
Mas os seres humanos terrenos recusaram o convite, “não se importaram”, e cada qual preferiu
cuidar de seus interesses, tendo “um ido para o seu campo e outro para o seu negócio”. Essa atitude
indica que eles estavam muito mais interessados nos aspectos terreno-materiais de suas existências do
que na vida espiritual. Devido ao predomínio do raciocínio sobre o espírito, achavam muito mais
razoável se ocupar com as coisas desse mundo do que com as espirituais, procurando antes de mais
nada juntar tesouros aqui na Terra.
Essa conduta errada, contrária à determinação do Criador, só poderia mesmo acarretar
conseqüências nefastas pela atuação da Lei da Reciprocidade. O tamanho dessa culpa, que mostra um
total descaso pela Vontade do Senhor, pode ser avaliado pela tragédia que se abateu sobre eles na
reciprocidade, depois de terem sido considerados assassinos: “sua cidade foi incendiada e eles
exterminados”. Em outras palavras: todos sucumbiram junto com suas obras falsas e seus tesouros
terrenos. Vê-se aí que ninguém pode recusar impunemente o convite, sob pena de uma exclusão
definitiva de participação no banquete.
Tudo quanto age de modo contrário à Vontade do Criador, toda e qualquer construção falsa
criada pela mão do homem, não tem possibilidade de subsistir indefinidamente. Dura um certo tempo,
de acordo com a atuação das engrenagens universais, o qual poderá até parecer longo pela cronologia
humana, mas em seguida desmorona, soterrando os que ajudaram a edificar a construção e aqueles
que, confiantes, procuraram se abrigar dentro dela. Isso vale para tudo, quer se trate de modos errados
de vida, doutrinas econômicas, sistemas religiosos, filosofias ou regimes políticos.
“A festa está pronta, mas os convidados não eram dignos”, diz o rei. Significa que os seres
humanos, por culpa própria, não se tornaram habilitados a participar da festa, mostrando-se indignos
dela. E assim é. Serão excluídos da Ceia do Senhor todos aqueles que se mostraram demasiado
indolentes, demasiado indiferentes.
O rei deixa claro que o convite é válido para todos os seres humanos, e muitos então se
apresentam para participar do banquete. Contudo, o que não trazia veste nupcial, isto é, que não estava
adequadamente trajado para a festa das bodas, é lançado fora, nas trevas. Esta passagem mostra que o
ingresso na festa só será facultado àqueles que cuidaram de manter impecáveis as vestes de seus
espíritos, ou seja, suas almas. Somente estes poderão um dia ingressar no reino dos céus, onde seus
108
nomes permanecerão registrados no Livro da Vida. Diz o Filho do Homem no livro do Apocalipse: “O
vencedor se trajará com vestes brancas; não apagarei seu nome do Livro da Vida” (Ap3:5). Já os
outros, os indiferentes, cujas vestes são inapropriadas, serão repelidos por parte da Luz: “Da Luz é
repelido para as trevas, ele é banido do Universo” (Jó18:18).
Esses últimos, que portam vestes sujas e pesadas, serão automaticamente separados dos demais
pela atuação da Lei da Gravidade Espiritual, que os faz afundar nas profundezas trevosas a que
pertencem, onde há “choro e ranger de dentes”.

As Virgens

“Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram a
encontrar-se com o noivo. Cinco dentre elas eram néscias, e cinco prudentes. As néscias, ao
tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo; no entanto as prudentes, além das
lâmpadas, levaram azeite nas vasilhas. E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono, e
adormeceram. Mas à meia-noite ouviu-se um grito: Eis o noivo! Saí ao seu encontro. Então se
levantaram todas aquelas virgens e prepararam as suas lâmpadas. E as néscias disseram às
prudentes: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas lâmpadas estão se apagando. Mas as
prudentes responderam: Não! Para que não nos falte a nós e a vós outras; ide antes aos que o
vendem e comprai-o. E saindo elas para comprar chegou o noivo, e as que estavam apercebidas
entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. Mais tarde chegaram as virgens néscias,
clamando: Senhor, senhor, abre-nos a porta! Mas ele respondeu: Em verdade vos digo que não
vos conheço. Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.”
(Mt25:1-13)
Essa parábola mostra qual é a característica fundamental de quem realmente observa a Lei do
Movimento na Criação: a vigilância espiritual! Só quem permanece vigilante no espírito consegue
preservar a vivacidade de sua faculdade intuitiva, o “azeite da lâmpada”. Essa vivacidade não pode ser
transferida de uma pessoa para outra, mas sim cada qual tem de adquirir e conservar a sua, através do
próprio empenho. Essa impossibilidade de transferência está indicada no pedido negado para se passar
o azeite de uma lâmpada para outra. É justamente essa vivacidade pessoal que permite ao ser humano
vigilante distinguir imediatamente qualquer indício referente à chegada do “noivo”, alegoria utilizada
por Jesus para indicar a vinda do Filho do Homem, o Portador da Palavra da Verdade.
Todas as virgens acabaram ficando sonolentas com o atraso do noivo, tornando-se de algum
modo indolentes; no entanto, aquelas que preservaram sua capacidade intuitiva ainda puderam ir ter
com ele a tempo. O noivo chegou numa hora totalmente inesperada: “à meia-noite”, o que não impediu
de ser reconhecido pelas virgens prudentes, porque elas se portavam como a mulher exemplar “cuja
lâmpada não se apaga durante a noite” (Pv31:18). Só muito mais tarde é que as virgens néscias
procuraram pelo noivo, porém não foram sequer consideradas por este, visto terem perdido sua
faculdade intuitiva, justamente aquilo que faz de um ser humano efetivamente um ser humano.
Passado um determinado prazo do desenvolvimento humano, é impossível recuperar essa faculdade
perdida… Não será mais possível adquirir azeite suficiente na última hora.
Assim como a escravização de Judá pelos babilônios foi uma conseqüência da apatia espiritual
do povo eleito, que não se animou em cumprir as determinações divinas, a escravização dos cristãos de
hoje aos dogmas de suas crenças cegas é igualmente resultado da desobediência a essa exortação de
Cristo para se conservar o azeite da vigilância espiritual. Em ambos os casos a escravidão é o efeito
inevitável da indolência espiritual. Na Antiguidade, a Babilônia foi o instrumento da reciprocidade
para a escravização; hoje, esse papel é desempenhado pelas múltiplas agremiações cristãs, que
dificultam aos fiéis assimilar qualquer coisa que soe de modo diferente dos dogmas aprendidos. Esses
cristãos podem até escutar, mas não compreendem; podem até olhar, mas não vêem. Seu
comportamento é idêntico ao daqueles judeus de Roma e seus ancestrais, sobre quem Paulo igualmente
já havia declarado:

109
“Bem falou o Espírito Santo a vossos pais, por meio do profeta Isaías, quando disse: Vai ter com
esse povo e dize-lhe: em vão escutareis, pois não compreendereis; em vão olhareis, pois não
vereis.”
(At28:26)
Todos os que desde épocas remotas procuraram abafar a voz de seus espíritos, a intuição, não
estarão aptos a reconhecer o Filho do Homem quando este se lhes apresentar. Escutarão as palavras e
não compreenderão, olharão tudo e não verão nada. Com isso provam que também outrora não haviam
assimilado em seu coração a Palavra exortadora do Filho de Deus. Ao contrário dos que se encontram
hoje despertos e conscientes, nesse tempo do Juízo, eles passarão pelo Filho do Homem e por sua
Palavra sem perceberem, sem nada entenderem: “Os maus nada entenderão, só os conscientes
entenderão” (Dn12:10). Esses maus fiéis “têm olhos para ver e não vêem, ouvidos para ouvir e não
ouvem, pois são uma corja de rebeldes” (Ez12:2). É nessa rebeldia contra a vivacidade espiritual que
se cumpre, pois, a profecia feita por Isaías, avalizada posteriormente pelo Mestre aos seus discípulos:
“É neles que se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Certamente haveis de ouvir, e jamais
entendereis. Certamente haveis de enxergar, e jamais vereis.”
(Mt13:14)
O sentido é o de que suas lâmpadas de vigília estariam totalmente apagadas na época em que a
Palavra do Filho do Homem estivesse agindo na Terra, porque não haveria mais nada que as pudesse
alumiar, visto que não conservaram azeite consigo, isto é, a capacidade intuitiva. Ao contrário do que
supõem as virgens néscias de hoje, os dogmas religiosos e as interpretações cômodas das palavras de
Cristo não são nenhum azeite, mas apenas água turva.

Os Talentos

“Um homem, ausentando-se do país, chamou os seus servos e lhes confiou os seus bens. A um deu
cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada um segundo a sua própria capacidade, e então
partiu. O que recebera cinco talentos saiu imediatamente a negociar com eles e ganhou outros
cinco. Do mesmo modo o que recebera dois ganhou outros dois. Mas o que recebera um, saindo,
abriu uma cova e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo, voltou o senhor
daqueles servos e ajustou contas com eles. Então, aproximando-se o que recebera cinco talentos,
entregou outros cinco, dizendo: Senhor, confiaste-me cinco talentos, eis aqui outros cinco talentos
que ganhei. Disse-lhe o senhor: Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te
colocarei: entra no gozo de teu senhor. E aproximando-se também o que recebera dois talentos,
disse: Senhor, dois talentos me confiaste, aqui tens outros dois que ganhei. Disse-lhe o senhor:
Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei: entra no gozo de teu
senhor. Chegando por fim o que recebera um talento, disse: Senhor, sabendo que és homem
severo, que ceifas onde não semeastes e ajuntas onde não espalhastes, receoso, escondi na terra o
teu talento, aqui tens o que é teu. Respondeu-lhe, porém, o senhor: Servo mau e negligente, sabias
que ceifo onde não semeei e ajunto onde não espalhei? Cumpria, portanto, que entregasses meu
dinheiro aos banqueiros, e eu ao voltar receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe, pois, o talento,
e dai-o ao que tem dez. Porque a todo o que tem se lhe dará, e terá em abundância, mas ao que
não tem até o que tem lhe será tirado. E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá
choro e ranger de dentes.”
(Mt25:14-30)
Esta é uma das parábolas mais significativas de Jesus. Mostra, de maneira inequívoca, o que se
espera da atuação do ser humano na Criação. O homem que ao ausentar-se do país confia seus bens
aos servos, é a imagem do Criador depositando nas mãos dos seres humanos a administração da parte
material da Criação.

110
Cada servo recebe então uma determinada quantidade de talentos32, cada um segundo a sua
própria capacidade. Qual o significado desse quadro? Primeiramente que, conforme já mencionado,
os níveis de desenvolvimento espiritual dos seres humanos são em geral bem distintos uns dos outros.
Assim, cada um dos três servos encontrava-se num determinado degrau de evolução. Em segundo
lugar, indica que quanto mais elevado espiritualmente se encontrar uma pessoa, tanto mais dons ela
estará apta a receber, para que fazendo uso certo deles possa então gerar obras ainda maiores e mais
belas, contribuindo mais incisivamente ainda para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da Criação.
Os dons, portanto, não são dádivas arbitrárias distribuídas ao acaso a este ou aquele. É necessário,
antes de tudo, ter se tornado merecedor deles.
A pessoa que realmente se movimenta espiritualmente não deixará permanecerem estagnados
esses dons que recebeu, ao contrário, fará uso deles com todo o afinco de que for capaz, de modo a
produzir frutos em abundância. Tanto o servo que recebeu cinco talentos como o que recebeu dois
saíram imediatamente a negociar com eles; não perderam tempo para produzir os frutos
correspondentes. A quantidade e a magnificência desses frutos constituem então seu agradecimento
vivo Àquele que lhe outorgou dádivas assim tão preciosas, formando a expressão mais legítima de seu
louvor e adoração a Deus, conforme atesta essa sentença do Mestre: “O que glorifica meu Pai é que
produzais fruto em abundância” (Jo15:8).
O senhor veio ajustar contas com os seus servos depois de “muito tempo”. Esse longo tempo
corresponde ao período concedido para o desenvolvimento espiritual do ser humano. Tal período foi,
de fato, muito longo, da ordem de milhões de anos. Na época atual, da prestação de contas, cada qual
já poderia e deveria estar plenamente desenvolvido, pronto a entregar ao seu Senhor o produto da
aplicação certa dos talentos a ele doados, os dons que lhe foram confiados outrora, portanto o retorno
do investimento nele feito pela Luz.
Tanto o servo que recebeu cinco talentos como o que recebeu dois fizeram uso acertado de seus
dons, e entregaram orgulhosos ao seu senhor o produto multiplicado da aplicação diligente deles. Já o
servo que recebeu um talento deixou adormecer dentro de si o único dom que recebeu, não gerou
nenhum benefício com ele, e por esse motivo até mesmo esse seu dom unitário lhe foi tomado. Voltou
para o dono do mesmo modo como lhe foi entregue, sem ter gerado nada de útil nas mãos do servo
indolente. Retornou ao ponto de partida, tal como uma semente que não vinga, ou tal como um germe
espiritual que não se desenvolve da maneira certa. O servo preguiçoso atuou contra a vontade do seu
senhor, o qual esperava de seu subordinado um mínimo grau de desenvolvimento espiritual.
A imagem do talento do servo negligente sendo dado ao que já tinha dez indica, conforme já
esclarecido, a efetivação autônoma da Lei de Atração da Igual Espécie, que faz refluir
automaticamente força intensificada a quem faz uso certo das dádivas recebidas, de modo a reforçar
ainda mais a disposição deste em fazer o bem e gerar boas obras. Assim, “a todo o que tem se lhe
dará, e terá em abundância, mas ao que não tem até o que tem lhe será tirado”.
“E o servo inútil lançai-o para fora, nas trevas.” É de se perguntar aqui como é possível, depois
de uma frase dessas, que ainda haja quem afirme que basta “aceitar” Jesus como Salvador para ser
içado confortavelmente aos céus, em meio a cânticos angélicos de júbilo, libertado de todos os
pecados… Sem esforço pessoal no sentido da própria evolução, sem uma movimentação contínua e
muito enérgica rumo ao alto, ninguém sobe um milímetro sequer no caminho que conduz ao Paraíso. E
também pode estar certo que o reino dos céus não será forçado, devido ao seu comodismo, a descer até
ele, o servo inútil.

As Minas

“Certo homem nobre partiu para uma terra distante, com o fim de tomar posse de um reino, e
voltar. Chamou dez servos seus, confiou-lhes dez minas e disse-lhes: Negociai até que eu volte.
Mas os seus concidadãos o odiavam, e enviaram após ele uma embaixada, dizendo: Não

32
O talento era uma unidade de peso e monetária correspondendo a 60 minas. Havia o de ouro e o de prata, cada um
podendo ser “forte” ou “fraco”, de acordo com o peso. O peso do talento podia variar de 20 a 27 quilos.
111
queremos que este reine sobre nós. Quando ele voltou, depois de tomar posse do reino, mandou
chamar os servos a quem dera o dinheiro, a fim de saber que negócio cada um teria conseguido.
Compareceu o primeiro e disse: Senhor, a tua mina rendeu dez. Respondeu-lhe o senhor: Muito
bem, servo bom, porque foste fiel no pouco terás autoridade sobre dez cidades. Veio o segundo,
dizendo: Senhor, a tua mina rendeu cinco. A este disse: Terás autoridade sobre cinco cidades.
Veio então outro dizendo: Eis aqui, senhor, a tua mina, que eu guardei embrulhada num lenço.
Pois tive medo de ti, que és homem rigoroso, tiras o que não pusestes e ceifas o que não semeaste.
Respondeu-lhe: Servo mau, por tua própria boca te condenarei. Sabias que eu sou homem
rigoroso, que tiro o que não pus e ceifo o que não semeei; por que não puseste o meu dinheiro no
banco? E então, na minha vinda, o receberia com juros. E disse aos que o assistiam: Tirai-lhe a
mina e dai-a ao que tem as dez. Eles responderam: Senhor, ele já tem dez. Pois eu vos declaro: A
todo que tem se lhe dará, mas ao que não tem, o que tem lhe será tirado. Quanto, porém, a esses
inimigos que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e executai-os na minha
presença.”
(Lc19:12-27)
Essa parábola é quase uma repetição da anterior, dos talentos. A principal diferença aqui é que
cada servo recebeu uma única mina, a qual rendeu quantidades diferentes nas mãos de cada um deles.
Isso demonstra que mesmo pessoas de nível espiritual semelhante podem produzir frutos distintos,
segundo a maneira como aplicam os dons que receberam. Podem, até mesmo, não produzir nada, como
aconteceu com o servo mau, o que indica um retrocesso no desenvolvimento espiritual alcançado,
portanto uma involução. O servo indolente foi “condenado pela sua própria boca”, o que indica que
cada um terá de se julgar na época do Juízo, segundo a Vontade da Luz.
Quanto mais acertadamente um ser humano aplicar suas dádivas, quanto maior for o empenho
que ele despender nisso, tanto maiores serão os frutos correspondentes, e conseqüentemente tanto mais
valiosas serão também as bênçãos que lhe advirão por efeito da Lei da Reciprocidade – a “autoridade
sobre dez ou cinco cidades”.
Mais uma vez se constata que tudo, mas tudo mesmo, está nas mãos do próprio ser humano. De
acordo com a seriedade e tenacidade com que aplica os dons que recebeu, em cumprimento à Vontade
do Criador, assim se formarão os frutos correspondentes. Mas os que não quiserem cumprir as leis de
Deus na Criação, os que não quiserem que a Vontade Dele reine sobre eles, estes serão exterminados.

O Bom Samaritano

“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais,
depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o
semimorto. Casualmente descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de
largo. Semelhantemente um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo.
Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E,
chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho, e colocando-o sobre o seu
próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte tirou dois denários e
os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e se alguma coisa gastares a mais eu to
indenizarei quando voltar.”
(Lc10:30-35)
Novamente Jesus aponta para as diferenças marcantes entre as exterioridades e o íntimo dos
seres humanos.
Naquela época, Jericó era uma vila que hospedava os sacerdotes e levitas que voltavam para casa
após o turno semanal de serviço no Templo. O sacerdote, que deveria ser um exemplo de amor ao
próximo, passa ao largo do homem atacado. O mesmo faz o levita, que assim como o sacerdote detinha

112
uma posição respeitada, sendo muito bem considerado entre o povo.33 Em nenhum dos dois brotou o
menor sentimento de compaixão pelo semimorto, pois a intuição de ambos estava obliterada pelo
raciocínio calculista, fomentado pela sua religião rígida, que afirmava que o sangue derramado era um
“líquido impuro”. O único que se compadeceu daquele infeliz foi justamente o samaritano.
Samaritanos eram os habitantes da Samaria, nome derivado de seu antigo proprietário, Semer.
Na época de Cristo denominava-se Samaria a região situada entre a Galiléia ao norte e a Judéia ao sul.
Em 880 a.C., o rei Onri de Israel fundou uma cidade com esse mesmo nome, Samaria, atual Sabastya,
situada a 56 km de Jerusalém.
Os samaritanos eram desprezados pelos judeus porque professavam uma religião paralela – um
amálgama de crenças israelitas e pagãs – e não reconheciam o local legítimo de culto, o Templo de
Jerusalém, tendo construído seu próprio templo num monte chamado Garizim, por volta de 400 a.C., o
qual foi posteriormente destruído pelos judeus. Além disso, eles tinham o sangue “meio-gentio”,
devido a cruzamentos com os estrangeiros que chegaram à sua terra trazidos pelos antigos
conquistadores assírios, e por isso os judeus evitavam todo contato com eles: “os judeus não se
relacionam com os samaritanos” (Jo4:9). Os samaritanos eram considerados “o povo estúpido que
habita em Siquém, que nem sequer é uma nação” (Eclo50:25,26). A cidade de Siquém (atual Nablus)
era a capital do reino do norte, onde ficava a Samaria. Quando os fariseus quiseram ofender Jesus, o
xingaram de samaritano: “Não temos nós razão ao dizer que és um samaritano e que tens demônio?”
(Jo8:48). Para os judeus daquela época não existia injúria pior do que ser comparado a um samaritano,
e a própria idéia de um “bom samaritano” seria para eles algo inconcebível. Quando precisavam se
deslocar para o norte, preferiam fazer uma volta imensa a ter de passar pelos territórios dos
samaritanos.
Contudo, exterioridades e preconceitos inventados pelos homens não têm nenhum significado,
nenhum peso diante das leis da Criação. O que dá a medida do valor ou desvalor de uma criatura é tão-
somente o seu íntimo, sua vontade intuitiva ou espiritual, única e exclusivamente. Dessa contingência
o próprio Jesus já havia dado exemplos vários, como quando se dirigiu normalmente a uma samaritana
e lhe pediu um pouco de água (cf. Jo4:7), e também quando curou dez leprosos e notou que apenas um
deles, justamente um samaritano, voltou para agradecer-lhe (cf. Lc17:15-18).
Ao ver a situação em que se encontrava o homem que fora atacado, o samaritano sofreu junto
com ele, “como se tivesse sido ele mesmo, em pessoa, o maltratado” (Hb13:3). Vendo-o, compadeceu-
se dele, ou conforme diz literalmente o trecho no original grego: “comoveu-se até as entranhas”.
O samaritano compreendeu perfeitamente o sofrimento do seu próximo, tudo fazendo então para
minorá-lo. Não o acudiu para ter a consciência tranqüila ou para vir a ser bem falado entre as demais
pessoas de seu círculo, não, tampouco porque alimentava a esperança de que sua boa ação lhe fosse
creditada no céu. Nada disso. Ajudou desinteressadamente, apenas para que aquele homem não
continuasse a sofrer. Nem se preocupou se acaso ele também era samaritano ou não, se era um judeu
ou mesmo um romano. Cumpriu assim, da maneira mais natural a Lei do amor, o “amarás teu próximo
como a ti mesmo” (Mt22:39; Lc10:27), pois “quem ama o próximo cumpre plenamente a Lei”
(Rm13:8), visto que “o amor é o cumprimento perfeito da Lei” (Rm13:10). O conjunto dos
Mandamentos do Senhor Deus são automaticamente cumpridos por aquele ser humano que ama seu
semelhante como a si mesmo.
Num acontecimento terrenal, aparentemente secundário e desprovido de significado espiritual, o
samaritano mostrou toda a grandeza do seu coração, porque é nas coisas mínimas que se refletem as
máximas: “quem é fiel nas coisas mínimas, é fiel também no muito” (Lc16:10). Dessa maneira o
samaritano, justamente ele, tido como herege e fora da lei por seus conterrâneos, foi o único que pôs
em marcha a Lei da Reciprocidade no sentido desejado pelo Alto, ou seja, a seu favor.

33
Levitas eram os membros da “tribo de Levi”, descendentes de Levi, um dos doze filhos do patriarca Jacó (cf. Gn29:34).
Eram tradicionalmente encarregados do serviço no Templo, onde assistiam a classe sacerdotal dos saduceus no exercício de
suas funções. Eles tinham direito a receber um dízimo próprio e habitavam as cidades levíticas.
113
O Amigo Necessitado

“Quem dentre vós, se tiver um amigo e for procurá-lo no meio da noite dizendo: ‘Meu amigo,
empresta-me três pães, porque chegou de viagem um dos meus amigos e nada tenho para lhe
oferecer’, e ele responder de dentro: ‘Não me importunes; a porta já está fechada, e meu filho e
eu estamos na cama; não posso me levantar para dá-los a ti’; digo-vos, mesmo que não se levante
para dá-los por ser amigo, levantar-se-á ao menos por causa da sua insistência, e lhe dará tudo
aquilo de que precisa.”
(Lc11:5-8)
Nessa parábola, a insistência destacada equivale à perseverança. O ensinamento é de que o ser
humano tem de perseverar na busca do que almeja, mesmo se as condições terrenas lhe forem
momentaneamente desfavoráveis. Não deve desanimar se encontrar portas fechadas aqui e ali, quando
se deparar com negativas sucessivas daqueles que hoje dispõem do poder terrenal. Se sua
reivindicação for justa e sobretudo útil para o seu desenvolvimento, acabará obtendo o que deseja por
efeito da Lei do Movimento.
A Criação oferece aos seres humanos sempre uma mesa fartamente posta, da qual eles podem se
servir quando se movimentam de maneira certa dentro das leis que a sustém. Essa maneira certa não é
o exigir egoístico, mas sim o tomar agradecido, como hóspedes benquistos, fazendo uso das faculdades
do espírito. Quem persevera nessa maneira correta de agir sempre acabará obtendo tudo o que deseja,
porque os seus próprios anseios serão legítimos, provenientes do íntimo, e as leis auto-atuantes
cuidarão de atendê-los.
Essas dádivas assim conquistadas sempre trarão consigo possibilidades de gerar ainda novas e
benfazejas dádivas, porque não foram adquiridas para deleite egoístico, como requer o raciocínio, mas
sim para bênçãos de outros seres humanos, portanto com uma finalidade altruística, como é natural nos
anelos de um espírito não atrofiado.

O Rico Insensato

“O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo: Que farei?
Pois não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros,
reconstrui-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à
minha alma: Tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come e bebe, e regala-te.
Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma, e o que tens preparado para quem
será? Assim é quem entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.”
(Lc12:16-21)
Repete-se aqui a advertência sobre a insensatez dos que se esforçam em ajuntar tesouros na Terra
e que devido a isso menosprezam a vida espiritual, esquecendo-se de que “não só de pão vive o
homem” (Lc4:4). Aqui na Terra não somos mais do que uma “neblina que aparece por um instante e
logo se dissipa” (Tg4:14); nossos dias “são como a sombra que passa” (Sl144:4). A vida terrena é
muito curta, e os bens materiais são efêmeros, o berço e o ataúde de uma pessoa podem ser feitos da
madeira de uma mesma árvore.
Conforme já dito, a riqueza em si não é algo errado. Errado é o uso que dela faz seu possuidor,
quase sempre de modo egoístico, visando unicamente seus próprios interesses, “colocando sua
esperança na instabilidade da riqueza” (1Tm6:17), sem atentar “que a vida do homem não é assegurada
por seus bens” (Lc12:15) e que “quem confia nas suas riquezas cairá” (Pv11:28). Uma tal pessoa, na
verdade, não possui a riqueza que imagina ter, ao contrário, com seu devotamento ao dinheiro é
literalmente possuído por ela. E com isso também deixa em segundo plano, quando não descarta
totalmente, a imprescindível busca pelas riquezas espirituais, as únicas perenes, que poderia e deveria
obter em seus caminhos de desenvolvimento.

114
Mesmo o Antigo Testamento não condena a riqueza em si, tida como meio de realização para
todos. Um indivíduo rico, que sabe utilizar seus bens para o benefício de muitos, através da geração de
empregos e o desenvolvimento geral das condições de vida, é um elemento muito útil na Criação, pois
com sua atividade corretamente direcionada ele contribui para que a Lei do Movimento e a Lei do
Equilíbrio sejam vivificadas na vida terrena, o que também lhe trará ricas bênçãos no efeito retroativo:
“Dispõe do teu tesouro segundo os preceitos do Altíssimo, e será para ti mais proveitoso que o ouro”
(Eclo29:11). Mediante essas leis avigoradas aplicadas à matéria, tal pessoa permite àquelas que
trabalham para ela familiarizarem-se corretamente com a Lei da Reciprocidade, através do trabalho. Os
empregados dão à empresa seu trabalho, para que ela cresça e se desenvolva, e em troca recebem uma
retribuição em forma de dinheiro, um instrumento transitório que lhes possibilita obter o necessário
para suas vidas terrenas. O dinheiro nada mais é do que um meio para facilitar o dar e o receber na
matéria grosseira.
Assim, tão simples, deveriam ser as relações de trabalho entre as pessoas que vivem na Terra.
Cada qual dando sua contribuição de acordo com suas próprias capacitações, obtidas segundo o
caminho de desenvolvimento trilhado durante a existência. Todas elas, porém, tendo como objetivo
máximo de vida o aperfeiçoamento espiritual, através do pleno reconhecimento das leis da Criação e a
sábia sujeição voluntária a estas, para o que a vida terrena se constitui numa escola imprescindível.
Sim, porque o verdadeiro lucro advindo de um trabalho, assim como em tudo o mais, são as vivências
proporcionadas ao espírito humano durante sua realização, visto que unicamente estas o fazem
amadurecer e ascender. A remuneração pelo trabalho executado só é de utilidade aqui na Terra, mas as
vivências adquiridas por uma pessoa durante sua consecução seguem junto com ela para o Além, como
verdadeiro substrato de sua existência.
Além disso, a satisfação obtida pelo trabalho executado com presteza preenche o espírito
humano, fazendo com que ele se sinta, com todo o direito, uma peça útil e necessária na engrenagem
que movimenta a Criação. Pouco importa aí o ramo de atividade. O que realmente tem valor é a
maneira como o trabalho é executado. A atividade assim executada passa a ter vida, torna-se realmente
viva, espiritualizada, uma fonte de alegria constante para o executante e seu ambiente, pois “alegrar-se
no seu trabalho é dom de Deus” (Ecl5:18). Seu “permanente regozijo” (1Ts5:16) nisso é como um
hino contínuo de gratidão ao Criador, pois a gratidão acha-se estreitamente ligada à alegria. A criatura
grata sente uma alegria legítima e também uma paz legítima. Essa alegria e essa paz impelem-na a
executar seu trabalho com aplicação redobrada, como maneira de expressar, através da ação, seu
agradecimento ao Senhor.
Sobre isso, Paulo já exortara os Colossences: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de coração, como
para o Senhor e não para os homens” (Cl3:23). Cito aqui, mais uma vez, uma passagem da obra Na
Luz da Verdade de Abdruschin, dissertação “Natal”:

“Transformai tudo o que pensais e fazeis num servir a Deus! Então vos
sobrevirá aquela paz pela qual ansiais. E quando os seres humanos vos afligirem
pesadamente, seja por inveja, maldade ou baixos costumes, tereis a paz dentro de vós
para sempre, e ela ajudar-vos-á, finalmente, a vencer todas as dificuldades!”

Os bens terrenos, quando advêm automaticamente por efeito da reciprocidade, proporcionam


alegria e embelezam a vida terrena. Sua usufruição alegre equivale a um agradecimento ao Criador,
um reconhecimento das dádivas que Ele proporciona às Suas criaturas quando estas se enquadram
voluntariamente nas diretrizes de Sua Vontade perfeita. Contudo, nunca devem ser considerados como
a meta suprema a ser atingida aqui na Terra.
Mas, infelizmente, para a imensa maioria das pessoas a finalidade da vida consiste exatamente
nisso: angariar a maior quantidade possível de dinheiro e acumular o máximo de bens terrenos.
Empregam nisso todos os seus esforços durante sua vida inteira, literalmente “pondo o coração nas
riquezas que prosperam” (Sl62:11). Depois de anos, dizem então para si mesmas que “venceram na
vida”, versão moderna do “regala-te minha alma”. Não se incomodam de terem desperdiçado assim
seu preciosíssimo tempo terreno, o que, nesta época do Juízo Final, significa a possibilidade de poder
ou não continuar existindo espiritualmente. O tempo perdido não é mais recuperado.

115
Lucro e lucro… E lucro! Acima de tudo! Nunca, em tempo algum da História, o “primeiro e
maior dos Mandamentos” (Mt22:38) foi tão criminosamente desobedecido, tão acintosamente
menosprezado, tão desdenhosamente escarnecido por uma criatura como o foi pelo ser humano
contemporâneo: “Tu não tens olhos nem coração, senão para o teu lucro” (Jr22:17). O lucro como fim
em si mesmo não gera prosperidade, não traz movimentação benfazeja, ao contrário, provoca somente
estagnação ao gerar apenas mais lucro ainda, numa absurda espiral ilusória de riqueza, em tudo
semelhante a uma Torre de Babel financeira, cujo fim também não será menos catastrófico.
Um tal esforço convulsivo na obtenção do lucro pelo lucro é, no entanto, apenas uma decorrência
natural do domínio irrestrito do intelecto na vida humana, em detrimento do espírito. Como o
raciocínio é um produto do cérebro, que nada mais é do que um órgão do corpo material, ele só está
apto a tratar da matéria e das coisas a ela relacionadas, devido à sua própria constituição. Jamais
poderá servir como guia infalível para o ser humano, que é propriamente espírito, e que por isso
mesmo possui incumbências e objetivos muito mais elevados, não podendo desperdiçar sua vida
unicamente à cata de valores terrenos, invariavelmente perecíveis e efêmeros.
Essa inclinação por valores materiais nada mais é do que uma espécie de idolatria. A respeito dos
males gerados com o pendor pelo dinheiro, é bastante significativa essa passagem do livro apócrifo
Testamento dos Doze Patriarcas: “O amor ao dinheiro conduz à idolatria, porque quando desviados
pelo dinheiro os homens invocam como divindade o que não é divindade, e isso faz cair na demência
aquele que possui.” O apóstolo Paulo também já advertira os Colossences de que “a ânsia de posse é
uma espécie de idolatria” (Cl3:5). Essa idolatria não servirá a ninguém depois da morte. O ser humano
não poderá comprar sua salvação com dinheiro, antes a perderá, visto ter gasto seu tempo terreno
unicamente para acumular riquezas. Quando finalmente acordar, e reconhecer que “mais vale um
pobre que caminha na integridade do que um rico de conduta perversa” (Pv28:6), o arrependimento
mais plangente e a súplica mais lacrimosa já não lhe servirão de nada, pois terão vindo tarde demais…
De que vale uma pessoa despender seu valioso tempo terreno para fazer crescer o saldo bancário
e usufruir egoisticamente efêmeros bens terrenos, obtidos no mais das vezes pela astúcia do raciocínio,
se após a morte tiver de verificar, com o mais profundo horror e desespero, que jogou fora
levianamente o último prazo para sua salvação? “De que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro
e perder sua alma?” (Mc8:36). De que lhe terá servido então alguns poucos anos de enriquecimento
material forçado, em comparação com a vida eterna que lhe é denegada? De que lhe valerá naquela
hora os grandes celeiros que possuíra nesta vida? Ou, na única linguagem que entende bem: terá feito
um “bom negócio”?…

O Servo Vigilante

“Sede vós semelhantes a homens que esperam pelo seu senhor, ao voltar ele das festas de
casamento, para que quando vier e bater à porta, logo lha abram. Bem-aventurados aqueles
servos a quem o senhor, quando vier, os encontre vigilantes; em verdade vos afirmo que ele há de
cingir-se, dar-lhes lugar à mesa e, aproximando-se, os servirá. Quer ele venha na segunda vigília,
quer na terceira, bem-aventurados serão eles se assim os achar. Sabei, porém, isto: que se o pai
de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria arrombar a sua casa.
Ficai também vós apercebidos, porque à hora que não cuidais o Filho do Homem virá.”
(Lc12:36-40)
Jesus faz menção aqui à época da vinda do Filho do Homem, que traria o Julgamento para a
humanidade. Ele adverte aquelas pessoas de sua época para estarem vigilantes, a fim de que quando
“este vier e bater à porta, logo a abram”. É a mesma vigilância requerida das virgens que aguardavam
pela chegada do noivo.
Como Jesus fala àquelas pessoas para se prepararem para um acontecimento futuro, isso indica
que elas estariam presentes quando esse acontecimento se realizasse, ou seja, estariam novamente
encarnadas na Terra na época em que o Filho do Homem viesse. O ato de bater à porta significa que,
assim como aconteceu com a Palavra do Filho de Deus, a Palavra do Filho do Homem também bateria

116
à porta daquelas almas humanas, exigindo entrada. A respectiva pessoa deverá, portanto, abrir a porta
de sua alma para a entrada da Palavra de Deus, e deverá ter preparada dentro de si a mesa para isso.
Este acontecimento também aparece descrito no livro do Apocalipse:
“Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e
cearei com ele e ele comigo.”
(Ap3:20)
Em outras palavras: quem der guarida à Palavra do Filho do Homem, portanto quem assimilá-la
em seu íntimo e colocá-la em prática, estará participando da Ceia do Senhor. Na parábola, ele lhes dá
lugar à mesa e também lhes serve, pois quem cumpre sua Palavra é por ele “servido” através dos
efeitos das leis da Criação, conforme disposto pela Vontade de Deus, que é ele mesmo.
Jesus exorta os seres humanos a permanecerem vigilantes, porque não conhecem a época da
vinda do Filho do Homem. Se a conhecessem, certamente se preparariam um pouco antes, como o pai
de família que vigiaria a casa e colocaria grades na janela se soubesse a que horas viria o ladrão. Mas
sabemos pelas palavras de Jesus que a vinda do Filho do Homem é uma certeza.
Se as pessoas que ouviram as palavras de Jesus naquela época passassem a viver de acordo com
elas, então permaneceriam vigilantes num tempo futuro, e se tornariam aptas a reconhecer o Filho do
Homem quando este lhes batesse à porta por meio de sua Palavra. Na parábola das virgens, Jesus já
havia feito essa mesma exortação.
As palavras de Jesus, proferidas há dois mil anos, se cumpriram integralmente em nossa época.
Os que as assimilaram outrora, ao ouvi-las dele próprio ou de seus apóstolos, puderam conservar-se
vigilantes até a época atual, porque essas palavras foram cunhadas indelevelmente em suas almas.
Estes não encontraram nenhuma dificuldade em reconhecer agora o Filho do Homem e sua Palavra, e
abriram alegremente para ele o portal de suas almas. São estes os que “permaneceram firmes e
guardaram as tradições que lhes foram ensinadas, seja por Palavra seja por epístola” (2Ts2:15). São
estes também, portanto, as virgens prudentes a que Jesus se referiu.

A Figueira Estéril

“Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e vindo procurar fruto nela não achou.
Pelo que disse ao viticultor: Há três anos venho procurar fruto nesta figueira e não acho; pode
cortá-la; para que está ela ainda ocupando inutilmente a terra? Ele, porém, respondeu: Senhor,
deixa-a ainda este ano, até que eu escave ao redor dela e lhe ponha estrume. Se vier a dar fruto
bem está, se não, mandarás cortá-la.”
(Lc13:6-9)
Essa parábola fala das contingências que acarretaram a vinda de Jesus à Terra.
A figueira plantada na vinha indica a humanidade dentro da obra da Criação. Os seres humanos
não estavam dando os frutos deles esperados, como seres espirituais que são. Não estavam
colaborando com sua parte para o embelezamento e o desenvolvimento do imenso pomar de Deus. Ao
contrário, tinham se tornado nocivos dentro dele.
Essa situação insana teria de acarretar, como conseqüência inevitável das leis da Criação que, tal
qual uma figueira estéril, a humanidade inteira acabaria por ser extirpada automaticamente. Por que
deveria continuar dentro do pomar?…
A solicitação do servo ao dono da figueira para que este fizesse uma última tentativa indica um
ato especial de graça do Criador, não previsto inicialmente, com o objetivo de tentar salvar pelo menos
uma parte da humanidade do aniquilamento, do qual ela se aproximava rapidamente pela sua conduta
errada. Este ato de Amor do Criador consistiu em enviar Seu Filho, uma parte Dele mesmo, até o lugar
onde estava plantada a figueira, com a finalidade de adubá-la, para que pudesse dar os frutos
correspondentes dentro do prazo previsto.
As poucas pessoas que assimilaram em seu coração os ensinamentos de Jesus passaram
efetivamente a produzir os frutos que delas se esperavam, enquanto que as demais continuaram apenas
117
dependuradas na gigantesca figueira estéril da humanidade, que agora, no término do prazo concedido,
será efetivamente cortada.

A Porta Estreita

“Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, pois eu vos digo que muitos procurarão entrar e não
poderão. Quando o dono da casa se tiver levantado e fechado a porta, e vós do lado de fora
começardes a bater, dizendo: Senhor, abre-nos a porta, ele vos responderá: Não sei de onde sois.
Então direis: Comíamos e bebíamos na tua presença, e ensinavas em nossas ruas. Mas ele vos
dirá: Não sei de onde sois, apartai-vos de mim vós todos que praticais iniqüidades. Ali haverá
choro e ranger de dentes, quando virdes no Reino de Deus Abraão, Isaque, Jacó e todos os
profetas, mas vós lançados fora. Muitos virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e
tomarão lugares à mesa do Reino de Deus. Contudo, há últimos que virão a ser primeiros e
primeiros que serão últimos.”
(Lc13:24-30)
Essa parábola complementa a indicação anterior de Jesus sobre as diferenças existentes entre o
caminho que conduz à vida eterna e o que leva à perdição:
“Entrai pela porta estreita; larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e são
muitos os que entram por ela; porque estreita é a porta e apertado o caminho que conduz para a
vida, e são poucos os que acertam com ela.”
(Mt7:13,14)
Observe-se que são muitos os que entram pela porta larga… Se são muitos, isso indica a maior
parte dos seres humanos. Dessa imensa maioria fazem parte principalmente todos os fiéis das múltiplas
religiões, cuja fé se resume no apego a uma crença cega e à submissão a dogmas rígidos. Todos eles
juntos são esses muitos! Aproximadamente um terço da população mundial – cerca de dois bilhões de
pessoas – é cristã. O leitor supõe que toda essa massa gigantesca está entrando pela porta estreita e
seguindo pelo apertado caminho para cima?...
Na parábola, Jesus também diz que haverá muitos que procurarão entrar pela porta estreita mas
não poderão. Só aquele que vive de acordo com a Verdade, que efetivamente cumpre sua Palavra,
estará apto a transpor a porta estreita e seguir pelo caminho ascendente, apertado, que conduz à vida
eterna. Os outros não, mesmo que estejam convencidos do contrário.
Os que estão do lado de fora da porta estreita fechada não se conformam com sua situação, a seu
ver injusta. O argumento que eles apresentam, de que comiam e bebiam na presença do Senhor, ou de
que este ensinava nas ruas deles, mostra que se julgam aptos a passar pela porta porque sempre
cumpriram os preceitos de suas crenças religiosas, e que, portanto, segundo sua concepção, estavam ao
mesmo tempo cumprindo a Vontade de Deus. Contudo, do outro lado o Senhor lhes responde
secamente: “Não sei de onde sois!”
Mais uma vez fica claro que não são as exterioridades humanas que contam, mas tão-somente o
íntimo de cada um. Em que medida a pessoa realmente põe em prática, em toda a sua vida, os
ensinamentos contidos nas Mensagens provenientes do Alto, e não apenas dentro dos recintos de seus
templos. Os preceitos de Deus não foram dados aos seres humanos para serem cumpridos apenas no
domingo, no sábado ou na sexta-feira, mas sim durante todos os dias de sua vida: “Amarás o Senhor
teu Deus e guardarás Suas observâncias, Suas leis, Seus costumes e Seus Mandamentos, todos os dias”
(Dt11:1). Só quem observa os Mandamentos de Deus durante todos os momentos da sua vida pode
dizer que O ama de fato, “pois amar a Deus consiste nisto: que observemos os Seus Mandamentos”
(1Jo5:3), os quais, na reciprocidade, nos guardarão: “Se quiseres observar os Mandamentos, eles te
guardarão” (Eclo15:16). João repete a exortação do Deuteronômio em sua segunda epístola, e ainda
reitera que “viver conforme Seus Mandamentos é o mandamento que ouvistes desde o princípio, para
que o pratiqueis” (2Jo6).

118
Quem pratica os Mandamentos com todo o seu ser angaria de modo natural a coroa da vida
eterna, o resto é ilusão. De que adianta a uma pessoa seguir rigorosamente os rígidos preceitos de sua
religião se seu coração está cheio de iniqüidade? De que valem as belas aparências se o que move suas
intuições e pensamentos são o ódio, a inveja e a cobiça? Pensa ela que pode cometer todas essas
abominações e depois entrar calmamente na Casa do Senhor, para exclamar em conjunto com os de
sua igual espécie: “Estamos salvos!” (Jr7:10)? Imagina ela que poderá, com um sentimento de bem-
aventurança, clamar em coro com seus pares: “O Senhor está no meio de nós, nada de mau nos poderá
acontecer!” (Mq3:11)? Será, pois, apartada e lançada ao abismo onde só existem choro e ranger de
dentes, a condenação eterna.
Condenação eterna!... O destino final dos que se perderam na vida, dos que perderam a vida.
Esses condenados constituem uma espécie de criaturas que durante milênios e milênios atuaram
sistematicamente contra as determinações de seu Criador, a despeito de todas as advertências que
receberam e dos próprios efeitos retroativos que continuamente as atingiram. Em virtude dessa
hostilidade permanente a Deus, elas chegaram a um ponto em que se desligaram totalmente do reino
do espírito. As fracas ligações que ainda possuíam com o plano espiritual da Criação acabaram se
dissolvendo, todas. Para elas nunca mais será possível um retorno ao Paraíso, visto terem-se apartado
totalmente de lá. São elas “mortos no Hades, cujo espírito foi retirado de suas entranhas” (Br2:17), e
“cuja memória caiu no esquecimento” (Ecl19:5).
Sobre esses mortos espirituais, Jesus já instruíra a deixar que se aniquilassem mutuamente em
sua má vontade:
“Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos.”
(Mt8:22)
Não são preceitos religiosos que podem livrar o ser humano de um destino assim tão pavoroso,
mas unicamente a mudança de sintonia interior, o redirecionamento espiritual, enquanto isso ainda for
possível.
Que somente aquilo que vive no íntimo do ser humano tem real valor, e não a religião moldada
por outros membros da mesma espécie humana, fica ainda ratificado no trecho seguinte dessa
parábola, onde é dito que “muitos do Oriente e do Ocidente tomarão lugar à mesa do Reino de Deus.”
Não importa, portanto, o lugar em que a pessoa vive nem a religião que professa; entrará no reino dos
céus quem cumprir o que dela é exigido pelo Criador. Posteriormente, o apóstolo Pedro ainda reiterou
essa contingência, ao afirmar que “Deus não faz acepção de pessoas, pelo contrário, em qualquer
nação aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At10:34,35).
Essa declaração de Pedro, aliás, também mostra que ele próprio não se considerava, de maneira
alguma, alguém especialmente distinguido entre os demais apóstolos. Jamais lhe passou pela cabeça
que poderia ser um “papa” primordial. Inclusive, quando o centurião Cornélio quis prostrar-se aos seus
pés, ele imediatamente o ergueu e disse: “Levanta-te, eu também sou apenas um homem” (At10:26).
Lutero, por sua vez, quando começou a se inteirar melhor dos decretos pontifícios, só ficou em
dúvida se o papa era o próprio Anticristo ou apenas seu apóstolo. Dúvida que lhe deve ter sido sanada
quando o cardeal Cajetano, cognominado “lâmpada da Igreja” por Clemente VII, fez o obséquio de lhe
esclarecer que o papa estava acima das Escrituras. Lutero, que não era diplomata, denominou os papas
e cardeais de “ralé da Sodoma romana”. Lutero falava de papas sem papas na língua, para quem
quisesse ouvir, com uma coragem assombrosa num tempo em que a Igreja fazia e acontecia no mundo
todo.
É importante esclarecer aqui que as palavras de Jesus dirigidas a Pedro referentes a “rochedo” e
“chaves do Reino” (cf. Mt16:18,19) não têm, absolutamente, o significado que a Igreja Católica lhes
emprestou, querendo ver nisso a fundação de uma comunidade religiosa por parte de Jesus e a
instituição do papado. 34 Pedro teria ficado estarrecido se soubesse que no futuro seria tido como
primeiro guardião do “ministério das chaves”, incumbido disso pelo próprio Cristo, que seria

34
Para esclarecimento do real significado dessas palavras de Jesus dirigidas a Pedro, ver a dissertação “Cristo Falou…!”,
no terceiro volume da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin.
119
considerado o primeiro papa de uma Igreja poderosa e que um dia seus alegados sucessores seriam até
infalíveis. Pedro teria ficado mesmo petrificado com essas idéias…
Jesus não disse nada parecido com “Sobre ti, Pedro,…”. Ele, pois, não aludia de maneira alguma
à pessoa de Pedro, como se este fosse uma pedra fundamental, mas sim à sua convicção pétrea, da
qual dera mostras ao expressar seu reconhecimento perante o Filho de Deus: “Tu és o Cristo, o Filho
do Deus vivo!” (Mt16:16). Esta convicção, que Pedro expressou textualmente por primeiro, era
“petra”, um rochedo inabalável, e não a pessoa de Pedro, o “Petros” (Kephas em aramaico). Jesus não
se enganou na qualificação que deu à confissão de Pedro, pois em sua época havia até uma cidade ao
sul do Mar Morto chamada “Petra”, nome devido justamente do fato de ter sido edificada num vale
formado por penhascos de arenito avermelhado.
Com seus rompantes recorrentes, Pedro teria sido uma pedra muito instável para se poder
edificar qualquer coisa sobre si. Seu temperamento estava mais para um sismo ambulante do que para
uma rocha serenamente imperturbável. Os Evangelhos registram dele mais declarações impetuosas e
atos intempestivos do que de qualquer outro apóstolo, culminando com a atitude atabalhoada de se
vestir para lançar-se ao mar quando viu Jesus ao longe, na praia (cf. Jo21:7). Como era o mais falante e
impetuoso do grupo, Pedro sempre foi também o mais repreendido, advertido e censurado.
Segundo o teólogo católico Giuseppe Barbaglio, a concepção de uma prioridade petrina junto
aos demais apóstolos não passa de uma criação teológica da Igreja primitiva, interessada na posição de
Pedro no seio da comunidade cristã. O teólogo tem razão, claro, porém mesmo nos primórdios da
Igreja essa posição nunca foi a predominante. Mais de três quartos dos primeiros Padres da Igreja que
comentaram esse trecho de Mateus rejeitaram, já naquela época antiga, a futura falácia vaticana do
estabelecimento de uma linhagem papal através de Pedro. Um desses escritores mais famosos, o
teólogo grego Orígenes, do século III, afirmou com propriedade: “Se nós dissermos também: ‘Tu és o
Cristo, Filho de Deus Vivo’, então tornamo-nos também Pedro, porque quem quer que seja que se una
a Cristo torna-se pedra.” Jesus Cristo era a Palavra de Deus encarnada, a verdadeira rocha espiritual
para apoio da humanidade: “essa rocha era o Cristo” (1Co10:4).
Bem fez o apóstolo Paulo, ao deixar claro que sua investidura não viera “da parte de homens,
nem por intermédio de homem algum” (Gl1:1). Aliás, é sintomático que nas saudações que Paulo
envia a 26 pessoas na sua Epístola aos Romanos (cf. Rm16:3-16), não apareça nenhuma menção ao
“papa Pedro”, que naquela altura já deveria estar em pleno exercício de seu pontificado inaugural em
Roma… Uma falta de consideração inexplicável.
Sobre a concepção da fundação de uma Igreja por Cristo, cabe notar que dos quatro Evangelhos
canônicos, a palavra traduzida como Igreja – ekklêsia em grego – só aparece em duas passagens do
Evangelho de Mateus (cf. Mt16:18;18:17), que é o evangelista que mais procura interpretar, a seu
modo, as palavras de Jesus, de modo a adequá-las às 29 citações que faz, de maneira bem livre, do
Antigo Testamento, de onde retirou também outras 79 alusões indiretas. Conforme atesta corretamente
a Tradução Ecumênica da Bíblia, “Mateus pouco se importa em reproduzir ao pé da letra a linguagem
do tempo de Jesus.” De fato, Mateus se preocupa o tempo todo em mostrar várias passagens da vida de
Jesus como previstas em todas as nuances no Antigo Testamento, mesmo tendo de dar um “jeitinho”
para as coisas se encaixarem. Exemplo disso é a conhecida passagem do livro do profeta Zacarias
sobre a entrada de Jesus em Jerusalém, montado num jumento: “Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e
vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho da jumenta” (Zc9:9).
Marcos, Lucas e João entendem corretamente que há apenas um animal na cena, e nos seus
Evangelhos Jesus aparece solicitando apenas um jumentinho aos discípulos (cf. Mc11:2; Lc19:30;
Jo12:14). Mateus, porém, faz questão do cumprimento integral da profecia, a qual ele cita na seqüência
(cf Mt21:5), antecedida do seu bordão recorrente: “para que se cumprisse”, e põe na boca de Jesus a
solicitação de uma jumenta e de um jumentinho (cf. Mt21:2).
Outro exemplo é a matança de meninos de até dois anos, que teria sido ordenada por Herodes
“em Belém e todo seu território” (Mt2:16). Mateus faz uso aqui de tradições rabínicas sobre a vida de
Moisés, segundo as quais tão logo o nascimento da criança foi anunciado por meio de visões e
anúncios dos magos, o faraó teria mandado chacinar crianças recém-nascidas do sexo masculino.35
35
O faraó de fato tencionava matar os hebreus recém-nascidos do sexo masculino, mas não para se ver livre de uma criança
chamada Moisés, e sim porque achava que o povo escravizado estava se tornando muito numeroso, o que poderia ser
120
Também se observa um paralelo com o livro do Êxodo, quando o rei do Egito manda as parteiras
assistentes do povo hebreu assassinar todo recém-nascido menino e poupar a vida das meninas. Vimos
no início deste volume que Jesus nasceu em 12 a.C. Nessa época, Herodes não estava preocupado com
o nascimento de nenhum Messias, mas sim com dois de seus filhos que, segundo imaginava, tramavam
a sua morte. Nesse ano ele foi com os filhos até Roma para que o imperador Augusto decidisse a
questão, o qual não viu indícios de nenhuma rebelião e reconciliou pai e filhos. Ainda nesse ano de 12
a.C., Herodes presidiu a edição dos Jogos Olímpicos e até deu dinheiro do próprio bolso para garantir
o sucesso do empreendimento. De preocupações com o Messias nascido, nem sinal.
Voltando ao termo ekklêsia, observa-se seu uso já desde o século V a.C., sempre apenas com o
sentido de “assembléia”, tal como aparece por exemplo nos escritos de gregos famosos, como
Heródoto, Platão, Eurípedes e Xenofontes. A palavra era usada na Grécia para indicar a reunião dos
cidadãos livres, particularmente em Atenas. O sentido é, portanto, o de uma assembléia, e não o de
uma Igreja fundada como instituição religiosa. É nesse sentido de “assembléia” que o termo aparece
nos textos do Antigo Testamento (qahal em hebraico). Também é com esse significado que o
evangelista Lucas designa, em Atos dos Apóstolos, a reunião dos cidadãos no teatro de Éfeso
(cf. At19:32) e a “assembléia regular” que delibera sobre questões públicas (cf. At19:39). Em sua
epístola, Tiago usa esse mesmo termo com o sentido de “sinagoga”, para designar a reunião da
comunidade a que se dirige (cf. Tg2:2).
Jesus, portanto, não fundou nenhuma Igreja. De vez em quando, é verdade, ainda aparece pelos
tempos algum clérigo corajoso para dizer isso com todas as letras, como fez o Padre da Igreja, Basílio
de Cesaréia, no longínquo século IV. Em seu tratado Sobre o Espírito, São Basílio deixou registrado o
seguinte: “Quem ensinou por escrito a fazer o sinal da cruz àqueles que acreditavam em nosso Senhor
Jesus Cristo? Qual dos santos nos deixou por escrito as palavras da invocação ao erguer o pão da
eucaristia e o cálice da bênção? Abençoamos a água do batismo e o óleo da crisma… Com base em
que autoridade escrita fazemos isso? Por meio de qual palavra escrita a própria unção com óleo foi
ensinada?” Mais recentemente, em 1903, o destemido abade Allain deu o seguinte depoimento no
jornal católico L’Univers, vendido nas portas das igrejas francesas aos domingos: “Quando se nos
descreve a Igreja unicamente segundo o Evangelho, não nos é dada toda a verdade; não merece crédito
nem confiança. Onde estão, no Evangelho, as instruções que Nosso Senhor, que fundava uma nova
religião, seguramente teve que dar, vez ou outra, a seus apóstolos sobre os sacramentos, a liturgia, o
culto aos santos e à sua Santíssima Mãe?” Não se sabe que fim teve o bom abade Allain, mas não deve
ter sido muito tranqüilo. Talvez ele não soubesse, mas seu inconformismo intuitivo é respaldado por
uma sentença atribuída a Jesus no apócrifo Evangelho de Maria Madalena: “Eu não deixei nenhuma
ordem senão o que eu lhe ordenei.”
Também a declaração de Jesus aos seus discípulos: “A quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão
perdoados” (Jo20:23), não se referia, absolutamente, a um direito de perdão geral e arbitrário a ser
concedido por futuros prelados. Com isso ele apenas queria salientar que uma pessoa pode perdoar a
uma outra aquilo que de mal lhe tenha sido feito por ela pessoalmente. Só isso. Nada diferente! Nada a
ver com a concepção eclesiástica de que “o poder de perdoar pecados é confiado aos membros do
colégio apostólico”, como imaginam e propalam as tradições católica e ortodoxa.
Retornando finalmente à parábola, a passagem sobre “tomar lugar à mesa do reino” tem íntima
relação com aquele trecho da parábola das bodas, onde se diz que “a sala do banquete ficou repleta de
convidados” depois de o convite ter sido recusado pelos primeiros que o receberam, isto é, aqueles que
tiveram a graça de ouvir a Palavra do Senhor. Daí então a indicação final de que “há últimos que virão
a ser primeiros e primeiros que serão últimos.” Uma profecia que começou a se cumprir já no tempo
dos apóstolos, conforme se constata nessa reposta de Paulo e Barnabé aos judeus que, tomados de
inveja, blasfemavam e contradiziam o que Paulo dizia: “Cumpria que a vós outros em primeiro lugar
fosse pregada a Palavra de Deus, mas posto que a rejeitais e a vós mesmos vos julgais indignos da vida
eterna, eis aí que nos volvemos para os gentios” (At13:46). Observamos nessa frase, mais uma vez, a
ironia ferina do apóstolo.

perigoso para o país. Ao leitor que desejar conhecer detalhes dessa história indicam-se as obras Aspectos do Antigo Egito
ou Moisés, ambas publicadas pela Editora Ordem do Graal na Terra.
121
No outro lado da vida, no assim chamado Além, simplesmente não há mais nenhuma distinção
nem separação de credos de qualquer espécie, nenhuma diferenciação engendrada pelo raciocínio
terreno. Lá não há mais ideologias nem filosofias, não há mais hinos nem bandeiras, não há mais
dinheiro nem honrarias, não há mais diplomas nem históricos escolares. Lá não há crentes nem pagãos.
Não há mais cristãos, judeus, muçulmanos, espíritas, hinduístas, budistas ou xintoístas, mas tão-
somente almas humanas, simples almas humanas que têm de prestar contas de como utilizaram o
tempo a elas outorgado aqui na Terra.
Todas essas almas estarão lá alegoricamente diante de um tribunal, para prestar contas de seus
atos: “todos compareceremos perante o tribunal de Deus” (Rm14:10), “a fim de que cada um receba
conforme aquilo que fez de bem ou de mal, enquanto estava no corpo” (2Co5:10), pois “cada um de
nós dará contas de si mesmo a Deus” (Rm14:12). Nesse tribunal da Justiça divina não existem
manobras protelatórias nem agravos judiciais, nenhuma apelação nem habeas corpus. Lá é irrelevante
se o ser humano na Terra se consagrava a um culto na sexta-feira, no sábado ou no domingo,
importando apenas o quanto ele procurava consagrar sua própria vida na direção certa, em todos os
momentos e situações. Lá não vale mais nenhuma forma exterior de crença cega, mecanicamente
aprendida, mas apenas a verdadeira crença interior, pessoal, e na medida exata em que esta era
realmente viva no espírito, o quão pura ela se achava no íntimo do ser humano. É o conteúdo, e não a
forma, que conta.
Se uma pessoa, de qualquer etnia ou religião, deixa tornar vivos dentro de si os legítimos
ensinamentos de uma Mensagem proveniente do Alto, de tal forma que se lhe torne uma naturalidade
no pensar e no atuar, então ela também vivifica o espírito de Cristo dentro de si. A paz de alma que
alguns cristãos bons dizem experimentar é legítima porque são bons, não porque são cristãos. Um
muçulmano bom, um espírita bom e um budista bom sentirão também a mesma paz. Todos eles terão
cumprido, de maneira natural, a simples exortação: “Evita o mal e faze o bem, busca a paz sem
desistir” (Sl34:15).
Tão-somente quem se esforça pela Verdade, independentemente de sua religião, tem realmente
acesso ao espírito de Cristo, o Amor do Pai, e tão-somente este pode vivificar o espírito de Cristo
dentro de si, condição indispensável para poder reconhecer Seu poderoso Pai. Por isso, ele disse:
“Ninguém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo14:6). Todos os demais não lhe pertencem: “Se alguém
não tem o espírito de Cristo, não lhe pertence” (Rm8:9). Cito aqui um trecho da dissertação “O
Salvador”, no segundo volume da obra Na Luz da Verdade de Abdruschin:

“Quem se esforça seriamente pela Verdade, pela Pureza, a esse também não
falta o Amor. Será conduzido para cima espiritualmente, de degrau em degrau, mesmo
que às vezes através de duras lutas e dúvidas e, seja qual for a religião a que pertença,
já aqui ou também só no mundo da matéria fina, encontrará o espírito de Cristo, o qual
o levará por fim até o reconhecimento de Deus-Pai, com o que se cumpre a sentença:
‘Ninguém chegará ao Pai, a não ser através de mim’.”

Os Convidados

“Quando por alguém fores convidado para um casamento, não procures o primeiro lugar, para
não suceder que havendo um convidado mais digno que tu, vindo aquele que te convidou e
também a ele, te diga: Dá o lugar a este. Então irás, envergonhado, ocupar o último lugar. Pelo
contrário, quando fores convidado vai tomar o último lugar, para que quando vier o que o
convidou, te diga: Amigo, senta-te mais para cima. Ser-te-á isto uma honra diante de todos os
demais convivas. Pois todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado.”
(Lc14:8-11)
O ensinamento central dessa parábola é, evidentemente, o da humildade. Jesus já havia dado
indicações claras a esse respeito pouco antes, quando os discípulos tinham começado uma discussão
sobre qual deles seria o maior. Ele havia tomado um menino, pusera-o no meio deles e dissera:

122
“Aquele que entre vós for o menor de todos, este é que é grande” (Lc9:48). E depois lhe propôs essa
parábola, dando um colorido todo especial ao mesmo quadro já apresentado no livro de Provérbios:
“Não te mostres enfatuado diante do rei nem te ponhas no lugar dos grandes. É melhor que te digam:
‘Sobe para aqui!’, do que seres humilhado diante do príncipe” (Pv25:6,7).
Humildade não é uma característica que possa ser obtida à força. Ao contrário, ela advém
naturalmente, quando uma pessoa passa a compreender o verdadeiro papel que desempenha na Criação
em que vive. Quanto mais ciente ela ficar da atuação das leis naturais, tanto mais nítido lhe parecerá o
funcionamento do gigantesco mecanismo da engrenagem universal e, também, sua real função dentro
dela. Verá então que não é mais do que uma pequena peça, como tantas outras, a qual traz consigo a
incumbência de se manter bem ajustada e lubrificada, funcionando com perfeição. A partir daí, nunca
mais “pensará de si mesma além do que convém” (Rm12:3), para não iludir a si própria, “porque se
alguém julga ser alguma coisa não sendo nada, a si mesmo se engana” (Gl6:3).
Alguém que tenha adquirido esse reconhecimento jamais procurará se exaltar. Não apenas não
sente nenhuma necessidade disso, como uma tal atitude lhe parecerá por demais ridícula, a qual só
pode mesmo florescer no terreno da ignorância, do mais absoluto desconhecimento do verdadeiro
papel que um ser humano representa na incomensurável obra da Criação. Munido de verdadeira
humildade, aquela humildade que brota do coração e não para consumo externo, é possível ao ser
humano conseguir muita coisa de valor, em vários aspectos da vida. Sem humildade não se consegue
nada. Nada mesmo.
A vinda de Jesus à Terra não é a prova, como tantos supõem, de que a humanidade é tão
importante para Deus que Ele prontamente enviou Seu próprio Filho para o meio dela, a fim de
resgatá-la do pecado e conservá-la junto de Si. Não. A vinda de Jesus à Terra é a prova, sim, da
imensidão do Amor do Todo-Poderoso, o qual está muito acima da capacidade de compreensão de
uma criatura humana. Só mesmo um Amor tão imenso como esse poderia enviar uma parte de Si
mesmo para auxiliar seres que estavam em via de se perder, criaturas que se mostraram incapazes de
cumprir sua incumbência, ainda que mínima, no gigantesco conjunto da obra.
A grande maioria dos fiéis atuais é tão presunçosa como os fariseus de outrora, que gostavam
“da primeira cadeira nas sinagogas e das saudações nas praças” (Lc11:43). Também eles correm hoje a
assentar-se nos primeiros lugares da festa, por acreditarem ser muito mais do que são. Por isso, estão
sendo forçados agora a se acomodar nos últimos lugares, e a maior parte deles será até mesmo posta
para fora, por terem-se mostrados indignos do convite. “Aquele que se exaltar será humilhado...”
(Mt23:12), disse o Mestre. Só uma parte mínima dos convidados tornar-se-ão os “bem-aventurados
que foram chamados à ceia das bodas do Cordeiro” (Ap19:9).

O Filho Pródigo

“Certo homem tinha dois filhos; o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte que me cabe
dos bens. E ele lhes repartiu os haveres. Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando
tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo
dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e ele
começou a passar necessidade. Então ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este
o mandou para os seus campos a guardar porcos. Ali desejava ele fartar-se das alfarrobas que os
porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada. Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores
de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui morro de fome! Levantar-me-ei e irei ter com meu pai e
lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti, já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-
me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe
quando seu pai o avistou e, compadecido dele, correndo, o abraçou e beijou. E o filho lhe disse:
Pai, pequei contra o céu e diante de ti, já não sou digno de ser chamado teu filho. O pai, porém,
disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e
sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque
este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado. E começaram a regozijar-se.”
(Lc15:11-24)

123
Essa parábola sintetiza toda a saga humana. Mostra o início do desenvolvimento do ser humano,
inicialmente sem mácula, depois quando peca e, por fim, a possibilidade de sua redenção.
O filho mais moço requisita os bens que lhe cabem e parte para longe. Essa imagem mostra a
saída do germe espiritual humano do Paraíso, que traz consigo todas as dádivas para vicejar na
materialidade – “uma terra distante”, com a finalidade de obter a autoconsciência através de vivências
e retornar ao Paraíso, como espírito plenamente amadurecido.
No Paraíso há seres espirituais criados, que sempre puderam permanecer lá, sem precisar antes
descer até os mundos da materialidade a fim de amadurecer e se desenvolver. Estes seres criados são
simbolizados pelo outro filho, o mais velho, que sempre viveu na Casa do Pai.
O filho mais moço representa os germes espirituais humanos, que tal como as sementes precisam
crescer e se desenvolver mediante estímulos exteriores, só encontrados no grande campo de cultivo da
matéria. As vivências na Terra atuam sobre esses germes como o Sol e a chuva atuam sobre as
sementes das plantas. Assim como uma pequena semente traz em si a capacidade de se transformar
numa árvore frondosa, mediante as influências climáticas que atuam continuamente sobre ela, também
o germe espiritual humano, mediante as vivências angariadas em múltiplas vidas terrenas, tem ensejo
de se transformar num ser espiritual completo, autoconsciente, pronto a dar frutos em abundância lá na
pátria espiritual de onde saíra, o Paraíso. Para tanto, ele precisa aproveitar as muitas vivências no
sentido do seu próprio aperfeiçoamento, corajosamente, tal como um tijolo de barro que se fortalece
cada vez mais sob os raios solares, e não como um pedaço de cera qualquer, que se derrete
desconsolado sob o mesmo sol da reciprocidade.
A perspectiva de que o processo ocorra dessa maneira normal é dada pelas faculdades inerentes
ao germe espiritual – “os bens que lhe cabem” mencionados na parábola. Contudo, o relato mostra que
o germe espiritual plantado aqui na matéria não aproveitou essas suas capacidades inerentes, não se
desenvolveu espiritualmente. Pelo contrário, ele “dissipou todos os seus bens”, preferindo “viver
dissolutamente”, isto é, não desenvolveu as faculdades espirituais que trazia consigo, antes deu valor
apenas às coisas materiais, perecíveis.
Por causa dessa negligência, desse pecado, ele teve de experimentar grandes penúrias, efeitos
retroativos do seu mau proceder e de outros como ele – “a grande fome” que se abateu no país. Ele
então passou a “guardar os porcos”, uma atividade ínfima comparada à missão destinada ao espírito
humano na Criação. Nesse ponto, o filho nada mais desejava senão se saciar com as “alfarrobas
(vagens da alfarrobeira) que os porcos comiam”.
Todavia, todo esse sofrimento acabou despertando nele a saudade da Casa do Pai, onde mesmo
os trabalhadores “têm pão com fartura”. No reino espiritual só existe alegria, permanentemente
usufruída pelos servidores que lá se encontram, num permanente dar e receber. Todos desfrutam de
abundância, pois a miséria é decorrência unicamente do pecado, e este não pode medrar lá. Só em
regiões muito afastadas do reino espiritual, como é o caso do plano material da Criação, é possível a
ocorrência de uma falha consciente de uma criatura, o pecado, que traz como conseqüência inevitável a
dor e o sofrimento.
Os instrumentos que provocam esse sofrimento podem apresentar-se de múltiplas formas, mas a
culpa real é sempre do próprio atingido por ele. Vamos intercalar aqui o relato do reconhecimento do
pecado, como única fonte de sofrimento humano, feito pelos irmãos condenados pelo rei Antíoco IV
Epífanes, no momento em que estavam sendo torturados por ele. Disseram-lhe os irmãos: “Não te
entregues a vãs ilusões, porque é por causa de nós mesmos que suportamos estes padecimentos, tendo
pecado contra o nosso Deus. Sobrevieram-nos por isso estranhas calamidades. Nós, se sofremos, é por
causa de nossos próprios pecados” (2Mc7:18,32).
Estranhas calamidades... advindas do pecado. Como dor, miséria, fome, doenças...
O filho mais moço então “caiu em si”, ou como diz muito apropriadamente o original grego da
parábola: “entrou em si mesmo”. Reconhecendo seu erro – “pequei conta o céu e diante de ti”, ele
pede perdão ao pai e se diz indigno de ainda ser considerado seu filho. Todavia, nesse reconhecimento
está implícita a firme resolução de não mais atuar daquela maneira errada, de esforçar-se em agir
direito dali por diante, segundo a vontade do pai. Por isso, o pai lhe perdoa e o cobre de graças, pois
seu filho “estava morto e reviveu”, “estava perdido e foi achado”. Em outras palavras, o filho estava
prestes a sofrer a morte espiritual, mas ressuscitou a tempo para a vida eterna. Sua roupa nova, o anel e

124
as sandálias, indicam que a sua alma (a veste do espírito) já terá sido completamente purificada quando
estiver prestes a entrar no reino espiritual. Com isso o filho comprovou, por experiência própria, que
“só se entra no Reino de Deus superando muitas tribulações” (At14:22).
O pertinaz e perspicaz Pelágio, nosso nobre amigo do século V, observou muito bem que se o
filho pródigo pôde se arrepender e voltar sozinho para o pai, sem auxílio de nenhum mediador, então
isso significa que nós também não precisamos de nenhum mediador para nossa redenção, leia-se
“igrejas”. Mais um ponto para o audaz Pelágio, assaz sagaz e por vezes mordaz, mas sempre veraz!
A segunda parte da parábola, não reproduzida acima, mostra um presumido descontentamento do
filho mais velho pela recepção que o mais moço teve por parte do pai (cf. Lc15:25-32). Como é
impossível qualquer tipo de descontentamento no Paraíso, onde reina apenas a alegria mais pura, esse
relato serve apenas para mostrar que, após seu retorno, o filho mais moço será tão valioso quanto o
mais velho, não havendo mais nenhuma distinção de vulto entre os dois. Após o desenvolvimento
necessário dos dons de cada filho, um no reino do espírito e outro no da matéria, ambos terão as
mesmas capacitações e mesmo valor, fato indicado já no início da parábola, quando o pai repartiu seus
haveres igualmente entre os dois.
O ser humano que está a ponto de se perder na matéria, devido aos erros nele aderidos, mas que
num determinado momento redireciona sua sintonização interior para um alvo elevado, equivale ao
filho que toma a resolução de voltar para a Casa do Pai. Vê-se assim que o sofrimento também pode
ser uma bênção, se consegue levar a pessoa atingida por ele a modificar seu modo errado de vida de
até então. De fato, muitas vezes só nas agruras, decorrentes da reciprocidade, é que o ser humano
redireciona seu íntimo no sentido certo.
E depois de ele mesmo ter ascendido até a Casa do Pai, sua chegada será então motivo de grande
regozijo entre os habitantes do reino dos céus, o Paraíso. É uma alegria que se renova a cada filho
pródigo que encontra o caminho de volta para casa.

A Torre e o Rei

“Quem dente vós, querendo construir uma torre, não se senta primeiro para calcular a despesa e
ver se tem com que a concluir? Não suceda que, depois de assentar os alicerces, não a podendo
acabar, todos os que virem comecem a troçar dele, dizendo: ‘Eis um homem que começou a
construir e não pôde terminar!’ Ou qual é o rei que parte para a guerra contra outro rei e não se
senta primeiro para examinar se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que vem
contra ele com vinte mil? Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a
pedir a paz.”
(Lc14:28-32)
Nessas duas estórias superpostas, os protagonistas procuram agir com grande senso de
responsabilidade, para que o resultado de suas empreitadas não lhes seja desfavorável. Um faz as
contas com cuidado para ver se pode terminar a torre, e o outro avalia com zelo se pode mesmo entrar
numa guerra com o vizinho.
Nos dois casos transparece a seriedade com que as missões terrenas são encaradas, para se poder
levá-las a bom termo. Vemos uma situação semelhante, por exemplo, quanto temos de assinar um
contrato qualquer. Certamente nenhum de nós assinaria um contrato terreno sem antes examinar
detalhadamente o texto, e refletir se podemos mesmo cumprir tudo o que ali está assentado.
Por que será então que não temos o mesmo cuidado em relação a temas espirituais? Por que as
pessoas se entregam irrefletidamente a uma crença qualquer, sem antes analisar meticulosamente, com
a intuição, se o que é proposto a elas tem de fato ressonância em seu íntimo? Um contrato terreno não
cumprido traz danosas conseqüências terrenais ao ser humano, mas o entregar-se irrefletidamente a
uma fé pode lhe custar a vida eterna. Se usamos de responsabilidade em nossos misteres terrenos, com
muito mais razão ainda devemos fazer uso dela em assuntos que digam respeito à nossa vida espiritual.
Isso não é nenhum pecado, mas uma necessidade de máxima importância. De nada vale alegar aí que a
respectiva fé é de “família”, e que portanto uma posição de independência traria inquietações e

125
desarmonias. Isso é mais uma vez apenas indolência do espírito, justamente o que as crenças atuais,
em sua quase totalidade, procuram disseminar entre os adeptos.
Uma intuição aguçada em contínua vigilância e uma movimentação espiritual permanente
constituem a única garantia para se poder obter frutos espirituais de empreendimentos espirituais.

A Ovelha e a Dracma Perdidas

“Qual dentre vós é o homem que, possuindo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no
deserto as noventa e nove e vai em busca da que se perdeu, até encontrá-la? Achando-a, põe-na
sobre os ombros, cheio de júbilo. E indo para casa reúne os amigos e vizinhos, dizendo-lhes:
Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida. Digo-vos que assim haverá maior
júbilo no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não
necessitam de arrependimento. Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma não
acende a candeia, varre a casa e a procura diligentemente até encontrá-la? E, tendo-a achado,
reúne as amigas e vizinhas dizendo: Alegrai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha
perdido. Eu vos afirmo que de igual modo há júbilo diante dos anjos de Deus por um pecador que
se arrepende.”
(Lc15:4-10)
Essas duas parábolas reforçam a idéia central contida na narrativa do filho pródigo. Em ambas
transparece nítida a imagem do ser humano que errava mas que corrigiu o seu erro, que, portanto,
estava perdido e foi encontrado.
A maior alegria do pastor foi ter encontrado e salvo uma única ovelha perdida dentre as cem que
tinha. Do mesmo modo, a grande alegria da mulher não consistiu em ter conservado suas nove
dracmas, mas sim em ter encontrado a décima desaparecida. Grande é o júbilo no céu para cada
pecador que se arrepende. Mesmo que seja um entre milhões, é motivo de alegria no reino do céu. Por
isso, nenhum esforço pode ser demasiado para conceder auxílio verdadeiro a um nosso semelhante que
sofre, e que se mostra digno dessa ajuda. O sofrimento cuida de aplainar o caminho para que o socorro
eficaz possa adentrar na alma.
Note-se, como sempre, a indicação de que o próprio pecador se arrepende, o que pressupõe uma
mudança radical em seu modo de ser, até então sintonizado erradamente. Essa contingência está muito
longe da idéia de uma obtenção fácil do perdão dos pecados, através da apática aceitação de uma fé
cega ou do cumprimento compulsório de penitências inventadas.

O Juiz Iníquo

“Havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus nem respeitava homem algum. Havia
também naquela mesma cidade uma viúva que vinha ter com ele, dizendo: Julga a minha causa
contra o meu adversário. Ele por algum tempo não a quis atender, mas depois disse consigo: Bem
que eu não temo a Deus nem respeito homem algum, todavia como essa viúva me importuna
julgarei a sua causa, para não suceder que, por fim, venha a molestar-me.”
(Lc18:2-5)
Logo após proferir essa parábola, Jesus dá aos seus ouvintes a explicação:
“Considerai o que diz este juiz iníquo. Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele
clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?”
(Lc18:6,7)
A parábola, em conjunto com a subseqüente explicação de Jesus, mostra a diferença abismal
existente entre a justiça humana e a divina.

126
Os homens praticam a sua “justiça” segundo as ponderações de seu raciocínio, quando querem e
como querem, pois a justiça humana apresenta-se cheia de lacunas e eivada de atos arbitrários. No
entanto, para os juízes terrenos que colocam de lado o senso humanitário, na ilusão de estarem assim
cumprindo seu dever, teria sido melhor mesmo que nunca tivessem nascido…
A Justiça divina é completamente distinta da humana. É imutável e intangível. Jamais falha,
mesmo que não seja reconhecida pelos homens na época do seu desencadeamento. Jamais falha porque
está inserida nos efeitos das auto-atuantes e perfeitas leis da Criação. Ela se destina ao espírito humano
propriamente, e por isso atinge a respectiva pessoa em qualquer lugar ou época em que se encontre.
Não está limitada pelo tempo e o espaço.
Para os seres humanos terrenos, a Justiça divina pode às vezes parecer demorada, porque eles a
medem dentro do exíguo espaço de tempo de uma única vida terrena. Contudo, ela se cumpre
inexoravelmente, no fechamento do ciclo da reciprocidade, conforme já bem diz a voz do povo: “Os
moinhos de Deus moem devagar, mas com segurança.” E a Bíblia faz coro a essa sabedoria popular:
“O Senhor é paciente e grande em poder, mas a ninguém deixa impune” (Na1:3).

O Bom Pastor

“Em verdade, em verdade vos digo: O que não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe
por outra parte, este é ladrão e salteador. Aquele, porém, que entra pela porta, este é pastor de
ovelhas. Para este o porteiro abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele chama pelos nomes as suas
próprias ovelhas e as conduz para fora. Depois de fazer sair todas as que lhe pertencem vai
adiante delas, e elas o seguem porque lhe reconhecem a voz; mas de modo algum seguirão o
estranho, antes fugirão dele porque não conhecem a voz dos estranhos.”
(Jo10:1-5)
Jesus foi a Palavra da Verdade encarnada. Por isso, todas as pessoas que ainda traziam algum
vislumbre de Verdade dentro de si, uma centelha que fosse, experimentavam uma ressonância imediata
com a Palavra trazida por Jesus. Claramente audível em seu íntimo. E seguiam-no, tal qual ovelhas que
seguem confiantes seu pastor.
Com isso, aquele pequeno vislumbre de Verdade que possuíam em seu íntimo se fortalecia, ao
haurirem da Fonte da Verdade que falava para elas, assim como uma chama bruxuleante num pedaço
de lenha é reavivada por uma rajada de vento. Foi por isso, também, que Jesus disse: “Todo aquele que
é da Verdade ouve a minha voz” (Jo18:37). Já os que não possuem mais essa centelha de Verdade em
seu íntimo não são mais capazes de reconhecer a voz do pastor, e facilmente se deixarão iludir pelo
ladrão e salteador.
O bom pastor chama suas ovelhas pelo nome e as conduz para fora. Os que transpõem a porta
aberta para a vida, isto é, os que assimilaram de tal modo a Palavra de Jesus que passaram a viver
inteiramente de acordo com ela, são conduzidos automaticamente para fora do labirinto em que se
achavam e encontrarão a vida eterna.
Jesus esclarece as diferenças entre o bom pastor e o ladrão um pouco mais à frente:
“O ladrão vem somente para roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham
em abundância. Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas.”
(Jo10:10,11)
E mostra que os que vivem segundo a sua Palavra alcançarão a vida eterna:
“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço e elas me seguem. Eu lhes dou a vida
eterna; jamais perecerão eternamente, e ninguém as arrebatará da minha mão.”
(Jo10:27,28)
Com sua Palavra Jesus indicou o caminho para que as suas ovelhas alcançassem a vida eterna.
Quando ele diz que “o bom pastor dá a vida pelas ovelhas”, então isso significa que este bom pastor
está disposto até mesmo a dar a vida para que suas ovelhas não saiam do caminho certo mostrado a
127
elas, fazendo-as compreender a profunda seriedade sobre a necessidade de viverem estritamente
segundo suas indicações, portanto para que não se desviem de maneira nenhuma do caminho indicado
pela Palavra e assim possam efetivamente encontrar sua salvação. É este também o sentido da frase:
“Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a própria vida em favor de seus amigos” (Jo15:13). A
morte do pastor, por si mesma, jamais salvará ovelha alguma. Pelo contrário, se elas não estiverem
bem firmes no caminho a elas mostrado pelo pastor que morreu, aí sim é que se perderão de vez,
deixando-se levar pelos falsos pastores, os ladrões que vêm somente para roubar, matar e destruir.

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CAPÍTULO 4
ASPECTOS DESCONSIDERADOS DA DOUTRINA DE CRISTO

A Severidade do Verdadeiro Amor


Em sua obra Na Luz da Verdade, a Mensagem do Graal, Abdruschin afirma que a maior parte do
verdadeiro amor é severidade.
Sim. O verdadeiro e legítimo amor visa unicamente o bem do próximo em sentido amplo, não se
detendo diante de exterioridades. Deseja o que é melhor espiritualmente para o seu semelhante e age
com denodo nessa direção, pouco importando se esse melhor lhe seja agradável ou não aqui na Terra.
Pois tão-só o espírito é realmente vivo no ser humano. O corpo cumpre sua função de invólucro
material do espírito durante alguns poucos anos terrenos e em seguida é descartado, sendo devolvido à
terra como conseqüência natural, pois “o corpo sem espírito está morto” (Tg2:26). O espírito humano,
porém, continua vivo e atuante na Criação, caso tenha se desenvolvido de modo certo.
O que o ser humano de hoje chama de amor ao próximo é um amor complacente, falso,
pegajoso, que com palavras doces anestesia, sim, temporariamente a dor daquele que errou, mas ao
mesmo tempo o impede de reconhecer a causa do sofrimento, o que infalivelmente força a repetição
futura desse mesmo sofrimento. É um amor capaz de proporcionar um alívio momentâneo, mas ao
preço da infelicidade perene; um amor que magnanimamente distribui esmolas aos desvalidos, mas
não sem antes lhes subtrair o tesouro da dignidade; um amor sempre pronto a enxugar as lágrimas do
sofredor, mas apenas para que este possa divisar mais nitidamente o sorriso beatificado do seu
amoroso confortador.
Amor ao próximo não é isso. Nunca foi. Amor, amor verdadeiro ao próximo é dar a ele, antes de
mais nada, o que lhe é de fato útil, pouco importando se isso lhe causa ou não alguma alegria efêmera.
É visar a felicidade eterna do próximo e trabalhar com afinco nesse sentido. É mostrar de forma clara,
até mesmo contundente se preciso for, as faltas cometidas, pois é “melhor a repreensão franca do que o
amor encoberto” (Pv27:5), visto que os erros sempre retornam ao gerador na forma de dor e
sofrimento. É fato que “as palavras do sábio são como aguilhões” (Jó12:11), mas “quem fere por amor
mostra lealdade, enquanto o inimigo multiplica beijos” (Pv27:6).
Amor verdadeiro é dar apoio irrestrito, sólido, a quem realmente se esforça em suplantar suas
falhas, é ampará-lo na travessia do árduo caminho do reconhecimento do erro e de sua reparação. Pois
unicamente o reconhecimento pessoal da atuação errada, implacável e abrangente, é capaz de fazer a
respectiva pessoa mudar radicalmente sua sintonização interior. E tão-somente essa voluntária
mudança de sintonização íntima pode interromper de vez o ciclo aparentemente sem fim do sofrimento
intermitente, pela atuação permanente da Lei da Reciprocidade.
O amor verdadeiro, severo, abre para o próximo, a duras penas, o portal para a conquista da
felicidade, enquanto que o falso amor passa sobre este, sem esforço, um ferrolho intransponível.
A atuação do primeiro é permeada de obstáculos, dificultada por forte incompreensão e intensa crítica,
enquanto que a do segundo é aplainada com carinho, incentivada com aprovações sorridentes e
sorrisos inconseqüentes.
O falso amor já se imiscuiu em todos os campos da atuação humana, trazendo prejuízos
inenarráveis a quem o pratica e a quem dele é vítima. A educação dos filhos, particularmente, sofreu
demais com uma faceta desse falso amor, conhecido hoje como “educação moderna”. Esse tipo de
educação que tudo tolera das crianças e adolescentes, para não criar nenhum “trauma” neles, não passa
de uma incubadora de tiranos, contribuindo ainda mais para o caos reinante na Terra. É uma
ferramenta afiada das trevas mais espessas. Algumas poucas frases bíblicas mostram que, também na
educação familiar, o amor não se deixa separar da severidade: “O Senhor castiga aquele a quem ama,
como um pai a um filho querido” (Pv3:12); “Quem poupa a vara não ama seu filho; quem o ama,
porém, disciplina-o prontamente” (Pv13:24); “Não retires da criança a correção, ela não morrerá se a
castigares com a vara” (Pv23:13); “A vara e a reprimenda conferem sabedoria, o jovem entregue a si
129
mesmo é a vergonha da sua mãe” (Pv29:15). Se a criança, assim educada com amor severo, tiver de
fato boa índole, então é certo que não se desviará na vida: “Ensina a criança no caminho que deve
andar, e mesmo quando for velho não se desviará dele” (Pv22:6).
O que vale para crianças e adolescentes vale também para adultos, apenas moldado para o
mundo deles. Quando repreendeu severamente os Coríntios em sua primeira carta, Paulo logo em
seguida explicou: “Não vos escrevo essas coisas para vos envergonhar, pelo contrário, para vos
admoestar como a filhos meus amados” (1Co4:14). Paulo estaria sendo até negligente se não os
admoestasse naquela ocasião, pois contribuiria assim para perpetuar um erro (no caso a soberba) e as
conseqüências maléficas disso para a comunidade. Desse modo, ele mesmo se sobrecarregaria com
uma culpa, devido à sua negligência. Pouco mais à frente, ele faz até um paralelo disso com a atuação
do Senhor: “Punindo-nos, o Senhor nos educa, para não sermos condenados com o mundo.”
(1Co11:32).
Paulo, portanto, agiu corretamente com seu amor severo, em inteira conformidade com um
antiqüíssimo ensinamento das Escrituras: “Não odiarás o teu irmão no teu coração; repreenderás o teu
próximo para que não incorras em pecado por sua causa” (Lv19:17). O salmista diz o mesmo do
ponto de vista de quem foi justamente repreendido: “Castigue-me o justo e repreenda-me com
misericórdia” (Sl141:5). Na segunda epístola dirigida aos Coríntios, Paulo volta à carga e afirma que
“não se arrepende se os entristeceu com sua carta” (2Co7:8), e diz até que se alegrou pelo efeito que
ela provocou: “Alegro-me agora, não pela vossa tristeza, mas pelo arrependimento que ela produziu”
(2Co7:9).
Também João Batista, o Preparador do Caminho para Jesus, foi extraordinariamente severo para
com seus assustados ouvintes. Suas palavras vibravam qual um machado afiado contra as raízes dos
males humanos. João Batista agia assim por amor, por legítimo amor a seus semelhantes, e jamais se
preocupou com o que estes poderiam pensar ou falar de seus atos e de suas repreensões. Assim atua o
amor verdadeiro.
Esse amor verdadeiro também não age com a perspectiva de receber alguma recompensa ou
reconhecimento, pois “não procura seus interesses, não se ufana e nem se ensoberbece, mas sim se
regozija com a Verdade” (1Co13:4-6), conforme Paulo, mais uma vez, procura explicar. O retorno da
atuação desinteressada do verdadeiro amor advém de modo automático, novamente por efeito da Lei
da Reciprocidade, como indica Jesus no trecho a seguir:
“Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar nenhuma paga; será
grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo.”
(Lc6:35)
Amar os inimigos outra coisa não é senão usar de severidade justa para com eles, para que
reconheçam seu proceder mau e redirecionem sua vontade no sentido do bem: “Disciplina severa para
quem abandona o caminho!” (Pv15:10). Assim, não precisarão mais sofrer futuramente, em
decorrência de seus atos malévolos no presente. Tiago também previu o efeito benéfico de semelhante
prática: “Quem reconduzir um pecador do caminho em que se extraviara lhe salvará a vida e fará
desaparecer uma multidão de pecados” (Tg5:20).
Jesus Cristo, justamente por ser a “manifestação do Amor de Deus entre nós” (1Jo4:9), o Amor
de Deus encarnado portanto, foi especialmente severo para com as criaturas cerebrinas de sua época.
Ele, que cumpria integralmente a Vontade do Pai, nem poderia ter agido de modo diferente, e afirmou
expressamente: “Eu vim trazer fogo à Terra” (Lc12:49). Jesus chegou até mesmo a advertir que “não
viera trazer paz à Terra, mas a espada” (Mt10:34), como sinal da atuação simultânea do Amor com a
Justiça divina, pois é sabido que “se o homem não se converter, afiará Deus a Sua espada” (Sl7:12).
A conduta de Jesus frente aos seres humanos estava muito longe da imagem distorcida que se
tem dele hoje em dia: a de um Messias brando, condescendente, procurando-se ver nisso uma prova da
atuação do Amor divino. Quantas vezes ele não rebateu severa e corajosamente os ataques daquela
súcia de fariseus e saduceus, que tinham ao seu lado o poder terrenal? O capítulo 23 do Evangelho de
Mateus traz nada menos que sete “Ai de vós!” contra a hipocrisia deles, além dessa duríssima acusação
do Mestre: “Serpentes! Víboras que sois! Como escapareis da condenação ao inferno?” (Mt23:33). O

130
evangelista Marcos diz que Jesus passou sobre o fariseus “um olhar irado pela dureza de seus
corações” (Mc3:5).
E também não expulsou Jesus os cambistas36 e vendilhões do Templo, chamando todo aquele
bando de “covil de salteadores”? (cf. Mt21:13; Mc11:17; Lc19:46). E quantas vezes ele não
repreendeu duramente seus próprios discípulos? Admoestava-os por serem medrosos e terem o coração
endurecido (cf. Mc4:40;8:17), indignava-se com eles (cf. Mc10:14) e chegou até mesmo a lamentar
abertamente ter de estar junto deles: “Até quando estarei eu junto de vós e terei de vos suportar?”
(Lc9:41). Aos discípulos ainda coube a mesma severa advertência sobre não agir segundo seus
ensinamentos: “Por que me chamais Senhor! Senhor! e não fazeis o que eu digo?” (Lc6:46). Jesus
sempre exigiu deles que o tomassem como exemplo de atuação: “Dei-vos exemplo para que, assim
como eu fiz, vós façais também” (Jo13:15). Por fim, os discípulos foram arrancados rudemente de sua
inércia espiritual ao ouvirem de Jesus que todos eles estavam na iminência de cair… (cf. Mc14:27).
Sobre essa iminência de queda, é muito significativo que, por três vezes, Jesus tenha encontrado seus
discípulos dormindo próximo ao jardim do Getsêmani, apesar de lhes ter ordenado expressamente que
vigiassem (cf. Mt26:36-45). “Ainda dormis e descansais?” (Mt26:45), perguntou rudemente da última
vez.
A Palavra de Jesus era severa, dura, a ponto de alguns discípulos acharem que não poderiam
suportá-la: “Esta Palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo6:60). E quando surgiram defecções,
quando “muitos discípulos o abandonaram e não mais andavam com ele” (Jo6:66), Jesus não lamentou
o fato absolutamente, e até perguntou se os que tinham ficado também não queriam ir embora: “Não
quereis também vós partir?” (Jo6:67), perguntou simplesmente.
O apóstolo Paulo sabia muito bem que a Palavra de Jesus era bastante severa, e conhecedor da
natureza humana, anteviu um tempo em que a legítima doutrina de Cristo seria adulterada, para se
ajustar à indolência espiritual das pessoas: “Virão tempos em que a sã doutrina não será aceita, mas as
pessoas acumularão mestres que lhe encham os próprios ouvidos, de acordo com os próprios desejos.
Desviarão os ouvidos da Verdade e divagarão ao sabor de fábulas” (2Tm4:3,4). E o apóstolo Pedro
complementa: “Muitos hão de segui-los na sua libertinagem e, por causa deles, o caminho da Verdade
será blasfemado; movidos pela cobiça, hão de explorar-vos com palavras enganadoras” (2Pe2:2,3).
Será bom ressaltar aqui que a reprodução escrita das supostas palavras proferidas por Jesus
nunca podem transmitir o tom de severidade com que ele as pronunciou. Conforme explica o
pesquisador Jack Goody em seu livro sobre a interface entre o oral e o escrito, “a reprodução escrita
usa muito mais formas declarativas e subjuntivas do que interrogativas, imperativas e exclamativas.”
Ou seja, o tom imperativo, severo, de um discurso oral nunca é adequadamente retransmitido numa
reprodução escrita. Acrescente-se a essa constatação o esforço dos evangelistas e copistas em repassar
para a posteridade uma imagem terna (na acepção deles) de Jesus, confundindo amabilidade com
moleza e fundindo serenidade com leniência. Isso tudo levou à idéia absolutamente errônea de uma
fraqueza do Filho de Deus diante dos seres humanos.
O fato real é que Jesus jamais mendigou a benevolência dos seres humanos, jamais lhes suplicou
que aceitassem seus ensinamentos, que consentissem em serem salvos. Muito, mas muito pelo
contrário. Ele exigiu, sim, e com a máxima severidade, o cumprimento integral de sua Palavra, como
condição primordial para a possibilidade de obtenção da própria salvação. “Falava abertamente”
(Jo7:26) às pessoas, com plena segurança, explicando-lhes como tinham de viver, ciente que estava de
sua origem e missão. As multidões percebiam essa sua firmeza, essa sua autoridade, e nem por isso
deixavam de ouvi-lo, ao contrário, “o povo todo ficava fascinado ao ouvi-lo falar” (Lc19:48):
“Estavam as multidões maravilhadas de sua doutrina, porque ele as ensinava como quem tem
autoridade, e não como os escribas.”
(Mt7:28,29)

36
Muita gente se pergunta o que cambistas estariam fazendo no átrio do Templo de Jerusalém. O que acontecia é que os
sacerdotes decretaram que o pagamento do tributo anual ao Templo tinha de ser feito em moedas da mais pura prata, e para
tanto apenas as moedas cunhadas na cidade de Tiro eram aceitas. Daí a necessidade dos cambistas, para trocar as várias
moedas em circulação no Império pela única autorizada. A taxa de conversão dependia bastante da vontade dos cambistas,
que naturalmente aproveitavam a ocasião para forrar os bolsos. Dos vendilhões, os peregrinos compravam pombas para a
oferenda do sacrifico. Foi contra essas negociações dentro da área do Templo que Jesus se insurgiu.
131
Até os guardas enviados pelos sacerdotes e fariseus para prender Jesus reconheceram que “nunca
homem algum falou como ele” (Jo7:46). Claro que não. Tudo quanto Jesus falava era completamente
diferente do que as pessoas estavam acostumadas a escutar, pois ele era a própria Verdade encarnada, e
os seres humanos vinham se afogando em mentiras religiosas há séculos, docemente sussurradas em
seus ouvidos. Daí a severidade implacável do Filho de Deus, como único auxílio possível àquela
massa inerte. Especialmente no tocante aos líderes religiosos, ele nunca procurou por panos quentes
em nada. Nunca fez uso das interpretações usuais das Escrituras de seu tempo, porque essas de nada
lhe poderiam servir, já que totalmente erradas, porque cômodas para o espírito humano. Exatamente
como se dá hoje em relação aos seus ensinamentos.
Jesus ainda falou bem nítida e severamente do tempo do Juízo, da “Ira que está para vir” (Lc3:7),
dos “dias que são de vingança” (Lc21:22), da “miséria e cólera contra este povo” (cf. Lc21:23), do
“inferno de fogo” (Mt5:22) para os que lançam insultos, e ainda avisou que para quem for causa de
pecado do próximo “melhor lhe fora ser lançado ao mar com uma pedra de moinho enfiada no
pescoço” (Lc17:2). E quando alguns de seus ouvintes começaram a comentar entre si sobre os galileus
supliciados por Pilatos, ele logo os cortou asperamente, avisando que, se não se arrependessem,
pereceriam todos da mesma forma como os que haviam sido mortos pelo prefeito romano e os
soterrados pela torre de Siloé (cf. Lc13:1-5).
Jesus, o Portador da Verdade, nunca manifestou a mínima complacência com o mal. Nunca
deixou de exortar com rigor seus ouvintes, nunca alisou o ego de ninguém nem procurou aliciar quem
quer que fosse, e chegou mesmo a instruir bem claramente seus discípulos quanto a isso:
“Quando, porém, entrardes numa cidade e não vos receberem, saí pelas ruas e clamai: Até o pó
da vossa cidade, que se nos pegou aos pés, sacudimos contra vós outros.”
(Lc10:10,11; Mc6:11)
Paulo, mais uma vez, parece ter compreendido muito bem a íntima conexão entre o verdadeiro
amor e a severidade, conforme se depreende desse trecho de sua Epístola aos Romanos:
“Considerais, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, a severidade;
mas para contigo a bondade de Deus, se nela permanecerdes; doutra sorte também tu serás
cortado.”
(Rm11:22)
Tanto a bondade como a severidade provêm do mesmo verdadeiro amor. O ser humano é
atingido em maior ou menor grau por uma ou por outra, dependendo de como se porta em face das leis
de Deus. Aos que caíram, a severidade, para que reconheçam rapidamente seu erro e reencontrem o
caminho da ascensão, a fim de poderem alcançar a bem-aventurança. Os que se mantêm no caminho
certo recebem, por efeito da reciprocidade, as bênçãos provenientes da bondade do Criador. Isso, desde
que permaneçam nesse caminho certo, caso contrário também eles serão cortados, isto é, serão
igualmente atingidos pela severidade implacável e justa da reciprocidade, para seu próprio bem, para
que escapem da morte espiritual, retomem o caminho certo e alcancem um dia o estágio evolutivo
onde reina apenas alegria e felicidade. Vemos que o salmista louva o Senhor pelo castigo recebido, que
o livrou da morte eterna: “Yahweh me castigou e castigou, mas não me entregou à morte!” (Sl118:18).
O autor do segundo livro dos Macabeus deixou esse ensinamento consignado, ao esclarecer as causas
do imenso infortúnio sofrido pelo povo hebreu nas mãos do opressor sírio: “Aos que estiverem
defrontando-se com esse livro, gostaria de exortar que não se desconcertem diante de tais calamidades,
mas pensem antes que esses castigos não sucederam para a ruína, mas para a correção da nossa
gente” (2Mc6:12).
O apóstolo Paulo também não foi menos severo com os judeus da cidade de Corinto:
“Diante da oposição e das injúrias deles, Paulo sacudiu as vestes e lhes declarou: ‘Que o vosso
sangue caia sobre vossa cabeça!’”
(At18:6)

132
A expressão “que o sangue caia sobre vossa cabeça”, muito comum entre os israelitas daquele
tempo, significava literalmente: sois os únicos responsáveis pelo que vos acontecer! Não deixa de ser
um reconhecimento implícito da atuação da Lei da Reciprocidade.
Em relação à cidade de Jerusalém, que matava os profetas e apedrejava os enviados, Jesus avisou
severamente que, devido a isso e por ter rejeitado seu amor auxiliador, seria simplesmente abandonada
por ele, como uma casa deserta:
“Jerusalém, Jerusalém, tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas
vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintinhos debaixo das asas, mas não
quiseste! Pois bem! Vossa casa será deixada deserta.”
(Mt23:37,38)
No Evangelho segundo Mateus, Jesus reage à descrença dos que, mesmo testemunhando seus
milagres, não crêem nele e na sua missão, e que por isso não modificam sua errônea sintonia interior.
Ele passa então a increpar, isto é, a repreender com extrema severidade, a admoestar com a máxima
energia:
“Passou então Jesus a increpar as cidades nas quais ele operara numerosos milagres, pelo fato
de não se terem arrependido.”
(Mt11:20)
O que Jesus antevê aí para a população das cidades de Corazim, Betsaida e Cafarnaum, está
muito longe da idéia de um Amor mole e condescendente, que tudo perdoa arbitrariamente:
“Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os
milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e
cinza37. E contudo vos digo: No Dia do Juízo haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para
vós outros. Tu, Cafarnaum, elevar-te-ás, por ventura, até o céu? Descerás até o inferno, porque se
em Sodoma se tivessem operado os milagres que em ti se fizeram, teria ela permanecido até o dia
de hoje. Digo-vos, porém, que menos rigor haverá no Dia do Juízo para com a terra de Sodoma,
do que para contigo.”
(Mt11:21-24)

Origem e Conseqüências do Pecado


As concepções em voga sobre as maneiras pelas quais o ser humano pode pecar, e as
conseqüências dos seus pecados, não traduzem exatamente o fenômeno real. Em tempos passados
houve até quem tentasse catalogar as diferentes variedades de pecados, chegando à curiosa cifra de 789
delitos… Esse tipo de preocupação não ajuda ninguém em coisa alguma, pois não passa de um cismar.
O que é certo ou errado cada um sente nitidamente, sabe até muito bem.
Pessoas bem-intencionadas supõem que não devem pecar porque, segundo os ensinamentos de
sua religião ou crença, trata-se de uma atuação errada, um ato que não é do agrado do Criador.
O significado real do pecado, porém, não se restringe a esse conceito, mas vai além.
Na Bíblia, a palavra pecado aparece pela primeira vez no Gênesis, na advertência do Senhor a
Caim, antes de este matar seu irmão Abel: “Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta.”
(Gn4:7). Alguns pesquisadores dizem que a palavra hebraica utilizada aí para designar pecado –
hatta’th – representa um ser demoníaco, e que a idéia transmitida originalmente é a da atenção de
Caim voltada para essa figura, a qual espera que ele tome uma decisão: fazer o que é certo ou não,
escolha essa que o livrará do pecado ou o lançará nas suas garras. Esse termo hebraico que designa
pecado tem, de fato, o sentido de “errar o alvo”, o mesmo sentido do correspondente termo grego –
hamartía. Existe um texto judaico, muito bem conceituado, que reproduz essa passagem do Gênesis

37
O pano de saco era um tecido áspero, escuro, feito de pele de cabra; cobrir-se com pano de saco e cinza era sinal de luto e
penitência.
133
com o detalhe bem explícito do ser demoníaco em atalaia: “Se você tem boa intenção, conduza-a para
as alturas, mas se você não tem boa intenção, já de início é pecado, um demônio-de-tocaia manda para
você sua luxúria.” Os outros termos hebraicos que indicam pecado são: pesa, que significa revolta
consciente e é normalmente traduzido como “rebeldia”, e awon, que indica o desvio do padrão divino,
geralmente vertido como “iniqüidade”.
No Gênesis, vemos que o Criador havia feito uma distinção entre a oferta de Abel e a de Caim,
tendo dado valor à primeira e rejeitado a segunda: “O Senhor voltou seu olhar para Abel e sua oferta,
mas de Caim e da oferenda que trouxera desviou o olhar” (Gn4:4). Isso aconteceu porque “Abel
ofereceu a Deus um sacrifício bem superior ao de Caim” (Hb11:4). Já a oferenda de Caim era “uma
oferta de frutos da terra” (Gn4:3), significando que se tratava de algo meramente terreno, material.
Caim se irritou com a recusa do Senhor à sua oferta e decidiu matar seu irmão Abel… A insolente
resposta que Caim dá ao Criador quando perguntado pelo paradeiro do irmão, não deixa dúvidas sobre
sua índole: “Acaso sou eu guarda de meu irmão?” (Gn4:9). Ao contrário do irmão bom, Caim
demonstrou com seu comportamento que “era do Maligno, e suas obras eram más” (1Jo3:12). Caim
representa o raciocínio humano e Abel o espírito humano. Caim foi marcado com o estigma de Lúcifer
em sua testa, o sinal dos condenados: “O Senhor pôs então um sinal em Caim” (Gn4:15). O profundo
significado do assassinato de Abel por parte de seu irmão Caim é narrado em detalhes na obra O Livro
do Juízo Final, de Roselis von Sass.
Flavio Josefo, do século I, apresentou a seguinte interpretação do comportamento de Caim, e sua
posterior atuação, em sua obra Antiguidades Judaicas: “Ele, Caim, não aceitou sua punição como
corretivo, mas aumentou ainda mais a sua impiedade, pois buscava somente aquilo que era para seu
prazer físico, mesmo que para isso tivesse que ferir seus vizinhos. Aumentou seus bens mediante a
rapina e a violência, incitou seus conhecidos a procurar prazeres e obter coisas pelo furto, e tornou-se
um grande líder de homens no caminho da iniqüidade. Ele também introduziu uma mudança na
maneira simples com que os homens viviam antes, tornou-se o autor de medidas e pesos. Enquanto
eles não conheciam essas artes viviam de forma inocente e generosa. Caim, porém, mudou o mundo
em estratagemas ardilosos.” Essa descrição dos frutos do raciocínio supercultivado não poderia ser
mais eloqüente.
O drama de Caim e Abel aparece também na mitologia egípcia, naturalmente com outros
personagens. Em antigos escritos vemos que Osíris, filho do deus-terra e da deusa-céu, recebeu a
incumbência de governar o mundo, e o fez como um monarca benfazejo. No entanto, Set, seu irmão,
afastado do poder e corroído pela inveja, começou a conspirar contra ele, acabando por matá-lo e atirar
seu cadáver na água. A versão grega é um pouco diferente, tendo como ponto central a grande estatura
de Osíris... Convidado para um festim em sua honra, Osíris acaba caindo ingenuamente numa
armadilha preparada pelo monstro Tifon.
É fato que o pecado constitui uma atuação contrária às disposições das leis naturais, as quais
trazem em si a Vontade do Criador. Em vista disso é certo, sim, dizer que se trata de uma atitude
oposta ao que é desejado pelo Senhor. Contudo, Deus, o Criador de Todos os Mundos, jamais pode ser
atingido de alguma maneira pela contravenção de uma criatura. Ao agir contra as disposições do Todo-
Poderoso o ser humano está prejudicando em primeira linha a si mesmo, somente a si mesmo: “Quem
pecar contra Mim prejudica a si mesmo” (Pv8:36), diz o Senhor. Estará gerando para si próprio, nos
efeitos finais da Lei da Reciprocidade, sofrimento e dor, miséria e desgraça, coisas que não precisaria
conhecer se atentasse à Vontade do Senhor. Se não o tivesse praticado, o mal não poderia ter se
apoderado dele: “Não faças o mal e o mal não se apoderará de ti” (Eclo7:1); “Praticai o bem, e o mal
não vos atingirá” (Tb12:7); “Não chameis sobre vós a ruína, pelas obras de vossas mãos” (Sb1:12).
Se a criatura humana se tornar nociva na Criação, pelo desrespeito contumaz às Suas leis, será
simplesmente eliminada dela, assim como se limpa uma engrenagem de um grão de areia estorvante. E
nenhuma das outras peças da engrenagem sentirá qualquer falta desse grão de areia.
Uma lei da Criação é como um rio que corre para o mar. Este segue seu caminho
imperturbavelmente, vivificando tudo por onde passa. Se um nadador seguir a favor da correnteza
chegará ao mar rapidamente e sem se cansar. Se, ao contrário, quiser nadar contra a correnteza, não
atingirá seu objetivo, mas será arrastado também para o mar de qualquer forma, chegando lá
completamente extenuado e talvez até morto.

134
É impossível ao ser humano se sobrepor às leis da Criação, porque é impossível à vontade
humana prevalecer sobre a Vontade de Deus, da qual emana a Luz da Verdade. O mínimo que lhe
poderá acontecer nessa sua tentativa tola será sair dela muito machucado, pois “nada podemos contra a
Verdade, senão em favor da própria Verdade” (2Co13:8).
A humanidade como um todo, porém, vem tentando nadar contra as correntezas da vida já há
milênios, e por isso é arrastada à força agora em sentido contrário, impetuosamente. Nesse arrastar ela
vai encontrando de volta, multiplamente aumentado, tudo quanto havia gerado atrás de si: destruição,
tristeza, sofrimento, miséria. Tivesse ela seguido junto com as correntezas e o mundo seria hoje um
paraíso terreno, onde só habitariam alegria e felicidade, como, aliás, estava previsto inicialmente nos
caminhos do desenvolvimento humano.
Por isso, já numa época remota a humanidade recebeu os Mandamentos através de Moisés. Os
Dez Mandamentos foram, na realidade, conselhos dados com imenso Amor à humanidade, para que no
futuro ela não precisasse conhecer novos sofrimentos em seus caminhos de evolução, ou, até mesmo,
vir a ser aniquilada. 38 São dez conselhos outorgados pelo onipotente Criador às Suas criaturas…
Conselhos severos, não sugestões banais! Por essa razão, os Dez Mandamentos precisam ser
observados de modo absoluto pela criatura humana, todos eles.
Ninguém pode desprezar a Verdade e a Justiça divinas e permanecer impune. Conforme já
constatara o salmista em seu louvor ao Senhor, os Mandamentos dados à humanidade são a própria
Verdade e Justiça de Deus: “Todos os Teus Mandamentos são Verdade, todos os Teus Mandamentos
são Justiça” (Sl119:151,172). Somente aquele que observa os Mandamentos, preceitos de Deus para os
homens, caminha nas sendas do Amor e da Verdade: “Todas as veredas do Senhor são Amor e
Verdade para quem observa Sua aliança e Seus preceitos” (Sl25:10), adquirindo com isso a verdadeira
sabedoria da vida: “Tu, que desejas a sabedoria, observa os Mandamentos, e o Senhor ta concederá”
(Eclo1:26). Por isso, “quem diz ‘eu conheço a Deus’ mas não observa os Seus Mandamentos é
mentiroso, e a Verdade não está nele” (1Jo2:4). Jesus também avisou que somente quem observasse os
Mandamentos poderia entrar na vida eterna: “Se queres entrar para a vida, observa os Mandamentos”
(Mt19:17). Com isso, o Mestre reavivava a ordem dada por Moisés ao povo israelita para que
pusessem em prática esses mesmos Mandamentos: “Escuta, Israel, as leis e os preceitos que eu hoje
proclamo aos vossos ouvidos; aprendei-os e ponde-os em prática” (Dt5:1).
Pôr em prática os Dez Mandamentos não é algo impossível e nem mesmo difícil: “Seus
Mandamentos não são penosos” (1Jo5:3). Eles são tão simples e claros, a própria clareza!... Como
pode alguém, por exemplo, ainda sofismar sobre essas palavras cristalinas e deixar de cumprir o
segundo Mandamento: “Não pronunciarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão, pois o Senhor não
deixa impune quem pronuncia Seu nome em vão” (Dt5:11). No entanto, esse claro Mandamento do
Senhor é o menos observado dos dez. Quase ninguém hoje atenta mais à santidade do nome do Senhor,
louvado outrora pelo salmista: “Santo e venerável é o Seu nome” (Sl111:9); “só Seu nome é sublime”
(Sl148:13); “como é glorioso Teu nome em toda a Terra!” (Sl8:1). São milhares as transgressões desse
segundo Mandamento, transgressões que o Senhor não deixa impune!… Isso, apesar de outras tantas
advertências correlatas, também muito claras e incisivas: “Não te acostumes a pronunciar o Nome do
Santo! (…) Quem pronuncia o Nome em qualquer circunstância não será jamais isento do pecado”
(Eclo23:9,10).
Vê-se que falta por toda parte a compreensão acertada da enorme abrangência e seriedade dos
Dez Mandamentos. O quinto Mandamento, por exemplo, diz: “Não matarás”. Em hebraico, o verbo
usado é ratsáh, que significa literalmente “quebrar”, “reduzir a pedaços”. Essa expressão não pode ser
encarada exclusivamente como “tirar a vida de um corpo de matéria grosseira”, mas vai muito além
disso. Significa, por exemplo, não reduzir moralmente alguém a pedaços, não quebrar uma amizade
verdadeira ou a confiança que alguém nos deposita. Qualquer ato nesse sentido constitui assassinato no
verdadeiro sentido, e por conseguinte uma transgressão ao quinto Mandamento! Se o Mandamento

38
Ver, a respeito, a obra Os Dez Mandamentos e o Pai Nosso explicados por Abdruschin. A leitura desse livro mostra
como são simples os preceitos do Senhor. Bastaria ao ser humano cumprir esses Mandamentos, com toda a naturalidade,
para viver de maneira correta na Criação e, assim, atingir a bem-aventurança. Esses Dez Mandamentos, corretamente
assimilados e praticados, fornecem tudo o que a Bíblia inteira, com seu conjunto de um milhão e meio de palavras, não
pode dar ao espírito humano.
135
aludisse unicamente à proibição contra assassinato físico, o próprio Moisés já o teria infringido, pois o
relato bíblico informa que ele liquidou um egípcio que maltratava um membro do seu povo (cf.
Ex2:12).
Assim é também com os demais Mandamentos da Lei de Deus. Imensamente abrangentes e
categóricos para o espírito humano. Contudo, o primeiro dos Dez Mandamentos é de tal modo
incisivo, de tal modo decisivo para a existência da criatura humana, que Cristo denominou-o de “o
maior dos Mandamentos” diante dos fariseus, indicando ser ele a lei suprema:
“Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus. Então se reuniram, e um deles,
um doutor da lei, perguntou-lhe, para experimentá-lo: ‘Mestre, qual é o maior mandamento da
Lei?’ Ele respondeu: ‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com todo o teu entendimento! Esse é o maior e primeiro mandamento.”
(Mt22:34-38)
O primeiro Mandamento age como um pendor ao contrário no ser humano, contanto que ele o
vivifique dentro de si. É, na verdade, um “ascensor”, que segura a criatura em todas as dificuldades e a
puxa para cima, impedindo-a de cair espiritualmente. O profeta Amós transmitiu o mesmo conceito
com essa exortação da parte do Senhor: “Assim diz o Senhor Deus: Procurai por Mim e havereis de
viver” (Am5:4). Quem quiser escolher a vida eterna tem de colocar o Criador acima de tudo,
apegando-se a Ele como a um pendor, amando-O de todo coração e obedecendo à Sua voz, claramente
audível na linguagem expressa na Criação: “Escolhe, pois, a vida, para que vivas, amando ao Senhor
teu Deus, obedecendo à Sua voz e apegando-te a Ele”! (Dt30:19). Somente os que cumprem dessa
forma o primeiro Mandamento permanecerão vivos espiritualmente: “Quanto a vós, permanecestes
apegados a Yahweh, vosso Deus, e hoje estais todos vivos” (Dt4:4).
Não é difícil compreender que a deliberada permanência da atuação errada após o recebimento
do Decálogo, e posteriormente da própria Mensagem de Jesus, constitua para o pecador uma
circunstância agravante, pois desse modo ele continua a pecar conscientemente, “não tendo agora
desculpa do seu pecado” (Jo15:22). Para estes, realmente, “melhor lhes fora não terem conhecido o
caminho da justiça do que, após tê-lo conhecido, desviarem-se do santo Mandamento que lhes foi
confiado” (2Pe2:21). Desse modo só lhes pode restar mesmo “certa expectação horrível de juízo e fogo
vingador, por viver deliberadamente em pecado depois de ter recebido o pleno conhecimento da
Verdade” (Hb10:27,26). Podem contar a partir daí com ira e indignação sobre si: “Para aqueles que por
rebeldia desobedecem à Verdade e se submetem à iniqüidade, estão reservadas a ira e a indignação”
(Rm2:8).
Do mesmo modo, quem ainda é capaz de pecar após ter ouvido e assimilado a Palavra de Jesus,
isto é, aquele que depois de “ter provado a boa Palavra de Deus ainda é capaz de cair, crucifica para si
mesmo o Filho de Deus e o expõe à ignomínia” (Hb6:5-6). “Assim, aquele que julga estar firme, cuide
para que não caia!” (1Co10:12). Crucificar para si mesmo o Filho de Deus outra coisa não é senão
matar a Palavra da Vida dentro de si, assassiná-la mais uma vez, ao invés de conservar “Cristo
habitando no coração” (cf. Ef3:17). Com tal proceder, semelhante indivíduo abre mão,
voluntariamente, da sua única possibilidade de salvação. É o mesmo que calcar sob os pés o Filho de
Deus, o que trará na reciprocidade o castigo correspondente: “Podeis, então, imaginar que castigo mais
severo ainda merecerá aquele que calcou aos pés o Filho de Deus” (Hb10:29). Esse tal torna-se então
duplamente culpado, porque “a quem muito foi dado, muito será exigido” (Lc12:48). Ele passa a ser
como a terra ruim, que apesar de ter recebido a mesma chuva abundante que caiu sobre a terra boa, só
consegue por fim produzir espinhos e ervas daninhas: “Quando uma terra embebida de chuva
abundante produz plantas úteis para quem as cultiva, essa terra tem a bênção de Deus. Mas se ela
produz espinhos e ervas daninhas, não tem valor algum e está a um passo da maldição: acabará sendo
queimada” (Hb6:7,8).
Que o efeito no retorno da reciprocidade será especialmente severo para com aquele que pecou
conscientemente, em contraste com alguém que tenha praticado algum ato irrefletido, fica claro na
passagem a seguir:

136
“Aquele servo, porém, que conheceu a vontade de seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo
a sua vontade, será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu
senhor e fez coisas dignas de reprovação, levará poucos açoites.”
(Lc12:47,48)
A título de ilustração, mencione-se que os preceitos contidos no Antigo Testamento para
expiação dos pecados referiam-se tão-somente aos cometidos por descuido, inadvertência ou
ignorância (cf. Lv4:2,13,22,27), isto é, a atos irrefletidos. Já quem pecava deliberadamente – em
hebraico “pecar com a mão levantada” – seria simplesmente eliminado do povo do Senhor
(cf. Nm15:30).
De qualquer maneira, também não é preciso que uma ação errada se evidencie visivelmente na
matéria grosseira para ser caracterizada como pecado. A intenção basta. Quando, por exemplo, uma
pessoa sente intuitivamente inveja, ódio ou cobiça, ela já inseriu com isso algo ruim no mundo,
mesmo que não lhe seja visível, e desse modo ela efetivamente “já deu à luz o pecado” (Tg1:15). Esse
algo ruim é uma configuração real, moldada numa matéria mais fina do que a matéria grosseira a nós
visível, a qual traduz exatamente a intenção do gerador. Assim, o ser humano já está pecando ao dar
ensejo a qualquer intuição má ou mesmo a pensamentos maus correspondentes. Com isso ele gera
configurações feias, horripilantes, cuja única finalidade é trazer danos lá onde puderem se ancorar, por
efeito da Lei de Atração da Igual Espécie.
O pecado é uma ação errada levada a efeito pelo espírito humano. Nada a ver com ninharias
puramente terrenas, como prescrições alimentares, tipos de corte de cabelo, uso de adornos, etc. A não
observância dessas coisas instituídas pelo raciocínio não é nenhum pecado. Tão-somente o desejo
errado do espírito, que também pode dar origem a maus pensamentos e até ações más na matéria
grosseira (com a respectiva reciprocidade ruim), é determinante para a geração de um carma negativo,
segundo as leis divinas na Criação. Isso sim é pecado, o qual trará o retorno ao gerador infalivelmente,
obrigando-o a arcar com as conseqüências de sua vontade errada, pouco importando a época ou o local
em que se encontrar por ocasião da efetivação.
As configurações de intuições e de pensamentos permanecem ligadas ao gerador, mesmo depois
de se terem desprendido dele. E também por efeito dessa mesma Lei de Atração da Igual Espécie
atrairão formas análogas a elas, reforçando ainda mais a espécie má original. Contudo, como
permanecem ligadas ao gerador, acabam retornando a ele após tempo maior ou menor, muito mais
reforçadas também, trazendo-lhe então os efeitos retroativos correspondentes, em obediência à Lei da
Reciprocidade. Esse fenômeno, tão incisivo para a existência inteira do ser humano, foi abordado por
Jesus na passagem abaixo:
“Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos, procurando repouso, e não o
achando diz: Voltarei para minha casa donde saí. E, tendo voltado, a encontra varrida e
ornamentada. Então vai e leva consigo outros sete espíritos, piores do que ele, e entrando habitam
ali, e o último estado daquele homem se torna pior do que o primeiro.”
(Lc11:24-26)
“Espírito imundo” deve ser entendido aqui como algo que tem a aparência de uma forma
humana, visto ter se originado e saído do próprio ser humano, que é um ente espiritual. Se é imundo
significa que se trata de uma configuração gerada por uma vontade intuitiva má. Configurações de
intuições más e de pensamentos maus possuem formas horrendas – não obstante a aparência humana –
visto terem sido originadas do mal.
A beleza (não a física) e a feiúra constituem, aliás, indicadores precisos e imediatos daquilo que
se move direito ou errado na Criação. Certamente não é nenhum acaso o fato de a palavra hebraica ’ra
significar mal e também feio… e que em grego a palavra que designa belo também ter o sentido de
bom. Podemos obter uma noção da velocidade da decadência geral se compararmos algum tema da
época atual com outrora, verificando até que grau o conceito de beleza foi torcido pela raça humana.
Tomemos, por exemplo, a arte. Compare-se as pinturas dos grandes mestres da Renascença com
a chamada arte moderna. É de cair pictoricamente o queixo. Nas exposições desse tipo de arte muitos
se quedam profundamente compenetrados à frente de quadros que exibem apenas rabiscos e manchas
coloridas, tentando assimilar a “mensagem” que o pintor quis supostamente transmitir, ou, o que é
137
mais comum, dando-se ares de entendidos no assunto e emitindo opiniões várias. No entanto, tais
pinturas não significam outra coisa senão borrões sem sentido. Houve, inclusive, uma exposição em
que o quadro vencedor foi pintado por um macaco; numa outra, por uma criancinha de quatro anos que
apenas se divertia com as tintas que a mãe lhe havia dado para brincar; em outra exposição, um quadro
de arte moderna permaneceu por engano vários dias exposto de cabeça para baixo, sob os olhares e
comentários admirados dos apreciadores… E não se diga que a arte antiga e a atual são estilos
distintos, e que por isso não podem ser cotejadas. Beleza é beleza e feiúra é feiúra. Ponto. Não vamos
aqui nem mencionar a chamada arte contemporânea ou pós-moderna, pois que ainda não existem
adjetivos para descrever um tal horror. E essa “arte” pós-moderna seria pré o quê?... Dá medo só de
pensar…
Na música não é diferente. Os séculos XVIII e XIX viram surgir grandes compositores, autores
de obras maravilhosas, soberbas, imorredouras. Até mesmo a época medieval, tão turbulenta, foi berço
de músicas ricas e melodiosas, produtos admiráveis da pura vontade intuitiva de verdadeiros
compositores, e por isso mesmo também imperecíveis. Mas, à medida que nos aproximamos do século
XX e adentramos nele, a boa música vai escasseando mais e mais… E o que sobra também se deteriora
cada vez mais, até desembocar no pesadelo sonoro que os jovens de hoje ainda se atrevem a chamar de
música. Música verdadeira, perene, não pode surgir na época atual, quando a arte musical se encontra
degradada a ofício, subjugada que está pelo domínio irrestrito do raciocínio. O mesmo se pode dizer
em relação à arte da escultura.
E a indumentária! Compare-se as roupas e os “adornos” dos nossos jovens com as vestimentas
dos moços e moças do século XIX ou início do século XX. Não há comparação possível.
Assim se apresenta a humanidade agora, na última fase do Juízo Final. Todo o falso atuar
humano cresce agora cada vez mais sob a irradiação do Juízo, exibindo-se sob as formas mais
extravagantes, mesclando-se ainda com acontecimentos terríveis, retornos da própria má vontade
humana acumulada. O resultado de tudo isso é um caos enorme, imerso na imundície, uma feiúra
ampla, geral e irrestrita, sem paralelo na história da humanidade.
Já a beleza, bem ao contrário, é o efeito natural e automático de todo e qualquer fenômeno que se
processa em conformidade com as leis da Criação. Tudo o que age e se molda de acordo com essas leis
será belo. Sempre será. É impossível não sê-lo. Mesmo aqui na Terra podemos constatar isso, ainda
que em escala reduzida, observando a beleza sempre renovada da natureza. Como ela, a natureza, se
desenvolve incondicionalmente segundo essas leis, tem necessariamente de ser bela. É por isso que
ninguém nunca viu, nem nunca verá, uma flor feia… A natureza só se degrada de algum modo quando
o ser humano põe sobre ela a mão, provocando desequilíbrios em múltiplas formas.
Também o ser humano poderia viver rodeado de beleza, se apenas quisesse realmente. Bastaria
que se esforçasse em viver de acordo com as poucas e simples leis naturais, procurando direcionar seus
pensamentos, palavras e ações sempre no sentido construtivo, no sentido do bem. Se a sua
“perseverança nisso tivesse tido ação completa, ele se tornaria perfeito e íntegro, em nada deficiente”
(Tg1:4). Sua vida tornar-se-ia novamente bela, assim como ele próprio, como resultado da atuação
dessas mesmas leis.
Por isso, o ser humano de espírito vivo tem de cobrar ânimo e agir. Agir agora, no presente! Ele
mesmo tem de arregimentar todas as suas forças unicamente no sentido do bem, sem descanso, se
quiser de fato construir um belo futuro para si. É ele mesmo quem precisa colocar mãos à obra, com
infatigável afinco! Cabe a ele, exclusivamente, transformar de modo radical sua vontade interior, o que
naturalmente acabará se exteriorizando também em seus pensamentos, palavras e ações. E o
pensamento purificado, a palavra verdadeira e a ação correta constituem justamente o material de
construção com que ele molda, de modo inteiramente automático, um belo e radiante futuro para si
mesmo. Tanto no Aquém como no Além. De modo inteiramente automático. Sem estafas intelectuais,
sem algemas dogmáticas, sem malabarismos místico-ocultistas.
Agindo dessa forma ele terá de formar um belo futuro para si, por nem ser possível
diferentemente segundo a lei natural de Causa e Efeito, ou Lei da Reciprocidade. Não é nada que a boa
vontade e a perseverança não possam conseguir. As pedras que aqui e acolá surgem nessa sua
empreitada, como se viessem do nada, e que eventualmente ainda podem fazê-lo tropeçar e se
machucar, só lhe são úteis na realidade. Elas também foram formadas, lapidadas e colocadas no tapete

138
do seu destino por ele mesmo, em decorrência de sua sintonização errada de outrora. Não devem
incutir-lhe medo ou desânimo, ao contrário, devem servir para que reconheça os erros que ainda lhe
pendem e retemperar sua tenacidade em prosseguir para cima, colhendo sempre novos
reconhecimentos espirituais. Deve ter sempre em mente que “Deus não nos deu um espírito de medo,
mas um espírito de força, de amor e de sobriedade” (2Tm1:7). Um provérbio oriental diz: “Quando se
busca o cume da montanha, não se dá importância às pedras do caminho.” As próprias pedras tornar-
se-ão paulatinamente menores e mais raras à medida que se sobe, até que um dia também elas terão
desaparecido por completo. Desse modo, a escalada lhe será facilitada a cada dia, na medida exata do
seu esforço em ascender. E, ao atingir determinada altura, poderá divisar então nitidamente o belo
futuro acalentado, o porvir que ele mesmo forjou para si, que ele mesmo conquistou.
Uma pessoa que se esforça desse modo para as alturas luminosas só poderá reagir com alegria
ante cada anunciação do Alto, e não com medo. Medo é sinal de falta de movimentação espiritual, e
agora, no Juízo, indica algo mais grave: falta de confiança na atuação das leis eternas, e por
conseguinte falta de confiança na própria Onipotência e Justiça do Todo-Poderoso. Já o tema Juízo
Final, por si só, é capaz de despertar o medo em muitos, como aconteceu outrora com o governador
Félix ao ouvir Paulo: “Dissertando ele acerca da Justiça, do domínio próprio e do Juízo vindouro, ficou
Félix amedrontado” (At24:25).
Desde o grande falhar, o medo sempre foi companheiro constante da raça humana. Até mesmos
os singelos pastores que tomavam conta do rebanho na noite de Natal, “ficaram com muito medo
quando um anjo do Senhor lhe apareceu” (cf. Lc2:9) para lhes anunciar o sagrado nascimento de Jesus.
Por essa razão, o anunciador lhes falou antes de mais nada, tranqüilizando-os: “Não tenhais medo!”
(Lc2:10). Por isso também sempre encontraremos essas palavras quando um anunciador das alturas se
dirige a um ser humano. Foi o que ocorreu, por exemplo, com Zacarias ao ver um anjo do Senhor
postado à direita do altar. O sacerdote ficou perturbado com a visão, e imediatamente o anjo disse:
“Não tenhais medo, Zacarias, porque o Senhor ouviu teu pedido” (Lc1:13).
O único antídoto para o medo em nossa época, de cuja especial intensidade discorreremos mais à
frente, é, portanto, manter contínua movimentação na escalada espiritual. Os que pautam suas vidas
dessa forma sentem alegria permanente e não medo, e com isso tornam belos seu ambiente bem como
a si próprios. São aquelas pessoas que parecem clarear o recinto só com a sua presença, e que sempre
atraem magneticamente outras pessoas também possuidoras de qualidades boas. Homens que inspiram
confiança e mulheres que irradiam graça. Criaturas belas no mais verdadeiro sentido, pouco
importando se jovens ou velhas.
Sobre isso, já bem dizia o grande Pelágio no século IV: “Cada cristão tem de ser o mestre artesão
da sua própria alma”. É nesse sentido que se pode dizer que o espírito molda o corpo, pois a vontade
espiritual – o coração do homem – traz em si a força para moldar a alma de matéria fina: “É o coração
do homem que modela o seu rosto, quer para o bem, quer para o mal” (Eclo13:31). Se o coração
estiver voltado só para o bem, a alma se tornará belíssima.
Mas essas almas belas, infelizmente, são a exceção, e cada vez mais rara. A maior parte da
humanidade é constituída de almas feias, horríveis mesmo, deformadas pelo egoísmo, mentira, inveja e
ódio. São seres repulsivos, que conspurcam o ambiente com suas conformações medonhas de matéria
fina, geradas por sua vontade má e seus pensamentos pestíferos. São, sim, criaturas horrorosas,
repugnantes, mesmo que tenham uma boa conversa, mesmo que seus reflexos no espelho possam ser
chamados de agradáveis. Como diz a voz do povo: por fora bela viola, por dentro pão bolorento…
É justamente para as emboloradas almas humanas dessa espécie, particularmente para as
mulheres tão superficiais, que se diz: “anel de ouro em focinho de porco, tal é a mulher formosa, mas
insensata” (Pv11:22). Infelizmente, quem vê a despudorada mulher da época atual, também tem de
concordar que essa sentença do livro apócrifo Testamento dos Doze Patriarcas, escrito em fins do
século II a.C., continua inteiramente válida para os dias de hoje: “Se quiserdes permanecer puros em
vossos pensamentos, excluí de vossa mente as mulheres!”
Em linhas gerais, a mulher se degradou de uma tal maneira, que ela nem pode mais reconhecer.
Tanto, que o homem deixou de reconhecer nela a portadora da elevada missão da feminilidade,
acabando por desprezá-la de modo totalmente inconsciente. Todo lugar em que a mulher se encontra
rebaixada, oprimida de inúmeras maneiras pela masculinidade, é indicativo de um solo espiritual

139
doentio, que terá de ser purificado de um jeito ou de outro. Esse processo de degeneração contínua da
feminilidade vem já de milênios, e por isso pode ser reconhecido em vários textos bíblicos que, de uma
maneira ou de outra, discriminam a mulher com mal disfarçada misoginia.
Como a humanidade se encontra afastada da Verdade há sete mil anos, e os textos bíblicos mais
antigos têm muito menos de 4 mil anos de idade, é natural que as deturpações de Baal tenham-se
imiscuído em muitos temas da Bíblia, principalmente no tocante ao papel da mulher, que sempre foi o
primeiro alvo da obra destruidora de Lúcifer. Por exemplo, a palavra hebraica normalmente traduzida
como marido nos textos do Antigo Testamento possui o significado original de “dominar, governar”, e
seria mais honestamente traduzida como “amo, senhor”. O respeito e a atenção que Jesus dedicou às
mulheres de seu tempo foi algo que causou uma enorme surpresa, quando não comoção. Mas foi só ele
partir para que os antigos costumes retornassem com toda a força entre o povo, como fica evidente
nessas frases soltas de Paulo, que não era nenhum carrasco: “As mulheres estejam caladas nas
assembléias, porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a lei, devem ser
submissas. Se, porém, quiserem aprender alguma coisa, perguntem em casa aos maridos”
(1Co14:34,35); “A mulher receba a instrução em silêncio, com toda submissão. Não permito à mulher
que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio”
(1Tm2:11,12).
Mal sabia o apóstolo que a mulher exerce, sim, amplo domínio sobre o homem, muito maior do
que se imagina, sendo esse o motivo de Lúcifer tê-la escolhido como seu alvo principal, pois ele sabia
muito bem que se fizesse cair a mulher, o homem a seguiria infalivelmente para baixo. A queda no
pecado descrita no Gênesis mostra exatamente essa situação. O poder da mulher é exercido sobretudo
no lar, quando, no bom sentido, ela se torna realmente uma rainha, de esplendorosa beleza,
derramando bênçãos sobre a família e a Criação inteira, com sua atuação silenciosa: “Como o Sol
quando se ergue no alto do céu, assim é a beleza de uma boa esposa na ordenação de sua casa”
(Eclo26:21).
Uma lenda judaica muito antiga, mostra que esse saber sobreviveu em certa medida, mesmo sob
o terrível culto de Baal. No relato, um homem e uma mulher piedosa se casam, e como não têm filhos
concordam em se separar. Cada qual encontra um novo companheiro. Diz a estória que o marido
piedoso se casou com uma mulher ímpia e ela o tornou ímpio, e que a mulher piedosa se casou com
um homem ímpio e fez dele um exemplo de retidão. Essa singela estória sintetiza muito bem o alcance
do poder e da força da mulher dentro do lar.
Contudo, vários outros exemplos mostram a influência nefasta da doutrina de Baal para a
degradação da feminilidade na Antiguidade. O muito antigo livro de Levítico, escrito provavelmente
por volta do século V a.C., estipulava que se a mulher desse à luz um filho seria considerada impura
por uma semana, mas no caso de uma filha a impureza se estenderia por duas semanas… A mulher não
poderia participar de cerimônias religiosas por 33 dias se tivesse dado à luz um filho, e 66 dias se
tivesse tido uma menina (cf. Lv12:1-5). Quando o Levítico faz uma avaliação monetária das pessoas
segundo a idade, a mulher aparece sempre com a metade do valor de um homem (cf. Lv27:1-7). As
mulheres judias ficavam de pé enquanto os homens comiam, e tinham de manter certa distância dos
seus senhores nas ruas e nos átrios do Templo, onde podiam ocupar apenas uma área segregada,
denominada “pátio das mulheres”. Seu testemunho não era válido num tribunal e os rabinos
consideravam um pecado instruir mulheres na religião. Uma mulher não podia, em hipótese alguma,
tornar-se sacerdotisa, porque seu ciclo mensal a tornava quase que permanentemente impura. Era
crença disseminada que o espírito de um homem ímpio teria, como castigo, de se encarnar depois
como mulher, ao passo que se uma mulher se comportasse de maneira justa, tornar-se-ia homem numa
outra vida… Na Roma antiga e também na Grécia, uma mulher só podia realizar algum negócio se
tivesse um fiador masculino. Em Atenas, havia normas para o deslocamento das mulheres pela cidade.
A mulher grega só começava a contar sua idade a partir do dia em que se casava, significando que o
casamento marcava o começo de sua vida real.
Foi a própria mulher que permitiu ser assim discriminada, ao aceitar voluntariamente os engodos
de Lúcifer e repudiar sua sublime missão. Com isso, aos olhos da Luz ela perdeu seu encanto, e se
tornou feia, horrivelmente feia.

140
No futuro, quando o conceito de beleza tiver sido endireitado à força, assim como tudo o mais
que a humanidade torceu em sua cegueira espiritual, a Terra voltará a ser habitada unicamente por
seres humanos belos, na mais completa acepção deste termo. E, em primeira linha, conduzindo tudo no
novo tempo… a mulher!
Não a mulher de hoje, a “mulher estulta que nada sabe” (Pv9:13), da qual “sai malícia como
traça das vestes” (Eclo42:13), a “estranha que fala com suavidade mas que se esqueceu da aliança do
seu Deus” (Pv2:16,17), que “não segue o caminho da vida e seus trilhos se extraviam sem que
perceba” (Pv5:6), “cuja casa pende para a morte e para o abismo os seus caminhos” (Pv2:18), onde
“todos os que a freqüentam não retornam, e não encontram os caminhos da vida” (Pv2:19), porque
“suas escadas levam para os átrios da morte” (Pv7:27). Mas sim a nova mulher, aquela que se tornou
“muito mais preciosa do que as jóias” (Pv31:10), “vestida de força e dignidade” (Pv31:25), cuja “graça
vale mais que o ouro” (Eclo7:19), que “abre a boca com sabedoria, e sua língua ensina com bondade”
(Pv31:26); a mulher espiritualizada, guardiã do sagrado anseio pela Luz nas criaturas, que com sua
invencível pureza rediviva “esmaga a cabeça da serpente” (Gn3:15), a serpente do mal e do pecado, a
qual nunca mais poderá seduzir ninguém. A vida inteira então voltará a ser bela, será tão maravilhosa e
linda como já fora no início dos tempos. E como deveria ter permanecido.
Mas voltemos, depois dessa longa digressão, ao espírito imundo que se desprendeu do ser
humano, como decorrência de um pecado. Essa conformação má “anda por lugares áridos”, ou seja, é
arrastada para regiões que, assim como ela mesma, são feias e lúgubres. É levada incondicionalmente
para essas regiões, de acordo com a atração da igual espécie, e “não encontra repouso”, porque tudo o
que entra na engrenagem da Criação é mantido em movimento permanente. Continuamente
impulsionada, essa configuração de espécie ruim acaba “voltando para casa”, isto é, para o ponto de
partida, o ser humano que a gerou, já que sempre permaneceu ligada a ele.
O espírito imundo – a configuração intuitiva má – volta trazendo “outros sete espíritos piores do
que ele”. Essa imagem mostra que a configuração retorna ao gerador reforçada em sua espécie má,
pela atração da espécie igual. E, com isso, o estado daquela pessoa se torna evidentemente “pior do
que antes”, quando havia gerado a configuração inicial, pois recebe em si, multiplamente aumentado, o
efeito retroativo de sua vontade má original.
Depois de ter gerado a configuração inicial, a pessoa poderá até se arrepender e não dar ensejo à
formação de outras de igual espécie má, ou seja, pode cuidar de manter limpo o seu íntimo, deixando a
“casa varrida e ornamentada”. Contudo, aquela primeira configuração má só será extinta quando
retornar a ela, robustecida em sua espécie básica, evidenciando-se através de algum efeito recíproco
correspondente a esse carma ruim, com o que somente então a culpa será efetivamente remida. O
retorno da configuração má, que se evidencia por um mau efeito na reciprocidade, em grau maior ou
menor segundo o âmbito da pessoa por ocasião desse retorno, traz o perdão do pecado cometido
outrora, quando o ser humano em questão reconhece como justo o que lhe atinge e conseqüentemente
modifica sua sintonia interior naquilo que ainda é necessário.
Que a simples intenção má já é mesmo um pecado, através do fenômeno acima descrito, fica
patente nessa advertência de Jesus:
“Ouvistes o que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: Qualquer um que olhar para uma
mulher com intenção impura, no coração já adulterou com ela.”
(Mt5:27,28)
Ou seja: com a vontade intuitiva da cobiça o pecado já foi cometido, portanto também já pôs em
marcha as engrenagens das leis naturais, as quais cuidarão de trazer de volta ao gerador o respectivo
efeito retroativo dessa sua vontade má.
Essa contingência mostra como é inócuo o atual esforço exacerbado de se vivificar o lema: “tudo
é puro para os que são puros” (Tt1:15). Primeiro, porque uma pessoa exteriormente considerada pura
pelos seus semelhantes pode muito bem ter um coração impuro, emitindo pensamentos imundos, como
acontecia com os fariseus. Apenas de uma pessoa verdadeira e intimamente pura, se poderia dizer que
“tudo quanto dela emana é puro”, mas não que qualquer coisa exterior seja por ela purificada de
alguma forma. Em segundo lugar, porque essa sentença da Epístola de Paulo a Tito, caso seja mesmo
do apóstolo, deve ser entendida no contexto da época, em que havia uma grande celeuma entre os
141
doutrinadores sobre quais alimentos eram puros e quais não eram, segundo os preceitos judaicos. O
livro de Atos conta que o apóstolo Pedro até necessitou de uma visão para lhe mostrar que
determinados alimentos, ao contrário do que prescreviam as leis do Judaísmo, não eram impuros
(cf. At10:9-16). Não se tratava aí da pureza íntima, do coração, pois essa Paulo defendia
enfaticamente, como atesta essa exortação a Timóteo: “Conserva-te puro!” (1Tm5:22).
Essa pureza verdadeira nada tem a ver, portanto, com divergências ritualísticas entre o
Cristianismo incipiente e o Judaísmo tradicional, que realmente se evidenciaram logo, já no início do
primeiro século da era cristã. Em sua biografia do imperador Claudius, que comandou o Império
Romano entre os anos 41 e 54 d.C., o historiador latino Caius Suetonius (69? – 126) narra que em 49
d.C. ele expulsou os judeus de Roma (cf. At18:2) porque estes “viviam em contínuas desavenças por
causa de um certo ‘Cresto’ [Cristo]”.
Más intuições e maus pensamentos já formam, portanto, um carma ruim, que terá de se efetivar
mais cedo ou mais tarde sobre o gerador. O ser humano tem, sim, a capacidade de atenuar um mau
efeito retroativo prestes a se abater sobre ele, caso mude sua disposição interior, nunca porém de
eliminá-lo antes da sua efetivação. Está em suas mãos estipular o montante a ser pago, mas não
extinguir a dívida a ser saldada. Jesus esclareceu esta contingência de uma forma bastante simples e
clara:
“Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que
o adversário não te entregue ao juiz, o juiz ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em
verdade te digo que não sairás dali enquanto não pagares até o último centavo.”
(Mt5:25,26)
Pagar até o último centavo… Pagar até o último centavo! Como, depois dessas palavras, pode
um cristão supor que uma outra pessoa, talvez até muito mais sobrecarregada de culpa do que ele,
tenha o poder de lhe perdoar os pecados?… “Cada qual tem de carregar seu próprio fardo” (Gl6:5),
avisa Paulo. Só sairemos da prisão para a liberdade após pagar o último centavo, só deixaremos a
matéria rumo ao reino espiritual depois de resgatar dentro dela todas as nossas culpas. Progredimos
quando reconhecemos a causa do nosso pesado fardo de sofrimento, mas nenhum centavo39 nos poderá
ser perdoado arbitrariamente.
Quero novamente citar aqui um trecho da Mensagem do Graal de Abdruschin, dissertação
“Despertai!”:

“É tolice falar de golpes do destino ou provações. Cada luta e cada sofrimento é


progresso. Com isso o ser humano terá ensejo de anular sombras de culpas anteriores,
pois nenhum centavo pode ser perdoado para cada um, porque o circular de leis eternas
no Universo é também aqui inexorável, leis nas quais se revela a vontade criadora do
Pai, que assim nos perdoa e desfaz todas as trevas.”

O perdão advém pelo reconhecimento do erro, quando do retorno da reciprocidade. Através de


Suas Leis auto-atuantes na Criação, “o Senhor, Deus misericordioso e clemente, conserva a
misericórdia por mil gerações e perdoa culpas, rebeldias e pecados, mas não deixa nada impune”
(Ex34:6,7). Ele, pois, não deixa nada impune! Nada!
A idéia de um perdão fácil e imerecido dos pecados só pôde medrar mais uma vez da nefasta, da
funesta ilusão da “salvação pela graça”. Tal engodo concede aos ludibriados a falsa segurança de já
estarem salvos, apenas porque crêem no Senhor Jesus e no sacrifício da cruz. Na verdade, esse tipo de
Cristianismo não lhes concede a libertação do pecado como imaginam, mas sim a liberdade de pecar.
Sabem que não devem pecar, mas, como já estão salvos, no caso de caírem de novo em alguma
tentação e pecarem… paciência! Basta que se penitenciem de algum modo para que no mesmo instante
seu hodômetro de vida pecaminosa retorne novamente a zero, e assim, felizes da vida, mais uma vez…
vida nova! Até o próximo pecado… Falácia nefanda! Isso é que é! Todos estes que se julgam
purificados pelo sangue na cruz terão de prestar contas um dia por tamanha arrogância e insensatez.
39
O centavo mencionado por Mateus é o lepto grego, uma moeda fina e minúscula, com diâmetro de um centímetro e peso
pouco maior que uma grama.
142
Sua fé cega nos textos bíblicos e nas interpretações torcidas das palavras de Jesus de nada lhes valerão
naquela hora.
Quantos desses fiéis se têm na conta de muito vigilantes, prontos a refutar qualquer um que tente
desviá-los da Palavra da Bíblia, sem perceberem que já estão todos completamente desviados de seu
próprio Criador, justamente por considerarem tantos desses escritos lotados de erros como sendo a
mais pura Palavra Sagrada. Algo mais trágico não pode haver. Eles partem da premissa, por eles
mesmos elaborada, de ter nas mãos a própria Palavra de Deus, e deduzem daí que o Onipotente sempre
a protegeu contra toda e qualquer falha. Então me digam quem se alegraria com esse pensamento: o
Altíssimo Criador dos Mundos ou Satanás?... Qual deles exultaria em ver o ser humano se agarrar a
conceitos torcidos e defendê-los cegamente, com unhas e dentes, com a própria vida se preciso for?...
Qual deles sempre procurou fazer a criatura humana afundar no erro e na ilusão, para que se perdesse
por toda a eternidade?... Esses fiéis de raciocínio sabem que Satanás é astuto, pois vivem fazendo
alarde disso e advertindo seus semelhantes com pausadas palavras, proferidas gravemente à meia-voz.
Só não sabem quão astuto ele é na verdade, a ponto de já tê-los enredado por inteiro nas teias da
mentira e extinguido seus brios para sempre.
Quando maus, a vontade intuitiva e os pensamentos já constituem pecados, assim como
naturalmente as ações más visíveis na matéria. E as palavras? Também estas põem em movimento
forças na Criação, desencadeando a respectiva reciprocidade: boa, se forem belas e construtivas; má,
se visarem a destruição. Por isso, um sábio de origem árabe, muito sábio mesmo, deixou registradas
essas palavras: “Senhor, fazei com que minhas palavras sejam de mel, porque sei que terei de engoli-
las de volta.”
Daí também a advertência tão clara: “Quem quer amar a vida e ver dias felizes, refreie a sua
língua do mal e evite que os seus lábios falem dolosamente” (1Pe3:10), visto que “a língua do homem
pode causar sua ruína” (Eclo5:13), porque a língua má é “mal incontido, carregado de veneno
mortífero” (Tg3:8). Assim é que ambos, “morte e vida estão no poder da língua; quem sabe usá-la
comerá de seus frutos” (Pv18:21). O rei Davi já sabia que as palavras más acarretariam o justo castigo
na reciprocidade: “Serão levados a tropeçar; a própria língua se voltará contra eles” (Sl64:9). Tiago
também advertiu que “a língua, pequeno órgão, está situada entre os membros de nosso corpo e
contamina o corpo inteiro” (Tg3:5,6). Para ele, a atuação da palavra humana era comparável a “um
pequeníssimo leme capaz de governar um grande navio” (Tg3:4,5), tão importante ela é na formação
do destino humano na Terra.
No Apocalipse está dito que da boca da besta e do falso profeta sairão “espíritos imundos em
forma de rãs” (Ap16:13), e que “estes são espíritos demoníacos com poder de realizar prodígios”
(Ap16:14). Isso significa que, no tempo do fim, os falsos profetas farão prodígios com as palavras que
saírem de suas bocas, com auxílio do raciocínio hipercultivado (a besta) de todos eles. Deixo ao leitor
concluir se isso está ou não a ocorrer nos dias de hoje.
Sobre a importância, infelizmente pouco reconhecida, das palavras proferidas, diz Abdruschin
em Na Luz da Verdade, dissertação “A Palavra Humana”:

“As palavras que formais, as frases, moldam vosso destino exterior sobre a
Terra. São como sementeiras num jardim que cultivais em redor de vós, pois cada
palavra humana pertence ao mais vivo que vós podeis fazer em vosso favor nesta
Criação.”

Muitas vezes é o tom que dá valor às palavras, mais até do que seu sentido. Palavras ríspidas
podem ferir literalmente a alma daquele que é atingido por elas, através do ódio que as conduz: “a
língua falsa odeia os que ela fere” (Pv26:28), ao passo que “palavras gentis são um favo de mel,
doçura para a alma e saúde para o corpo” (Pv16:24). A esse respeito, Paulo exortou os Colossenses a
conservarem sua palavra “sempre agradável” (Cl4:6) e foi ainda mais incisivo com os Efésios: “Não
saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para edificação, conforme a
necessidade, e assim transmita graça aos que ouvem” (Ef4:29).

143
Gostaria de citar um sábio ditado que nós, ocidentais, conhecemos muito bem mas que não
damos o devido apreço: “O homem é senhor das palavras que não diz e escravo das que profere.” Que
sabedoria encerra essa frase!...
E mais uma vez quero emendar aqui um outro ensinamento antigo, que nos diz que a palavra
humana, antes de ser proferida, necessita passar por três portais. No primeiro portal, um guardião
pergunta se aquela palavra é verdade; se for, permite que prossiga. No segundo portal, um outro
guardião pergunta se deve ser proferida; confirmada essa necessidade, a palavra tem acesso livre até o
terceiro e último portal. Chegando lá, o respectivo guardião pergunta se está na hora de dizer. Sendo
aquele o momento certo de enunciá-la, então a palavra está liberada para finalmente sair da boca do ser
humano. Depois de ter passado pelos três portais, a palavra humana só poderá trazer bênçãos onde
pousar. Todas as nossas palavras deveriam passar por esses três portais! Para quem deixou a Verdade
da Palavra de Deus frutificar dentro de si, isso acontece sempre, de modo automático, sem necessidade
de demoradas ponderações prévias. Sobre a passagem pelo terceiro portal, a Bíblia nos dá a seguinte
imagem: “Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo” (Pv25:11).
A vontade intuitiva má, o coração mau de um ser humano, dá ensejo não somente a maus
pensamentos, mas também a palavras más. São três tipos distintos de culpa, que terão de ser resgatados
de uma maneira ou de outra pelo autor. Apesar de as palavras poderem ser consideradas como um tipo
de ação, no início do Cristianismo os teólogos Tertuliano e Orígenes já faziam uma distinção entre
pecados de pensamento, de palavra e de atuação. As palavras testemunham de uma maneira
terrenamente perceptível aquilo que vai dentro do íntimo da respectiva pessoa, o que reside em seu
coração. A imagem que Jesus deu desse processo é a seguinte:
“O homem bom, do bom tesouro do coração tira o bem, e o mau, do mau tesouro tira o mal;
porque a boca fala do que está cheio o coração.”
(Lc6:45)
Também o falar irrefletido, o tagarelar, constitui um abuso da dádiva de formar palavras; por
isso, cada homem deve “ser pronto no ouvir e tardio no falar” (Tg1:19), pois “no falar excessivo não
falta o pecado” (Pv10:19). Falar em demasia nunca foi boa coisa, e disso se apartam os sábios: “Na
boca dos tolos se encontra o seu coração; no coração dos sábios se encontra a sua boca” (Eclo21:26).
Em tempos remotos já havia uma advertência muito séria para se manter a boca fechada: “Faze
também para tua boca porta e ferrolho” (Eclo 28:25). O sábio rei Davi chegou a pedir ao Senhor que
vigiasse a porta dos seus lábios, e jurou para si mesmo guardar a boca com mordaça, para não
acontecer de pecar com a língua: “Põe, Senhor, uma guarda à minha boca, uma sentinela à porta dos
meus lábios. (…) Vou guardar meu caminho para não pecar com a língua; vou guardar minha boca
com mordaça” (Sl141:3;39:1). No que, aliás, fez ele muito bem, pois “quem guarda a boca e a língua
preserva das angústias sua alma” (Pv21:23). Na segunda carta que recebeu de Paulo, Timóteo também
é advertido a respeito: “Evita igualmente os falatórios inúteis e profanos, pois os que deles usam
passarão à impiedade ainda maior” (2Tm2:16). Por fim, pode-se constatar facilmente que só “aquele
que detesta a tagarelice escapa do mal” (Eclo19:6).
Não é, pois, nenhum acaso o fato de um tagarela não gozar de confiança, pois sente-se
nitidamente que nada de bom pode advir de alguém sempre pronto a falar: “Vês alguém sempre pronto
para falar? Há mais coisas a esperar de um insensato do que dele” (Pv29:20). O bispo Pápias, do
século II, dizia que “não se deleitava com os que têm muito a dizer, mas com aqueles que ensinam a
verdade”.
Assim como tudo quanto é errado, o falar leviano acarreta igualmente conseqüências danosas.
Semelhante desleixo constitui um dos muitos pendores que sobrecarregam a alma humana, isto é, algo
que fica realmente “dependurado” na alma, e que a faz afundar por efeito da Lei da Gravidade
Espiritual. Foi para evitar essa situação tão grave, que Jesus alertou:
“Seja, porém, a tua fala: sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno.”
(Mt5:37)
Tiago repetiu enfaticamente essa mesma advertência à sua comunidade: “Que o vosso sim seja
sim e que o vosso não seja não, para não incorrerdes em condenação” (Tg5:12). Em condenação,
144
adverte Tiago… Jesus também advertira que as conseqüências do falar leviano teriam de ser arcadas
integralmente pelo autor, visto tratar-se de uma culpa que reclama resgate de algum modo, como
qualquer outro tipo de pecado:
“Digo-vos que toda a palavra frívola que proferirem os homens, dela darão conta no Dia do
Juízo.”
(Mt12:36)
Por aí já se vê como é errado e danoso o linguajar estéril dos jovens dos nossos dias, constituído
quase que exclusivamente de gírias e monossílabos, praticamente demandando um intérprete para se
poder entendê-los.
Nisso se insere também a necessidade de se conservar a integridade do idioma, dada sua
importância no destino dos povos. É verdade que o idioma não é fixo, mas sua mobilidade tem de ser
guiada exclusivamente no sentido ascendente, e não voltada para uma pretensa simplificação, que nada
mais é do que um enfraquecimento. Ser simples não é ser simplista nem simplório, mas sim ser claro.
O surgimento de dialetos numa nação é um sinal muito grave de enfraquecimento do idioma, com
conseqüências nefastas para o povo inteiro.
Os alemães sabem muito bem o que isso significa. Pouco antes de Martinho Lutero lançar sua
Bíblia, em 1522, a Alemanha encontrava-se ameaçada de cisão territorial como conseqüência do uso
de pelo menos cinco dialetos. O Novo Testamento achava-se impresso em catorze versões diferentes.
Lutero recusou a idéia de lançar sua Bíblia num dos dialetos vigentes, ou mesmo nalgum pobre
alemão. Preferiu a forma íntegra e rica da antiga língua alemã, obrigando o povo a ler a Bíblia em seu
idioma verdadeiro. Ele queria que todos os alemães compreendessem muito bem a sua Bíblia, pois
acreditava que os cristãos não precisavam de nenhuma mediação da Igreja, e para tanto usou “o
modelo da chancelaria da Saxônia seguido por todos os reis e príncipes da Alemanha.” Os alemães
tiveram de estudar novamente o alemão para lê-la, e com isso deixaram de lado os dialetos com sua
linguagem inexpressiva. O resultado foi que a Bíblia de Lutero, cuja primeira edição data de 1534,
acabou contribuindo para manter a pátria alemã unificada. O professor Hans Störig, do Instituto
Lexicográfico de Munique, explica que apesar de Lutero não ter tido intenção de ditar normas
lingüísticas para seu povo, a divulgação de sua Bíblia acabou atuando fortemente nesse sentido.
Posteriormente, o grande escritor Goethe aperfeiçoou ainda mais o idioma germânico, retirando
arcaísmos e infundindo valiosos neologismos, a ponto de a língua alemã ser conhecida hoje como “a
língua de Goethe”. Hans Störig diz que quem ler as obras de Goethe “encontrará nelas o alemão em
sua forma mais elevada, em sua mais bem sucedida síntese de liberdade, profundidade de pensamento
e arte da língua.”
Desse modo, o idioma alemão foi não apenas protegido e preservado, mas ainda conheceu uma
evolução extraordinária nos últimos séculos. Isso deveria constituir um exemplo para todos nós. Cada
povo deveria procurar fazer o mesmo com seu idioma pátrio, cuidando de utilizar a língua materna na
sua forma correta. A negligência nisso redunda num tipo específico de pecado, relativo ao modo
negligente de falar e de se exprimir as idéias, que tende a piorar cada vez mais com o tempo.
Todo pecado continuamente alimentado, seja de que tipo for, acaba se transformando num
pendor. Pela condensação advinda da atração da espécie igual, o pendor aderido à alma se robustece
cada vez mais e passa a influenciar poderosamente o respectivo ser humano, levando-o com freqüência
a cometer seguidamente a mesma falta. Um círculo vicioso, cujo fim é o descalabro total. Um tal
fustigado pecador apresenta seu livre-arbítrio atado pelo pendor, porque sua vontade seguirá sempre
naquela mesma presumível direção errada, escrava que está dessa forte tendência para mal, a qual foi
alimentada e cultivada por ele mesmo. Seu livre-arbítrio se encontra, pois, completamente tolhido,
escravizado, incapaz de cumprir sua função no desenvolvimento ascensional do espírito. Assim é que
“o pecado que habita dentro do homem faz o mal que ele não quer” (Rm7:20), de sorte que, conforme
Jesus já advertira, “quem comete pecado se torna escravo do pecado” (Jo8:34). A respectiva pessoa
pode até reconhecer seu erro: “reconheço a minha iniqüidade e meu pecado está sempre diante de
mim” (Sl51:5), mas continua agindo da mesma maneira errada. Passa, por conseguinte, a agir
conscientemente de maneira errada, o que evidentemente constitui um fator complicador da sua
situação: o dolo.
145
A pessoa em questão só ficará livre dessa influência maléfica e estorvante da vontade, quando o
pendor for radicalmente extinto de sua alma, e não apenas amortecido por mera vontade mental.
A bem-intencionada vontade mental não é capaz de fazer mais do que cortar uma das cabeças dessa
poderosa Hidra de Lerna do pendor, a qual inevitavelmente renascerá com todo o vigor na primeira
oportunidade gerada por uma tentação qualquer.
Se a respectiva pessoa não se livrar totalmente do pendor a ela aderido, então acontece de esse
pendor arrastá-la para baixo quando deixar a matéria grosseira, por efeito da Lei da Gravidade, sendo-
lhe então muito mais difícil conseguir a libertação. Pendor é algo que realmente pende na alma e a
puxa para baixo, devido à sua constituição mais escura e mais densa. Fora da Terra de matéria
grosseira não existe mais o corpo físico retardando os efeitos recíprocos, mas sim tudo se torna
imediatamente vivência, de acordo com o estado da alma. Por isso, é extremamente difícil nessas
circunstâncias livrar-se de um pendor a ela aderido. A alma ficará retida em regiões inferiores,
consentâneas à sua igual espécie, até ser arrastada ao círculo da decomposição de tudo quanto se
mostra inútil na Criação. A culpa de um destino assim tão trágico é, evidentemente, do próprio espírito
humano: “As próprias iniqüidades enredarão o ímpio, que será preso pelos laços de seus próprios
pecados. Ele morrerá, porque não observou a disciplina, iludido por sua imensa estupidez”
(Pv5:22,23).
No Antigo Testamento, a culpa como responsabilidade diante do Criador é expressa pelo termo
hebraico ’asham, cujo significado literal é “responsabilidade que permanece até a culpa ser removida”.
Unicamente uma firme vontade espiritual, uma vontade interior ardente para o bem, e sobretudo
perseverante, pode extirpar de uma vez por todas as sete cabeças dessa aparentemente invencível
serpente do pendor e, com isso, remover a culpa em definitivo. Só tem valor a vontade de quem tem
vontade!… A vontade espiritual permanente no sentido do bem elimina pouco a pouco os pendores
terrenos ou da carne, livrando o indivíduo das regiões da condenação e fazendo-o ascender
espiritualmente, o que, por fim, redundará na obtenção da vida eterna, objetivo último do espírito
humano: “Quem semeia para a carne colherá o que produz a carne: a corrupção; quem semear para o
espírito colherá o que produz o espírito: a vida eterna” (Gl6:8); “Se viverdes de modo carnal morrereis;
mas se, pelo espírito, fizerdes morrer o vosso comportamento carnal, vivereis. (…) O pendor da carne
dá para a morte, mas o do espírito para a vida e a paz” (Rm8:13,6). Contudo, quem não se der a esse
trabalho, de pender para o espírito, já se sobrecarrega com uma nova culpa, pois “aquele que sabe que
deve fazer o bem e não o faz, nisso está pecando” (Tg4:17).
Para eliminação dos pendores pecaminosos contribuem justamente os dolorosos efeitos
retroativos deles decorrentes, que desse modo estimulam a pessoa atingida a mudar radicalmente a
sintonização de seu íntimo, para que não volte a pecar. O efetivo perdão dos pecados se dá, pois, pelo
desencadeamento da reciprocidade, quando a pessoa recebe o retorno de sua atuação errada,
reconhecendo como justo esse efeito retroativo e tomando a inabalável resolução de não agir mais
daquela maneira. A partir daí sua vida se tornará de fato im-pecável, isto é, sem pecados.
As pessoas que no tempo de Jesus ouviram dele: “Teus pecados estão perdoados!” haviam
mudado de tal sorte sua sintonização interior, devido a uma vivência especialmente marcante com o
Mestre, que com isso ficava consolidada a certeza de que nunca mais tornariam a cair nos mesmos
erros, ou seja, de que não pecariam mais. Elas passavam a viver daí por diante em estrita obediência
aos ensinamentos de Jesus, aos seus mandamentos, e com isso os pecados ficavam efetivamente
perdoados. Essa é a verdadeira graça, propriamente dita, que existe nesse processo automático e
natural de perdão dos pecados. O termo “graça”, em seu sentido legítimo, tem o significado de
“recompensa”, conforme Lucas faz uso nesse exemplo: “Se emprestais àqueles de quem esperais
receber, qual é a vossa recompensa?” (Lc6:34)
Foi esse processo que atingiu aquela mulher pecadora que, ao saber que Jesus estava sentado à
mesa na casa do fariseu Simão, foi até lá levando um vaso de alabastro com ungüento e “estando por
detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos, e
beijava-lhes os pés e os ungia com o ungüento” (Lc7:38). Depois de explicar ao fariseu o valor do
perdão, Jesus disse: “perdoados lhe são os seus pecados [da mulher], porque ela muito amou; mas
aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama” (Lc7:47). A mulher mostrou que realmente amava Jesus,
a Palavra encarnada, de modo que estava pronta a observar integralmente seus mandamentos, condição

146
indispensável para obtenção do perdão dos pecados. O amor por ela demonstrado é a razão de seu
perdão. Jesus esclarece novamente o significado desse amor da mulher nessas passagens dirigidas aos
discípulos:
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos. (…) Aquele que tem os meus mandamentos e os
guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o
amarei e me manifestarei a ele. (…) Se alguém me ama, guardará a minha Palavra; e meu Pai o
amará, e viremos para ele e faremos nele morada. Quem não me ama não guarda as minhas
palavras; e a Palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai que me enviou.”
(Jo14:15,21,23,24)
Guardar os mandamentos de Jesus, ou guardar sua Palavra, outra coisa não significa senão agir
em tudo de acordo com esses mandamentos, em todo o querer, pensar, falar e atuar. Isso é demonstrar
amor por Jesus.
Aquelas vivências marcantes com Jesus, que propiciavam uma mudança tão radical na vida das
pessoas, naturalmente ocorriam também nos casos de milagres. Contudo, se apesar disso elas
eventualmente tornassem a pecar no futuro, teriam então de arcar com as conseqüências dessas suas
más ações renovadas, como ocorre com qualquer outra pessoa, visto que “os que se deixam enredar de
novo e são vencidos, torna-se o seu último estado pior que o primeiro” (2Pe2:20). Foi justamente um
alerta desse tipo que Jesus deu àquele homem que acabara de curar de uma enfermidade que já durava
38 anos:
“Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior.”
(Jo5:14)
Fica claro que o homem padecia daquele mal por culpa própria, assim como acontece com toda
doença que aflige o ser humano. Por isso, se ele voltasse a pecar, coisa pior ainda lhe sucederia,
através de um novo mau efeito decorrente da Lei da Reciprocidade. Daí a exortação para que ele não
pecasse mais, sábia atitude de quem ouve e aceita palavras de sabedoria. O livro de Provérbios já diz
que as palavras de sabedoria são “vida para quem as encontra e saúde para todo o corpo” (Pv4:22). A
relação direta entre doença e pecado também fica patente no caso daquele paralítico de Cafarnaum,
que somente após a garantia de remição dos seus pecados pôde ser curado e cumprir a ordem de Jesus:
“Levanta-te, pega a tua maca e vai para casa!” (Mc2:11). Tiago também estabelece uma relação entre
pecado e doença (cf. Tg5:15). Aliás, a relação pecado/doença já era bem conhecida dos povos antigos,
pois o livro de Provérbios também ensina a “afastar-se do mal para ter um corpo com saúde”
(cf. Pv3:7,8).
Com base nisso, como poderíamos explicar o caso de crianças que já nascem com alguma
enfermidade grave?... Só a reencarnação mantém tudo no lugar e não afronta a Justiça divina. A severa
lei mosaica também mostra que as moléstias decorrem da desobediência aos preceitos do Senhor: “Se
não puserdes em prática todos esses Mandamentos, se rejeitardes as Minhas leis e detestardes os Meus
decretos, recusando-vos a pôr em prática todos os Meus Mandamentos, então eis o que vos farei de
Minha parte: porei sobre vós o terror, a tísica e a febre que enfraquecem a vista e minam a saúde”
(Lv26:14-16).
Doenças são sempre decorrências de um modo errado de vida. Segundo a escritora Roselis von
Sass, o povo Inca não conhecia doenças, tendo permanecido sempre livre do sofrimento causado por
moléstias. Acontece que eles também não conheciam a mentira. Não havia sequer uma palavra na
língua deles para designar o conceito de mentira... Doenças especialmente graves surgiram com a
doutrina mentirosa de Baal. Em sua obra O Livro do Juízo Final, a mesma autora informa: “Quando há
sete mil anos, no país conhecido como ‘Babilônia’, o luciferiano ‘culto de Baal’ alastrava-se como
uma epidemia, surgiram após curto tempo doenças, doenças até então desconhecidas, alarmando os
sacerdotes e respectivos adeptos, deixando-os amedrontados e apavorados.”
Que as doenças estão sempre associadas a uma atuação prévia contrária às leis naturais, já se
sabia também pelo antigo livro das Lamentações, do século VI a.C.: “Oh, infelizes de nós, pecamos!
Eis porque todo o nosso ser está doente, eis porque nossos olhos estão entenebrecidos” (Lm5:16,17). O
próprio rei Davi também sabia que sua saúde abalada era conseqüência do pecado: “Pelo teu furor
147
nada em mim é são, nada intacto nos meus ossos, por causa do meu pecado. (…) Eu dizia: ‘Yahweh,
tem piedade de mim! Cura-me, porque eu pequei contra ti!’” (Sl38:4;41:5).
O pecado gera a doença, por efeito da Lei da Reciprocidade – agente da Justiça divina e derivada
da Lei do Amor, que tudo abrange e tudo impulsiona para o bem. Por isso, não podemos esquecer
nunca que o Amor divino é inseparável da Justiça divina. Um não existe sem o outro, ou melhor, um
não age sem o outro. São na realidade uma só coisa na atuação. O ensinamento básico do Judaísmo, de
que o que vale é agir de acordo com a Vontade divina, não foi derrubado pelo Filho de Deus, ao
contrário. Ele sempre insistiu para que os seres humanos agissem em conformidade com a Vontade do
Pai. O próprio Jesus fez várias vezes referências a tudo “que está escrito” (cf. Mt4:4,7,10;11:10;21:13;
Mc9:13;14:27; Lc4:4). Sua Mensagem de Amor não tinha o propósito de derrubar as leis, mas sim
esclarecer o que estava certo aos olhos do Senhor e o que fora apenas moldado pelo raciocínio
humano. Ele fez isso para que essas leis se tornassem uma base sólida para a efetivação do Amor de
Deus.
Por isso, também é falsa a crença num Amor divino dissociado da Justiça incorruptível. É uma
ilusão desmedida imaginar que o Criador tudo tolera dos seres humanos porque Sua misericórdia é
infinita. O perdão de Deus reside unicamente nos efeitos automáticos das leis que regem a Criação,
instituídas através de Sua Vontade perfeita. Se uma criatura comete um pecado, isto é, se age contra as
determinações do seu Criador, seja através de pensamentos, palavras ou atos, ela insere na Criação
algo mau, que de acordo com a Lei da Reciprocidade terá de retornar para ela mesma. Tempo e espaço
aí não representam nenhum papel, porque “o Senhor julga até os confins da Terra” (1Sm2:10). Poderá
ter agido mal numa vida anterior e mesmo num outro país. Aquilo que fez de errado em algum ponto
de sua existência retorna a ela infalivelmente.
Em lugar algum da Criação pode uma criatura se ocultar da Justiça divina. Mesmo que ela
tivesse as asas da aurora, a mão do Senhor a alcançaria: “Senhor, tu me examinas e me conheces. Para
onde irei, longe do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua presença? Se subo ao céu, lá estás, se desço
ao abismo, aí Te encontro. Se utilizo as asas da aurora para ir morar nos confins do mar, também lá
Tua mão me guia” (Sl139:1,7-10).
A expressão “asas da aurora” é primorosa para indicar a infalível atuação da Justiça divina.
Sempre é aurora em algum lugar da Terra, de modo que se uma pessoa tivesse as asas da aurora
poderia estar num local diferente a cada momento. Mas, mesmo que isso fosse possível, a mão justa do
Senhor a alcançaria, pois a Justiça perfeita não é limitada pelo espaço e tempo.
A mão do Senhor sempre atinge a criatura em algum ponto de sua existência, guiando e
protegendo, ou golpeando e esmagando, conforme o próprio procedimento dela: “A mão de nosso
Deus protege todos os que O procuram, mas Seu poder e Sua Ira pesam sobre todos os que O
abandonam” (Esd8:22). Abandonar o Senhor Deus outra coisa não é senão agir de modo contrário à
Sua Vontade, inserida nas leis naturais, o que sempre acarreta ao transgressor um efeito danoso na
reciprocidade: “Se, porém, não Lhe obedecerdes, mas vos revoltardes contra Sua Vontade, então a mão
do Senhor pesará sobre vós e sobre o vosso rei, e vos esmagará” (1Sm12:15). Josafá, rei de Judá,
também havia chegado a esse reconhecimento: “Na Tua mão está a força e o poder, e não há quem te
possa resistir” (2Cr20:6). Através do profeta Jeremias vem mais essa indicação da mão justa do Senhor
atuando na reciprocidade: “Desta vez darei a conhecer Minha mão, Minha força; hão de aprender que
meu nome é Yahweh” (Jr16:21).
Contudo, se uma pessoa assim duramente atingida no retorno da reciprocidade, reconhecer como
justo o golpe que recebeu e procurar daí em diante agir de modo diferente, então ela estará perdoada
aos olhos do Criador, pois remiu o erro de outrora. Recebe exatamente aquilo que urdiu para os outros
e, ao reconhecer e corrigir seu erro, encontra-se novamente livre, limpa, totalmente liberta do pecado,
podendo então prosseguir em seu caminho de desenvolvimento espiritual.
Justiça e Amor! As duas forças impulsionadoras de vida na Criação, e ao mesmo tempo os dois
frutos decorrentes das leis auto-atuantes dentro dela, representadas pela imagem bíblica do poder nas
mãos do Onipotente, que tudo impelem para o desenvolvimento: “Em Tuas mãos estão o poder e a
força; em Tuas mãos o poder de elevar tudo e firmar tudo” (1Cr29:12).

148
Chegamos agora, nesse nosso apanhado sobre o pecado, a um ponto que tem originado imensa
controvérsia e verdadeiro pânico entre os cristãos: o pecado contra o Espírito Santo. No Evangelho
segundo Mateus, encontramos a seguinte declaração de Jesus:
“Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo
não será perdoada. Se alguém proferir alguma palavra contra o Espírito Santo não lhe será isso
perdoado, nem neste mundo nem no porvir.”
(Mt12:31-32)
A purificação propriamente dita de uma alma humana após a morte se dá no vivenciar de tudo
quanto ela gerou através de suas ações, pensamentos e intuições aqui na Terra. Seu intuir, pensar e agir
formam os locais por onde terá de peregrinar nos planos iniciais do Além, antes de poder ascender a
mundos mais elevados. Desse modo, é a própria pessoa que forma as condições de sua vida futura após
a morte. Ela própria cria, para si mesma, um lugar aprazível ou um verdadeiro inferno, dependendo da
espécie de seus pensamentos e ações durante a vida terrena.
O próprio inferno, portanto, é uma realidade, sendo para lá levadas as criaturas cujas intuições na
Terra já conduziam para o inferno. Também é natural que essa região se encontre “nas profundezas”
(cf. Is14:9), pois só nas profundezas o inferno pode estar, em decorrência da Lei da Gravidade.
Contudo, o inferno não é nenhuma instituição divina, mas tão-só uma edificação dos próprios seres
humanos. Se lemos que “no sétimo dia Deus concluiu toda a obra que tinha feito” (Gn2:2), então fica
claro que o inferno não foi criado por Ele, já que não fazia parte de Sua obra original.
Mas voltemos ao pecado contra o Espírito Santo. O trecho correspondente no Evangelho de
Marcos é ainda mais incisivo que no de Mateus:
“Em verdade vos digo que tudo será perdoado aos filhos dos homens: os pecados e as blasfêmias
que proferirem. Mas aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não tem perdão para sempre,
visto que é réu de pecado eterno.”
(Mc3:28,29)
A esse respeito, Abdruschin fornece a seguinte explicação em sua obra Na Luz da Verdade,
dissertação “Deus”:

“O ‘Espírito Santo’ é a Vontade de Deus-Pai, o Espírito da Verdade, que,


apartado Dele, atua separadamente em toda a Criação e que, apesar disso, na qualidade
de Filho, como também o Amor, ainda permaneceu estreitamente ligado com Ele, uno
com Ele.
As leis férreas na Criação, que atravessam todo o Universo como uma rede de
nervos, ocasionando a absoluta reciprocidade, o destino do ser humano ou seu carma
são… do ‘Espírito Santo’, ou mais explicitamente: de seu atuar!
Por isso disse o Salvador que ninguém se atreveria a pecar contra o Espírito
Santo impunemente, porque, segundo a inexorável e inalterável reciprocidade, a
retribuição retorna ao autor, ao ponto de partida, seja coisa boa ou má.”

O ser humano é um fruto da Criação e, como tal, está sujeito às leis que perpassam e sustentam
essa obra, as quais foram instituídas pela Vontade do Criador, o Espírito Santo. A Criação é, sim, uma
obra do Espírito, mas não uma parte dele próprio. O Espírito Santo Criador permaneceu inteiramente
fora da Criação, ou sobre a obra, conforme atestado no Gênesis: “A Terra estava deserta e vazia, as
trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn1:2). O Espírito Santo não se
encontrava, portanto, dentro da Criação, e sim fora dela.
O que está inserido dentro da obra da Criação são as leis que a governam, estabelecidas pelo
Todo-Poderoso desde o início dos tempos. Leis perenes, imutáveis, indissoluvelmente entretecidas na
sentença “Faça-se a Luz!” (Gn1:3) 40 , não admitindo a mínima alteração, conforme nitidamente

40
Ao leitor que desejar conhecer o universo contido nessa frase indica-se a dissertação “Faça-se a Luz!”, no terceiro
volume da obra Na Luz da Verdade, de Abdruschin. Tornar-se-lhe-á claro aí o alcance da sentença: “Ele falou e tudo se fez,
149
indicado no modo de atuação da Palavra do Senhor: “Da Minha boca saiu o que é justo, e a Minha
Palavra não tornará atrás” (Is45:23). Essa imutabilidade da Palavra divina também foi anunciada por
Jesus, que era a própria Palavra de Deus encarnada:
“Passarão o céu e a Terra, porém as minhas palavras não passarão.”
(Mt24:35; Mc13:31; Lc21:33)
O ser humano pode conseguir o perdão de seus pecados por meio da atuação automática de uma
dessas leis universais, a Lei da Reciprocidade, que como já esclarecido faz retornar a ele exatamente o
que desejou ou fez para os seus semelhantes. Tão-somente assim ele obterá a remição de sua falta, não
antes, pois “o justo não poderá viver pela sua justiça no dia em que pecar” (Ez33:12). Com esse
resgate fica ele efetivamente libertado da culpa, portanto perdoado, desde que reconheça como errada
a sua atuação de outrora e o justo efeito cármico daí decorrente, o que o leva a esforçar-se em
melhorar continuamente como espírito humano. É com esse sentido do reconhecimento do erro e da
conseqüente mudança interior, como pré-requisitos para o perdão dos pecados, que Pedro exortou aos
israelitas: “Arrependei-vos, portanto, e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados”
(At3:19).
Para aquele que conhece as leis da Criação não é difícil imaginar a espécie de sua atuação de
outrora, pois não pode receber nada diferente do que foi gerado. Através daquilo que o atinge, ele
consegue então reconhecer o seu próprio atuar, e ao reconhecê-lo e firmar propósito de não mais agir
daquela maneira (se o que o atingiu foi algo ruim) ele se desliga daquele efeito retroativo e está livre
da culpa. Está perdoado de sua falta.
Já aquele ser humano que não tem boa vontade, que no seu âmago mais profundo não se esforça
em melhorar e com isso ascender espiritualmente, demonstra não haver se ajustado a essa Lei da
Reciprocidade no sentido desejado por Deus. Ao contrário, com seu comportamento inconseqüente ele
como que zomba dessa lei, e desse modo os efeitos retroativos de suas más ações não podem constituir
ao mesmo tempo remições de suas culpas! Continuarão a atingi-lo dolorosamente, sempre e sempre de
novo, sem que com isso possa obter o perdão dos pecados que os originaram. A severa linguagem do
Antigo Testamento diz a mesma coisa com essas palavras do Senhor: “Se vos opuserdes a Mim e não
quiserdes Me escutar, infligir-vos-ei golpes sete vezes piores, à medida dos vossos pecados”
(Lv26:21).
Nenhuma pessoa tem a priori o direito de esperar por perdão. Somente depois de cumprir seus
deveres para com seu Criador ela pode nutrir a perspectiva de um futuro perdão. Mas para aquelas
criaturas que não querem de modo diferente, fica reservada a dura lei de talião41: “Olho por olho, dente
por dente, mão por mão, pé por pé” (Ex21:24). E assim prosseguirá até o Dia do Juízo, quando se
tornará evidente a amplitude de todos seus atos malévolos e os maus desígnios de seus corações, que
até então procuravam ocultar. Será “no Dia em que Deus vai julgar as intenções e ações ocultas das
pessoas” (Rm2:16).
Quem se revolta contra o que o atinge, querendo ver nisso um golpe arbitrário do destino,
portanto uma injustiça, não pode remir coisa alguma e continua preso na culpa antiga, além de se
sobrecarregar com uma nova. Será, pois, atingido ainda mais duramente no futuro. Sua própria vontade
má impede qualquer possibilidade de perdão. É para evitar essa situação que Jesus adverte: “Não
oponhais resistência ao mal. Mas, se alguém bater na face direita, oferece-lhe também a outra”
(Mt5:39). O sentido não é o de não resistir a uma pessoa má, e sim o de não opor resistência ao mal,
isto é, àquilo que de ruim nos atinge na reciprocidade. A expressão “mal” tinha originalmente o
significado de sofrimento, e é nesse sentido, apenas neste, que não devemos “resistir ao mal”, pois uma
tal resistência seria fruto de um inconformismo obstinado, cujo efeito seria justamente a derrota diante

ordenou e tudo começou a existir” (Sl33:,9), e também porque o Filho do Homem é chamado no livro do Apocalipse de “o
Princípio da Criação de Deus” (Ap3:14).
41
A palavra talião provém do latim talis, que significa “tal e qual”. A lei de talião – lex talionis – é a “lei da retaliação”,
tendo surgido pela primeira vez no Código de Hamurabi, rei da Babilônia por volta de 1750 a.C., portanto vários séculos
antes de Moisés. A semelhança entre esse Código e as disposições do livro do Êxodo são tão evidentes, que não há como
não concluir que as determinações do livro bíblico derivaram daquele. Já as prescrições sobre o “boi perigoso” (cf.
Ex21:35) derivaram de uma coleção de regras babilônicas ainda mais antiga – as Leis de Esnuna.
150
do mal, o que deve ser evitado a todo custo: “Não te deixes vencer pelo mal” (Rm12:21). Devemos, ao
contrário, mostrarmo-nos prontos a ser lapidados pelos maus efeitos recíprocos, para não dilapidarmos
as bênçãos que daí advêm. Não devemos nutrir nenhuma revolta pelo justo sofrimento, para que este
não torne a nos alcançar no futuro. Agindo assim, venceremos o mal.
Quem se deixa lapidar pela reciprocidade se constitui no ramo bom da videira, aquele que
produz frutos e que é podado sempre que se faz necessário, para fortalecê-lo e deixá-lo produzir cada
vez mais frutos:
“Eu sou a verdadeira videira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo em mim que não produz fruto
Ele o corta, e todo o que produz fruto Ele o poda, para que produza mais fruto ainda.”
(Jo15:1,2)
Já os que se revoltam contra o que os atinge de desagradável na reciprocidade, e não
redirecionam sua conduta, se constituem no ramo ruim da videira, que não produz nenhum fruto. São
eles os “homens de dura cerviz [nuca rígida], que sempre resistem ao Espírito Santo” (At7:51), isto é,
aqueles que se opõem obstinadamente à Justiça divina, que se manifesta através dos efeitos da Lei da
Reciprocidade instituída pelo Espírito Santo, a Justiça viva de Deus. Com essa sua deliberada conduta
arrogante, permanentemente voltada para o mal e o pecado, uma tal criatura efetivamente blasfema
continuamente contra o Espírito Santo, que é a própria Justiça de Deus. Estes serão cortados, pois
cometeram a maior das faltas, “o pecado que conduz à morte” (1Jo5:16).
A Mensagem de Jesus indicava aos seres humanos como estes tinham de viver para que, nos
efeitos da reciprocidade, as suas culpas fossem de fato extintas, ou seja, para que encontrassem o real
perdão dos seus pecados. A obtenção desse perdão, porém, requer um esforço pessoal e permanente de
melhoria interior, caso contrário a redenção torna-se impossível. Em sua obra Na Luz da Verdade,
Abdruschin novamente esclarece esse ponto na dissertação “O Salvador”:

“Isto não quer dizer, todavia, que qualquer pessoa, num instante, possa ter
quitação de suas culpas individuais, mal acredite realmente nas palavras de Jesus e viva
segundo elas. Se, porém, viver segundo as palavras de Jesus, então seus pecados lhe
serão perdoados. Contudo, isso só se dará aos poucos, assim que o remate se efetivar,
na reciprocidade, através dos esforços da boa vontade. Não de outro modo.
Diferentemente, porém, será com aqueles que não vivem segundo as palavras de Jesus,
sendo-lhes absolutamente impossível o perdão.”

Conceito de Família
O ser humano terreno é um ente espiritual, uma personalidade individual autônoma. Sua
individualidade é o resultado da autoconsciência adquirida por meio de vivências – milhares delas – ao
longo de múltiplas vidas terrenas. Assim, ele é o único responsável pelo seu próprio destino dentro da
Criação. Com seu modo de ser e atuar, com suas intuições, pensamentos, palavras e ações, ele fornece
os fios, belos ou não, com que o tear da Criação, movimentado continuamente pelas leis eternas, tece
de modo automático o tapete do seu destino.
Sendo uma personalidade própria, ele não está sujeito a nenhum tipo de hereditariedade
espiritual por ocasião da encarnação. O bebê que acaba de chegar numa família já é um ser espiritual
autônomo, encarnado num corpo infantil. São múltiplas as contingências que colaboram para a
efetivação de uma encarnação, porém jamais poderá haver qualquer transmissão de características
espirituais de pai para filho.
A hereditariedade está, de fato, adstrita somente ao corpo humano. Exclusivamente a este. Trata-
se de uma peculiaridade de ordem material, estritamente física. Características corpóreas e
predisposições genéticas podem, sim, ser transmitidas de pai para filho, mas não a personalidade, não
o caráter. Tais atributos são exclusivos do espírito humano, angariados por ele mesmo em sua
peregrinação pela Criação e, por essa razão, a própria alma já os traz consigo por ocasião da
encarnação.
151
A alma é o invólucro do espírito, assim como o corpo é o invólucro da alma. Se assim não fosse,
Paulo não os teria diferençado tão nitidamente em sua Epístola aos Tessalonicenses, quando os exortou
a “conservar espírito, alma e corpo íntegros e irrepreensíveis” (1Ts5:23), a mesma divisão, aliás, já
ensinada antes por Platão, grego como eles. Essa diferenciação, inclusive, aparece tanto no Novo como
no Antigo Testamento. Os textos hebraicos do Antigo Testamento fazem uma clara distinção entre
baśār – corpo, nepeš – alma e rûah – espírito, o mesmo acontecendo com os textos gregos do Novo
Testamento: sōma – corpo, psychē – alma e pneuma – espírito. Flávio Josefo (século I) diz em sua
Antiguidades Judaicas que “Deus colocou no homem alma e espírito”, e o teólogo Orígenes (século
III) explica em seus Primeiros Princípios, escrito com a idade de 23 anos, que “o homem consiste de
corpo, alma e espírito”.
O espírito humano necessita incondicionalmente desses dois invólucros básicos para poder se
fazer valer plenamente aqui na matéria. Sem o corpo físico, o invólucro grosso-material mais externo,
ele não poderia atuar no ambiente terreno de mesma espécie. É como alguém que desejasse pesquisar o
fundo do oceano e conhecer o que se encontra naquele ambiente, situado abaixo dele. Para poder saber
o que existe no fundo do mar ele precisa mergulhar até lá. E para tanto não pode simplesmente pular
na água, mas sim deverá vestir um macacão apropriado, e por cima desse ainda um escafandro, que é
um invólucro adequado para esse tipo de mergulho, bem mais pesado, que lhe permite movimentar-se
no ambiente aquático, mais denso que o ar a que está acostumado. Assim, bem aparelhado, ele pode
descer até o fundo do mar, caminhar por ali, aprender o que necessitar e, por fim, subir novamente à
tona, quando então poderá se despir dos dois invólucros especiais que havia utilizado em sua descida.
Da mesma forma que essas roupagens especiais para mergulho, ambos os invólucros do espírito
humano – alma e corpo – também não têm vida autônoma fora das matérias fina e grosseira, mas são
apenas vivificados pelo espírito, o único realmente vivo no ser humano, aquilo que se sente
nitidamente como sendo o “eu”. As fundamentações bíblicas desse conceito são múltiplas. Podemos
aduzir algumas:
Moisés se dirige ao Criador nos termos: “Deus dos espíritos que animam todos os seres
humanos” (Nm27:16). O profeta Zacarias diz que o Senhor “modelou o espírito do homem dentro
dele” (Zc12:1). Quando teve a visão do Filho do Homem, o profeta Daniel afirmou textualmente:
“Meu espírito, em mim, Daniel, ficou angustiado dentro de seu invólucro” (Dn7:15). O invólucro a
que Daniel se refere é seu corpo terreno. O mesmo conceito aparece no livro apócrifo do Gênesis,
encontrado nos Manuscritos do Mar Morto, onde está dito que o corpo é o estojo dentro do qual está
encerrado o espírito. Aludindo ao invólucro terreno do espírito, o corpo físico, o apóstolo Pedro o
chama poeticamente de “tabernáculo” (tenda) em sua segunda epístola: “Também considero justo,
enquanto estou neste tabernáculo, despertar-vos com essas lembranças” (2Pe1:13).
O apóstolo Paulo, por seu turno, fala de habitar no corpo, isto é, o espírito utilizando o corpo
como habitação provisória: “Assim, pois, nós sempre estamos cheios de confiança, apesar de saber
que, enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa morada, longe do Senhor” (2Co5:6). Aos
Filipenses ele disse que desejava partir logo dessa vida para poder estar com Cristo, mas que se
resignava em continuar vivendo na Terra se isso pudesse ser de proveito para a comunidade: “Julgo
mais necessário, por amor a vós, ficar na carne” (Fp1:24). Esse conceito do espírito que habita no
corpo também foi utilizado por Tiago: “Deus deseja ciosamente o espírito que fez habitar em nós”
(Tg4:5). Paulo ainda diz que enquanto o corpo físico vai envelhecendo, o nosso “eu” interior, nosso
espírito, está, ao contrário, sempre se renovando: “Mesmo se o nosso físico vai se arruinando, o nosso
interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia” (2Co4:16). O apóstolo já havia asseverado aos
Coríntios que deles poderia estar “ausente fisicamente, mas presente em espírito” (1Co5:3), a mesma
garantia que deu aos Colossences: “Com efeito, ainda que eu esteja ausente de corpo, estou, porém,
convosco em espírito” (Cl2:5). E quando julgou à distância um caso de desregramento na comunidade
de Corinto, ordenou que o tal homem culpado fosse entregue a Satanás para mortificação da carne, “a
fim de que seu espírito seja salvo no Dia do Senhor” (1Co5:5). Em outras palavras, mandou aplicar um
castigo para o corpo, a fim de que o espírito – o próprio ser humano portanto, aprendesse com aquilo,
reorientasse seu proceder e pudesse assim se salvar no Juízo, no Dia do Senhor.
Por fim, quando o jovem Êutico sofreu uma queda do terceiro andar do prédio onde Paulo estava
reunido com seus ouvintes, ele o tomou nos braços e tranqüilizou toda a platéia: “Não vos perturbeis: a

152
sua alma está nele!” (At20:10). A alma, o invólucro do espírito, não havia deixado definitivamente o
corpo terreno naquele acidente, sinal de que Êutico ainda estava vivo. Foi exatamente o contrário do
ocorrido com Raquel, que morreu ao dar à luz Benjamim: “E aconteceu que, saindo-se-lhe a alma,
porque morreu…” (Gn35:18).
Cada um de nós percebe nitidamente o sentimento do “eu”, durante toda a nossa vida. Como
poderia então estar associado a um corpo perecível? Se assim fosse, esse sentimento teria naturalmente
de alterar-se com o passar dos anos. Teria de sofrer o efeito da velhice e mostrar-se por fim debilitado
e enrugado… Mas o sentimento do “eu” não muda durante a vida terrena. Não muda porque não
provém de parte alguma do corpo material terreno, mutável e perecível, e sim do espírito. O fato de
nos ser permitido dizer “eu” indica um inalienável direito de liberdade, associado à mais absoluta
responsabilidade pessoal. Livre-arbítrio e responsabilidade: dois conceitos indissociáveis do espírito
que adquiriu a autoconsciência.
Convém abrir um parênteses aqui e mencionar uma passagem muito elucidativa do livro de
Ezequiel sobre responsabilidade própria, e a conseqüente impossibilidade de se transferir a culpa de
uma pessoa para outra. Nesse exemplo, o pai não vivera segundo os Mandamentos do Senhor, mas seu
filho sim, e cada qual recebeu então as conseqüências finais de sua escolha pessoal, morte espiritual
para um e vida eterna para o outro: “Vós dizeis: ‘Por que o filho não há de levar a iniqüidade de seu
pai?’ Ora, o filho praticou o direito e a justiça, observou todos os Meus estatutos e os praticou! Por
tudo isso, certamente viverá! Sim, a pessoa que peca é a que morre! O filho não sofre o castigo da
iniqüidade do pai, como o pai não sofre o castigo da iniqüidade do filho: a justiça do justo será
imputada a ele, exatamente como a impiedade do ímpio será imputada a ele” (Ez18:19-20). Este
exemplo mostra que pai e filho são duas personalidades distintas, independentes, não compartilhando
nenhuma responsabilidade espiritual entre si.
O espírito que se encarna num corpo em formação no ventre materno já é, pois, uma
personalidade autônoma. O corpo infantil nada mais é do que um invólucro material em processo de
desenvolvimento, que abriga uma personalidade humana espiritual já plenamente formada, cujas
características intrínsecas (boas ou más) tornar-se-ão reconhecíveis quando esse espírito se tornar apto
a atuar no mundo através do corpo terreno maduro, o que ocorre nos anos da adolescência. Nessa
época surge então o verdadeiro ser humano, como ele realmente é: “o menino manifesta logo por seus
atos se seu proceder será puro e reto” (Pv20:11). Se o proceder for mau, então é porque o espírito
humano ali encarnado é mau, e desde o início “sua natureza era viciada, sua perversidade, inata, e sua
mentalidade jamais mudaria, pois era uma semente maldita desde a origem” (Sb12:10,11). Nesse caso,
ele já era um infrator desde o ventre materno, isto é, já era mau quando se encarnou: “Eu sabia que
procederias mui perfidamente e eras chamado de transgressor desde o ventre materno” (Is48:8).
Pode-se dizer que é na época da adolescência que o espírito humano propriamente “nasce” para
sua atuação aqui na matéria. Antes ele não podia fazer isso, porque seu instrumento, o corpo terreno,
ainda não estava plenamente amadurecido, não estava “pronto” por assim dizer.
A hereditariedade é, pois, unicamente de ordem material. No máximo, pode-se divisar alguns
traços comuns de temperamento entre pais e filhos, mas não mais do que isso. Traços de temperamento
podem ser transmitidos por hereditariedade porque ele, o temperamento, está estreitamente ligado ao
corpo, mais especificamente à composição do sangue. Mas mesmo nesses casos o respectivo ser
humano tem a possibilidade e até o dever de dominar seus humores, visto que o corpo é e permanecerá
sempre apenas como uma mera ferramenta para a atuação do espírito: “o domínio de si é fruto do
espírito” (cf. Gl5:22), lembra Paulo. O espírito tem, pois, de dominar o corpo, e não o contrário,
porque “tal como uma cidade aberta, sem muralhas, assim é o homem sem autocontrole” (Pv25:28).
Por essa razão, quando uma pessoa destrambelhada afirma, com ar de desalento, não ter como
evitar seus rompantes, já que herdou tal destempero do pai ou da mãe, está na verdade fazendo uma
confissão aberta de preguiça espiritual; mostra com isso ser demasiado fraca para dominar a si mesma.
Do mesmo modo, quando alega raivosamente para si e perante outros que já “nasceu assim”, e que
portanto a culpa é de seus pais, que a geraram com esse defeito de intemperança… Com palavras tão
incrivelmente tolas ela apenas prova que “quem facilmente se irrita faz tolices” (Pv14:17), ou que “o
espírito iracundo põe à vista sua estupidez” (Pv14:29). Ela, pois, herdou de seus pais apenas o corpo

153
terreno, somente o invólucro exterior, permanecendo um espírito autônomo e independente,
plenamente responsável por todas suas decisões e atos.
Nas famílias, é bastante comum ouvirmos o comentário de que certa criança puxou determinada
característica de comportamento do pai ou da mãe. Na verdade, porém, foram os pais que
propriamente “puxaram” aquela respectiva alma para dentro da família, conforme suas próprias
características anímicas, por efeito da Lei de Atração da Igual Espécie. Não é difícil compreender que
a gestante, especialmente, possui uma força decisiva de atração, já que a alma vai se encarnar no corpo
em formação dentro dela. Assim, também não é difícil entender que uma mãe com características
anímicas negativas não pode absolutamente atrair uma alma muito pura, um ser humano bom e
elevado.
Essa é, aliás, a principal razão da decadência notória, contínua, da humanidade ao longo dos
séculos. Ao abandonar a missão principal da feminilidade, a mulher terrena se rebaixou cada vez mais,
e com isso só pôde atrair para a encarnação almas também cada vez mais degeneradas, as quais, por
sua vez, deram ensejo à encarnação de almas ainda mais decaídas, e assim por diante. Um horrendo
círculo vicioso de contínua degradação da espécie humana.
Contudo, não acontece de apenas mulheres degeneradas atraírem almas más para a encarnação.
Mesmo uma mulher boa pode eventualmente atrair uma ovelha negra, caso ela freqüente locais
inadequados ou permita que pessoas de caráter duvidoso permaneçam em sua proximidade. A mulher
de boa índole necessita exercer uma vigilância contínua durante a gravidez, principalmente até a
metade do período de gestação, para assegurar que só uma alma boa possa encarnar-se no feto em
formação.
Por esse motivo, Isabel, grávida de João Batista, fez muito bem em “ocultar-se por cinco meses
quando concebeu” (Lc1:24), porque a alma, o invólucro do espírito, se encarna no meio do período da
gravidez. Agindo assim, ela garantiu que a alma pura do Batista pudesse encarnar-se nela, e não a alma
dum outro qualquer. Dessa forma ela contribuiu decisivamente para que se cumprisse a antiga profecia
de Isaías sobre a vinda do Precursor de Jesus: “Voz que clama no deserto: Preparai o caminho do
Senhor; endireitai no ermo a vereda a nosso Deus” (Is40:3).
É oportuno intercalar aqui que, segundo algumas passagens bíblicas, João Batista já teria estado
na Terra anteriormente, como o profeta Elias. Além da mencionada profecia sobre a vinda de João
Batista, confirmada extraordinariamente pelos quatro evangelistas (cf. Mt3:3, Mc1:3, Lc3:4, Jo1:23),
também o profeta Malaquias previu a vinda de um mensageiro que prepararia o caminho do Senhor, o
qual seria a reencarnação de Elias: “Eis que eu envio o meu mensageiro que preparará o caminho
diante de mim. (…) Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do
Senhor” (Ml3:1,23). Assim, de acordo com algumas passagens, Elias estaria de volta à Terra na pessoa
de João Batista, para preparar o caminho de Jesus, conforme o anjo do Senhor também indicou a
Zacarias, pai de João Batista: “Ele caminhará à sua frente [dos filhos de Israel], com o espírito e o
poder de Elias” (Lc1:16). Essa missão de Precursor para João Batista, repetindo a profecia de
Malaquias, é ratificada por Mateus na passagem a seguir:
“Este é aquele de quem está escrito: ‘Eis aí eu envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual
preparará o teu caminho diante de ti.’ (…) Porque todos os profetas e a lei profetizaram até João.
E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. Quem tem ouvidos para ouvir,
ouça.”
(Mt11:10,13-15)
Pouco depois, de acordo com o Evangelho de Mateus, Jesus reforça essa concepção junto aos
discípulos, respondendo a uma pergunta deles sobre Elias:
“Mas os discípulos o interrogaram: Por que dizem, pois, os escribas ser necessário que Elias
venha primeiro? Então Jesus respondeu: De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu,
porém, vos declaro que Elias já veio e não o reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto
quiseram. (…) Então os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João Batista.”
(Mt17:10-13)

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João Batista teria sido de fato Elias numa outra vida? O papa Gregório I (540 – 604), quem diria,
achava que sim… Mas não, não se trata da mesma pessoa, pois o Batista até refuta isso diretamente no
Evangelho de João, quando questionado pelos judeus: “E eles lhe perguntaram: ‘Quem és tu? És
Elias?’ Ele respondeu: ‘Eu não sou Elias’’’(Jo1:21).
Porém, o que nessa história é mesmo um fato inquestionável e bastante interessante, é que a
Bíblia apresenta aí uma discussão clara sobre o fenômeno da reencarnação. O mesmo se dá quando
Jesus pergunta aos discípulos quem as pessoas diziam que ele era, e eles respondem: “Alguns dizem
que és João Batista; outros, Elias; outros ainda Jeremias ou algum dos profetas” (Mt16:14). Também
no livro de Jó fica implícita a idéia de reencarnação, pois outra explicação não existe para quem sofre
aparentemente sem causa aqui na Terra. Jó não encontrou nenhuma solução naquela vida para as
desgraças que lhe acometeram. Os amigos do protagonista, Elifaz, Bildade, Zofar, Eliú, assim como o
próprio Jó, sabiam ser coisa impossível alguém sofrer injustamente, visto que o Senhor é a própria
Justiça. E como a causa sempre precede o efeito, então, não havendo uma causa reconhecível na atual
vida para o sofrimento, essa tem de estar presente numa vida anterior. Interessante notar que esse livro
de Jó é a compilação de um antigo texto babilônico, onde um fiel que se vê como justo, cumpridor de
suas obrigações para com os deuses, de repente é privado da saúde, dos bens e abandonado pelos
amigos. O deus Marduk conhece os sofrimentos do seu servo, compadece-se dele e lhe restitui tudo
que havia perdido.
A influência da Lei de Atração da Igual Espécie, porém, não atuou unicamente para as
encarnações de João Batista e Jesus, ao contrário, ela se efetiva sempre, em todas as encarnações
terrenas, sem exceção. Como se dá, aliás, nos efeitos de qualquer lei primordial da Criação. Por isso,
também nos dias de hoje um casal que não atenta a essa Lei da Igual Espécie tem, pois, de receber em
casa um hóspede com vícios e pendores, pela atração da espécie igual ruim de seu ambiente, de modo
que é absolutamente justo que “quem gera um tolo tenha desventura, e não tenha alegria o pai de um
insensato” (Pv17:21). Seria melhor, nesse caso, que o casal não tivesse tido filhos: “Morrer sem filhos
é melhor do que ter filhos ímpios” (Eclo16:3). Se tivessem sido mais vigilantes, o resultado seria o
oposto: “o pai de um justo dançará de alegria; quem gera um sábio se regozijará” (Pv23:24).
Contudo, mesmo nos casos desfavoráveis de encarnação de uma alma problemática, se subsistir
uma boa vontade recíproca, pais e filhos terão ensejo de vivenciar seus próprios erros uns nos outros,
nessa convivência difícil, e eventualmente até de remi-los se estiverem realmente empenhados em
melhorar como seres humanos. Já quando a vontade mútua é má, essa situação os faz angariar ainda
novas culpas por cima das antigas, e conseqüentemente novos e pesados sofrimentos. Sofrimentos e
dores renovados, angariados por culpa própria portanto. Sempre e sempre por culpa própria, de ambos
os lados.
Nos casos em que os pais não apenas deixam de corrigir seus erros, mas ainda os retransmitem
aos filhos de alguma maneira, seja por meio de maus exemplos ou concepções errôneas, estimulando-
os assim a transmitir esses mesmos erros aos filhos destes, diz-se então que os pecados dos pais
vingam-se até a terceira e quarta geração: “[O Senhor] visita a iniqüidade dos pais nos filhos, e nos
filhos dos filhos até a terceira e quarta geração” (Ex34:7). O pai que primeiro errou não conseguirá
ascender a outros planos após a morte, ficando atado (preso) à Terra no Além, até que algum de seus
descendentes reconheça o erro e retome o caminho certo, influindo sobre outros tantos, com o que
pouco a pouco será libertado e poderá tratar da sua própria escalada.
A característica de absoluta individualidade de um espírito humano já deixa claro como deve ser
a atitude dos pais quando, na época da adolescência, o espírito no filho desperta para a atuação na vida
terrena: respeito absoluto às suas resoluções espirituais, frutos do livre-arbítrio. O livre-arbítrio é uma
característica inerente ao espírito humano, e por isso não pode ser tolhido por nenhum membro da
família. Tal ato constituiria uma transgressão direta à Lei do Movimento na Criação, que tudo
impulsiona para o desenvolvimento.
As conglomerações familiares, porém, em sua maior parte, não observam esse mandamento tão
nítido e lógico de respeito incondicional às decisões espirituais de seus membros. Impõem-lhes
freqüentemente, desde cedo, uma bem determinada direção a seguir, tida como certa para todos os
integrantes do grupo, sem nenhuma distinção. Não levam em conta as peculiaridades de cada espírito

155
humano individual que faz parte da família, não atentando à evidência de que “o corpo não é um só
membro, mas muitos” (1Co12:14).
Cada integrante dessa família equalizada se julga então no direito de interferir na vida do outro,
de dispor como bem entender do seu tempo, às vezes até mesmo dos seus bens. Supõem deter não
apenas a prerrogativa mas até o dever de opinar, de advertir e admoestar, quando não de condenar,
para que a “paz familiar” seja preservada a todo custo. Contudo, essa paz tão louvada não passa de um
sono coletivo de espíritos indolentes, recostados uns nos outros. Melhor seria dizer pendurados uns
nos outros, situação que faz todo o clã familiar afundar espiritualmente em conjunto, sem que um tal
soçobrar se torne perceptível terrenamente. E isso é o mais terrível de tudo. É um lento submergir de
mãos dadas, tão modorrento como eles próprios, para dentro da viscosa areia movediça do torpor
espiritual. A segurança mútua que os membros dessas famílias experimentam ao contemplar sua sólida
“união familiar”, continuamente reforçada nas concorridas reuniões de parentela, é falsa, é ilusão
entorpecedora, que só pode germinar da inércia espiritual. Seu sono comunitário não os deixa perceber
o peso desses grilhões, que os faz viver numa espécie de comunismo familiar, em tudo semelhante ao
político e tão danoso quanto este. E cujo fim também não será diferente.
E ai daquele membro que quiser emergir desse marasmo e se atrever a lutar para se ver livre
dessas amarras invisíveis, as quais ele sente intuitivamente de modo nítido! Sem demora será
condenado por toda aquela sonolenta massa gregária; será apedrejado moralmente em conversas
sorrateiras, olhado de soslaio em silenciosa censura, tachado de insensível e inflexível, e por fim ainda
esmagado impiedosamente sob o peso da gravíssima acusação de “ingratidão”.
O conceito de família atualmente vigente – o de um bloco monolítico e monocromático que só
pode se mover sempre numa única direção – sufoca o livre-arbítrio de seus membros, impede o
desenvolvimento espiritual de cada um. Esse conceito torcido, porém, já vem de milênios, de modo
que na época de Jesus também não era diferente. O primeiro indício disso é o espanto daqueles que
ouviram os seus ensinamentos na sinagoga e depois seu discurso para uma multidão:
“Donde lhe vêm esta sabedoria e poderes miraculoso? Não é este o filho do carpinteiro? Não se
chama sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas?42 Não vivem entre nós todas as
suas irmãs? Donde lhe vem, pois, tudo isso?”
(Mt13:54-56)

“Não é este Jesus, o filho de José? Acaso não lhe conhecemos o pai e a mãe?”
(Jo6:42)
Em outras palavras: “Como esse Jesus pode saber todas essas coisas se vem de uma família
como outra qualquer?”; “Quem ele está pensando que é?”. Como a família de Jesus era normal, eles
não entendiam que um membro dela pudesse se destacar dos demais. Observa-se, portanto, que já
naquela época imperavam as tentativas de nivelar as pessoas sem levar em conta suas características
específicas, inerentes a cada espírito humano. Com Jesus, então, o contraste era muito mais chocante,
pois devido à sua natureza divina ele se destacava de imediato de todos os seres humanos. Sua simples
presença já dividia as pessoas em dois lados.
Como o conceito de família é um estorvo ao livre desenvolvimento espiritual, é evidente que
Jesus não poderia mesmo estar de acordo com essa prática. Alguns quadros tomados de seus
ensinamentos são especialmente contundentes em relação a isso, apesar de que… “nem seus irmãos
acreditavam nele” (Jo7:5):
42
Alguns teólogos adeptos da teoria da “virgindade perpétua” de Maria ficam incomodados com essa menção explícita aos
irmãos de Jesus, e sustentam a tese de que a palavra irmãos significa “primos”, ou então de que se trata de filhos de José,
anteriores à sua união com Maria. Essa opinião não é compartilhada por estudiosos mais realistas. Segundo o padre John P.
Meier, a palavra grega adelphos foi usada aqui e em outros trechos com o sentido de “irmão”. De fato, os irmãos de Jesus
sempre são citados nos Evangelhos como adelphos. No Novo Testamento esse termo aparece 343 vezes, sempre com o
sentido literal ou metafórico de “irmão”. O apóstolo Paulo, cujas cartas são anteriores aos Evangelhos, usa adelphos para se
referir a “Tiago, irmão do Senhor (Gl1:19), ao passo que na sentença: “Marcos, primo de Barnabé” (Cl4:10), ele utiliza a
palavra grega anepsios, que significa realmente “primo”. Contudo, como nos primeiros quatro séculos da Igreja nenhum
dos seus dignitários conhecia essas diferenças, não faltaram excomunhões para quem ousava dizer que Jesus tivera irmãos
de sangue.
156
“Grandes multidões o acompanhavam e ele, voltando-se, lhes disse: Se alguém vem a mim e não
aborrece seu pai e mãe, e mulher, e filhos, e irmãs, e ainda a sua própria vida, não pode ser meu
discípulo.”
(Lc14:25,26)
“Aborrece” é um hebraísmo que tem o sentido de uma desvinculação completa da respectiva
pessoa, de uma atuação independente segundo as próprias convicções, sem, portanto, nenhum
compromisso de atrelar suas ações àquilo que os familiares esperam ou exigem que ela faça.
A submissão a opiniões e diretivas familiares já impossibilita um verdadeiro servir. E isso é tanto
mais sério quanto mais elevada for a missão do servidor, como aconteceu, por exemplo, com Abraão.
Conforme relata Roselis von Sass em O Livro do Juízo Final, a resposta do guia espiritual de Abraão
ao seu rogo para servir a Deus, foi informá-lo das severas condições prévias exigidas: “Aquele que
quiser servir ao Deus onipotente não deve deixar que nada o impeça; nem filhos, filhas, mulheres, pais,
ou nenhum outro…” A ordem divina foi clara: “Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai”
(Gn12:1)”, e Abraão “partiu como o Senhor lhe tinha ordenado” (Gn12:4). Ele não titubeou nem
cismou a respeito de sua missão: “Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia
de receber como herança, e partiu sem saber para onde ia” (Hb11:8).
O rígido conceito de família é um perigo enorme para o espírito humano, um perigo muito pouco
reconhecido. Quem se acomoda confortavelmente nas aconchegantes amarras familiares fica
estagnado em seu desenvolvimento espiritual, e devido a isso incapacitado de pôr em prática os
ensinamentos de Jesus, os quais invariavelmente exortam o espírito humano ao aperfeiçoamento
pessoal, mediante contínua e própria movimentação. O trecho a seguir é ainda mais incisivo que o
anterior:
“Não penseis que vim trazer paz à Terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão
entre o homem e seu pai, entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra. Assim os inimigos do
homem serão os da sua própria casa. Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é
digno de mim; quem ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim.”
(Mt10:34-37)
Jesus, a Palavra encarnada, tinha, pois, de causar divisões no seio das famílias, já que essa
Palavra exige do ser humano a mais aguçada vigilância espiritual, contínua movimentação interior,
resolução e responsabilidade pessoais, justamente o contrário do que as mornas massas familiares
ensinam a seus membros submissos.
Essa atuação abafadora das famílias sobre a livre movimentação do espírito humano individual é
tão nociva, que para uma pessoa que deseja se movimentar espiritualmente os parentes acabam se
tornando seus maiores inimigos: “os inimigos do homem são os da sua própria casa.” Os parentes se
tornam, pois, inimigos do espírito vivo, que anseia por movimento independente… São justamente os
familiares, os malfadados parentes, que impedem na maior parte dos casos o vôo livre do espírito de
um jovem que se esforça em ascender às alturas luminosas. Os parentes não têm nenhum direito de
ditar quaisquer diretivas de conduta a um membro da família no que tange à sua vida espiritual. Em
relação a Jesus, eles tampouco tinham o direito de tentar neutralizar sua atuação em nome da
normalidade e tranqüilidade familiares, conforme consta dessa passagem:
“Então ele foi para casa. Não obstante, a multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam
comer. E quando os parentes de Jesus ouviram isso, saíram para o prender, porque diziam: Está
fora de si.”
(Mc3:20,21)
Para o espírito humano é imprescindível se libertar espiritualmente dos grilhões familiares, se
quiser progredir. Quando Pedro diz a Jesus: “Eis que nós deixamos as nossas casas e te seguimos”
(Lc18:28), ele lhe tranqüiliza:

157
“Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado casa, ou mulher, ou irmãos, ou pais, ou
filhos, por causa do Reino de Deus, que não receba no presente muitas vezes mais, e no mundo
por vir a vida eterna.”
(Lc18:29,30)
O espírito não tolhido por conceitos errados, que se movimenta livre na Criação, age no sentido
da Vontade do Criador, recebendo por conseguinte múltiplas bênçãos através da Lei da Reciprocidade
e, por fim, a própria vida eterna no Paraíso. Quando, numa ocasião, Jesus falava ao povo e alguém lhe
avisou que sua mãe e irmãos estavam presentes, ele respondeu:
“Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E estendendo a mão para os discípulos, disse: Eis
a minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer um que fizer a Vontade de meu Pai celeste, esse é
meu irmão, irmã e mãe.”
(Mt12:48,50)
No Evangelho segundo Lucas, o final desse trecho é expresso de forma ainda mais contundente:
“ Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a praticam.”
(Lc8:21)
Aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a praticam!… Somente estes podem alegar ter um
parentesco com Jesus, a Palavra encarnada. Um parentesco no sentido de uma similitude íntima com a
Palavra de Deus, de movimentação do espírito, que se evidencia no modo de ser renovado da criatura
humana e não em conceitos meramente terrenais de laços de sangue e coisas do gênero.
Graus de parentesco terreno não têm, por si mesmos, nenhum significado para o espírito
humano, cujo alvo máximo só pode ser espiritual. Só aquele que se movimenta para atingir esse alvo
sublime cumpre realmente a Vontade do Pai celeste, podendo então ser chamado de um “filho” de
Deus no sentido espiritual, pois “não são os filhos da carne que são filhos de Deus” (Rm9:8). Os que
atingem plenamente esse alvo espiritual também poderão então tratar a si mesmos de “irmãos e irmãs
no espírito”, visto terem todos atingido uma elevada igual espécie comum. Não antes. Os que
procuram estabelecer uma igualdade impossível entre os seres humanos são pessoas danosas, porque
tentam implantar na Terra algo insano e sem harmonia, semelhante a querer montar uma orquestra com
um único instrumento ou um jardim com um único tipo de flor.
A necessidade de se libertar dos grilhões familiares aparece também de forma clara nesse
diálogo de Jesus com um homem que queria segui-lo:
“Outro lhe disse: Seguir-te-ei, Senhor, mas deixa-me primeiro despedir-me dos de casa. Mas
Jesus lhe replicou: Ninguém que tendo posto a mão no arado olha para trás, é apto para o Reino
de Deus.”
(Lc9:61,62)
Mais uma vez o mesmo ensinamento: quem permanece preso a conceitos rígidos, como é o
espinheiral familiar, não pode ascender espiritualmente. Também se reconhece nessa passagem que
para muitas pessoas as preocupações terrenas vinham em primeiro lugar, tal como acontece na época
presente. A exortação de Paulo, pronunciada a quase dois milênios, permaneceu inaproveitada:
“Aspirai às coisas do Alto, não às terrenas (Cl3:2). Quando, hoje em dia, alguém eventualmente ainda
se dispõe a ocupar-se de assuntos espirituais, também logo surgem desejos outros, que o desviam do
alvo principal. Um provérbio árabe diz: “Quem quer fazer alguma coisa encontra um meio, quem não
quer fazer nada encontra uma desculpa.” Ninguém fica livre da reciprocidade por deixar de fazer algo
necessário, porque isso já é uma contravenção à lei universal da movimentação. A responsabilidade
pessoal não se restringe ao que é feito, mas também inclui o que se deixa de fazer.
Jesus foi tão incisivo sobre a necessidade de se desvincular das garras familiares, que é de causar
espanto que o sentido de suas palavras não tenha sido reconhecido. Certa feita uma mulher, também
presa ao falso conceito de família, querendo expressar sua admiração pelas palavras de Jesus,
exclamou para ele:

158
“Bem-aventurada aquela que te concebeu e os seios que te amamentaram!”
(Lc11:27)
Jesus retrucou-lhe imediatamente:
“Antes bem-aventurados são os que ouvem a Palavra de Deus e a guardam!”
(Lc11:28)
Esse episódio fala por si. Jesus, novamente, aponta para a necessidade imperiosa de se cumprir a
Palavra de Deus, como pré-requisito indispensável para se alcançar a bem-aventurança, descartando de
pronto, como algo totalmente despropositado, a pieguice maternal daquela mulher deslumbrada.
Mas, infelizmente, esses seus ensinamentos não impediram que nos séculos subseqüentes o amor
materno, principalmente, fosse decantado como o mais nobre dos sentimentos da mulher, como se a
missão suprema da feminilidade fosse gerar filhos para fazer jus a esse sentimento. Com isso, também
o casamento foi rebaixado. O casamento passou a ser visto como um objetivo profissional, uma
conquista terrena que todas as moças tinham de alcançar para se sentir realizadas, a ponto de a mulher
de hoje não se envergonhar de tomar o matrimônio por patrimônio… Casar e ter filhos emergiu como
única meta de vida de muitas jovens, freqüentemente instigadas pelos próprios pais. Para elas, ser uma
consorte na vida é ter uma vida com sorte.
Ninguém se lembrou aí de que o ser humano é essencialmente um ser espiritual, e como tal tem
de atuar em primeira linha. A procriação não é a principal função do casal humano; considerá-la como
tal é promover um rebaixamento do verdadeiro papel do espírito humano dentro da Criação. É uma
abjeção indesculpável, indigna da espécie humana, decorrente também da crônica indolência espiritual,
a qual descarta de pronto a intuição em qualquer deliberação e suprime toda tentativa de reflexão mais
aprofundada, fazendo com que as mulheres continuem a gritar em seu íntimo até os dias de hoje: “Dá-
me filhos, senão eu morro!” (Gn30:1). Não por outro motivo, aliás, a exortação “Sede fecundos,
multiplicai-vos e enchei a Terra” (Gn1:28) foi recebida como uma revelação toda especial, e posta em
prática com espantoso afinco desde então. A respeito dessa frase, Roselis von Sass concede a seguinte
explicação em sua obra O Livro do Juízo Final: “As palavras ‘crescei e multiplicai-vos e enchei a
Terra’ foram pronunciadas, todavia, na época em que as encarnações dos espíritos na Terra
começaram… E isto foi há milhões de anos…”
As odes seculares erguidas em louvor ao amor materno, como se a mulher não fosse mais do que
uma graciosa espécie reprodutora bípede, transformaram-no num fardo doentio que solapa o livre
desenvolvimento espiritual, tanto da mãe quanto dos filhos. Àquela faz crer que possui direitos
absolutos e permanentes sobre a prole, enquanto que a estes últimos impõe o peso da gratidão eterna,
mesmo que sob o manto da hipocrisia. Isso, sem falar do asqueroso mercantilismo desse “amor”
filial.43
Outro aspecto que também ajudou a degradar o conceito de família foi a interpretação errônea do
quarto Mandamento. O sentido original é honrarás pai e mãe, e não “honrarás teu pai e tua mãe”
(Mc10:19; Lc18:20). O mandamento trata de algo muito mais amplo, a honra devida à paternidade e à
maternidade em sentido geral, e não uma obrigação pessoal de honrar os próprios pais em toda e
qualquer situação, os quais podem, sim, agir eventualmente de uma maneira não merecedora de honra.
É novamente apenas hipocrisia demonstrar uma honra fingida, forçada, a um pai ou a uma mãe não
honoráveis. É oportuno mencionar que algumas traduções mais criteriosas dos Evangelhos trazem
acertadamente o tópico correspondente no Evangelho de Mateus sem os pronomes possessivos em
relação a pai e mãe: “Honra pai e mãe, ama teu próximo como a ti mesmo” (Mt19:19); “Deus ordenou:
honra pai e mãe” (Mt15:4).
Também o papel sobrenatural que se atribui a Maria, na geração de Jesus, tem origem no torcido
conceito de família. Segundo essa idéia, como ela foi a mãe terrena de Jesus, o Filho de Deus, a

43
A americana Anna Jarvis, que no início do século XX inadvertidamente criou o “dia das mães”, e que ainda se empenhou
pessoalmente para que essa comemoração fosse adotada em outros 43 países, chegou ao fim da vida, no ano de 1948,
completamente amargurada com a sua “invenção”. Morreu reclusa, remoída de desgosto e sofrimento, tendo de presenciar
como o seu propósito inicial, aparentemente inócuo e bem-intencionado, se transformara numa aberração comercial de
alcance global.
159
concepção corpórea de seu filho teria de ter ocorrido de uma maneira muito acima do padrão humano
normal, tão inadequadamente natural… No caso, tratou-se então de uma “equalização familiar divina”.
A idéia do nascimento virginal de uma divindade era muito disseminada na Antiguidade, em
vários povos, e simplesmente transplantou-se para a tradição cristã, a qual não podia ficar atrás dos
pagãos em algo assim tão palpitante. Vários mitos sumerianos falam de deuses que desceram à Terra
para engravidar suas escolhidas e voltaram para as estrelas. Uma antiga lenda afirma que a mãe de
Buda permaneceu virgem depois de lhe dar à luz no palácio Kapilavastu. Uma outra lenda, egípcia, diz
a mesma coisa em relação à mãe de um de seus reis, que no Antigo Egito tinham o status de
divindades, por serem filhos de Amon-Rá com a rainha da respectiva dinastia. O principal deus dos
Astecas também nascera de uma virgem. O deus Tamuz mencionado pelo profeta Ezequiel
(cf. Ez8:14), que morria e ressuscitava todo ano, era tido como nascido da virgem Myrrha. Até Platão,
imagina, teria vindo ao mundo de um parto virginal…
Qualquer cristão de hoje não terá nenhuma dificuldade em designar todas essas estórias como
mitos, que são realmente, mas em relação à sua própria religião adotam uma postura distinta. E, no
entanto, os antigos egípcios pareciam ser até mais sensatos do que os cristãos de hoje em relação a esse
tema candente. O escritor grego Plutarco (50 – 125 d.C.) escreveu o seguinte em suas notas biográficas
sobre o rei-sacerdote etrusco Nema: “Os egípcios dizem não ser possível que o espírito de um deus se
aproxime de uma mulher para lhe outorgar princípios de fecundidade, e que nenhum ser humano
jamais poderá ter nenhuma relação, nenhuma união, com uma divindade.”
Um dos pontos-chave em que se apóiam as doutrinas cristãs que ensinam o dogma da concepção
antinatural de Jesus é o final de sua genealogia, contida no Evangelho de Mateus: “E Jacó gerou a
José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo.” (Mt1:16). Segundo os doutos
especialistas bíblicos, as palavras “da qual” que aparecem nesse versículo constituem “uma das mais
fortes evidências para o nascimento virginal de Jesus.” Sei… Então porque o evangelista não cita o
nome do pai terreno de Jesus, essa é a prova de que ele não teve pai nenhum. Claro que para daí surgir
a idéia de uma concepção antinatural e um parto milagroso foi quase que uma conseqüência imediata,
e os fiéis cristãos passaram a aceitar irrefletidamente esse excêntrico conceito de uma partenogênese
divina. É preciso, porém, deixar registrado que alguns teólogos e exegetas mais esclarecidos
consideram a idéia de “nascimento virginal” de Jesus como um caso típico de teologúmeno, expressão
indicativa de uma narrativa teológica sem a correspondente representatividade histórica. Em termos
mais simples... uma mentira.
A palavra hebraica almāh, que aparece nas Bíblias cristãs como “virgem” para designar Maria,
mãe de Jesus, significa literalmente: “mulher jovem em idade de casar”. É nesse sentido de juventude
feminina que o termo é usado no Antigo Testamento, como indicam esses exemplos: “Pois bem, a
jovem que sair para tirar água do poço...” (Gn24:43); “Partiu, pois, a moça e chamou a mãe da criança”
(Ex2:8); “...o caminho de um homem junto a uma jovem” (Pv30:19); “Os cantores à frente, atrás os
músicos, no meio as jovens soando tamborins” (Sl68:26). A palavra que em hebraico indica o conceito
de virgem propriamente é outra completamente diferente: betûlāh, tal como usada na designação da
moça Rebeca, no Gênesis: “A moça era mui formosa de aparência, virgem, a quem nenhum homem
havia possuído” (Gn24:16), e também na história das moças da localidade de Jabes, no livro de Juízes:
“Entre os habitantes de Jabes de Galaad acharam quatrocentas virgens, que não se tinham deitado com
homem, e as trouxeram ao acampamento” (Jz21:12).
Quando a Bíblia foi vertida do hebraico para o grego da versão Septuaginta, a palavra almāh foi
traduzida por parthenos, que rigorosamente indica qualquer moço ou moça não casados, e por isso
considerados virgens. No grego antigo, parthenos tinha propriamente o sentido de “menina” ou
“jovem”, que normalmente seriam virgens, mas não obrigatoriamente. Na posterior tradução da Bíblia
para o latim a partir do grego do Antigo Testamento essa nuance foi desconsiderada e o termo hebraico
original almāh, indicativo de jovem núbil, passou a ser traduzido diretamente em algumas passagens
como “virgem” (virgo em latim), porque os cristãos já acreditavam no nascimento misterioso de
Cristo. Assim, na versão oficial da Bíblia em latim, a Vulgata da Igreja, o conceito principal de jovem
senhora foi definitivamente afastado e almāh deliberadamente traduzido como virgo. Essa falha,
naturalmente, passou depois para as Bíblias em línguas modernas.

160
O efeito mais grave dessa mistificação se encontra no trecho em que Isaías anuncia o nascimento
de Imanuel, citado por Mateus em seu Evangelho. A profecia original de Isaías diz textualmente o
seguinte: “Pois bem, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a jovem está grávida e dá à luz um
filho, e lhe dará o nome de Imanuel” (Is7:14). Já o mesmo trecho citado por Mateus aparece dessa
forma: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a ‘virgem’ conceberá e dará à luz um
filho [ecce virgo concipiert et pariet filium], e lhe chamará Imanuel” (Mt1:23). A citação de Mateus
faz a jovem grávida de Isaías voltar à condição de virgem, o que comprovaria a suposição de um
nascimento virginal de Jesus. Conforme veremos mais à frente, a virgem aí interpolada sequer se
referia a Maria, mãe terrena de Jesus.
Aliás, também não nos passa despercebido que Mateus, em sua genealogia, faça menção
específica a três mulheres além de Maria: Raabe, Tamar e Rute (cf. Mt1:2), todas elas com uma
situação matrimonial algo desregrada ou pelo menos incomum nos textos do Antigo Testamento, como
uma tentativa subliminar de justificar a gravidez de Maria antes do casamento.
Maria era seguramente uma almāh, uma “mulher jovem em idade de casar”, ou uma “mulher
jovem enquanto não deu à luz” nas palavras muito acertadas do teólogo holandês Rochus Zuurmond.
O pesquisador católico John P. Meier também diz com acerto que a palavra almāh era aplicada a uma
mulher até que ela tivesse tido seu primeiro filho. Mas essa contingência não indica, absolutamente,
que a concepção e o nascimento de seu filho Jesus tenham sido “virginais”, algo completamente
impossível segundo as leis naturais. A virgindade de Maria designava simplesmente sua condição
antes de dar à luz seu primeiro filho, isto é, uma mulher cujos órgãos reprodutores ainda não haviam
funcionado, que estavam virgens portanto, apenas isso. Esses órgãos deixaram de ser virgens quando
da concepção, gestação e parto de seu primeiro filho, Jesus: “Ela deu à luz o seu filho primogênito,
envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura” (Lc2:7).
No trecho da anunciação do anjo a Maria, Lucas – ao contrário de Mateus (cf. Mt1:18), não
interpreta que Maria tenha sido terrenalmente “concebida” pelo Espírito Santo:
“Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá
com a sua sombra; por isso, também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus.”
(Lc1:35)
Muito lógico. A atuação do Espírito Santo, cuja forma espiritual visível é a de uma Pomba, é
aqui descrita como o “poder do Altíssimo que envolve Maria com a sua sombra”. Essa analogia de
uma sombra envolvente para indicar a sujeição aos desígnios do Todo-Poderoso já era conhecida em
várias passagens do Saltério, no Antigo Testamento: “Guarda-me como a pupila do olho, esconde-me
à sombra das Tuas asas” (Sl17:8); “Como é preciosa a Tua graça, ó Deus! Os homens se refulgiam à
sombra das Tuas asas” (Sl36:8); “Tu que estás sob a proteção do Altíssimo e moras à sombra do
Onipotente” (Sl91:1); “O Senhor é o teu guarda, o Senhor é como a sombra que te cobre” (Sl121:5).
O “por isso” que aparece na frase final da anunciação em Lucas é uma locução adverbial grega –
dioti, a qual indica “conseqüência evidente”. A conseqüência evidente da atuação do poder do
Altíssimo, que envolve Maria com sua sombra, é que lhe seria possível dar à luz Jesus, o Filho de
Deus, encarnado em corpo terreno.
O Espírito Santo é a Vontade de Deus, e essa Vontade estabeleceu que uma parte do Todo-
Poderoso desceria até essa Terra, a fim de auxiliar os espíritos humanos pela Palavra. Daí se realizou
então uma imaculada concepção espiritual,44 a encarnação de Jesus no corpo infantil em gestação.
Essa encarnação, como não podia deixar de ser, pautou-se pelas leis naturais do mundo material e se
deu no meio do período de gravidez, assim como acontece com todas as encarnações de seres humanos
terrenos. O autor de Eclesiastes diz que “o sopro vital entra nos ossos, dentro do ventre da mulher
grávida” (cf. Ecl11:5).
O corpo terreno de Jesus foi gerado como qualquer outro corpo humano tem de ser gerado aqui
na Terra, em obediência às inflexíveis leis da natureza para a matéria, guardiãs perenes da absoluta
perfeição da Vontade divina. No início da era cristã era do conhecimento geral que o pai de Jesus

44
Ver, a respeito, a dissertação “A Imaculada Concepção e o Nascimento do Filho de Deus”, no segundo volume da obra
Na Luz da Verdade, de Abdruschin.
161
havia sido um romano. Não é sem razão, aliás, que uma das primeiras imagens de Jesus que chegaram
até nós, uma gravura do século II encontrada nas catacumbas de Roma e reproduzida posteriormente
na estatueta O Bom Pastor do século III, é a de um jovem pastor trazendo uma ovelha nos ombros45
(cf. Lc15:5). Um pastor altivo, vigoroso, imberbe e com fisionomia romana.46 Os primeiros cristãos
teriam ficado perplexos se lhes fosse contada a versão de uma “concepção divina” e de um
“nascimento virginal” do Mestre… O lúcido teólogo Cerinto, que de acordo com o bispo Irineu do
século II havia sido contemporâneo do apóstolo João, afirmou que o corpo de Cristo fora “originado de
sêmen viril”. Não se tem conhecimento de nenhum escrito de João refutando Cerinto. Registre-se que
Cerinto também afirmava que a redenção não podia ser obtida através do sofrimento de Jesus. Duas
verdades submersas pelos vagalhões dogmáticos dos séculos seguintes...
A idéia de uma concepção virginal de Jesus é fruto do incurável misticismo humano, bem como
do desconhecimento das leis que governam a natureza. Nada mais do que isso. O mesmo se dá em
relação à idéia de uma concepção especial para Maria. Em 1854, o papa Pio IX afirmou que Maria fora
concebida sem pecado em atenção aos méritos de Cristo Jesus. O Salvador só poderia ser concebido
virginalmente de uma criatura previamente concebida sem pecado. Essa afirmação de uma imaculada
concepção, única e especial para a mãe terrena de Jesus, implica necessariamente que desde Adão
todos os seres humanos foram sempre concebidos com mácula, mesmo quando se esforçaram em
obedecer a determinação divina para que “se multiplicassem e enchessem a Terra” (cf. Gn1:28). Dessa
maneira, o Senhor teria ordenado às Suas criaturas que pecassem com disposição, para poderem
povoar a Terra… Onde está a lógica nisso?
Certamente é muito significativo que não haja a mais remota alusão a qualquer idéia de uma
concepção e de um nascimento “virginais” de Jesus nas epístolas do grande apóstolo Paulo, as quais
foram escritas muito antes dos Evangelhos, pelo menos uma geração antes. O próprio Evangelho de
Marcos, o mais antigo dos quatro, também não faz nenhuma menção a isso, indicando que um tal
conceito era completamente desconhecido no início do Cristianismo. E o Evangelho de João, com seus
profundos conceitos teológicos, igualmente passa ao largo dessa estória.
Aliás, é interessante observar que no Evangelho de Marcos alguns judeus na sinagoga
comentavam sobre Jesus da seguinte forma: “Não é ele o carpinteiro, filho de Maria,…? (Mc6:3).
Referir-se a um homem como filho de sua mãe, e não de seu pai, era algo absolutamente incomum no
Judaísmo daquela época e também no Antigo Testamento. Era um sinal de que alguns ali sabiam que
Jesus não era filho do marido de Maria, e sim de um outro homem. Claro que nenhum daqueles judeus
iria admitir a hipótese de que o pai de Jesus seria o Espírito Santo, já que o consideravam apenas como
um impostor. Como reforço, temos também o ataque maldoso de um grupo de judeus dirigido a Jesus:
“Nós não somos bastardos!” (Jo8:41), querendo indicar com isso, com o intuito de ofender, que sabiam
ser Jesus um filho ilegítimo. Ilegítimo segundo a lei dos homens, é bom que se diga, e não segundo a
onisciência divina, que não leva em conta a visão restrita de seres humanos de raciocínio. Também é
digno de registro a preocupação de alguns copistas em substituir as palavras originais encontradas em
manuscritos mais antigos “o pai e a mãe do menino”, referindo-se a Jesus no Evangelho de Lucas (cf.
Lc2:33), por “José e sua mãe”. À medida que crescia a importância de Maria na Igreja, os devotos
copistas se sentiram no dever de eliminar qualquer possibilidade de dúvida em relação ao nascimento
virginal de Jesus.
Mas aqui e ali ainda vemos alguns que conseguem sobrepujar a muralha do raciocínio e enxergar
um pouco mais além, como é o caso do exegeta católico Gerhard Lohfink, que afirma com todas as
letras para quem quiser ouvir: “A concepção virginal com certeza não faz parte do conteúdo da fé e da
confissão cristãs primitivas e, conseqüentemente, da mensagem de salvação bíblica.” O também

45
Foi dessa imagem que surgiu o costume de marcar a posse de um papa com uma estola de lã de carneiro, chamada pálio,
querendo significar que ele é o pastor universal. Os arcebispos metropolitanos também usam pálios (algo menores),
confeccionados com a lã de ovelhas abençoadas.
46
Mesmo na idade adulta Jesus não portava barba, nem tampouco a longa cabeleira com que aparece nas representações
iconográficas. Ao contrário do hábito dos judeus de então, era costume romano raspar a barba. Nos afrescos da Roma
antiga, feitos pelos primeiros cristãos, Jesus aparece invariavelmente sem a barba. Quanto ao cabelo, Paulo diz que não era
bonito o homem usar cabelo comprido (cf. 1Co11:14). Já as imagens de Jesus que o mostram com olhos azuis estão certas.
Apesar de isso não ter a menor importância, trata-se de uma característica física do Mestre corretamente preservada ao
longo do tempo.
162
católico Karl Rahner acredita que “o trabalho pastoral faria melhor em não incomodar um crente
sincero que não queira aceitar essa doutrina.” A teóloga Jane Schaberg diz que “a doutrina da
concepção virginal é uma distorção e uma máscara, por trás da qual se encontra a tradição da
ilegitimidade.” E o escritor e padre católico John P. Meier admite por sua vez que “as exatas origens
da tradição da concepção virginal continuam obscuras, do ponto de vista histórico.” Origens obscuras,
não é padre John? Quem sabe não houve interesse em deixar registrado como tudo começou… Roselis
von Sass traz o seguinte esclarecimento sobre o tema em O Livro do Juízo Final:

“Outra invenção da Igreja é a da “concepção antinatural” de Jesus. Jesus foi gerado


do mesmo modo que qualquer outra criança na Terra. (…) Naquela época todos os
conhecidos de Maria sabiam que o pai de seu filho – Jesus – era um romano… Somente
muitos séculos mais tarde, um dos conselheiros da Igreja inventou a lenda de que Jesus não
fora gerado por um pai terreno. Pensou introduzir, com isso, algo de místico na doutrina de
fé…”

Quem estabeleceu o dogma propriamente da virgindade de Maria foi o papa Martinho I, quando
durante o Concílio de Latrão, no longínquo ano 649, declarou a “perpétua virgindade de Nossa
Senhora ante partum, in partum, post partum”, em clara contradição com várias passagens do Novo
Testamento que falam sobre os irmãos de Jesus (cf. Mt12:46;13:55; Mc3:31,32;6:3; Lc8:19,20;
Jo2:12;7:3,5,10; At1:14; 1Co9:5; Gl1:19). É de se perguntar se os irmãos de Jesus também foram
agraciados com concepção e nascimento antinaturais…
E que Jesus teve irmãos de sangue é atestado não somente pelas Escrituras, mas também pelo
próprio bispo Eusébio de Cesaréia (280 – 340), que em sua obra História Eclesiástica informa: “Da
família do Senhor ainda viviam os netos de Judá, que deve ter sido um irmão consangüíneo do
Senhor.” Também Hegesipo, escritor cristão do segundo século, e os pais da Igreja: Tertuliano, Irineu,
Helvídio e Epifâneo afirmaram que Maria teve outros filhos com José.
A estória apregoada de Maria ter permanecido virgem mesmo depois do nascimento de Jesus
(virginitas post partum), foi demais até para o bom monge Joviano, que achava tudo isso francamente
exagerado. Aliás, como também já admitia Tertuliano – o pai do Cristianismo latino – que ao menos
descartava a idéia de uma virgindade mariana durante e após o parto. No século II da nossa era,
Tertuliano já advertia os cristãos para não seguirem o raciocínio (razão) na definição de suas
convicções...
O primeiro documento a “atestar” o nascimento virginal de Jesus é um texto moldado no ano 190
d.C. chamado Proto-evangelho de Tiago, que naturalmente nada tem a ver com o verdadeiro Tiago,
irmão de Jesus e autor da preciosa epístola que leva seu nome. Nesse texto de soberba fantasia, o
tempo literalmente pára quando Maria está prestes a dar à luz. José olha para cima e vê pássaros
parados em pleno ar, pessoas estáticas levando comida à boca, cabritinhos petrificados no momento de
beber água do rio, etc. Diz o texto: “Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns
instantes, de seu curso normal.” Logo depois do nascimento de Jesus, a parteira sai gritando
maravilhada que Maria continuava virgem. Uma amiga sua não acredita e exclama: “Pelo Senhor,
meus Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua
natureza!” O texto conta que a mulher coloca o dedo na natureza de Maria e imediatamente solta um
grito de dor: “Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por descrer do
Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada.”
Joviano, um monge pensante da época, não podia mesmo compactuar com essa estorinha e
acabou sendo excomungado pela Igreja por contestar a “virgindade do parto”.
Ao contrário da idéia antinatural de uma concepção virginal através do Espírito Santo, há
registros palpáveis indicando uma paternidade normal para Jesus. Um antigo documento apócrifo,
naturalmente repudiado pela Igreja, afirma que Maria estava grávida de seis meses quando se uniu a
José, de modo que este sabia muito bem de sua condição quando decidiu se casar com ela. O teólogo
Orígenes47, do século III, cita especialmente o filósofo Celso que, numa obra intitulada O Verdadeiro

47
Orígenes tinha suas próprias idéias a respeito do conceito de “nascimento virginal” de Cristo. Segundo ele, isso não devia
ser entendido literalmente, mas sim como sendo o nascimento da Sabedoria divina na alma. Aliás, ele considerava um
163
Discurso, de 178 d.C., diz ter obtido de um judeu a informação de que a mãe de Jesus aparecera
grávida de um soldado romano de nome Pandera (ou Panthera). Essa história também aparece
registrada em alguns escritos rabínicos do final do século I e início do século II, denominados
Baraitas. Também o Talmude, o mais importante livro pós-bíblico do povo judeu, coletânea das
tradições rabínicas desde o século II d.C. e considerado pelo Judaísmo tradicionalista com autoridade
equivalente a das Escrituras, informa que o pai de Jesus foi um estrangeiro, um legionário romano de
nome Pandera.
Nessas narrativas históricas sobre a paternidade de Jesus há, contudo, uma incorreção de
nomenclatura, porque seu pai biológico foi um comandante romano chamado Kreolus48 (e não Pandera
ou Panthera), a quem Maria conheceu antes de se unir a José. O nome “Pantheras”, de fato, era
bastante comum entre os soldados romanos, mas nesse caso o erro adveio provavelmente da expressão
grego-hebraica ben-parthenou – “filho da virgem”, utilizada mais tarde pelos cristãos em relação a
Jesus.
A imaculada concepção de Jesus foi uma concepção realizada dentro do mais puro amor,
protegida por este como que numa redoma de pureza. Uma concepção que não se originou de mero
instinto, na qual, portanto, não aderiu nenhuma mácula, caracterizando-a realmente como imaculada.
O corpo terreno de Jesus só poderia ser concebido como fruto do mais puro e profundo amor entre
duas pessoas, como foi o ocorrido entre Maria e Kreolus. O amor puro tinha de ser a base sobre a qual
poderia se encarnar uma parte do Amor de Deus. Esse tipo de amor, porém, praticamente não existe
mais na Terra.
Sem contar os desregramentos sexuais a que tanta gente se entrega em nossos dias, o próprio ato
de geração decorre quase sempre apenas do instinto inferior, onde o amor ou algum resquício dele
desempenha um papel secundário ou terciário, quando não desempenha papel nenhum. Deveria ser o
contrário. Isso é mais um sinal da profundidade da decadência humana, pois só mesmo quem não tem
mais nada de valor dentro de si pode direcionar sua vida apenas na busca de prazeres sensuais e
paixões. Unicamente aquele que consegue ascender espiritualmente adquire a força necessária para
deixar de lado essas e tantas outras coisas baixas, como aconteceu com o próprio Paulo e seus
conhecidos: “Também nós antigamente éramos escravos de toda sorte de paixões e de prazeres”
(Tt3:3).
Voltando à paternidade de Jesus, vemos num texto apócrifo que o casal Maria e José compareceu
a um tribunal religioso porque Maria havia engravidado sem ainda estar coabitando com José. Na
realidade, não se tratou de um tribunal propriamente, mas sim de uma declaração pessoal de
paternidade feita por José, sozinho, junto ao superior do Templo, de modo a garantir a primogenitura
de Jesus, com todos os direitos a isso ligados.
José foi, sem dúvida nenhuma, o pai de fato de Jesus, visto sempre ter sido seu melhor amigo
terreno. Ao contrário de Maria, ele nunca o importunou com errôneos conceitos familiares, e por essa
razão também não colocou em seu caminho nenhum empecilho para o cumprimento de sua missão.
Quando Jesus deu início ao seu ministério José já havia morrido, de modo que nessa época ele não
podia mais contar com as longas conversas que tinha com seu pai adotivo, de que tanto gostava e que
lhe foram tão úteis na juventude. Em Maria, o rígido e deletério conceito de família estava muito
arraigado, de modo que, mesmo sem querer, acabou dificultando a missão do Filho de Deus na Terra.
O Evangelho de Marcos, por exemplo, informa que ela (respeitosamente sem citar seu nome),
juntamente com seus outros filhos, acharam até que Jesus “estava ficando louco e quiseram detê-lo”
(cf. Mc3:21), logo depois de este ter convocado os doze apóstolos.
Sobre o papel da mãe terrena de Jesus registrado na Bíblia, uma enciclopédia de catolicismo
admite que “o leitor dos Evangelhos, antes de tudo, se surpreende por encontrar tão pouca informação
sobre Maria.” Na verdade, o que surpreende mesmo é a Igreja ter ignorado esse sinal silencioso das
Escrituras, onde Maria de Nazaré é citada até menos do que Maria Madalena, e criado um culto à sua

despautério que a Bíblia não pudesse ser interpretada de maneira espiritual. Dizia que a Bíblia contém um sentido mais
profundo do que aquele permitido pelo texto em si. Nas suas palavras, o sentido literal é valioso, mas às vezes obscurece o
sentido primário, que é espiritual. Como seria de se esperar, acabou sendo taxado de herege, mas só postumamente, cerca
de 300 anos depois de sua morte.
48
Ver, a respeito, a obra Jesus, o Amor de Deus, publicada pela Editora Ordem do Graal na Terra.
164
personalidade que nem ela, nem Jesus, jamais quiseram. O Filho de Deus nunca, mas nunca proferiu
uma única palavra sequer que pudesse justificar a existência de semelhante culto. Nem mesmo em suas
aparições depois da morte. Aliás, os Evangelhos narram onze aparições de Jesus ressuscitado, não
apenas às pessoas que lhe eram caras, como os apóstolos e seu irmão Tiago (cf. 1Co15:7), mas
também a agrupamentos e multidões, e no entanto, significativamente, não registram uma única visita
pós-morte à sua mãe terrena… Ela não fazia parte das “testemunhas anteriormente designadas por
Deus” (At10:41) para poder ver Jesus depois de sua morte.
Maria teve a sublime incumbência de dar à luz o Filho de Deus em seu invólucro terreno, mas
nem por isso subiu do patamar de espírito humano. Ela era, sem dúvida, “altamente favorecida”
(Lc1:28), um espírito humano muito agraciado e preparado, não obstante continuou sendo ainda e
sempre um simples espírito humano, conforme, aliás, era considerada nos primórdios do Cristianismo.
Maria foi um ser humano como qualquer outro, inclusive com erros aderidos a si, os quais ela permitiu
que se evidenciassem durante seu tempo de convivência com Jesus.
O apóstolo Paulo, sempre cioso de tudo que é relacionado a Jesus, só faz uma referência indireta
e superficial a Maria, para dizer que o Filho de Deus “nasceu de uma mulher” 49 (Gl4:4). Os
Evangelhos mostram Jesus se referindo a ela apenas como “mulher” (cf. Jo2:4;19:26), não como mãe,
e muito menos ainda como “mãe de Deus” (coisa que também nenhum discípulo fez), fato esse que
prova o contrário daquilo que o culto de Maria estipula. O evangelista João sequer a chama pelo nome,
mas apenas de “mãe de Jesus” e “sua mãe” (cf. Jo2:1,3,5,12;19:25,26). Jesus, como Filho de Deus, até
deixou claro que nada tinha a ver com aquele espírito humano: “Mulher, que tenho eu contigo?”
(Jo2:4), replicou.
O título de matriarca divina foi instituído muito tempo depois da morte de Maria. Nota-se aí
claramente a influência de conceitos pagãos, particularmente oriundos do Antigo Egito, onde a deusa
Ísis, chamada pelos egípcios de “Mãe de Deus” e “Senhora do Céu”, aparecia freqüentemente retratada
com o menino Hórus no colo. Uma estátua da deusa Ísis com seu filho Hórus chegou a ser venerada
por engano por católicos que desconheciam sua origem... Essas imagens são deturpações de visões
espirituais que alguns agraciados tiveram da Rainha Primordial, que habita num mundo situado muito
acima do Paraíso. Nessas antigas visões, ela normalmente aparecia acompanhada de um menino, o
futuro “Senhor do Juízo”. Abdruschin diz o seguinte sobre essa Rainha Primordial em Na Luz da
Verdade, dissertação “Culto”:

“Certamente existe uma Rainha do céu que, segundo a conceituação terrestre,


também se poderia chamar Mãe primordial e que, não obstante, possui a mais pura
virgindade. Ela, porém, está desde toda a eternidade nos páramos mais elevados e nunca
teve encarnação terrestre!
Trata-se, pois, de sua imagem irradiante e não dela em realidade, o que uma vez
ou outra certas pessoas, devido a uma profunda emoção, podem ‘ver’ ou ‘intuir’.
Através dela vêm também muitas vezes auxílios mais rápidos, chamados milagres.”

Essas elevadas características da Rainha Primordial foram inconscientemente comprimidas em


conceitos materiais restritos, e com o tempo acabaram associadas à mãe terrena de Jesus. Outras
divindades pagãs também contribuíram para a sedimentação do culto a Maria. A Cibele frígia era
conhecida como “Grande Mãe” e “Mãe de Todos os Benditos”. Na cidade fenícia de Biblos e em
Beirute, Astarte era venerada como a “Deusa-mãe”. Na Babilônia, Astarte era chamada de “Rainha do
Céu” e portava um manto azul... Como “Rainha do Céu” Astarte aparece até na Bíblia, inclusive com
esse mesmo título, recebendo libações e oferendas dos seus fiéis, algo que por sinal desagrada
profundamente o profeta Jeremias e o próprio Senhor (cf. Jr7:18-20;44:17-23, 25). Nesse caso, tratou-
se da deturpação da imagem de uma grande enteal feminina que vive no Olimpo, Astarte, mediadora
das irradiações da pureza.

49
A expressão “nascer de mulher” é o termo bíblico usual para nascimentos comuns, normais. Em Mt11:11 e Lc7:28, por
exemplo, podemos ler: “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista.” E em Jó14:1 está: “O
homem, nascido de mulher, vive breve tempo, cheio de inquietação.”
165
Contudo, a idéia megalônoma de ser uma mãe divina jamais passou pela cabeça da própria
Maria, que como simples serva do Senhor reconhecia sua necessidade de salvação como qualquer
outro ser humano, conforme se depreende de suas palavras por ocasião da anunciação: “A minha alma
engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na
humildade da Sua serva.” (Lc1:46-48). Ora, uma mãe de Deus não poderia ser serva e muito menos
ainda precisaria ser salva…50
A designação “mãe de Deus” (Theotokos em grego) só começou a ser utilizada a partir do ano
431, quando foi estabelecida no Concílio de Éfeso. Os bispos reunidos nesse Concílio proclamaram ser
um dever de todos os crentes atribuir a Maria o título de Theotokos, ameaçando com anátema a quem a
isso se negasse. Em honra dessa proclamação, o papa Sixto III mandou construir imediatamente a
Basílica de Santa Maria Maior, em Roma, que se tornou o principal santuário dedicado à Virgem.
Esse título oficial criado pela Igreja se contrapunha à acepção estabelecida pelo corajoso
patriarca de Constantinopla, Nestório (380 – 451?), segundo o qual havia em Jesus duas pessoas
distintas, a humana e a divina, e que portanto Maria não poderia ser considerada mãe de Deus.
Nestório afirmava que Maria era mãe de um ser humano, enquanto que o Messias que atuou entre as
pessoas era a incorporação do Amor – ligação de Deus com Seu Filho. Essa sua ousadia lhe custou a
excomunhão, deportação e exílio, com a agravante de que ele já tinha abolido em Constantinopla o
ofício de “penitenciário”, que consistia em distribuir penitências aos fiéis da época. Tal punição, no
entanto, não impediu que seus seguidores, os nestorianos, fundassem igrejas na Pérsia, Índia, Arábia e
até na China. Na seqüência do embate, no ano 553, o Concílio Constantinopla II acrescentou à “Mãe
de Deus” o epíteto de “Virgem Eterna”. No ano 680 o Concílio Constantinopla III sufocou de vez a
impertinência herética de Nestório ao ratificar o título de matriarca divina para Maria, com a
declaração de que “ela foi verdadeiramente a mãe de Deus”. O marianismo triunfara.
Foram séculos de luta renhida até o culto de Maria se instalar soberano e inconteste no seio da
Igreja. Sua tímida aparição no início da era cristã, aparentemente inócua, parecia apenas um justo
louvor por ela ter dado à luz o corpo terreno do Messias. Mas em meados do século II o bispo de Lyon
na Gália, Irineu, cujo nome significa “pacificador”, já começava a declarar hereges os que se
recusavam a aceitar o cada vez mais condensado e místico culto a Maria, bem como a florescente
crença em sua virgindade. Podemos concluir então que o pacífico Irineu classificava de herege o
próprio Jesus, a quem julgava servir, pois este exortou severamente: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e
só a Ele prestarás culto” (Mt4:10; Lc4:8).
O culto à Maria de Nazaré cresceu sobremaneira na Idade Média, quando ela passou a receber
vários outros títulos em cadência, como “co-redentora”, “rainha dos céus”, “rainha dos anjos”, “dama
regente do mundo”, “mediadora de todas as graças”, “mãe da verdade”, “mãe da paz”, “porta dos
céus”, “janela do paraíso”, etc. Esse crescimento contínuo do culto à sua pessoa também pode ser
observado nas pinturas que retratam a anunciação. Nas primeiras delas, o anjo Gabriel é a figura
dominante, elevando-se majestosamente sobre uma submissa Maria; com o tempo, ambos passam a ser
representados com o mesmo tamanho e destaque; já nas últimas gravuras é o anjo Gabriel que aparece
ajoelhado reverentemente diante de Maria… Da Idade Média até o Renascimento, Maria é a figura
central nos quadros que representam os apóstolos, particularmente nos que retratam a descida do
Espírito Santo no Pentecostes 51 . No século VIII surgiram afrescos mostrando o papa recebendo
insígnias da Virgem Maria, vestida e coroada como imperatriz.

50
Alguns manuscritos da tradição latina procuraram mitigar esse desconforto simplesmente substituindo Maria por Isabel
nesse trecho, o que demonstra a que ponto podem chegar os adeptos da fé cega no afã de defender seus dogmas. Isabel é
uma variação do nome Elisabeth, que significa “consagrada a Deus”.
51
Pentecostes era o nome que se dava à “Festa das Semanas” ou “Festa da Colheita” (cf. Ex23:16), celebrada sete semanas
depois do começo da colheita do trigo. Sete semanas correspondem a 50 dias, daí o nome de Pentecostes (do grego
pentekostes – qüinquagésimo). As festas da Páscoa (do hebraico pessah – passagem) e dos Ázimos (pães sem fermento)
foram fundidas e fixadas no 14º dia do mês de Nisã, e a partir daí a Festa das Semanas recebeu uma data regular no
calendário judaico: sete semanas (50 dias) após a Páscoa, que atualmente comemora a saída dos hebreus do Egito. No
Judaísmo, o Pentecostes passou a lembrar a outorga da Lei a Moisés. No Cristianismo, o Pentecostes celebra a descida do
Espírito Santo sobre os apóstolos reunidos no cenáculo, que teria ocorrido 50 dias após a Páscoa cristã. A data da Páscoa
cristã foi fixada no século II pelo papa Vitor I.
166
Segundo o pesquisador Jaroslav Pelikan, quem naquela época apelasse a Maria como “porta dos
céus e janela do paraíso” receberia completa absolvição dos pecados. Havia festas eclesiásticas em
honra do seu nascimento e acreditava-se que sua natividade também fora anunciada à sua mãe por
meio de um anjo, tal como se deu depois com seu filho Jesus. Seu túmulo também teria sido
encontrado vazio pelos discípulos… Sua casa foi transportada da Palestina para a Itália por anjos,
passando a ser conhecida e venerada como “Santa Casa de Loreto”. Jaroslav diz que Maria “foi
colocada no mais ilustre lugar entre todas as hostes celestiais, humanas ou angélicas, ocupando o
segundo lugar apenas em relação a Deus.”
Hoje em dia, além das gravuras, há incontáveis estátuas da Virgem veneradas sob mais de mil
títulos diferentes em todo o mundo. Isso, apesar das inúmeras advertências bíblicas contra tal prática.
Essa prática é tão grave, que aparece na Bíblia como uma proibição específica, complementar ao
primeiro Mandamento: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da servidão. Não terás
outros deuses diante de Mim. Não farás para ti imagem de escultura” (Dt5:6-8). O rei Asa, de Judá,
de quem a Bíblia afirma que “fez o que era reto diante do Senhor” (1Rs15:11), entendeu muito bem
essa proibição e não titubeou em retirar da própria mãe, Maaca, a dignidade de rainha-mãe quando viu
que ela venerava uma escultura de ídolo. Logo depois de apear sua progenitora, “Asa destruiu essa
imagem e a queimou no vale de Cedron” (1Rs15:13).
A idolatria é um dos pecados que a Bíblia indica ser especialmente repugnante ao Senhor. É
designada pelo termo hebraico to‘evah, que significa “coisa abominável, detestável, ofensiva”.
Algumas passagens bíblicas deixam reconhecer muito bem essa repugnância: “A madeira cortada da
floresta, trabalhada pelo cinzel do artista, ornamentada com ouro e prata, é fixada com pregos e
martelo para não vacilar. Esses ídolos são como um espantalho num campo de pepinos; não falam, e é
necessário carregá-los, pois não andam. (…) Todo ourives é envergonhado pela imagem que esculpiu:
suas estátuas são mentira, não há espírito nelas; são absurdidades, produtos ridículos: perecerão na
hora do ajuste de contas” (Jr10:3-5,14,15). Cada uma dessas estátuas idolatradas clama a maldição que
recai sobre os escultores e, não por último, sobre os incentivadores de tão grande abominação:
“Maldito o homem que fizer imagem de escultura ou de fundição, abominação ao Senhor, obra da mão
do artífice” (Dt27:15). Todos eles “trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas
do homem corruptível” (Rm1:23).
O clamor do profeta Habacuc ecoa pelos séculos: “Que proveito traz uma imagem de barro? É só
para o artista ter o gosto de fazê-la? E a imagem de metal fundido, oráculo mentiroso, é para que seu
criador nela confie e continue fabricando ídolos mudos?” (Hab2:18). O salmista brada em severa
advertência: “Os que fabricam ídolos ou neles confiam se tornarão como eles” (cf. Sl115:8, 135:18),
isto é, sem vida, espiritualmente mortos. O destino que os aguarda é o mesmo de seus ídolos – a
aniquilação, garante Oséias: “Da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para sua própria
perdição” (Os8:4). E qual o número desses que se tornaram mortos como seus ídolos?... É só olhar em
redor, diz Isaías: “O país está cheio de ídolos, adoram o produto de suas mãos, coisas que seus dedos
fabricaram” (Is2:8).
O idólatra – qualquer que seja o objeto de sua devoção – se prostra diante de seu ídolo e… “não
se envergonha de dirigir-se a esse objeto sem vida: invoca saúde a quem está sem força, implora vida a
quem está morto, suplica proteção a quem não tem valia nenhuma, confia suas viagens a quem não é
capaz de dar um passo, (…) pede ajuda vigorosa a mãos sem vigor” (Sb13:17-19). “Esses deuses de
prata, ouro e madeira são trajados de roupas, como homens, mas não estão protegidos da ferrugem e da
decomposição. (…) Como a louça quebrada se torna imprestável, assim são os seus deuses, depois de
instalados nos templos; seus olhos cobrem-se com a poeira levantada pelos passos do povo que entra.
(…) São comparáveis a alguma viga do templo, cujo cerne, ao que dizem está carcomido; os vermes
que saem da terra os devoram, a eles e a seus mantos: eles nem o sentem! (…) Esses objetos, que não
têm o menor alento, compram-se por qualquer preço. Como não têm pés, carregam-nos nos ombros. Se
alguma vez caem em terra, não se levantam por si mesmos; se alguém os põe de pé, não se podem
mover; se inclinados, não se podem endireitar, e recebem como mortos as oferendas que lhes são
presenteadas. (…) Se alguém lhes faz bem ou mal, são incapazes de retribuir. (…) Assim, pois, mais
vale um homem justo que não tem ídolos: ele estará a salvo da vergonha.” (Br6:10,11,15,16,19,24-26,
33,72).

167
Somente as Bíblias católicas contêm as passagens do parágrafo acima. No entanto, o Concílio de
Nicéia II, no ano 787, definiu como lícita a pia veneração das relíquias e das santas imagens. Assim,
também de nada adiantou o profeta Isaías e o salmista terem, séculos antes, acrescentado na mesma
linha: “Eis os que desembolsam seu ouro, e pesam a prata na balança; contratam um ourives para que
ele faça um deus, diante do qual se prostram em adoração; eles o carregam nos ombros e o
transportam, depois o colocam em seu posto, onde se mantém, sem mais poder mover-se. Por mais que
o invoquem, nunca responde, e não salva do infortúnio” (Is46:6,7); “Os ídolos deles são de prata e de
ouro, feitos por mão de homem: têm boca mas não falam; têm olhos mas não vêem; têm ouvidos mas
não ouvem; têm nariz mas não cheiram; têm mãos mas não apalpam; têm pés mas não andam; nem
som algum sai da sua garganta. Que seus autores se assemelhem a eles, e todos os que neles confiam!”
(Sl115:4-8).
Apesar desses avisos tão incisivos, tão contundentes, parece que nenhum clérigo ou leigo
venerador de estátuas se conscientizou até hoje dessa prática abominável, que não é nada pia não, mas
sim ím-pia, nem tampouco tomou para si mais essas outras graves advertências bíblicas: “Não façais
para vós ídolos, nem levanteis entre vós imagens de madeira, estelas ou pedras esculpidas. Não as
coloqueis na vossa terra, para vos prostrardes diante delas, porque Eu sou o Senhor, vosso Deus”
(Lv26:1). “Não vos corrompais fabricando um ídolo, uma forma qualquer de divindade” (Dt4:16).
“Não vos afasteis do Senhor, mas servi-O de todo o coração. E não vos desvieis para entregar-vos a
ídolos de nada, sem utilidade e incapazes de salvar, pois nada são” (1Sm12:20,21).

O Servir Libertador
Quando Jesus insta o ser humano a “guardar os mandamentos” (Mt19:17) está lhe dando um
conselho de suma importância, pois unicamente quem guarda os mandamentos, isto é, quem cumpre as
leis da Criação, pode alcançar a vida eterna.
Também o “tornar-se um servo útil” outra coisa não significa senão cumprir essas leis. Quanto
mais uma pessoa se aprofundar no reconhecimento e compreensão dessas leis, tanto mais se lhe tornará
clara a necessidade absoluta de obedecê-las. A partir daí, ela nem almejará algo diferente do que
integrar-se inteiramente na Vontade Daquele que lhe concedeu a vida.
Uma pessoa que tenha alcançado esse nível de compreensão sabe que não está fazendo nada
além de sua obrigação ao interessar-se pela Vontade de seu Criador, e procurará sintonizar todo seu ser
nela. Nunca pensará estar realizando algo de extraordinário com isso, que faça jus a uma recompensa
toda especial do Alto. A exortação de Paulo aos Colossences para ter “pleno conhecimento da Vontade
de Deus” (Cl1:9) lhe parecerá a coisa mais natural do mundo. Só quem tenha chegado a esse nível de
evolução espiritual compreenderá também, sem se chocar, essas palavras de Jesus dirigidas a seus
apóstolos:
“Qual de vós, tendo um servo ocupado na lavoura ou em guardar o gado, lhe dirá quando ele
voltar do campo: Vem já e põe-te à mesa? E que antes não lhe diga: Prepara-me a ceia, cinge-te e
serve-me enquanto eu como e bebo; depois comerás tu e beberás. Por ventura terá de agradecer
ao servo por ter este feito o que lhe havia sido ordenado?”
(Lc17:7-9)

“O discípulo não está acima do seu mestre, nem o mestre acima do seu senhor.”
(Mt10:24)
O ser humano tem obrigação de servir. Essa obrigação, porém, só não é sentida como uma
imposição desagradável por aquele que cumpre voluntariamente as leis primordiais vigentes, aquele,
portanto, que ajusta sua pequena vontade humana à onipotente Vontade do Criador. A condição para
isso é, evidentemente, a humildade, que é a chave para a liberdade espiritual. Assim, ele passa a
compreender perfeitamente as indicações do Mestre: “Quem quiser tornar-se grande entre vós, será
esse o que vos sirva” (Mt20:26) e “se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos e servo de
todos” (Mc9:35). Jesus deu um exemplo prático dessa humildade ao lavar os pés dos discípulos
168
(cf. Jo13:4,5), indicando com esse ato, ao mesmo tempo, que as leis da Criação sempre servem ao ser
humano que se ajusta sabiamente a elas.
A severa linguagem bíblica da terra de Canaã, o antigo Oriente Médio, não causará mais nenhum
mal-estar ao leitor tornado ciente, pois agora ele vê que a rigorosa exigência de servir, de obedecer, é
na verdade uma exortação para ajustar-se às leis, o que por sua vez é sinônimo de liberdade, de
libertação espiritual. É este o sentido de “Servi ao Senhor com toda a humildade” (At20:19) e da
exortação de “viver humildemente com o teu Deus” (Mq6:8), assim como da reiterada exigência de
humilhar-se diante Dele: “Se o Meu povo se humilhar, orar e me buscar, e se converter dos seus maus
caminhos, então Eu ouvirei dos céus” (2Cr7:14); “Humilhai-vos diante do Senhor, e Ele vos exaltará”
(Tg4:10); “Humilhai-vos, pois, sob a poderosa mão de Deus” (1Pe5:6). Faz parte disso igualmente a
dura advertência para quem não cumpre a Lei do Senhor: “Maldito quem não mantiver as palavras da
Lei e não as puser em prática!” (Dt27:26), bem como a severa sentença do Senhor de que “diante de
Mim se dobrará todo joelho” (Rm14:11).
Todas essas aparentes imposições rígidas são facilmente seguidas, de maneira automática, por
quem se adapta sabiamente às leis da Criação. Para este, a virtude da legítima humildade também
advém de modo inteiramente natural. Assim, não há mais nenhum risco de ele “tropeçar na Palavra,
sendo desobediente” (1Pe2:8b); a simplicidade infantil e espantosa aspereza da linguagem bíblica
nunca mais lhe poderá ser “pedra de tropeço e rocha de ofensa” (1Pe2:8a). Ao contrário, saberá que o
cumprimento da Lei do Senhor só poderá trazer reciprocamente uma grande paz à criatura humana, e
nenhum motivo para tropeço: “É grande a paz dos que amam a Tua Lei, e para eles não existe um
tropeço” (Sl119:165). Mesmo desconhecendo que os termos hebraicos shahāh – “curvar-se” e ‘asab –
“servir” também têm o sentido de “adorar”, isso se tornará evidente ao seu novo coração tornado
humilde. Humildade legítima, percebida como tal pelo Alto: “Por mais alto que seja o Senhor, Ele vê o
mais humilde e reconhece de longe o orgulhoso” (Sl138:6).
Com um sorriso de gratidão nos lábios reconhecerá prontamente as várias indicações, agora
claras para ele, da atuação incontornável e autônoma da Lei da Reciprocidade, apenas expressa em
outros termos: “Para quem é fiel, Tu és fiel; com o homem íntegro, Tu és íntegro; com o que é leal, Tu
és leal, e com o astuto, és sagaz” (2Sm22:26,27). Indicações ratificadas nessas outras sentenças vindas
da parte do Senhor: “Eu, o Senhor, penetro os corações e sondo as entranhas, a fim de recompensar
cada um pela sua conduta e pelos frutos das suas ações” (Jr17:10); “Eu vos julgarei, cada um segundo
os seus caminhos” (Ez33:20).
Verá também o que se encontra por detrás de inúmeras outras advertências bíblicas, muito duras
à primeira vista, com seus inúmeros “Ai de ti!” A intenção é sempre de despertar o ser humano para a
responsabilidade pessoal, para que ele finalmente ajuste, sensata e humildemente, sua diminuta
vontade própria à Vontade do Onipotente, nitidamente reconhecível em Suas leis perfeitas. Deixando-
se amoldar por essas leis, ou deixando-se “corrigir” pelo Senhor conforme prescrevem as ríspidas
exortações bíblicas, terá de ser feliz: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não desprezes a lição do
Todo-Poderoso” (Jó5:17); “Feliz aquele que Tu corriges, Senhor, que ensinas pela Tua lei” (Sl94:12);
“O Senhor corrige a quem ama, castiga todo filho a quem acolhe” (Hb12:6).
Submetendo-se a essas exigências do Senhor, o ser humano só poderá encontrar alegria, saúde e
felicidade em seus caminhos de desenvolvimento: “Em seguir as Tuas exigências, encontrei a alegria
como na maior fortuna” (Sl119:14); “Servireis ao Senhor, vosso Deus, e Ele abençoará teu pão e tua
água, e afastará de teu meio as enfermidades” (Ex23:25). Essa obediência humilde às exigências do
Senhor, isto é, às Suas leis, constitui o único caminho para se obter a bem-aventurança, a vida eterna:
“O prêmio da humildade é o temor ao Senhor, a riqueza, a honra e a vida” (Pv22:4). O prêmio final
dessa humildade é, portanto, a vida… vida eterna!
E assim o ser humano espiritualmente desperto, o novo servo útil na vinha do Senhor, passa a
sentir com muita clareza que realmente “mais bem-aventurado é dar do que receber” (At20:35), pois
com essa sua adaptação voluntária, as próprias leis da Criação é que passam então a servi-lo
automaticamente, auxiliando-o e amparando-o em todos seus caminhos de desenvolvimento até o
Paraíso, como o mais belo efeito recíproco outorgado a uma criatura que se move direito dentro da
obra do Criador. Terá se tornado então a comprovação viva de que não há para uma criatura graça
maior do que servir, nem felicidade maior do que ser útil.

169
Tornai-vos como as Crianças!

“Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de
modo algum entrareis no reino dos céus.”
(Mt18:3; Mc10:15; Lc18:17)
Converter-se e tornar-se como as crianças! Duas necessidades imperiosas para o ser humano que
almeja atingir a vida eterna. Significam reconhecer as leis da Criação e pautar a existência estritamente
de acordo com elas.
Tornar-se como as crianças equivale a ser simples e natural em tudo, como exigem essas leis.
Significa ter a capacidade de ainda intuir infantilmente, mesmo já sendo adulto. Quando Jesus diz:
“Quem acolhe em meu nome uma criança como esta, acolhe a mim mesmo” (Mt18:5), não está
fazendo uma apologia da adoção de crianças, mas sim que as pessoas devem acolher dentro de si
mesmas uma criança como aquela, devem tornar-se interiormente como uma criança, vivendo com a
simplicidade e naturalidade de uma criança, tão puro como esta. Conseguindo isso, terá se tornado
então uma criança da Criação, uma criança de Deus! Como é doloroso, tristemente significativo, que o
ser humano chame de “comportamento adulto” justamente tudo aquilo que sabe ser errado... A
reciprocidade que o atingirá será igualmente adulta.
Simplicidade e naturalidade! Dois conceitos intimamente ligados a tudo quanto é puro, e que a
humanidade foi perdendo pouco a pouco à medida que elevava o raciocínio ao pedestal mais alto do
seu altar de idolatrias.
Na época de Cristo, o raciocínio já há muito ocupava o trono de divindade mais elevada para os
homens, à qual eles oravam com fervor sempre que queriam lançar mão de maquinações intelectivas
para atingir míseros objetivos terrenais. Em sua segunda Epístola aos Coríntios, Paulo manifestou
claramente seu temor a respeito: “Receio que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia,
assim também sejam corrompidas as vossas mentes, e se apartem da simplicidade e pureza devidas a
Cristo.” (2Co11:3). É essa serpente da astúcia do raciocínio que está sempre procurando enganar o ser
humano, incutindo-lhe a dúvida se realmente Deus teria dito algo sobre o comportamento dele
esperado: “É verdade que Deus vos disse: ‘Não comais de nenhuma das árvores do jardim’?” (Gn3:1).
Uma pergunta ardilosa, capciosa, pois apenas o deleitar-se com o fruto de uma única árvore fora
proibido ao casal da raça humana. Com essa pergunta, a astuta serpente dirigiu a atenção da mulher
justamente para o que havia sido vedado, fazendo-a esquecer de todo o esplendor à sua volta, do qual
ela e seu companheiro podiam desfrutar a qualquer tempo.
Realmente, essa serpente do raciocínio é o mais astuto e com isso o mais perigoso dos animais
que assediam a criatura humana: “A serpente era o mais astuto de todos os animais dos campos”
(Gn3:1). E agora, no final dos tempos, ela já conseguiu seduzir o mundo inteiro: “A antiga serpente, o
sedutor de toda a humanidade” (Ap12:9). Obteve esse triunfo mesmo sendo o mais limitado dos
animais, estreitamente ligado à matéria grosseira terrena, conforme indicado nessa determinação
divina: “Rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida” (Gn3:14).
Unicamente uma pessoa simples e natural, de espírito livre e móvel, portanto pura como uma
criança, pode intuir a grandeza da Criação e pressentir nela a Vontade do Criador, pela atuação de Suas
leis inflexíveis. Aos escravos do raciocínio não é facultado obter este reconhecimento, mesmo que
queiram, mesmo que se esforcem nesse sentido. Nunca será possível ao raciocínio, que é um mero
produto do cérebro, órgão pertencente ao corpo material do ser humano, desvendar enigmas cujas
soluções encontram-se em planos mais elevados da Criação, simplesmente porque “as coisas do
Espírito de Deus se discernem espiritualmente” (1Co2:14). Apenas espiritualmente. As “coisas do
Espírito de Deus” são as obras da Vontade de Deus, do Espírito Santo.
Para o ser humano que desperta espiritualmente, a diferença entre os frutos do raciocínio e os do
espírito se lhe torna subitamente clara e nítida, como se uma venda ou escamas lhe caíssem dos olhos,
tal como ocorreu com o apóstolo Paulo na época de sua conversão: “Imediatamente caíram dos olhos
de Saulo como que umas escamas, e ele recobrou a vista” (At9:18). Recobrada a visão real, o ser
humano deve procurar tornar-se uma criatura mais intuitiva. A intuição redespertada e continuamente
robustecida age como um benfazejo colírio em seus olhos recém-curados, “um colírio para ungir os
170
olhos, de modo que possas ver claro” (Ap3:18). Ver claro, sempre mais claro… porém sempre dentro
do âmbito do espiritual humano.
Assim como o raciocínio humano é incapaz de divisar valores espirituais nem compreender nada
da região espiritual, situada acima da matéria, o espírito humano tampouco pode compreender coisas
referentes à região divina, situada acima do seu ponto de origem, e muito menos ainda pretender trazer
em si algo de divino. A suposição de que o ser humano contém em si algum elemento divino, ou que
até poderá tornar-se divino algum dia, é mais uma decorrência da proverbial presunção humana, que
desconhece qualquer limite, adubada que é pelo vaidoso raciocínio. E isso já vem de longe… No
século II, o já mencionado Irineu, atual “São Irineu”, ensinava a todo mundo que “a humanidade
elevar-se-ia até a divindade.”
É preciso salientar, contudo, que para o espírito humano não deve existir nenhum enigma ou
mistério nas partes da Criação situada abaixo dele. Classificações enigmáticas sobre essas regiões
foram criadas pelo cérebro humano, como uma espécie de auto-atordoamento e engodo, depois que seu
dono, o ser humano terreno, se desvencilhou de todo o verdadeiro saber que chegou a possuir outrora,
numa época em que seu desenvolvimento ainda se processava de modo normal, tendo-se voltado
exclusivamente para a matéria e deixado atrofiar dentro de si as faculdades de seu espírito. Um crime
terrível, e ainda praticado sob uma espécie de orgulho coletivo da humanidade, o qual cresceu na
mesma proporção em que aumentava seu grau de miopia espiritual, até chegarem ambos à máxima
arrogância e à mais completa cegueira, características que passaram para a História fundidas no nome
materialismo.
Para se desvendar os ditos “enigmas” é necessário mobilidade do espírito, algo que os escravos
racionalistas da ciência não possuem mais. Contudo, são exatamente estes seres estritamente
intelectivos – que em sua maior parte sequer admitem a existência do espírito e muito menos ainda de
um Criador – os que insistem em pesquisar assuntos de caráter espiritual com seu restrito raciocínio
atado à Terra. Eles querem desvendar os segredos da Criação com balanças, tubos de ensaio,
microscópios eletrônicos e telescópios orbitais… Uma situação que seria até empiricamente cômica,
não fosse tão triste, indizivelmente triste.
Sem ter nenhuma consciência disso, essa gente inteligente se comporta frente ao restante da
humanidade como se detivesse as chaves da Criação, com suas teorias mirabolantes e seu linguajar
inóspito. Nunca poderão reconhecer que sua presumida sabedoria é incapaz de proporcionar ao mundo
a mínima compreensão da sabedoria divina: “Onde está o sábio? Onde está o letrado? Onde está o
investigador deste mundo? (…) O mundo, por meio de sua sabedoria, não reconheceu a Deus na
sabedoria divina” (1Co1:20,21); todos eles, “alardeando sabedoria, tornaram-se tolos” (Rm1:22).
O dogma da infalibilidade científica só pôde obter assim tão ampla e irrestrita aceitação, porque
a humanidade como um todo deu muito mais valor ao raciocínio do que ao seu próprio espírito. A cada
proclamação de um novo dogma da ciência sempre seguiu junto uma mordaça compulsória coletiva,
na forma de uma linguagem obscura e hermética, totalmente inacessível aos não eleitos. Somente os
membros da cúria científica detêm as prerrogativas para discutir os novos dogmas, benevolentemente
outorgados aos intimidados plebeus de todo o mundo. Em conclaves internacionais eles exibem então
seus trabalhos recheados de neologismos polissilábicos, condição indispensável para serem notados e
reconhecidos pelos demais membros da irmandade.
Assim é realmente o mundo científico, e nada diferente. A maior parte desses cientistas
materialistas nem de longe desconfiam do triste papel que desempenham na Criação com suas teorias
fragmentárias. E, de todos, os piores são os que defendem teses materialistas sobre a origem da vida e
do Universo. Esses tais acreditam piamente que a vida na Terra surgiu do “acaso”. Um dos maiores
expoentes dessa trupe (prêmio Nobel por sinal) nos assegura que “a vida surgiu por acaso, quando num
determinado momento alguns elementos químicos se combinaram e passaram a fazer cópias de si
mesmos” (sic).
Segundo essa idéia, os bilhões de seres humanos na Terra, as incontáveis espécies animais e
vegetais, vírus e dinossauros, bactérias e baleias, todas as formas de vida que povoam o planeta ou que
já passaram por aqui, são o resultado da fortuita combinação de alguns elementos químicos – vindos
não se sabe de onde – ocorrida há três bilhões de anos, os quais, entediados que estavam em meio
àquela insípida sopa primordial, resolveram começar a fazer cópias de si mesmos e deu no que deu.

171
Em alguns planetas, como Marte por exemplo, esses voluntariosos elementos químicos não quiseram
se reproduzir, e é por isso que não vemos hoje nenhum cientista marciano tentando explicar como a
vida surgiu…
Uma explicação dessas para a origem da vida, capaz de arrancar uma justificada gargalhada de
um camponês analfabeto, é o máximo que a ciência tem a oferecer como resultado do trabalho do
raciocínio. Isso deveria constituir a prova, para as pessoas ainda despertas, de que o intelecto é
completamente incapaz de fornecer respostas aos questionamentos mais profundos da existência
humana.
A ciência é útil para explicar e catalogar fenômenos exclusivamente materiais, terrenos, tendo de
malograr fragorosamente quando se atreve a querer explicar coisas que estão acima das fronteiras que
a delimitam. Já bem dizia Albert Einstein, um dos poucos cientistas que não se sujeitaram à escravidão
voluntária do raciocínio: “Precisamos tomar cuidado para não fazer do raciocínio o nosso ‘deus’; ele
tem músculos poderosos, é verdade, mas nenhuma personalidade.”
Albert Einstein afirmava que “a verdade está na ponta dos dedos”, e que “a imaginação é mais
importante que o conhecimento”. Como isso, queria dizer que primeiramente hauria o que tencionava
descobrir, para somente depois formulá-lo em conceitos físicos e matemáticos. Era a intuição
comandando e o raciocínio executando. A parte intuitiva como dominante, e a parte ativa como
executante.
Essa profícua e rara utilização conjunta de intuição poderosa e raciocínio aguçado, direcionada
no sentido certo, fez o grande cientista se destacar de imediato de seus pares. Sua maneira de ser,
porém, não era esnobismo, como podia parecer à primeira vista, mas sim a exteriorização de uma rica
vida interior. Isso se evidencia nitidamente até hoje. Quando lemos num mesmo livro as idéias de
Einstein e em seguida as de outros físicos teóricos contemporâneos, parece que saímos de uma floresta
alegre e luxuriante e adentramos num deserto árido, hostil e sem vida.
A falta de personalidade do raciocínio, denunciada por Einstein, pode se tornar fatal para o
espírito humano que a ele se submete incondicionalmente. O ser humano atual tão cheio de si e seu
raciocínio supercultivado assemelham-se a um garboso cavaleiro montado num cavalo bravio, de
“músculos poderosos” como dizia Einstein, que o jóquei acredita já ter domado há muito. O cavaleiro
se mostra orgulhoso das qualidades e do porte de seu cavalo, absolutamente convencido de que este
lhe é submisso, estando sempre pronto a acatar suas ordens. Querendo mostrar então do que o cavalo é
capaz, ele o esporeia com toda a força e o deixa galopar sozinho, com antolhos e sem rédeas, no
caminho escolhido pelo próprio animal. Todavia, ainda que tal caminho esteja repleto de perigos e
conduza diretamente a um abismo, o cavalo xucro não se deterá diante de nada uma vez iniciada sua
desabalada carreira. E como “um cavalo não domado torna-se intratável” (Eclo30:8), acabará por
perecer junto com seu desafortunado dono. Desafortunado e bastante tolo também, diga-se.
Apesar da lógica cristalina que reside nessa impossibilidade natural, de se querer apreender
fenômenos espirituais com meios materiais, a maior parte desses seres humanos de raciocínio jamais
poderá reconhecer essa sua limitação. Não exatamente por vaidade, mas por absoluta incapacidade.
Justamente por acreditarem que o raciocínio é a chave para tudo, que pode resolver tudo, os cientistas
se privam da capacidade de vislumbrar o que se encontra além dos limites traçados para o saber
intelectual. Para eles é de todo impossível estender a visão para além deste ponto, sequer podem ainda
considerar a hipótese de que exista algo que o raciocínio não seja capaz de destrinchar. Não possuem
mais, na realidade, a capacidade para tal discernimento. Suas asas espirituais já estão por demais
atrofiadas, conseqüência de sua malfadada desobediência à Lei do Movimento na Criação, e por essa
razão jamais lograrão empreender um vôo jubiloso até as alturas, ao reino luminoso do espírito.
Restringidos pelos antolhos do intelecto supercultivado, esses assim tolhidos imaginam estar no
ápice do saber humano com sua diminuta ciência atada à Terra. E, realmente, para eles é assim mesmo.
Encontram-se de fato no ápice de um saber medíocre, o qual ocupa um degrau ínfimo diante do
verdadeiro saber que poderiam ter da imensa obra da Criação, caso fizessem uso certo das capacitações
de seus espíritos.
Esses pretensos sábios supõem estar nas alturas máximas, imaginam ser os absolutos e os
superiores dentre toda a humanidade e, no entanto, toda sua atividade, todas as suas concepções
formam-se e movem-se dentro dos limites mais estreitos do plano mais baixo de toda a Criação: o

172
plano material. Absolutos e superiores são eles lá dentro dessa sua limitadíssima redoma terrena, que
podem ver, cheirar e apalpar, e que consideram como a única realidade existente. E que para eles de
fato é a única, já que não são mais do que espíritos atrofiados, indissoluvelmente chumbados à matéria,
muito ocupados em difundir e alardear seu “saber” em congressos e seminários, em comover suas
seletas platéias com um escambo sem fim de teorias e hipóteses. Com sua mente puramente
materialista, de que tanto se orgulham, com seus espíritos adormecidos, eles perfazem, todos juntos, o
axioma com que definem o ser humano terreno: “meros sistemas digestivos cônscios de sua morte”.
Eles mesmos são a comprovação cabal dessa triste realidade, da qual, porém, não fazem parte as
pessoas simples e de coração puro, não restritas como eles próprios.
Visto de cima, o papel que essas sumidades desempenham não alcança o patamar do risível nem
atinge as raias do ridículo, mas permanece abaixo. Assemelham-se a uma colônia de cepas patogênicas
observadas num microscópio, discutindo acaloradamente sobre a origem da vida, absolutamente
convencidas de que o Universo se resume à lâmina de vidro em que patinam… E lute alguém contra
essa muralha de estupidez. Logo terá de ver como se confirmam à exaustão as palavras do poeta
alemão Friedrich von Schiller (1750 – 1805): “Contra a estupidez, até mesmo deuses lutariam em
vão.” Os deuses poderiam até tentar moer o estulto num pilão que nem assim conseguiriam alguma
coisa: “Ainda que soques o estulto num pilão no meio dos grãos, sua estultice não se separará dele”
(Pv27:22). Alguém ainda acresceu que os estúpidos impressionam, mas apenas pelo seu número... E
nisso os cientistas contribuem com o maior dos quinhões. É melhor mesmo deixar essa gente esboroar-
se em seus teoremas e afogar-se em seus teorias, chafurdar por inteiro na pocilga da arrogância
intelectual, onde “a renitência dos néscios os mata, e o atrevimento dos insensatos os arruína”
(Pv1:32).
O tão decantado progresso, que muitas dessas celebridades cerebrinas contrapõem, indignadas,
às evidências nítidas sobre a limitação da ciência, não fez do Homo cientificus uma peça útil na
engrenagem da natureza. Um único ser humano que respeita e ama a natureza, que procura conservar
puros seus pensamentos e sua vontade, é muito mais útil na Criação do que toda uma legião de
cientistas materialistas com seus aparatos técnicos e ridículas teorias fragmentárias. Estes últimos são
apenas “sábios aos seus próprios olhos” (Pv3:7); são os pretensos sábios “que Deus apanha em sua
própria astúcia” (1Co3:19), que só cuidam de “tomar a chave da ciência” (Lc11:52) para si e cujos
“pensamentos vãos o Senhor conhece” (1Co3:20).
Pretensos sábios sim, que atam seus espíritos à matéria inerte e se algemam à técnica morta.
Pretensos luminares que se orgulham de poder dissecar cientificamente uma flor, enquanto desprezam
com seu olhar glacial qualquer um que, movido de terna simplicidade e naturalidade, é capaz de ao vê-
la intuir um vislumbre do Amor do Todo-Poderoso e daí manifestar incontida alegria. A arrogância do
raciocínio puro frente à humildade do coração puro… Que contraste!
Esta possibilidade de vislumbrar em coisas singelas o Amor que interpenetra a Criação é mais
um dos reconhecimentos que ficam inapelavelmente “ocultos aos sábios e entendidos, sendo revelados
aos pequeninos” (Mt11:25), pois, realmente, “mais vale o homem que tem pouca sabedoria mas que
tem o temor a Deus, do que o homem que possui uma grande inteligência e que transgride a Lei do
Altíssimo” (Eclo19:21). No fim dos tempos, o Senhor destruirá sua vã sabedoria e rejeitará sua
inteligência: “Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes” (1Co1:19).
Por outro lado, os pequeninos, com sua pureza de coração, nunca transgridem a Lei do Senhor, e
devido a isso “o Senhor é bom para com os puros de coração” (Sl73:1).
E são justamente esses puros de coração, os pequeninos, “aqueles que se tornaram como as
crianças” (Mt18:3) na Criação, e com isso ficaram aptos a ingressar no reino dos céus. São estes,
apenas estes, que Jesus quer que venham até ele:
“Deixai as crianças, não as impeçais de virem a mim, pois o reino dos céus é para aqueles que
são como elas.”
(Mt19:14)

173
ÍNDICE REMISSIVO

Colossences, 115, 116


A cometa, 35, 36
conceito de família, 156, 158, 159
Abba, 69 Concílio Constantinopla II, 80, 166
Abdruschin, 3, 9, 27, 33, 39, 49, 50, 54, 59, 92, 94, Concílio Constantinopla III, 166
95, 98, 115, 119, 122, 129, 135, 142, 143, 149, Concílio de Éfeso, 21, 166
151, 161 Concílio de Florença, 11
Abel, 31, 133, 134 Concílio de Orange, 20
Abraão, 56, 57, 67, 80, 118 Concílo Latrão IV, 76
Adão, 11, 20 condenação, 20, 80, 82, 166
adolescência, 54, 55, 153, 155 condenados, 39, 79, 130
Agostinho, 20 confiança, 19, 139, 152
Além, 53, 58, 60, 80, 82, 86, 115, 122, 154, 155 convicção, 11, 26, 41, 42, 49, 70, 71, 81, 100, 120
aliança, 33, 141 copistas, 131
alma, 13, 23, 43, 49, 57, 60, 65, 66, 67, 77, 80, 85, coração, 10, 38, 39, 41, 52, 62, 74, 85, 91, 92, 93,
114, 115, 116, 125, 139, 144, 145, 146, 151, 152, 95, 99, 102, 106, 113, 115, 117, 119, 130, 141,
154, 163, 166 144, 173
Altíssimo, 130, 161 Cordeiro, 23, 24, 123
altruísmo, 87 Coríntios, 17, 24, 48, 49, 63, 67, 85, 92, 103, 130,
Amor, 31, 32, 33, 50, 58, 92, 103, 106, 117, 123, 152, 170
129, 130, 133, 135, 148, 149, 164, 173 corpo físico, 78, 152
amor ao próximo, 56, 62, 112, 129 Criação posterior, 98
anjo, 82, 161, 166 crianças, 170, 173
Antigo Testamento, 31, 38, 47, 53, 60, 70, 115, cristãos, 80
146, 152, 160 cristianismo, 80, 165
antigos erros, 58 crucificação, 79
Antiguidades Judaicas, 37, 134, 152 culpa, 11, 33, 44, 61, 64, 81, 86, 104, 108, 130,
Antíoco IV Epífanes, 23 141, 142, 144, 145, 146, 147, 150, 155
Apocalipse, 24, 48, 87, 109, 117, 143, 150
apócrifo, 36, 57, 94, 116
arrogância, 10, 51, 171, 173
D
árvore da vida, 23, 31 Daniel, 79, 152
árvore do conhecimento, 19, 20, 23, 26, 31 Davi, 20, 135, 144
ascensão espiritual, 43, 67, 89, 98, 104, 105, 108 David, 179
Atos dos Apóstolos, 121 desenvolvimento espiritual, 27, 59, 85, 88, 90, 93,
102, 111, 112, 148, 156, 157, 159
B Dez Mandamentos, 135, 136
Dia do Senhor, 98, 154
Baal, 97 dinheiro, 110, 112, 114, 115, 116, 122
Babilônia, 20, 35, 147 dívida, 62, 101, 104, 142
bem-aventurança, 27, 83, 132, 159, 169 doenças, 49, 51, 52
bênção, 93, 125 dogma, 44, 104, 160, 163, 171
bênçãos, 62, 102, 112, 132, 158 dor, 49, 50, 59, 105, 124, 129, 134
bens terrenos, 115, 116
bondade, 92, 132
E
C Eclesiastes, 53
Eclesiástico, 14, 57, 61, 102
Caim, 26, 133, 134 efeito retroativo, 83, 141, 142, 146, 150
capacitações, 19, 53, 93, 94, 115, 172 Efésios, 143
carma, 46, 61, 83, 141, 142, 149 Egito, 70, 98
Ceia, 75, 76, 117 egoísmo, 51, 87, 88, 139
ceifa, 66, 87, 94, 97 Elias, 154
ciência, 46, 171, 172, 173 encarnação, 35, 57, 80, 151, 161
Claudius, 37, 142 Enoch, 94
Clemente de Alexandria, 56 Enviado, 74
cobiça, 26, 51, 53, 86, 89, 119, 137, 141
174
Epístola aos Hebreus, 56 História, 35, 171
escribas, 39, 44, 82, 131, 154 humildade, 28, 90, 122, 166, 168, 169, 173
Escrituras, 13, 35, 38, 39, 81, 88, 107, 130
Esdras, 57 I
espécie igual, 57, 62, 90, 141, 145, 155
Espírito Santo, 13, 149, 151, 161 Idade Média, 166
Ester, 58 idolatrias, 170
Estrela de Belém, 35, 36 Igreja, 20, 119, 160
Eva, 20, 170 Igreja Católica, 119
Evangelho de Lucas, 11, 93 igrejas, 75, 166
Evangelho de Marcos, 62, 149 Imanuel, 161
Evangelho de Mateus, 64, 130, 159 Inácio de Antioquia, 36
evangelistas, 131, 154 indolência, 42, 44, 53, 65, 68, 73, 101, 104, 159
Ezequiel, 14, 36, 153, 160 íntimo, 13, 38, 39, 60, 62, 85, 91, 101, 106, 112,
113, 117, 118, 119, 125, 127, 141, 144, 146
intuição, 10, 20, 42, 44, 54, 78, 91, 93, 98, 102,
F 110, 137, 159
falsidade, 38, 39, 40, 87 intuições, 48, 58, 62, 64, 74, 86, 98, 105, 119, 137,
falso amor, 129 142, 151
fantasia, 78, 88 inveja, 26, 51, 62, 86, 88, 105, 119, 121, 137, 139
fariseus, 22, 37, 38, 39, 41, 67, 69, 78, 82, 85, 91, Ira, 31, 69
99, 100, 104, 105, 123, 130, 136, 141 Irineu, 162, 163, 166
fé cega, 32, 42, 44, 45, 68, 69, 73, 105, 126, 166 Isaías, 24, 79, 96, 107, 154, 161
felicidade, 59, 66, 84, 129, 132, 135 Israel, 36, 70, 98
fiéis, 33, 123, 160
Filho de Deus, 10, 11, 33, 35, 41, 66, 69, 97, 106, J
131, 136, 159, 161, 165
Filho do Homem, 18, 19, 30, 32, 35, 94, 96, 97, Jardim do Éden, 20
109, 110, 116, 117, 161 Jeremias, 38, 97, 148
Filipe, 69 Jó, 77, 78, 94, 155
Filipenses, 89 João, 24, 36, 38, 42, 43, 63, 64, 66, 68, 70, 73, 75,
Fílon de Alexandria. 80, 86, 92, 105, 106, 118, 130, 154, 155, 162,
final dos tempos, 31, 78 165
Flávio Josefo, 36, 37, 38 João Batista, 38, 66, 154, 155, 165
fome, 51, 123, 124 Joel, 178
Fonte da Vida, 28 joio, 19, 32, 94, 96, 97, 98, 100
Francis Bacon, 46 Judas, 156
Friedrich Schleiermacher, 95 Juiz, 30, 126
fúrias, 86, 87 Juízes, 38, 160
Juízo, 86, 159
Juízo Final, 29, 30, 31, 32, 35, 78, 79, 82, 86, 97,
G 98, 100, 115, 159
Gabriel, 166 Julgamento, 38, 79, 116
galardão, 80, 105, 130 justiça, 47, 82, 126, 127, 142, 150
Gálatas, 48, 74 Justiça, 11, 33, 38, 49, 62, 101, 103, 127, 130, 148,
Galileu, 13 151
Gênesis, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 29, 82, 95, 133,
134, 149, 152, 160 K
gentios, 66, 121
graça, 47, 68, 71, 73, 117, 121, 139, 143 Kreolus, 164
gratidão, 115, 159
Gregos, 36 L
Lamentações, 38, 147
H Lei da Gravidade, 55, 56, 57, 59, 67, 90, 96, 109,
Habacuc, 70 144
hereditariedade, 37, 151, 153 Lei da Reciprocidade, 18, 46, 48, 49, 51, 57, 58, 59,
Herodes, 37, 66 60, 61, 64, 65, 66, 83, 84, 108, 112, 113, 115,
hipocrisia, 39, 40, 89, 102, 130, 159 129, 130, 134, 137, 138, 147, 148, 150, 151, 158

175
Lei de Atração da Igual Espécie, 35, 57, 58, 59, 62, O
84, 85, 86, 87, 89, 99, 111, 137, 154, 155
Lei do Equilíbrio, 51, 67, 115 ódio, 26, 51, 62, 86, 87, 119, 137, 139
Lei do Movimento, 52, 53, 59, 66, 67, 92, 98, 105, Onipotente, 92
109, 115, 155, 172 Oriente Médio, 44, 169
leis da Criação, 12, 18, 27, 35, 39, 46, 51, 58, 59, Orígenes, 80, 120, 163
62, 65, 84, 85, 91, 93, 99, 105, 106, 107, 113, ovelhas, 23, 126, 127
115, 117, 127, 134, 135, 138, 150, 151, 168, 169
leis inflexíveis, 18, 170 P
leis naturais, 32, 46, 47, 51, 59, 61, 63, 101, 123, Pai, 95, 135
138, 141, 161 Palavra de Deus, 10, 32, 69, 74, 88, 121, 136, 150,
leis primordiais, 57, 59, 155, 168 158, 159
leis universais, 46, 49, 56, 58, 60, 150, 168 Palavra encarnada, 75, 158
Leonardo da Vinci, 54 palavra humana, 143
Levítico, 18, 65 pão da vida, 68
liberdade, 50, 83, 108, 153, 168, 169 papa, 120, 163
livre-arbítrio, 27, 28, 51, 77, 97, 100, 106, 108, 145, papado, 119
155, 156 parábolas, 85, 91, 94, 98, 99, 100, 105, 110, 126
Livro da Vida, 20, 22, 23 Paraíso, 16, 20, 23, 29, 30, 38, 42, 54, 66, 79, 80,
Livro de Enoch, 94 81, 94, 95, 98, 99, 105, 108, 111, 124, 125, 158,
lógica, 10, 11, 35, 80, 107, 172 169
Lucas, 37, 62, 108, 121, 158, 161 parentes, 40, 157
Lúcifer, 19, 92, 96 parentesco, 158
Luz, 27, 39, 53, 54, 92, 94, 95, 119, 149, 161 pastor, 23, 127, 162
Pátria, 29, 66
M pátria espiritual, 124
Malaquias, 35, 154 Paulo, 24, 48, 57, 61, 63, 70, 74, 79, 82, 85, 89,
maligno, 91, 92, 94, 96, 144 115, 116, 120, 121, 130, 132, 141, 143, 152, 165,
manuscritos, 166 170
Maria, 55, 156, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, paz, 27, 56, 59, 62, 77, 84, 130, 156, 157
178, 179, 180, 181, 182 pecado, 11, 19, 22, 23, 24, 27, 30, 31, 40, 47, 51,
matéria fina, 48, 58, 62, 67, 86, 139 56, 98, 101, 104, 123, 124, 130, 133, 134, 136,
matéria grosseira, 86, 115, 137 137, 141, 145, 148, 149, 151
materialidade, 24, 124 pecado original, 11, 19, 24, 30, 31
Mateus, 35, 120, 133, 149, 160, 161 pedra angular, 107
Mensagem do Graal, 33, 39, 54, 94, 98, 129 Pedro, 54, 61, 92, 119, 150, 157
mentira, 19, 30, 40, 43, 139 pendor, 65, 99, 145, 146
Mesopotâmia, 20 pensamentos, 32, 33, 46, 48, 49, 58, 61, 62, 64, 65,
Messias, 10, 33, 35, 36, 38, 106, 130 74, 83, 85, 86, 88, 89, 98, 104, 105, 106, 119,
milagres, 37, 133, 147 137, 138, 139, 141, 142, 143, 144, 148, 151, 173
miséria, 26, 51, 65, 66, 124, 134, 135 Pentateuco, 37
misericórdia, 148 perdão, 28, 61, 101, 102, 104, 124, 126, 141, 146,
mistério, 171 148, 149, 150, 151
Moisés, 38, 78, 80, 135 perdição, 43, 45, 50, 66, 82, 118
morte espiritual, 20, 22, 68, 81, 82, 98, 124 personalidade, 151, 153, 172
mortos, 31, 39, 77, 79, 80, 82, 119 Platão, 56, 79, 91, 121, 152, 160
Precursores, 30, 31, 32, 41, 43, 49, 97, 106, 108
Preparadores do Caminho, 30
N
primeiro Mandamento, 136
Natal, 55 profecia, 121, 154
naturalidade, 170, 173 profetas, 31, 32, 33, 37, 49, 97, 105, 106, 108, 118,
natureza, 13, 46, 47, 48, 49, 51, 52, 53, 57, 59, 138, 154
156, 161, 173 progresso, 45, 93, 173
Neemias, 69 progresso espiritual, 45, 93
Nestório, 21, 166 Provérbios, 27, 79, 147
Novo Testamento, 10, 152, 163 publicano, 44
Pureza, 33
purgatório, 11
176
Q T
Quarto Mandamento, 159 talentos, 85, 94, 101, 110, 111, 112
Talmude, 64, 164
R tentação, 18, 92, 146
Teodoro, 74
raciocínio, 10, 13, 19, 20, 22, 24, 26, 29, 30, 31, 32, teorias, 171, 173
33, 35, 53, 55, 60, 91, 93, 98, 102, 105, 108, 116, Tertuliano, 163
122, 127, 170, 171, 172, 173 Tessalonicenses, 152
Rebeca, 160 Tiago, 36, 63, 69, 74, 83, 99, 130, 143, 156
reciprocidade, 47, 48, 49, 61, 62, 63, 64, 102, 107, Timóteo, 144
108, 115, 125, 127, 132, 136, 141, 143, 146, 148, Tito, 71, 102, 141
149, 150, 151 Tobias, 18
reencarnação, 78, 81, 154 Tomé, 94
Reino de Deus, 66, 78, 79, 98, 106, 107, 118, 119, Torá, 77
125, 158 Torre de Babel, 116
reino do espírito, 108 trabalho, 24, 65, 66, 101, 105, 115, 146, 172
reino dos céus, 82, 83, 93, 94, 98, 99, 100, 101, trevas, 32, 35, 43, 67, 74, 83, 90, 92, 96, 100, 108,
104, 105, 107, 108, 109, 111, 119, 125, 170, 173 110, 111, 149
religião, 36, 37, 38, 41, 67, 104, 105, 113, 119, 133 trigo, 32, 46, 94, 96, 97, 98, 100
responsabilidade, 146, 153, 157, 169 tristeza, 66, 135
ressurreição, 37, 38, 77, 79, 80, 82 Tucídides, 104
ressurreição dos mortos, 38, 77, 80
Romanos, 36, 63, 70, 132
Roselis von Sass, 16, 17, 19, 25, 53, 86, 96, 97,
U
134, 147, 157, 159, 163 Ungido, 33
Rute, 38, 161 Universo, 16, 53, 149, 171

S V
sabedoria, 28, 43, 59, 88 Vaticano, 13
Sabedoria, 17, 74, 103, 163 Vaticanus, 71
saduceus, 37, 41, 77, 81, 99, 113, 130 Verdade, 27, 39, 53, 54, 92, 94, 95, 119, 149, 161
Salmos, 39 vida espiritual, 31, 93, 108, 114, 157
salvação, 13, 33, 38, 66, 67, 68, 72, 82, 99, 100, vida eterna, 23, 45, 69, 75, 79, 80, 82, 88, 99, 105,
116, 124, 128, 131, 136, 166 116, 118, 121, 124, 127, 158, 168, 169
Salvador, 66, 82, 111, 149, 151, 166 violência, 51, 53, 64, 87, 88
Samaria, 97, 113 vivência, 54, 55, 105, 146
samaritano, 112, 113 vivos, 79, 80
sementeira, 19, 47, 64 Vontade, 82
sementes espirituais, 30, 94 vontade espiritual, 19, 55, 146
Sêneca, 47 vontade humana, 51, 58, 135, 138, 168
Septuaginta, 70 vontade interior, 38, 39, 49, 138, 146
serpente, 18, 19, 20, 141, 146, 170 vontade intuitiva, 38, 60, 62, 63, 85, 99, 106, 113,
severidade, 129, 130, 131, 132, 133 137, 141, 143, 144
simplicidade, 59, 169, 170, 173 vontade mental, 60, 146
Simplicidade, 170 Vulgata, 72, 96, 160
Sinaiticus, 71
sofrimento, 35, 50, 51, 59, 66, 113, 124, 125, 129, Z
134, 135, 159
Suetonius, 142 Zacarias, 31
Zenão, 64

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• Sass, Roselis von – A GRANDE PIRÂMIDE REVELA SEU SEGREDO – Editora Ordem do Graal na
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• Sass, Roselis von – O LIVRO DO JUÍZO FINAL – Editora Ordem do Graal na Terra, 2003
• Sass, Roselis von – OS PRIMEIROS SERES HUMANOS – Editora Ordem do Graal na Terra, 1999
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