Você está na página 1de 12

artciencia.

com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

Tecido cutâneo versus adorno: tela corporal


Vasco J. Cabral De Sá1

‹‹...uma catarse, que denota a homogeneidade entre práticas


ritualistas e suplícios corporais, como transeuntes naturais na
história da humanidade. Habitats nauseantes, cujo expediente
máximo brota da imagem do corpo em agonia de Cristo crucificado.
Prótese-adorno, de intencionalidade transcendental, outorgada à
intersticial propaganda dogmática da doutrina católica, como
escopo ostensivo de dor versus libertação. Singular realização,
onde a distensão física provocada pela unidade, traduz uma
intenção fundamentalmente simbólica, no perecimento humano.››
(Ensaio 2009, Vasco J. Cabral De Sá)

‹‹... a purgation, which shows the homogeneity between ritualistic


practices and physical punishments, like natural passers by in the
history of the humanity. Nauseating habitats, which very means flow
of the image of the body in anguish of crucified Christ. Prosthesis-
adornment, of transcendental intentionality, when release granted to
the interstitial dogmatic propaganda of the catholic doctrine, like
ostensible aim of pain versus liberation. Singular realization, where
the physical distension provoked by the unity, it translates an
fundamentally symbolic intention, in the human perishment.››
(Essay 2009, Vasco J. Cabral De Sá)

1
Artista Plástico e Investigador Científico na Área das Artes Plásticas, com o apoio da FCT -
Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal), num projecto de Pós-Doutoramento,
denominado:”Efracção da carne versus aisthetés: Concupiscência do outro”. Doutorado Cum
Laude em Belas Artes pela Universidade de Barcelona, em 2006 (com o apoio da FCT); Suficiência
Investigadora, pela Universidade anterior, em 2001; Pós-graduado em Artes Gráficas, pela mesma,
em 1999; e Licenciado pela ETAC – Escola de Tecnologias Artísticas de Coimbra, em 1999. Com
diversas exposições realizadas (Portugal e Espanha), assim como publicações em catálogo.
1
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

O corpo, esse instrumento pelo qual somos, foi usado, deformado,


maltratado, adornado, e inclusive idolatrado, ao longo da historia, ressurgindo hoje,
tomado por uma nova dimensão, onde a sua presença ou ausência, formas e
adornos, o assoberbam de um novo sentido. Indício que surge no homem, quando
este, tenta libertar-se e afastar-se das limitações impostas naturalmente pela
natureza, dando início ao que chamamos hoje de civilização. Através da energia
gerada pela fricção de dois paus ou de duas pedras, ele engendra como
consequência, a capacidade de proporcionar ensejo e ludibriar o dia, conseguindo
com isso camuflar a noite de dia. Avatar que fomenta nos nossos ancestrais a
possibilidade de vivência dentro do já não sombrio espaço da caverna, iluminada
pelo fogo.

Uma inovação que se traduz na actualidade, num falso dia electrónico2 como
descreve Paul Virilio, e que, como consequência directa patenteia a evolução
técnica da espécie humana. Consentâneamente e desde que dominou o fogo, o
homem transformou profundamente a sua afinidade com a natureza.
Transformações que sucedem incessantemente com as inovações técnicas
subsequentes: metalúrgica, configuração de impulsores, geradores de energia
eléctrica, criação do televisor e do computador, etc. Dependentes todas elas,
impreterivelmente, do colossal salto civilizacional, e sem o qual, nada teria ocorrido
caso o domínio do fogo no crepúsculo dos tempos tivesse gorado qualquer hipótese
de desenvolvimento. Já que o desejo de conquista teria invalidado a possibilidade
de fundir e moldar os materiais contumazes e resistentes que serviriam de motor
para as demais inovações tecnológicas que vão chegando e subliminarmente se
acoplam ao corpo humano sobre as mais inusitadas formas e que constituem o,
hoje, denominado homem máquina.

2
“falso dia electrónico”, conceito que representa a evolução adquirida com o advento do fogo, ver
VIRILIO, Paul [1993].
2
www.artciencia.com
artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

No entanto, e antes que surja o primeiro cyborg de carne e metal3, no sentido


mais real da realidade, a humanidade ficará por agora com uma inumerável gama
de implantes tecnológicos4. Próteses para olhos, mãos, pernas, corações, …, entre
outros, são alguns dos artefactos5 que comummente podemos encontrar, mas num
futuro próximo, implantes de todo o tipo e para qualquer tarefa, incluso em matérias
como a comunicação e com o pensamento, puderam facilmente entrar e frequentar
o nosso dia a dia. Congeminências que anunciam conjuntamente o aumento da
capacidade do sujeito, já que todos os implantes correspondem a uma prótese que,
como instrumento que é, procura suavizar ou incrementar potencialidades6. Mas
enquanto, o homem aguarda por esse futuro fáustico, tem que limitar-se e aceitar
tipos de próteses/acessórios corporais menos sofisticados. Irrompendo hoje, e
particularmente da mão da medicina os acoplamentos ao corpo mais complexos e
avançados, como os marcapassos e as próteses de titânio. Paradoxalmente, o
implante biométrico mais moderno, o chip, pode ser encontrado debaixo da
superfície cutânea dos animais de estimação dos mais abastados e famigerados,
assim como em muitos dos seus próprios donos. Um dispositivo, economicamente
inviável para o grupo social maioritário, que permite localizar a mascote perdida, ou
em situações de segurança, desvendar rapidamente um possível rapto,
independentemente da localização geográfica, recorrendo ao rastreio por meio de
recursos tecnológicos, monitorizados via satélite. Outro desses artefactos, similar
nas características, é o microchip. Pensado para ser usado subcutaneamente como
sistema de identificação do sujeito, substituindo assim a necessidade de uma
identificação, cédula ou passaporte. Algo análogo aos microchips utilizados para

3
«El cyborg es en realidad un tecnocuerpo, en el que se combina la materia viva con los dispositivos
cibernéticos.» GUBERN, Román [2000: 115].
4
«…quimeras, híbridos teorizados y fabricados de máquina y organismo;…» HARAWAY, D. [1995:
251].
5
«…hay una nueva ingeniería de prótesis posible, lo que puede conllevar al diseño de sistemas de
naturaleza mixta, que comprendan tanto partes humanas como mecânicas.» WIENER, Norbert
(1964) [1988b: 58].
6
«…la creciente variedad y disponibilidad de modelos de prótesis/artefactos que pueden ser
introduzidos en el espacio corporal, com fines funcionales y/o estéticos, transformará
progresivamente al cuerpo humano en una compleja suma de artefactos, com una interfaz cada vez
más extensa entre lo tecnológico y lo biológico, entre lo cibernético y lo orgânico, como en las
futuristas criaturas conocidas como cyborgs, creadas por los escritores de ciência-ficción» PERA,
Cristóbal [2001] [Url]
3
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

marcar e numerar gado. Uma posição enormemente contestada, pela desconfiança


política envolvida, pois a ideia de um futuro, onde a humanidade passa a ser
controlada na sua privacidade, serve de metáfora para a distopia, e recorda ideais
totalitários, onde o poder quarta a liberdade do sujeito.

No entanto e relativamente ao enumerado anteriormente, no lugar corporal7


coexiste um vazio8 que outras expressões individuais, e colectivas, diligenciam e
plasmam desde a origem. Encontramos algumas dessas expressões na antiguidade
com a utilização de adornos e perfurações como elementos directos de distinção
social, onde os graus de poder, entre os habitantes, acontecem consoante o poder
do indivíduo na comunidade. Por outro lado as pinturas no corpo ou as tatuagens
simbolizam uma estética que exprime a cultura existente9. Enquanto a tecnologia se
massifica, falar de implantes nos dias de hoje, soa a ficção científica com abduções
alienígenas. Mas concentrando-nos nas passíveis de encontrar ao nosso lado,
identificamos estas com acessórios corporais provenientes da estética: próteses
dentais; bolsas de silicone para aumento ou harmonização do peito; piercings,
decorativos ou funcionais, típicos nos primitivos modernos10; sem esquecer os
implantes que nada têm a ver com o funcional ou o estético, mas sim com o
artístico.

7
«Hay una prótesis de partes que no tenemos y que nunca hemos tenido.» WIENER, Norbert (1964)
[1988b: 58]
8
LACAN, Jacques [1988: 151].
9
«Hoy en día, una creciente tribu underground de aborígenes urbanos ha retomado por cuenta
propia la arcaica concepción del cuerpo como página virgen para la escritura. En las culturas tribales,
escribe el ensayista David Levi Strauss, “las manipulaciones del cuerpo son a menudo sagradas
y mágicas, pero siempre sociales”; se hace pasar al cuerpo de un estado natural y mudo a un
estado social y expresivo mediante las “marcas de civilización” - tatuajes, perforaciones,
marcas o escarificaciones.» DERY, Mark [1998: 300, 301].
10
“«Primitivo moderno» es una denominación genérica que incluye a los fans del tecno hardcore y
de la música de baile industrial, a los fetichistas del bondage, a los artistas de performance, a los
tecnopaganos y, finalmente, a los aficionados a las suspensiones con ganchos subcutáneos y
además formas de mortificación ritual o de “juegos corporales” que, supuesta-mente, deben
engendrar nuevos estados de conciencia. Este fenómeno polivalente es ante todo un ejemplo de lo
que los sociólogos han llamado “resistencia por lo ritual”.» Ibídem, p. 301.

4
www.artciencia.com
artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

E falar do corpo nas artes plásticas é previsivelmente abordar o body art11 ou


a performance12. Campos que reconhecem uma forma de dar vida a muitas ideias
formais e conceptuais, e nas quais se baseiam as criações artísticas. Podemos
encontrar exemplos disso em obras como Fingerhandschube (1972), de Rebeca
Horn, onde extensões directas e simples são acopladas como prótese à mão da
artista, possibilitando uma maior facilidade no contacto com o objecto. Um outro
caso bem mais complexo, é o Time Capsule (1997), do brasileiro Eduardo Kac,
onde a prótese acoplada ao corpo, acontece por meios técnicos e tecnológicos
específicos da área da medicina, com a introdução de um microchip de identificação
no seu próprio tornozelo, criando uma interacção homem-máquina. O microchip
implantado, contém nove caracteres que, através da Internet ficam registados num
banco de dados norte-americano. Na realidade o microchip empregado na
performance é um transponder, utilizado para a identificação de animais. Com esta
intenção o artista substitui o antigo método de marcação de animais com ferro
incandescente. O número memorizado no microchip pode ser recuperado através
de um traker – scanner portátil – que produz um sinal de rádio, que por sua vez
activa o microchip, fazendo com que este transmita o número, inalterável e
exclusivo. A implantação do chip no tornozelo do criador, guarda também, um
sentido simbólico muito preciso, já que era nessa parte do corpo que os negros
eram marcados a ferro, durante o período da escravatura no Brasil. Outro artista
igualmente polémico, é o australiano Stelarc, quem, fascinado pela estética
alternativa em relação com as novas tecnologias, não duvidou em penetrar no
mundo dos sistemas virtuais, sensoriais e médicos para explorar, distender e
potenciar as capacidades de actuação do corpo. Deixando o público atónito com as
suas performances artísticas, Stelarc rompe a fronteira da tecnologia, dando
imagem, som e cor a um corpo amplificado nas suas funções ou literalmente
conectado e tele-operado à distância por outros, movendo-se como um títere.

11
«The exponents of body art, by their dressing up, disguising themselves, or even undressing, by
their rejoicing or suffering, recovered every fragment of their existence as material to use because it
was only through the authenticity of life that they could confront the materials of art and its
language.» PARMESANI, Loredana [2000: 86].
12
«O lugar da performance é na história da arte, que começa nos rituais tribais, nos dramas da
paixão medieval e nos espetáculos do renascimento.» GOLDBERG, Roselee [1996: 7].
5
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

Estes artistas, entre muitos outros, conseguem demonstrar exemplarmente a


mutação corporal, que acoplada artificialmente à tecnologia, nos leva mais além das
actuais restrições tecnológicas ou das infinitas discussões sobre ética,
desenvolvendo-se como parte integrante no quotidiano social da humanidade no
futuro13. Pois os homens máquina ou os cyborgs não coabitarão só nos filmes de
ficção científica. Encontrando-nos nós mesmos, actualmente, nessa conversão14,
enclausurados nessa dependência primitiva, subjacente à própria evolução espaço-
tempo do ser humano.

1.1. Cutâneo cenográfico

Nagiko procura amantes que sabem escrever sobre o seu corpo, no filme
The Pillow Book (1996) de Peter Greenaway. Para ela, é a escritura a que desperta
o corpo ao erotismo: dos odores, dos sabores, das pressões do desejo. Desde as
primeiras carícias e dos primeiros olhares, cada corpo é o espaço de uma tatuagem
invisível que as mãos do amor saberão ou não despertar. Nagiko necessita que
escrevam sobre ela, sem metáforas, pois ela é a metáfora dessas mesmas
escrituras. Permanecendo ignorante a esta escritura absoluta, o seu marido é
substituído por um amante trás outro, numa fuga sem fim. Sendo só através de
Jerome que Nagiko descobre que além de ser escrita, ela pode escrever. Ser pincel
ou ser papel, pele e falo. A escritura, metáfora da vida, da morte e da sexualidade
que inclui ambas. Nagiko que foi escrita, escreve em Jerome e noutros homens que
virão. E enquanto escreve em Jerome, nós, os espectadores somos escritos pela
magistral caligrafia de Greenaway15.

13
(ciencia interdisciplinaria que estudia el control y la comunicación entre seres vivos y máquinas),
YEHYA, Naief [2003] [Url]
14
«En la sociedad actual existen muchos cyborgs entre nosotros. Cualquiera con un órgano,
miembro o suplemento artificial (como el marcapasos), cualquiera reprogramado para resistir a la
enfermedad (inmunizado), o drogado para pensar/comportarse/sentirse mejor (psicofarmacología) es
técnicamente un cyborg (…) No se trata de Robocop sino de nuestra abuela con un marcapasos.»
HANBLES Gray, Chris (Ed) [1995: 2].
15
«la carne se convierte en material de construcción cinematográfica, casi de escenografía, más allá
del tema» PEDRAZA, Pilar [2002: 44].
6
www.artciencia.com
artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

O instinto ornamental foi nas civilizações primitivas16 motivo de orgulho,


coragem e hierarquia. De entre os adornos corporais, o mais primitivo e simples é a
pintura17, hoje denominado de body painting, e da qual derivam as tatuagens18.
Com a tatuagem o homem marca firmemente19 a sua tenção20 no espaço cutâneo e
no tempo. Como acontece com, Leonard Selby, depois do estupro seguido do
assassinato da esposa. Ao perder a habilidade de memorizar qualquer
acontecimento recente inicia uma saga de vingança. A sua memória não guarda
coisa alguma por mais de uns minutos. E é assim como o filme Memento (2001), de
Christopher Notan se desenvolve. Um protagonista que sofre de amnésia recente;
tenta encontrar a sua mulher; e para superar a sua deficiência mnemónica com a
mesma obstinação com que se mantém alimentado pela vingança. Para ele,
impõem-se uma disciplina férrea e sistemática registando todos os acontecimentos
quotidianos. Munido da sua máquina Polaroid e esferográfica, ele fotografa tudo e
todos, anotando qualquer pequeno sucesso que lhe ocorra. Mas, não satisfeito com
isso, adopta uma solução ainda mais radical e tatua no próprio corpo a sequência
ordenada dos resultados da sua investigação. Pensando que através deste curioso
sistema de anotações, eliminaria as suas carências de memória. Pois tinha

16
«... son muy numerosos los pueblos no occidentales que han otorgado a las intervenciones
artísticas sobre la piel una gran importancia social y religiosa; para muchos de ellos ésta es, de
hecho, la única forma de expresión que se aproxima un poco a nuestro concepto del arte.»
RAMÍREZ, J. A. [2003: 99].
17
«La autopintura es una evolución de la pintura. El lienzo ha perdido su función como único
soporte de expresión. La pintura ha vuelto a sus orígenes, al muro, al objeto, al ser vivo, al
cuerpo humano. Al incluir mi cuerpo como soporte de expresión se produce un acontecimiento que
el público puede compartir y la cámara grabar en todo su desarrollo. El espacio, mi cuerpo y todos
los objetos que se encuentran en ese espacio se transforman. Todo se tiñe de blanco, todo se
convierte en «lienzo»: la oficina, el museo, el trasero, la cafetería, la sala de máquinas, el quirófano,
la celda penitenciaria, el excusado, el matadero, el invernadero, el baño, la cocina americana, el
sumidero, la sauna, el estadio de fútbol, la sala de juntas, la comisaría de policía, el crematorio, el
cementerio central, la sala de autopsias (también se pueden utilizar cadáveres), el espacio vacío,
etc.» Citado en: SARMIENTO, José Antonio [1999: 75].
18
«Del mundo primitivo procede, en última instancia, la moda de los tatuajes que ha hecho furor en
el mundo occidental a finales del siglo XX y en los primeros años del siglo XXI.» RAMÍREZ, J. A.
[2003: 99].
19
«Los tatuajes son marcas irreversibles que implican un compromiso serio, una voluntad de
no retorno. Podrían considerarse como los negativos de las mutilaciones rituales, lo cual nos
permitiría caracterizarlos como “añadidos iniciáticos”. El que se hace un tatuaje ha dado un paso
al frente en su voluntad de ser otro, de sobrepasar (¿mejorándolos?) los caracteres
biológicos heredados.» Ibídem, p. 101.
20
«…el tatuaje se ha hecho con sangre y con dolor...» Ibídem, p. 101.
7
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

inventado um artifício que mantivesse e fixasse a ordem dos factos, caso o


continuum do real lhe escapasse.

Associado até há bem pouco tempo, às classes socio-económicas mais


debilitadas, militares, marinheiros, prostitutas e criminosos, a tatuagem, é nos anos
setenta que se dá a sua popularidade. Perdendo com o tempo, nos últimos anos o
estigma marginal que o caracterizava. Ganhando actualmente, adeptos das mais
variadas camadas sociais, e etárias, fomentando a ideia de uma marca em voga a
consumir.

Arte na pele, que alguns fotógrafos21 evidenciam com relevante interesse. Da


simples marca tribal às elaboradas tatuagens biomecânicos22 do pintor surrealista
Suíço H. R. Giger23, cujas imagens criaram o género24, as tatuagens vão ocupando
também, lugar no mundo da estética, fundamentalmente no rosto. No entanto, se
algo ficou de outras épocas foi a importância dada à imagem e ao desejo de
despersonalização. O corpo descobre como suporte uma arte, camuflagem, que
deixa perceber o corpo insinuante, despojado de qualquer preconceito e em
simultâneo coberto da forma mais íntima possível, escondendo um vazio intrínseco,
desconcertante.

21
«Más importantes que estos tatuajes masivos han sido sus eventuales apariciones en la obra de
algunos fotógrafos, desde Robert Doisneau, en los años cincuenta, hasta otros cuyo trabajo se ha
desarrollado ya en las últimas décadas del siglo XX. Podemos mencionar, entre otros, a Bernhard
Prinz, Adriana Varejoo, Sandi Fellman, Montserrat Santamaría, Kart Markus, Catherine Opie, Miguel
Rio Branco, etc.» Ibídem, p. 99, 100.
22
«Los tatuajes biomecánicos tienen diferentes variedades: imágenes tomadas directamente de los
libros de arte de Giger, especialmente el monstruo de Alien; intrincadas abstracciones geométricas
de cables entrelazados o los diseños mareantes de los diagramas de circuitos eléctricos; o
“desgarrones”, “peladuras” o “reventones”, dibujos que simulan ser piel desgarrada o agujereada
para mostrar los circuitos de un cyborg o un interior mecánico (engranajes, cigüeñales y cosas
similares). Muchas veces los estilos tribal y biomecánico se combinan: transistores, microchips y
otras baratijas tecnológicas se integran entre un revoltijo de huesos o se usan para rellenar audaces
y simples figuras tomadas de los tatuajes tradicionales de Borneo o Polinesia.» DERY, Mark [1998:
308].
23
«Giger es un meticuloso fabricante de pesadillas cibernéticas más conocido por sus mons-truos
para Hollywood (las películas de Alien) y sus suntuosos libros (El Alien de Giger, El Necronómicon
de H. R. Giger y La Biomecánica de H. R. Giger).» Ibídem, p. 306.
24
«Los tatuajes biomecánicos dicen mucho sobre la condición humana en la cibercultura. La función
del tatuaje como marca de un estatus «marginal» queda desvirtuada por su uso como representación
de la alienación del cuerpo que embellecen. En el laberinto de dualismos de la cibercultura, la
carne es la mente del Otro. Aún más, le asignan resonancias extrañas y nuevas a uno de los
significados esenciales del tatuaje: “la expresión de lo que pasa dentro”, según Pat Sinatra.»
Ibídem, p. 310.
8
www.artciencia.com
artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

1.2. Corpo mutilado

Todos os anos, budistas radicais assombram o mundo com uma procissão


de devotos, que se auto-mutilam, exibindo-se com piercings de grandes dimensões
e diferentes formas. Actuações semelhantes e de igual provocação deram fama e
prestigio ao artista já mencionado anteriormente, Stelarc, que suspendido mediante
ganchos de aço inoxidável colocados na pele25, na obra, Pele Esticada (1976),
evoca o feto no interior do útero, pela suspensão do corpo, logo a ausência de
gravidade do próprio corpo26.

Este perfurar dos tecidos é uma forma de expressão tão velha como a
própria cultura, que existiu praticamente na totalidade das civilizações. Cerimónias,
envoltas, muito provavelmente, numa força mágica, que surgem espontaneamente
em povos distantes, e que geralmente identificam ritos de iniciação. Ritos estes, que
implicam um certo sofrimento como forma de aceder à condição de adulto. Dentro
dos rituais de perfurações cutâneas, é possível encontrar orifícios de grande
tamanho e onde se podem observar intervenções de alargamento contínuo dos
lóbulos ou lábios.

Por diversos motivos, com o passar do tempo, ficou no Ocidente, reduzido à


simples perfuração dos lóbulos, para aí serem colocados brincos. Mas o movimento
contestatário punk dos anos setenta retomou esta tradição como fazendo parte dos
atributos de identidade, ao mesmo tempo, como forma de provocação. Hoje, o
piercing, é parte integrante da massa social, e serve como forma de comunicação
corporal, de identificação tribal e de exorcismo dos valores caducos, amén de
outras motivações estéticas e sexuais, perfurando não só os pavilhões auditivos,
mas também partes insuspeitas de tecidos cartilaginosos, celulares e epiteliais.

25
«Es irónico que la fama del artista australiano se base en sus veinticinco “suspensiones”,
indudablemente rústicas, realizadas entre 1976 y 1988. (…) Inolvidables evocaciones de la
ingravidez prenatal, del primigenio anhelo de volar y del sueño espacial de flotar sin
gravedad, estas suspensiones eran testimonios de la victoria de la gravedad sobre el cuerpo
terreno.» Ibídem, p. 177.
26
WARR, Tracey; JONES, Amelia [2000: 184].
9
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

Inevitavelmente, esta transgressão das normas sociais gera resistência por


parte de alguma sociedade, o que de uma ou de outra forma contribui para que a
arte se apodere de todas estas incidências. Revelando os artistas, literalmente, com
o corpo diversas questões sociais: ideológicas, políticas ou religiosas, fazendo-o
com tal veemência, não poupando em esforços para alcançar os seus objectivos.
Nomes como o de Bob Flanagan27, Chris Burden ou David Nebreda, entre outros,
são expoentes do extremo ao que alguns artistas chegaram para expor as suas
convicções: o primeiro cria uma auto-mutilação genital que designa Auto-Erotic SM
(1989); o segundo num determinado momento, permite ser trespassado por um
disparo de uma arma28, enquanto fotografa o momento, entre outras situações
limite; enquanto que o terceiro, se submete a extremas experiências de auto-
castigo29 que incluem entre outras, cortes sangrentos, picadas, cozer a pele, etc.

Situações que evidenciam e mostram uma catarse, que de certa forma


denota a semelhança entre práticas ritualistas e os martírios que ocorreram ao
longo da história da humanidade30. Expediente a que a igreja católica recorreu
ostensivamente – como forma de propaganda dogmática que é exercida sobre um
sujeito desprovido e facilmente temeroso – com inúmeras obras artísticas, enquanto
mecenas de artistas, e onde corpos sofridos e martirizados ilustram uma profunda
agonia. Imagem que nos conduz directamente ao símbolo máximo da igreja, e onde
se dá o acoplamento de Cristo à cruz, designado por crucificação de Cristo. Um
perfeito efeito de unidade, que funciona como distensão física de intenção
fundamentalmente simbólica, indivisível no seu sofrimento [1]. Prótese-adorno de
intencionalidade transcendental, no que concerne à teologia católica, e onde
sensações de temor, dor, angústia, libertação e provocação, são emanadas,
permanecendo estas, como imagem intemporal na sociedade ocidental.

27
Ibídem, p. 109.
28
«Para la más conocida de sus obras, Shoot, se hizo disparar por un amigo en el brazo izquierdo
(19 de noviembre de 1971)… (…) La tortura es experimental.» RAMÍREZ, J. A. [2003: 78].
29
«De todo ello dan testimonio sus autorretratos, crudas presentaciones de una anatomía
demacrada hasta el extremo, amoratada por los golpes, sucia y ensangrentada.» Ibídem, p. 81.
30
«…porque el psiquismo humano es muy complejo, se busca la gratificación del placer a
través de alguna forma de castigo o de privación, como hacen los penitentes, los estoicos, los
ascéticos y los masoquistas.» GUBERN, Román [2000: 101].
10
www.artciencia.com
artciencia.com (ISSN 1646-3463) Ano V ● Número 11 ● Setembro 2009 - Janeiro 2010

As relações entre arte e as representações do domínio sobre os corpos, vêm


sendo amplamente demonstradas na história, assim como no padecer dos corpos.

[1] DIVINUS DEITATE, 2009 – Sá Cabral

Razões que o espaço plástico contemporâneo incorpora e sobre as quais reflecte,


possibilitando sobre estas questões sentidas pelo sujeito31, indagar na psique
humana. Ao mesmo tempo que fala dos limites da tolerância, do sofrimento dos
corpos32, do desejo, da vida e do limiar da morte.

31
«Los humanos hemos desarrollado un mecanismo con el que negamos al animal, y al humano
degradado a la categoría de animal, la capacidad de sufrir un dolor, estableciendo a partir de ahí una
serie de estrategias en la que nuestra conciencia queda éticamente restablecida. Los fakires y las
tradiciones iniciativas probaban los límites del dolor corporal como una fuente de
conocimiento. El artista australiano Stelarc transvasa esta concepción al arte, dándole al
movimiento denominado en los años 60 body art un giro más introspectivo. Se suspende en el
aire colgado de ganchos que engarzan en su piel. Son acciones que se relacionan con los rituales de
la India pero en un contexto más tecnológico. Los cables son como las líneas de tensión que forman
parte del diseño virtual del cuerpo suspendido; y la piel estirada forma un paisaje gravitacional que
conecta con el deseo primario de flotar.» REKALDE, Josu (y otros) [1997: 19].
32
«El dolor físico realiza cambios en el rostro, y en la musculatura que el arte es capaz de
expresar elocuentemente.» MAZZEY, María Leicia Díaz Soto de [1976: 87].
11
www.artciencia.com
TECIDO CUTÂNEO VERSUS ADORNO: TELA CORPORAL Vasco J. Cabral De Sá

Bibliografía:
DERY, Mark [1998]: Velocidad de Escape – La cibercultura en el final de siglo, Madrid,
Siruela S.A.
GOLDBERG, Roselee [1967]: Performance Art, Barcelona, Destino.
GUBERN, Román [2000]: El Eros Electrónico, Madrid, Tauros.
HANBLES Gray, Chris (Ed) [1995]: Cyborg Handbook. United Sta-tes of America:
Routledge.
HARAWAY, D. [1995]: Ciencia, cyborgs y mujeres – La reinvindicación de la naturaleza,
Cátedra, S. A.
LACAN, Jacques [1988]: De la creación ex nihilo, en El Seminario de J. Lacan, Libro 7, La
ética del Psicoanálisis 1959 – 1960, Paidós, Buenos Aires.
MAZZEY, María Leicia Díaz Soto de [1976]: La história de la medicina y el arte; Buenos
Aires: El Ateneo.
PARMESANI, Loredana [2000]: Art of the Twen-tieth Century, Movements, Theories,
Schools and Tendencies 1900-2000, Italiy, Skira.
PEDRAZA, Pilar [2002]: Teratología y Nueva Carne, texto incluido en La Nueva Carne, una
estética perversa del cuerpo, España, Valdemar.
RAMÍREZ, J. A. [2003]: Corpus Solus – Para un mapa del cuerpo en el arte
contemporáneo, Siruela
REKALDE, Josu (y otros) [1997]: Lo tecnológico en el Arte, de la cultura vídeo a la cultura
ciborg; Aso-ciación de Artistas de EusKal Herria /Euskal Herriko Artista Elkartea (Me-diaz),
Barcelona.
SARMIENTO, José Antonio [1999]: El arte de la acción. Nitsch. Mühl. Brus. Schwarzkogler,
Centro de Arte La Granja, Santa Cruz de Tenerife
VIRILIO, Paul [1993]: O Espaço Crítico; Rio de Janeiro: Editora 34.
WARR, Tracey; JONES, Amelia [2000]: The Artist’s Body, London, Phaidon.
WIENER, Norbert (1964) [1988b: 58]: Dios & Golem, SA. México D.F: Siglo Ventiuno
Editores.

Urlgrafía:
PERA, Cristóbal [2001]: Url: Cuerpo-artefacto, pêro humano. Diário Médico (1 de marzo);
em Url: http://www.diariomedico.com/grandeshist/numero2000/cirugia.pdf
YEHYA, Naief [2003]: Apuntes para una historia de la poshumanidad, enero: Url:
http://www.letraslibres.com

12
www.artciencia.com

Você também pode gostar