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O humor como fator de resiliência

Reginaldo Branco da Silva – Psicólogo

www.porumbrasilresiliente.blogspot.com

Quando se analisa a resiliência (não necessariamente pessoas resilientes), pode se


observar que ela é fruto de um multivariado sistema de crenças, atitudes, movimentos,
memória, afetos (no sentido de afetar e ser afetado). Esse sistema, por sua vez, é fruto
de fatores individuais (inteligência, bom humor, espiritualidade, competência,
sociabilidade, auto-estima, etc) e sociais (família continente, escola acolhedora, rituais
comunitários e religiosos, certa quantidade de amigos, perspectivas de futuro, etc). Essa
junção de características individuais e sociais que se tornam fatores de proteção faz com
que o sujeito consiga superar as adversidades com maior facilidade e, apesar de ser
ferido por elas, consegue aprender e muitas vezes se sair melhor do que estava antes.

Dentre esses fatores de proteção o senso de humor pode representar um grande aliado
com relação à perspectiva lançada sobre as adversidades. É uma perspectiva porque
cada sujeito reage diferentemente a cada problema, e o mesmo sujeito poder reagir
diferentemente ao mesmo problema em cada época e em cada contexto de sua vida.
Essa forma de reagir é importante, pois ela dá o tom do enfrentamento (coping) que o
sujeito realiza em relação à adversidade, aumentando sua chance de superação. Mas
como o humor ajudaria nisso?

O humor é um procedimento defensivo, agindo como fator de proteção, uma espécie de


ajustamento psíquico, ajudando na aceitação madura dos fatos da vida, perspectivando
as adversidades, permitindo ao sujeito tomar distância dos problemas, observando-os
com outro olhar e encontrando soluções adequadas para eles. Essa perspectiva permite
que o problema seja encarado de forma não trágica, mas sim de forma dramática,
enlaçando o sujeito e tornando-o ator da situação, ou seja, alguém que sofre, mas
também pode atuar na sua solução. Trata-se de transformar uma percepção que machuca
em representação que faz sorrir, segundo Cyrulnik, em encontrar aspectos positivos em
situações que nem imaginávamos que pudessem existir.

Essa passagem da tragédia (algo determinado e sem solução aparente, que leva à
paralisia operante) ao drama (ação e possibilidade de mudanças) pode ser tanto causa
como consequência da resiliência (difícil definir quando é uma coisa e outra).

A possibilidade de usar o humor (ou seu sentido) como arrefecimento da desgraça, da


dor, ocorre desde a infância e geralmente é grafada, “ensinada” pelos pais. A mãe que
assopra o machucado da criança e diz que “já passou” transforma a dor (tragédia) em
uma cena dramática carregada de outro sentido, o que alivia a sensação da criança,
transformando a situação em algo mais suportável, positiva, marcada pelo afeto. Essas
cenas são gravadas pela criança e usadas mais tarde como molde frente às situações
difíceis, tornando-as risíveis e mais leves.

Ser bem humorado facilita os relacionamentos, atrai mais pessoas, mas também exige
um gasto maior de energia. Enfrentar todas as situações de bom humor e conseguir
reduzir as tensões das situações conflituosas não é para todos. Rir de sua própria
desgraça é uma arte e quem consegue isso ganha uma força interior maior. Essa
capacidade de usar o humor é bem vinda no mundo dos adultos, mas não é bem vista
por todos. E há pessoas que usam o humor somente como defesa, de forma destrutiva,
atacando os outros de forma irônica, tentando obter algum ganho com isso; não creio
que esse tipo de humor seja o que leva a pessoa a se tornar resiliente: pode até reduzir
suas tensões internas com essas atitudes, mas também estará afastando as pessoas de seu
convívio.

Existem muitas teorias (psicológicas, sociológicas, filosóficas) que explicam o humor e


sua função e algumas delas até podem “ensinar” as pessoas a serem bom humoradas, a
usar o senso de humor a seu favor, mas creio que isso tem que vir desde criança mesmo.
Um dia escrevo um pouco mais sobre essas teorias.

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