Radiografias odontológicas: Fonte de informação para a identificação humana

Relato de Caso/
Ferreira CaseR.;Report
da Silva, et all

Radiografias odontológicas: Fonte de informação para

a identificação humana
Dental Radiographs: Sourche of information for the
human identification
Rhonan Ferreira da Silva*, Sávio Domingos da Rocha Pereira**, Solon Diego Santos Carvalho Men-
des***, Décio Ernesto Azevedo Marinho****, Eduardo Daruge Júnior*****

*Mestre em Odontologia Legal e Deontologia FOP/UNICAMP. Perito Oficial da Polícia Técnico-Científica

(GO).
** Mestre em Odontologia Legal e Deontologia FOP/UNICAMP.
***Perito Oficial da Polícia Técnico-Científica (GO).
****Prof. Assitente de Medicina Legal - UFG. Perito Oficial da Polícia Técnico-Científica (GO).

Descritores Resumo

Identificação Humana, Odontologia
Legal, Radiografias Odontológicas.
A Odontologia Legal pode contribuir para o esclarecimento de diversos aspectos jurídicos
e a identificação humana de cadáveres em avançado estágio de decomposição, esque-
letizados e carbonizados constitui uma das áreas mais importantes desta especialidade.
Sabendo que a técnica de identificação odontolegal necessita de material adequado
para a realização do confronto de informações e as radiografias odontológicas contêm
características relevantes para o processo de individualização das pessoas, o presente
trabalho tem como objetivo demonstrar a importância destas peças, especialmente as 239
periapicais, como fonte de informação para a identificação humana. Neste contexto,
será apresentado um caso pericial onde foram utilizadas radiografias contendo ima-
gens com qualidade apropriada para confronto e que permitiram a determinação da
identidade de um indivíduo que veio a óbito decorrente de acidente automobilístico
seguido de incêndio. Com o correto processamento e arquivamento das radiografias
odontológicas, os clínicos poderão ter em sua guarda uma documentação que permita
o adequado acompanhamento dos tratamentos odontológicos realizados e, eventual-
mente, subsidiar informações para a Justiça.

Key-words Abstract
Human identification, Forensic dentistry, The Forensic Dentistry can contribute to the explanation of several juridical aspects
Dental radiographs. and the human identification of cadavers in advanced decomposition, skeletal and
charred it constitutes one of the most important areas of this specialty. Knowing that
the technique of dental identification needs appropriate material for the accomplish-
ment of the confrontation of information and the dental radiographs contains important
characteristics for the process of the people’s individualization, the present work has
as objective points out the importance of these pieces, especially the periapicals, as
source of information for the human identification. Inserted in this context, a forensic
case will be presented where radiographs were used containing images with appropriate
quality for confrontation and that allowed the determination of an individual’s identity
that came to death due to automobile accident followed by explosion. With the correct
processing and archiving of the dental radiographs, the clinicians can have in your guard
a documentation that allows the appropriate accompaniment of the dental treatments
accomplished and, eventually, to subsidize information for the Justice.

Correspondência para / Correspondence to:

Rhonan Ferreira da Silva
Av. Arumã Qd. 186 Lt. 06 Parque Amazônia. Goiânia (GO). CEP 74835-320.
e-mail: rhonanfsilva@aol.com

Odontologia. Clín.-Científ., Recife, 5 (3): 239-242, jul/set., 2006

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INTRODUÇÃO
A Odontologia Legal ou Forense é a ciência que relaciona
a Odontologia com o Direito, destacando-se principalmente nas
identificações humanas. A definição desta especialidade por
Moreira e Freitas8 (1999) demonstra uma das principais áreas
de atuação do Cirurgião-Dentista investido na função pericial
que é a determinação da identidade de um indivíduo por meio
da análise das características odontológicas (identificação
odontolegal).
É sabido que um processo de identificação humana
deve atender a exigências biológicas, tais como a unicidade
e imutabilidade das características analisadas, e requisitos
técnicos como a classificabilidade e praticabilidade destes
achados4. Fundamentada nestes requisitos, a análise papi-
loscópica atualmente constitui o processo de identificação
humana mais praticado em todo o mundo. Entretanto, diante
de situações onde os corpos vêm a óbito por catástrofes de
grandes proporções, acidentes de tráfego ou por outros meios
que alterem significativamente os tecidos moles, a Odontologia
destaca-se no meio pericial pela confiabilidade dos resultados
e pela praticidade da técnica.
A viabilização do exame odontolegal está diretamente
relacionada com a qualidade e o tipo de material apresentado
para confronto, ou seja, com o conteúdo da documentação
clínica odontológica. Das diversas peças que integram esta
documentação, a ficha clínica odontológica é a mais utilizada
com finalidade legal1. Atualmente, por recomendação e orien-
tação do Conselho Federal de Odontologia, a ficha clínica deve
ser substituída ou ampliada por um prontuário odontológico2,
por este último constituir um documento mais completo e com
maior possibilidade de registros de informações decorrentes do
tratamento odontológico.
240 Por outro lado, dentre os exames complementares, as ra-
diografias odontológicas se destacam pela enorme quantidade
de informações que podem auxiliar nas questões jurídico-legais
tanto em casos de alegação de “erro odontológico” quanto nos
casos de identificação odontolegal10,12.
Diante da grande importância das radiografias no contexto
pericial, o presente trabalho tem como propósito evidenciar,
por meio de um caso concreto, a importância das radiogra-
fias periapicais odontológicas como subsídio no processo de
identificação humana bem como a necessidade de atuação do
Cirurgião-Dentista junto aos Institutos Médico-Legais.
Figura 1 - Vista oclusal dos arcos dentários superior e inferior
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RELATO DO CASO
Em 2004, uma pessoa veio a óbito decorrente de aciden-
te automobilístico seguido de incêndio. Depois de efetuados
os exames periciais no local, o cadáver, que se encontrava
carbonizado, foi removido para o Instituto Médico-Legal da
região para a realização dos exames necroscópicos de rotina,
determinação da causa da morte e identificação do corpo.
As investigações policiais indicaram a provável identidade
da vítima, mas pelo fato dos tecidos moles remanescentes e
polpas digitais estarem destruídos, o reconhecimento pela
face e a identificação papiloscópica tornaram-se inviáveis.
Diante desse obstáculo, buscou-se junto aos supostos fami-
liares qualquer tipo de documentação médica ou odontológica
relacionada com a pessoa desaparecida. Os resultados desta
busca revelaram a existência de um prontuário e radiografias
odontológicas de um tratamento realizado em 2001, que numa
análise preliminar possibilitavam um confronto odontolegal.
Durante a necrópsia odontológica, foram realizadas
incisões duplas, ambas iniciadas no ângulo da boca no sen-
tido ântero-posterior, onde a primeira é finalizada na região
correspondente ao trágus e a segunda na região do ângulo
mandibular, bilateralmente6. Apesar do considerável grau de
carbonização do cadáver, esta técnica necroscópica permitiu
o acesso adequado aos arcos dentários superior e inferior
que se apresentavam bem preservados – figura 1. O conjunto
maxilo-madibular foi então enucleado, limpo, tomando-se os
cuidados necessários para a preservação dos remanescentes
ósseos e dentários. Após esta etapa partiu-se para a coleta de
informações odontológicas além da realização das radiografias
pós-morte, tentando-se reproduzir a mesma posição das to-
madas feitas ante-mortem, utilizando uma técnica adaptada
à proposta por Hubar e Carr3 (1999).
Todas as particularidades presentes nos arcos dentários
do cadáver e as informações extraídas da documentação
odontológica foram agrupadas nos odontogramas A e B, respec-
tivamente - Figura 2. Após a comparação destas informações,
foram obtidos dez pontos positivos de confronto relacionados
com a ausência de elementos dentários, presença de trata-
mentos endodônticos além do formato, tipo de material e
localização dos procedimentos restauradores.
As radiografias permitiram a observação e análise dos
pontos mais relevantes tais como o formato característico da
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Figura 2 - Odontogramas contendo as informações obtidas no exame do cadáver (A) e as informações

obtidas da documentação odontológica (B).

241

Figura 3 - Confronto odontolegal das radiografias produzidas em vida (2001) com as produzidas após a
morte (2004), evidenciando as particularidades nos dentes 16,36 e 46.

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restauração de amálgama do primeiro molar superior direito
(dente 16*) e os tratamentos endodônticos presentes nos
primeiros molares inferiores (dentes 36* e 46*) – figura 3.
*Notação dentária adotada pela Federação Dentária
Internacional (FDI).
DISCUSSÃO
Os métodos de identificação podem ser divididos em
dois grupos: reconstrutivos e comparativos9. O primeiro, que
envolve a Antropologia Forense, utiliza parâmetros estatís-
ticos associando características qualitativas e quantitativas
a determinado grupo populacional. O segundo, que inclui o
exame odontolegal, depende de documentação produzida em
momento anterior à época do exame e que sirva de base de
confronto para a individualização do objeto periciado. O exame
genético também se enquadra no grupo comparativo e apesar
de demonstrar resultados extremamente confiáveis, fica aquém
do exame odontolegal quando são considerados o custo e o
aparato tecnológico para a execução da técnica13.
O exame odontolegal contribui significativamente para a
identificação de corpo em decomposição avançada, esquele-
tizados e carbonizados. Diante destas situações, normalmente
utiliza-se mais de uma metodologia de identificação e o tra-
balho do Cirurgião-Dentista em conjunto com outros peritos é
fundamental para se atingir o objetivo maior: a determinação
da identidade de um indivíduo.
Em âmbito internacional, Lau et al.5 (2005) demonstra-
ram que a presença de Cirurgiões-Dentistas nas equipes de
peritos que identificaram as vítimas das ondas gigantes na Ásia
é imprescindível. A atuação destes profissionais em conjunto
com patologistas forenses, peritos em papiloscopia e em DNA
foi determinante na identificação das vítimas (aproximadamente
242 200.000 pessoas) cuja maioria dos corpos se encontrava em
avançado estágio de decomposição.
Entretanto, o maior suporte para a identificação odon-
tolegal advém da documentação clínica produzida cotidiana-
mente pelos clínicos. Daí a importância de se conscientizar a
classe odontológica da necessidade de se registrar e arquivar
adequadamente as informações e dados obtidos durante os
atendimentos de rotina.
As radiografias odontológicas, especificamente, possuem
grande importância clínica como ferramentas de auxílio no
diagnóstico, planejamento e execução dos diversos tipos de
tratamento odontológico, sejam estes preventivos, corretivos ou
reabilitadores. Associada à finalidade clínica, a documentação
radiográfica pode constituir relevante fonte de prova em ques-
tões periciais, mas para subsidiar efetivamente os processos
juciciais estas peças devem ser devidamente processadas e
arquivadas. Mailart et al.7 (1991) demonstraram, por meio
de simulações em um crânio seco, que as variações no pro-
cessamento das radiografias (revelação, fixação e lavagem)
podem comprometer significativamente a imagem radiográfica
e, conseqüentemente, uma possível fonte de prova material.
Ramos et al.11 (1994) alertam os clínicos para o correto pro-
cessamento e arquivamento das radiografias que, apesar de
constituírem requisitos óbvios para a obtenção de imagens com
qualidade, estas etapas são constantemente negligenciadas
por alguns profissionais.
No presente caso, a identificação positiva do corpo
carbonizado foi propiciada pela existência de documentação
odontológica e principalmente de radiografias repletas de in-
formações sobre as particularidades odontológicas da vítima
examinada.
Ao serem observadas corretamente as etapas de con-
fecção, processamento e arquivamento das radiografias, os
profissionais terão documentos importantes para o controle dos
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tratamentos odontológicos efetuados e, em acréscimo, terão a
oportunidade de oferecer provas de qualidade que subsidiarão
eventuais esclarecimentos à Justiça.
REFERÊNCIAS
1.Bonfim LL, Melo NS. Documentação odontológica. Rev. ABO
Nac, 2004; 12(3): 180-2.
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de Janeiro; 2004.
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reproduce antemortem film position. J Forensic Sci, 1999;
44(2): 401-4.
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ticas - Identificação humana, Volume II. Campinas: Millenium
Editora. 2006.
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Singapore’s Contribution to the International Disaster Victim
Identification Effort in Thailand. Ann Acad Med Singapore,
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10.Ramos DIA et al. Transposición dental y sus implicaciones
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11.Ramos DLP, Crosato E, Mailart D. Aspectos éticos e legais
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12.Silva RF, Cruz BVM, Daruge Júnior E, Daruge E, Francesquini
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13.Silva RF, Pereira SDR, Daruge Júnior E, Daruge E, Fran-
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Recebido para publicação em 17/01/2006
Aceito para publicação em 07/03/2006