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TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RIDÍCULAS

Todas as cartas de amor são


Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,


Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,


Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia


Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje


As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,


Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Álvaro de Campos
CARTAS DE AMOR DE GRANDES HOMENS

Querida Mulherzinha: … Peço-te que não estejas triste; que olhes pela saúde e tenhas
cuidado com as aragens primaveris; não saias sozinha – de preferência não saias de todo;
tenhas a certeza absoluta do meu amor; que a tua conduta seja cautelosa, não só para a tua
honra e a minha, mas pelas aparências. Não te zangues por pedir isto. Devias amar-me ainda
mais por dar valor à tua honra… Que coisas tens feito? Tenho uma curiosidade natural por todas
estas coisas.

(Wolfgang Amadeus Mozart, 1756-17919, para sua mulher Constanze Weber)

Minha querida e amada Emma: Possa o deus das batalhas coroar os meus esforços
com êxito! Em todo o caso tudo farei para que o meu nome seja sempre o mais querido para ti e
nossa filha, a quem eu amo tanto como a minha própria vida; e como a minha última carta antes
da batalha é para ti, espero em Deus que viva para a terminar depois dela.

(Lord Nelson, 1758-1805, para Lady Emma Hamilton, sua amante e mãe da sua filha)

Anjo, acabo de saber que há correio todos os dias. Tem calma, ama-me – hoje – ontem.
Que saudades em lágrimas por ti. Tu, a minha vida, meu tudo, até breve. Oh, ama-me sempre,
nunca duvides do meu coração fidelíssimo. Do teu amado.

(Ludwing Van Beethoven, 1770-1827, carta nunca enviada para a sua amada imortal, de identidade nunca determinada)

Deixei de vos amar e, pelo contrário odeio-vos. Sois horrenda, muito grosseira, muito
estúpida, uma verdadeira Cinderela. Não me escreveis de todo, não amais o vosso marido.
Conheceis o prazer que as vossas cartas lhe dão, e não lhe escreveis nem seis linhas, mesmo
numa caligrafia descuidada. O que fazeis todo o dia, Madame? (…) Josephina, tem cuidado,
uma destas noites as portas vão abrir-se e eu estarei aí. …. Escreve-me depressa quatro
páginas, dizendo aquelas coisas ternas que enchem o meu coração de sentimento e prazer.
Espero há muito estreitar-te nos meus braços e fazer chover sobre ti um milhão de beijos tão
quentes como o equador.

(Napoleão Bonaparte, 1769-1821, para sua mulher Josephine)


Oh, como gostaria de passar metade do dia ajoelhado aos teus pés, com a cabeça no
teu regaço, sonhando belos sonhos, contando-te os meus pensamentos em langor, em enlevo,
por vezes em silêncio, mas beijando o teu robe!... Ó minha bem amada Eva, luz dos meus dias,
luz das minhas noites, minha esperança, minha adorada, minha inteiramente amada, minha
única querida, quando te verei? (…) Um beijo, meu anjo da terra, um beijo saboreado
lentamente, e boa noite!

(Honoré de Balzac , 1799-1850, para a Condessa Ewelina Hanska, sua amante e mais tarde sua mulher)

Minha gentil: Quem me dera ser uma ave: arrancaria uma pena às minhas asas e,
voando ao céu, embebê-la-ia na tinta da aurora, naquela tinta vermelha com que os anjos
escrevem cartinhas de namoro às estrelas… quem me dera escrever-te com uma pena assim, e
com uma tinta igual – eu seria, pela primeira vez, anjo, e tu serias o que há muito és: estrela.

(António Nobre, 1867-1900, a Cândida Ramos, de quem estava enamorado)

Passaram seis anos desde que alcancei o meu maior êxito na vida ao conquistar-te. (…)
és querida por mim todos os dias, ainda mais do que o último aniversário; és mais querida então
mais do que um ano antes – tu és cada vez mais querida desde o primeiro aniversário, e não
duvido que esta bela progressão continuará até ao fim. Olhemos para os futuros aniversários,
com a idade e os cabelos grisalhos, sem medo e sem tristeza, confiando e acreditando que o
amor que temos um pelo outro será suficiente para os tornar abençoados.

(Mark Twain – Samuel Langhorne Clemens, 1835-1910, para Olívia Langdon, sua mulher)

Minha querida Kitty: cheguei são e salvo, excepto pelo vazio do meu coração, que tu
provocaste, como uma querida e encantadora desmazelada que és. (…) Estou sentado sozinho
e solitário no meu quarto (dez da noite, depois do teatro) e daria um guinéu por uma carícia da
tua mão.

(Laurence Sterne, 1713-1786, para Catheriine Fourmantel, sua amante)


Não vais acreditar na saudade que me possui. A razão principal é o meu amor e o facto
de não me habituar a estarmos tão longe um do outro. (…) Os meus passos levam-me, verdade
seja dita, ao teu quarto, mas não te encontrando aí, regresso de coração triste e desconsolado,
qual amante rejeitado. Pensa tu o que tem sido a minha vida, quando só encontro o meu
repouso na labuta, e o meu consolo no infortúnio e na angústia. Adeus.

(De Plínio, o Novo, 61 D.C. – 112 D.C, para Calpurnia, sua mulher)

Minha adorada noiva: (…) São sempre difíceis de acabar as minhas cartas – porque não
ouso escrever os finais como os sinto. J'ai peur de vous effaroucher. E depois da sua proud
reserve assusta-me um pouco. E assim só digo que te adoro, meu querido amor.

(Eça de Queirós, 1845-1900, para Emília de Castro Pamplona, sua noiva e futura mulher)

Meu querido Bebezinho: Não te admires de certo laconismo nas minhas cartas. As
cartas são para as pessoas a quem não interessa mais falar: para essas escrevo de boa
vontade. A minha mãe, por exemplo, nunca escrevi de boa vontade, exactamente porque gosto
muito dela. Quero que sintas isto, que saibas que eu sinto e penso assim a este respeito, para
não me achares seco, frio, indiferente. Eu não o sou, meu Bebezinho, minha almofadinha cor-de-
rosa para pregar beijos (que grande disparate!). Mando um meiguinho chinês. E adeus até
amanhã, meu anjo. Um quarteirão de milhares de beijos do teu, sempre teu. Fernando.

(Fernando Pessoa, 1888-1935, para Ofélia Queiroz)

Considera, meu amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. Desgraçado!, foste
enganado e enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que esperaste tanto prazer
não é agora mais que desespero mortal, só comparável à crueldade da ausência que o causa.
Há-de então este afastamento, para o qual a minha dor, por mais subtil que seja, não encontrou
nome bastante lamentável, privar-me para sempre de me debruçar nuns olhos onde já vi tanto
amor, que despertavam em mim emoções que me enchiam de alegria, que bastavam para meu
contentamento e valiam, enfim, tudo quanto há? Ai!, os meus estão privados da única luz que os
alumiava, só lágrimas lhes restam, e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube que
te havias decidido a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco tempo.
Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa, já vou tendo
afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os
meus suspiros vão ao teu encontro, procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto
desassossego, só me trazem sinais da minha má fortuna, que cruelmente não me consente
qualquer engano e me diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em
vão, e de procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares para te fugir, que
está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só instante nas tuas mágoas, que
dispensa todo este arrebatamento e nem sequer sabe agradecer-to. Mas não, não me resolvo, a
pensar tão mal de ti e estou por demais empenhada em te justificar. Nem quero imaginar que me
esqueceste. Não sou já bem desgraçada sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei-de
eu procurar esquecer todo o desvelo com que me manifestavas o teu amor? Tão deslumbrada
fiquei com os teus cuidados, que bem ingrata seria se não te quisesse com desvario igual ao que
me levava a minha paixão, quando me davas provas da tua. Como é possível que a lembrança
de momentos tão belos se tenha tornado tão cruel? E que, contra a sua natureza, sirva agora só
para me torturar o coração? Ai!, a tua última carta reduziu-o a um estado bem singular: bateu de
tal forma que parecia querer fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada de comoção que
durante mais de três horas todos os meus sentidos me abandonaram: recusava uma vida que
tenho de perder por ti, já que para ti a não posso guardar. Enfim, voltei, contra vontade, a ver a
luz: agradava-me sentir que morria de amor, e, além do mais, era um alívio não voltar a ser
posta em frente do meu coração despedaçado pela dor da tua ausência.

(Mariana Alcoforado, uma freira portuguesa apaixonada por um oficial francês)

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