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01.01.2006
Será que o tempo funciona da mesma maneira para todo mundo? Será que tempo é apenas uma
ilusão? O tempo é um mistério. E um assunto para a filósofa Viviane Mosé.
“Não me vejo sem esses compromissos, não me vejo sem a minha rotina. É bom
ter o tempo ocupado, ter coisa para fazer, bastante coisa. Eu gosto”.
Ela faz parte de uma geração que vive uma outra experiência de tempo. Um
tempo que parece correr cada vez mais depressa.
“Acho que o dia com 24 horas é muito pouco, devia ter mais horas, para eu me
ocupar mais, fazer mais coisas”, diz.
Você viu no último domingo que o tempo do relógio é uma invenção do homem
para organizar a vida em sociedade. A divisão entre horas, minutos e segundos,
passado, presente e futuro não existe na natureza.
E nós passamos a achar que o tempo do relógio é o próprio tempo do mundo, das
coisas, quando não é. Mas se não está no relógio, onde está o tempo?
“Existem dias que você fala assim: ‘Poxa, o tempo passou rápido’. Tem outros
dias que você fala assim: ‘Poxa, o tempo não quer passar’”, diz a dona-de-casa
Vera Lúcia Rosa.
Você já reparou que o tempo dos velhos não é o mesmo dos jovens? O tempo das
grandes cidades não é o mesmo das cidades do interior?
“É como se a nossa vida fosse cada vez mais cheia, mais densa, mais condensada
de atividades, de acontecimentos”, comenta Luiz Alberto de Oliveira.
Crianças e jovens da era digital, dos clipes, games e computadores têm uma
experiência de tempo muito mais acelerada do que seus pais tiveram no passado.
A física hoje considera que não existe apenas o tempo convencional, do relógio,
e sim vários tempos. A internet permite um deles, mas existem outros.
Você viu domingo passado que o filósofo Santo Agostinho dizia que o tempo foge,
escapa de nós. Mas para o filósofo francês Henri Bergson, ao contrário, o tempo
pode ser alargado, estendido. Pode ser vivido como duração.
Para ele, não conseguimos nos relacionar diretamente com o tempo porque
usamos a inteligência, e não a intuição. A nossa inteligência divide o tempo em
partes iguais e fixas - horas, minutos e segundos do relógio. Mas com isso
deixamos de vivenciar a passagem de um momento para outro, a duração do
instante.
Para facilitar nossa compreensão, vamos pensar em um rio. Ele muda o tempo
inteiro, mas ainda assim podemos perceber a sua continuidade, sua duração. Mas
se dividirmos o rio em várias partes, ele vai deixar de ser um rio. Da mesma
forma, o tempo. Quando dividimos o tempo em hora, minuto, segundo, perdemos
o fluxo, a continuidade, a totalidade do tempo. Perdemos a duração do instante,
do presente. Dessa forma, deixamos de viver o mais íntimo e essencial do
mundo.
O ofício é tradição de família: seu avô já trabalhava com relógios na Europa. Mais
de 40 anos de atividade deram a Jan outra visão sobre o tempo. Para ele, a
ansiedade nos rouba o instante.
“Todas as pessoas hoje não conseguem mais se situar em cada momento que elas
estão. Elas não estão ali. O tempo foge”, opina o relojoeiro.
“O ator, no processo de criação, é Deus. Ele tem o poder de lidar com o tempo.
O ator é um duplo. É quase como o jogo do ventríloquo, ou da marionete. Quer
dizer, o ator está sempre manipulando o tempo, ele está conduzindo o
espectador”, teoriza o ator Luís Mello.
Na arte, os ponteiros do relógio podem correr para trás. As leis do tempo, como
conhecemos, deixam de valer. O instante poético rompe com o instante do nosso
cotidiano. Era o que pensava o filósofo francês Gaston Bachelard.
“Se você conseguir, pelo menos aos poucos, ter consciência desse tempo e
tentar, como na arte, ali no momento, criar esse tempo para você como pessoa,
pessoa comum, que vai à farmácia, que vai ao supermercado... Você consegue
um tempo de andar pelas ruas, tempo de olhar. Observar as coisas”, opina Luís
Mello.
“O tempo do embrião talvez não seja o mesmo tempo do ancião. Talvez o tempo
da ira e da alegria não sejam rigorosamente os mesmos. Talvez haja uma
revolução para se fazer na experiência do tempo. Talvez seja necessário fazer
uma reengenharia do tempo”, diz o físico.